Post on 08-Aug-2021
Harmônicos
Por Badi Assad
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Índice
O que é o Harmônico? ............................................................................... 3
Os Harmônicos no violão ........................................................................... 3
Harmônicos Naturais ................................................................................. 7
Harmônicos Artificiais .............................................................................. 16
Harmônicos Mistos .................................................................................. 28
Nota da autora: ........................................................................................ 35
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O que é o Harmônico?
O harmônico é um fenômeno da lei da física, encontrado espontaneamente na
natureza, onde em uma única nota coexiste uma infinidade de outras
simultaneamente. Ou seja, os harmônicos são os sons que compõem, no
universo musical, a nota fundamental, aquela que ouvimos claramente quando
tocada por um instrumento ou produzida pela voz humana.
Na Grécia antiga, o filósofo-matemático Pitágoras, estudando o comportamento físico
dos harmônicos, descobriu a “série harmônica”, que posteriormente foi usada no
estudo da harmonia.
Uma explicação mais detalhada sobre este assunto foi abordada no início da vídeo-
aula que acompanha este material. Então, para maiores informações, visite e revisite
o vídeo quantas vezes achar necessário.
Os Harmônicos no Violão
O material presente nesta apostila traz exercícios para o aperfeiçoamento das
técnicas que ajudam a compreender e localizar os harmônicos em toda a extensão
do braço do violão, ampliando a capacidade motora do violonista para a execução
deste recurso tão peculiar, assim como entender as muitas formas de se misturar (e
empregar) suas diferentes técnicas.
No violão podemos gerar três categorias diferentes de harmônicos:
1. Harmônicos Naturais - Originados a partir das cordas soltas, com a utilização
de técnicas específicas de mão direita e esquerda.
2. Harmônicos Artificiais - Originados a partir das cordas presas, com a
utilização de técnicas específicas de mão direita e esquerda.
3. Harmônicos Mistos - Combinações entre Harmônicos Naturais e Artificiais.
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Quanto à Notação:
Como já foi explicado na vídeo-aula, encontramos os harmônicos (relativos à série
harmônica) na seguinte ordem:
▪ Corda solta - Nota Fundamental
▪ Traste XII – 1º Harmônico = Uma oitava acima da nota fundamental (corda
dividida ao meio)
▪ Trastes VII e XIX – 2º Harmônico = Intervalo de 5J (corda dividida em três
partes)
▪ Trastes V e +/- XXIII ou ‘BV1’ (Boca do Violão1) – 3º Harmônico = Duas oitavas
acima da nota fundamental (corda dividida em quatro partes)
▪ Trastes IV, IX, XVI e +/- XXVI ou ‘BV2’ – 4º Harmônico = Intervalo de 3M (corda
dividida em cinco partes)
Observações:
1. Como o tamanho do braço do violão pode variar de acordo com os diferentes
tipos de instrumento, a notação dos harmônicos que acontecem quando não mais
existem trastes pode ficar confusa. Por isso os identifico com o sinal de aproximação
+/- e os chamo de ‘BV1’ (para o harmônico equivalente aos trastes V e +/- XXIII) e
‘BV2’ (para o harmônico equivalente aos trastes IV, IX, XVI e +/- XXVI).
2. Só faremos exercícios até o 4º harmônico, por serem estes os mais usados no
violão.
Quero também ressaltar que o som dos harmônicos não está diretamente ligado às
casas e trastes onde ocorrem, mas sim ao comprimento da corda em si. Portanto,
nem sempre o harmônico que acontece em cima do traste coincide com a nota que
está na casa relativa a este mesmo traste.
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Se tomarmos a 6º corda como exemplo, encontraremos esta situação:
▪ Corda solta – Mi
▪ Traste XII – 1º Harmônico = Mi
▪ Casa XII = Mi
▪ Trastes VII e XIX – 2º Harmônico = Si
▪ Casas VII e XIX = Si
▪ Traste V – 3º Harmônico = Mi
▪ Casa V = La
▪ Trastes IV e XVI – 4º Harmônico = Sol#
▪ Casas IV e XVI = Sol#
▪ Traste IX = 4º Harmônico = Sol#
▪ Casa IX = Do#
Podemos então observar que as notas encontradas nas casas V e IX são distintas
dos harmônicos encontrados em seus mesmos trastes. No caso dos harmônicos
artificiais (mais a frente), estas relações se estendem para os demais trastes
também.
