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Ibotirama Capital Céu

Editoração Eletrônica: Carlos Araujo Capa : de Lamartine Araujo

Revisão: Fernanda Simões Braga Araujo Edvaldo Joaquim Pereira

Contato com os autores:

Carlos Araujo Telefones 77 3698 2468 71 3247 2615 E-mails carlosaraujomonteiro@ig.com.br carlosaraujomonteiro@yahoo.com.br carlosaraujomonteiro@bol.com.br carlosaraujomonteiro@gmail@com carlosaraujomonteiro@hotmail.com

Lamatine Araujo Telefone 77 3698 2269

Carlos Araujo Lamartine Araujo

Ibotirama Capital Céu

Também para vozescom adaptação de

Carlos AraujoLamartine AraujoReginaldo Pereira

Salvador e Ibotirama-Ba., agosto de 2002 Ibotirama-Ba., setembro de 2005

Copyright © 2004 de Carlos Araujo e Lamartine Araujo

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileiral do Livro, SP, Brasil)____________________________________________________

Araujo, Carlos e Araujo, LamartineIbotirama Capital CéuCarlos Araujo e Lamartine AraujoIbotiama - 2005

1 Poesia I Titulo

____________________________________________________

Inclui Bibliografia ISBN 85 -

Homenagem a Ibotirama, Bahia - Ficção. Poesia 1.Título

SUMÁRIO

Apresentação............................................................................09

Introdução................................................................................13

Pequeno relato dos personagens..................................................15

Zé Bacana se apresenta..............................................................23

Zé Limeira resolve viajar pelo interior da Bahia..........................27

Zé Limeira encontra Pedro Álvares Cabral..................................28

Zé Limeira visita Elomar em Vitória da Conquista.......................29

Zé Limeira viaja para Bom Jesus da Lapa...................................29

Zé Limeira pede carona na estrada de Bom J. da Lapa.................30

Zé Bacana encontra Zé Limeira na estrada..................................30

Zé Limeira chega a Ibotirama junto com Zé Bacana....................33

Zé Limeira mostra sua Poesia ao povo de Ibotirama.....................34

Zé Bacana fala com Zé Limeira sobre Ibotirama.........................45

Zé Bacana apresenta personagens de Ibotirama a Zé Limeira........48

Zé Limeira resolve ficar em Ibotirama e cai na vagabundagem......59

O Poeta Zé Limeira resolve ir embora de Ibotirama.....................63

Zé Bacana se despede de Zé Limeira...........................................64

Zé Limeira volta a Ibotirama.....................................................67

Bibliografia..............................................................................73

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Ibotirama Capital Céu

Carlos Araujo e Lamartine Araujo 8

APRESENTAÇÃO

Forma singular essa dos dois manos (Carlos Araujo eLamartine Araujo) homenagearem Ibotirama. Vocês já viramalguém falar de vida fincando inspiração no enredo deixado pelosque já morreram? Pois foi esse o caminho escolhido pelos nossosPoetas para dizerem que a mente imaginosa de um povo – quasesempre olvidada nos compêndios convencionais – é quem melhorradiografa sua cultura e traça sua idiossincrasia. Bom que temostantas histórias e tantas personagens. Bom que Ibotirama, não sepermitindo sucumbir frente à frieza do asfalto que a circunda, tema mostrar a grandeza inventiva de sua gente no lidar com as infucasendereçadas (por quem?) a todos que, indistintamente, ousam, ouousaram viver. Mas, aqui entre nós, há nada mais sábio e eficaz queenfrentar tais percalços valendo-se da pilhéria e do bom humor?Rir-se é o melhor remédio e nisso está centrado um dos grandesméritos desta proposta cordelista que, sem nenhum pudor, desdenhado real para pescar jerimuns, remansos e outros peixes nas águaspululantes do imaginário.

E nossos Poetas mergulharam fundo... Acharam mesmode outorgar um passaporte para o “turista” Zé Limeira levar devista as acontecências de nossa barranqueira terra. É de seperguntar: por que Zé Limeira, esse cantador do avesso, parido dainclemência da seca e mestre da arte de escandalizar a lógica e

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escrachar os valores e conceitos tidos como intocáveis? É que oPoeta do Absurdo, como foi cognominado, mais que ninguémsoube atar as pontas da realidade aos pendões do irrazoável, chãoque somente a poucos é dado pisar. Sobre o homem do “VelhoTomé de Souza”, escrevi certa vez: “Zé Limeira só não é nossoSalvador Dali da literatura popular, com os louros inerentes, porque,não bastasse se chamar “Zé”, achou de nascer no sertão da Serrado Teixeira, lá na Paraíba, um dos mais nordestinos dos Estadosbrasileiros”. Por tudo isso, não poderia ser outra a seiva alimentadorada vontade lúdica dos meninos na produção de seus transgressoresversos.

Ora, vejamos:

Apresento ValdenorUm famoso costureiroZé Varado e BoiadeiroQue nunca teve boiadaCaiu numa emboscadaE só andava armadoMas nesse dia, o coitadoPra cumprir o seu destinoCometeu um desatino;É dura a vida de gado.

Querem mais? Pois ponham-se a ler estas décimas queem tão boa hora montaram no lombo do tempo e se converteram

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em História. Uma História que dá gosto de ler, que vai do risoao choro, do presente ao passado (e vice-versa) rumando para ofuturo, mas que, sobretudo, atesta o gosto de amor de seusautores por Ibotirama, capital Céu...

Vitória da Conquista (BA), outono, 2002

Washington Luiz Maciel Coutinho

Nota dos autores:

O Dr. Washington Luiz Maciel Coutinho é juiz de direito,poeta e compositor. É membro da Academia Itapetinguense deLetras e tem como patrono de sua cadeira o Poeta Zé Limeira.O Dr. Washington Coutinho nasceu em Boa Vista do Lagamar,

distrito de Ibotirama-(BA).

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INTRODUÇÃO

No nosso primeiro contato com a poesia de Zé Limeira (issofaz algum tempo), já ficamos bastante impressionados. Eleconseguiu fazer uma mistura criativa de personagens bíblicos,figuras da história e militares, com lugares, coisas, animais e pessoascomuns, colocando tudo isso no mesmo balaio, burilando etransformando numa poesia totalmente diferente de tudo que játínhamos visto. “O sentido que percorre toda a poesia de Limeiraé, antes de tudo, o do encantamento da linguagem.  O poeta fazver o imenso fascínio da palavra — ele a ama por si mesma,desprezando qualquer pretensão lógico-discursiva”. Vejamos o que dizem de Zé Limeira alguns escritoresbrasileiros:

José Américo de Almeida “Alcunhado de poeta do absurdo pelas suas construçõespoéticas verborrágicas e pelos neologismos mais esdrúxulos comopilogamia, filanlumia e filosomia, este paraibano de Teixeira cultivouum surrealismo assertanejado e altamente psicodélico”.

