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Interação de dois ácidos biliares, um citotóxico e um
citoprotetor, com modelos biomembranares
Marina Sofia Ivanova Esteves
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em
Engenharia Biológica
Orientador: Professora Doutora Benilde de Jesus Vieira Saramago
Júri:
Presidente: Professor Doutor Arsénio do Carmo Sales Mendes Fialho
Orientadora: Professora Doutora Benilde de Jesus Vieira Saramago
Vogal: Professora Doutora Anabela Catarino Fernandes
Novembro de 2014
i
i. Agradecimentos
Gostaria de agradecer em primeiro lugar à Professora Benilde Saramago, a orientadora deste
trabalho, por ter sugerido o tema e por todo o apoio, confiança e conhecimento transmitidos ao longo
deste processo. Agradeço todo o empenho com que acompanhou a minha Tese de Mestrado.
Às Professoras Amélia Gonçalves da Silva e Anabela Fernandes pela atenção e disponibilidade que
sempre demonstraram em ajudar com a interpretação dos resultados obtidos com a Balança de
Langmuir e a Calorimetria Diferencial de Varrimento, respetivamente.
À Dr.ª Maria João Ferreira e ao Prof. José Ascenso pela ajuda com a realização e análise dos
espectros relativos à Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo.
À Agniezska Kozica, que ajudou a completar o estudo da interação dos ácidos biliares com as
Monocamadas de Langmuir.
Aos meus amigos e colegas de laboratório: Ana Valente, Andreia Cuco, Andreia Pimenta, José
Restolho, Patrizia Paradiso e Vanessa Moreira, por me terem recebido tão bem e por se demonstrarem
sempre disponíveis a ajudar sempre que precisei.
A todos os meus amigos, e especialmente às meninas Catarina Cabanas, Liliana Fernandes e
Madalena Testas que me apoiaram durante estes últimos anos e que sempre demonstraram uma
enorme paciência para comigo e estiveram sempre prontas a dar uma força em momentos mais
complicados.
À minha família, em especial ao meu pai pela paciência e apoio durante toda a minha vida.
Por fim, mas não menos importante, ao António, à Carolina e à Marisa Correia que estão sempre
presentes quando mais preciso.
iii
ii. Resumo
Os ácidos biliares são importantes digestivos naturais, e, por isso, essenciais para o bom
funcionamento do aparelho digestivo. Contudo, encontram-se envolvidos no desencadeamento de
cancro do cólon e de outras doenças hepáticas. Este estudo surge com o intuito de esclarecer de que
modo estes ácidos interagem com as membranas celulares e quais os seus efeitos nas mesmas. Foram
então estudados os efeitos de dois ácidos biliares, um citotóxico (DCA) e outro citoprotetor (UDCA),
bem como da mistura equimolar DCA/UDCA, sobre vários modelos biomembranares: monocamadas e
lipossomas adsorvidos e em suspensão.
A composição lipídica foi escolhida de modo a simular a composição das jangadas lipídas (lipid rafts)
que são domínios membranares envolvidos em diversos eventos celulares. Com esse objetivo, utilizou-
se uma mistura equimolar de 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfocolina (POPC), esfingomielina (SM)
e colesterol (Chol). Para estudar a influência do colesterol foi estudada, também, a mistura 1:1
POPC/SM. As técnicas experimentais utilizadas foram: Balança de Langmuir (monocamada lipídica);
Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação (QCM-D) (lipossomas suportados); Calorimetria
Diferencial de Varrimento (DSC) e Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo (31P-NMR) (lipossomas
em suspensão).
Concluiu-se que o DCA provoca a fluidificação dos modelos membranares estudados, observando-
se o rompimento dos lipossomas POPC/SM (1:1) para a concentração de 1000 µM. O UDCA tem pouca
influência nos sistemas, sendo que deverá promover uma estabilização das membranas por interação
com as cabeças fosfolipídicas. A mistura equimolar DCA/UDCA apresenta resultados que resultam, em
geral, de uma cooperação entre os dois ácidos: a ação fluidificante do DCA promove a incorporação
do UDCA.
Palavras Chave: Jangada lipídica; Ácidos Biliares; Monocamada de Langmuir; QCM-D; DSC; P-NMR
v
iii. Abstract
Bile acids (BA) are naturally-occurring detergents that solubilize dietary lipids in the intestinal tract.
However, they are involved in the triggering of diseases like colon cancer and other liver problems. This
study has the purpose of investigating how these acids interact with cell membranes and their effects
on them. We studied the effects of two bile acids, a cytotoxic (DCA) and other cytoprotective (UDCA)
and the equimolar mixture of the two bile acids on biomembranare models.
The lipid composition was chosen with the purpose of mimicking lipid rafts, which are cell membrane
domains involved in several cell events. This way, an equimolar mixture of 1-palmitoyl-2-oleoyl-sn-
glycero-3-phosphocholine (POPC), sphingomyelin (SM), and cholesterol (Chol) was used as a model
for lipid raft. In order to perceive the influence of cholesterol in bile acid – lipid interactions a 1:1
POPC/SM mixture was also utilized. The experimental techniques used were: Langmuir trough (lipid
monolayer); Quartz Crystal Microbalance with Dissipation (QCM-D) (supported liposomes); Differential
Scanning Calorimetry (DSC) and Phosphorus Nuclear Magnetic Resonance (31P-NMR) (liposomes in
suspension).
With this work we concluded that DCA causes fluidization of the membrane models studied,
promoting the rupture of POPC/SM liposomes, for a 1000 µM concentration. UDCA has little influence
on the systems studied, and might provide a stabilization of membranes by interaction with phospholipid
headgroups. The equimolar mixture DCA/UDCA shows that, in general, there is a cooperation between
the two acids: the fluidizing effect of DCA promotes incorporation of UDCA.
Keywords: Lipid Raft; Bile acids; Langmuir monolayer; QCM-D; DSC; P-NMR
viii
Índice
i. Agradecimentos .................................................................................................................................i
ii. Resumo ........................................................................................................................................... iii
iii. Abstract .............................................................................................................................................v
iv. Lista de Figuras ............................................................................................................................... xi
v. Lista de Tabelas ............................................................................................................................ xvi
vi. Lista de Abreviaturas ................................................................................................................... xviii
vii. Lista de Símbolos ....................................................................................................................... xx
1. Introdução ........................................................................................................................................ 1
1.1. Enquadramento ....................................................................................................................... 1
1.2. Estado da Arte ......................................................................................................................... 1
1.2.1. Interacção de ácidos biliares com membranas celulares ............................................... 1
1.2.2. Interacção de ácidos biliares com modelos biomembranares ........................................ 2
1.3. Motivação ................................................................................................................................ 3
1.4. Conteúdo ................................................................................................................................. 3
2. Fundamentos Teóricos .................................................................................................................... 4
2.1. Membranas Celulares Eucarióticas ......................................................................................... 4
2.1.1. Lipid Rafts ........................................................................................................................ 7
2.2. Modelos Biomembranares ....................................................................................................... 8
2.2.1. Bicamadas Fosfolipídicas Planares................................................................................. 8
2.2.2. Bicamada Fosfolipídica Suportada (SLB) ....................................................................... 9
2.2.3. Monocamadas Auto-Montadas (SAM) ............................................................................ 9
2.2.4. Monocamadas de Langmuir .......................................................................................... 10
2.2.5. Lipossomas .................................................................................................................... 10
2.2.6. Modelos para o estudo de Lipid Rafts ........................................................................... 11
2.3. Ácidos Biliares ....................................................................................................................... 12
2.3.1. No Corpo Humano ......................................................................................................... 12
2.3.2. Características ............................................................................................................... 13
2.3.3. Síntese ........................................................................................................................... 14
2.3.4. Ácido Deoxicólico .......................................................................................................... 15
ix
2.3.5. Ácido Ursodeoxicólico ................................................................................................... 16
2.4. Técnicas Experimentais ........................................................................................................ 17
2.4.1. Balança de Langmuir ..................................................................................................... 17
2.4.2. QCM-D – Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação ................................... 18
2.4.3. DSC – Calorimetria Diferencial de Varrimento .............................................................. 20
2.4.4. 31P NMR – Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo .............................................. 21
3. Materiais e Métodos ...................................................................................................................... 22
3.1. Materiais ................................................................................................................................ 22
3.2. Preparação de Lipossomas ................................................................................................... 22
3.3. Balança de Langmuir ............................................................................................................. 23
3.4. QCM-D – Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação ........................................... 23
3.5. DSC – Calorimetria Diferencial de Varrimento ...................................................................... 24
3.6. 31P NMR – Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo ...................................................... 25
4. Resultados e Discussão ................................................................................................................ 26
4.1. Balança de Langmuir ............................................................................................................. 26
4.1.1. Efeito do Colesterol ....................................................................................................... 26
4.1.2. Efeito dos ácidos biliares dissolvidos na subfase ......................................................... 27
4.1.3. Efeito dos ácidos biliares espalhados na superfície ...................................................... 31
4.1.4. Conclusões Gerais ........................................................................................................ 34
4.2. QCM-D ................................................................................................................................... 35
4.2.1. Efeito do Colesterol ....................................................................................................... 36
4.2.2. Efeito do DCA ................................................................................................................ 37
4.2.3. Efeito do UDCA ............................................................................................................. 40
4.2.4. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA .................................................................................. 43
4.2.5. Conclusões Gerais ........................................................................................................ 46
4.3. DSC ....................................................................................................................................... 46
4.3.1. Efeito do Colesterol ....................................................................................................... 46
4.3.2. Efeito do DCA ................................................................................................................ 47
4.3.3. Efeito do UDCA ............................................................................................................. 48
4.3.4. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA .................................................................................. 49
4.3.5. Conclusões Gerais ........................................................................................................ 49
x
4.4. 31P-NMR ................................................................................................................................ 50
4.4.1. Efeito do Colesterol ....................................................................................................... 50
4.4.2. Efeito do DCA ................................................................................................................ 51
4.4.3. Efeito do UDCA ............................................................................................................. 52
4.4.4. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA .................................................................................. 53
4.4.5. Conclusões Gerais ........................................................................................................ 53
5. Conclusões e Trabalho Futuro ...................................................................................................... 54
Bibliografia ............................................................................................................................................. 56
Anexos .................................................................................................................................................. A-1
A. Dados adicionais sobre os resultados e a modelação QCM-D ................................................ A-1
1. Interacção com DCA ............................................................................................................ A-1
2. Interacção com UDCA .......................................................................................................... A-2
3. Interacção com a mistura equimolar DCA/UDCA ................................................................ A-3
xi
iv. Lista de Figuras
Figura 2.1 – Modelo do Mosaico Fluido. Adaptado de [28]. .................................................................... 4
Figura 2.2 – Estrutura do POPC. Adaptado de [31]. ............................................................................... 5
Figura 2.3 – Estrutura da Esfingomielina. Adaptado de [33]. .................................................................. 6
Figura 2.4 – Estrutura do Colesterol. Adaptado de [35]. ......................................................................... 6
Figura 2.5 – Membrana celular destacando os dois tipos de lipid rafts encontrados nas membranas. (a)
rafts planares; (c) rafts ricos em caveolina. Adaptado de [41]. ............................................................... 7
Figura 2.6 – Formação de uma Bicamada Fosfolipídica Planar dopada de proteínas. Adaptado de [67].
................................................................................................................................................................. 9
Figura 2.7 – Exemplo da distribuição das moléculas de lípidos numa SLB. Adaptado de [73]. ............. 9
Figura 2.8 – À esquerda apresenta-se um exemplo da funcionalização do substrato com um alcano-tiol
(Adaptado de [76]). À direita apresenta-se um exemplo de uma SAM (Adaptado de [77]). ................. 10
Figura 2.9 – Exemplo de vários estados de agregação dos lípidos em monocamada. Adaptado de [70].
............................................................................................................................................................... 10
Figura 2.10 – Visualização de lipossoma em corte, contento material no seu interior. Adaptado de [81].
............................................................................................................................................................... 11
Figura 2.11 – Diagrama para a mistura binária POPC/SM. Adaptado de [85]. .................................... 11
Figura 2.12 – Diagrama de fases ternário para a mistura POPC/SM/Chol a 22ºC, 34ºC e 46ºC. Adaptado
de [85]. ................................................................................................................................................... 12
Figura 2.13 – Representação do aparelho digestivo. Adaptado de [89]. .............................................. 12
Figura 2.14 – Estrutura geral de um ácido biliar. Adaptado de [87]. ..................................................... 13
Figura 2.15 – Síntese dos ácidos biliares primários, a partir do colesterol. Adaptado de [104]. .......... 15
Figura 2.16 – Estrutura e configuração do ácido deoxicólico. Adaptado de [99]. ................................. 16
Figura 2.17 – Estrutura e configuração do ácido ursodeoxicólico. Adaptado de [102]. ........................ 16
Figura 2.18 – Exemplo de isotérmica obtida pela técnica evidenciando as diferentes fases de
agregação: gás (G), líquido expandido (LE), líquido condensado (LC), sólido (S), e colapso da
monocamada. Adaptado de [70]. .......................................................................................................... 17
Figura 2.19 – Funcionamento de uma Balança de Langmuir. Adaptado de [20]................................. 18
Figura 2.20 – Ilustração do corte realizado em cristais de quartzo para a formação dos sensores para
a técnica. Adaptado de [129]. ................................................................................................................ 19
Figura 2.21 – Exemplo de Termograma. Adaptado de [138]. ............................................................... 20
Figura 2.22 – Espectros típicos de diferentes estados de agregação. Adaptado de [140]. ................. 22
Figura 4.1 – Painel A-Isotérmicas -A dos compostos puros, POPC (curva 1), esfingomielina (curva 2)
e colesterol (curva 3), da mistura binária POPC/SM (1:1) (curva 4) e da mistura ternária POPC/SM/Chol
(1:1:1) (curva 5), a 25ºC numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). No painel B, encontram-se
representadas as isotérmicas traçadas das misturas binária (curva 1) e ternária (curva 3) e as que
resultariam de uma mistura binária ideal (curva 2) e de uma mistura ternária ideal (curva 4). ............ 26
xii
Figura 4.2 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (1:1) (A) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (B), a 25ºC,
numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). As curvas identificadas com (1) correspondem à
isotérmica do DCA com uma concentração de 8 µM na subfase. A preto, contínuo, encontram-se as
isotérmicas das misturas lipídicas puras, apresentando-se as restantes, da esquerda para a direita,
com concentrações crescentes (1,33 µM; 2,63 µM; 8 µM e 13,3 µM) de DCA dissolvido na subfase. O
valor de A na abcissa representa a área ocupada por molécula de lípido, exceto para as curvas (1)
onde representa a área ocupada por molécula de DCA. ...................................................................... 27
Figura 4.3 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (1:1) (A) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (B), a 25ºC
numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). As curvas identificadas com (1) correspondem à
isotérmica do UDCA com uma concentração de 8 µM na subfase. A preto contínuo encontram-se as
isotérmicas das misturas lipídicas puras, apresentando-se as restantes, da esquerda para a direita,
com concentrações crescentes (1,33 µM; 2,63 µM; 8 µM e 13,3 µM) de UDCA dissolvido na subfase.
O valor de A na abcissa representa a área ocupada por molécula de lípido, exceto para as curvas (1)
onde representa a área ocupada por molécula de DCA. ...................................................................... 28
Figura 4.4 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (1:1) (A) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (B), a 25ºC
numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). A preto contínuo encontram-se as isotérmicas das
misturas lipídicas, apresentando-se as restantes, da esquerda para a direita, com concentrações
crescentes (1,33 µM; 2,63 µM; 8 µM e 13,3 µM) da mistura 1:1 DCA/UDCA dissolvida na subfase. .. 29
Figura 4.5 – Variação da área molecular média de lípido em função da concentração dos ácidos biliares
na subfase: DCA (bolas a cheio), do UDCA (bolas em aberto), da mistura DCA/UDCA (1:1) (quadrados
a cheio), (A e B) na mistura binária POPC/SM (1:1), (C e D) na mistura ternária POPC/SM/Chol (1:1:1),
a 15mN/m (A e C) e a 30 mN/m (B e D).Os triângulos representam o efeito da mistura DCA/UDCA (1:1)
calculado com base na regra de aditividade do efeito dos componentes isolados. ............................. 30
Figura 4.6 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B), a 25ºC, numa subfase
de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). A preto contínuo encontra-se representada a mistura lipídica pura
estando as restantes isotérmicas representadas, da esquerda para a direita, de acordo com o aumento
da fração molar de DCA na solução de espalhamento (xac = 0,67; 0,75 e 0,8 (para POPC/SM) e xac =
0,3; 0,5; 0,7 e 0,8 (para POPC/SM/Chol)). ............................................................................................ 31
Figura 4.7 – Isotérmicas-A das misturas POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B), a 25ºC, numa subfase
de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). A preto contínuo, encontra-se representada a mistura lipídica pura
estando as restantes isotérmicas representadas, da esquerda para a direita, de acordo com o aumento
da fração molar de UDCA na solução de espalhamento (xac = 0,67; 0,75 e 0,8 (para POPC/SM) e xac =
0,3; 0,5; 0,7 e 0,8 (para POPC/SM/Chol)). ............................................................................................ 32
Figura 4.8 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B), a 25ºC, numa subfase
de tampão HEPES 10 mM (pH 7,4). A preto contínuo encontra-se representada a mistura lipídica pura
estando as restantes isotérmicas representadas, da esquerda para a direita, de acordo com o aumento
da fração molar da mistura 1:1 DCA/UDCA na solução de espalhamento (xac = 0,67; 0,75 e 0,8 (para
POPC/SM) e xac = 0,3; 0,5; 0,7 e 0,8 (para POPC/SM/Chol))............................................................... 33
Figura 4.9 – Variação da área molecular média de lípido em função da fração molar de ácidos biliares
incluídos na mistura de espalhamento: DCA (bolas a cheio), do UDCA (bolas em aberto), da mistura
xiii
DCA/UDCA (1:1) (quadrados a cheio). (A e B) na mistura binária POPC/SM (1:1), (C e D) na mistura
ternária POPC/SM/Chol (1:1:1), a 5mN/m (A e C) e a 15 mN/m (B e D).Os triângulos representam o
efeito da mistura DCA/UDCA (1:1) calculado com base na regra de aditividade do efeito dos
componentes isolados. .......................................................................................................................... 34
Figura 4.10 – Exemplo da variação da frequência (a preto) e da dissipação (a cinzento) da 3ª harmónica
para uma experiência de adsorção dos lipossomas no cristal de quartzo a 37ºC. Lipossomas POPC/SM
à esquerda e POPC/SM/Chol à direita. (1) Adição de lipossomas; (2) enxaguamento. ...................... 35
Figura 4.11 – Variação de frequência e de dissipação da 3ª harmónica, observados quando se dá a
adsorção dos lipossomas aos cristais de quartzo. A preto encontram-se os dados correspondentes aos
lipossomas POPC/SM e a cinzento POPC/SM/Chol. ........................................................................... 36
Figura 4.12 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 1 mM de DCA. Cinzento-escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ...................................................... 37
Figura 4.13 – Valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita) da 3ª
harmónica ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas. Topo: lipossomas
POPC/SM; Baixo: lipossomas POPC/SM/Chol. A preto: valores médios dos lipossomas, cinzento-
escuro: após enxaguamento; cinzento: após adição do ácido; cinzento claro: após enxaguamento final.
