[livro] Globalização e Capitalismo Contemporâneo

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  • Edmilson Costa

    A globAlizAo e o cApitAlismo contemporneo

  • Edmilson Costa

    A globAlizAo e o cApitAlismo contemporneo

    editora expresso popular

    1 edio

    So Paulo - 2008

  • Copyright 2008, by Editora Expresso Popular

    Reviso: Geraldo Martins de Azevedo Filho e Miguel Cavalcanti YoshidaProjeto grfico, diagramao e capa: ZAP Design Impresso e acabamento: Cromosete

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorizao da editora.

    1 edio: novembro de 2008

    EdIToRa ExPRESSo PoPulaRRua abolio, 197 - Bela VistaCEP 01319-010 So Paulo-SPTelefax: (11) 3112-0941vendas@expressaopopular.com.brwww.expressaopopular.com.br

  • Sumrio

    INTRODUO ............................................................................................ 9As contradies do capital ......................................................................... 11

  • ApreSentAo

    Este trabalho o resultado da pesquisa de ps-doutoramento que conclumos no Instituto de Filosofia e Cincias Humanas (IFCH) da Unicamp em 2002, sob a orientao do prof. Dr. Ricardo Antunes. A verso que agora apresentamos mantm sua estrutura bsica, mas procuramos realizar uma melhoria no estilo da redao para adapt-lo publicao, bem como buscamos atualizar boa parte dos dados, sem que isso prejudicasse ou deformasse o trabalho anterior. Acrescentamos ainda uma introduo ao traba-lho, diferente das introdues que geralmente so realizadas em publicaes do gnero, com o objetivo de realizar uma tentativa de sntese do texto. Ou seja, em vez de fazermos uma concluso, elaboramos uma sntese logo no incio do trabalho para que o leitor possa ter um conhecimento mais abrangente do que vai ler.

    Alm disso, este trabalho tambm passou a integrar a primeira parte de uma pesquisa bem mais ampla que estamos realizando. Trata-se de uma trilogia, na qual o primeiro trabalho este A globalizao e o capitalismo contemporneo, mais dever ser seguido por mais dois trabalhos: A crise estrutural do capitalismo, onde pro-curaremos abordar teoricamente a natureza das crises do modo de produo capitalista e, principalmente, as especificidades da crise estrutural no ambiente da globalizao. O terceiro trabalho uma tentativa de construir elementos que posam contribuir para uma nova teoria do imperialismo, uma vez que os clssicos desse tema, em nossa opinio, hoje j no conseguem responder plenamente a todas as questes oriundas da globalizao.

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    Este trabalho no poderia ter sido realizado se no tivesse contado com a ajuda de amigos e alunos. Gostaria de agradecer inicialmente ao meu orientador, Prof. Dr. Ricardo Antunes, pela generosidade com que me abriu espao para a realizao desta pesquisa no Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, bem como a oportunidade de dar aulas naquela instituio, durante um ano, o que enriqueceu sobremaneira o debate e a pesquisa.

    Agradeo especialmente aos alunos do curso de Sociologia do Trabalho, da Unicamp, para quem ministrei aulas de globalizao e mercado de trabalho; aos alunos do curso de Relaes Inter-nacionais das Faculdades Metropolitanas Unidas, para os quais, durante quatro anos, lecionei a disciplina Empresas Transnacionais e Globalizao, bem como aos alunos do curso de ps-graduao da Escola de Sociologia e Poltica, com quem tive oportunidade de debater vrias partes deste trabalho ao longo de vrios anos em que lecionei naquela instituio.

    Este trabalho est dividido em cinco captulos, alm da introdu-o. No captulo I, realizamos um dilogo com as trs principais correntes que buscam refletir sobre a globalizao. Procuramos realizar um balano dos principais argumentos de cada uma delas, bem como uma apreciao crtica dos principais pontos polmicos envolvidos na discusso. Ao final do debate, tentamos enfatizar que a globalizao um dado da realidade, um fenmeno tpico do capitalismo contemporneo, com repercusses em toda a vida social contempornea, resultando num conjunto de fenmenos novos na economia e na sociedade.

    No captulo II procuramos investigar a natureza da concen-trao e centralizao do capital, a partir dos fundamentos tericos de Marx. Verificamos que a prpria lgica do desenvolvimento do capitalismo baseada na apropriao privada dos meios de produo e na concorrncia entre os capitalistas so fatores que alimentam a concentrao e a centralizao do capital. Portanto,

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    o processo de globalizao que observamos hoje, j estava inscri-to no cdigo gentico do capitalismo desde as suas origens, no devendo ser surpresa para ningum as fuses e concentraes contemporneas.

    No Captulo III analisamos a globalizao na rea produtiva e procuramos enfatizar que esse processo teve incio com a inter-nacionalizao da produo, cujo desenvolvimento proporcionou s grandes corporaes transnacionais o comando da economia real no mundo. Essas corporaes, em sua maioria absoluta, so oriundas dos pases centrais e funcionam como destacamentos avanados dos interesses do grande capital. Verificamos ainda que novos ramos industriais emergiram com a globalizao, como as tecnologias da informao, a engenharia gentica, a biotecnolo-gia, a nanotecnologia, entre outros, cujo desenvolvimento esto transformando o panorama industrial no mundo e dando um novo perfil classe operria.

    No Captulo IV abordamos a questo da globalizao das finanas, fenmeno que se desenvolveu de maneira extraordinria nas ltimas dcadas, transformando o plo financeiro no instru-mento hegemonizador da economia mundial, aps o processo de desregulamentao e liberalizao dos capitais iniciado no final da dcada de 70, com os governos Reagan e Tatcher. Hoje, o capital na rea das finanas tem a possibilidade de se valorizar 24 horas ao dia e seu volume de negcios atualmente muito maior do que o que circula na rbita produtiva. Mas esse descolamento entre as duas esferas do capital introduz um risco sistmico de carter mundial.

    No captulo V, analisamos as novas formas de organizao que o capital vem desenvolvendo em funo da globalizao. Observarmos que a formao dos blocos econmicos faz parte de uma macro-organizao do capital, que se completa com o processo de fuses e aquisies e a luta pela hegemonia mundial,

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    na qual os Estados Unidos vem realizando agressiva poltica bus-cando transformar-se numa potncia hegemnica indiscutvel, num ambiente de uma ordem mundial unipolar.

    Boa leitura.Edmilson Costa

  • introduo como tentAtivA de SnteSe

    A globalizao em curso em praticamente todas as regies da terra vem produzindo um conjunto de mutaes na vida social da humanidade. Trata-se, portanto, de mudanas que esto im-pactando fortemente a poltica mundial, a economia, o mundo do trabalho e as tradies culturais em todas as partes do planeta, quer influenciadas pelos meios de comunicao, quer pelo poder econmico-financeiro das grandes corporaes transnacionais.

    Concordemos ou no, gostemos ou no, a globalizao um fato cotidiano que permeia a nossa realidade, desde o creme dental que usamos, a roupa que vestimos, o tnis que calamos, o alimento enlatado que comemos, o programa de TV que assistimos, o jornal que lemos, o computador que utilizamos, o banco que recebemos o salrio ou realizamos negcios, a internet que navegamos, entre outros milhares de aspectos do nosso dia a dia. Portanto, a globa-lizao um fenmeno tpico do capitalismo contemporneo.

    No entanto, esta no uma discusso consensual entre os estudiosos. Podemos identificar quatro correntes em relao s interpretaes da globalizao: 1) os apologistas da globalizao, para os quais este fenmeno significa a redeno da humanidade e a retomada dos postulados naturais da economia, interrompidos aps a Segunda Guerra Mundial (FMI; Banco Mundial; OMC); 2) aqueles que negam a globalizao, afirmando tratar-se no s de um mito, mas principalmente de uma forma que as transnacio-nais encontraram para ampliar o domnio dos mercados (Hirst; Thompson, 1998); 3) aqueles que afirmam ser a globalizao um

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    fenmeno antigo, que vem desde os tempos das grandes navegaes, dos descobrimentos, sendo que alguns articulistas dessa corrente creditam tambm a globalizao ao incio do sistema capitalista (Petras, 1997; Amin, 2000); 4) e h ainda os que afirmam que a globalizao um fenmeno do capitalismo contemporneo e representa uma nova fase do imperialismo, com a qual nos soma-mos. Vejamos como se posicionam as quatro correntes.

    Os apOlOgistas da glObalizaOPara compreendermos o ciclo de mudanas de fundo opera-

    das na vida socioeconmica contempornea com a globalizao, necessrio enfatizar a importncia da nova ideologia do grande capital como instrumento especial de consolidao de sua hege-monia mundial. Nenhum sistema se sustenta se no estrutura um corpo de idias que o justifique e o viabilize social e politicamente. Nesse sentido, o grande capital, diante de falta de uma ideologia para o mundo globalizado, preferiu retornar ao estatuto ideolgico do sculo 18, buscando adapt-lo s novas condies da economia globalizada. Por isso o prefixo neo (novo) acrescentado da velha ideologia liberal.

    Os apologistas da globalizao estruturam seu pensamento a partir de alguns fundamentos bsicos: o mercado como instrumen-to regulador da vida social, a iniciativa privada como operadora do sistema, e o Estado mnimo desregulado como instrumento de garantia da propriedade e dos contratos. O mercado seria uma espcie de entidade mtica, um demiurgo capaz de regular desde as trocas de mercadorias nas mais distantes aldeias at o comrcio internacional, passando pela oferta e procura de trabalho, oferta e procura de sade, de previdncia social, educao, lazer, entre outros.

    Como instrumento mtico, impessoal e apoltico, teria a capaci-dade de harmonizar os conflitos de interesses, a liberdade de trocas e

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    os interesses coletivos. O Estado, ao se retirar da economia, e vender as propriedade pblicas para a iniciativa privada, passaria a cuidar das funes que lhes seriam especficas: proteger os contratos priva-dos, promover os mercados competitivos, garantir a propriedade. Com a iniciativa privada operando os instrumentos do sistema, haveria mais competio e maior eficincia econmica.

    Estes postulados, que passaram a ser conhecidos como neoli-beralismo, representam a sntese ideolgica da globalizao. Fun-cionam como uma espcie de gerenciador ideolgico no plano po-ltico, econmico, social e cultural dessa nova fase do capitalismo. Apesar de primitiva, a ideologia neoliberal conseguiu uma atrao espantosa no apenas do senso comum, mas em todas as camadas sociais das sociedades capitalistas. Irradiada exausto pelos meios de comunicao nos quatro cantos da terra, esta ideologia penetrou no mago da conscincia das pessoas, desde o mais simples cidado s mais sofisticadas elites financeiras. Quebrou valores e tradies longamente estabelecidos, tais como a solidariedade, a tica nas relaes sociais e econmicas, a busca de solues coletivas para os problemas humanos, as culturas regionais.