Muniz Sodré “Esse Zé Limeira, chamado o Poeta do Absurdo, era doido ouum vidente. A figura humana encarnava um misto de excentricidadee simpatia. Alto, forte, sorridente, impressionava pelo físico emaneiras destabocadas.  Zé Limeira, paraibano do Teixeira (l 886-1954)”. 

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José Nêumanne “Difícil concluir se o poeta do absurdo viveu, mas o absurdoda poesia vive, sim, na caudalosa produção anônima e coletiva derepentistas mortos, como Heleno Firmino, ou sobreviventes dosvelhos tempos, como Otacílio Batista, descendente de Rabelaismantido a água de coco nas praias de João Pessoa. Sem contar opróprio Tejo, que, além de tecer, com habilidade rara, a biografiade quem não se sabe sequer se viveu, ainda sapecou em nome delealguns dos mais hilariantes versos do acervo da literatura de Camõese Gregório”.“Se a existência real de Zé Limeira ainda é controversa para muitosespecialistas ou amantes da poesia oral, não há quem não conheçapelo menos uma “limeirada”, ou seja alguma afronta à moral vigenteou aos ditames da lógica plana versificada, metrificada, rimada emetida nas fatiotas justas do cânone repentista”.

“Limeirada”

“Um sujeito chegou no cais do porto

E pediu um emprego de alfaiate

Misturou cinturão com abacate

E depois descobriu que estava morto.

Ligou seu rádio no focinho de um porco

E afogou-se num chá de erva cidreira

Requereu um diploma de parteira

E tocou numa ópera de sinos...

Eram mãos de dezoito mil meninos

E não sei quantos pés de bananeira”

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Por tudo isso, imaginamos promover o encontro inusitado deZé Limeira com Zé Bacana, em Ibotirama.

Zé Bacana foi um caminhoneiro, mecânico e alcoólatra quemorou em Ibotirama. Devido às suas bebedeiras, foi entrando emdecadência e no final da vida chegou a dormir dentro de manilhasde esgotos. Mesmo assim, ao acordar, saía da manilha, dava umaespreguiçada e sentenciava: Ibotirama Capital Céu!!!!

O que rolou nesse encontro, conto em VERSOS, aliás conta-mos, pois ele foi escrito a quatro mãos, por mim Carlos Araujo e pelomeu irmão Lamartine Araujo.

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Pequeno relato dos personagens

Para que o leitor possa entender perfeitamente o enredo denossa história, sugerimos que leia inicialmente este pequeno relatoque fazemos dos personagens contidos em nossa obra. De início,queremos deixar bem claro que quase todas essas figuras deIbotirama, são pessoas que já faleceram. Falamos basicamente sódos mortos. Pessoas essas que viveram em Ibotirama e tiveram asua importância dentro da Comunidade. O relato será por ordemde citação dentro da narrativa em décimas. A décima já era uma estrofe da literatura clássica na Europa nosséculos XV e XVI e segundo a maioria dos autores veio para aAmérica através dos colonizadores, e aqui ganhou força,especialmente no canto improvisado. Na América esteve emconstante crescimento e criou características próprias com a poesiaescrita e improvisada. Sua estrutura rimática ABBAACCDDC, com versos setissílabos,octossílabos ou de dez sílabas, é leito do improviso ou verso escritono Brasil e em outros países da América. Sua potencialidade poéticaé tão grande que pode ser vista como um poema. Existem outros tipos de décimas que não seguem o rigor rimáticoda décima ABBAACCDDC, por exemplo: ABBCCDDEED,ABBACCBDDB e ABBCCDDCCD, ou totalmente sem rima, quetambém são décimas, mas não podem ser consideradas como aclássica décima que é usada para improviso no Brasil e noutrospaíses. Neste livro usamos a variante tradicional ABBAACCDDC etambém a variante ABBCCDDEED, na qual o primeiro verso é

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branco, além de outros tipos de décimas, inclusive o martelo. O nossomote em quadra não faz parte da décima.

Personagens:

Zé Bacana – É o nosso herói. Caminhoneiro, mecânico e grandebebedor de cachaça. Chegou a Ibotirama na década de 60. Tornou-se um alcoólatra, foi entrando em decadência, e nos últimos dias devida dormia dentro de uma manilha de esgoto, e ainda dizia queIbotirama era capital Céu.Galdino – Era músico e boêmio. Tocava saxofone.Silú – Era músico e funcionário público. Tocava trompete.Mãe Jozina – Era a parteira parteira mais respeitada na comunidade.Lonetão - Humberto Araujo - Era músico e tocou em algunsconjuntos.Ladislau Nunes de Brito – Foi o doador das terras de Ibotirama àNossa Senhora da Guia.Deraldino de Souza - Deraldino Lino de Souza - Era agente deVapor e contador. Foi eleito o primeiro prefeito de Ibotirama.Faísca - Foi o jumento de seu Tomaz.João Gomes – Foi fazendeiro e comerciante.Seu Oscar – Oscar Guanais Mineiro – Foi comerciante e fazendeiro.Fezim ou Fezinho – José de Lima Fé Sobrinho – Era sobrinho doCoronel Zezé. Foi marido de dona de pensão. Não era chegado aotrabalho.Chico Morcego – Foi ourives em Ibotirama.Dona Anísia – Foi dona de pensão sogra de Chico Morcego.Nega Dionísia – Meretriz.Jonas Andrade – Jonathas Andrade Porto – Foi várias vezes

