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II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores
FORMAÇÃO OU NÃO FORMAÇÃO? UMA ANALISE DE AULAS DE HISTÓRIA A PARTIR DA TEORIA CRÍTICA.
Thiago Luiz Santos De Oliveira, Eduardo Rodrigues Oliveira, Rita Amelia Teixeira Vilela
Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica
- Relato de Experiência - Apresentação Oral
O objetivo deste texto é a reflexão a partir de evidencias empíricas da realização ou não do processo educar, ensinar e formar como meta da escola. Essas evidências são buscadas na sala de aula através da utilização da metodologia Hermenêutica Objetiva, um procedimento de pesquisa qualitativa criado por Ulrich Oeverman da Universidade de Frankfurt, que permitiu reconstituir a aula e analisar o processo pedagógico nela instalada. Mediante a metodologia, aulas de diferentes disciplinas são gravadas, transcritas na forma de protocolo de análise e depois interpretadas por um grupo interdisciplinar de educadores. Nesse texto daremos destaque a aulas de história. A investigação apontou que o ensino na sala de aula não corrobora para a formação do sujeito emancipado almejado pela escola. A tríade educação, ensino e formação não se concretizou uma vez que as análises evidenciaram a negação do conhecimento em sala de aula, o que de fato se constitui como impeditivo para a autonomia. As aulas muitas vezes foram sustentadas no senso comum, em informações reducionistas, impedindo a formação dos alunos enquanto sujeitos e cidadãos. As reflexões acerca da materialização das aulas de história, embora pareçam fatalistas, não o são, pois a escola e a sala de aula mediante uma analise alicerçada na Teoria Crítica se mostra como sendo o lócus da produção da autonomia, a partir de uma inflexão hermenêutica do sujeito no mundo, indicando portanto o desafio a ser enfrentado pelos educadores. A partir dessa premissa a escola e a sala de aula se tornam, ou tornariam os locais que possibilitem ao indivíduo a real capacitação para o diagnóstico das bases da inércia vigente na sociedade e para o fomento da transformação autônoma. Palavras chaves: Formação, Teoria Crítica, Hermenêutica Objetiva
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FORMAÇÃO OU NÃO FORMAÇÃO? UMA ANALISE DE AULAS DE HISTÓRIA A PARTIR DA TEORIA CRÍTICA.
Thiago Luiz Santos de Oliveira; Rita Amélia Teixeira Vilela; Eduardo Rodrigues
Oliveira. PUC-MG
Introdução
No campo do currículo é usual que se pesquise a relação entre currículo
proposto e currículo efetivado, o que tem assinalado que há uma discrepância entre o
proposto e o efetivado, ou seja, que as dinâmicas reais que adentram a sala de aula,
tanto as determinadas estruturalmente na sociedade capitalista como aquelas
decorrentes das múltiplas experiências e vivências de alunos e professores, como
também a resignificação dada na escola aos ditames das políticas curriculares,
delimitam as possibilidades do que se desenvolve dentro da sala de aula (Sacristán,
2000). Contudo, as pesquisas conduzidas no nosso grupo de pesquisa tem outro
propósito. Considerando que a função dos sistemas educacionais é assumida como a
de conduzir os alunos a desenvolverem suas habilidades básicas de aprendizagem de
modo que possam alcançar plena condição de exercício da cidadania, ou seja, que
cada um se complete como indivíduo desenvolvendo suas competências culturais e
sociais, portanto educados e instruídos, o que procuramos é dar evidência empírica a
esse processo. No Brasil, tanto a Constituição Federal quanto a LDB e os Parâmetros
Curriculares Nacionais assinalam como competência do sistema de ensino nacional a
condução da pessoa para o exercício da cidadania, portanto, para isso, assegurar a
sua formação plena. Isso implica, para nossas pesquisas, considerar como ponto de
partida que as propostas curriculares, as gerais, assumidas para todas as atividades
da escola, bem como as de cada disciplina, almejam preparar os alunos para serem