    Com a retaguarda da mdia, o neoliberalismo realizou um in-tenso processo de manipulao, procurando distorcer o significado das coisas e at mesmo as palavras de ordem da esquerda, alm de manipular a linguagem e reduzir os fenmenos socioecon-micos sua aparncia (Petras, 1997). Buscou ainda estimular os sentimentos mais atrasados das massas, revigorando preconceitos, exacerbando o xenofobismo, de forma a impor o individualismo mais mesquinho e a lgica do mercado e da iniciativa privada como normas para a vida social. Diariamente, o jornal, o rdio e a televiso realizam uma batalha ideolgica contumaz no sentido de transformar o neoliberalismo em referncia para o modo de vida da humanidade, de forma a que o grande capital tenha espao aberto para atingir seus objetivos estratgicos.

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    A ttulo de exemplo, a desregulamentao da economia, as privatizaes e a ofensiva contra direitos e garantias dos traba-lhadores so difundidos como reformas modernizadoras. O corte nos gastos pblicos, o aperto no crdito, a retirada do Estado da economia so apresentados como ajustes estruturais e a prpria palavra liberdade, to cara s foras de esquerda, especialmente na Amrica Latina, manipulada para servir aos interesses do grande capital (Petras, 1997). At mesmo invases a pases soberanos, como ocorreu na Yugoslvia e no Iraque, justificada em nome dos direitos humanos e da democracia.

    No que se refere poltica propriamente dita, o neoliberalismo no tem nenhum escrpulo. Desde que o governante cumpra os objetivos do capital financeiro especulativo dos pases centrais, esse dirigentes, por mais corruptos e desmoralizados que sejam, so tolerados e seus governos defendidos em fruns internacionais e na mdia. Assim, o neoliberalismo pode se utilizar de um bbado moribundo na antiga Unio Sovitica, como Yeltsin; um danarino de tango brega, como Menem na Argentina; um nissei histrinico e fascista, como Fujimori no Peru; um corrupto sofisticado, como Salinas de Gortari, no Mxico; ou ainda um intelectual que deu adeus ao proletariado, como Fernando Henrique Cardoso, no Brasil.

    Os neoliberais podem ser considerados hoje os fundamenta-listas do Ocidente, tendo em vista que, para estes, no importa os meios e os mtodos empregados para atingir seus objetivos. O que importa mesmo garantir a hegemonia neoliberal em todos os pases. O dirigente que no se enquadrar na nova ordem satanizado, desmoralizado internacionalmente e, na maioria das vezes, destitudo do poder pelas armas, pelo poder econmico, ou pelo poder manipulatrio dos meios de comunicao. O neo-liberalismo busca tambm desmantelar o mais rapidamente tudo o que foi construdo no perodo anterior globalizao. Essa nsia

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    para fazer o trabalho o mais rpido possvel est na raiz da intole-rncia e da agressividade com que os governos dos pases centrais, especialmente os Estados Unidos, procuram atingir e desqualificar seus adversrios.

    No entanto, se analisarmos pormenorizadamente, poderemos detectar uma enorme insegurana entre os defensores dessa ideolo-gia, talvez pelo fato de que esta doutrina, sempre que confrontada com o real, perde a substncia. Um balano do neoliberalismo nestes ltimos 25 anos pode ser considerado um desastre para a humanidade, tanto em termos econmicos quanto sociais, polticos e ecolgicos. Em todos os pases em que foi implantado ocorreu a concentrao de renda e aumento da pobreza; o mundo se tornou mais instvel e as crises econmicas, sociais e polticas mais cons-tantes, os trabalhadores perderam direitos e garantias conquistados h sculos, precarizou-se o trabalho e reduziram-se os salrios. S o grande capital, e os especuladores em especial, podem comemorar o advento de neoliberalismo.

    Vale ressaltar, entretanto, que o conjunto das mudanas de fundo operadas pelo neoliberalismo na sociedade contempornea s foram possveis porque ocorreu, a partir do final da dcada de 1970, e posteriormente com a eleio de Reagan e Tatcher, respec-tivamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, uma mudana qua-litativa na composio das classes dominantes dos pases centrais. O velho bloco de poder ligado ao antigo Capitalismo Monopolista de Estado, cujo poder se consolidara a partir dos anos 1930 nos Estados Unidos e, especialmente aps a Segunda Guerra Mundial, foi substitudo no centro de poder da Trade Imperial (EUA, UE e Japo) por um novo bloco de foras sociais mais agressivas e mais reacionrias.

    Estas foras subordinaram poltica e economicamente todos os outros setores da burguesia e impuseram a nova ordem mundial, baseada no neoliberalismo, como forma de organizao socioeco-

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    nmica da sociedade e o rentismo como instrumento particular de auto-acrescentamento do capital, aprisionando inclusive o setor produtivo e o Estado e seu oramento lgica da especulao financeira. Este novo bloco dominante comanda o processo de globalizao e est hoje no centro do poder mundial, buscando configurar o mundo sua imagem e aplicando uma espcie de vingana histrica de classe contra os trabalhadores.

    a glObalizaO cOmO um mitOA segunda corrente constituda por aqueles que argumen-

    tam ser a globalizao um mito e uma forma mistificadora que o grande capital encontrou para ampliar o espao das transnacionais, especialmente nos pases da periferia, bem como uma maneira de reduzir os espaos de soberania dos Estados nacionais perifricos e deix-los de mos atadas perante a inevitabilidade da globalizao. Argumentam ainda que a globalizao no s rouba a esperana de milhes de seres humanos em todo o planeta como tambm uma forma concreta do grande capital se apropriar das empresas pblicas e das empresas de capital nacional nesses pases, reduzindo assim ainda mais o espao de regulao do Estado (Hirst; Thompson, 1998; Batista Jr. 1998).

    Muitos dos autores dessa corrente, que consideram a globali-zao um mito, costumam sempre recorrer a duas intervenes de conhecidos personagens da vida estadunidense, o economista John Kenneth Galbraith e o ex-secretrio de Estado Henry Kissinger. Galbraith enftico no que se refere aos objetivos da globalizao: Globalizao um termo que ns, americanos, inventamos para dissimular nossa poltica de avano econmico em outros pases e para tornar respeitveis os movimentos especulativos do capital, enquanto Kissinger sentencia (apud Souza, 2001, p. 121): O desafio bsico do que se chama de globalizao na verdade outro nome para a posio dominante dos Estados Unidos.

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    Hirst e Thompson podem ser considerados os mais ardorosos defensores desta corrente. Escreveram um livro A Globalizao em Questo, onde pontuam cinco traos principais de sua tese: 1) a economia atual tem um grau de abertura menor do que no perodo de 1870 a 1914; 2) as empresas genuinamente transnacionais so muito raras e a maior parte dessas firmas tem bases nos pases centrais, podendo ser consideradas firmas nacionais com operaes interna-cionais; 3) o grosso da mobilizao dos capitais est localizado nos pases industrializados; 4) Os fluxos de investimento e das finanas esto concentrados nos Estados Unidos, Unio Europia e Japo; 5) as operaes econmico-financeiras que contam so aquelas realiza-das nos pases centrais: essas economias so responsveis por 80% do comrcio mundial, sendo que os cinco principais pases centrais absorvem 70% do investimento global (Hirst; Thompson, 1998).

    Os argumentos dessa corrente so basicamente corretos, afi-nal a globalizao a forma que o grande capital encontrou para ampliar o seu domnio no mundo. Eles conseguem desqualificar basicamente todos os argumentos dos apologistas da globalizao. No entanto, cometem um equvoco bsico, que negar a prpria globalizao. Ora, no se pode desqualificar um fenmeno sim-plesmente porque no se gosta dele. Nem tampouco comparar sem mediao o mundo sculo 19 e incio do sculo 20 com o atual. So grandezas completamente diferentes. Como a globalizao pode ser um mito se os prprios autores ao longo de seus textos criticam exatamente esse fenmeno e suas manifestaes? Os argumentos do a impresso de que, negando a globalizao, seria mais fcil combater suas manifestaes.

    Este tipo de atitude corresponde da avestruz, que imagina superar as dificuldades enterrando a cabea na areia. Na prtica, os autores dessa corrente contribuem para ofuscar teoricamente o fenmeno da globalizao, perdem a oportunidade de compreend-la e explic-la em toda a sua dimenso, bem como de elaborar uma

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    estratgia que permita super-la. Negando a globalizao, ajudam a desarmar os prprios crticos da globalizao, os afastam da luta concreta cotidiana contra a globalizao e os deixam teoricamente desamparados, afinal ningum vai teorizar ou combater um mito, um fenmeno que no existe.

    glObalizaO cOmO fenmenO antigOA terceira corrente composta pelos autores que afirmam ser

    a globalizao um fenmeno que sempre existiu. Alguns argu-mentam que a globalizao comeou com as viagens de Marco Plo China: O atual processo de internacionalizao mercantil, mediante a superao da distncia e das barreiras entre naes, comeou pelo menos desde a famosa viagem de Marco Plo ao Extremo Oriente (Singer, 2000, p. 14). Este autor diz tambm que as descobertas do sculo 16 foram financiadas por genoveses, que acumularam dinheiro com a China, ndia e Prsia. No caso da produo do acar no Brasil, pelos portugueses, a globalizao estava explcita: O acar era produzido nos engenhos do Nor-deste com capital holands, transportado em navios portugueses, consumido na Europa e os tributos eram cobrados pela coroa lusitana (Singer, 2000, p. 14).

    Mas a grande maioria credita o incio da globalizao s gran-des navegaes, enquanto alguns desses autores afirmam que esse processo comeou com o incio do capitalismo. Por exemplo, Petras ressalta que a globalizao comeou no sculo 15 com a expanso ultramarina do capitalismo e as conquistas da sia, frica, Amrica e Austrlia foram todas instncias da globalizao, sendo que este fenmeno mantm as matrizes de suas origens histricas, na qual as transnacionais de hoje desempenhariam um papel semelhante ao das companhias comerciais do passado (Petras, 1999).

    Amin (2001) divide o processo de globalizao em trs fases: a primeira comeou com a conquista das Amricas, dentro do marco

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    das economias mercantilistas; a segunda se baseou na revoluo industrial; e a terceira fase estaria se verificando com a queda da Unio Sovitica e dos pases do Leste. Amartya Sen tambm v a globalizao como um longo processo histrico:

    A globalizao no novidade nem se limita a ocidentalizao. Ao longo de milhares de anos, a globalizao vem progredindo por meio de viagens, comrcio, migrao, difuso de influncias culturais e disseminao de co-nhecimentos (...) Existe uma herana mundial de interao e as tendncias contemporneas se enquadram nessa histria (Sen, 2001). Apesar de se diferenciarem em ralao data precisa do incio

    da globalizao, todos esses autores concordam num ponto bsico: a globalizao um fenmeno antigo.