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vereador. Também receitava remédios para as pessoas. Começou ausar uma longa barba depois de ser preso.Valdenor – Foi costureiro e gay.Zé Varado – Foi comerciante de gado.Boiadeiro – Foi comerciante de gado.Seu Martin – Foi construtor de barcos. Usava um jargão famoso:É de arrombar!.Nego de Ló – Foi um curandeiro e criador de cobras de Ibotirama,tinha fama nacional. Foi até matéria da revista O Cruzeiro.Sassarico – Pedro Sassarico – Foi dono de Bordel na Rua Paratinga.Manoel Grande – Um senhor chamado Manoel de pequenaestatura.Chico Pastinha – Foi o dono de tradicional bar da Rua PedroCarneiro.Olívio – Foi um fazendeiro em Ibotirama. Aqui tinha fama de sermentiroso, pois contava haver trabalhado em tantas profissões quequando se somava sua idade, ele teria mais de 100 anos.Gilenão – Gileno era conhecido por ser bem dotado de órgãosexual.Maria Petrolina – Foi uma famosa meretriz.Lino Cacaó – Foi um folclórico cidadão de Ibotirama. Corria alenda que comia testículo de boi cru; Conta-se que chegou a comera orelha de um cidadão.Seu Dió – Dioclécio Pereira Belo – Foi comerciante tradicional.Vendia cachaça com raízes.Zé Dengoso – Foi tocador de sanfona e forrozeiro.Adão de Herculano – Desocupado.Zé Premiado – Desocupado.Seu Solon – Solon Barreto de Novais – Foi comerciante e prefeitode Ibotirama. Foi também morador do primeiro sobrado construído

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em Ibotirama.Manoel Fundão – Manoel Barreto de Novais – Foi comerciante emandou construir o primeiro sobrado de Ibotirama em 1932.Antonio de Urucuia – Foi conhecido cozinheiro e gay.Ninita – Foi dona de pensão.Zé Gavião – Foi vendedor de jóias em várias cidades da Bahia.Corria a crença de que, quando ele estava em Ibotirama, nuncachovia na Cidade.Lídio Alves de Souza – Foi vereador quando Ibotirama ainda eradistrito de Paratinga.Liga – Rolondon Novais – Foi grande boêmio.Elizaldo – Elizaldo Novais – Era tio de Rolondon.Maria Sapato – Era uma maluca que andava pelas Ruas deIbotirama.Arda – Foi um retardado mental de Ibotirama.Ozeba – Era uma maluca que se vestia de todo tipo de borracha.Manoel Santana - Foi comerciante e agiota. Era vizinho deFezinho.Adonias Botões - Grande consumidor de cachaça.Clozim - Matador de onça.Biscoito – Foi o dono de Grupo de Reis tradicional da “Rua deBaixo” em Ibotirama.Marruá – Foi o dono de Grupo de Reis tradicional da “Rua deCima” em Ibotirama;Seu Vavá – Waldemar Carneiro – Foi tradicional comerciante.Elias – Elias Damaceno – Era comerciante em Ibotirama. Grandecontador de histórias.Odontina – Odontina Laranjeira de Souza – Foi professora eDelegada Escolar em Ibotirama.FEMPI - Festival de Música Popular de Ibotirama.Dolé – Sílvio Araújo Monteiro – Foi Comerciante e compositor.Cabo Sancho – Sancho Domiciano Rodrigues – Foi delegado de

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polícia e seresteiro.Quito – Otalino Donato de Souza – Foi comerciante.Drege – Aristides Ribeiro Chaves - Foi comerciante.Seu Peró – Foi construtor de barcos.Lió – Seu Leovegildo. Foi um funileiro de Ibotirama.Zequinha – Foi dono de tradicional bar.Estevão Pereira – Estevão Pereira – Foi dono de padaria e delegadode polícia.Sinhá – Foi uma das primeiras prostitutas de Ibotirama.Cordão de Ouro – Foi pescador da Iha Grande de Ibotirama.Seu Tomaz – Foi agricultor das ilhas de Ibotirama. Usavaconstantemente o seguinte jargão: “Duro é tromba de sino!”.

Os autores

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Ibotirama Capital CéuAdaptado para Teatro

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Cenário

Praça de Ibotirama, com bancos e uma manilha para ser amoradia de Zé Bacana. Entardecer ou começo da noite.

Personagens:

Zé Bacana - Nosso herói. Alcoólatra, roupas surradas e emdesalinho. Muitas vezes estará em cena com uma garrafa de pingana mão.

Zé Limeira - Negro, alto, trajando roupa extravagante: Paletóazul vivíssimo, lenço vermelho ao pescoço. Exageradas lentes pre-tas nos óculos. Quinze anéis presos nos dedos. Várias fitas colori-das penduradas no braço da viola.

Livusia - Figura indefinida, andrógina, meio cobra, meiomulher, rápida nos movimentos, maliciosa. Roupa colante no cor-po.

Narrador - Tipo mestre de cerimônia dos cachaceiros. Rou-pas em trapos, mas tenta manter uma pose formal.

Muitas vezes estarão no palco muitos personagens deIbotirama.

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Ato I

Cena I

Zé Bacana - Deitado com uma garrafa de pinga ao lado,

com a cabeça fora da manilha. Quando as luzes acendem, se

levanta e pega a garrafa, espreguiça, se apruma com difi-

culdade e grita a plenos pulmões:

Ibotirama Capital Céu!(Caminhando para a frente do palco)

Fundo musical: A música Vapor Encantado

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Zé Bacana se apresenta

Trouxe o nome de besta, é verdade!-O de Zé - que botou algum sacanaMas aqui me chamaram de “Bacana”Como prova de cordialidade.É por isso que eu amo esta CidadeOnde vejo só gente de valor.E se brota das mãos do CriadorA fartura do pão, do leite e melEsta “Ibotirama é Capital Céu”O Lugar que Deus Pai abençoou!

Nesta Terra onde como, bebo e deito,Pelas ruas, sem ter nenhum tostãoNem parente pra ser um ombro irmãoVivo nela e me sinto satisfeito.A Cidade não tem nenhum defeitoPara mim que só vivo de favor.Sou tratado com ar respeitadorE me chamam aqui de “Zé Bacana”Vou ficando, de vez, em IbotiramaO Lugar que Deus Pai abençoou!

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Zé Bacana -(Com voz de

bêbado)

Tomo pinga e depois venho pra camaDa Manilha que eu uso pra dormirMesmo morto minh’alma fica aquiPois já sou cidadão de Ibotirama.Esse povo daqui diz que me amaMesmo eu sendo este ex-trabalhadorE por isso é que grito com fervorLevantando na voz o decibelQue “Ibotirama é Capital Céu”O Lugar que Deus Pai abençoou!