cidadãos ativos e conscientes, do que decorre que todas disciplinas devem conduzi-
los na realização de seu processo pessoal de formação, nessa perspectiva. Com o
recurso da metodologia Hemenêutica Objetiva, são reconstituídas aulas de diversas
disciplinas possibilitando a demonstração empírica da manifestação da tríade educar,
ensinar e formar, considerada na tradição da teoria pedagógica como a função da
escola para viabilizar a efetivação de sua meta de preparar as pessoas para a vida
social. (Pflugmacher, 2012). Nesse texto damos destaque à análise decorrente de
aulas de História numa classe do 1º Ano do Ensino Médio uma escola pública da
Rede Estadual de Minas Gerais. Na análise das aulas, através da tensão dos
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elementos constitutivos do processo acima referido podemos evidenciar como o aluno
é impedido de realizar sua formação. A importância dessa discussão é o
reconhecimento de que o professor, como condutor desse processo deve tomar
conhecimento das limitações ocorridas na efetivação da proposta curricular da sua
disciplina, e que isso favorece que ele possa conduzir os alunos efetivamente para a
formação, o que se sustenta na materialização da tríade: a educação, entendida como
processo deliberado e contínuo de socialização; no ensino, entendido como o
processo que assegura aos alunos o acesso ao conhecimento. Educação e Ensino
são estruturantes para e efetivação do terceiro elemento: a formação.
Formação e não formação na sala de aula: o que revela a pesquisa.
Primeiramente apresentamos de modo sucinto o procedimento metodológico. A
metodologia aplicada é a análise sociológica Hermenêutica Objetiva, desenvolvida
pelo sociólogo Ulrich Oevermann, constituindo-se hoje uma das mais fortes
orientações de pesquisa qualitativa na Alemanha (Vilela & Noack-Napolis, 2010; Vilela,
2011; 2012; Weller, 2010). Ela não foi desenvolvida particularmente para estudos da
sala de aula, ela é um tipo de pesquisa qualitativa que realiza uma análise sociológica
hermenêutica objetivada e foi construída para estudos de cenas da vida social onde
processos de socialização estão presentes. Contudo, tanto sua dimensão
epistemológica quanto seus procedimentos, foram validadas como ferramenta
adequada para a investigação da realidade escolar e das práticas pedagógicas por
pesquisadores da Universidade de Frankfurt. No Brasil a metodologia tem sido
aplicada experimentalmente pelo grupo de pesquisa ao qual estamos integrados,
seguindo as orientações da equipe de pesquisa em Frankfurt, também para análise da
sala de aula, em especial na elucidação do processo de materialização de propostas
curriculares.
Considerando-se que a sala de aula é o lugar de realização do currículo
proposto, desvendar a sala de aula através de elementos oferecidos na própria
relação entre professor e alunos com a educação, com o ensino e com o
conhecimento, constitui o modo de acessar como o currículo proposto se materializa.
Isso somente é possível com a reconstrução dessa relação e da vivência efetiva da
sala de aula, o que pode ser operado pelo método que tem como objetivo, com seu
processo de reconstrução estrutural da relação investigada, tornar evidentes suas
determinações. Assim, no lugar de observar uma aula e depois escrever uma
interpretação sobre ela como é operado na maioria das pesquisas sobre sala de aula,
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a hermenêutica objetiva reconstitui analiticamente a aula fazendo emergir em que
bases ela se estrutura. Nossa hipótese é que a aula se estrutura no tripé: educar,
ensinar e formar, conforme estabelece a teoria da educação (Pflugmacher, 2012),
como será apontado na discussão da pesquisa.
O método opera com regras para acesso aos dados e para sua análise ( que
entretanto não serão apresentadas aqui pois já há publicação, como indicado
anteriormente, sobre os detalhes operacionais do método).