............................................................................................................................................................... 38
Figura 4.14 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (em baixo) com 1 mM de UDCA. Cinzento-escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ...................................................... 40
Figura 4.15 – Valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita) da 3ª
harmónica ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas. Topo: lipossomas
POPC/SM; Baixo: lipossomas POPC/SM/Chol. A preto: valores médios dos lipossomas, cinzento
escuro: após enxaguamento; cinzento: após adição do ácido; cinzento claro: após enxaguamento final.
............................................................................................................................................................... 41
Figura 4.16 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (em baixo) com 1 mM da mistura 1:1 DCA/UDCA. Cinzento-escuro: 3ª harmónica;
cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ........................ 43
Figura 4.17 – Valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita) da 3ª
harmónica ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas. Topo: lipossomas
POPC/SM; Baixo: lipossomas POPC/SM/Chol. A preto: valores médios dos lipossomas, cinzento
escuro: após enxaguamento; cinzento: após adição do ácido; cinzento claro: após enxaguamento final.
............................................................................................................................................................... 44
Figura 4.18 – Termogramas para os lipossomas puros. A curva a cinzento representa a mistura binária
POPC/SM e a preta a mistura ternária, POPC/SM/Chol. ..................................................................... 46
xiv
Figura 4.19 – Do lado esquerdo encontram-se representados os termogramas para a mistura binária
POPC/SM sujeitos a interação com concentrações crescentes de DCA. A preto encontra-se o
termograma dos lipossomas; tracejado 500 µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento claro 900 µM. Na
figura do lado direito apresenta-se a influência que a concentração de DCA provoca na Tt. .............. 47
Figura 4.20 – Termogramas para a mistura ternária POPC/SM/Chol sujeitos a interação com
concentrações crescentes de DCA. A preto encontra-se o termograma dos lipossomas; tracejado 500
µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento claro 900 µM. ......................................................................... 48
Figura 4.21 – Do lado esquerdo encontram-se representados os termogramas para a mistura binária
POPC/SM sujeitos a interação com concentrações crescentes de UDCA. A preto encontra-se o
termograma dos lipossomas; tracejado 500 µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento claro 900 µM. Na
figura do lado direito apresenta-se a influência que a concentração de UDCA provoca na Tt. ............ 48
Figura 4.22 – Do lado esquerdo encontram-se representados os termogramas para a mistura binária
POPC/SM sujeitos a interação com concentrações crescentes da mistura equimolar de DCA/UDCA. A
preto encontra-se o termograma dos lipossomas; tracejado 500 µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento
claro 900 µM. Na figura do lado direito apresenta-se a influência que a concentração da mistura
DCA/UDCA provoca na Tt, apresentando-se a preto os valores obtidos experimentalmente e a cinzento
os valores que calculados pela média aritmética dos valores obtidos para as T t de cada ácido em
separado. ............................................................................................................................................... 49
Figura 4.23 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (a preto) e POPC/SM/Chol (a
cinzento), para as temperaturas de 12ºC (esquerda), 25ºC (centro) e 37ºC (direita). ......................... 50
Figura 4.24 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (à esquerda, cinzento escuro) e
POPC/SM/Chol (à direita, cinzento escuro) e o espectro da interação destes lipossomas com o DCA
(cinzento claro) para as temperaturas de 12ºC (topo), 25ºC (centro) e 37ºC (baixo). .......................... 51
Figura 4.25 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (à esquerda, cinzento escuro) e
POPC/SM/Chol (à direita, cinzento escuro) e o espectro da interação destes lipossomas com o UDCA
(cinzento claro) para as temperaturas de 12ºC (topo), 25ºC (centro) e 37ºC (baixo). .......................... 52
Figura 4.26 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (à esquerda, cinzento escuro) e
POPC/SM/Chol (à direita, cinzento escuro) e o espectro da interação destes lipossomas com a mistura
1:1 DCA/UDCA (cinzento claro) para as temperaturas de 12ºC (topo), 25ºC (centro) e 37ºC (baixo). 53
Figura A.1 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 500 µM de DCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ..................................................... A-1
Figura A.2 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 750 µM de DCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ..................................................... A-1
Figura A.3 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
xv
POPC/SM/Chol (baixo) com 500 µM da UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ..................................................... A-2
Figura A.4 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 750 µM da UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ..................................................... A-2
Figura A.5 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 500 µM da mistura equimolar DCA:UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica;
cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ....................... A-3
Figura A.6 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 750 µM da mistura equimolar DCA:UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica;
cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica. ....................... A-3
xvi
v. Lista de Tabelas
Tabela 2.1– Propriedades dos ácidos biliares utilizados no trabalho. .................................................. 14
Tabela 4.1 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM e
POPC/SM/Chol a 37ºC. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. ....... 36
Tabela 4.2– Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com
500 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se
como média ± desvio padrão. ............................................................................................................... 38
Tabela 4.3 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 500 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados
encontram-se como média ± desvio padrão. ....................................................................................... 39
Tabela 4.4 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 750 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-
se como média ± desvio padrão. .......................................................................................................... 39
Tabela 4.5 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 750 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados
encontram-se como média ± desvio padrão. ....................................................................................... 39
Tabela 4.6 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 1000 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-
se como média ± desvio padrão. .......................................................................................................... 39
Tabela 4.7 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 1000 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados
encontram-se como média ± desvio padrão. ....................................................................................... 39
Tabela 4.8 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 500 µM da UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-
se como média ± desvio padrão. .......................................................................................................... 41
Tabela 4.9 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 500 µM da UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados
encontram-se como média ± desvio padrão. ....................................................................................... 42
Tabela 4.10 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 750 µM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-
se como média ± desvio padrão. .......................................................................................................... 42
Tabela 4.11 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 750 µM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados
encontram-se como média ± desvio padrão. ....................................................................................... 42
Tabela 4.12 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 1 mM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-
se como média ± desvio padrão. .......................................................................................................... 42
xvii
Tabela 4.13 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 1 mM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados
encontram-se como média ± desvio padrão. ....................................................................................... 42
Tabela 4.14 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 500 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores
apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. ................................................................ 44
Tabela 4.15 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 500 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os
valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. .................................................... 45
Tabela 4.16 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 750 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores
apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. ................................................................ 45
Tabela 4.17 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 750 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os
valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. .................................................... 45
Tabela 4.18 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir
com 1 mM da mistura 1:1 DCA/UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores
apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. ................................................................ 45
Tabela 4.19 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a
interagir com 1 mM da mistura 1:1 DCA/UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores
apresentados encontram-se como média ± desvio padrão. ................................................................ 45
xviii
vi. Lista de Abreviaturas
POPC 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfocolina
DCA Ácido Deoxicólico
UDCA Ácido Ursodeoxicólico
SLB Bicamadas Fosfolipídicas Suportadas
DSC Calorimetria Diferencial de Varrimento
Chol Colesterol
GEM/DIG Complexos Enriquecidos em Glicolípidos Insolúveis em Detergente
CMC Concentração Micelar Crítica
SM Esfingomielina
LC Fase líquida condensada
Ld Fase líquida desordenada
LE Fase líquida expandida
Lo Fase líquida ordenada
PC Fosfatidil Colina
PE Fosfatidil Etanolamina
PG Fosfatidil Glicerol
PI Fosfatidil Inositol
PS Fosfatidil Serina
DRM Membranas Resistentes a Detergentes
QCM-D Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação
AFM Microscopia de Força Atómica
SAM Monocamadas Auto Montadas
ESR Ressonância Eletrão Spin
31P-NMR Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo
Tt Temperatura de transição
FRET Transferência de Energia de Ressonância por Fluorescência
LUV Vesiculas Unilamelares Grandes
xx
vii. Lista de Símbolos
Δσ Anisotropia do desvio químico
Cp Capacidade calorífica
Cf Constante de Sensibilidade Característica do Sensor
ρ Densidade
ΔA/A0 Desvio de área molecular média
𝜎|| Desvio químico paralelo ao campo magnético aplicado
𝜎┴ Desvio químico perpendicular ao campo magnético aplicado
δ Espessura
Π Pressão superficial
γ Tensão superficial
ΔD Variação da dissipação
Δf Variação da frequência
Δm Variação de massa adsorvida
η
Viscosidade
1
1. Introdução
1.1. Enquadramento
Os ácidos biliares são importantes digestivos naturais, produzidos no fígado, cuja função principal
é solubilizar lípidos na bílis e no trato intestinal [1];[2];[3]. No entanto, encontram-se envolvidos no
desencadeamento de cancro do cólon [2];[4], bem como doenças hepáticas, como a colestase que é
caracterizada por uma diminuição, ou paragem, do fluxo biliar usual podendo dar origem a diversos
problemas hepáticos [5]. As interações dos ácidos biliares com a superfície da membrana celular não
estão ainda bem definidas, havendo dois pontos de vista diferentes. Por um lado, as propriedades
fluidizantes do ácido deoxicólico (DCA) em membranas celulares [6];[7] são conhecidas mas, por outro,
há estudos que defendem que o início da geração de um cancro ocorre devido à interação do mesmo
ácido com recetores celulares na superfície da membrana [4];[8]. Já o ácido ursodeoxicólico (UDCA),
sabe-se que é utilizado na prevenção de pedras na vesícula e que tem propriedades citoprotetoras [9].
1.2. Estado da Arte
1.2.1. Interação de ácidos biliares com membranas celulares
Os estudos realizados sobre interações dos ácidos biliares com as membranas celulares têm como
objetivo compreender o seu efeito nas mesmas com base nas respetivas características de
hidrofilicidade/hidrofobicidade [10];[7]. Clouzeau et al. [5] observaram com um microscópio o efeito da
hidrofobicidade dos ácidos biliares na estabilidade membranar de células do fígado de ratos, tendo
concluído que o ácido hidrofóbico (Ácido Taurodeoxicólico) promove uma fluidização da membrana por
penetração na mesma, enquanto o ácido mais hidrofílico (Ácido Taurocólico) não provoca modificações
a nível estrutural.
O estudo efetuado por Martinez et al. [11] testou o efeito da incubação com DCA ou UDCA no
crescimento de linhas celulares tumorais. Verificou-se que as células incubadas com DCA sofreram
apoptose, enquanto que as incubadas com UDCA, além de prevenção da morte celular, apresentaram
uma inibição da proliferação celular que é uma característica de células cancerígenas. Foi também
testado o efeito que uma enzima (Proteína Cinase C, PKC) poderia ter no processo, tendo-se
observado uma diminuição do efeito apoptótico do DCA ao adicionar um inibidor desta enzima, o que
poderia sugerir que o processo seria desencadeado diretamente pela interação do DCA com a enzima.
O mesmo tipo de estudo foi posteriormente efetuado por Ignacio et al. [2], mas em linhas celulares não
tumorais, tendo sido observado o mesmo efeito, sugerindo que o mecanismo de morte celular é
originado indiretamente pela inserção e difusão do DCA na membrana, que provoca alterações a nível
estrutural e, consequentemente, a ativação de enzimas na superfície membranar.
Rodrigues et al. relatam o efeito protetor do UDCA que, adicionado em conjunto com o DCA, evita
a despolarização da membrana causada pelo DCA sozinho. Estes autores sugerem que o mecanismo
2
de proteção se deve à prevenção da formação de poros na membrana, não estando o mecanismo de
interação bem descrito [12].
1.2.2. Interação de ácidos biliares com modelos biomembranares
Com o intuito de compreender o mecanismo de ação dos ácidos biliares nas membranas celulares
são muitas vezes adotados modelos biomembranares, sistemas menos complexos que as células, que
simulam o sistema, sendo mais facilmente estudados [13];[14].
De acordo com vários estudos [15];[16] a incorporação de colesterol nos modelos estudados
promove sempre uma proteção contra a ação fluidizante dos ácidos biliares.
Além do efeito do colesterol Zhou et al. [15] estudaram o efeito da concentração dos ácidos na
permeabilização de lipossomas. As concentrações utilizadas encontram-se dentro da gama das
utilizadas no presente estudo, tendo-se concluído que com o aumento da concentração tanto de UDCA
como de DCA há uma maior libertação de calceína, contida no interior dos lipossomas, e portanto, um
aumento da permeabilidade. É notório ainda uma maior influência por parte do DCA, bem como um
efeito sinergístico quando se testam os efeitos da mistura dos dois ácidos biliares [15]. O mesmo
acontece quando se testam as mesmas condições em sistemas que incluem colesterol, no entanto, o
efeito fluidizante é menos pronunciado.
Num estudo levado a cabo por Heuman et al. [16] verificou-se uma diminuição da adsorção dos
ácidos biliares estudados, com a inclusão de colesterol na composição dos lipossomas. Concluíram
também que o efeito da mistura de dois ácidos, o Ácido Taurodeoxicólico (hidrofóbico) e o Ácido Tauro-
ursodeoxicólico (hidrofílico), proporcionava efeitos protetores apenas quando este último constitui 50%
ou mais da mistura.
Estudos indicam que o modo de interação destes ácidos com as membranas não é bem definido,
sendo que Güldütuna et al. [17] defendem que os ácidos biliares se intercalam na estrutura, destacando
o efeito que o UDCA tem na diminuição da fluidez da membrana, bem como o aumento da estabilidade
da mesma, um efeito semelhante ao oferecido pela incorporação de colesterol nestas estruturas. Por
outro lado Ben Mouaz et al. [18] afirmam que a localização dos ácidos biliares hidrofílicos deverá ser
periférica.
Em Schubert et al. [19] foi demonstrado que a afinidade dos sais biliares, formas desprotonadas dos
ácidos, para a membrana diminui com o aumento da sua acumulação na mesma, até atingir um mínimo
a partir do qual há um aumento abrupto provocando uma solubilização da membrana.
3
1.3. Motivação
Com este trabalho, pretende-se estudar as interações a nível membranar deste tipo de ácidos,
sendo os seus efeitos estudados de acordo com vários modelos membranares. Os modelos
membranares adotados são as monocamadas de Langmuir e os lipossomas. Ambos são considerados
modelos de estudo adequados uma vez que, para ambos os casos, a organização do sistema é
semelhante à encontrada nas membranas celulares [20];[21]. A construção destes modelos
membranares é conseguida recorrendo-se a 3 tipos lípidos, um glicerofosfolípido (POPC),
esfingomielina (SM) e colesterol (Chol), representantes dos lípidos mais abundantes da membrana
celular [22].
O objetivo deste trabalho consiste em tentar compreender de que modo o DCA contribui para a
destabilização das membranas, bem como de que modo o UDCA executaria o seu papel como
citoprotetor. Além disso, espera-se compreender se os papéis destes dois ácidos biliares, de acordo
com as funções descritas, são dependentes ou não da sua interação com o colesterol, ou seja, se os
ácidos interagem preferencialmente com os lípidos raft, estruturas lipídicas ricas em colesterol e
esfingomielina.
1.4. Conteúdo
O trabalho desenvolvido é apresentado ao longo dos próximos 4 capítulos. No primeiro e presente
capítulo, apresentam-se os fundamentos teóricos necessários a uma melhor compreensão do trabalho,
focando-se a função e composição das membranas celulares eucarióticas, com enfoque nas jangadas
lipídicas (lipid rafts) e no seu papel nas membranas celulares. De seguida, no capítulo 2, são descritos
alguns modelos utilizados para o estudo de biomembranas e, por fim, apresenta-se uma pequena
explicação sobre o que são os ácidos biliares e as suas propriedades, dando especial atenção ao Ácido
Deoxicólico e ao Ácido Ursodeoxicólico. Após a descrição dos modelos e sistemas estudados no
trabalho, dá-se uma explicação das técnicas experimentais utilizadas, sendo elas Balança Langmuir,
Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação (QCM-D), Calorimetria Diferencial de Varrimento
(DSC) e Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo (31P-NMR).
No capítulo dos Resultados e Discussão, capítulo 3, apresentam-se os resultados obtidos e uma
análise dos mesmos, focando o efeito que a interação de cada um dos ácidos biliares, bem como de
uma mistura equimolar destes, tem nos dois modelos membranares estudados.
No último e quarto capítulo apresentam-se as conclusões mais importantes a retirar desta
dissertação, bem como sugestões para futuros trabalhos relacionados com o tema.
4
2. Fundamentos Teóricos
2.1. Membranas Celulares Eucarióticas
Todas as células são delimitadas por uma membrana celular, que atua como uma fronteira entre os
meios intra e extra celular. As membranas diferem na sua composição entre células pró e eucarióticas,
bem como entre as eucarióticas vegetais e animais [22]. De acordo com o âmbito do trabalho, serão
apenas focadas as membranas eucarióticas animais.
As células eucarióticas além da membrana exterior encontram-se compartimentadas em pequenas
secções, designadas como organelos celulares, delimitadas também por membranas de composição
semelhante à citoplasmática, onde são executadas várias funções necessárias à manutenção e
sobrevivência das células [23];[24].
A membrana plasmática, além de ser a fronteira das células, constitui uma barreira que impede o
fluxo livre de moléculas hidrossolúveis e iões, servindo como uma barreira física seletiva das moléculas
que podem ou não atravessá-la, determinando assim a composição do meio intracelular e tendo como
objetivo manter o meio intracelular em homeostasia [22];[24].
A formação das membranas biológicas tem por base as propriedades dos lípidos sendo que todas
as membranas partilham da mesma disposição: bicamadas fosfolipídicas com proteínas associadas
[22]. As proteínas são responsáveis por várias funções específicas, podendo funcionar como recetores
de sinais externos [25], para transportar seletivamente moléculas através da membrana [26] ou, ainda,
participar no transporte de eletrões, que permite à célula fabricar energia (processo de fosforilação
oxidativa) [27]. Assim a membrana tem essencialmente duas funções: proteger o meio intracelular e
mediar interações das células com o ambiente e com outras células.
Figura 2.1 – Modelo do Mosaico Fluido. Adaptado de [28].
O modelo atualmente aceite para a descrição da estrutura membranar é o Modelo do Mosaico Fluido
descrita por Singer e Nicholson em 1972 (figura 2.1), o qual descreve as membranas biológicas com
as características anteriormente referidas, destacando também o facto destas estruturas serem fluidas
5
e terem cerca de 5 a 8 nm de espessura. Os lípidos que constituem as membranas são designados por
fosfolípidos com uma zona polar e outra apolar; é esta estrutura que permite a agregação em bicamada,
com as zonas polares (e portanto hidrofílicas) em contacto com os meios aquosos, e com as zonas
apolares (hidrofóbicas) organizadas para o interior da bicamada. Enquanto os fosfolípidos conferem a
forma da membrana plasmática, as proteínas são responsáveis por desempenhar funções específicas.
Os autores distinguem ainda duas classes de proteínas, as integrais e as periféricas. As periféricas
estão geralmente ligadas por meio de interações electroestáticas a proteínas integrais ou às zonas
polares dos fosfolípidos. As proteínas integrais podem ser transmembranares, ou seja, atravessam toda
a membrana, sendo estabilizadas por meio de interações hidrofóbicas no seio intramembranar [29]. A
composição proteica das células é bastante variável dependendo das funções que esta desempenha,
no entanto, todas as células apresentam proteínas transportadoras com o objetivo de importar e/ou
exportar solutos orgânicos e iões através da membrana [22].