Quem disser que a morte é um castigoEu afirmo que Deus não tem maldadeHoje eu vivo feliz na EternidadePor aqui não ter feito um inimigo.Nem mereço o que fizeram comigoSó faltaram me por em um andor.Consagrado eu já sou pelo leitorQue me adora nos versos de cordelEsta Terra é a extensão do CéuO Lugar que Deus Pai abençoou!

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Pedro disse - você pode voltar -Quando olhava o Portal do Paraíso.Bem na frente se lia num aviso:“Os da Capital Céu ficam por lá.Sendo assim eu guardei o meu cracháAcatando essa ordem do Senhor.Fosse um Zé, um Juiz ou Promotor,Que cumprisse o querer da Autoridade.Pra voltar e ficar nesta CidadeO Lugar que Deus Pai abençoou!

Eu voltei e tô sempre por aquiFestejando com umas talagadasCom a turma de velhos camaradasQue outrora, na certa, eu conheci.É por isso que nunca me esqueciDesta Terra coberta de esplendorAdornada por Deus, Nosso SenhorProtegida da Virgem por seu véu.Ela é mesmo um pedaço lá do CéuO Lugar que Deus Pai abençoou!

(Senta no fundo do palco, de vez emquando leva a garrafa à boca e ficafalando com os seus botões)

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Zé Limeira certo diaPra seguir seu nomadismoResolveu fazer turismoNo interior da Bahia.

Contratou a Livusia Como o guia da viagem

E falou para a visagem:Passo em cada botequimEncaro o Coisa-ruimCom mote de “pabulagem”:!

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

Zé Limeira, o Poeta do Absurdo, resolve fazer turismo nointerior da Bahia.

Cena IIEntra o Narrador

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Narrador -

Voz em off -de Zé Limeira

Voz em off -de Zé Limeira

(O Narrador aponta para a voz e fica ouvindo)

Partiu depois do NatalE começou pelo sulProvou cacau e cajuNo pé do Monte Pascoal.Encontrou Pedro CabralNa Nau dos quinhentos anosQue com cem metros de panosNão conseguiu velejarE nem no mar viu boiarO Barco feito sem planos...

O navio QuinhentistaDeixou Limeira encucadoE saiu de lá retadoPara uma roça em Conquista,De um grande violista,Com criatório de bode,Onde o viajante podeBeber água de moringaE pro mestre da caatingaCantou em rima de mote.

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Narrador -

Narrador -

Lá disse Eugênio Avelino,O Xangai, a Elomar-Nessa arte de rimarZé Limeira é paladinoE canta desde meninoDe sextilha até quadrão.“A desgraça de SansãoFoi trair Pedro PrimeiroDiz o grito do vaqueiroNas quebradas do sertão”.

Tomou café com cuscuzE rumou ao meio-dia,Acompanhado do guia,Pra Lapa do Bom Jesus.Lá fez o sinal-da-cruzNa soleira dum boteco.Quando estava num fordecoNa estrada, de banguela,O carro bateu bielaE se prostrou pra rezar.

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Voz em off -de Zé Limeira

Narrador -

Narrador -

Ele secava a salivaNaquela estrada de chãoFazendo reflexãoSem perder a esportiva.Toda sua expectativaAssim parado por láLevantando o polegarNaquele imenso areãoEra ver um caminhão,Fazer parar e pongar.

Já sentia grande estafaQuando um pau-de-arara estancaE o chofer, cheio de panca,Da boléia desabafa:-Está vendo esta garrafaCheia de pinga com mel?Me levou pro beleléu!-O meu nome é Zé BacanaE moro em IbotiramaQue é a Capital Céu!

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Narrador -

Narrador -

Zé Bacana -(Levantandodo fundo do

palco)

-Não me faça esse escarcéu,Responda aqui meu irmãoComo um lugar no SertãoDe tanta gente “pinel”Pode ser Capital Céu?-Quando morre autoridade,Zé-Mané ou mesmo um frade,Não vão pro Céu nem infernoA mando do Pai EternoPermanecem na Cidade!

-Salvador tem tanta igreja,Uma para cada dia.Neste canto da Bahia,Eu quero que você veja.Nesta Terra benfazejaOs bares são mais constantes.Estão em todos quadrantesMuito mais em quantidadePra nossa moça cidadeDe vinte mil habitantes!

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Narrador -(Dirigindo-sea Zé Bacana)

Zé Bacana -

Zé Bacana -

-Dentre todas é destaqueEssa Cidade do “Além”.Se nossa indústria não temTrabalho nem de “araque”,A agricultura é um traqueE tem pouca pecuária.Pois nada disso atrapalhaO dinheiro “manifesta”Todo dia é uma festa!Por isso ninguém trabalha.

Depois de ter escutadoAs loas sobre o LugarLimeira quase a gritarFicou entusiasmado.Queria ser convidado,De novo pediu carona,E pra seu guia proclama:-Eu vou pedir ranchariaFico de noite e de diaNas festas de Ibotirama!

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Zé Bacana -

Narrador -

(EntramLivusia e

Zé Limeira)Zé Limeira -

(Música “Todo dia é dia de Domingo)

(Entra um Coro e se posiciona no fundo

do Palco)

Quando viu o viajanteTocando o seu “Violão”Enorme recepçãoSaudou nosso visitante.E, em noite delirante,O cantador nordestinoTeve Silu e GaldinoAcompanhados de um coroNum repertório de choroE de frevo genuíno.

O poeta, dessa vez,Ficou tonto e abismadoE se sentiu muito amadoDe povo bom e cortês.Queria passar um mêsEm plena vagabundagem.Pagou aquela hospedagemCom amor e cantoriaMostrando sua poesiaPro povo dessa paragem:

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Livusia -(Apresentando

Zé Limeira)

Livusia -

Cena III

“Quando Dom Pedro SegundoGovernava a PalestinaE dona LeolpoldinaDevia a Deus e ao mundoO poeta Zé RaimundoComeçou a castrar jumentoTeve um dia um pensamento:Tudo aquilo era boatoOito noves fora, quatroDiz o Novo Testamento!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-(Caminhandopara a frente

do Palco)

Zé Limeira-

“O Marechal Floriano,Antes de entrar pra MarinhaPerdeu tudo quanto tinhaNuma aposta com ciganosFoi vaqueiro vinte anosFora os dez que foi sargentoNunca saiu do conventoNem pra lavar a corvetaPimenta só malaguetaDiz o Novo Testamento!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

todos no Palco)