Para a operacionalização do método a primeira condição é a gravação das
aulas. Realizamos a gravação de uma sequência de conteúdos, conforme combinado
com os professores. Visando a transcrição posterior para a elaboração do protocolo
de análise, primeiro as salas devem ser mapeadas, para que sejam identificados os
lugares ocupados pelos alunos à medida que são identificados no áudio. Entretanto,
para manter o anonimato, eles são identificados por códigos, tais como Am n ou Af n,
onde o n corresponde a um número que lhe é atribuído á medida que se manifesta
verbalmente. Um pesquisador (ou dois, o que é favorável) acompanha a aula em
gravação do início ao fim, assim, além da gravação detalhes não captáveis em áudio
são registrados no caderno de campo. Essas aulas são depois transcritas fielmente, o
registro do áudio é completado ou esclarecido com informações do caderno de campo,
e este registro constitui o protocolo, que é o documento que representa a aula e será
alisada. Considerado pronto para a análise, nenhuma informação pode ser
acrescentada ao protocolo. Devido a isso o texto é revisado antes de ser tomado para
análise. Todas as situações que indicam particularidades da aula (tais como
entonação de voz, risos, barulhos, etc.) são também registradas através de
codificação. A força teórica do método está na sociologia estruturalista, na
hermenêutica sociológica e no modo de interpretação da dialética negativa, de
Theodor Adorno no cerne da Teoria Crítica: é no processo de reconstrução da aula na
análise que ela toma sentido, ela revela o que a aula é: se ela educa, se ensina, como
assegura ao aluno as condições necessárias à sua formação.
A análise reconstitutiva da aula é operada em equipe, com a presença
indispensável de um professor da disciplina da aula em análise, o que visa garantir a
operacionalidade anunciada nas regras do método e evitar que a subjetividade de uma
única pessoa se projete na interpretação; para possibilitar que diferentes pontos de
vistas possam ser enunciados e testados com os fatos registrados; possibilitar o
cruzamento de interpretações dadas a uma mesma situação, mas expressadas por
diferentes pessoas com formação diferente; testar e assegurar a objetividade da
interpretação. A Hermenêutica objetiva não pretende, controlando a subjetividade,
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eliminá-la, mas apenas evitar que ela seja a dominante na interpretação das aulas.
Após a análise sequencial temos uma descrição analítica de como essa aula se
realizou, o que permite sua discussão com base em evidências empíricas do processo
de realização, ou não, das metas de educar, ensinar e formar.
Na impossibilidade de demonstrar, nos limites impostos a um texto expositivo
para congressos ou em um artigo, a análise e o material produzido por ela, dando
visibilidade ao que nela se materializa, faremos o uso de exemplos. Para isso foram
selecionados primeiro trechos de uma aula de História.
[...]i
Professora: Ô gente rapidinho aqui.. .Expansão Europeia e Conquista da América...expansão o território tá crescendo...por isso que eu pedi pra vocês olharem esse mapinha da página 265... o meu é maior que o seus (risadinhas)... o meu é mais gordinho...por que nessa época é... depois que o feudalismo terminou... aqueles suseranos começaram a tomar conta de outros reinos...então começou a se formar vários reinos...esses reinos receberam os nomes...