    Para observarmos a inconsistncia terica desses argumentos, e levarmos ao seu limite, poderamos dizer que a globalizao te-ria comeado quando os primeiros smios desceram das rvores, passaram a caminhar eretos e iniciaram o povoamento da terra. Estavam assim globalizando demografia. Ainda nesse contexto, os primeiros instrumentos de pedra eram nada mais nada menos que os cdigos genticos globalizantes dos robs e dos chips, afi-nal todo fenmeno da histria humana no pode estar desligado do passado, h um encadeamento em todos os acontecimentos passados, presentes e futuros da humanidade.

    O equvoco bsico desses autores reside no fato de no compreenderem que cada fase histrica corresponde a um momento especfico do desenvolvimento das foras produtivas. Se circunscrevernos nossa apreciao apenas para o perodo do capitalismo, poderemos indagar criticamente: como podem colocar num mesmo estatuto terico o mercantilismo, o capita-lismo concorrencial, o capitalismo monopolista e a globalizao e suas corporaes transnacionais da atualidade? Se pensarmos assim, estaremos apostando no relativismo absoluto, na antici-ncia. Uma coisa o desenvolvimento do comrcio a partir do

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    sculo 16, outra a produo e as finanas internacionalizadas da atualidade.

    Alm da questo de mtodo, os autores dessa corrente tam-bm contribuem para semear confuso nas hostes dos que lutam contra a ofensiva do capital no perodo da globalizao; ajudam a diluir o fenmeno em relao sua verdadeira essncia, tanto no que se refere s mudanas quantitativas e qualitativas que vem operando na humanidade quanto entre os trabalhadores; e ainda abandonam a tarefa de precisar com rigor cientfico a especificidade da globalizao. Nesse sentido, dificultam a elaborao de uma estratgia que permita super-la. Ao transformar a globalizao num fato corriqueiro, contribuem para vulgarizar o fenmeno, no lhe dar a importncia que merece, transform-lo num mero encadeamento de acontecimentos normais, que no merece uma nova teoria para explic-lo.

    Em outras palavras, incorrem num erro semelhante ao dos seus colegas que negam a globalizao, s que com sinais trocados. Primeiro, cmodo esnobar um fenmeno contemporneo deste porte e dizer que este sempre existiu. Assim, podem bater no peito, felizes, e decretar que no h novidade alguma na globalizao, que este um processo que sempre existiu ou que pelo menos comeou desde o sculo 16 ou mesmo desde os primrdios do capitalismo. Esse comportamento pode at fazer bem a uma alma aflita e pouco disposta reflexo, mas no resolve a questo. Ao contrrio, desarma aqueles que querem combat-la, e seus tericos perdem uma oportunidade especial de elaborar uma estratgica para enfrentar o problema.

    a glObalizaO cOmO um dadO da realidadeAo contrrio destas correntes, nosso entendimento parte do

    princpio de que a globalizao um fenmeno do nosso tempo, uma singularidade originria do capitalismo que foi construdo a

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    partir da segunda metade do sculo 20, quando as corporaes ini-ciaram a aventura da internacionalizao da produo. Deferencia-se da primeira e da segunda revoluo industrial, porque j nasce sem a possibilidade de desenvolver todo o potencial das foras produtivas e se viabilizar plenamente, em funo das limitaes estruturais do capitalismo nesta etapa da histria. A globalizao incorporou inovaes tecnolgicas radicais que proporcionaram ao capitalismo um enorme desenvolvimento, mas o sistema global de produo no possui condies de se desenvolver plenamente em funo de suas prprias contradies e, especialmente, da insufi-cincia mundial de demanda solvvel. Quanto mais se desenvolve, mais tem dificuldades de fechar a equao produo-demanda.

    Em outras palavras, no momento em que o capitalismo tem as melhores condies potenciais para desenvolver suas foras produtivas, exatamente neste momento em que est limitado por suas prprias contradies. As novas tecnologias e a reestruturao produtiva e gerencial encilharam o sistema num emaranhado de problemas, que se expressam mais claramente no fato de que cada unidade de trabalho vivo poupada representa uma dificuldade futura para a realizao das mercadorias, com o agravante de que, enquanto na primeira e segunda revoluo industrial buscou-se revolver o problema da demanda global, respectivamente, mediante a reduo da jornada de trabalho e ampliao do setor de servios, a globalizao emerge no momento em que no h mais setores a ocupar, nem os capitalistas esto dispostos a reduzir a jornada de trabalho. Retoma-se assim, de maneira completa, a contradio original do sistema, que se expressa entre o carter social da pro-duo e a apropriao privada dos seus resultados.

    Com a globalizao, pode-se dizer que o sistema se aproxima de um limite de reproduo enquanto potencialidade material, tendo em vista que se o capitalismo desenvolvesse plenamente seu potencial produtivo, haveria uma crise global de superproduo.

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    Esta contradio explica o fenmeno da financeirizao da rique-za, que se apresenta atualmente como o contraponto funcional da incapacidade do sistema desenvolver suas foras produtivas. Ou seja, os capitais excedentes, impedidos de se reproduzirem na esfera produtiva, buscam agora uma fuga para a frente na rbita das finanas, como se isso os liberasse do ajuste de contas com a realidade da lei do valor.

    Nessa nova aventura desesperada, o capital especulativo carrega consigo todos os outros setores do capital para a lgica da especulao e, com isso, aprofunda a crise geral do capitalismo, posto que, no longo prazo, impossvel a reproduo do capital sem obedecer a lei do valor. A criao da riqueza na rbita financeira uma aventura sem futuro, uma miragem capaz de levar momentaneamente parte dos capitalistas ao delrio, ofus-cando sua viso global do futuro. No entanto, quanto mais aprofundam esse modelo, mais ampliam a possibilidade de uma crise geral do sistema. (Costa, 2003).

    um sistema cOmpletO e madurOA globalizao tambm representa uma fase nova do capitalis-

    mo, perodo em que este modo de produo atingiu plenamente seu amadurecimento e se transformou num sistema mundial completo. At o perodo anterior globalizao, o capitalismo era completo apenas em relao a duas variveis da rbita da circu-lao o comrcio mundial e a exportao de capitais. Mas, ao expandir a mundializao para as esferas produtiva e financeira, bem como para os outros setores da vida social, o sistema unifi-cou globalmente o ciclo do capital, fechando assim um processo iniciado com a revoluo inglesa de 1640. (Costa, 2002)

    Ressalte-se a esse respeito que Lenin (o mais genial quadro terico do sculo 20), escreveu que o imperialismo seria a ante-sala do socialismo. Todavia, parece que houve certo otimismo nesta previso, uma vez que naquela poca o capitalismo monopoliza-

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    do estava apenas iniciando o seu processo de amadurecimento internacional, no estando portanto em condies plenas para as transformaes dialticas. Somente agora, com a globalizao, o capitalismo fecha o ciclo do seu desenvolvimento histrico. Nessa perspectiva, pode-se dizer que agora estamos muito mais prximos de uma transformao radical desse modo de produo do que no incio do sculo 20.

    Como tudo na natureza segue a lei da dialtica, podemos afirmar que o sistema capitalista teve seu desenvolvimento efetivo com a revoluo industrial, passou por uma fase superior com a segunda revoluo industrial e amadureceu completamente com a globalizao contempornea. Portanto, agora que j cumpriu o papel histrico de desenvolver internacionalmente as foras produtivas e a rbita da circulao, tende a sofrer transformaes profundas que mudaro a sua qualidade enquanto modo de produo, a exemplo do que ocorreu com as outras formaes socioeconmicas anteriores.

    Seu aparente esplendor globalizado esconde um conjunto de contradies originais que se reproduzem em bases ampliadas com a globalizao. Portanto, para compreender o fenmeno da globa-lizao e as possveis transformaes de um sistema agora completo deve-se tambm atentar para o fato de que uma transformao qualitativamente nova s poder ser efetiva se for viabilizada a partir do corao do sistema, onde potencialmente a luta de classes tem condies de pulsar mais intensamente.

    bem verdade que os elos dbeis continuaro cumprindo um papel essencial para o enfraquecimento geral do capital, enquanto forma global de dominao. Mas a sua crise profunda s poder configurar um estatuto terminal quando atingir o ncleo do poder, o corao da Trade Imperial. Em outras palavras: a crise geral do capitalismo s estar madura quando atingir os Estados Unidos, a Unio Europia e o Japo.

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    a glObalizaO da prOduO e cOmandO das transnaciOnais

    Para efeito puramente analtico, uma vez que a rbita pro-dutiva e financeira faz parte de um todo orgnico, dividimos esse fenmeno em dois segmentos: a globalizao produtiva e a globalizao financeira. A anlise em dois tempos uma forma de buscar penetrar mais fundo nas entranhas do fenmeno, para dele extrair mais plenamente uma compreenso que possibilite entend-lo plenamente, de forma a encontrar sadas que viabilizem alternativas para a humanidade.

    A globalizao da produo tem sua origem seminal com a internacionalizao da produo, ocorrida a partir da segunda metade dos anos 1950 e consolidada nos anos 1970 e 1980. Esse processo produziu um fenmeno novo no modo de produo ca-pitalista: pela primeira vez na histria do capitalismo a burguesia dos pases centrais passou a extrair o valor, de maneira generalizada, fora de suas fronteiras nacionais (Michalet, 1984)1. At ento, os oligoplios capturavam a mais-valia dos pases perifricos por meio do comrcio mundial e da exportao de capitais.

    A partir da globalizao, o sistema capitalista generalizou a produo internacionalizada, mediante a criao de centenas de milhares de filiais pelo mundo a fora e transformou o planeta numa esfera nica de investimento, realizao e acumulao de capital. Ao produzir internacionalmente, o grande capital passou a ter a possibilidade de se utilizar das melhores disponibilidades dos pases, quer em termos de mo de obra, quer em termos de matrias-primas, facilidades fiscais e creditcias, alm da precari-zao do trabalho, o que lhe permitiu recuperar as taxas de lucro e reconfigurar o sistema produtivo mundial.

    1 A extrao do valor fora das fronteiras nacionais foi amplamente abordada por Michalet, em seu livro Capitalismo Mundial (Paz e Terra, 1984), muito embora esta anlise no estivesse vinculada discusso sobre a globalizao atual.

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    Ressalte-se ainda que as duas revolues industriais anteriores foram realizadas de forma assimtrica nos pases centrais, ou seja, cada pas marcou sua maneira e em perodos diferentes a insero na industrializao. No entanto, o processo atual se desenvolve de maneira simtrica nos pases centrais, em funo da internacionali-zao da produo e da remonopolizao burguesa que ocorreu nos anos 1990. At mesmo os pases perifricos que tm em sua base territorial filiais das corporaes transnacionais esto vivenciando estas mudanas nos nichos de desenvolvimento l instalados.