“Um General de Brigada,Com quarenta graus de febreMatou um casal de lebrePra comer uma buchada...Quando fez a paneladaMorreu e não logrou delaPorco que come em gamelaProva que não tem fastioPeixe só presta de rioPiau de tromba amarela.”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

todos no Palco)

“Pedro Álvares CabralInventor do telefoneComeçou a tocar tromboneNa volta do Zé Leal.Mas como tocava malArranjou dois instrumentosDaí chegaram SargentosQuerendo pegar os trêsQuem tem razão é o freguêsDiz o Novo Testamento!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

“São José de ArimatéiaEra o pai de Jesus Cristo,Mas quando ele soube dissoJá tava em Caruaru.O mundo ficou azul,Começou um pé-de-vento,São Pedro vem lá de dentroCorrendo atrás d’uma lebre,Quem for podre que se quebre,Diz o Novo Testamento!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

“Um dia Augusto dos AnjosJunto com São João da BarraForam fazer uma farraE tiveram um desarranjo.Encontraram c’um marmanjoLá perto de LivramentoDaí saíram por dentroPassaram por três irmãsDormiram em PuxinanãsDiz o Novo Testamento!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

Ibotirama Capital Céu 43

Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

“Quando Jesus veio à TerraFoi gerente da Paulista,Sócio de São João Batista.Depois da Segunda Guerra...De tanto subirem serraTiveram um padecimento.Inda existe documentoDa juvenília dos dois,Hoje, amanhã e depois,Diz o Novo Testamento!

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

“O caminhão de CabralQuando aterrissou no caisMelado de lama atrásEle foi e pintou de cal.Correu pro Banco CentralMontado numa cachorraDeu tiro que só a porraNa Guerra do Paraguai.Do jeito que a coisa vaiTalvez a pobreza morra!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

“O velho Tomé de SouzaSó governou a BahiaPorque tinha a LivusiaComo verdadeira esposa.Pegou a tal mariposa,Benzeu na frente e atrásE despachou para o caisEm caminhão de entrega.Quando ela chegou no “Brega”Se amigou com o Satanás!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

“O Barão de ItararéSentou praça no ParáPra poder desafiar“O Homem de Nazaré”.Só viu que não dava péAo cantar “Mulher Rendeira”.Ouvindo aquela gagueiraJesus passou-lhe um esbregueE, montando no seu jegue,Foi procurar Zé Limeira!”

Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento!

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Zé Limeira-

Zé Limeira-(Em coro com

a platéia)

(Zé Limeira agradece ao público e sai pelo fundo dopalco)

(Levar o povo a aplaudir)

Depois que o povo aplaudiuA grande apresentaçãoAquela aglomeraçãoNo cortejo prosseguiu.No Beco de Artur sumiuPara a casa de Nazinha.Cantaram uma ladainhaE rezaram um benditoPara completar o ritoBem na frente da Lapinha

Limeira tava contenteNa Reza de tradiçãoFoi pegando em cada mãoPara saudar toda gente.Viu que ali tava presenteA famosa Mãe JozinaQue desde quando meninaJá trabalhava na roçaEra parteira zelosa,Pois sempre foi sua sina!

Carlos Araujo e Lamartine Araujo 48

Livusia -(Pula na frente

do Palco)

Livusia -

No fim da recepçãoResolveu ali ficar.De pronto foi se hospedarNo Hotel de seu Humberto.Queria ficar bem perto,Dentre outras coisas mais,Das vizinhanças do Cais.Daí chegou LonetãoTrazendo seu violãoE a farra foi pros anais.

-Caro amigo Zé LimeiraCordel aqui não tem nãoMas se eu disser que o CãoNão anda aqui desse lado,Que não fique admirado,É que o nosso territórioFoi doado em ofertórioPara a “Senhora da Guia”,E na manhã de um diaFoi registrado em Cartório.

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Livusia -

Todos saem de cena (Entram Zé Bacana

e Zé Limeira)

Zé Bacana -

-Ladislau Nunes de BritoTirou uma nesga de terra,Do beiço do Rio à Serra,Chamada Morro PeladoLimitando de um ladoNo Umbuzeiro do DefuntoOutro marco era dijuntoLá do Alto da PetecaEncho os olhos de “meleca”Quando falo desse assunto.

-O Cão aqui nunca veioMas mandou seu secretárioQue baixou neste CenárioPara nos atazanar.Foi preciso alguém chamarNossa Senhora da Guia,Que sempre nos auxilia,Com Tião, nosso o Santo.Eles botaram em seu cantoA alma má e vadia.

Carlos Araujo e Lamartine Araujo 50

Zé Bacana -

Zé Bacana -

(À medida que vai citando os nomesdas pessoas, atores vão entrando nopalco)

-Quando Deus aqui chegouCarregado por “Faisca”Peixe pegava na iscaDo caçador de mandim.Hoje eu como amendoimPra tirar gosto de pingaGado é solto na caatingaPra comer jurema pretaQuem tem medo de caretaÉ Brejinhos e Paratinga.

-Eu posso lhe garantirQue aqui tem tanto heróiQualquer rimador constróiUma história de valor,Acredite cantador,Na nossa grande valiaSe um poeta algum diaPudesse botar em versoIa encher o UniversoDe livros de poesia.

Ibotirama Capital Céu 51

Zé Bacana -

Zé Bacana -

(Sentam no banco da praça)

-O Deraldino de SouzaEra agente de Vapor.Servia de contador,Guarda-livros de verdade.Nessa outra atividadeTornou-se bem popularPor isso, deste lugar,Acabou sendo o prefeitoO primeiro a ser eleitoPra Cidade governar.

-Aqui tem tanta figuraQue podemos relembrar:Tem João Gomes, Seu Oscar-Que veio do Bom Sossego–Tem Fezim, Chico Morcego,O genro de Dona Anísia,Tem a nega DionísiaCom sua civilidadeTem também Jonas Andrade,Na barba, com muito apego.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-Apresento o ValdenorUm famoso costureiro,Zé Varado e BoiadeiroQue nunca teve boiada.Caiu numa emboscada,Ele só andava armado,Mas, nesse dia, o coitado,Pra cumprir o seu destinoCometeu um desatino;É dura a vida de gado.