Aproximadamente aos trinta e oito minutos de aula a professora inicia o que
seria de fato a lida com o conhecimento histórico. A primeira frase “ô gente rapidinho
aqui” é denotativa de pressa, o que de fato não é pertinente ao fomento do
conhecimento, é algo fomentado através da reflexão, da inflexão crítica. A expressão a
“expansão o território tá crescendo” não é explicativa no que concerne ao
conhecimento histórico. Em termos históricos, um processo expansionista não significa
apenas ampliação territorial, mas também um processo político, cultural, social e
econômico de dominação, de manifestação de poder, isso os mapas não podem
representar o que indica que o recurso didático da professora para o que ela quer que
os alunos entendam, não é adequado. Os mapas, que a professora chama de
“mapinha” de forma reducionista, não expressam apenas uma realidade geográfica,
mas também uma realidade historicamente construída. Olhar apenas mapa, não
significa refletir acerca da sua representatividade histórica, não permite ao aluno a
construção de um olhar histórico, não permite entender as relações sociais,
econômicas, políticas e culturais que são estruturantes daquele processo de
expansão. A expressão “olharem o mapinha”, é análoga a expressão anteriormente
utilizada “reparem o mapa”, o que incorre na perda do saber histórico em seu cerne
analítico, das relações humanas no tempo. Olhar, reparar é contemplar passivamente,
numa atitude que não permite a reflexão crítica fomentadora do esclarecimento. A
expressão “depois que o feudalismo terminou”, se configura como uma simplificação
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patente do processo histórico. O feudalismo enquanto conceito histórico não é
delimitador apenas de um tempo, mas sim explicativo de uma série de relações sociais
que se tornam mais evidentes em um determinado momento histórico, mas não
simplesmente terminam. Na fala da professora perde-se a noção que os processos
históricos são passiveis de permanências e rupturas, que não são realidades
encapsuladas em cronologias e conceitos. A História enquanto disciplina não pode ser
construída como um conjunto de cenas e capítulos, pois isso não denota o
componente da longa-duração, no que concerne ao fazer humano. As relações sociais
de um tempo devem ser entendidas nas suas diacronias, nas suas características que
permanecem para além das delimitações temporais. Quando a docente diz “aqueles
suseranos começaram a tomar conta de outros reinos”. Como assim tomar conta?
Outra vez a professora em sua explanação perde a noção de processo histórico, pois
a formação dos Estados Nacionais são frutos de uma série de enlaces políticos, ora de
acordos, ora de conquistas presentes neste mesmo processo. O discurso da
professora é mais do que simplificador, incorre em erros teóricos que comprometem o
entendimento do aluno. A expressão território tá crescendo, também é
comprometedora no que concerne a lida com o conhecimento histórico, pois o território
ele não cresce, ele se expande, e esta expansão como já foi salientado é fruto de
vários processos políticos, econômicos e culturais que deveriam ser esclarecidos em
uma aula de história.
[ ...]
Professora: Esses reinos receberam os nomes das pessoas que ficavam lá...eles eram os reis...por isso que eram reinos...então aquele território ali aonde tá Espanha e Portugal...era dividido em vários reinos...psiuuuuu...pequenos...tá...reino Portucale, Castela , Navarra....então é o primeiro mapa ai... até o ano mil...é...Califado de Córdoba. Califado porque quem tomava conta desse território ai...eram os muçulmanos tá...esse território era todo dominado pelos muçulmanos...então a medida que eles começam a dominar o território dos muçulmanos...que é conhecido como Reconquista...eles começam a reconquistar os territórios... eles começam a mudar de nome. No segundo mapa...até o ano 1200...Portugal já cresce um pouquinho olha só...Portugal, Lisboa e Algarves está embaixo...essa parte ai também vai virar domínio de Portugal daqui um tempo...em cima tá Leão e Castela...já aumentou um pouquinho...então isso aqui já é território da futuramente Espanha...ainda tão se unindo, formando...expandindo os territórios...depois o terceiro mapa...até o ano de 1500...quase igual o que a gente tem hoje...Portugal já tá independente...Portugal fica independente em 1381 se não me engano...eu sei que é século XIV...tá...e a Espanha ainda tá se formando...
