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M&S | abril / maio 2010 12 Com a corda toda C omprar um instrumento é fácil. Bas- ta ir a uma loja e escolher de acordo com a necessidade do músico e recurso disponível. Todavia alguns instrumen- tistas gostam de dar um toque de ex- clusividade e solicitam aos Luthiers para dar forma a guitarras, violões que são desenhados exclusivamente a eles. São estes mesmos Luthiers que na hora que vio- lões sofrem ranhuras dão uma mãozinha para deixar A arte de consertar e fabricar instrumentos de cordas não é tão simples quanto parece, mas é gratificante e prazerosa de acordo com Luthiers INSTRUMENTOS estes instrumentos inteiros novamente. Mas ser um lu- thier não requer apenas domínio de musicalidade ou marcenaria, requer paixão para transformar em reali- dade o sonho da mente dos músicos. O hábito de se construir instrumentos teve origem na Itália na construção de alaúde -um tipo de instrumento de corda-, que em italiano era chamado de liuto. Foi lá também que nasceu um dos principais luthieres do mundo: Antônio Giácomo Stradiveri, que Vinícius Cintra Corpo de violões na bancada para processo de montagem na JB Instrumentos

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A arte de consertar e fabricar instrumentos de cordas não é tão simples quanto parece, mas é gratificante e prazerosa de acordo com luthiers

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Com a corda toda

Comprar um instrumento é fácil. Bas-ta ir a uma loja e escolher de acordo com a necessidade do músico e recurso disponível. Todavia alguns instrumen-tistas gostam de dar um toque de ex-

clusividade e solicitam aos Luthiers para dar forma a guitarras, violões que são desenhados exclusivamente a eles. São estes mesmos Luthiers que na hora que vio-lões sofrem ranhuras dão uma mãozinha para deixar

A arte de consertar e fabricar instrumentos de cordas não é tão simples quanto parece, mas é gratificante e prazerosa de acordo com Luthiers

INSTRUMENTOS

estes instrumentos inteiros novamente. Mas ser um lu-thier não requer apenas domínio de musicalidade ou marcenaria, requer paixão para transformar em reali-dade o sonho da mente dos músicos. O hábito de se construir instrumentos teve origem na Itália na construção de alaúde -um tipo de instrumento de corda-, que em italiano era chamado de liuto. Foi lá também que nasceu um dos principais luthieres do mundo: Antônio Giácomo Stradiveri, que

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Corpo de violões na bancada para processo de montagem na JB Instrumentos

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deu nome a uma linha de violinos centenários. No Brasil a arte de consertar instrumentos co-meçou em 1900, quando o italiano Tranquillo Gianni-ni trouxe para o Brasil o sonho de fabricar instrumen-tos com o seu nome. Até hoje a empresa se mantém no mercado e como uma das principais no segmento musical. O luthier João Batista Trajano dos Santos, 55, já passou pela Giannini na década de 70 e ficou na empresa por 15 anos até que resolveu criar o próprio ateliê e criar a sua marca própria, a JB. João Batista atualmente tem uma fabrica de instrumentos em João Pessoa (PB), estado onde nasceu. Lá são produzidos 25 modelos, que começam com a seleção e classificação da madeira, pré-montagem até o produto final. “Ver o instrumento pronto é uma nova descoberta, apren-

dizado infinito que me fascina. É muito gratificante”, completa. Batista conta que nunca fez curso algum. Aos 18 anos teve seu primeiro contato na Giannini, onde começou a carreira como ajudante de serviços gerais. Em pouco tempo passou a ser oficial de produção e depois coordenador de montagem da área de instru-mentos clássicos. Além de trabalhar na Giannini, João trabalhou em conjunto com os luthiers Suguyama e Sérgio Abreu. “Foi uma experiência muito boa, pois esses profissionais me trouxeram conhecimento de ou-tros países e consequentemente novas técnicas”. Autodidata Celso Freire, de 41 anos, no final dos anos 80 começou a investir em material didático importado para aprimorar a luteria. Como aprendeu com o pai, aos 10 anos de idade, os fundamentos da eletrônica e no mesmo período aprendeu a tocar vio-lão, Freire sempre teve acesso a ferramentas e deu os primeiros passos, que no futuro de hobby se tornou profissão. Após se profissionalizar criou a marca Drea-mer, que fabrica guitarras e também o baixo Wood. “Atualmente trabalho com luteria em tempo integral, faço manutenção para clientes da região de Campinas (SP) e recebo instrumentos de várias partes do Brasil”, relata. A falta de formação e de locais especializa-dos para manutenção e construção de instrumentos, fez com que Edmar Luighi estudasse a fundo e conhecesse a luteria. “Não escolhi a profissão, foi ela que me escolheu”. Não é por menos. Após estu-dar áudio e estudar eletrônica, Luighi encontrou dificul-dades para fazer manutenção de sua guitarra. Com indicação de ami-gos se aprofundou e profissionalizou com dicas e toques dados por luthiers da