-Nos tempos do “Bom Jardim”Nem dinheiro precisava.Qualquer um acreditavaEm um fio de Bigode.Seu Martim comprava um bodePara dar à cachorrada,Depois veio a derrocadaNão fez mais embarcaçãoNoé já tem caminhão“É de arrombar”, como pode.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-Cobra é bicho peçonhentoQue causa medo e terrorMas aqui tem um senhor,Chamado Nego de Ló,O Homem carrega um póBem escondido da genteQue amansa até serpentePra enrolar no pescoço;E quando ele fala grossoEla pára em sua frente.

-Aquela mulher safadaNem podia esconderPois ele podia verSe ela tava prenha ou não.Só conheci “Juvenção”Que quebrou sua mandinga.Foi na rua ParatingaO Brega de Sassarico,E desse sujeito eu fico,Lembrando do seu jeitão.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-O senhor “Manoel Grande”Mede só um metro e meioHomem de pouco floreio,Muito sério e morrinha.No Bar de Chico PastinhaOlívio mente demais,O que nos diz o rapazNa vida tudo que fezEle teria talvezDuzentos anos ou mais!

-Gilenão era famosoPor seu dote exagerado,Mas foi “desmoralizado”Por Maria Petrolina.Só se fosse uma “menina”Pra ter admiraçãoPara a sua “sensação”Tinha que ser bem maiorNão precisava ter dóTudo aquilo era rotina.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-Vapor Encantado é nossoÉ da nossa fantasiaReis do boi, tudo é magiaComo Lino Cacaó.Quem dá pinga é Seu Dió,Com raiz de fedegoso.Pobre vive de teimoso,Mas, pra provar que é gente,Enche o rabo de aguardenteNo forró de Zé Dengoso.

-O Nego D’água apareceEm noite bem mais escuraE sempre vem à procuraDe um pedaço de fumo.Ele perde até o rumoSem um cachimbo no queixo,Com o Pai D’água não mexoQuando vejo nesse estadoSome no Rio, o coitado,Xingando e com remelexo.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-O Adão de HerculanoMorto por Zé Premiado,Adão gozou Delegado,Pois com pingo dava nó.Sancho tinha um olho sóE levava desvantagem.Cercado da criadagemTá Solon no CasarãoQue o sogro Manoel FundãoFez na maior estiagem.

-Marechal Castelo BrancoDitador do CearáAndou causando por cáUm grande constrangimento.Deslocou um RegimentoLá da Cidade da LapaChegaram aqui dando tapaNa cara de “comunista”Vieram seguindo a pista,Tomando chá de Jalapa.

Ibotirama Capital Céu 57

Zé Bacana -

Zé Bacana -

-O Antonio de UrucuiaFoi nosso primeiro Gay,D’onde ele veio eu não sei,Mas como era viadoTrabalhou de empregadoNa cozinha de Ninita.Com ela também habitaO freguês Zé Gavião,Não se ouve um só trovãoQuando ele nos visita.

-O Lídio Alves de SouzaCompadre de deputado,Prejudicou nosso lado,Com mania de riqueza.-”Aqui não temos pobreza,De nada nós precisamos”.Mas com o passar dos anosÉ que notaram a besteira,Em forma de brincadeira,Que nos causou muitos danos.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-Foi o maior humoristaO Rolondon – nosso Liga!Que nunca fez uma intriga,Com as suas brincadeiras.Compôs algumas besteiras,A melhor: O Jacaré.Nidinha foi sua mulherPara agradar o seu tio.Elizaldo lhe pediu-Eu faço o que você quer.

-Maria Sapato, Arda:-“Dinheiro pá capá pão”Esse era seu jargão.Ozeba da fantasia,Com medo da “energia”,Do raio que vem do Céu,Faz da borracha chapéu.Foi muito fotografada,Sua figura cantada,Nas rimas deste cordel.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

(Música “ O Jacaré”)

-Sobrinho de Coronel,O sossegado Fezinho,Conhecido do vizinhoPor não querer trabalhar.Conseguiu aposentar,Na roça nunca se viu,Manoel Santana argüiuBem na hora de atestar,Poderia até jurar,A primeira vez mentiu.

-Quem também fez poesiaFoi Adonias Botões.Este é um dos seus bordões:“Se os galos bem soubésseisO que eram os bem-quereis,Não cantavam madrugada(E dava a arrematada)Pro dia não amanheceis.”Usava seu “pluraleis”De maneira exagerada.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

-Quero falar, com carinho,Do grande compositorQue há tempos já cantouMaravilhas deste Rio.Também falou sobre o brioDo nosso povo sofridoSempre foi comprometidoCom a expressão cultural,E lembrar nunca faz mal,Ele é por demais querido.

-Fez, com Zequinha Barreto,Em homenagem a Lamarca,Uma canção que só marcaSua criatividadeEssa musicalidadeEste povo todo adoraO seu nome... digo agora:O grande mestre Dolé,Silvio, também, Seu Mané...E vai por aí afora.

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Zé Bacana -

Zé Bacana -

(Música pra Lamarca)

-Sem carregar patuáQue lhe desse garantiaNem arma que repetiaOu calibre de canhão,Clozim não temia o chãoOnde a onça caminhava.Em seu encalço ele andavaPra tirar a diferençaCoragem tem de nascença,Na profissão precisava.

-Na boca do clavinoteMuitas onças derrubouSó com facão enfrentouMas não se deu muito bemA marca na perna tem:Uma laranja perfeita,Foi o dente da sujeitaQue fez essa bagaceiraHoje conta da RibeiraHistória que nos deleita.

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Zé Bacana -

(Vão levantando e se retirando do palco)

Zé Bacana -

Zé Limeira foi ficandoE se entregou ao lazerTinha muito o que fazerAté tocou em seresta.Se meteu em cada festaDe programação de bar.Era o primeiro a chegarE logo ficou freguêsDessas Folias de ReisDe Biscoito e Marruá

Viu correr solta a notíciaDa Pedra Preta a brilharEstava para apitarUm Vapor, era “O Encantado”.Depois de muito esperadoFinalmente ele atracou.Ninguém sequer o tocou.Quando a multidão o viuVirou fumaça e sumiuEra Lenda e se espalhou!

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Livusia -(Entra pulando

no palco)

Narrador -

Andou por todo ComércioDe tecido até bazarDa loja de seu VaváPara a venda de EliasQue vende quinquilhariasE bugigangas diversas:Novelo, enfeites de festas,Alho, pá, prego, sabãoE corda de violãoPara animar as serestas!