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A fala da professora evidencia o comprometimento do substrato teórico na aula
de História. “Esses reinos receberam os nomes das pessoas que ficavam lá...eram os
reis em vários reinos”. A consolidação desses reinos, e a formação dos Estados
Nacionais na transição feudal-capitalista são processos complexos, frutos de acordos
nobiliárquicos de caráter político e econômico. A fala da professora é simplificadora e
equivocada do ponto de vista histórico. A professora aponta para o mapa e diz “aquele
território ali aonde tá Espanha e Portugal...era dividido em vários reinos”, o mapa não
mostra uma Espanha consolidada, pois ele é relativo a formação do Estado Nacional
Português. A professora não insere a gradual formação dos Estados Nacionais em
uma discussão crítica acerca das relações de suserania e vassalagem na Europa
Medieval. Na aula não há concatenação dos processos históricos, é uma exposição de
discursos truncados e não encadeados proferidos pela professora. Ela insere os
muçulmanos em sua explanação, mas não de uma maneira crítica, que insira de fato a
importância da cultura islâmica na Península Ibérica. Ela cita a guerra de Reconquista,
mas não explica a importância deste processo histórico na construção identitária das
nações ibéricas. A professora simplesmente despeja informações isoladas, muitas
abarrotadas de erros históricos. A expressão “aqui já é território da futuramente
Espanha”, não possui sentido linguístico, pois como algo já é parte de um processo
que vai ser constituído em um futuro. Não há a formação de sujeitos históricos críticos,
capazes de entender um processo em seu cerne social, político e econômico. Não é
estabelecida a relação entre o processo de formação do Estado Nacional Português,
os acordos entre a nobreza feudal da região, a influência do cristianismo e a chamada
Guerra de Reconquista em relação ao Califado de Córdoba. A professora ainda
informa de maneira equivocada a data de estabelecimento do estado Nacional
Português, 1143 e não 1381. A explanação da professora não é explicativa nem
elucidativa em relação ao processo histórico em questão. Ela parece perdida nos
fragmentos da história como se ela não dominasse o conteúdo.
[...]
Professora: O reino de Castela vai juntar ao reino de Aragão...depois...eles vão se unir porque...vai casar...a Isabel de Castela...com o Fernando de Aragão...é Fernando mesmo...esqueci o nome dele...não sei se era Ricardo ou era Fernando...achei que fosse Ricardo...ele casa com a Isabel de Castela...e unem os reinos e formam o que hoje é a Espanha...tá...então esses dois territórios...mas aqui a gente não fala muito da Espanha...eu tô falando mais de Portugal...esses dois países são os dois países que vão
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começar com as Grandes Navegações...a gente não vê falar de França e Inglaterra aqui...porque a França e a Inglaterra nesse período estão fazendo a Guerra dos Cem Anos...que é aquela guerra que tem lá no século XV...em mil quatrocentos e alguma coisa...essa guerra vai se estender por quase cem anos...psiu....o gente!!! Investem muito nessa guerra...e não vão participar desse período de navegações...mas Portugal e Espanha tem que encontrar um novo caminho pra a parte oriental que são as Índias...eles querem dominar o comércio...querem melhorar o comércio deles...mas para isso eles precisam de encontrar um novo caminho...que não seja pelo Mar Mediterrâneo...que não esteja dominado pelos genoveses...pisiuuu!!!
A professora estabelece uma mudança abrupta do processo de formação de
Portugal, para o processo de formação da Espanha. Ela simplifica a reduz a
construção histórica da Espanha enquanto Estado Nacional ao casamento de Isabel
de Castela e Fernando de Aragão. Os acordos políticos, econômicos e territoriais que
alicerçam este matrimônio não são considerados no discurso da docente. O
casamento não foi explicado como um acordo nobiliárquico que ele representa, fruto
de interesses políticos. A temática das Grandes Navegações é apresentada aos
alunos de forma repentina aos alunos, não sendo estabelecida a conectividade ente a
Formação dos Estados Nacionais e a Expansão Marítimo-Comercial. A explanação da
professora se traduz em um conjunto de informações dispares, o que reduz o ensino
de História ao meramente ao elencamento de um conjunto de fatos passados. A
Guerra dos Cem Anos é mais um evento histórico apresentado subitamente aos
alunos. A expressão “em mil quinhentos e alguma coisa”, demonstra desleixo com o
saber por parte da professora, a aula realmente se materializa como uma aula de se
reparar, de se olhar, e não de se construir o conhecimento, de se entender o processo
histórico. A expressão “mas Portugal e Espanha tem que encontrar um novo caminho
pra a parte oriental que são as Índias” não é elucidativa, não há uma conexão
plausível entre a fala da professora e as praticas mercantilistas intrinsicamente
relacionadas ao expansionismo marítimo nos século XV e XVI, além da fala ser
truncada, de difícil entendimento. A docente estabelece uma relação inexistente entre
o seu discurso proferido aos alunos e a aprendizagem, não há o trato com o
conhecimento histórico, apenas informações dissipadas, muitas sem efetivo substrato
histórico. Não há relação dialética ou dialógica, apenas existe a explanação frenética
da professora, que parece querer compensar os minutos perdidos da aula.