    Com a globalizao da produo emergem novos ramos in-dustriais, tais como as tecnologias da informao, a microeletr-nica, a robtica, a engenharia gentica, a biotecnologia, os novos materiais, a nanotecnologia e at mesmo certos elementos de inteligncia artificial, cujas caractersticas representam uma terceira revoluo industrial no modo de produo capitalista. Essa nova revoluo industrial rompeu com os padres produtivos anteriores e est se consolidando como a indstria do futuro. Enquanto a nova indstria estrutura seu desenvolvimento, os velhos ramos de produo tpicos da segunda revoluo industrial, como metal-mecnica, o qumico, o plstico vo perdendo importncia diante da globalizao.

    Estas transformaes esto revolucionando o sistema capita-lista: se levarmos em considerao apenas as reas de engenharia gentica e biotecnologia e o horizonte que se abre com o mapea-mento gentico e os novos frmacos de origem natural, poderemos imaginar a imensa perspectiva do desenvolvimento das foras pro-dutivas. No entanto, no ter o mesmo impacto que as revolues industriais anteriores devido s prprias limitaes estruturais do sistema, referidas anteriormente.

    A globalizao da produo comandada pelas corporaes transnacionais, cujas empresas somam atualmente 63 mil, com 690 mil filiais (World Investment Report (WIR), 2002), que

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    estruturam o sistema produtivo a partir de padres internacionais de planejamento, tecnologia, organizao da produo, sistema de recursos humanos e normas administrativas. Estas empresas fun-cionam como destacamentos avanados dos interesses do grande capital no interior de cada pas, especialmente na periferia, onde operam com extraordinrias vantagens, tais como matrias-primas e mo-de-obra baratas, alm de incentivos fiscais e subsdios dos Estados onde se instalam.

    A maioria absoluta das empresas transnacionais do planeta originria dos pases centrais, para onde transferem parte expressiva da mais-valia gerada internacionalmente. Para se ter uma idia da dimenso do processo de concentrao empresarial no mundo, basta dizer que das 100 maiores empresas transnacionais produ-tivas da terra, apenas trs delas pertencem aos pases da periferia capitalista (WIR, 2002). O poder econmico das transnacionais to grande que muitas delas tm um volume de negcios maior que o Produto Interno Bruto de vrios pases. A General Motors, sozinha, tem um volume de negcios anual maior que os 48 pases menos avanados do mundo (Toussaint, 2002).

    Alm do gigantismo econmico, essas empresas controlam vrios setores da economia mundial - dos ramos de produo propriamente ditos ao comrcio mundial. Por exemplo, no setor de microprocessadores, apenas o grupo Intel controlava 60% do mercado mundial em 1997. Na aeronutica civil, somente dois grupos, Boeing e Airbus, detinham em 1998, 95% da produo mundial. No setor de equipamentos de comunicaes, em 1997, quatro grupos possuam mais 70% das vendas mundiais. Na rea de bancos de imagens, em 1994, trs empresas eram responsveis por 80% da produo mundial. Mesmo um setor maduro e de tecnologia generalizada, como de automveis, 10 empresas con-trolavam, em 1994, 76% da produo mundial (Toussaint, 2002; Chesnais, 1996) (Tabela 1).

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    Tabela 1 A concentrao mundial do capital no final dos anos 1980 e nos anos 1990

    Peas de vidro para automveis em 1998 Trs empresas detm 53% da produo mundialPneus em 1998 Seis empresas detm 85% da produo mundialProcessamento de Dados em 1987 Dez empresas detm 100% da produo mundialMaterial Mdico em 1989 Cinco empresas detm 90% da produo mundialCaf Solvel em 1994 Duas empresas detm 80% da produo mundialCereais em 1994 Duas empresas detm 75% do comrcio mundialBananas em 1994 Trs empresas detm 80% do mercado mundialTabaco em 1994 Trs empresas detm 87% do comrcio mundialBanco de Imagens em 1994 Trs empresas detm 80% da produo mundialAutomveis em 1994 Dez empresas detm 76% da produo mundialTelecomunicaes/Equipamentos em 1997 Quatro grupos detm 70% das vendas mundiaisAeronutica Civil em 1998 Dois grupos detm mais de 95% da prod. mundialMicroprocessadores em 1997 Um grupo controle 60% do mercado mundial

    Fonte: Toussaint, a partir de dados de Chesnais e Petrella, 2002.

    No que se refere ao comrcio mundial, as transnacionais romperam as tradicionais teorias das vantagens comparativas, ao transformar o comrcio intra-firma num elemento fundamental do comrcio mundial, atualmente por volta de 40% do volume global. Como se sabe, esse tipo de comrcio no obedece for-mao tradicional dos preos internacionais, posto que a relao entre matriz e filial de inteira subordinao, pelas razes naturais do comando do capital.

    Essa nova revoluo industrial opera, conseqentemente, uma mudana qualitativa no perfil da classe operria, que agora passa a ser composta por trabalhadores mais especializados, inclusive integrando os cientistas dos novos ramos industriais. A nova classe, pelo seu perfil e por sua posio no interior da fbrica, poder ser o contraponto efetivo ao processo de globalizao. No se trata mais de operrios tayloristas, que apenas cumpriam o trabalho rotineiro e programado no cho da fbrica, mas de uma nova classe, com um

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    papel muito mais importante na cadeia produtiva que os operrios da segunda revoluo industrial.

    No dever ser motivo de surpresa se dentro de alguns anos cientistas assalariados, analistas de sistema, os engenheiros ou fer-ramenteiros eletrnicos (os construtores dos chips), os engenheiros de gentica e da biotecnologia, os fsicos da nanotecnologia ou os web designers da internet liderarem o movimento operrio e buscarem a transformao necessria para a construo de um novo sistema econmico.

    glObalizaO financeira e hegemOnia dO sistema ecOnmicO

    A globalizao financeira um processo que est ligado internacionalizao da produo. As instituies financeiras, que nos pases centrais j estavam ligadas aos trustes e cartis, seguiram o caminho das corporaes transnacionais produtivas em sua aventura de criao do valor fora das fronteiras nacionais. Internacionalizaram suas atividades, facilitadas pelo fato de que as corporaes produtivas necessitavam de instituies financeiras slidas que possussem flexibilidade para atuar em escala mun-dial. O desenvolvimento dos negcios financeiros ganhou uma dinmica particular com a formao do mercado de eurodlares, especialmente em funo do reduzido grau de regulao na praa de Londres, onde centralizava-se esse mercado. Na nova conjun-tura, os bancos multiplicaram suas sucursais pelo mundo a fora e construram uma nova arquitetura financeira internacional, baseada na privatizao da liquidez internacional (Michalet, 1984; Moffitt, 1984).

    A partir de ento, os negcios na rbita financeira cresceram de maneira extraordinria. No entanto, a consolidao histrica da globalizao das finanas, nos moldes em que conhecemos atu-almente, s foi possvel em funo de um conjunto de fenmenos

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    econmicos e polticos que ocorreram a partir dos anos 1970, entre os quais podemos destacar:

    a) O fim dos Acordos de Bretton Woods, quando os Estados Unidos decidiram, em 1971, suspender a converso do dlar em relao ao ouro, visando conter a desconfiana e a desvalorizao de sua moeda. Essa medida rompeu toda a arquitetura financei-ra estruturada em Bretton Woods e, a partir de ento, os pases passaram a adotar taxas de cmbio flutuantes, instrumento que posteriormente possibilitou a livre mobilidade de capitais (Eichen-green, 2000; Roberts, 2000; Sanchez, 1999)

    b) A crise do Welfare State e a contestao dos postulados key-nesianos, cujo processo proporcionou, na primeira metade dos anos 1970, uma mudana de fundo na composio do bloco de poder das classes dominantes, cuja poltica transformou o monetarismo e o neoliberalismo em poltica de Estado, que posteriormente foi seguido por praticamente todos os pases capitalistas;

    c) A poltica de aumento das taxas de juro por parte do FED no final da dcada de 1970, aliada poltica monetarista dos governos Reagan e Tatcher, que redirecionou a economia no sentido da busca da estabilidade monetria, em detrimento do crescimento do produto e do emprego, que eram as polticas tpicas do perodo do Welfare State. A poltica de aumento das taxas de juros fortaleceu o dlar e o transformou novamente em moeda de reserva internacional, bem como as taxas de juro se transformaram no instrumento regulador desta nova fase da economia mundial (Guttmann, 1998; Plihon, 1998; Villarreal, 1984)

    d) A poltica de desregulamentao da economia e de liberali-zao dos mercados e o fim das restries mobilidade de capitais, que proporcionou ao plo financeiro uma dinmica impressionan-te. Novos agentes econmicos como fundos de penso, fundos mtuos, companhias de seguros e corretoras em geral entraram agressivamente no mercado, conquistando parcelas expressivas do

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    mercado tradicional dos bancos. Irradiada a partir dos Estados Unidos, a nova poltica monetarista-neoliberal passou a hegemoni-zar a poltica econmica dos pases capitalistas (Guttmann, 1998; Plihon, 1998). (Tabela 2).

    Tabela 2 Participao no mercado das instituies financeiras dos EUA

    (%) 1948-1993

    Mercado 1948 1960 1970 1980 1993

    Bancos 55,9 38,2 37,9 34,8 25,4

    OPCVM (Fundos Mtuos) 1,3 2,98 3,5 3,6 14,9

    Fundos de Penso 3,1 9,7 13 17,4 24,4

    Corretoras de valores 1,0 1,1 1,2 1,1 3,3

    Fonte: Guttmann, 1998

    O novo quadro internacional provocou uma mudana radical nos rumos da economia mundial. Movido pela lgica da desregu-lamentao financeira, da mobilidade irrestrita de capitais e das altas taxas de juro, o capital financeiro se libertou das amarras do espao e do tempo e passou a operar com enorme versatilidade, proporcionando a esta atividade a hegemonia dos negcios do sistema capitalista e instituindo o rentismo como norma geral para os agentes econmicos, processo denominado de financeirizao da riqueza.2

    Alm disso, passou a impor ao conjunto da economia a lgica financeira, o que resultou no aprisionamento dos agentes econmi-cos, especialmente das empresas produtivas e do Estado (Guttman, 1998; Plihon, 1998). Ancorados pelas tecnologias da informao satlites, universalizao dos computadores, internet - o setor fi-

    2 Este o ttulo de um trabalho pioneiro no Brasil, de Jos Carlos de Souza Braga. A fi-nanceirizao da riqueza a macro-estrutura financeira e a nova dinmica dos capitalismos centrais. Texto para discusso, Fundap, 1991.