Há duas formas para a Notação dos Harmônicos:
1. Escrevendo-se exatamente o som do harmônico que se ouve.
2. Escrevendo-se o harmônico relativo à nota encontrada em sua casa, caso
estivéssemos apertando a corda.
Nesta apostila decidimos adotar a segunda opção (escrevendo o harmônico relativo
à nota encontrada em sua casa), por simplificar o processo de leitura e consequente
execução dos exercícios apresentados neste material, pois caso contrário
exigiríamos um nível de transposição ao estudante que poderia frear o processo de
aprendizado proposto.
Não posso me esquecer de comentar que os harmônicos que ocorrem nos trastes IV
e IX são realmente mais difíceis de serem realizados, mas não se preocupe, é assim
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mesmo ☺
E se precisar... a demonstração de muitos exercícios está na vídeo-aula. Use e
abuse.
Guia das Notações:
1. A nota escrita em formato de losango transparente é a representação do
próprio harmônico.
2. Indicações da mão direita – p= polegar, i= indicador, m= médio, a= anular
3. O número dentro do círculo indica a corda a ser tocada.
4. *a - Harmônico produzido usando o anular da mão direita (demonstração na
vídeo-aula)
5. *p - Harmônico produzido usando o polegar da mão direita (demonstração na
vídeo-aula)
6. Não faço menção na partitura sobre quais dedos da mão esquerda usar, pois
faço demonstração na vídeo-aula.
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Harmônicos Naturais
Esta sequência de exercícios mostra as localizações dos Harmônicos Naturais em
toda a extensão das cordas do violão. Obedecendo a lógica da série harmônica (8º,
5º, 8º, 3º...), trabalharemos nos exercícios 1, 3, 5 e 6 com harmônicos do lado
esquerdo da casa XII (olhando-se sobre o violão - trastes XI, VII, V e IV) e nos
exercícios 2 e 4 com os Harmônicos Naturais do lado direito da casa XII (trastes XVI,
XIX, BV1 e BV2).
Observação:
Há uma proposta na vídeo-aula para fazer os exercícios desta apostila com os olhos
fechados ou apenas sem olhar para o violão, usando o conceito da Cinestesia.
Mas o que é Cinestesia? É o conjunto de sensações que possibilita nos
encontrarmos no espaço e perceber nossos movimentos causados pelos estímulos
do próprio corpo, sem a necessidade de enxergar, tatear ou utilizar nossos sentidos
isoladamente. Cinestesia traz um sentido muito mais amplo e profundo de nós
mesmos, possibilitando um posicionamento no mundo mais autônomo e consciente.
O motivo desta proposta pode ser questionado, mas digo que ela trará uma
liberdade bem maior para a interpretação musical do artista. Pois sim, o músico pode
interromper seu processo emocional por não confiar em seus sentidos de uma forma
mais ampla, mas ao usar a cinestesia, ele pode melhorar sua performance, quando
não se faz necessário interromper a fluidez do sentimento para certificar-se sobre
aonde os dedos encontrarão a nota desejada.
Obviamente este exercício pode, e deve, ser transmutado para além dos exercícios
dos harmônicos aqui propostos, de uma forma mais abrangente.
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Harmônicos Artificiais
Como já sabemos, os harmônicos naturais são produzidos a partir da corda solta e
sua divisão pela metade, 1/3, 1/4 e assim sucessivamente. Porém se encurtarmos o
tamanho da corda, naturalmente mudaremos toda esta relação. Podemos fazer esta
‘manipulação’ com o uso de um capotasto ou substituindo o mesmo pelo uso da mão
esquerda. Quando o harmônico acontece desta forma o chamamos de Artificial.
Para esta técnica teremos sempre que extrair o som do harmônico com a mão direita
- esticando o dedo indicador e atacando a corda com o dedo anular (ou médio) para
as cordas primas (cordas 1, 2 e 3) e com o uso do indicador esticado e o ataque
com o polegar, para os bordões (cordas 4, 5 e 6). Esta distinção é feita pois quando
tocamos os bordões com o anular (ou médio) o som não é ‘limpo’, por conta das
voltas do metal no processo de fabricação da corda. Quando tocamos com o anular
ou médio, a unha passa por todas essas voltas e ‘suja’ o som. Mas, isto é algo
subjetivo. Como eu gosto do som cristalino, inclusive nos bordões, acabo misturando
essas técnicas da mão direita para encontrar minha preferência sonora. Todavia
você, obviamente, tem a liberdade de usar somente a técnica com o ataque da
corda com o dedo anular (ou médio).