[...]
Alf1: Pelos o quê???
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A Alf1, não entende e pergunta a professora, interrompendo sua fala. A aluna
demonstra interesse, mesmo com a explicação truncada da professora ela tenta
entender, tenta estabelecer um vinculo educativo.
[...]
Professora: Pelos genoveses...pelos italianos...é porque falam de duas cidades...Gênova e Veneza....que são os italianos...então eles querem descobrir um outro caminho...então eles tem que ir pelo Oceano...Atlântico...pisiuuu...ô gente...tem que ir pelo Oceano Atlântico...só que naquela época eles diziam que para ir pelo Oceano Atlântico aquele lugar era muito assombrado...tinham monstros terríveis...então o pessoal tinha muito medo...muito receio de viajar por ali...tá...eles não queriam muito...então não queriam muito patrocinar esse tipo de viagem...uma porque ficaria muito caro e não se sabia o que tinha pra lá.... mas na verdade eles queriam descobrir um novo caminho pra chegar as Índias...um outro caminho...saindo fora dos italianos...só que eles queriam fazer isso pelo oceano Atlântico...só que esse caminho seria mais...longo...demoraria mais...
A informação passada pela professora já em seu inicio apresenta equívocos
históricos. Ela utiliza o termo “genoveses” como análogo a “italianos”, mas a Itália no
século XV ainda não existia, a Itália somente irá se consolidar como Estado Nacional
no século XIX. Em seguida, que não apenas Gênova, mas também Veneza se
configuravam como italianos. A professora não estabelece a distinção histórica entre a
região que hoje se configura como Itália, e a Itália enquanto Estado Nacional. Não
explica, que a Itália atual até sua unificação no século XIX era composta por uma série
de repúblicas e reinos, que ainda não organizados como unidade política. Em uma
aula acerca dos Estados Nacionais esta distinção seria fundamental para o
entendimento dos alunos. A professora chama a atenção dos, quer a atenção para
sua explanação. Em relação ao Oceano Atlântico a informação passada é carregada
de senso comum, não leva em consideração o desenvolvimento técnico necessário
para a navegação oceânica, afirmando que o medo do desconhecido, e a mitologia
criada acerca do Atlântico seria o único motivo para que a Expansão Marítima não
ocorresse anteriormente. Falta substrato histórico, falta conteúdo à aula. O
conhecimento teórico acerca da disciplina ministrada deveria ser ferramenta primaz
em um discurso docente. Não existe docência sem fundamentação teórica.
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Considerações finais: a aula de História em sua materialização.
A percepção da experiência educacional é aguçada a partir da vivência prática.
Mais do que uma proposição retórica, as práticas curriculares educacionais devem
permitir em sua materialização a autonomia e a humanização do sujeito, que por meio
do dialogo crítico, da reflexão que promove a emancipação ( Adorno, 1995). Bem,
dessa forma a educação deve objetivar a liberdade e a promoção da capacidade de
reflexão crítica e emancipação dos indivíduos. A educação deveria então se configurar
como ferramenta para a humanização, contra a massificação e a alienação,
promovendo a formação cidadãos plenos, esclarecidos preparados para a vivência
democrática. Um projeto educacional não é nada mais do que a materialização
coletiva de experiências pedagógicas que possam permitir ao educando um
aprendizado crítico e reflexivo. Isso está estabelecido na teoria pedagógica conforme
nos lembra Pflugmacher: o processo pedagógico opera, de forma imanente e em
tensão, a tríade educar, ensinar e formar. O conceito de “educar” revela, na prática
pedagógica, o processo intencional, planejado e permanente no qual alguém conduz
outro alguém para seu crescimento social e cultural, está associado com ensino e
socialização ( Luzuriaga, 1975). Para que o sujeito se eduque ele deve desenvolver
formas de definir e decidir por si mesmo o que é melhor para ele e para o outro.