Em relação à composição fosfolipídica, as membranas contêm principalmente glicerofosfolípidos) e
esfingolípidos. Os glicerofosfolípidos distinguem-se pelo grupo ligado ao fosfatidil, sendo os mais
representativos a fosfatidil colina (PC), o fosfatidil glicerol (PG), a fosfatidil etanolamina (PE), o fosfatidil
inositol (PI) e a fosfatidil serina (PS). Quanto aos esfingolipidos, o mais importante é a esfingomielina
(SM). Em conjunto, PC, PE, PS e SM correspondem a cerca de 50% dos lípidos da membrana celular.
Estes lípidos encontram-se distribuídos assimetricamente pelas duas faces da membrana. A
esfingomielina e a PC encontram-se maioritariamente na parte superior (que contacta com o exterior)
da membrana, sendo que os restantes, PG, PE e PI, se encontram dominantemente na zona interior
da bicamada. Sendo destes o PI que confere uma carga negativa ao interior da célula, uma vez que as
suas cabeças polares se encontram carregada negativamente. O PI, apesar de muito pouco dominante,
é de elevada importância dada a sua função como sinalizador celular [22].
Os glicerofosfolípidos derivam do glicerol. Para cada tipo de glicerofosfolípido há uma grande
variedade nas cadeias acílicas, tanto em termos de comprimento, como nas insaturações das cadeias
[30]. Normalmente lípidos com cadeias insaturadas promovem a fluidez da membrana porque originam
empacotamentos pouco densos. Na figura 2.2 apresenta-se o glicerofosfolípido utilizado neste estudo,
o 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-fosfo-colina (POPC).
Figura 2.2 – Estrutura do POPC. Adaptado de [31].
Esfingolípidos como a esfingomielina utilizada neste trabalho (figura 2.3) diferem dos
glicerofosfolípidos por possuírem em vez de um glicerol uma esfingosina, sendo que uma das suas
cadeias longas não é um ácido gordo, mas uma cadeia da esfingosina [32]; [30]. A esfingosina é um
amino-álcool de cadeia longa e, tal como o nome indica, contem na sua estrutura um grupo álcool (-
6
OH) e um grupo amina (-NH2): o grupo amina liga-se à cadeia de ácido gordo e o grupo álcool promove
a ligação fosfodiéster ao grupo polar (geralmente colina ou etanolamina) [22].
Figura 2.3 – Estrutura da Esfingomielina. Adaptado de [33].
Além de fosfolípidos a membrana celular animal é composta por glicolípidos e colesterol. Os
glicolípidos diferem dos fosfolípidos na região polar que é formada por um açúcar. Estes apenas
existem na camada exterior da membrana, estando a parte de carbohidrato voltada para o lado de fora,
e representam 2% da composição da membrana [22]. Já o colesterol pode-se encontrar na mesma
quantidade que os restantes fosfolípidos, sendo um constituinte bastante importante da membrana
celular.
O colesterol (figura 4), é um esteroide que consiste em quatro anéis, três com seis lados e um com
cinco, com uma cauda apolar e com um grupo hidroxilo que lhe confere polaridade [34].
Figura 2.4 – Estrutura do Colesterol. Adaptado de [35].
O colesterol, por si só, não forma uma bicamada, mas quando em conjunto com outros fosfolípidos,
ele insere-se entre eles, com a sua cabeça polar (o grupo hidroxilo) junto das cabeças polares dos
restantes fosfolípidos [34];[36] . O colesterol é importante uma vez que tem diferentes ações na fluidez
da membrana consoante a temperatura. A temperaturas mais altas o colesterol interfere com a
movimentação das cadeias de ácidos gordos dos outros fosfolípidos, torna a membrana menos fluida,
e portanto menos permeável a moléculas pequenas. No entanto, a baixas temperaturas o efeito é o
contrário, uma vez que, interferindo com as interações entre as cadeias dos ácidos gordos, impede o
seu congelamento e mantem a fluidez da membrana [22], [37]. Este é um exemplo de um componente
que não se encontra como constituinte das membranas de bactérias, ou de células vegetais [22].
Em termos de distribuição do colesterol pela membrana, esta não é homogénea, ou seja, sabe-se
que há zonas da membrana na qual o colesterol se encontra agregado com esfingolípidos
(esfingomielina e glicolípidos), formando os rafts que se movimentam lateralmente pela membrana,
7
podendo associar-se a proteínas existentes na mesma [38]. Os lipid rafts (ou jangadas lipídicas)
formam-se espontaneamente e estão associados à dinâmica da membrana celular. Estes domínios
encontram-se enriquecidos com proteínas envolvidas em processos de sinalização celular e de
endocitose. No subcapítulo seguinte serão descritas as propriedades dos rafts com maior pormenor.
2.1.1. Lipid Rafts
Os lipid rafts (figura 5), ou simplesmente, rafts são estruturas da membrana celular ricos em
esfingomielina e colesterol [39], com cerca de 10 a 200 nm de diâmetro [40]. Pensa-se que estas
estruturas celulares poderão estar ligadas a funções de sinalização celular, uma vez que se verifica a
agregação de proteínas nas mesmas [39]. Além destes fatores, pensa-se que estas estruturas são
transientes no tempo [40].
Figura 2.5 – Membrana celular destacando os dois tipos de lipid rafts encontrados nas membranas. (a) rafts planares; (c) rafts ricos em caveolina. Adaptado de [41].
Estes domínios foram descobertos nos anos 70 [42] sendo posteriormente observados e mapeados,
de acordo com a separação das fases, por Ressonância Eletrão-Spin (ESR) por McConnell e Shimshick
[43]. Lenz et al demonstraram por fluorescência anisotrópica que havia uma mistura não homogénea
de fosfolípidos com cadeias saturadas e insaturadas [44].
A formação de lípidos raft está relacionada com a afinidade que o colesterol tem para interagir com
determinados fosfolípidos [45]. Jain e White [46] propuseram um modelo que consiste na organização
da membrana em zonas ordenadas e outras desordenadas (mais fluidas). Posteriormente surgiram
estudos onde se introduziam os conceitos de fase líquida-ordenada (Lo) e líquida-desordenada (Ld). A
fase liquida ordenada (Lo) é formada pela interação preferencial do colesterol com as cadeias de acilo
saturadas dos lípidos, sendo a fase líquida desordenada (Ld) correspondente a zonas mais ricas em
fosfolípidos insaturados [47];[48].
Os rafts foram isolados pela primeira vez da membrana plasmática por dissolução com detergentes
não iónicos a 4ºC, tendo-se observado uma dissolução das zonas fluidas das membranas, mas não
dos rafts. Devido a este facto, as estruturas raft são também denominadas “complexos enriquecidos
em glicolípidos insolúveis em detergente” (GEMs/DIGs) ou como “membranas resistentes a
detergentes” (DRMs). No entanto, verificou-se que este método de extração pode promover a
agregação de moléculas que não correspondem à realidade da membrana pré-tratada [49], ou que
diferentes detergentes têm a capacidade de solubilizar os rafts de maneira distinta, levando à obtenção
8
de extratos com composições diferentes em termos lipídicos e proteicos [50]. Estes domínios, que
possuem uma espessura maior do que a espessura média da membrana, resultam da associação entre
os esfingolípidos (de cadeia longa e saturada) com o colesterol, havendo uma interações hidrofóbicas
entre as cadeias saturadas e os anéis que formam o núcleo esteroide do colesterol [51].
Pensa-se existirem dois tipos de rafts: planares e os ricos em caveolina [41]. Nos rafts planares
encontram-se muito frequentemente proteínas ancoradas ao glicolípido glicosil-fosfatidil-inositol (GPI-
anchored proteins) [52], já os ricos em caveolina, formam invaginações na membrana e estão
associados com o processo de endocitose [53].
Outras funções atribuídas aos rafts são de atuarem como transdutores de sinais de
neurotransmissores [54] e de anticorpos [55], poderem servir de via de infeção por parte dos vírus [56];
[57], e estarem envolvidos em fenómenos de adesão celular e em mecanismos génese de cancros [58],
[59]. Além de fenómenos intercelulares, os rafts têm funções de transporte de lípidos e proteínas [60],
[61].
O estudo destes domínios pode ser realizado por Microscopia de Fluorescência, e por Transferência
de Energia de Ressonância por Fluorescência (FRET) [62], in vivo, e Ressonância Magnética Nuclear
(NMR) [63], in vitro.
2.2. Modelos Biomembranares
Sendo os lípidos os principais constituintes da membrana celular, a utilização de modelos
biomembranares baseados na composição lipídica desta constituem uma aproximação razoável ao
estudo da membrana biológica, relacionando os resultados do estudo dos modelos com o observado
nas membranas naturais [13].
2.2.1. Bicamadas Fosfolipídicas Planares
As Bicamadas Fosfolipídicas Planares (figura 2.6), também conhecidas como Membranas Lipídicas
Negras foram o primeiro modelo concebido para a simulação de biomembranas [64]. O processo de
fabrico deste tipo de membranas consiste na formação de uma pequena abertura num material
hidrofóbico, como o Teflon. Em cada lado da abertura é colocado um solvente apolar, de modo a não
ocorrer a dissolução na água do mesmo. Em seguida o recipiente que contém a montagem anterior é
preenchido com uma solução salina, sendo, por fim, adicionados os lípidos. O mecanismo de formação
da bicamada é o seguinte: os lípidos irão formar monocamadas na superfície hidrofóbica fornecida pelo
solvente base, sendo que com o aumento da quantidade de lípido dos dois lados da abertura há a
formação da bicamada, que expulsa a solução salina existente entre si [65];[66].
As maiores restrições associadas a este tipo de estruturas são os resíduos de solvente e a
estabilidade das membranas [66].
9
Figura 2.6 – Formação de uma Bicamada Fosfolipídica Planar dopada de proteínas. Adaptado de [67].
2.2.2. Bicamada Fosfolipídica Suportada (SLB)
Nestes sistemas as bicamadas (figura 2.7) encontram-se sobre um suporte sólido, geralmente a
sílica, óxido de titânio ou zircónia [68], e portanto só a parte superior da camada poderá ser estudada,
uma vez que a inferior estará a interagir com o suporte.
A formação destas bicamadas poderá ter por base a deposição e posterior fusão à superfície de
vesículas unilamelares pequenas (lipossomas com diâmetros inferiores a 100 nm) [69]. Outros métodos
de formação destas bicamadas são baseados na transferência de monocamadas de Langmuir por
Langmuir-Blodgett e Langmuir-Schaefer [70]; [71].
Uma grande vantagem destes sistemas em relação aos anteriores é o facto de serem mais estáveis
[68]. O facto de se encontrarem num suporte sólido é uma vantagem para a sua análise com técnicas
de caracterização, com a Microscopia de Força Atómica (AFM) [72], que de outra maneira não seria
possível.
Figura 2.7 – Exemplo da distribuição das moléculas de lípidos numa SLB. Adaptado de [73].
2.2.3. Monocamadas Auto-Montadas (SAM)
As Monocamadas Auto-Montadas (figura 2.8) são formadas através da adsorção das moléculas
num substrato funcionalizado, de materiais como o ouro, a prata e o óxido de alumínio [74]. De modo
a proceder à formação de monocamadas auto-montadas de lípidos é necessário tornar o substrato
hidrofóbico e tal é conseguido através da modificação com alcano-tióis, havendo depois uma interação
entra a parte hidrofóbica dos fosfolípidos com os alcanos, formando a monocamada [75]; [74].
10
Figura 2.8 – À esquerda apresenta-se um exemplo da funcionalização do substrato com um alcano-tiol (Adaptado de [76]). À direita apresenta-se um exemplo de uma SAM (Adaptado de [77]).
2.2.4. Monocamadas de Langmuir
As monocamadas de Langmuir (figura 2.9) consistem na deposição na interface água-ar de lípidos
dissolvidos num solvente orgânico volátil. O seu princípio assenta no facto das cabeças polares dos
fosfolípidos interagirem com a água, formando uma camada com as suas caudas apolares no sentido
contrário [78].
Estas monocamadas, além contribuírem para o estudo da dinâmica celular na interface, permitem
compreender a agregação lateral dos fosfolípidos [79].
Figura 2.9 – Exemplo de vários estados de agregação dos lípidos em monocamada. Adaptado de [70].
2.2.5. Lipossomas
Os lipossomas (figura 2.10) são vesículas unilamelares pequenas (<100 nm) ou grandes (>100 nm)
[69] que podem ser estudados em suspensão ou adsorvidos em substratos, são um ótimo modelo para
o estudo das membranas celulares uma vez que, devido à sua formulação se assemelham às
membranas nativas [21].
Os lipossomas são estruturas compostas por uma bicamada fosfolipídica que, tal como no caso das
membranas biológicas, separa um meio interior do exterior [21]. Estudos apontam que, ao contrário do
que acontece com superfícies de ouro não-oxidado onde os lipossomas se fixam formando SLBs,
quando a superfície é oxidada, tornando-a mais hidrofílica os lipossomas são capazes de aderir sem
perder a sua estrutura inicial [80].
11
Figura 2.10 – Visualização de lipossoma em corte, contento material no seu interior. Adaptado de [81].
2.2.6. Modelos para o estudo de Lipid Rafts
Um grande número de misturas lipídicas tem sido utlizado de modo a mimetizar as características
biofísicas dos rafts em modelos biomembranares. Veatch et al. [82] destacam a importância de utilizar
os componentes das misturas naturais, como a esfingomielina e o colesterol e Simons et al. [36]
referiram a utilização de sistemas de misturas ternárias (com o colesterol) e binárias (sem o colesterol).
Deste modo, as misturas utilizadas para o estudo destes domínios devem consistir em misturas
ternárias de um fosfolípido insaturado (como o caso do POPC utilizado) com uma Temperatura de
transição (Tt) baixa, esfingomielina, um fosfolípido com cadeias saturadas, com Tt elevada, que é capaz
de se ligar à cabeça hidroxilo do colesterol por ligação de hidrogénio, e colesterol [51]. Além dos fatores
citados anteriormente, esses lípidos são os mais representativos dos fosfolípidos existentes da camada
exterior da membrana [22] permitindo estudar o efeito que a presença de colesterol tem e assim serem
simulados os lipid rafts.
Estudos têm sido desenvolvidos no sentido de determinar diagramas de fase ternários, que
permitem avaliar em que estado organizacional se encontram os modelos construídos [42], [83], [84].
Nas figuras 2.11 e 2.12 encontram-se exemplificados os diagramas de fases para as misturas
estudadas. Na mistura binária (figura 2.11) encontra-se destacado a cinzento a mistura utilizada (1:1
POPC:SM) apenas para denotar que a mistura, com o aumento da temperatura, passa por uma
transição de fase sólida (So) para líquida desordenada (Ld), transição essa que ocorre
aproximadamente entre os 3ºC e os 34ºC.
Figura 2.11 – Diagrama para a mistura binária POPC/SM. Adaptado de [85].
Ld+So
Ld
So
12
Em relação à mistura ternária (figura 2.12), pode-se observar que com o aumento da temperatura
há diferentes domínios, verificando-se que para misturas menos ricas em colesterol há variações nas
fases observadas. No entanto, na gama de temperaturas apresentada, a mistura equimolar (assinalada
a verde, na figura 2.12) apresenta-se sempre numa zona onde há equilíbrio entre a fase líquida
ordenada (Lo) e a fase líquida desordenada (Ld).
Figura 2.12 – Diagrama de fases ternário para a mistura POPC/SM/Chol a 22ºC, 34ºC e 46ºC. Adaptado de [85].
2.3. Ácidos Biliares
2.3.1. No Corpo Humano
Os ácidos biliares são produzidos no fígado, armazenados na vesícula biliar e lançados no duodeno
(figura 2.13) com o objetivo de facilitar a digestão. A sua principal função a, nível fisiológico, é a emulsão
e a promoção de absorção de moléculas, como vitaminas lipossolúveis, cálcio e gorduras que fazem
parte da dieta do ser humano, necessárias aos organismos vivos [86].
Possuem também uma ação anti-microbiana, prevenindo o crescimento descontrolado de bactérias
no intestino delgado [87]; [88].
Figura 2.13 – Representação do aparelho digestivo. Adaptado de [89].
13
2.3.2. Características
Os ácidos biliares são moléculas anfipáticas, constituídas por anéis alifáticos (três anéis de seis
lados e um de cinco), conhecidos como o núcleo esteroide, que possuem uma cadeia lateral acídica,
podendo possuir um ou mais grupos hidroxilo (-OH) na sua composição. [90]. Estes ácidos podem
também ser encontrados sob a forma de sais, que correspondem à espécie desprotonada, conjugada
com um ião (Na+, K+, Ca2+), podendo ainda ser encontrada conjugação com aminoácidos, como a
glicina [87].
Estas moléculas, apesar de estruturalmente semelhantes, diferem entre si em três aspetos: a
estrutura da cadeia lateral; a estereoquímica da fusão dos anéis (os anéis A e B (figura 14) podem ligar-
se de duas formas, apresentando uma conformação cis dando uma forma curva à molécula ou trans,
conferindo uma forma esticada); a distribuição do número, posição e estereoquímica dos grupos
hidroxilo do núcleo esteroide [91].
Figura 2.14 – Estrutura geral de um ácido biliar. Adaptado de [87].
Ao contrário das formas desprotonadas, os ácidos são moléculas fracamente solúveis em água [90].
No entanto, ambas as espécies são capazes de formar micelas, devido às interações entre as suas
cadeias hidrofóbicas, sendo que a existência e orientação de grupos hidroxilo nos anéis proporciona
uma maior ou menor hidrofobicidade à molécula e, como consequência, a sua concentração micelar
crítica (CMC) varia (maior hidrofobicidade implica menor CMC). Agemi et al. demonstraram que os
grupos hidroxilo são o fator mais importante na solubilidade deste tipo de ácidos em água [92]. A
presença de grupos hidroxilo com orientações opostas, torna as moléculas mais hidrofílicas e impede
a formação de micelas. Uma diminuição da cadeira lateral, que contém o grupo acídico também provoca
um aumento da hidrofilicidade e, portanto, origina um aumento da CMC. A orientação destes grupos
hidroxilo apresenta também grande influência na capacidade de solubilização dos fosfolípidos e do
colesterol pelos ácidos biliares.
A gama de concentrações fisiológicas reportadas é bastante variada. Savage et al [93], [94]
observaram que a concentração destes ácidos pode atingir um valor máximo de 20 mM, à saída do
estômago. No entanto, sabe-se que concentrações na ordem dos micromolar (µM) são capazes de
provocar alterações das membranas celulares [95];[96];[97].
Na tabela 2.1 apresentam-se algumas propriedades importantes dos ácidos biliares utilizados neste
trabalho: ácido deoxicólico (DCA) e ácido ursodeoxicólico (UDCA). O coeficiente de partição, P, é a
relação entre a concentração de uma substância numa fase orgânica e numa fase aquosa. Assim
quanto maior este fator, maior afinidade terá a molécula para a fase orgânica e, portanto, para interagir
com lípidos [98].
14
Tabela 2.1– Propriedades dos ácidos biliares utilizados no trabalho.