Observação:
Digo anular ou médio, pois cada mão tem sua peculiaridade. Para o tamanho de
minha mão, o ataque da corda com o dedo médio é mais dificultoso, portanto opto
sempre por usar o dedo anular.
Mais detalhes sobre a técnica:
Quando a corda está solta (Harmônico Natural), encostamos suavemente o indicador
esticado da mão direita sobre o traste XII e atacamos com o dedo anular, médio ou
polegar. Se, todavia, com a mão esquerda pressionarmos a casa 1, o harmônico
acontecerá naturalmente quando encostarmos o dedo indicador da mão direita
suavemente sobre o traste XIII (e não mais o XII) e assim sucessivamente.
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Assista a vídeo-aula para melhor compreensão.
Observação:
Todos os exercícios dos Harmônicos Artificiais podem ser feitos usando somente o
indicador esticado e o dedo anular (ou médio) para todas as cordas. Todavia desde
o exercício 1, eu sugiro a técnica que alterna o uso entre o ataque com o anular para
as cordas primas (1, 2 e 3) e com o polegar para os bordões (cordas 4, 5 e 6). Desta
forma você terá a prática desta execução e poderá, posteriormente, usar como
preferir.
Sugiro também que os exercícios intitulados ‘Aranha’ (6 e 7) sejam feitos com o uso
das duas técnicas: atacando a corda com o anular (ou médio) da mão direita e com
a alternância entre anular para as cordas primas e o polegar para os bordões. Assim
você extrairá o melhor da proposta.
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Harmônicos Mistos
A proposta destes exercícios é justamente misturar as técnicas usadas para a
execução dos Harmônicos Naturais com os Artificiais, assim como ideias para
expandir o campo de atuação dos mesmos, em seus próprios arranjos. As
combinações são inúmeras e, portanto, sugerirei apenas algumas.
Exercício 1:
Esta sugestão é para a compreensão de que muitos acordes podem ser ‘estendidos’
com o uso dos harmônicos. Aqui está proposto apenas o Am, Bm e G. Porém você
pode explorar todo o campo harmônico.
Exercício 2:
Sugestão melódica
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Exercícios 3 e 4:
Conhecida como ‘cachoeira ou cascata’, esta técnica foi amplamente divulgada por
dois grandes mestres do violão internacional, o Australiano Tommy Emmanuel e o
Norte-Americano Larry Coryell. Basta fazer uma pesquisa na internet para encontrar
demonstrações feitas por eles próprios. Contudo, darei algumas dicas e apresentarei
alguns exercícios que facilitarão a compreensão desta avançada técnica.
Dica 1: O efeito da ‘água caindo’ (por isso cachoeira ou cascata) se dá por conta da
alternância entre o ataque de uma corda solta e outro com a execução do
harmônico, num vai-e-vem entre agudos e graves (ou graves e agudos) e
obedecendo também uma alternância entre as cordas, da seguinte forma:
OBS: Demonstração aqui do agudo para o grave e de volta para o agudo. Mas
podemos também fazer ao contrário, começando do grave (corda 6) em direção ao
agudo (corda 1) e retornando ao grave.
(Do agudo para o grave)
Corda 1 – Solta
Corda 3 – Harmônico
Corda 2 – Solta
Corda 4 – Harmônico
Corda 3 – Solta
Corda 5 - Harmônico
Corda 4 – Solta
Corda 6 - Harmônico
Corda 3 – Solta
Corda 5 – Harmônico
Corda 2 – Solta
Corda 4 – Harmônico
Corda 1 – Solta
Corda 3 – Harmônico
Nota 1:
Como será preciso a utilização do dedo anular da mão direita para o ataque da
corda solta, todos os harmônicos deverão ser feitos com o dedo indicador esticado e
a corda tocada com o polegar. Dê uma olhada na vídeo-aula para a demonstração.
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Nota 2:
Esta técnica pode ser reproduzida em praticamente todos os acordes, porém a
‘cachoeira’ acontece melhor quando não há a repetição entre a nota tocada com a
corda sem o efeito do harmônico e a nota tocada usando o efeito do harmônico.
Portanto fica a pista: pesquisar quais acordes você gosta e estudar como ‘colori-lo’
com harmonias diferentes, para que não haja a repetição de notas. E ai.... vale tudo ☺
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Exercícios 5, 6:
Outra técnica é misturar simultaneamente as notas tocadas com harmônicos e outras
sem o harmônico. Para isto você tem que usar a técnica de mão direita da seguinte
forma: os baixos do acorde devem ser tocados sem o harmônico, enquanto as notas
agudas do acorde devem ser produzidas pelos harmônicos, usando a técnica do
indicador esticado com o ataque da corda pelo anular (ou médio).