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    nanceiro desenvolveu enorme criatividade no que refere criao de novos produtos financeiros. Especulao nos mercados de cmbio, de taxas de juros, swaps, bnus e derivativos em geral, marcaram a tnica especulativa dos mercados financeiros globalizados.

    Nas novas condies, o capital financeiro passou a ter a capaci-dade de auto-acrescentar-se durante o dia e a noite, bastando para tanto ajustar os seus negcios aos fusos horrios das mais diversas regies do planeta. Quanto mais o plo financeiro se desenvolvia, mais aumentava a agressividade, a ousadia e a criatividade dos agentes especuladores. E quanto mais se ampliava o palco onde eram realizadas as operaes financeiras, mais se diversificava a variedade de aplicaes, e mais essa conjuntura realimentava o frenesi especulativo, configurando uma espcie de corrente da felicidade, em que os ganhos elevados e rpidos do capital fictcio aceleravam a sua prpria retroalimentao.

    Os primeiros agentes econmicos a revisarem sua estratgia em relao globalizao financeira foram os bancos tradicio-nais. Diante da ousadia dos novos concorrentes (fundos mtuos, fundos de penso etc.), os bancos envolveram-se crescentemente com o mercado especulativo, tendo em vista que, com a reduo dos emprstimos de longo prazo para as empresas, passaram a dispor de grande liquidez para atuar no mercado. Com capilari-dade, grandes recursos e longa experincia, os bancos passaram a realizar operaes inovadoras que vieram alavancar a especulao financeira, tais como a securitizao do crdito, o financiamento do mercado de ttulos, entre outros negcios especulativos. A nova forma de negcio ampliou o processo de especulao, pois os ban-cos passaram a aceitar ttulos como garantia para financiamento de novos ttulos, o que forneceu mais combustvel para o frenesi especulativo (Guttmann, 1998).

    As grandes empresas tambm foram aprisionadas pela lgica financeira, sob presso da conjuntura especulativa e dos acionistas

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    ligados ao capital especulativo. Cada vez mais a rea financeira des-sas organizaes passou a se destacar no conjunto da rentabilidade, em funo dos resultados mais expressivos que na rea produtiva. Esse processo forou as empresas a se envolverem crescentemente com os negcios que no faziam parte de sua atividade original. Pressionadas a apresentarem resultados semelhantes rbita financeira, as empresas produtivas comearam a ser geridas por critrios financeiros, de curto prazo, invertendo completamente o horizonte temporal do planejamento empresarial. At mesmo os pequenos acionistas passaram a preferir lucros de curto prazo. O resultado que hoje grande parte das receitas das empresas produtivas oriunda dos negcios na rbita financeira (Chesnais, 1996; Plihon, 1998; Serfatti, 1998).

    O Estado tambm caiu nas malhas da esfera financeira. Como se sabe, o Estado do Bem Estar Social funcionava estruturalmente com elevados deficits pblicos, cujo financiamento era realizado com a emisso de ttulos pblicos, num ambiente de taxas de juros baixas. A entrada de novos agentes econmicos dispostos a emprestar diretamente recursos sem os custos de transao das ope-raes tradicionais possibilitou aos Estados obterem crditos mais facilmente, mas a contrapartida eram as taxas de juros elevadas. Essa conjuntura levou os governos a dispenderem uma quantidade de recursos cada vez maior para arcar com os servios da dvida. Isso porque os compromissos oriundos do endividamento eram superiores taxa de crescimento da economia, o que foi tornando os Estados prisioneiros do plo financeiro, que passou a ditar o destino das polticas econmicas nacionais (Plihon, 1996).

    A dominncia da esfera financeira sobre o conjunto da econo-mia imps sociedade um enorme sacrifcio e elevou potencial-mente o risco estrutural do sistema, tendo em vista que a atividade financeira passou a movimentar uma quantidade recursos muitas vezes maior do que economia real. O descolamento entre a rbita

  • Edmilson Costa 33

    especulativa e a esfera produtiva est tomando dimenses impres-sionantes: diariamente so realizadas operaes que somam US$ 1,8 trilho (Toussaint, 2002), resultado muito mais elevado que os negcios na rea produtiva ou ainda no comrcio mundial.

    Esta contradio entre a economia real e a especulao finan-ceira cria a possibilidade concreta de risco sistmico na economia mundial, tendo em vista que, no longo prazo, essa uma situao insustentvel. O risco se torna ainda maior se levarmos em conta que a massa de mais valia gerada no sistema produtivo insufi-ciente para remunerar os sempre crescentes negcios com capitais especulativos.

    Alm disso, a interconexo dos mercados financeiros e sua integrao eletrnica, criam possibilidades de rupturas de li-quidez com uma velocidade extraordinria, podendo espalhar a crise para o conjunto da economia, especialmente em funo de sua propagao pelos meios de comunicao. Os sintomas desse fenmeno j podem ser verificados desde a crise do Mxico, em 1994, quando aquele pas, que era o modelo de implantao da poltica neoliberal, literalmente quebrou. Posteriormente, a crise financeira atingiu um continente inteiro, a sia, desestruturando essas economias. Em seguida a crise alcanou a Rssia, depois o Brasil e a Argentina, cuja desestruturao foi to profunda que pode ser considerada um modelo antecipado da crise econmica global. Um fato caracterstico desse processo que a crise emer-giu tambm no corao do sistema, nos Estados Unidos, com a derrocada das empresas ponto com, cujo prejuzo se elevou a mais de US$ 10 trilhes.

    a macrO-OrganizaO dO capitalA nova performance do capital se completa com as novas

    formas de sua macro-organizao. A exemplo do que ocorreu no final do sculo 19 e incio do sculo 20, o grande capital est

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    passando por um intenso processo de concentrao e centrali-zao, expressos por um conjunto de fenmenos econmicos e polticos: a) formao e/ou consolidao dos blocos econmicos que, em termos histricos, corresponde busca de uma nova partilha econmica do mundo por parte das naes capitalis-tas centrais; b) um processo de fuses e aquisies nos pases centrais e, por extenso, nos pases perifricos, movimento que expressa, do ponto de vista da propriedade, a remonopolizao da burguesia; c) esses dois movimentos estruturais tm como desdobramento poltico a busca de uma redefinio geoecon-mica do mundo, condensada na tentativa dos Estados Unidos de se transformarem na nica potncia mundial, fato que vem se intensificando aps a queda da Unio Sovitica e dos pases do Leste Europeu.

    O resultado dessa iniciativa estadunidense a implementao de uma poltica agressiva no sentido de enquadrar os pases do G-7 em sua estratgia hegemnica e punir os pases da periferia que esboam alguma tentativa de resistir aos interesses dos Es-tados Unidos. Para tanto, os EUA vem buscando transformar a ONU e o Conselho de Segurana em instrumento de sua poltica internacional e utilizar as principais organizaes multilaterais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e a Organizao Mundial do Comrcio como instituies a servio de seus interesses hegemnicos.

    Como parte deste movimento, h ainda a tentativa de reco-lonizao sofisticada do continente americano, cuja regio vista como sua rea de influncia exclusiva. No se trata, evidentemen-te, de ocupar esses pases e transform-los em colnias como no passado, mas de domin-los por meios de instrumentos polticos, econmicos e multilaterais, controlados desde Washington, es-pecialmente com a instituio da Alca, que funcionaria como uma grande ncora a partir da qual os Estados Unidos passariam

  • Edmilson Costa 35

    a controlar diretamente a economia do continente. Com a Alca, os EUA cumpririam duas tarefas: dominariam os mercados do continente e tornariam mais fcil o afastamento dos concorrentes europeus e asiticos da regio. Mesmo que tenha sido tempora-riamente retirada da agenda, o desejo de controlar o continente uma preocupao constante dos Estados Unidos.

    Em sntese, a macro-organizao econmica e poltica do grande capital corresponde a um movimento estrutural que visa absorver positivamente todas as mudanas que esto ocorrendo no interior do sistema capitalista, em funo da globalizao. Com esses movimentos, o grande capital busca unificar novamente sua estratgia, agora num patamar superior, de forma a gerir a nova conjuntura num ambiente em que os capitais hegemnicos, sem abolir a concorrncia, possam fazer a transio sem grandes trau-mas para a economia globalizada. Trs grandes eixos configuram o novo quadro:

    1) A formao dos blocos econmicos funcionaria como espaos supranacionais de acumulao, a partir dos quais desenvolver-se-ia o processo de concorrncia globalizada. Os me-gablocos seriam ainda uma maneira de gerir a interdependncia dos pases centrais, a partir dos interesses de cada bloco; seria tambm uma forma de se hierarquizar as preferncias comerciais, as vantagens comparativas e as reciprocidades entre as naes de cada rea econmica, como forma de buscar uma regulao macroeconmica a partir de um instrumento poltico, como o G-7, por exemplo (Costa, 1993).

    Do ponto de vista do capital em si, a formao dos blocos significa uma reorganizao geoeconmica de carter mundial, a exemplo do que ocorreu no passado com a partilha econmica do mundo realizada pelos monoplios. Aliadas s fuses e aquisies, que se desenvolveram de maneira acelerada a partir da segunda metade da dcada de 1990 e ainda continuam, constituem um

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    processo que completa o quadro de remonopolizao global da burguesia.3

    No entanto, esse processo ainda uma questo em aberto, em funo das contradies entre os pases de um mesmo bloco e dos conflitos de interesses inter-blocos. As contradies e conflitos so fruto da prpria natureza do capitalismo e de seu desenvolvimento desigual, que criam enormes despropores no s entre as regies de um mesmo pas, mas principalmente entre os prprios pases.

    Como o grande capital est hoje dividido em trs plos (a chamada Trade Imperial: EUA, Unio Europia e Japo), certamente as disputas entre os blocos sero mais intensas que as tentativas de regulao, o que dever resultar em acirramento da concorrncia e da luta por mercados. Portanto, h efetivamente um processo de disputa de hegemonia, sem que nenhum pas possa ainda impor plenamente seus interesses ao mundo. A disputa entre o padro monetrio europeu e o dlar o reflexo dessa indefinio provisria da hegemonia mundial.

    2) Outro dos grandes eixos da macro-organizao do capital o processo de fuses e aquisies na economia mundial. Esse movi-mento busca dotar as grandes corporaes industriais e financeiras de condies estruturais capazes de enfrentar o processo de globalizao numa posio mais favorvel no mercado internacional. Quanto maior, mais estruturada internacionalmente e posicionada no mer-cado, melhores chances ter na luta competitiva internacional.