Ácido Bliar
Peso Molecular (g/mol)
CMC1 (mM)
Solubilidade em água (µM)
Log(P) pKa1
DCA 392.57 [99] 3 [98] [92] 10 [98] [92] 3.5 [100] 6.58 [101]
UDCA 392.58 [102] 7 [98] [92] 19 [98] [92] 3 [100] 5.29 [103]
1 em solução salina 150 mM NaCl.
Os valores de pKa destes ácidos (tabela 1), demostram que a pH 7.4, o utilizado para os estudos
efetuados neste trabalho, e proporcionado pelo tampão constituído por HEPES (ácido N-(2-
hidroxietil)piperazina-N'-2-etanossulfónico), os ácidos devem encontrar-se maioritariamente sob a
forma desprotonada.
2.3.3. Síntese
O único órgão capaz de proceder à transformação completa do colesterol nos seus derivados é o
fígado. São necessárias, no total, 17 enzimas diferentes para a síntese dos ácidos biliares, sendo que
a sua síntese ocorre em diferentes compartimentos celulares. Dado que alguns são citotóxicos a
regulação dos seus níveis tem de ser feita rigorosamente, havendo mecanismos de regulação génica
muito apertada. Erros no metabolismo e/ou regulação destes ácidos podem provocar doenças do foro
hepático, como falha do fígado e cirroses [87].
Em [87], [104] e [86] são descritos os processos de conversão do colesterol nos diferentes ácidos
biliares. A conversão envolve essencialmente 7 passos, como se pode observar na figura 2.15, dando
origem ao Ácido Cólico e ao Ácido Xeno-Deoxicólico, designados de “ácidos biliares primários” que,
por ação posterior de bactérias presentes no organismo, dão origem aos restantes ácidos biliares
conhecidos [105].
Os nomes atribuídos aos ácidos biliares geralmente têm origem na fonte da qual foram isolados
[92], por exemplo, um dos ácidos utilizados neste estudo, o Ácido Ursodeoxicólico, foi primeiro isolado
a partir da bílis de urso [106].
15
Figura 2.15 – Síntese dos ácidos biliares primários, a partir do colesterol. Adaptado de [104].
2.3.4. Ácido Deoxicólico
O Ácido Deoxicólico (figura 2.16) tem sido ligado ao cancro do cólon, sabendo-se que funciona como
promotor tumoral por alteração da sinalização celular, provocada pela destabilização da membrana [10]
[4]. O facto de este tipo de ações ser mais característico dos ácidos hidrofóbicos, não se observando
este efeito para os ácidos mais hidrofílicos, apoia o raciocínio de que as alterações são devidas a
perturbações a nível estrutural da membrana celular.
Apesar desse efeito do DCA, as suas propriedades fluidificantes podem ter aplicações benéficas
não só no tratamento de pedras na vesícula [107], mas também em outras áreas. Por exemplo Chen
et al. [108] mostram como micelas compostas por DCA, ácido fólico e polímero-inteligente de quitosano,
carregadas com um fármaco anti-cancerígeno podem ser utilizadas na formulação de novas
alternativas na administração de fármacos. Yang et al. [109] apresentam um estudo semelhante
utilizando amido em vez de quitosano. Ainda dentro do mesmo tema, Alam et al. [110], apresentaram
um estudo sobre como a formulação de micelas mistas de DCA e heparina, (um composto anti-
angiogénico, muito utilizado na prevenção da expansão de cancros) promove uma melhor absorção da
heparina e, consequentemente, a sua biodisponibilidade de modo a bloquear a formação de novos
vasos sanguíneos.
16
Figura 2.16 – Estrutura e configuração do ácido deoxicólico. Adaptado de [99].
2.3.5. Ácido Ursodeoxicólico
O Ácido Ursodeoxicólico foi isolado pela primeira vez, a partir do suco biliar de urso polar [106]. A
sua estrutura (figura 2.17) foi estabelecida em 1936 [92], após o que ocorreu um estímulo da indústria
para desenvolver métodos de síntese deste ácido e explorar as suas propriedades fisiológicas e
terapêuticas.
As propriedades terapêuticas centram-se em doenças do foro hepático. Conhecem-se propriedades
preventivas a nível do desenvolvimento de cancro do cólon [111], efeitos benéficos na doença hepática
gordurosa não alcoólica [112], geralmente associada a diabetes do tipo 2 [113] e que tem como
consequência final o aparecimento de cirrose [114],[115], e ainda na doença colestática [116],[117],
definida como uma condição patológica na qual o suco biliar não é lançado no duodeno, geralmente,
devido a um impedimento físico.
Atualmente existem diversas formas comerciais, como o Actigall® e o Urso Forte, cuja função básica
se centra na prevenção da absorção de colesterol, bem como na remoção e prevenção do
aparecimento de pequenas pedras na vesícula [118].
Figura 2.17 – Estrutura e configuração do ácido ursodeoxicólico. Adaptado de [102].
17
2.4. Técnicas Experimentais
2.4.1. Balança de Langmuir
As moléculas anfipáticas, constituídas por uma cadeia apolar e uma cabeça polar, organizam-se na
interface líquido-ar de modo a minimizar a energia livre. Assim sendo cria-se uma camada com uma
molécula de espessura, ou seja, uma camada monomolecular ou simplesmente monocamada [119].
As monocamadas podem formar-se espontaneamente por adsorção na superfície a partir da solução
aquosa (monocamadas de Gibbs) ou serem depositadas na interface ar-água (monocamadas de
Langmuir).
Moléculas orgânicas com cadeias hidrofóbicas com mais de 12 carbonos são extremamente
insolúveis em água, no entanto, dissolvendo estes lípidos num solvente orgânico volátil, como o
clorofórmio, e depositando esta mistura na interface ar-água, as moléculas espalham-se pela superfície
ocupando todo a área disponível, formando assim uma monocamada [120]; [91].
As monocamadas são um bom modelo para o estudo das membranas uma vez que representam
metade da bicamada que constitui as membranas celulares [20]; [79]. Através do uso das
monocamadas é possível estudar os vários estados de agregação da membrana, ou seja estudar como
se comportam os lípidos em termos de interações laterais [79]. As isotérmicas dão informação sobre,
estrutura, área, interações, transições de fase e compressibilidade dos sistemas [70]. De notar que nas
monocamadas ocorrem diversas transições entre estados, sendo estas transições correspondentes a
descontinuidades na isotérmica [121], tal como observado na figura 2.18.
Figura 2.18 – Exemplo de isotérmica obtida pela técnica evidenciando as diferentes fases de agregação: gás (G), líquido expandido (LE), líquido condensado (LC), sólido (S), e colapso da monocamada. Adaptado de [70].
Existem diversos mecanismos de colapso da monocamada, podendo haver a formação de
bicamadas na interface, micelas (quando o grupo polar da molécula anfipática é fortemente polar e se
a concentração for superior à CMC) ou vesículas (ocorre quando a parte polar é fracamente polar,
havendo interações entre a zona hidrofóbica das moléculas, como é o caso dos fosfolípidos) [119].
O equipamento para estudar as monocamadas designa-se por balança de Langmuir e consiste
(figura 2.19) numa tina, de um material hidrofóbico (geralmente o Teflon®), que se enche com a
LE
LC
G LE
18
subfase, barreiras móveis (uma ou duas) cuja função é comprimir a monocamada formada na interface
a velocidade constante, e um sensor de pressão superficial (placa de Wilhelmy). A tina deverá estar
ligada a um banho termostatizado, com o objetivo de controlar a temperatura do meio.
Figura 2.19 – Funcionamento de uma Balança de Langmuir. Adaptado de [20].
A pressão medida (Π) é a diferença ente a tensão superficial da água (𝛾0,cerca de 72,8 mN/m a
20ºC [119]) e a tensão superficial da interface onde está depositada a monocamada (𝛾), sendo então
descrita pela equação abaixo:
𝛱 = 𝛾0 − 𝛾 (2.1)
Com o decorrer da compressão as moléculas, que estavam inicialmente afastadas, são juntas
exercendo forças umas sobre as outras, e sobre a placa de Wilhelmy, sendo medida a variação da
tensão superficial do sistema. A representação gráfica da variação da pressão superficial em função
da área ocupada por molécula designa-se por isotérmica 𝛱 − 𝐴.
O comportamento da monocamada depende das propriedades das moléculas anfipáticas, da
subfase, da temperatura da subfase, do comprimento da cadeia hidrofóbica, e da magnitude de outras
forças coesivas/repulsivas [122].
2.4.2. QCM-D – Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação
A microbalança de cristal de quartzo (QCM-D), com dissipação, é uma técnica que permite fazer
medidas muito sensíveis de massa e propriedades viscoelásticas do material depositado sobre o sensor
[123]. É uma técnica aplicada na medição de processos de adsorção em meios líquidos [124] e gasosos
[125].
Este método tem por base o aproveitamento das propriedades piezoelétricas do quartzo e da
relação que existe entre a frequência de oscilação e a massa de material depositada no cristal [126];
[127].
Os sensores são formados a partir do corte de uma fina fatia com uma inclinação de 35º25’ em
relação ao eixo dos z’s do quartzo (identificado como corte AT), tal como demonstrado na figura 2.21.
Estes sensores podem ser revestidos com diferentes materiais, desde elementos como o ouro e o cobre
a óxidos ou polímeros, de acordo com o fim a que se destinam [128].
19
Figura 2.20 – Ilustração do corte realizado em cristais de quartzo para a formação dos sensores para a técnica. Adaptado de [129].
O princípio de funcionamento da microbalança baseia-se na oscilação de um cristal de quartzo, que
ao ser introduzido entre dois elétrodos que provocam um campo elétrico ao longo do cristal, oscila com
sua frequência de ressonância. A deposição de massa sobre o cristal irá alterar essa frequência de
vibração, podendo essa quantidade de massa ser quantificada de acordo com a equação de Sauerbrey
(equação 2.2):
𝛥𝑚 = −𝐶𝑓
𝑛𝛥𝑓 (2.2)
, na qual 𝐶𝑓é uma constante característica do sensor (para o caso dos cristais de quartzo utilizados,
𝐶𝑓= 17,7 ng.Hz-1cm-2) e n é o número da harmónica [130]; [131].
A relação de Sauerbrey é apenas válida para filmes rígidos, finos e distribuídos homogeneamente
sobre a superfície do cristal, portanto para filmes viscoelásticos, que não vibram acoplados à vibração
do cristal, esta equação subestima a massa adsorvida [131] [132], sendo necessário recorrer a outras
soluções matemáticas.
Esta mesma técnica tem a particularidade de além da frequência de ressonância do cristal (f),
detetar a dissipação de energia (D) que ocorre quando o campo elétrico aplicado no sistema é
desligado, medindo-se a quantidade de energia dissipada face à energia do sistema, sendo este
procedimento realizado várias vezes por segundo [133]; [134]. A dissipação é dada então pela seguinte
razão:
𝐷 =𝐸𝑑𝑖𝑠𝑠𝑖𝑝𝑎𝑑𝑎
2𝜋𝐸𝑎𝑟𝑚𝑎𝑧𝑒𝑛𝑎𝑑𝑎 (2.3)
É a partir deste fator que é possível distinguir se a camada adsorvida é viscoelástica ou rígida, sendo
que valores altos de dissipação são indicativas de filmes pouco rígidos e valores baixos indicam que o
material adsorvido forma uma camada rígida sobre a superfície do cristal [135]; [134].
Através dos valores de f e D para várias harmónicas (no mínimo duas) é possível calcular
parâmetros como a viscosidade (η), a espessura (δ) e o módulo de rigidez/cisalhamento (µ) do filme
adsorvido usando o modelo de Voigt (incorporado no software Qtools) [124]; [130], quando o filme
depositado sobre o cristal se tratar de um sólido viscoelástico [136].
20
2.4.3. DSC – Calorimetria Diferencial de Varrimento
A Calorimetria Diferencial de Varrimento (DSC) permite determinar a dependência da capacidade
calorífica de excesso (Cp) em função da temperatura (T), devido a transições de fase por efeito da
variação da temperatura. Os termogramas de capacidade calorífica dos lipossomas que sofrem estas
transições contêm informações sobre a entalpia e a entropia de transição de fase [137].
A DSC é sensível tanto à composição química dos lipossomas, como ao seu estado físico, podendo
ser utilizado como uma ferramenta para o controlo da qualidade dos lipossomas. Tendo o cuidado de
se escolher uma referência apropriada, com características calorimétricas pré-conhecidas é possível
avaliar a qualidade e estabilidade dos lipossomas preparados, já que cada tipo terá um termograma
distinto, dependendo da sua composição [137].
A partir de um termograma (figura 2.21) é possível obter informação sobre a temperatura média de
transição (temperatura à qual o Cp é máximo) e, por integração da área por baixo do gráfico, obtém-se
ainda a entalpia de transição de fase [137].
Figura 2.21 – Exemplo de Termograma. Adaptado de [138].
O princípio de funcionamento baseia-se na medida da quantidade de energia requerida para manter
a mesma temperatura nas duas células (a célula de referência e a que contém a amostra). Aumenta-
se a temperatura de todo o sistema a uma velocidade constante, assim se/enquanto o Cp for o mesmo,
a mudança é igual nas duas células. No entanto, quando se atinge uma transição de fase na amostra,
o calor fornecido, que deveria provocar o aumento da temperatura da célula, é consumido no processo
de transição de fase (que é um processo endotérmico, neste caso), observando-se um atraso no
aquecimento desta célula em relação à referência. Assim sendo, torna-se necessário adicionar uma
segunda fonte de calor à célula que contém a amostra, com o objetivo de manter as temperaturas das
duas células o mais próximo possível uma da outra. A observável experimental é então a energia
(elétrica) extra requerida para manter as duas células à mesma temperatura [139].
Um ensaio consiste em ciclos de aquecimento/arrefecimento, com uma velocidade constante de
aquecimento/arrefecimento, sendo que com a modificação deste gradiente, também o termograma
pode variar em forma. Este procedimento permite entender se o processo é reversível ou irreversível
[139].
Tt
21
2.4.4. 31P NMR – Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo
A Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo (31P-NMR) é uma ótima técnica para estudar a zona
polar dos fosfolípidos que constituem a membrana celular, mais concretamente, esta técnica permite
inferir sobre a organização das membranas [140], sendo especialmente útil no estudo de
biomembranas dada a abundância do isótopo 31P e a sua elevada razão giromagnética [141];[142].
Qualquer técnica de NMR assenta no princípio segundo o qual os núcleos, que têm momentos
magnéticos, se orientam de forma paralela ou anti-paralela segundo o campo magnético local, sendo
as duas configurações energéticas próximas. Assim, ao sujeitar estes núcleos à ação de um campo
magnético exterior promove-se a orientação dos núcleos de acordo com esse campo e, quando este é
removido, o decaimento energético dá informação sobre a estrutura local do núcleo. Por exemplo, a
largura de um pico depende das interações locais, deste modo, se o movimento for rápido o pico irá
ser mais afilado e se o movimento for lento esse pico será mais largo [64]; [143].
A forma do espectro de um lipossoma depende da movimentação do grupo polar, que contém o
fósforo, sobre a bicamada fosfolipídica, estando a largura associada à movimentação das cabeças
polares [144].
O desvio químico (δ) é uma medida da diferença entre as frequências de ressonância da amostra
em relação a um padrão externo, sendo contabilizado em partes por milhão (ppm). A anisotropia do
desvio químico (medida da largura do espectro), Δσ, é dada pela diferença entre o desvio químico
isotrópico (𝜎||, corresponde ao pico mais alto a campos baixos de desvio, e ao componente do tensor
paralelo ao eixo de rotação em relação ao campo magnético aplicado) e o anisotrópico (𝜎┴, corresponde
ao pico mais alto a campos altos de desvio, e ao componente do tensor perpendicular ao eixo de
rotação em relação ao campo magnético aplicado) [142]; [145].
Os espectros de 31P-NMR têm características muito bem definidas de acordo com as fases em que
os lípidos analisados se encontram. De modo a poder relacionar o comportamento das diferentes fases
com os espectros obtidos apresentam-se na figura 2.22 os exemplos para três tipos de sistemas, com
restrições diferentes [140]. Como se pode observar, o espectro para um lipossoma em fase ordenada
tem uma maior largura de base com um pico a campos altos, a fase hexagonal (que consiste de
estruturas tubulares agregadas) apresenta uma menor largura, com um pico a campos mais baixos
comparativamente aos lipossomas e no espectro de micelas observa-se um pico muito afilado com
desvio químico nulo, uma vez que os lípidos não têm restrição movimentacional [141].
22
3. Materiais e Métodos
3.1. Materiais A esfingomielina (SM, cérebro suíno; referência 860062) e o 1-palmitoil-2-oleoil-sn-glicero-3-
fosfocolina (POPC; referência 850457) foram adquiridos à Avanti Polar Lipids, Inc. O colesterol
(referência C8667), o ácido deoxicólico (referência D2510) e o ácido ursodeoxicólico (referência U5127)
são da Sigma Aldrich.
Outros reagentes relevantes para o trabalho como o HEPES (ácido N-(2-hidroxietil)piperazina-N'-2-
etanossulfónico; com 99.5% de pureza; referência H7637), o dodecil sulfato de sódio (SDS; referência
L3771) e o Clorofórmio (referência 52,873-0) são da Sigma Aldrich e o Metanol (referência M74056/17)
é da Fisher Chemical.
A amónia (referência 121129.1611), o cloreto de sódio (referência 121659.1211) e o peróxido de
hidrogénio (referência 121076.1211) utilizados são da Panreac.
Os detergentes como o Hellmanex II ® (referência 9-307-010-3-507) foi comprado à Hellma
Analytics e o Extran ® (referência 1.07555.2500) à Merck.
Na preparação de todas as soluções foi utilizada água Mili-Q (membranas milipore 0.22 µM de
diâmetro).
Para a preparação das soluções de ácido deoxicólico e ursodeoxicólico, usou-se um tampão com
uma concentração final de 10 mM em HEPES e 100 mM em NaCl, com um pH final de cerca de 7.4.
3.2. Preparação de Lipossomas A preparação dos lipossomas foi realizada de acordo com o protocolo conhecido e fornecido pela
Avanti Polar Lipids [146].
O extrusor utilizado no processo foi construído nas oficinas do Complexo Interdisciplinar, tendo sido
utilizadas membranas de policarbonato de 600 nm (referência 110608, Whatman), 200 nm (referência
110606, Whatman) e 100 nm da Marine Manufacturing LLC (referência 1215606). A concentração final
dos lipossomas obtidos foi de cerca de 1.12 mM ou 25 mM para o caso dos ensaios de RMN.
A preparação dos lipossomas envolve dois passos. No primeiro os lípidos são dissolvidos em
clorofórmio, sendo este evaporado com uma corrente branda de azoto, sendo posteriormente
submetidos a vácuo, de modo a remover quaisquer restos de solvente, durante um período de cerca
de 3 horas. O segundo passo envolve a hidratação do filme lipídico obtido. O filme é hidratado com
tampão HEPES e é colocado num banho a 65ºC durante cerca de 1 hora, com agitações intercalares
manuais e no vórtex.