Formar é um conceito mais específico, primeiro está associado ao sentido do
termo alemão ao Bildungii. Não se refere a uma tarefa, mas sim o resultado do
processo de crescimento do sujeito na direção da sua emancipação, a formação é
promovido pelo próprio sujeito, mas essa condição ele alcança por meio do processo
educativo (escolar, familiar e social), pois é através deste que ele tem acesso aos
bens culturais da sua sociedade. É nesse processo que a dimensão “ensinar” deve ser
entendido.
O conceito de ensinar não se restringe à ação ativa do professor como simples
transmissão de conhecimento e informações de cunho acadêmico, durante as aulas.
Essa dimensão abarca todo o processo de mediação do conhecimento para que na
escola, sejam viabilizadas situações efetivas de aprendizagem para o aluno, que
assegure seu acesso ao conhecimento. Independentemente da metodologia de ensino
ou dos recursos didáticos utilizados essa é a função do professor não se e desvincula
ensino do aprender. Mesmo com as mudanças na função do professor, consequentes
da acelerada transformação social e sua interferência na escola e no modo de agir do
professor, ensinar continua sendo função da escola e responsabilidade do professor.
Sem acesso ao conhecimento não é possível o acesso à formação. Nesse sentido a
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tríade se estabelece: Se a educação como categoria significa um meio para que as
pessoas se incluam de modo racional e devidamente equipados à uma sociedade
concreta, a formação como categoria ultrapassa essa função, ela é um processo
subjetivo, é direito do sujeito. A ela está associada o desenvolvimento da consciência
própria, à condição do sujeito de fazer uso do seu potencial de razão, de tornar-se
emancipado.
Para que isso ocorra é necessário que a sala de aula seja o local da
problematização, do empoderamento acadêmico dos alunos, da sua condição de
sujeitos autônomos e também da cultura, esta entendida como conhecimento cultural,
social, linguístico e disciplinar. Qualquer experiência educacional verticalizada, e
tutelada pelo professor de forma autoritária, está fadada ao fracasso. É necessário
conferir poder aos educandos. Um currículo que objetiva promover a cidadania e a
democracia em seu nascedouro precisa ser fruto de uma prática educativa que prime
pela educação, pelo ensino e pela formação, apenas assim a educação concretizará a
formação de sujeitos autônomos.
O ensino de História deve levar os educandos a se perceberem como sujeitos
históricos. Para isso faz-se necessária uma práxis curricular reflexiva e emancipadora,
que permita aos alunos se compreenderem enquanto sujeitos históricos, enquanto
construtores da História. A História não pode ser enxergada a partir de um viés
contemplativo, na qual fatos e eventos históricos são apresentados aos alunos como
ventos distantes, desconexos com a realidade. Na sala de aula o aluno precisa ser
levado a pensar, a refletir sobre a tradição cultural produzida através das relações
sociais, políticas e econômicas, mediante o fazer humano. Uma aula de História
formativa é pautada por ações dialéticas e dialógicas, que permitem ao aluno entender
o constructo do processo histórico. Do contrario a aula de História incorre na
debilitação dos processos de subjetivação acerca do conhecimento o que, corrobora
para a massificação, a alienação e, no lugar da formação se estabelece a
semiformação, ao invés da autonomia, promove-se na sala de aula a repetição
discursos esvaziados de arcabouço teórico que tolhem e cerceiam o indivíduo em sua
autonomia, promovendo a reificação, a semiformação e a reprodução do status quo.