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Exercícios 7, 8 e 9:
Sugestões melódicas
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Exercício 10:
Mistura de técnicas em um pequeno arranjo
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Nota da autora:
O harmônico esteve presente em minha vida musical desde o começo, quando pela
primeira vez aceitei o convite (familiar) para tocar violão. Uma das primeiras aulas
que meus irmãos Odair e Sérgio me deram foi como tocar ‘Caixinha de Música’ ,
composta pelo concertista e pedagogo Uruguaio Isaías Sávio. Uma composição que
utiliza técnica avançada de Harmônicos Artificiais que para mim, com apenas 14
anos, chegou como desafio, que adorei superar.
Anos mais tarde, muitas canções que gravei usaram Harmônicos Naturais, Artificiais
e Mistos para colorirem seus arranjos (meus e de parceiros musicais) e quando
percebi... suas utilizações viraram um tipo de marca registrada em meu estilo e foi
assim que eles, os Harmônicos, contribuíram para a construção de minha trajetória.
Destaques:
• ‘Ponta de Areia’ (Milton Nascimento & Fernando Brant), gravado no CD
‘Chameleon’ (1998), onde utilizo a combinação de Harmônicos Naturais
produzidos simultaneamente pela técnica compartilhada no exercício 10,
quando demonstro a forma de utilização do Harmônico Natural do lado
esquerdo e do direito da casa XIX (olhando-se por cima do violão).
• ‘Asa Branca’ (Luiz Gonzaga & Humberto Teixeira), gravado no CD ‘Verde’
(2004), quando uso a mão esquerda para produzir sozinha as notas do baixo,
enquanto a mão direita mantém um ostinato sobre o traste XIX entre as cordas
1 e 2. Isto ao mesmo tempo em que estou fazendo percussão vocal e
cantando. Esta técnica que desenvolvi foi uma das responsáveis pelo apelido,
carinhosamente recebido pela crítica Norte-Americana, de ‘One Woman Band’
(Uma Mulher Banda).
• ‘O Mundo é um Moinho’ (Cartola), gravado no CD ‘Wonderland’ (2006), que
usou as técnicas de misturar (dentro de um mesmo acorde) notas reais e
notas produzidas com Harmônicos Naturais e Artificiais.
Houveram outras canções envolvendo harmônicos, mas escolhi finalizar este texto
com uma pequena história que vivi, onde sua utilização esteve presente e significou
muito para mim. Em 2003 tive o privilégio de ser convidada para um projeto com os
lendários jazzistas Larry Coryell e John Abercrombie. Nosso CD ‘3 Guitars’ (2003)
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teve uma repercussão bem positiva internacionalmente e com eles excursionei
durante três anos pelo mundo todo. Não precisa dizer, já dizendo, que foi uma das
experiências mais fascinantes de minha vida.
Em nossas apresentações sempre havia um momento solo de cada um e certa noite,
Larry escolheu uma composição sua que utilizava um certo Harmônico Natural, que
se repetia algumas vezes durante a obra. Todavia, na primeira vez em que ele foi
tocá-lo, errou o traste, o harmônico não saiu e ele prosseguiu tocando. Quando o
mesmo harmônico aconteceu novamente, ele errou uma vez mais e, mesmo assim,
continuou sem nenhum tipo de constrangimento. Quando, pela terceira vez, foi tocá-
lo de novo, ele acertou! E para minha surpresa parou, abriu os braços para o céu e
falou em alto e bom tom ‘Thanks God!’ (Obrigada Senhor!) e voltou a tocar. A plateia
foi ao delírio e neste momento algo muito profundo em mim aconteceu. Larry, e sua
liberdade artística, me ensinou que o erro faz parte do todo e que é algo
naturalmente humano. Eu, que vim da escola clássica, havia aprendido que o erro
era algo inadmissível. Pois então... não é. Se abraçarmos o deslize, ele fará parte de
todo o processo. Processo este que humaniza e, inclusive, nos conecta com a
plateia de uma forma bem mais profunda, a humana.
Logo, no processo de aprendizado dos Harmônicos aqui propostos (e de qualquer
outra forma técnica de aprendizado musical), não tema o erro. Ele faz parte.
Aproveitem!
Meus beijares,
Badi Assad