Cantou com os estudantesNa Escola Rui BarbosaMas detestou sua glosaA “Delegada Odontina”.Achou a glosa cretinaNa maneira que tratouNos seus versos de humorFiguras de nossa História.A quem o Brasil deu glóriaZé Limeira esculhambou!

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Livusia -

Narrador -

Nessas suas peripéciasZé Limeira até julgouMúsica de compositorNo FEMPI do mês de AgostoQuando a gente de bom gostoEstá na Praça do Cais.Foram aplaudidos demaisDolé, Liga e Cabo SanchoCantando uma marcha ranchoAté os acordes finais.

Zé Limeira mediouO jogo da Seleção,No Estádio Quinteirão,Com a velha Paratinga.Viu toda aquela mandingaDe nossa grande rival.E como era normalXingaram a mãe do juiz,Chamando de meretrizMas vencemos, no final!

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Livusia -

Narrador -

Gritava a arquibancadaCom os gols da partida.Muita gente na torcida:Quito, Drege e Seu PeróManoel Santana e LióMais Estevão BuritiBururu e Seu DavidXerém e Nego de LóZé Sobral e Cacaó,Todos vieram assistir!

A iniciação do sexoE escola do prazer.Limeira quis conhecerO lar de dona SinháPerto dum prédio escolarCujo número ele já tinha.Chegou logo de noitinhaPassou a noite por láTratado como um PaxáDo quarto para a cozinha.

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Livusia -

Narrador -

E depois daquela orgiaFretou Limeira um paquete,Comprou cachaça e foguete,Anzol com linha e arpão.Afinou seu “Violão”E tocou pra Ilha Grande.No barco, de comandante,O velho “Cordão de Ouro”Comportado como mouroRegado por aguardente!

Mais de um mês se passaraNaquela vagabundagem,E para seguir viagem,Foi procurar Zé Bacana.Disseram, morreu de cana.-Tá na Terra dos Pés JuntosE cuidando dos assuntosDe grande delicadeza.Limeira teve certeza,Era o Céu, tinha defuntos!

Ibotirama Capital Céu 67

Livusia -

Narrador -

-Eu não choro minha sinaPois eu amo esta Cidade,Digo com sinceridade,Se você quiser partir,Pode ir que eu fico aqui.Eu não quero viajarNão vejo nisso um penarMeu lugar é na “Manilha”Em frente à Nova BrasíliaOnde podem me encontrar.

-Quando lembro da boléiaJá tô na porta da VendaEu não carrego encomendaNem cheiro mais gasolina.Hoje a única “menina”Que vive comigo agoraNo centro do olho moraCozinhada de cachaça,Que todos me dão de graça,Na “Manilha” ou aqui fora.

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Zé Bacana -c/ Zé Limeira

Zé Bacana -

-É preciso que eu fale,Antes de me despedir,Da comida que aqui,Saboreia o visitante.Eu repito a todo instante,Tem iguaria a granel,De caviar a pastel.Quem provar cada manjar,Na certa, irá voltar,De novo, à Capital Céu!!!

Quem tem boca vai a Roma,“Mais duro é tromba de sino”,Aprendi quando meninoDa boca de seu Tomaz.Gente ruim foi BarrabazQue matou Nosso Senhor,E quando o Vapor Chegou,Num enorme reboliço,Sem mala e sem compromisso,O Zé Limeira embarcou.

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Zé Limeira -

Livusia -(Pula na frente

do Palco)

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Zé Limeira e a subida do Trovão

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Zé Limeira se assustouQue quase ficou pinelQuando foi parar no CéuE do jeito que chegou.Ninguém sequer perguntouComo chegou d’outro mundo.Parou, e respirou fundo!Tinha que pensar com calma.Estava ali era em alma?Seria mesmo um defunto?

Perguntou: – Cadê São Pedro?-Por que não está na porta?Disseram; - Isso é lorota,Conversa pra boi dormir.- Repare bem isso “Aqui”Vai precisar ter porteiro?Onde não corre dinheiro,E a comida é manjar!Entre e tente se arranjar,Se vire, meu companheiro!

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Livusia -

Livusia -

- Em plena segunda-feiraArrumei meu matulãoE me escanchei no TrovãoEm noite de lua cheia.Aonde a Terra margeiaEu desviei do arrebol,Tirei um fino no Sol,Passei por Marte e PlutãoE veloz como um tufãoTrovão ficou sem farol.

- Naquele exato momentoTudo ficou meio escuroFui parar perto dum muroJogado fora do assento.E quando olhei lá pra dentroDivisei Zé de Miguel,Um defunto tabaréuLá da Serra do Teixeira.Foi assim, dessa maneira,Que eu fui parar no Céu.

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Zé Limeira -(Entrando no

palco)

Zé Limeira -

- Olhei pra todos os ladosBuscando me orientar.Será que vão duvidarTambém da minha existência?E naquela turbulênciaVi alguém ficar de pé:-Diga lá quem você é,É real ou ilusão?-Eu não sou assombração,Mande chamar Assaré.

- “Nesta vida passageira,Há coisas que muito pasma,Disseram que Zé LimeiraÉ um poeta fantasma.Um cantador fictício,Por isso com sacrifícioQuerendo ser sabedorViajei com paciênciaPra saber da existênciaDo famoso cantador.”

Ibotirama Capital Céu 75

Zé Limeira -

Patativa do Assaré - (Saindo do

fundo do Palco)

- “Saí do meu CearáPara tirar este enganoParando aqui acoláNo mapa Paraibano.Pra saber toda verdadeCheio de curiosidadePerguntei a velho e moçoE não dei um passo a esmo,Pois Zé Limeira Foi mesmoPoeta de carne e osso”.

- Vocês podem perguntarComo montar num TrovãoSe em qualquer estaçãoPouco chove no Nordeste?É que o Cabra da PesteNão é de chuva de invernoÉ todo feito de ferro,Invenção nacional,Em vôo inauguralLá da Barreira do Inferno.

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Patativa do Assaré -

Zé Limeira -

- Foguete paraibanoBatizado de TrovãoQue tinha a santa missãoDe, no ar, fazer chover.Mas, pra isso acontecerTinha que ir lá no espaçoBombardear o mormaçoPara a precipitaçãoMas, para azar do sertão,Foi um tremendo fracasso.

- O inventor do foguete,Homem de superstição,Impôs certa condição:Só despachava a tranqueiraSe levasse Zé LimeiraImprovisando em cordel,Com “pinho”, lenço e chapéu.Como deu pra perceber,Em vez de fazer choverMe levou direto ao Céu.