    Um fenmeno novo no processo de fuses e aquisies o fato de que o instrumento vetor deste processo o Investimento Direto Externo (IDE), por meio do qual as grandes corporaes puderam

    3 O processo de remonopolizao da burguesia j era indicado em ensaio que elaboramos em 1992 e que foi posteriormente publicado em 1993 (Transformaes e crise no capi-talismo contemporneo Revista Anlise PUC-RS, V.4, no. 1, 1993). Em nvel do capital, haver um processo de refuso das burguesias, mediante fuses e incorporaes de grandes conglomerados industriais e financeiros, levando inevitavelmente a uma remonopolizao mundial, novas partilhas de mercado e uma maior cosmopolitizao burguesa, hierarquizadas a partir de seu plo hegemnico.

  • Edmilson Costa 37

    realizar um atalho no processo natural de fuses, ao contrrio do que ocorreu do passado. Com o IDE, as fuses e incorporaes tornaram-se mais fceis, mais rpidas e mais vantajosas, uma vez que as empresas adquiridas ou incorporadas j possuem tradio e experincia na produo e no mercado, o que vem a otimizar sinergias para os negcios transnacionais.

    As fuses e aquisies representam movimento semelhante ao que representou para o capitalismo as ondas de concentrao e centralizao do capital do final do sculo 19 e incio do sculo 20. Esse processo inverte uma trajetria tradicional do IDE, que histo-ricamente se dirigia muito mais para a rea produtiva do que para movimentos de fuses ou aquisies empresariais. Se verificarmos a trajetria do IDE nos anos 90, teremos clara essa mudana de quali-dade. Em 1991 o IDE era de US$ 198,1 bilhes, enquanto as fuses e aquisies atingiam US$ 80,7 bilhes, ou 40,3% do total; em 2000 o investimento externo direto somou US$ 1.270,8 trilho enquanto as fuses e aquisies alcanaram US$ 1.143,8 trilho, cerca de 90% do total do IDE (Sobeet, 2002, WIR, 2001). (Tabela 3).

    Tabela 3 Fluxos internacionais de investimento direto externo no exterior e

    fuses e aquisies no mesmo perodo de 1991-2000

    Investimento externo direto Fuses e aquisies1991 198,1 80,71992 200,8 79,31993 247,4 83,11994 282,9 127,11995 331,0 186,61996 384,9 2271997 477,9 304,81998 692,5 531,61999 1.075,0 766,002000 1270,8 1.143,80

    Fonte: At 1984, Sobeet . De 1995 a 2000 - World Investment Report, 2001

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    3) No interior do processo de macro-organizao do capital, desenvolve-se intensa disputa pela hegemonia mundial, especialmente por parte dos Estados Unidos, mas a Unio Europia realiza polticas - muito embora discretas -, que visam, no longo prazo, a se contrapor ofensiva estadunidense. Alm disso, a China, mesmo correndo por fora, implementa sua maneira uma poltica de contraposio hege-monia dos Estados Unidos. Mesmo levando-se em conta essa realidade, deve-se enfatizar que os Estados Unidos vem realizando uma ofensiva econmica, poltica e militar, com o objetivo de se transformar na nica potncia a hegemonizar as relaes internacionais.

    Para tanto, desenvolvem uma estratgia baseada em quatro pontos fundamentais: a) estratgia militar, na qual buscam impedir a qualquer custo a emergncia de pases capazes de contestar sua hegemonia blica; b) estratgia poltica, na qual desenvolvem aes no sentido da implan-tao de regimes convenientes aos interesses de sua poltica global; c) estratgia econmica, por meio da qual busca consolidar um sistema econmico mundial que garanta a livre circulao de seus bens e ser-vios e que, ao mesmo, proteja setores atrasados de sua economia da concorrncia internacional; d) estratgia ideolgica, na qual promovem para o mundo a divulgao dos valores da sociedade estadunidense, ao mesmo tempo em que se apresentam como paladinos da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade social, econmica, religiosa e tnica, mesmo que isso no corresponda realidade desta sociedade (Guimares, passim, 1999).

    Os Estados Unidos tambm tem procurado transformar a Or-ganizao das Naes Unidas e o Conselho de Segurana, o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e a Organizao Mundial do Comrcio em instrumentos de seus interesses estratgicos. No caso do Conselho de Segurana, quando este se contraps invaso do Iraque, os EUA simplesmente abandonaram a retrica de pas que fortalece as instituies da comunidade internacional para desqualificar essa instituio e agir sozinho de acordo com seus interesses.

  • Edmilson Costa 39

    Por ltimo, est a estratgia de criao de um mercado comum nas Amricas, cujo objetivo a legalizao do domnio completo dos Estados Unidos no continente, numa espcie de recolonizao sofisticada, num sistema hierarquizado, onde os pases de economias mais fortes constituiriam uma espcie de vice-reinados, com poderes relativos sobre suas reas de influncia, desde que, em ltima instn-cia, estejam subordinados aos interesses estratgicos estadunidenses. Em funo da contra-ofensiva popular que vem se registrando na Amrica Latina, a implementao da Alca neste momento no tem condies de ser imposta, mas o governo estadunidense busca a todo custo realizar acordos de livre comrcio com os pases de economias mais frgeis, de forma a isolar os pases que se opem Alca.

    Enquanto pretendem enquadrar o mundo de forma agressiva, com invases de pases soberanos, os EUA rompem com princ-pios do direito internacional, negando-se a assinar o Protocolo de Kyoto e as normas do Tribunal Penal Internacional, porque estes tratados contrariam os interesses de suas empresas e de sua poltica internacional beligerante. Quando algum pas no se submete ordem imperial, entra no index da poltica estadunidense, cujo resultado a satanizao dos seus dirigentes e geralmente a punio com boicote econmico ou um ataque militar, como ocorreu na Yugoslvia e no Iraque. Essa poltica tambm serve como mensa-gem aos outros pases no sentido de, caso no obedeam s ordens de Washington, podero tambm ser punidos.

    Este o mundo que iremos abordar ao longo deste trabalho: buscaremos diagnosticar os elementos fundamentais do capitalismo contemporneo, de forma a desvelar os fenmenos novos da globa-lizao, seus significados econmicos e sociais, alm de contribuir para a abertura de caminhos que posam construir alternativas estratgicas de superao desta etapa da histria da humanidade, num sentido mais libertrio e humano.

  • GlobAlizAo, mito ou reAlidAde? um de-bAte Sobre AS oriGenS dA GlobAlizAo

    intrOduOA globalizao um processo complexo, com uma expressiva

    quantidade de fenmenos novos e, por isso mesmo, tem sido per-cebida e analisada de maneira diferenciada pelas diversas correntes de pensamento nas cincias sociais. Muito embora essas vises no possam deixar de ter um contedo de classe o que perfeitamente observvel na corrente hegemnica da globalizao, os neoliberais h tambm em correntes progressistas uma diversidade de inter-pretao bastante acentuada, fruto de uma percepo incorreta dos fenmenos do capitalismo contemporneo e tambm da confuso ideolgica que se instalou entre a esquerda aps a desagregao do socialismo na URSS e no Leste Europeu.

    Para efeito de agregao das principais correntes, buscamos dividi-las em quatro blocos fundamentais: 1) os apologistas da glo-balizao neoliberal; 2) os que negam a globalizao e a vem como um mito ou uma estratgia do capital para ampliar seu domnio; 3) os que afirmam que a globalizao existe desde os tempos das grandes navegaes; 4) e aqueles que vem a globalizao a partir da tica da reproduo e acumulao do capital, buscando analis-la no s como um dado da realidade, mas como fruto do processo de internacionalizao da produo e das finanas, realizados a partir da segunda metade da dcada de 1950.

    Evidentemente que essas correntes de interpretao do fen-meno da globalizao tm nuances e particularidades em seu inte-

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    rior. No entanto, dentro da tica de cada uma delas, mantm um denominador comum, o que nos permite elaborar uma tipologia com algum rigor analtico.

    Os apOlOgistas da glObalizaO neOliberal Trataremos desta vertente oficial da globalizao levando em

    conta os seus aspectos tericos mais gerais, os fundamentos nos quais se baseia para organizar sua operao ideolgica. Esta corrente entende esse fenmeno como a integrao da economia mundial, tanto no que se refere produo, aos fluxos comerciais quanto financeiros. Para os defensores dessa corrente, a globalizao retoma o fio da meada de um processo interrompido na dcada de 1930 e, especialmente, aps a II Guerra Mundial, com o Welfare State. Ou mais precisamente, como assegura uma publicao do Fundo Monetrio Internacional:

    (A globalizao) a ampliao, para alm das fronteiras nacionais, das mesmas foras de mercado que durante sculos foram observadas em todos os segmentos da atividade econmica, seja nos mercados das aldeias, nos setores industriais das zonas urbanas ou nos centros financeiros ... Os mer-cados fomentam a eficincia, por meio da concorrncia e da especializao da mo de obra, permitindo que as pessoas se dediquem atividade que melhor sabem fazer. A globalizao oferece s pessoas acesso a um maior nmero de mercados mundiais, a fluxos de capitais mais abundantes, tecnologia, s importaes mais baratas e a mercados de exportao mais amplos (FMI Annual Report, 2000, p 40).Os apologistas da globalizao neoliberal estruturam-se a

    partir de trs fundamentos bsicos: o mercado como regulador da vida social; a iniciativa privada como operadora do sistema; e o Estado mnimo e desregulado como instrumento de garantia da propriedade e dos contratos. Cada um desses trs eixos bsicos so justificados tanto do ponto de vista filosfico, quanto das relaes econmicas, a partir do dogma smithiano de que a mo invisvel do

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    mercado capaz de harmonizar interesses em todos os aspectos da vida social, gerando desse processo o bem estar da coletividade.

    Portanto, j que cada indivduo procura, na medida do possvel, empregar seu capital em fomentar a atividade nacional e dirigir de tal maneira essa atividade que seu produto tenha o mximo de valor possvel, cada indiv-duo necessariamente se esfora para aumentar ao mximo possvel a renda anual da sociedade. Geralmente, na realidade, ele no tenciona promover o interesse pblico nem sabe at que ponto est promovendo. Ao preferir fomentar a atividade do Pas e no de outros pases, ele tem em vista apenas sua prpria segurana; e orientando sua atividade de tal maneira que sua produo possa ser de maior valor, visa apenas seu prprio ganho e, neste como em muitos outros casos, levado como que por uma mo invisvel a promover um objetivo que no fazia parte de suas intenes. Ao perseguir seus prprios interesses, o indivduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promov-lo. (Smith, 1983, pp. 379-380) Nessas concepes, o mercado funcionaria quase como uma

    entidade mtica, (a mo invisvel) capaz de regular toda a vida social, desde as trocas das mercadorias nas mais recnditas aldeias camponesas at o comrcio internacional, passando pela oferta e a procura de trabalho, a oferta e a procura de sade, de previ-dncia social, educao, lazer etc. Em outras palavras, o mercado seria a condio fundamental para a harmonizao dos conflitos de interesses e, acima de tudo, para a liberdade global das trocas, bem como para a promoo dos interesses coletivos, posto que impessoal e apoltico.