A temperatura de 65ºC foi escolhida dado que a transição da esfingomielina termina a 55 ºC [147]
e a temperatura a que ocorre a preparação dos lipossomas deverá ser 10ºC acima da temperatura de
transição.
Após este processo, é necessário extrudir a suspensão de modo a obter vesículas unilamelares
grandes (LUVs). Para isso, faz-se passar a suspensão através de membranas de 600, 200 e 100 nm
sequencialmente, 5 a 10 vezes por cada membrana, de modo a obter uma suspensão com um tamanho
médio de lipossomas o mais homogéneo possível. Para promover a passagem da suspensão por cada
uma das membranas utlizadas são aplicadas pressões de azoto, respetivamente de 4, 8 e 12 bar. Os
23
lipossomas são guardados a 4ºC durante 1 semana, período após o qual as cadeias dos ácidos gordos
começam a sofrer hidrólise, o que promova a desintegração dos lipossomas [148].
3.3. Balança de Langmuir Todos os ensaios foram realizados numa tina média (KSV 5000, área de 5300 cm2) (KSV
instruments, Helsínquia) de teflon, com duas barreiras também de teflon. A Placa de Wilhelmy utilizada
era de platina, sendo conservada numa solução de etanol entre os ensaios.
Os ensaios foram realizados com compressão simétrica e uma velocidade de compressão de 5
mm/min para cada barreira (10 mm/min no total).
Foram preparadas soluções de cada um dos lípidos (POPC, SM e Colesterol) individualmente com
concentrações de cerca de 1 mM, numa mistura de Clorofórmio:Metanol (4:1). Procedeu-se do mesmo
modo para as soluções de DCA e UDCA que foram utilizadas para testar a interação destes com os
lípidos na interface. Para os restantes ensaios os ácidos foram dissolvidos no tampão de HEPES com
concentrações na ordem dos 13,3 µM.
De modo a iniciar o ensaio, a tina é cheia com a subfase (tampão HEPES 10 mM, NaCl 100 mM).
Em seguida, os lípidos são colocados sobre a subfase e espera-se cerca de 10 minutos até que o
solvente (clorofórmio) evapore, dando-se depois início à compressão.
Nos ensaios realizados com os ácidos dissolvidos na subfase, optou-se por adicioná-los por meio
de injeção com uma seringa de vidro de 5mL até obter a concentração pretendida na subfase.
Num outro tipo de estudos optou-se por incluir os ácidos biliares nas soluções de espalhamento,
sendo esta solução depositada na interface, procedendo-se posteriormente à compressão.
Utilizou-se um banho termostatizado a 25ºC de modo a manter a temperatura constante.
A lavagem da balança é realizada com acetona, etanol, água Mili-Q quente (cerca de 50ºC) e, por
fim, água Mili-Q à temperatura ambiente.
3.4. QCM-D – Microbalança de Cristal de Quartzo com Dissipação O equipamento utilizado foi uma Q-Sense E4 (Q-Sense AB, Gothenburg, Suécia), com quatro
câmaras para sensores e uma bomba (Ismatec IPC-N 4). Os sensores são cristais de quartzo
revestidos a ouro (corte AT (35º25’ de ângulo em relação ao eixo z do cristal, 4.95 MHz, 14 mm de
diâmetro) comprados à Q-Sense AB (Gotemburgo, Suécia).
Os cristais são tratados a dois ciclos de irradiação com luz UV-ciclo do Ozono, de 15 minutos cada,
realizado num equipamento PSD Series UV-Ozone Cleaning & Sterilization da Nocascan. Após cada
ciclo os cristais são lavados com água Mili-Q e secos com uma corrente branda de Azoto, com o
propósito de deixar a superfície mais hidrofílica [80].
Os ensaios foram monitorizados e registados pelo software Qsoft 401, registando-se os dados
relativos até à 9ª harmónica. Antes de cada ensaio é realizado um varrimento ao ar da frequência de
ressonância de cada cristal, bem como da dissipação.
Os ensaios realizados tiveram como linha de base o solvente, ou seja, o tampão HEPES, que foi
passado durante cerca de 10 minutos com um fluxo de 0.100mL/min, seguindo-se uma fase de
estabilização.
24
Os ensaios foram todos realizados a uma temperatura de 37ºC, utilizando uma suspensão de
lipossomas com concentração de 1.12 mM, e concentrações compreendidas entre 500 e 1000 µM para
os Ácidos Biliares.
Os ensaios dividem-se em quatro fases, uma primeira em que são passados os lipossomas, seguida
de uma lavagem com o HEPES de modo a remover os lipossomas não adsorvidos ao cristal. Em
seguida, introduzem-se os ácidos, e, por fim, volta-se a fazer uma lavagem com HEPES. Todas as
etapas têm tempos de estabilização de cerca de 30 minutos.
A limpeza da balança é feita com uma solução de SDS e com outra de Hellmanex, intercaladas por
água Mili-Q. Os cristais são lavados através de 3 ciclos consecutivos de ultrassons, o primeiro com
uma solução de SDS e as restantes com água Mili-Q, sendo por fim secos com um fluxo brando de
Azoto.
Para a modelação, usou-se o software Qtools, utilizando os dados da 3ª à 9ª harmónicas, e o modelo
de Voigt para a estimativa dos parâmetros viscoelásticos. A viscosidade e a densidade do fluido foram
admitidas idênticas às da água (0.001 Pa.s e 1000 Kg/m3) e a densidade do filme foi considerada como
1060 Kg/m3 [149]. Os valores estimados representam a médias dos obtidos em 3 ensaios e são
apresentados com os respetivos desvios padrão.
3.5. DSC – Calorimetria Diferencial de Varrimento
Os ensaios foram realizados num VP-DSC Micro-Calorimetro da MicroCal (Northampton, MA). As
células têm um volume de 0.585 mL, sendo a pressão no seu interior de ≈ 180 kPa. Os ensaios
consistem de cerca de 6 ciclos, 3 de aquecimento e 3 de arrefecimento, de modo a observar a
consistência e reprodutibilidade dos termogramas e portanto a estabilidade dos sistemas.
Os ciclos de aquecimento foram feitos entre as temperaturas de 10 e 50ºC, com uma velocidade de
aquecimento de 60ºC/hora. Para os arrefecimentos utilizou-se o mesmo procedimento, mas em sentido
contrário. Antes de cada ciclo, as amostras permaneceram durante 15 minutos a termostatizar à
temperatura de início do ciclo.
A célula de referência encontra-se preenchida com o tampão HEPES e as amostras foram
preparadas imediatamente antes da injeção no equipamento, com uma concentração final de lípidos
de 1.12 mM e de ácidos entre 500 e 900 µM.
As amostras que contêm lipossomas não foram sujeitas a desgaseificação, no entanto todas as
outras soluções, tais como, o tampão e as soluções de ácidos biliares, foram desgaseificadas
imediatamente antes da adição aos lipossomas. O total de amostra preparada foi de cerca de 1 mL por
cada ensaio de modo a garantir que a célula da amostra ficaria cheia, sendo o excesso removido com
uma seringa própria para o efeito.
Os termogramas (CP vs T) foram analisados com o software Origin 7.0 (OriginLab corporation,
Northampton, WA), tendo sido subtraído o termograma da célula de referência ao termograma da
amostra, de modo a eliminar os efeitos devidos ao solvente.
25
3.6. 31P NMR – Ressonância Magnética Nuclear de Fósforo
Os espectros de 31P foram obtidos utilizando um espectrómetro da Brucker Avance 500MHz
(UltraShield Plus Magnet) (Karlsruhe, Alemanha) com um campo magnético de 11.746 T, frequência
de 202.457 MHz de ressonância do 31P e uma sonda BBO de 5 mm. Todos os espectros foram obtidos
com desacoplamento de protões (31P{1H}).
Os espectros têm uma região espectral de 200 ppm, tempo de pulso 1.5 s e um pulso contínuo de
radiofrequência, para o desacoplamento. Os espectros foram submetidos a transformada de Fourier.
O tempo de aquisição de cada experiência foi de 1h, com 2000 scans.
Todos os espectros foram realizados com uma concentração em lípidos de 12.5 mM e 1.5 mM
de ácidos, às temperaturas de 12ºC, 25ºC e 37ºC. Não foi possível aumentar a proporção de modo a
manter as proporções utilizadas nas outras técnicas devido à solubilidade limitada dos ácidos no
tampão.
Os espectros foram analisados utilizando o software MestReNova ©.
26
4. Resultados e Discussão
4.1. Balança de Langmuir
4.1.1. Efeito do Colesterol
Na figura 4.1-A apresentam-se as isotérmicas -A, a 25ºC numa subfase de tampão HEPES (10
mM) com pH 7.4, dos diferentes lípidos utilizados neste estudo (curvas 1 a 3), bem como as duas
misturas estudadas (POPC/SM (1:1) (curva 4) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (curva 5). Na figura 4.1-B
encontram-se representadas as isotérmicas -A das misturas estudadas (curvas 1 e 3), bem como as
isotérmicas que resultariam da mistura ideal dos lípidos (curvas 2 e 4). O comportamento de mistura
ideal é observado quando a mistura pode ser descrita através da média ponderada entre as isotérmicas
dos compostos puros.
Figura 4.1 – Painel A-Isotérmicas -A dos compostos puros, POPC (curva 1), esfingomielina (curva 2) e colesterol (curva 3), da mistura binária POPC/SM (1:1) (curva 4) e da mistura ternária POPC/SM/Chol (1:1:1)
(curva 5), a 25ºC numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). No painel B, encontram-se representadas as isotérmicas traçadas das misturas binária (curva 1) e ternária (curva 3) e as que resultariam de uma mistura
binária ideal (curva 2) e de uma mistura ternária ideal (curva 4).
Em relação aos compostos puros, o POPC (figura 4.1, painel A, curva 1) apresenta uma isotérmica
com início na área de 115 Å2 /molécula, colapsando à pressão de 45 mN/m para uma área de 60
Å2/molécula, o que está de acordo com o reportado por Huynh et al. [150]. O processo de compressão
do POPC envolve a compressão de uma fase líquida expandida e não indica qualquer transição de
fase, uma vez que não se observam descontinuidades da isotérmica [150]. O facto de a isotérmica ter
início a áreas moleculares elevadas está relacionada com o facto do POPC apresentar uma insaturação
numa das suas cadeias de acilo, que dificulta a organização da monocamada.
A isotérmica da SM inicia-se a áreas moleculares de 89 Å2/molécula, terminando a 38 Å2 e pressões
de 57 mN/m. Esta isotérmica apresenta duas fases distintas (figura 4.1, painel A, curva 2), sendo
observável que ocorre uma transição entre uma fase líquida expandida (LE) para uma líquida
condensada (LC), denotada por um aumento do declive na isotérmica, entre cerca de 17 mN/m e 27
mN/M [151];[152].
O Chol apresenta uma isotérmica muito abrupta (figura 4.1, painel A, curva 3), com início a áreas
moleculares de 42 Å2/molécula e com um colapso a 36 Å2/molécula e a uma pressão de 44 mN/m. O
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Π(m
N/m
)
A (Å2/molec)
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(3) (4)
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N/m
)
A (Å2/molec)
(3)(1)
(2)(4)
A B
27
facto da isotérmica ser abrupta deriva do facto do colesterol ser uma molécula rígida e ao adoptar uma
orientação perpendicular à interface dá origem a uma monocamada extremamente incompressível
[152].
No painel B da figura 4.1 observa-se que a isotérmica da mistura binária (curva 1), até π≈20mN/m
se comporta de acordo com um comportamento de mistura ideal. No entanto, para pressões superiores
a 20 mN/m, não se observa a transição de fase característica da SM que levaria ao desvio da isotérmica
para áreas moleculares inferiores, tal como observado na isotérmica calculada através da média
ponderada dos componentes puros (curva 4). O colapso ocorre a uma pressão de 45 mN/m, tal como
observado no caso do POPC. Estes factos indicam que ao misturar a SM com o POPC, haverá um
efeito fluidizante por parte deste último que impede, total ou parcialmente, a agregação da SM em
domínios mais condensados.
Através da isotérmica obtida para a mistura ternária POPC/SM/Chol (figura 4.1, painel B, curva 3) é
notório que há um efeito condensante, quando comparada com a isotérmica que resultaria da mistura
ideal dos três componentes (figura 4.1, painel B, curva 4). Este efeito será devido à incorporação do
Chol na mistura, sendo que Yeagle et al. indicam que este fenómeno é observado tanto em fosfolípidos
saturados (SM) como em mono-insaturados (POPC) [34].
4.1.2. Efeito dos ácidos biliares dissolvidos na subfase
4.1.2.1. Efeito do DCA
Na figura 4.2 apresentam-se as isotérmicas -A traçadas com concentrações crescentes de DCA
dissolvido na subfase. No painel A encontra-se representado o efeito deste ácido na mistura binária
POPC/SM (1:1), e no painel B na mistura ternária POPC/SM/Chol (1:1:1).
Figura 4.2 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (1:1) (A) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (B), a 25ºC, numa
subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). As curvas identificadas com (1) correspondem à isotérmica do DCA
com uma concentração de 8 µM na subfase. A preto, contínuo, encontram-se as isotérmicas das misturas
lipídicas puras, apresentando-se as restantes, da esquerda para a direita, com concentrações crescentes (1.33
µM; 2.63 µM; 8 µM e 13.3 µM) de DCA dissolvido na subfase. O valor de A na abcissa representa a área
ocupada por molécula de lípido, exceto para as curvas (1) onde representa a área ocupada por molécula de
DCA.
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)
A (Å2/molec)
CDCA
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N/m
)
A (Å2/molec)
(1)
CDCA
A B
28
Da análise da figura 4.2 é possível observar o efeito que o DCA tem sobre as duas misturas lipídicas:
com o aumento da concentração de DCA na subfase há um desvio de toda a isotérmica para áreas por
molécula cada vez maiores.
Através da análise da isotérmica traçada a partir de uma solução de 8 µM de DCA, dissolvido no
tampão HEPES e na ausência de lípidos na interface (figura 4.2, curva 1), observa-se que o DCA altera
as características da subfase. A diferença observada é ao nível da diminuição da tensão superficial,
traduzida pelo aumento da pressão superficial verificado logo após a sua introdução na subfase
(grandes áreas moleculares).
A mistura binária POPC/SM (1:1) é mais afetada pela presença do DCA, do que a mistura ternária
POPC/SM/Chol (1:1:1), observando-se desvios maiores em relação à isotérmica da mistura pura. É
também, de notar que para áreas moleculares elevadas e pressões baixas, há uma maior penetração
do DCA na monocamada da mistura POPC/SM do que na mistura POPC/SM/Chol, indicada pelo
aumento da pressão superficial. O facto da pressão superficial ser superior para a mistura POPC/SM é
indicativo de uma maior incorporação do DCA nesta monocamada, do que a observada na presença
de colesterol.
4.1.2.2. Efeito do UDCA
Na figura 4.3 apresentam-se as isotérmicas -A traçadas com concentrações crescentes de UDCA
dissolvido na subfase. No painel A encontra-se representado o efeito deste ácido na mistura binária
POPC/SM (1:1), e no painel B na mistura ternária POPC/SM/Chol (1:1:1).
Figura 4.3 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (1:1) (A) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (B), a 25ºC numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). As curvas identificadas com (1) correspondem à isotérmica do UDCA com uma concentração de 8 µM na subfase. A preto contínuo encontram-se as isotérmicas das misturas lipídicas
puras, apresentando-se as restantes, da esquerda para a direita, com concentrações crescentes (1.33 µM; 2.63 µM; 8 µM e 13.3 µM) de UDCA dissolvido na subfase. O valor de A na abcissa representa a área ocupada por
molécula de lípido, exceto para as curvas (1) onde representa a área ocupada por molécula de DCA.
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)
A (Å2/molec)
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CUDCA
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Π(m
N/m
)
A (Å2/molec)
CUDCA
(1)
A B
29
Da análise das isotérmicas traçadas com diferentes concentrações de UDCA observa-se que este
ácido penetra muito pouco na monocamada, uma vez que o aumento da área molecular média é muito
pequeno. O efeito é ligeiramente superior para o caso da mistura POPC/SM (figura 4.3, painel A) do
que para o caso da mistura POPC/SM/Chol (figura 4.3, painel B). De notar que, para ambas as misturas
lipídicas, as concentrações de 1.33 e 2.63 μM se encontram invertidas, ou seja, observa-se um desvio
para áreas moleculares maiores para a menor concentração. Em relação a esta observação, no caso
da mistura binária 1:1 POPC/SM, observa-se que a diferença é muito pequena, assim este fenómeno
encontra-se dentro do erro experimental. Já para o caso da mistura ternária a “contração” da
monocamada poderá ser explicada pela interação do UDCA com os domínios de colesterol, por
ligações de hidrogénio, promovendo uma maior compactação da monocamada.
Do mesmo modo que no caso do DCA, foi traçada uma isotérmica de UDCA dissolvido na subfase
(CUDCA = 8 µM) na ausência de lípidos (figura 4.3, curva 1). Como se pode observar na figura 4.3, não
há alteração da pressão superficial, ao contrário do que ocorre para o DCA (figura 4.2, curva 1).
Uma vez que a variação de área observada é pequena e há um aumento da pressão de colapso,
verificado para as concentrações de 8 µM e 13,3 µM, em ambas as misturas lipídicas, pensa-se que o
UDCA deverá interagir com as zonas polares dos lípidos, promovendo uma estabilização da
monocamada [153].
4.1.2.3. Efeito da Mistura
Na figura 4.4 apresentam-se os resultados relativos à influência que a mistura 1:1 de DCA:UDCA
tem nos dois sistemas estudados (mistura POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B)).
Figura 4.4 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (1:1) (A) e POPC/SM/Chol (1:1:1) (B), a 25ºC numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). A preto contínuo encontram-se as isotérmicas das misturas lipídicas,
apresentando-se as restantes, da esquerda para a direita, com concentrações crescentes (1,33 µM; 2.63 µM; 8 µM e 13.3 µM) da mistura 1:1 DCA/UDCA dissolvida na subfase.
De modo a proceder a uma comparação entre os sistemas estudados (misturas equimolares
POPC/SM e POPC/SM/Chol e ácidos DCA, UDCA e DCA/UDCA) apresenta-se em seguida a variação
da área molecular média (em percentagem) em função da concentração dos ácidos biliares na subfase,
a duas pressões diferentes (figura 4.5). A pressão de 30 mN/m foi escolhida por ser considerada a
pressão à qual é possível comparar o comportamento da monocamada a bicamadas lipídicas [150].
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N/m
)
A (Å2/molec)
CAc
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Π(m
N/m
)
A (Å2/molec)
CAc
A B
30
Todos ensaios foram repetidos três vezes de modo a testar a reprodutibilidade dos ensaios, não tendo
sido observados resultados discrepantes entre os mesmos. Assim, foi utilizado o valor médio registado
nos ensaios.
As variações de área molecular foram calculadas com base na seguinte equação:
ΔA
A0=
A−A0
A0 (4.1)
, onde A0 representa a área molecular média registada, a uma determinada pressão superficial (π = 15
mN/M ou 30 mN/m), para a isotérmica da mistura lipídica pura e A representa a área molecular média
registada na isotérmica das misturas lipídicas colocadas sobre a subfase que contém diferentes
concentrações dos ácidos biliares.