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Edmar aprendeu a arte com a necessidade de consertar seu próprio instrumento

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Tagima e Tiguez. Por conta disto recebeu convite de um importador da marca Guitarras Phil para ajustar instrumentos. Cresceu rapidamente para representar as marcas Washburn do Brasil, Ya-maha, Condor Tech, Fodera, PRS, Godin, Taylor e Tagima. Diferente de como começou, onde só en-contrava material importado para estudar, Edmar escreveu três livros a cerca do tema. “Antes a luteria era vista como charlatanismo, porque os recursos e acessórios eram escassos e alguns profissionais pisavam na bola roubando coisas dos outros”, diz. Com seu ateliê funcionando no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo ele ministra workshops na Escola de Música e Tecnologia (EM&T). “Ado-ro o que faço, procuro construir algo inovador ou funcional, ainda que quando solicitado faço répli-ca, mas não é minha preferência”, salienta Edmar. De acordo com o luthier é difícil encontrar bons materiais e enfrentar a concorrência com a China. “Acredito que a única forma de sobreviver é fazê-los personalizados. São obras de arte, ao menos, o sonho de quem o encomendou”, destaca Edmar. Mesmo com esta paixão, o luthier revela que a ca-tegoria é desunida e há concentração nas grandes capitais. “Existem grupos de alguns que não se

dão com outros”, admite. Emanuel Carvalho,

de 43 anos, fabrica ins-trumentos há 10 anos

junto com o sócio e irmão Samuel Car-valho. Ambos foram involuntariamente influenciados pelo pai Manoel Fran-

co Carvalho, que também é lu-thier e profes-sor de música. Os primeiros passos foram

ex- perimentações

e depois o projeto foi se aprofundando. “Esse é o cami-nho, aperfeiçoamento constante para sensibilizar tan-to o instrumentista quanto o ouvinte”, frisa. Emanuel trabalha no próprio ateliê, diferente de Marcos Aquino, luthier da empresa de instrumentos Made in Brazil. Aquino já atua 16 anos no ofício, oito anos por hobby e oito anos como profissional da Made, que lhe dispõe de toda infra-estrutura e ferramentas. A média de instrumentos trabalhados por mês é de 150 unidades, que exigem limpeza, correção de oitavas, regulagem de ação de cordas, instalação e retífica de trastes, algumas restaurações e outros serviços de um profissional do ramo. De acordo com Aquino trabalhar para uma marca é mais vantajoso. “Há muito presti-gio. Com isso muitos clientes são atraídos, coisa que é difícil quando se inicia na luteria sem ter clientela estabelecida”, afirmou.

ConsertoO trabalho de um luthier não se resume apenas a fabri-cação de instrumentos como também a reparos como a troca de cordas, por exemplo. Não são todos os pro-fissionais que consertam instrumentos, a maioria opta por fabricar, mas o campo para manutenção e reparo é bem amplo, indicam os entrevistados. Eles indicam que os principais problemas que reduzem a vida útil dos instrumentos são trincas, empenos no braço devi-do às mudanças climáticas de cada região e defeitos em componentes distribuídos por terceiros como cordas e tarraxas. Todos os defeitos como explica João Batista da JB Instrumentos têm solução, mas segundo ele fazer a troca da lateral do violão é algo muito complicado, pois mexe com a estrutura. Por decisão própria João só conserta instrumentos fabricados por ele. Samuel Car-valho tem outra análise, ele pensa que instrumento de qualidade não apresenta defeito, só requer manutenção correta. “Há muitos instrumentistas que procuram lu-thiers para que consertem seus instrumentos, quando na verdade, o que chamam de defeito é característica do produto e o que chamam de problema, é falta de téc-nica do proprietário. “Isso é difícil explicar ao cliente. Por isso bons argumentos e conhecimento a respeito do problema ajudam bastante”, recomenda Luighi.

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15abril / maio 2010 | IGREJA

CUIDADOS COM O INSTRUMENTO

- Guardar o instrumento dentro do case (estojo)- Não deixá-lo em local úmido/seco e sim bem arejado- Manutenção periódica- Transportar com cuidado

PASSO A PASSO PARA SE TORNAR UM LUTHIER

- Ter vocação, estudo e desenvolvimento contínuo- Ter conhecimento musical, em eletrônica e áudio, marcena-ria e fermentaria- Tocar um instrumento - Gostar de trabalhar com madeira- Fazer cursos, ter habilidade manual e estagiar ao lado de um luthier experiente- Conhecer acessórios disponíveis, preferência dos músicos, tipos de instrumentos, principais defeitos e qualidade, utili-zar ferramentas adequadas para cada atividade e entender a reivindicação do músico.