    Um dos tericos mais conhecidos desta nova fase do libera-lismo, Milton Friedman, justifica com bastante convico essas premissas:

    Fundamentalmente, s h dois meios de coordenar a atividade econmica de milhes. Um a direo central utilizando a coero a tcnica do Exrcito e do Estado totalitrio moderno. O outro a cooperao voluntria dos

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    indivduos a tcnica do mercado (...) Enquanto a liberdade efetiva de troca for mantida, a caracterstica central da organizao de mercado da atividade econmica a de impedir que uma pessoa interfira com a outra no que diz respeito maior parte de suas atividades. O consumidor protegido da coero do vendedor devido presena de outros vendedores com quem pode negociar. O vendedor protegido da coero do consumidor devido existncia de outros consumidores a quem pode vender. O empregado protegido da coao do empregador devido aos outros empregadores a quem pode trabalhar, e assim por diante. E o mercado faz isso impessoalmente, sem nenhuma autoridade centralizada. (Friedman, 1984, pp. 21-23)Para Friedman, o mercado no s promove a liberdade dos

    cidados, mas tem a capacidade de separar, por sua impessoa-lidade, os problemas econmicos dos pontos de vista polticos, proteger as pessoas e evitar as discriminaes, raciais, econmicas ou polticas.

    Ningum que compra um po sabe se o trigo usado foi cultivado por um comunista, ou um republicano, por um constitucionalista ou um fascista ou, ainda, por um negro ou por um branco. Tal fato ilustra como um mercado impessoal separa as atividades econmicas dos pontos de vista polticos e protege os homens contra a discriminao com relao a suas atividades econmicas por motivos irrelevantes para a produtividade quer esses motivos estejam associados s suas opinies ou cor da pele (Friedman, 1984, p. 28). Portanto, para os liberais e neoliberais, o mercado uma espcie

    de semi-deus que paira acima dos vos mortais, realizando uma espcie de seleo das espcies no interior do sistema capitalista, tal como a natureza, de forma a garantir um mundo harmnico e prspero. Por dispensar valores morais, preceitos ticos, precon-ceitos sociais, o mercado passa a ser um demiurgo justo e neutro que transforma o egosmo individual de cada pessoa no progresso e na felicidade humanas. Ora, se o mercado pode harmonizar os interesses sociais at nas pequenas aldeias camponesas, nada mais

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    justo de que tambm possa se transformar no instrumento har-monizador das relaes econmico-sociais de um Pas. E se pode harmonizar os interesses do Pas, o raciocnio tambm vale para o conjunto das naes, pois o funcionamento do mercado em nvel internacional faz com que cada Pas participe do produto mundial utilizando as condies propcias que a natureza ou a tecnologia lhes proporcionou para elaborar os produtos que mais sabe fazer.

    A globalizao seria ento o ponto culminante de um processo iniciado h milhares de anos com as primeiras trocas entre os seres hu-manos primitivos. Como diz ironicamente Comblin (1999, p. 19):

    Caem as separaes entre naes e todos podem livremente intercambiar bens e servios. Entre todos realiza-se a harmonia espontnea. A mo in-visvel de Adam Smith (passa a atuar) entre pessoas de todas as naes (... ) Doravante o mercado estende-se ao mundo inteiro. H um s mercado. Conseqentemente, no faz sentido manter fronteiras, sobretudo fronteiras econmica. (Comblin, 1999, p. 19)Talvez por esta razo que haja entre integrantes dessa corrente

    de pensamento muitos pensadores que afirmam que a histria teria chegado ao fim.

    A outra grande questo que envolve o dogma liberal, apro-priado pelos neoliberais contemporneos, o papel do Estado. Por exemplo, os defensores do Estado mnimo identificam prati-camente todos os problemas do capitalismo atual, como oriundos da interferncia do Estado na economia. O terico que elaborou as bases do neoliberalismo moderno foi Hayek, nos seus dois tra-balhos: O Caminho da Servido e os Fundamentos da Liberdade, dois libelos contra a interveno do Estado, alm de uma defesa radical do individualismo, do mercado e da propriedade. Eis as suas opinies sobre o papel do Estado:

    O Estado deveria limitar-se a estabelecer regras que se aplicassem a tipos gerais de situao e deixassem os indivduos livres em tudo que depende

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    das circunstncias de tempo e lugar, porque s os indivduos interessados em cada caso podem conhecer plenamente essas circunstncias e a elas adaptar suas aes (...) Quanto mais o Estado planeja, mas difcil se torna o planejamento para o indivduo. (Hayek, s/d, pp. 119-120)Mais seco e direto, Friedman define com bastante firmeza o

    papel e os limites do Estado nesta fase do capitalismo, enfatizando que este tem obrigao de preservar a lei e a ordem, os contratos e a propriedade, ressaltando-se que o Estado nunca poder ter condies para regular a variedade das aes humanas.

    Primeiro, o objetivo do governo deve ser limitado. Sua principal funo deve ser a de proteger nossa liberdade contra inimigos externos e contra nossos prprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforar os contratos privados; promover os mercados competitivos ... Se o governo deve exercer o poder, melhor que seja no condado; e melhor no Estado do que em Washington (...) (Afinal) o governo no poder jamais imitar a variedade e a diversidade da ao humana (Friedman, 1984, pp. 12-13).

    apreciao crticaOs neoliberais hegemonizaram o pensamento mundial ao

    longo dos ltimos 30 anos. Desenvolveram uma ofensiva avassa-ladora na mdia, nos organismos multilaterais internacionais, nos meios acadmicos e em todos os setores da vida social, visando enquadrar coercitivamente todos aqueles que pudessem de alguma maneira formar opinio na sociedade. Arrogantes e autoritrios, com respaldo poltico e econmico, os neoliberais estruturaram, em alguns momentos com mtodos prximos ao fascismo, uma espcie de pensamento nico, especialmente na filosofia e na eco-nomia, inclusive desenvolvendo o argumento falacioso de que a histria teria chegado ao fim.

    Apesar da resistncia de vrios setores intelectuais, o neolibe-ralismo vem dominando o pensamento mundial nesse perodo, s comeando a perder prestgio a partir das crises financeiras da

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    segunda metade da dcada de 1990, que envolveu todo o territrio asitico, a Rssia e a Amrica Latina, especialmente a Argentina e o Brasil. Essas crises demonstraram que os postulados neoliberais possuam precria consistncia macroeconmica, fato que se tor-nou mais chocante com a crise da chamada nova economia e a denncia de fraudes nos balanos das grandes corporaes estadu-nidenses. Este ltimo fenmeno veio adicionar mais um elemento (a corrupo) ao legado neoliberal, debilitando no apenas seus fundamentos tericos, mas tambm seus valores ticos.

    A crise do neoliberalismo hoje to profunda que institui-es como o Fundo Monetrio Internacional, o Banco Mundial e grande parte dos intelectuais (Willianson, Krugman), antigos expoentes do neoliberalismo, agora esto surpreendentemente revendo suas posies. O caso do FMI e do Banco Mundial mais dramtico porque vrios setores governamentais e acadmicos j pedem abertamente o fechamento destas instituies, posto que seus diagnsticos e previses para economia mundial na ltima dcada foram abertamente inconsistentes e desastrosos, o que os levou a um desgaste nunca antes registrado em sua histria. At mesmo o sisudo Frum de Davos, Meca do grande capital mun-dial, agora tenta modificar o discurso, buscando incorporar sua agenda a questo social.

    Mesmo levando em conta os reveses sofridos pela corrente oficial da globalizao, no se pode deixar de registrar que a pol-tica neoliberal das trs ltimas dcadas significou para as naes e seus povos uma espcie de contra-revoluo de carter global, cujos resultados foram a ofensiva contra toda a estrutura criada pelo Estado a partir do New Deal nos Estados Unidos e, aps a II Guerra Mundial, nos pases da Europa e outros pases centrais, alm da reduo do aporte de direitos e garantias dos trabalhadores conquistados h mais de um sculo. Alm disso, com o processo de privatizaes realizado em praticamente todas as partes do mundo,

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    o grande capital amealhou, a preos irrisrios, grande parcela do patrimnio pblico acumulado ao longo de vrias geraes. Do ponto de vista social, incrementou-se concentrao da renda e a pobreza em escala global.

    Em termos especficos, desregulamentou-se o setor financeiro, deixando o capital especulativo sem bices para penetrar em todas as esferas da vida econmica e transformar esta atividade no lcus privilegiado para uma pretensa valorizao do capital; reestruturou-se o setor produtivo, incorporando-se ao cho da fbrica as mais avanadas tecnologias e impondo-se um novo sistema de gesto, que reduziu as oportunidades de trabalho, tanto da classe operria quanto de setores gerenciais. Este fato, associado verdadeira guerra santa contra o sindicalismo, contribuiu para o rebaixamento da taxa de salrios e enfraquecimento do movimento operrio.

    Articulou-se ainda o desmantelamento da rede de proteo social organizada pelo Estado (previdncia, sade, educao, se-guro desemprego etc.), muito embora, em funo da resistncia da sociedade, esse objetivo no tenha sido plenamente alcanado; realizou-se a abertura das economias, que ampliou o poder das transnacionais, especialmente na periferia, que praticamente dizimou a incipiente industrializao nessas regies; reduziu-se o imposto para os ricos, sob o argumento de que isto proporciona-ria o aumento dos investimentos, uma vez que so exatamente os ricos que investem; enfim, transformou-se a desigualdade numa poltica de Estado.

    Mas o ncleo estratgico da ofensiva neoliberal se voltou contra o Estado: o Estado regulador, o Estado como empreendedor, o Estado como promotor do bem estar social. Muitos dos crticos da poltica neoliberal confundem a retrica dos neoliberais contra o Estado atual, com sua verdadeira opo sobre o Estado. Apesar do discurso, os neoliberais no so contra o Estado em si, mas contra o Estado que propicia o bem estar social, o Estado que, na

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    superestrutura, busca garantir direitos e garantias conquistados pela populao. Na verdade, eles advogam um Estado forte e apa-relhado para garantir os contratos, a lei e a ordem e para reprimir todos aqueles que contestam as normas da regulao privada ou que procuram uma ruptura ou renegociao dos contratos. Em outras palavras, os neoliberais querem um Estado mnimo, para os trabalhadores! E mximo, para o grande capital!

    a glObalizaO um mitO Esta vertente composta por crticos bastante severos no s

    da globalizao, mas do prprio conceito de economia global. Utilizando-se de uma variedade expressiva de dados e de elementos histricos, eles procuram evidenciar que a globalizao no s um mito, mas tambm a forma que as transnacionais encontraram para ampliar o domnio dos mercados, especialmente nos pases da periferia, alm de ser uma maneira de reduzir o poder dos Estados nacionais perifricos, deix-los sem ao diante de uma pretensa inexorabilidade do processo globalizante. Assim, a globalizao seria a nova forma que o grande capital encontrou para ampliar seu espao mundial, produtivo e financeiro, impedir a regulao estatal e apropriar-se das empresas pblicas e empresas de capital nacional, alm de se constituir numa estratgia para cercear a atividade do movimento operrio.