Figura 4.5 – Variação da área molecular média de lípido em função da concentração dos ácidos biliares na
subfase: DCA (bolas a cheio), do UDCA (bolas em aberto), da mistura DCA/UDCA (1:1) (quadrados a cheio), (A e B) na mistura binária POPC/SM (1:1), (C e D) na mistura ternária POPC/SM/Chol (1:1:1), a 15mN/m (A e C) e a
30 mN/m (B e D).Os triângulos representam o efeito da mistura DCA/UDCA (1:1) calculado com base na regra de aditividade do efeito dos componentes isolados.
Da análise da figura 4.5 é possível concluir que o DCA apresenta a maior influência nas
monocamadas estudadas (misturas lipídicas equimolares POPC/SM e POPC/SM/Chol) sendo maiores
os desvios na mistura binária face à ternária. Esta observação deverá estar relacionada com o facto de
que a introdução de colesterol na monocamada leva à formação de domínios mais rígidos, ricos em
esfingomielina e colesterol, onde a penetração do DCA é mais difícil, resultando numa menor
incorporação do ácido na monocamada.
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ΔA
/A0
C (µM)
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0,3
0,4
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0 2 4 6 8 10 12 14
ΔA
/A0
C (µM)
0,00
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0,10
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0,20
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0 2 4 6 8 10 12 14
ΔA
/A0
C (µM)
0,00
0,05
0,10
0,15
0,20
0,25
0 2 4 6 8 10 12 14
ΔA
/A0
C (µM)
A C
B D
(π=15 mN/m) (π=15 mN/m)
(π=30 mN/m) (π=30 mN/m)
31
O efeito da mistura equimolar dos ácidos dissolvidos na subfase (quadrados) é comparado com o
efeito aditivo calculado pela média das variações observadas para cada ácido (triângulos) para a
mistura binária POPC/SM (figura 4.5, painéis A e B) e ternária POPC/SM/Chol (figura 4.5, painéis C e
D). Observou-se em ambos os sistemas uma variação experimental superior ao valor calculado,
sugerindo um efeito sinergístico entre os dois ácidos. Esta observação parece indicar que a presença
de DCA promove a incorporação de UDCA nas monocamadas lipídicas. Este efeito cooperativo é
especialmente acentuado no caso da mistura ternária POPC/SM/Chol (figura 4.5, painéis C e D), onde
para baixas concentrações se observa um aumento de área superior ao observado na presença de
DCA puro. Este resultado indica que deverá haver uma interação preferencial dos ácidos biliares com
a membrana lipídica na presença do colesterol.
4.1.3. Efeito dos ácidos biliares espalhados na superfície
4.1.3.1. Efeito do DCA
De modo a observar de que modo a incorporação dos ácidos biliares influencia a formação da
monocamada, quando espalhado em conjunto com os lípidos, foram feitas misturas de espalhamento
(em clorofórmio) dos lípidos em conjunto com os ácidos em diferentes proporções. Estas soluções
foram espalhadas na interface, tendo-se traçado as isotérmicas resultantes (figura 4.6).
Figura 4.6 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B), a 25ºC, numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). A preto contínuo encontra-se representada a mistura lipídica pura estando as restantes
isotérmicas representadas, da esquerda para a direita, de acordo com o aumento da fração molar de DCA na solução de espalhamento (xac = 0.67; 0.75 e 0.8 (para POPC/SM) e xac = 0.3; 0.5; 0.7 e 0.8 (para
POPC/SM/Chol)).
No geral observa-se a incorporação do DCA na monocamada formada. O desvio observado é tanto
maior quanto maior a fração de ácido biliar na solução de espalhamento. De notar que o efeito é mais
acentuado para a mistura POPC/SM/Chol (painel B) face à mistura POPC/SM (painel A), ao contrário
do observado quando se dissolve o DCA na subfase (figura 4.2). Esta observação poderá indicar uma
afinidade preferencial para o colesterol. Poderá haver a incorporação de dímeros deste ácido na
monocamada, tal como proposto por Ben Mouaz et al. [18] para a localização deste ácido em
lipossomas de fosfatidilcolina.
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30 50 70 90 110 130
Π(m
N/m
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A (Ų/molec)
xDCA
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Π(m
N/m
)
A (Ų/molec)
xDCA
A B
32
4.1.3.2. Efeito do UDCA
Na figura 4.7 encontram-se representadas as isotérmicas -A resultantes da mistura dos lípidos com
diferentes proporções de UDCA. No painel A encontram-se representadas as isotérmicas para a
mistura POPC/SM (1:1) e no painel B para a mistura POPC/SM/Chol (1:1:1).
Do mesmo modo que em relação ao DCA, observa-se uma maior influência/incorporação do UDCA
na mistura POPC/SM/Chol (painel B) face à mistura POPC/SM (painel A), sendo o oposto ao verificado
na dissolução do ácido na subfase (figura 4.3).
Figura 4.7 – Isotérmicas-A das misturas POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B), a 25ºC, numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). A preto contínuo, encontra-se representada a mistura lipídica pura estando as restantes isotérmicas representadas, da esquerda para a direita, de acordo com o aumento da fração molar de UDCA na
solução de espalhamento (xac = 0.67; 0.75 e 0.8 (para POPC/SM) e xac = 0.3; 0.5; 0.7 e 0.8 (para POPC/SM/Chol)).
É possível observar que na mistura POPC/SM (painel A) o desvio é pequeno para todas as
concentrações experimentadas, o que poderá ser explicado pela maior solubilidade do UDCA na
subfase. No caso da mistura ternária (figura 4.7, painel B) observa-se, de um modo geral, um aumento
significativo e proporcional à fração de ácido na solução de espalhamento, o que deverá ser atribuído
à presença de colesterol. Isto significa que o colesterol terá tendência a reter uma maior quantidade de
UDCA à superfície. De notar que, para a menor fração de UDCA (linha preto a tracejado, painel B),
observa-se uma contração da monocamada lipídica, o que poderá estar relacionado com um aumento
de coesão na monocamada induzido pela presença de colesterol.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
30 50 70 90 110 130
Π(m
N/m
)
A (Ų/molec)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
20 40 60 80 100 120
Π(m
N/m
)
A (Ų/molec)
xUDCA
xUDCA
A B
33
4.1.3.3. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA
O efeito que a incorporação da mistura DCA/UDCA (1:1) na solução de espalhamento provoca nas
isotérmicas -A encontra-se representado na figura 4.8.
Figura 4.8 – Isotérmicas -A das misturas POPC/SM (A) e POPC/SM/Chol (B), a 25ºC, numa subfase de tampão HEPES 10 mM (pH 7.4). A preto contínuo encontra-se representada a mistura lipídica pura estando as restantes isotérmicas representadas, da esquerda para a direita, de acordo com o aumento da fração molar da mistura 1:1 DCA/UDCA na solução de espalhamento (xac = 0.67; 0.75 e 0.8 (para POPC/SM) e xac = 0.3; 0.5; 0.7 e 0.8 (para
POPC/SM/Chol)).
O efeito que a mistura 1:1 de DCA/UDCA tem nas isotérmicas π-A (figura 4.8), quando é incorporado
na solução de espalhamento, é semelhante ao verificado para a incorporação de cada um dos ácidos
em separado (figuras 4.6 e 4.7). Assim, o aumento da fração de ácidos biliares na solução de
espalhamento aumenta o desvio da isotérmica -A para maiores áreas.
De modo a comparar o efeito dos ácidos optou-se por representar a variação da área molecular
média (em percentagem) em função às pressões de 5 mN/m e de 15mN/m, em função da fração de
ácidos biliares incluídos na solução de espalhamento (figura 4.9). As variações de área molecular média
foram calculadas a partir da equação (4.1), sendo que, neste caso, A representa a área molecular
média registada para as misturas lipídicas, contendo diferentes frações molares de ácidos biliares na
sua constituição.
É possível observar que, ao contrário do que acontece quando os ácidos são dissolvidos na subfase
(figura 4.5), neste caso as moléculas de ácido têm mais tendência a associar-se à mistura ternária.
Este efeito deverá ser promovido pela interação preferencial dos ácidos com os domínios ricos em
colesterol promovendo, assim, uma maior incorporação na monocamada da mistura ternária
POPC/SM/Chol.
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
30 50 70 90 110 130
Π(m
N/m
)
A (Ų/molec)
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
20 40 60 80 100 120
Π(m
N/m
)
A (Ų/molec)
xAc
xAc
A B
34
Figura 4.9 – Variação da área molecular média de lípido em função da fração molar de ácidos biliares incluídos na mistura de espalhamento: DCA (bolas a cheio), do UDCA (bolas em aberto), da mistura DCA/UDCA (1:1) (quadrados a cheio). (A e B) na mistura binária POPC/SM (1:1), (C e D) na mistura ternária POPC/SM/Chol
(1:1:1), a 5mN/m (A e C) e a 15 mN/m (B e D).Os triângulos representam o efeito da mistura DCA/UDCA (1:1) calculado com base na regra de aditividade do efeito dos componentes isolados. (xac = 0.67; 0.75 e 0.8 (para
POPC/SM) e xac = 0.3; 0.5; 0.7 e 0.8 (para POPC/SM/Chol)).
Pode-se observar que, neste caso, o efeito da mistura DCA/UDCA 1:1 se assemelha, em geral, ao
efeito calculado com base na regra de aditividade dos efeitos dos componentes isolados. Apesar de se
observar um maior desvio proporcionado pelo DCA, para a monocamada constituída por POPC/SM, à
pressão de 15 mN/m ambos os ácidos influenciam de forma semelhante o desvio da isotérmica, i. e.
quando os ácidos biliares são espalhados em conjunto com os lípidos na interface promove-se uma
maior inserção destes na monocamada. A baixa incorporação do UDCA quando espalhado na subfase,
poderá ser explicado pelo facto deste ácido ser mais hidrofílico e, portanto, quando dissolvido na
subfase não ter tendência a perturbar a monocamada, apenas interagindo com as cabeças polares dos
lípidos. Observa-se, também, para o caso do espalhamento em conjunto (figura 4.9) uma maior
inserção deste na presença de colesterol (painéis C e D).
4.1.4. Conclusões Gerais
A introdução de colesterol na mistura lipídica promove uma compactação da monocamada;
Quando dissolvido na subfase, o DCA tem uma maior influência na monocamada, do que o UDCA,
sendo observada uma incorporação deste ácido tanto maior quanto maior a sua concentração;
-0,05
0,05
0,15
0,25
0,35
0,6 0,7 0,8 0,9
ΔA
/A0
xAc
(π=5 mN/m)A
-0,05
0,05
0,15
0,25
0,35
0,2 0,4 0,6 0,8
ΔA
/A0
xAc
(π=5 mN/m)C
-0,05
0,05
0,15
0,25
0,6 0,7 0,8 0,9
ΔA
/A0
xAc
(π=15 mN/m)B
-0,05
0,05
0,15
0,25
0,2 0,4 0,6 0,8
ΔA
/A0
xAc
(π=15 mN/m)D
35
O UDCA quando é dissolvido na subfase apresenta uma pequena influência na monocamada, sendo
que promoverá uma estabilização por interação com os grupos polares dos lípidos;
A mistura 1:1 de DCA/UDCA quando dissolvida na subfase, apresenta um efeito maior do que o
observado no caso do DCA isolado (há um deslocamento da isotérmica para maiores áreas
moleculares) para as concentrações mais baixas, invertendo-se a tendência para a maior
concentração analisada. Deste modo, pensa-se que o efeito fluidizante do DCA poderá promover a
incorporação de UDCA na monocamada;
Em relação aos resultados obtidos quando se espalham os lípidos em conjunto com os ácidos sobre
a superfície, é de notar que o comportamento da mistura pode ser considerado ideal uma vez a
variação de área molecular observada é aproximadamente igual à média dos dois ácidos. Isto
significa que na interface há um aumento das interações dos ácidos com os grupos polares dos
lípidos que constituem a monocamada em detrimento das respetivas interações com a água na
subfase;
De notar, ainda, sobre o efeito que a presença de colesterol na mistura lipídica tem no
comportamento da monocamada. Quando os ácidos são dissolvidos na subfase o colesterol
promove a compactação da monocamada, impedindo a incorporação destes na mesma. Contudo,
quando os ácidos biliares são espalhados em conjunto com a solução de espalhamento há uma
inversão deste comportamento, registando-se um maior desvio registado quando há colesterol na
monocamada.
4.2. QCM-D
Na figura 4.10 encontra-se representado um exemplo da variação da frequência e da dissipação da
3ª harmónica durante a adsorção dos lipossomas à superfície do cristal de quartzo revestido a ouro.
A escolha da monitorização da 3ª harmónica durante o decorrer dos ensaios deve-se ao facto desta
ser a harmónica com maior profundidade de penetração, dando assim informação sobre a interface.
Além disso apresenta bons resultados não contendo ruído devido a oscilações exteriores [154].
Figura 4.10 – Exemplo da variação da frequência (a preto) e da dissipação (a cinzento) da 3ª harmónica para uma experiência de adsorção dos lipossomas no cristal de quartzo a 37ºC. Lipossomas POPC/SM à esquerda e
POPC/SM/Chol à direita. (1) Adição de lipossomas; (2) enxaguamento.
(1)
(2) (2) (1)
36
Observa-se na figura 4.10, um desvio da frequência para valores negativos após a introdução dos
lipossomas, sendo que estes valores estão de acordo com os observados anteriormente para a
adsorção destas vesículas em superfícies de ouro [155]. A adsorção é irreversível dado que com o
enxaguamento não há uma variação significativa dos valores da frequência e da dissipação.
Além da variação da frequência, o aumento da dissipação está de acordo com o facto da camada
formada não ser rígida, sendo então necessário utilizar modelos viscoelásticos para a modelação das
propriedades [136].
4.2.1. Efeito do Colesterol
Na figura 4.11 apresentam-se os valores médios para a variação observada na 3ª harmónica da
frequência de ressonância obtidos para a adsorção de lipossomas de mistura binária e ternária e
utilizados para a modelação das propriedades viscoelásticas.
Figura 4.11 – Variação de frequência e de dissipação da 3ª harmónica, observados quando se dá a adsorção
dos lipossomas aos cristais de quartzo. A preto encontram-se os dados correspondentes aos lipossomas POPC/SM e a cinzento POPC/SM/Chol.
Tal como esperado, observa-se um maior desvio para os lipossomas correspondentes à mistura
ternária POPC/SM/Chol, o que poderá ser explicado pela pequena deformação sofrida por estes
lipossomas durante o processo de adsorção. Uma maior deformação deverá ser observada para os
lipossomas da mistura binária POPC/SM dado que à temperatura de 37ºC se encontram numa fase
desordenada, tendo tendência a ocupar uma maior área face aos lipossomas de POPC/SM/Chol que
se encontram numa fase mais ordenada. Em resultado, estes lipossomas não se deformarão tanto,
levando à deposição de uma maior quantidade de lipossomas sobre o cristal e, portanto, um desvio
maior para frequência mais negativas [154]. Em relação aos valores da dissipação, ambos os valores
são elevados o que está de acordo com o pressuposto dos lipossomas adsorvidos ao cristal terem
propriedades viscoelásticas [136].
Na tabela 4.1 mostram-se os parâmetros viscoelásticos, obtidos através da modelação com o
recurso à ferramenta Qtools3, para os lipossomas das misturas estudadas (POPC/SM e
POPC/SM/Chol) adsorvidos aos cristais.
Tabela 4.1 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM e POPC/SM/Chol a 37ºC. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros POPC/SM POPC/SM/Chol
Viscosidade (mPa.s) 1,9 ± 0,2 2,5 ± 0,3
Módulo cisalhamento (kPa) - 4 ± 2
Espessura (nm) 106 ± 9 109 ± 10
37
Os lipossomas da mistura ternária apresentam uma viscosidade maior, dada a existência de fases
ordenadas nestes lipossomas. Em termos da espessura estimada para os lipossomas, os valores são
muito semelhantes embora a espessura dos lipossomas da mistura ternária seja ligeiramente maior.
Quanto ao módulo de cisalhamento, não é possível comparar porque não se obtiveram valores
adequados para os lipossomas de POPC/SM.
4.2.2. Efeito do DCA
Na figura 4.12 mostra-se a variação dos diferentes harmónicos da frequência e dissipação ao longo
de ensaios de QCM-D em que se adiciona solução de DCA (1000 µM) às camadas de lipossomas
adsorvidos com composição POPC/SM (em cima) e POPC/SM/Chol (em baixo). Os símbolos
representam os valores médios e os respetivos desvios-padrão das variações de frequência e de
dissipação obtidos em cada passo das experiências: adsorção dos lipossomas (Lipo), enxaguamento
com tampão de HEPES (Hepes), introdução da solução do ácido DCA de concentração 1000 µM (Ácido
In), estabilização (Ácido F), e enxaguamento final (Hepes). Gráficos análogos correspondentes às
concentrações de DCA de 500 µM e 750 µM são apresentados em anexo (figuras A.1 e A.2). Na figura
4.13 comparam-se os valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita)
da 3ª harmónica ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas.
Figura 4.12 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio
afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (baixo) com 1 mM de DCA. Cinzento-escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento
claro: 9ª harmónica.
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
38
Figura 4.13 – Valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita) da 3ª harmónica
ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas. Topo: lipossomas POPC/SM; Baixo: lipossomas POPC/SM/Chol. A preto: valores médios dos lipossomas, cinzento-escuro: após enxaguamento;
cinzento: após adição do ácido; cinzento claro: após enxaguamento final.
Da análise das figuras 4.12 e 4.13 é notório que o efeito do primeiro enxaguamento é sempre
desprezável, indicando que o processo de adsorção dos lipossomas ao cristal é irreversível. A adição
do DCA aos lipossomas de POPC/SM e de POPC/SM/Chol produz um desvio positivo na frequência e
uma diminuição da dissipação que se acentuam com o aumento da concentração. A única exceção
verifica-se na interação de DCA (500 µM) com a mistura binária que levou a um desvio negativo na
frequência e a um aumento da dissipação.
Para poder interpretar as variações simultâneas de frequência e dissipação obtidas, fez-se a
modelação das propriedades viscoelásticas das camadas de lipossomas adsorvidos. Nas tabelas 4.2
a 4.7 apresentam-se os parâmetros resultantes para os dois tipos de lipossomas estudados a interagir
com diferentes concentrações de DCA (500 µM, 750 µM e 1000 µM). Os valores referem-se às
situações de equilíbrio atingido após cada introdução.
Tabela 4.2– Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 500 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio
padrão.