Ibotirama Capital Céu 77

Zé Limeira -

Zé Limeira -

- Quando saí da tranqueiraE levantei meu chapéuTodos ficaram, no Céu,Com ar de estupefação.Porque aquela inscriçãoDa base de lançamentoCom nosso deslocamentoV i q u e a “Barreira” sumiuE “Do Inferno” reluziuNo lado daquele “invento”.

- E começaram a gritarQue eu era assombraçãoEnviada pelo CãoDas profundezas do Inferno.Eu clameu ao Pai EternoE chegou mestre AssaréQue jurou ali de péQue eu era Zé LimeiraLá da Serra do Teixeira,Cantador de muita fé.

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Zé Limeira -

Zé Limeira

- Pediram comprovaçãoDo que o Mestre propagou,E logo alguém provocou:-Por que não prova o que fala?Se é mesmo o que propalaPega lá sua violaE veja se não enrolaNuma improvisação,De grande inspiração,Tire versos da cachola!

- Não viajo de jumentoNem carrego baionetaQuem matou o cão foi baetaDiz o Novo Testamento.Completando o pensamentoDesta improvisação:“A desgraça de SansãoFoi trair Pedro PrimeiroDiz o grito do vaqueiroNas quebradas do sertão”.

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Livusia -

Zé Limeira -

- “O caminhão de CabralQuando aterrissou no caisMelado de lama atrásEle foi e pintou de calCorreu pro Banco CentralMontado numa cachorraDeu tiro que só a porraNa guerra do ParaguaiDo jeito que a coisa vaiTalvez a pobreza morra!”.

O Mestre do AbsurdoFoi encaminhado entãoPra lugar de oraçãoPelo Comitê Celeste.-Saibas tu que aqui viestePara a última morada,Isso tem hora marcada,Como Deus determinou.Pra chegar ao CriadorEis tua porta de entrada!

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Zé Limeira -

Livusia -

(Entra oComitê

Celeste)Anjos -

- Este é o Segundo CéuOnde estamos bendizendo,É o que estás merecendoPelos teus feitos na Terra.A alma aqui não se encerra,Haverá tua ascensão,Através de promoçãoSubindo grau a degrauPara eliminar o malAté total purgação!

Foi assim que sucedeuA “subida” de Limeira.Não pense que é brincadeira,Foi um caso muito sério.Mas, pernanece o mistérioNo Nordeste brasileiro,Sobre o real paradeiroDo desastrado Trovão.Ele não voltou ao chãoDo Brasil ou estrangeiro.

Ibotirama Capital Céu 81(ComitêCeleste)Anjos -

Livusia -

(Sai o Comitê Celeste do Palco)

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A Volta de Zé Limeira a Ibotirama

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Vendo Deus lá no seu trono celesteRecostado tirando uma sonecaZé Limeira, no ato, disse - eureca!É agora que eu vou para o nordeste.Foi zanzando de leste para oesteProcurando carona pra descer.-Eu vou ter que voltar dessa turnêAntes de despertar nosso Senhor.Foi aí que o segredo se espalhou:Quando Deus tá dormindo nada vê!

Um piloto de Disco MarcianoQuando vinha de Marte pra PlutãoViu alguém apontando com a mãoUm lugar no Sertão Paraibano.Confundiu o Nordeste com UranoE botou de carona pra trazer;No caminho é que ele foi saberQue trazia um poeta nordestino.Diz a Reza do Terço Bizantino:Quando Deus tá dormindo ninguém vê!

Ibotirama Capital Céu 85 Livusia -

Zé Limeira -

Livusia -

“ Zé Limeira onde canta, todo mundoVai olhar bem de perto a sua origem,Já cantei no sertão, no Céu da VirgemSou doutor de meizinha, furibundo.Viva o Rei, o Juiz, Pedro SegundoSou a cobra que o boi nunca lambeu.Sou tijolo da casa de PompeuPeripécia da filha do prefeito.Você hoje me paga o que tem feito,Pois quem viu Deus dormindo lá fui eu!”

“ Cantador pra cantar com LimeirinhaÉ preciso ser muito envernizadoTer um taco de chifre de veadoE saber decorada a ladainha.Ter guardado uma pena de andorinha,Condenar para sempre o carnaval.Guardar terra de fundo de quintalE é preciso engrossar o pau da venta.Beber leite de peito de jumentaE ver Deus lá dormindo...coisa e tal!”

Carlos Araujo e Lamartine Araujo 86

Zé Limeira -

Zé Limeira -

Quando o Pai, finalmente, despertouZé Limeira, tranqüilo, se entretinhaDisputando repentes em VarginhaDa janela dum Disco Voador.Toda mídia pra lá se deslocouPra mostrar a peleja com o ET.Isso deu muito Ibope na TVE dobrou a Tiragem lá na Veja.Outra história se conta na Igreja:Quando Deus tá dormindo tudo vê!

Zé Limeira ganhou fama estelarNessa escala forçada por Varginha.Nunca deu tanto Ibope na TelinhaComo em suas pelejas no lugar.Sílvio Santos foi lá pra contratarMas a Globo também mandou fazer.Na justiça pediram parecer,E esse caso no Céu repercutiu.O Juiz do Supremo proferiu:

Quando Deus tá dormindo tudo vê!

Ibotirama Capital Céu 87

Narrador -

Narrador -

Na disputa feroz por audiênciaZé Limeira virou rico troféu.Em agosto foi à “Capital Céu”Pra pedir ao Senhor sua clemência.Na Cidade viu toda efervescência,Se esqueceu da missão e foi beberMas a Globo e o tal de SBTExigiram gravar mais um programa.Zé Bacana falou em Ibotirama:Quando Deus tá dormindo nada vê!

Não gostou da quizila o Pai EternoE chamou o seu Santo mais fiel.-Vai virar o Satélite da EmbratelE mirar pras tevês lá do Inferno.-Não permita que saia um só CadernoPublicando o que vai acontecer.-E que passe o domingo de lazerSem Gugu Liberato e o Faustão.Nostradamus ditou pro Alcorão:Quando Deus tá dormindo vê TV!

Carlos Araujo e Lamartine Araujo 88 Narrador -

Livusia -

Livusia -

Deus -(Voz c/eco)

Ibotirama Capital Céu 89

Bibliografia

TELO, ORLANDO - Zé Limeira “Poeta do Absurdo”.

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