    Hirst e Thompson, que elaboraram o trabalho mais completo dessa vertente, e Paulo Nogueira Batista Jr., o maior difusor dessa tese no Brasil, rejeitam a tal ponto a idia da globalizao, que colocam o termo entre aspas para marcar distncia e ironia em relao ao fenmeno:

    A globalizao um mito conveniente a um mundo sem iluses, mas tam-bm um mito que rouba a esperana (...) A velha explicao racionalista dos mitos primitivos de que eram um modo de mascarar e compensar o desamparo da humanidade diante dos poderes da natureza. Neste caso,

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    temos um mito que exagera o grau de nosso desamparo diante das foras econmicas contemporneas (Hirst; Thompson, 1998, p. 14-20-21). Mais contundente, Batista Jr. chega mesmo a desqualificar a

    discusso sobre a questo da globalizao: Assim entendida, a globalizao um mito (...) preciso, contudo, res-guardar-se contra a carga de fantasia e mitologia construda parte destes fenmenos reais. H uma tendncia bastante generalizada a exagerar o alcance dos fatos que servem de base retrica da globalizao. Como veremos o prprio termo enganoso e s deveria ser utilizado entre aspas, para marcar distanciamento e ironia. O processo de internacionalizao em curso nas ltimas dcadas no nem to abrangente nem to novo quanto sugerem os arautos da globalizao. Tambm no tem o carter inexorvel e irreversvel que se lhe atribui com tanta freqncia. (Batista Jr., 1998, p. 7, 8)Para este autor, essa verso funcional, pois serve apenas para

    paralisar a ao dos Estados Nacionais, tornando ineficaz qualquer tentativa de regulao, remover resistncia e isentar estes governos da responsabilidade de seus atos perante os seus povos.

    Essas mistificaes servem, em primeira instncia, aos propsitos de setores e naes que se situam no comando do processo de internacionalizao. Tem o propsito, ou pelo menos o efeito, de desarmar as iniciativas nacionais e re-mover as resistncias sociais e polticas aos interesses econmico-financeiros que operam em escala internacional (...) uma linha de argumentao que desfruta da eterna popularidade das explicaes que economizam esforo de reflexo. Serve, muitas vezes, de cortina de fumaa. Globalizao vira uma espcie de desculpa para tudo, uma explicao fcil para o que acontece de negativo no Pas. Governos fracos e omissos servem-se dessa retrica para isentar-se de responsabilidade, transferindo-a para um fenmeno impessoal e vago, foram do controle nacional. (Batista Jr., pp. 9-10)Igualmente ctico em relao globalizao, Nilson Arajo

    Souza explora um aspecto pouco observado nos crticos da globa-lizao, buscando a negao de uma suposta economia global na prpria natureza da concorrncia interoligopolista.

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    No h qualquer globalizao no mundo de hoje. At porque isso im-possvel, j que os interesses dos monoplios que controlam os Estados nacionais das grandes potncias so conflitantes entre si e cada um procura usar seu prprio Estado Nacional para defender seu espao e tentar ocupar o espao originalmente controlado por seus rivais. Nessa disputa, cada Estado imperialista se transnacionaliza, no no sentido de que perde sua base nacional, mas no de que passa a defender em nvel internacional os interesses de seus prprios capitais. No momento atual, isso significa tentar formar regies sob o domnio de cada potncia. (Souza, 2001, p. 120)Reforando esses argumentos, Souza cita uma conhecida fra-

    se do economista John Kenneth Galbraith sobre a globalizao, alm de pronunciamentos do ex-secretrio de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger. Diz Galbraith:

    Globalizao um termo que ns, americanos, inventamos para dissimular nossa poltica de avano econmico em outros pases e para tornar respei-tveis os movimentos especulativos do capital. E completa Kissinger: O desafio bsico do que se chama de globalizao na verdade outro nome para a posio dominante dos Estados Unidos. (Souza, 2001, p.121)Quais seriam ento os argumentos propriamente econmicos

    que esses autores constroem para contestar o processo de globaliza-o? Hirst, Thompson e Batista Jr. defendem cinco teses fundamen-tais para demonstrar que a globalizao no existe. 1) a economia atual tem um grau de abertura e integrao menor do que o perodo de 1870 a 1914; 2) as empresas genuinamente transnacionais so raras e a maior parte destes conglomerados tem base nacional e comercializa internacionalmente seus produtos com fundamentos na localizao da produo e das vendas; 3) Ao contrrio do que possa parecer, a mobilizao de capitais altamente concentrada nos pases industrializados, sendo que os pases perifricos conti-nuam marginalizados tanto no que diz respeito ao investimento quanto s trocas; 4) A economia atual no global, uma vez que os fluxos de investimento e das finanas esto concentrados nos

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    Estados Unidos, Europa e Japo, no se vislumbrando nenhuma perspectiva de que esta conjuntura mude no curto prazo; 5) As principais potncias econmicas tm capacidade de coordenar polticas e exercer presses de governabilidade sobre os mercados financeiros. (Hirst; Thompson, 1998, p. 15)

    Para consubstanciar suas afirmaes, os autores desenvolvem as seguintes linhas de argumentao: 1) No cenrio internacional, as relaes que contam efetivamente so aquelas realizadas entre as economias mais desenvolvidas, especialmente as da OCDE, bastando dizer que essas economias so responsveis por 80% do comrcio mundial e o grupo representado pelos cinco principais pases centrais absorvem 70% do investimento direto externo. As-sim, para todos os efeitos, so as economias industriais avanadas que constituem os membros da economia global, se essa entidade existisse. (Hirst; Thompson, 1988. pp. 304-305)

    No que se refere internacionalizao financeira, os dois au-tores tambm so cticos: consideram que a abertura dos fluxos de capital no Reino Unido, por exemplo, entre 1900 e 1914 era maior que na dcada de 1980, resultados que tambm podem ser observados com relao ao comrcio exterior como percentagem do PIB.

    Assim, importante lembrar que a economia internacional, dificilmente, era menos integrada, antes de 1914, do que agora. Os mercados financeiros e outros importantes setores foram estreitamente integrados a partir do momento em que o sistema de cabos telegrficos submarinos internacionais foi instalado e, de uma forma bem semelhante, a partir dos mercados atuais ligados por satlites e controlados por computadores. Os comentaristas atuais s vezes se esquecem que a economia mundial aberta de hoje no peculiar. (Hirst; Thompson, 1998, p. 305) Para esses autores, so poucas empresas efetivamente transna-

    cionais, uma vez que a maior parte delas concentra suas atividades nos pases de origem, tm fornecedores locais e realizam tambm

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    nos pases centrais as atividades de pesquisa e desenvolvimento. Por essas e outras razes, essas corporaes devem ser caracte-rizadas como firmas nacionais com operaes internacionais. Batista Jr., 1998, p. 52). Vale ressaltar ainda que estas corporaes procuram firmemente manter o controle acionrio nos pases de origem. Batista Jr. (1998, p. 52) apresenta alguns dados bastante sugestivos sobre essas empresas:

    A Nestl, por exemplo, uma das mais internacionalizadas do mundo, com apenas 5% de seus ativos e empregados na Sua, limita o direito de votos de estrangeiros a 3% do capital acionrio. Em 1991, por exemplo, apenas 2% dos membros do Conselho de Administrao das grandes empresas dos EUA eram estrangeiros. Nas companhias japonesas, observou a revista The Economist, so to raros quanto lutadores britnicos de sum.No que se refere ao Estado, os autores argumentam ainda que

    enganoso e ideolgico o processo de associao entre a globalizao e o declnio do Estado nacional, uma vez que a participao do Estado aumentou nos pases centrais, no que se refere ao endivi-damento, gastos pblicos e carga tributria.

    Nos EUA o gasto pblico passou de 31,2% do PIB entre 1978-82 para 33,6% em 1991-95 (...) Em um subconjunto de 19 pases membros da OCDE, que respondem por mais de 90% do PIB total desses pases, a relao despesa pblica/PIB aumentou de 37,3% em 1978-82 para 40,7% em 1991-95 (...) Nos pases do G7, a mdia ponderada da carga tributria cresceu de 33,5% em 1978-82 para 35,9% em 1991-95 (...) No mesmo perodo (...) nos pases do G7, a dvida pblica bruta subiu de uma mdia de 42,6% em 1978-82 para 66,2% em 1991-1995. (Batista Jr., 1998, p. 45-48). No campo da poltica de comrcio exterior, enquanto redu-

    ziam-se as barreiras comerciais, aumentava-se o arsenal de barreiras no-tarifrias visando controlar as importaes. Mesmo no setor financeiro, o papel do Estado continua imprescindvel para a regulao macroeconmica. O funcionamento dos mercados domsticos continua dependendo decisivamente da atuao dos

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    Estados nacionais no campo regulatrio ou como emprestadores de ltima instncia em momentos de crise financeira (Batista Jr., 1998, p. 49), como se pode observar no caso do Continental Illinois, nos EUA, ou na ao do governo estadunidense para que o FMI mobilizasse emprstimos para deter a crise mexicana e asitica.

    Em outros termos, os autores concluem que o mito da globa-lizao ou mundializao serve apenas para justificar a ofensiva dos pases centrais e das grandes corporaes para paralisar a ao dos Estados nacionais perifricos e reduzir a possibilidade de busca de alternativas atual poltica econmica.

    apreciao crticaAs crticas que essa corrente faz globalizao e mistificao

    que o grande capital se utiliza para ampliar seus interesses so ba-sicamente corretas. No resta dvida de que a globalizao forma que o grande capital encontrou para ampliar o seu domnio pelo mundo, apropriar-se do patrimnio pblico, reduzir a regulao do Estado a seu favor e cercear a atividade do movimento operrio. Nesse entendimento, tambm correto, a globalizao visaria reduzir o poder dos Estados nacionais da periferia, de forma a deix-los sem ao diante de um fenmeno que seria irreversvel e, por isso mesmo, nada poderia ser feito para det-la. Deve-se ressaltar ainda que, diante da pretensa inexorabilidade da globalizao, as classes dominantes dos Estados da periferia costumam utilizar-se desse pretexto para justificar suas aes antinacionais e as medidas contrrias aos interesses da populao e dos trabalhadores.

    Esses crticos tambm avaliam acertadamente quando identifi-cam a falsa associao entre o processo de globalizao e o declnio dos Estados nacionais, enfatiza