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
500 µM 750 µM 1000 µMΔ
f 3(H
z)
0
10
20
30
40
50
60
500 µM 750 µM 1000 µM
ΔD
3(1
0-6
)-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
500 µM 750 µM 1000 µM
Δf 3
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
500 µM 750 µM 1000 µM
ΔD
3(1
0-6
)
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 1.86 ± 0.09 1.8 ± 0.1 1.9 ± 0.2 1.8 ± 0.2
Módulo cisalhamento (kPa) 2 ± 1 2 ± 1 - 2 ± 1
Espessura (nm) 105 ± 6 106 ± 6 115 ± 7 109 ± 6
39
Tabela 4.3 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 500 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ±
desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.4 ± 0.2 2.3 ± 0.2 2.1 ± 0.2 2.1 ± 0.2
Módulo cisalhamento (kPa) 5 ± 2 5 ± 2 6.5 ± 0.6 5 ± 3
Espessura (nm) 116 ± 7 116 ± 7 114 ± 10 111 ± 9
Tabela 4.4 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 750 µM
de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio
padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 1.9 ± 0.1 1.91 ± 0.05 1.76 ± 0.03 1.67 ± 0.05
Módulo cisalhamento (kPa) - - - -
Espessura (nm) 108 ± 8 104 ± 4 118 ± 4 104 ± 3
Tabela 4.5 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 750 µM de DCA a 37ºC. estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ±
desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.33 ± 0.04 2.28 ± 0.03 1.98 ± 0.07 1.94 ± 0.09
Módulo cisalhamento (kPa) - - - -
Espessura (nm) 106 ± 5 103 ± 6 101 ± 8 108 ± 8
Tabela 4.6 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 1000 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio
padrão.
Parâmetros Lipossomas Hepes Ácido Hepes
Viscosidade (mPa.s) 2.0 ± 0.2 1.93 ± 0.2 1.8 ± 0.2 1.8 ± 0.2
Módulo cisalhamento (kPa) - - - -
Espessura (nm) 106 ± 8 107 ± 9 85 ± 7 85 ± 8
Tabela 4.7 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 1000 µM de DCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-se como média ±
desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas Hepes Ácido Hepes
Viscosidade (mPa.s) 2.4 ± 0.3 2.4 ± 0.2 1.5 ± 0.2 1.5 ± 0.2
Módulo cisalhamento (kPa) 4.7 ± 0.7 3.5 ± 0.2 2 ± 1 2 ± 1
Espessura (nm) 108 ± 10 108 ± 10 100 ± 10 105 ± 11
A adição de DCA aos lipossomas de POPC/SM traduz-se essencialmente num aumento da
espessura para as concentrações de 500 µM e 750 µM, podendo este aumento ser atribuído à adsorção
do DCA. Para a concentração de 1000 µM a espessura diminui em resultado da solubilização de lípidos
e consequente rutura de lipossomas. Estes resultados estão de acordo com os reportados por Schubert
et al. [19] que indicam a incorporação dos ácidos no sistema até atingir um máximo a partir do qual
promovem a disrupção dos lipossomas. No caso da mistura ternária, a espessura dos lipossomas
diminui ligeiramente com a adição do DCA e é ao nível da viscosidade e do módulo de cisalhamento
que se verificam maiores alterações, em particular, para a concentração de 1000 µM. A diminuição da
viscosidade e rigidez dos lipossomas sugere que este ácido deverá promover uma desordenação da
40
bicamada dos lipossomas que pode levar à perda de água intersticial, sem, no entanto, levar à sua
rutura.
4.2.3. Efeito do UDCA
Na figura 4.14 encontram-se representados os valores médios registados para as variações da
frequência e da dissipação, afetados dos desvios-padrão correspondentes, para os ensaios em que se
adiciona solução de UDCA (1000 µM) às camadas de lipossomas adsorvidos com composição
POPC/SM (em cima) e POPC/SM/Chol (em baixo). Gráficos análogos correspondentes às
concentrações de DCA de 500 µM e 750 µM são apresentados em anexo (figuras A.3 e A.4).
Figura 4.14 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio
afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (em baixo) com 1 mM de UDCA. Cinzento-escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica;
cinzento claro: 9ª harmónica.
Como se pode observar, a interação dos lipossomas com o UDCA é bastante pequena, observando-
se que a introdução do ácido promove uma ligeira diminuição da frequência, acompanhada por um
aumento da dissipação. Tal facto indica que deverá haver adsorção do ácido a ambos os lipossomas.
É de notar o facto de, para os lipossomas POPC/SM, após o enxaguamento final, haver a reversão dos
valores de frequência e dissipação para os observados anteriormente à promoção da interação com o
UDCA.
Na figura 4.15 comparam-se os valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da
dissipação (à direita) da 3ª harmónica ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações
estudadas.
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
41
Figura 4.15 – Valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita) da 3ª harmónica
ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas. Topo: lipossomas POPC/SM; Baixo: lipossomas POPC/SM/Chol. A preto: valores médios dos lipossomas, cinzento escuro: após enxaguamento;
cinzento: após adição do ácido; cinzento claro: após enxaguamento final.
Analisando o efeito do UDCA com o aumento da concentração (figura 4.15) observa-se que, para a
mistura POPC/SM há uma ligeira diminuição da frequência, acompanhada por um aumento da
dissipação, quando a solução de UDCA é adicionada ao sistema. No entanto, estas variações
registadas não parecem seguir uma tendência com a variação da concentração, mantendo-se dentro
da mesma gama de valores. Em relação à mistura ternária POPC/SM/Chol apesar de pouco notório,
ocorre uma pequena variação da frequência com o aumento da concentração. Para a concentração de
500 µM, em média, não se verifica variação da frequência quando o UDCA é adicionado, no entanto,
para a concentração de 1000 µM há uma ligeira diminuição do valor registado. Os valores médios da
dissipação aumentam ligeiramente quando a solução é introduzida, não se observando uma variação
de acordo com a concentração, sendo os valores semelhantes.
Nas tabelas 4.8 a 4.13 apresentam-se os parâmetros resultantes da modelação viscoelástica dos
dados obtidos para os dois tipos de lipossomas estudados a interagir com diferentes concentrações de
UDCA (500 µM, 750 µM e 1000 µM). Os valores referem-se às situações de equilíbrio atingido após
cada introdução.
Tabela 4.8 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 500 µM da UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio
padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 1.9 ± 0.1 1.9 ± 0.1 1.9 ± 0.1 1.9 ± 0.1
Módulo cisalhamento (kPa) 7 ± 3 7 ± 3 8 ± 4 8 ± 4
Espessura (nm) 96 ± 3 96 ± 3 98 ± 4 96 ± 4
-350
-300
-250
-200
-150
500 µM 750 µM 1000 µMΔ
f 3(H
z)
0
10
20
30
40
50
60
500 µM 750 µM 1000 µM
ΔD
3(1
0-6
)
-350
-300
-250
-200
-150
500 µM 750 µM 1000 µM
Δf 3
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
500 µM 750 µM 1000 µM
ΔD
3(1
0-6
)
42
Tabela 4.9 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 500 µM da UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ±
desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.5 ± 0.1 2.47 ± 0.09 2.46 ± 0.09 2.45 ± 0.08
Módulo cisalhamento (kPa) 6.9 ± 0.6 5 ± 1 5 ± 1 5 ± 1
Espessura (nm) 108 ± 4 108 ± 4 108 ± 4 108 ± 4
Tabela 4.10 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 750 µM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio
padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.0 ± 0.1 2.0 ± 0.1 2,0 ± 0.1 1.9 ± 0.1
Módulo cisalhamento (kPa) 4 ± 1 4 ± 1 4.3 ± 0.7 4.0 ± 0.7
Espessura (nm) 108 ± 5 109 ± 5 116 ± 6 112 ± 6
Tabela 4.11 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 750 µM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ±
desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.5 ± 0.20 2.5 ± 0.2 2.5 ± 0.2 2.5 ± 0,2
Módulo cisalhamento (kPa) - - - -
Espessura (nm) 108 ± 3 109 ± 3 115 ± 4 113 ± 4
Tabela 4.12 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 1 mM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio
padrão.
Parâmetros Lipossomas Hepes Ácido Hepes
Viscosidade (mPa.s) 1.9 ± 0.2 1.9 ± 0.2 1.9 ± 0.3 1.8 ± 0.2
Módulo cisalhamento (kPa) 2.4 ± 0.7 2.7 ± 0.4 4 ± 1 3 ± 1
Espessura (nm) 110 ± 5 110 ± 4 116 ± 8 114 ± 6
Tabela 4.13 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 1 mM de UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-se como média ±
desvio padrão.
Lipossomas Hepes Ácido Hepes
Viscosidade (mPa.s) 2.5 ± 0.9 2.5 ± 0.9 2.5 ± 0.9 2.5 ± 0.9
Módulo cisalhamento (kPa) 2 ± 1 3 ± 2 - -
Espessura (nm) 111 ± 2 112 ± 3 114 ± 3 112 ± 3
A introdução de UDCA 1000 µM, nos lipossomas POPC/SM, promove uma adsorção acompanhada
de um ligeiro aumento da espessura e da rigidez dos lipossomas, denotado pelo aumento do módulo
de cisalhamento e da espessura (tabela 4.12). No entanto, o efeito deverá ser superficial dado que
quando se procede ao enxaguamento final o sistema reverte para os valores semelhantes aos
previamente verificados. Em relação à mistura ternária o efeito deste ácido não é muito notório, sendo
que os parâmetros se mantêm constantes ao longo de todo o ensaio (tabela 4.13).
O mesmo é observado para as restantes concentrações estudadas, sendo que as propriedades
viscoelásticas se mantêm inalteradas ao longo do ensaio (tabelas 4.8 a 4.11).
43
4.2.4. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA
Na figura 4.16 apresentam-se os valores médios dos desvios da frequência e da dissipação, com
os respetivos desvios-padrão, observados quando se adiciona solução composta pela mistura 1:1
DCA/UDCA (1000 µM) às camadas de lipossomas adsorvidos com composição POPC/SM (em cima)
e POPC/SM/Chol (em baixo). Gráficos análogos correspondentes às concentrações de 1:1 DCA/UDCA
de 500 µM e 750 µM são apresentados em anexo (figuras A.5 e A.6).
Figura 4.16 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio
afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (em baixo) com 1 mM da mistura 1:1 DCA/UDCA. Cinzento-escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento:
7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica.
Como se pode observar, a interação com a mistura 1:1 dos ácidos biliares com os lipossomas
promove uma diminuição de frequência, acompanhada de aumento da dissipação. A grande diferença
entre os dois sistemas é a notória reversibilidade do efeito para os lipossomas POPC/SM
Na figura 4.17, encontram-se representadas as variações observadas na 3ª harmónica para os
valores de frequência e dissipação, sendo notório o efeito que o enxaguamento final tem na mistura
binária, para todas as concentrações, observando-se a reversão para os valores anteriores à introdução
da solução dos ácidos.
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
70
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
44
Figura 4.17 – Valores médios da variação da frequência (à esquerda) e da dissipação (à direita) da 3ª harmónica
ao longo do decorrer do ensaio para as três concentrações estudadas. Topo: lipossomas POPC/SM; Baixo: lipossomas POPC/SM/Chol. A preto: valores médios dos lipossomas, cinzento escuro: após enxaguamento;
cinzento: após adição do ácido; cinzento claro: após enxaguamento final.
Observa-se a diminuição da frequência, acompanhado de um aumento da dissipação quando se
introduz a solução 1:1 DCA/UDCA 1000 µM. Verificando-se que, para a mistura binária, este efeito é
reversível, ao contrário da mistura ternária onde após o enxaguamento final, apesar de uma ligeira
alteração dos valores estes mantêm-se mais elevados que antes da adição da mistura 1:1 DCA/UDCA.
Para os lipossomas POPC/SM/Chol, a variação dos valores é proporcional à concentração da
solução, sendo que para os lipossomas POPC/SM, para a concentração de 1000 µM se observa uma
estabilização da variação detetada.
Nas tabelas 4.14 a 4.19 apresentam-se os parâmetros resultantes da modelação viscoelástica dos
dados obtidos para os dois tipos de lipossomas estudados a interagir com diferentes concentrações da
mistura 1:1 DCA/UDCA (500 µM, 750 µM e 1000 µM). Os valores referem-se às situações de equilíbrio
atingido após cada introdução.
Tabela 4.14 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 500 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.1 ± 0.4 2.1 ± 0.4 2.1 ± 0.4 2.0 ± 0.4
Módulo cisalhamento (kPa) - - - -
Espessura (nm) 107 ± 9 107 ± 8 117 ± 7 109 ± 7
-400
-350
-300
-250
-200
-150
500 µM 750 µM 1000 µMΔ
f 3(H
z)
0
10
20
30
40
50
60
500 µM 750 µM 1000 µM
ΔD
3(1
0-6
)-400
-350
-300
-250
-200
-150
500 µM 750 µM 1000 µM
Δf 3
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
500 µM 750 µM 1000 µMΔ
D3
(10
-6)
45
Tabela 4.15 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 500 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.4 ± 0.1 2.5 ± 0.1 2.4 ± 0.1 2.3 ± 0.1
Módulo cisalhamento (kPa) 0.8 ± 0.6 0.9 ± 0.6 - -
Espessura (nm) 110 ± 9 104 ± 3 116 ± 9 114 ± 8
Tabela 4.16 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 750 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 1.87 ± 0.06 1.86 ± 0.07 1.93 ± 0.07 1.86 ± 0.08
Módulo cisalhamento (kPa) 2 ± 1 2 ± 1 3 ± 1 2 ± 1
Espessura (nm) 109 ± 7 101 ± 7 112 ± 9 108 ± 9
Tabela 4.17 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 750 µM da mistura equimolar DCA:UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta QTools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas HEPES Ácido HEPES
Viscosidade (mPa.s) 2.5 ± 0.8 2.5 ± 0.78 2.5 ± 0.7 2.5 ± 0.7
Módulo cisalhamento (kPa) 2 ± 1 2 ± 1 4 ± 2 5 ± 3
Espessura (nm) 107 ± 5 107 ± 5 116 ± 6 113 ± 6
Tabela 4.18 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM a interagir com 1 mM da mistura 1:1 DCA/UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas Hepes Ácido Hepes
Viscosidade (mPa.s) 1.87 ± 0.09 1.85 ± 0.08 1.9 ± 0.1 1.82 ± 0.09
Módulo cisalhamento (kPa) - - - -
Espessura (nm) 108 ± 6 109 ± 7 124 ± 13 113 ± 14
Tabela 4.19 – Valores médios das propriedades viscoelásticas dos lipossomas POPC/SM/Chol a interagir com 1 mM da mistura 1:1 DCA/UDCA a 37ºC, estimados pela ferramenta Qtools. Os valores apresentados encontram-se como média ± desvio padrão.
Parâmetros Lipossomas Hepes Ácido Hepes
Viscosidade (mPa.s) 2.6 ± 0.5 2.6 ± 0.5 2.6 ± 0.5 2.6 ± 0.5
Módulo cisalhamento (kPa) 8 ± 4 8 ± 5 7 ± 6 10 ± 6
Espessura (nm) 111 ± 4 112 ± 4 126 ± 4 121 ± 5
A mistura equimolar DCA:UDCA (1000 µM) induz um aumento da espessura das camadas de
lipossomas de POPC/SM bem como de POPC/SM/Chol (tabela 4.18 e 4.19), o que indica que a mistura
dos ácidos mostra um efeito sinergístico, em que a ação fluidificante do DCA, promove uma inserção
simultânea do UDCA, que não ocorre quando isolado (tabelas 4.8 e 4.9).
É interessante notar (nas tabelas 4.14 a 4.19) que o efeito da mistura de ácidos a nível da
viscosidade dos sistemas é desprezável em ambos os casos. Este efeito poderá ser devido ao facto do
UDCA poder exercer funções semelhantes às do Chol como estruturante da membrana,
contrabalançando o efeito fluidizante do DCA [17].
A comparação das tabelas 4.14 a 4.19 mostra que, em geral, o efeito da mistura dos ácidos aumenta
com a concentração, embora não muito significativamente. Para as três concentrações testadas
46
confirma-se que o efeito do enxaguamento final só é importante para a mistura binária. Assim se pode
concluir que há uma interação preferencial dos ácidos com o colesterol desde que eles tenham
conseguido penetrar na bicamada.
4.2.5. Conclusões Gerais
O colesterol aumenta a viscosidade dos lipossomas;
O DCA diminui a viscosidade dos lipossomas constituídos pela mistura ternária e adsorve-se
aos lipossomas de mistura binária, a baixas concentrações, enquanto, a altas concentrações,
solubiliza alguns lípidos provocando a rutura de lipossomas de mistura binária;
O UDCA afeta muito pouco os lipossomas de ambas as composições, adsorvendo-se
ligeiramente aos lipossomas, da mistura binária;
A mistura DCA:UDCA 1:1 induz um aumento da espessura das camadas de ambos os
lipossomas aliando à ação fluidificante do DCA, a possibilidade de inserção do UDCA. A
principal diferença entre a mistura binária e a ternária é a irreversibilidade do efeito dos ácidos
que parece ocorrer só na mistura ternária, o que indica que poderá haver uma interação
preferencial dos ácidos com o colesterol, impedindo (parcialmente) o seu arrastamento quando
se faz o enxaguamento. No caso dos lipossomas POPC/SM não haverá interação preferencial
com os fosfolípidos, os ácidos poderão ser arrastados pelo tampão de enxaguamento
(HEPES).
4.3. DSC
4.3.1. Efeito do Colesterol
Na figura 4.18 apresentam-se os termogramas para os dois tipos de lipossomas estudados neste
trabalho. Optou-se por utilizar os dados relativos ao 3º ciclo de aquecimento, tendo-se observado uma
reversibilidade do sistema.
Figura 4.18 – Termogramas para os lipossomas puros. A curva a cinzento representa a mistura binária POPC/SM e a preta a mistura ternária, POPC/SM/Chol.
Da análise dos termogramas é possível afirmar que para os lipossomas constituídos por POPC/SM
há uma transição de fase, denotada pelo pico observado, com uma Tt de cerca de 23,2°C, ao contrário
-0,0013
-0,0012
-0,0012
-0,0012
10 20 30 40 50
Cp
(c
al/
mo
l.°C
)
T (°C)
47
dos constituídos pela mistura POPC/SM/Chol, onde não é observada transição. Acerca dos lipossomas
correspondentes à mistura binária, é importante referir que, neste termograma, não é possível
determinar a temperatura de início de transição, devido a restrições impostas pelo equipamento, mas
que esta será inferior a 10ºC e terminando a cerca de 38ºC.
O POPC apresenta uma insaturação numa das suas cadeias de acilo, o que confere maior entropia
ao sistema, tendo como consequência uma temperatura de transição baixa, cerca de -2ºC [156]. A
esfingomielina possui duas cadeias saturadas o que proporciona uma maior organização em relação
ao POPC, tendo uma Tt de cerca de 35ºC [157]. Assim lipossomas constituídos por estes dois
componentes têm uma temperatura de transição intermédia dado a interferência que o POPC induz na
organização das cadeias da esfingomielina.
A introdução de colesterol promove uma maior organização do sistema, por interação preferencial
com a esfingomielina. É assim expectável que a Tt dos lipossomas compostos pela mistura ternária
seja superior à da mistura binária. No entanto, a adição de mais de 20-30% de colesterol a sistemas
com esfingomielina faz desaparecer a transição de fase [84],[158], o que corrobora o facto de não ser
observável uma transição de fase do termograma. Dados de Raios-X também demonstram que, apesar
do favorecimento do aparecimento de micro-domínios mais rígidos no lipossoma, havendo uma
coexistência das duas fases [34],[159],[84],[158].
4.3.2. Efeito do DCA
Na figura 4.19 apresentam-se os termogramas para os lipossomas POPC/SM a interagir com
diferentes concentrações de DCA.