Repetir o status quo é contribuir para a semiformação, resultante da alienação
massificante imposta na ordem social (Adorno, 1995). A escola ao se tornar o local da
massificação alienante, da semiformação perde seu sentido social de local de
formação, de local onde os indivíduos são preparados para a sua inserção
responsável na coletividade. A Bildung (formação plena) não se materializa porque e
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a tríade educar, ensinar e formar não se evidencia como fundamento da prática
pedagógica.
Para que a Bildung se materialize de forma pertinente é necessário desmitificar
a falácia da relação mecânica entre ensinar e aprender. Ora, o aprendizado de fato se
dá por meio de um processo intrínseco de subjetivação, no qual a informação a partir
da reflexão do indivíduo se transforma em conhecimento. A simples transmissão de
informações pelo professor não significa um aprendizado real por parte dos
educandos. A sala de aula tem se tornado o lugar da explanação vazia, da enxurrada
de informações, muitas vezes calcadas no senso comum não problematizadas, onde
de fato a reflexão e a crítica são substituídas pelo fazer inócuo, onde entregar uma
atividade, se torna mais importante do que entende-la. Quando o professor não reflete
sobre sua prática, o processo educativo não acontece. Perde-se o cerne da formação,
e a sala de aula se torna o lugar da não aula.
A produção do conhecimento escolar deve superar à mera acumulação de
opiniões, deve superar o delimitado no senso comum. Romper com o senso comum
de maneira nenhuma significa a desconsideração da experiência e dos saberes dos
educandos, mas sim a constante construção reconstrução do olhar acerca dos objetos
pesquisados durante a ação pedagógica, através do diálogo, do confronto entre os
paradigmas teóricos que sustentam a analise dos alunos. Essa problematização
constante incide não em uma ruptura simples e objetiva, mas na retomada crítica, em
um processo constante de vigilância epistemológica, que considera as noções e
conceitos presentes na pratica cotidiana do professor e dos seus alunos.
A sala de aula de história precisa ser o lugar de produção de cidadão, do
sujeito pleno capaz de pensar por si mesmo. É nesta sala de aula que a formação é
efetivada, para isso o aluno deve deixar de ser um ente meramente contemplativo e
passar a compreender a importância da reflexão acerca da realidade histórica. Uma
pergunta se faz pertinente. O que seria esta realidade? A realidade é construída
mediante experiências que subjetivas e coletivas, através da ação humana no tempo.
O desenvolvimento dessa percepção na sala de aula é que permitirá ao educando a
sua inflexão enquanto sujeito histórico. A prática pedagógica em uma aula de História
deve ser sempre formativa, sempre democrática, pois somente dessa maneira forma-
se o cidadão pleno e emancipado. Não se nasce cidadão, torna-se cidadão Uma
consciência cidadã verdadeira só pode ser forjada a partir de uma experiência
educacional formativa, em que a educação, o ensino e a formação, não sejam
trabalhados como conceitos dispares, mas sim como constituintes norteadores da
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escola e materializados na sala de aula. Privar o sujeito de uma formação plena é
impedir o fomento da cidadania e da democracia.
Referências Bibliográficas ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. Paz e Terra: São Paulo, 1995.
LUZURIAGA, Lorenzo. História da educação e da pedagogia.São Paulo: Cia Editora
Nacional, 1975.
PLFUGMACHER, Torsten. Reconstrução empírica da aula: a relação dialética
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SACRISTAN, José Gimeno. Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. VILELA, Rita Amelia T.; NOACK-NAPOLIS, Juliane. “Hermenêutica Objetiva” e sua
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WELLER, Vivian. Aportes hermenêuticos no desenvolvimento de metodologias
qualitativas. Linhas Críticas, Brasília, DF, v.16, n.31, p. 287-3º4, jul./dez. 2010.
i Indica que os trechos selecionados não representam a sequencia da aula. ii No português se diz formação plena, mas esse conceito de plenitude de realização do homem está no vocábulo Bildung, no alemão dispensa complemento.
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