Figura 4.19 – Do lado esquerdo encontram-se representados os termogramas para a mistura binária POPC/SM sujeitos a interação com concentrações crescentes de DCA. A preto encontra-se o termograma dos lipossomas;
tracejado 500 µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento claro 900 µM. Na figura do lado direito apresenta-se a influência que a concentração de DCA provoca na Tt.
O DCA induz uma diminuição da Tt dos lipossomas POPC/SM, bem como uma temperatura de final
de transição tanto menor, quanto maior for a concentração do ácido em questão, o que indica que
haverá uma diminuição gradual do ΔH. Dado que o comportamento termotrópico dos lipossomas é
bastante sensível a alterações organizacionais das bicamadas lipídicas, observa-se um abaixamento
da Tt quando fatores externos interferem (reduzem) na sua organização [158]. Assim, de acordo com
-0,00030
-0,00025
-0,00020
-0,00015
-0,00010
-0,00005
0,00000
10 20 30 40 50
Cp
(ca
l/m
ol.°
C)
T (°C)
19
20
21
22
23
24
25
26
0 500 1000
T (°C
)
C (µM)
48
este princípio e com a diminuição do ΔH observada, o DCA deverá ter um efeito desorganizador a nível
da membrana lipídica, corroborando os efeitos fluidificantes deste ácido [153].
Figura 4.20 – Termogramas para a mistura ternária POPC/SM/Chol sujeitos a interação com concentrações crescentes de DCA. A preto encontra-se o termograma dos lipossomas; tracejado 500 µM, cinzento escuro 700
µM e cinzento claro 900 µM.
Na figura 4.20 encontram-se representados os termogramas correspondentes à ação do DCA
nos lipossomas constituídos por POPC/SM/Chol. É possível observar um ligeiro desvio do termograma
para temperaturas inferiores, não sendo observável uma transição de fase nesta gama de
temperaturas. Não é, no entanto, possível concluir com certeza de que maneira este ácido influencia
estes tipo de lipossomas.
4.3.3. Efeito do UDCA
Figura 4.21 – Do lado esquerdo encontram-se representados os termogramas para a mistura binária POPC/SM sujeitos a interação com concentrações crescentes de UDCA. A preto encontra-se o termograma dos
lipossomas; tracejado 500 µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento claro 900 µM. Na figura do lado direito apresenta-se a influência que a concentração de UDCA provoca na Tt.
Observando os termogramas apresentados na figura 4.21, é possível concluir que o UDCA
provoca um alargamento da transição, acompanhado de um aumento da Tt, com o aumento da
concentração. Mouaz et al. [18] defendem que este ácido poderá ter funções semelhantes às do
colesterol, ou seja, promover a rigidificação das membranas, o que estaria de acordo com o aumento
da Tt observado.
-0,0012
-0,0012
-0,0012
-0,0012
-0,0011
-0,0011
10 20 30 40 50
Cp
(c
al/°C
.mo
l)
T(°C)
-0,00030
-0,00025
-0,00020
-0,00015
-0,00010
-0,00005
0,00000
10 20 30 40 50
Cp
(ca
l/m
ol.°
C)
T (°C)
19
20
21
22
23
24
25
26
0 500 1000
T (°C
)
C (µM)
49
4.3.4. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA
Figura 4.22 – Do lado esquerdo encontram-se representados os termogramas para a mistura binária POPC/SM sujeitos a interação com concentrações crescentes da mistura equimolar de DCA/UDCA. A preto encontra-se o termograma dos lipossomas; tracejado 500 µM, cinzento escuro 700 µM e cinzento claro 900 µM. Na figura do
lado direito apresenta-se a influência que a concentração da mistura DCA/UDCA provoca na Tt, apresentando-se a preto os valores obtidos experimentalmente e a cinzento os valores que calculados pela média aritmética dos
valores obtidos para as Tt de cada ácido em separado.
O efeito desencadeado pela mistura dos dois ácidos estudados (figura 4.22) aparenta ser
semelhante ao observado no UDCA, promovendo um aumento da Tt. Este efeito misto poderá ser
devido à incorporação de ambos os ácidos sendo havendo um efeito rigidificante oferecido pelo UDCA,
mas com a incorporação de DCA os lipossomas há também uma desestabilização dos mesmos, sendo
que, apesar de um aumento da Tt, a temperatura de final de transição é cada vez menor com o aumento
da concentração. Quando se comparam as Tt obtidas experimentalmente com as que seriam
registadas, caso a influência de cada ácido fosse cumulativa, nota-se que seriam mais baixas. Assim
comprova-se que a rigidificação promovida pelo UDCA se sobrepõe à fluidificação/desorganização
promovida pelo DCA.
4.3.5. Conclusões Gerais
A introdução de colesterol na composição dos lipossomas faz desaparecer a transição de fase
para as proporções estudadas;
O DCA provoca uma diminuição da Tt, bem como da entalpia de transição de fase nos lipossomas
de composição binária, o que indica uma destabilização do sistema;
A adição de UDCA aos lipossomas de composição binária leva a um aumento da Tt o que indica
uma rigidificação do sistema;
A mistura 1:1 segue um comportamento semelhante ao observado com a adição de UDCA, sendo
de notar um efeito sinergístico entre os ácidos, sendo que ao efeito fluidificante do DCA se
sobrepõe a rigidificação imposta pelo UDCA, havendo assim um aumento da Tt.
-0,00030
-0,00025
-0,00020
-0,00015
-0,00010
-0,00005
0,00000
10 20 30 40 50
Cp
(ca
l/m
ol.°
C)
T (°C)
19
20
21
22
23
24
25
26
0 500 1000
T (°C
)
C (µM)
1:1 DCA/UDCA
1:1 DCA/UDCA Teor
50
4.4. 31P-NMR
4.4.1. Efeito do Colesterol
Figura 4.23 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (a preto) e POPC/SM/Chol (a cinzento), para as temperaturas de 12ºC (esquerda), 25ºC (centro) e 37ºC (direita).
Na figura 4.23 apresentam-se os espectros de 31P NMR para os lipossomas constituídos por
POPC/SM (a preto) e POPC/SM/Chol (a cinzento).
Na figura 4.23, observa-se que a 12ºC, para a mistura binária POPC/SM (a preto), o espectro
apresenta um pico a desvios químicos altos e um “ombro” a desvios químicos baixos. Este tipo de
espectro corresponde ao típico espectro de bicamadas lipídicas, onde há coexistência de fases líquida
desordenada e líquida ordenada [140]. A 25ºC o desvio do pico para campos mais baixos indica um
aumento da mobilidade dos lípidos. Além do estreitamento da base do espectro, quando comparando
com os espectros já conhecidos, típicos de diversas estruturas lipídicas, este espectro assemelha-se
ao espectro de uma fase “hexagonal” na qual os lípidos, apesar de aglomerados, têm menor restrição
de movimentos [140]. Com a evolução da temperatura observa-se a deslocação do pico máximo para
o lado esquerdo do espectro sendo que, a 37ºC, não se observa nenhum “ombro”, ou seja, a
movimentação é livre, o que indica a existência de uma fase única e desordenada, que corrobora com
o facto de a esta temperatura a mistura se encontrar num estado líquido desordenado [155].
Para a mistura ternária (figura 4.23, a cinzento), a 12ºC, apenas se observa um pico a desvios
químicos elevados, não se observando um “ombro” a desvios químicos mais baixos, visto que a fase
predominante a esta temperatura é a líquida ordenada [85]. Observa-se um alargamento da largura na
base do espectro com o aumento da temperatura, tal deverá estar relacionado com o facto de o
colesterol promover propriedades fluidificantes a baixas temperaturas, mas promover a rigidificação a
temperaturas mais elevadas, permitindo a manutenção de uma fase líquida ordenada [22].
51
4.4.2. Efeito do DCA
Figura 4.24 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (à esquerda, cinzento escuro) e POPC/SM/Chol (à direita, cinzento escuro) e o espectro da interação destes lipossomas com o DCA (cinzento
claro) para as temperaturas de 12ºC (topo), 25ºC (centro) e 37ºC (baixo).
Na Figura 4.24 encontram-se representados os espectros dos lipossomas POPC/SM e
POPC/SM/Chol, bem como dos espectros resultantes da interação destes lipossomas com uma
solução de DCA (concentração final de 1.5 mM).
Analisando em primeiro lugar o efeito do DCA na mistura binária (figura 4.24, à esquerda), é notório
que, a 12ºC, apesar de um alargamento da linha do espetro, há o aparecimento de um pico que poderá
corresponder a uma componente isotrópica. Este pico poderá ser explicado pelo aparecimento de uma
fase mais desorganizada enquanto que os lipossomas não afetados darão origem ao sinal típico das
bicamadas.
Ainda na mesma figura, a 25ºC pode-se observar que os espectros são bastante semelhantes, o
que indica que o DCA não deverá promover a dissolução dos lipossomas, mas sim a incorporação nos
mesmos. De acordo com os dados obtidos por DSC a esta temperatura (25ºC) em ambos os casos os
lipossomas encontram-se na transição de fase, e portanto ainda não estão numa fase desordenada
onde o movimento não é totalmente isotrópico.
A 37ºC, a diminuição da largura do pico está de acordo com o efeito fluidificante do DCA sobre a
bicamada de mistura binária mas não explica a possível dissolução de lípidos e rutura de lipossomas
observada para a maior concentração estudada com a QCM-D.
Para a mistura ternária (figura 4.24, à direita) observa-se um afilamento do pico, o que implica que
o DCA interage com os lipossomas, tendo um efeito desorganizador da bicamada. Tal é bastante visível
a temperaturas superiores (37ºC) onde, se observa um único pico, em contraste com um espectro mais
52
alargado da mistura ternária, que deve corresponder ao efeito fluidificante do DCA sobre a fase mais
ordenada.
4.4.3. Efeito do UDCA
Figura 4.25 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (à esquerda, cinzento escuro) e POPC/SM/Chol (à direita, cinzento escuro) e o espectro da interação destes lipossomas com o UDCA (cinzento
claro) para as temperaturas de 12ºC (topo), 25ºC (centro) e 37ºC (baixo).
Na Figura 4.25 encontram-se representados os espectros dos lipossomas POPC/SM e
POPC/SM/Chol, bem como dos espectros resultantes da interação destes lipossomas com uma
solução de UDCA (concentração final de 1,5 mM).
Em todos os espectros obtidos após a adição do UDCA, verifica-se um alargamento da base do
espectro para a qual não foi encontrada explicação. No entanto, pela análise exclusiva dos picos é
possível concluir que não há praticamente alteração dos movimentos das cabeças polares dos lípidos.
Para os lipossomas constituídos pela mistura binária, a 25ºC, observa-se um alargamento do pico
original que poderá ser atribuído ao efeito organizador do UDCA, já referido anteriormente quando da
análise dos termogramas (secção 4.3.3). Este efeito, semelhante ao do colesterol, pode restringir os
movimentos das cabeças polares e, assim, aumentar a anisotropia do sinal.
53
4.4.4. Efeito da Mistura 1:1 DCA/UDCA
Figura 4.26 – Espectros de 31P-NMR para os lipossomas POPC/SM (à esquerda, cinzento escuro) e POPC/SM/Chol (à direita, cinzento escuro) e o espectro da interação destes lipossomas com a mistura 1:1
DCA/UDCA (cinzento claro) para as temperaturas de 12ºC (topo), 25ºC (centro) e 37ºC (baixo).
O efeito da mistura 1:1 DCA:UDCA, como se pode observar na figura 4.26, assemelha-se mais ao
efeito do DCA para os lipossomas de mistura ternária, e ao do UDCA, para os lipossomas de mistura
binária.
De facto, a mistura de ácidos provoca um ligeiro estreitamento do pico na mistura ternária a 37ºC,
consistente com uma fluidificação da bicamada.
Já para a mistura binária, a 25ºC, se observa um alargamento do pico que poderá ser atribuído a
um aumento da organização da bicamada.
4.4.5. Conclusões Gerais
O colesterol promove a organização/rigidez dos lipossomas;
O DCA destabiliza os lipossomas, provocando uma ligeira diminuição da anisotropia resultante da
fluidificação das fases mais ordenadas;
O UDCA tem um efeito muito pequeno sobre os lipossomas, sendo ligeiramente mais significativo
na mistura binária onde induz alguma organização da bicamada;
A mistura dos dois ácidos promove uma rigidificação da bicamada da mistura binária tal como
ocorre com o UDCA, no entanto, no que respeita à mistura ternária, parece haver uma maior
mobilidade das cabeças dos fosfolípidos, podendo indicar a fluidificação destes lipossomas;
As discrepâncias observadas entre os resultados dos espectros de 31P-NMR e os resultados das
outras técnicas podem ser explicadas porque a técnica de NMR só é sensível aos movimentos
das cabeças polares dos lípidos.
54
5. Conclusões e Trabalho Futuro
Em geral, o efeito do DCA é o de penetração nas monocamadas e bicamadas lipídicas, provocando
uma fluidificação das mesmas. Este efeito é tanto maior quanto maior for a sua concentração e pode
culminar com a dissolução dos lípidos para concentrações elevadas. Tendencialmente, o DCA tem
maior efeito sobre a mistura binária do que para a mistura ternária, mas, em virtude da especificidade
de cada técnica e do respetivo modelo membranar testado, é difícil fazer comparações diretas. Os
resultados obtidos com as monocamadas mostram que o DCA se incorpora em maior extensão na
monocamada de POPC/SM do que na de POPC/SM/Chol. No caso dos lipossomas adsorvidos, a
interação do DCA com os lipossomas de composição POPC/SM é claramente mais forte para elevadas
concentrações (1000 µM) levando à solubilização de lípidos, o que não acontece aos lipossomas que
contém colesterol. As concentrações mais baixas, o DCA adsorve-se à superfície dos lipossomas de
composição POPC/SM e origina uma ligeira fluidificação dos lipossomas de POPC/SM/Chol. As
técnicas de DSC e 31P-NMR também indicaram uma fluidificação dos lipossomas pela interação com o
DCA mas não permitiram concluir definitivamente sobre o efeito preferencial deste ácido relativamente
às misturas lipídicas com ou sem colesterol
O UDCA tem um efeito protetor das monocamadas e bicamadas, induzindo a sua organização. Os
resultados obtidos com a balança de Langmuir indicam que este ácido deverá promover a estabilização
das monocamadas, com e sem colesterol, através de interações com as suas cabeças polares, e a
mesma conclusão se obtém com as determinações de DSC que mostram o efeito rigidificador do UDCA
nos lipossomas de composição binária. Através das técnicas de QCM-D e 31P-NMR foi possível concluir
que a interação do UDCA com ambos os tipos de lipossomas era muito pequena, mas no caso da
mistura binária verificou-se um ligeiro aumento da rigidez destes lipossomas.
O efeito da mistura 1:1 DCA/UDCA sobre os vários modelos membranares depende da técnica
utilizada, mas, em geral, reflete uma cooperação entre os dois ácidos. Relativamente aos resultados
obtidos no estudo das monocamadas, observa-se uma inserção simultânea dos ácidos para ambas as
misturas lipídicas, indicando que o efeito fluidificante do DCA sobre a monocamada promove a
interação com o UDCA. Resultados semelhantes foram obtidos com os lipossomas adsorvidos
estudados com a microbalança QCM-D. Através da modelação dos parâmetros viscoelásticos,
observa-se este mesmo efeito em ambos os lipossomas estudados (POPC/SM e POPC/SM/Chol),
traduzido no aumento da espessura dos lipossomas, e na ausência de perturbações na sua
viscosidade. Os resultados de DSC, relativos apenas aos lipossomas constituídos por POPC/SM,
parecem indicar uma pequena rigidificação dos lipossomas, efeito semelhante ao obtido com a adição
de UDCA mas mais atenuado. Isto pode significar que, neste caso, prevaleceu o efeito do UDCA,
apesar de alguma fluidificação por parte do DCA. Este efeito é corroborado pelos resultados de 31P-
NMR, em que a mistura 1:1 DCA/UDCA induz um aumento da largura do espectro dos lipossomas de
POPC/SM, tal como no caso do UDCA. Os espectros 31P-NMR, correspondentes à mistura ternária,
mostram uma ligeira fluidificação da bicamada semelhante à provocada pelo DCA mas, de menor
intensidade. As discrepâncias observadas entre os resultados de 31P-NMR são, de certo modo,
55
expectáveis porque esta técnica dá informação sobre a mobilidade das cabeças polares dos lípidos e
é pouco sensível ao comportamento do interior das bicamadas.
Através deste estudo foi possível confirmar o efeito desorganizador que o DCA tem sobre os
sistemas lipídicos, em especial na ausência de colesterol, e o efeito contrário por parte do UDCA. No
entanto, as conclusões mais interessantes dizem respeito ao efeito sinergístico dos ácidos misturados
e, em particular, à irreversibilidade do seu efeito sobre os lipossomas de POPC/SM/Chol o que sugere
uma interação preferencial com o colesterol que promove a retenção dos ácidos.
No futuro, seria interessante promover estudos no sentido de compreender melhor a natureza das
interações destes ácidos, em particular, das suas misturas, com os modelos biomembranares, dado
que os resultados obtidos não foram inequívocos. Técnicas microscópicas como a Microscopia de
Força Atómica (AFM) e a microscopia de ângulo de Brewster seriam importantes para a visualização
do efeito dos ácidos, respetivamente, sobre os lipossomas adsorvidos e sobre as monocamadas.
Estudos recorrendo a 1H-NMR permitiriam determinar a organização das cadeias de acilo dos
fosfolípidos, o que seria um indicativo do efeito a nível intra-membranar. Construir lipossomas incluindo
os ácidos biliares na sua composição, utilizando as técnicas empregues neste trabalho, forneceria
informação adicional sobre de que modo a incorporação dos ácidos nos lipossomas afeta as
características dos mesmos.
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A-1
Anexos
A. Dados adicionais sobre os resultados e a modelação QCM-D
1. Interação com DCA
Figura A.1 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio
afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (baixo) com 500 µM de DCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento
claro: 9ª harmónica.
Figura A.2 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio
afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (baixo) com 750 µM de DCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento
claro: 9ª harmónica.
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A-2
2. Interação com UDCA
Figura A.3 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (baixo) com
500 µM da UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica.
Figura A.4 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do
ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e
POPC/SM/Chol (baixo) com 750 µM da UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª
harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica.
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A-3
3. Interação com a mistura equimolar DCA/UDCA
Figura A.5 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (baixo) com
500 µM da mistura equimolar DCA:UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica; cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica.
Figura A.6 – Desvios de frequência (à esquerda) e de dissipação (à direita) observados ao longo do ensaio
afetados do desvio padrão. Exemplo da interação de lipossomas POPC/SM (topo) e POPC/SM/Chol (baixo) com
750 µM da mistura equimolar DCA:UDCA. Cinzento escuro: 3ª harmónica; cinzento médio: 5ª harmónica;
cinzento: 7ª harmónica; cinzento claro: 9ª harmónica.
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(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)
-350
-300
-250
-200
-150
-100
-50
0
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
Δf
(Hz)
0
10
20
30
40
50
60
Lipo Hepes Ácido In Ácido F Hepes
ΔD
(1
0-6
)