Post on 16-Oct-2021
N° 44 / Fevereiro de 2019
M Probióticos, prebióticos e simbióticos: mitos e fatosMicrobiota intestinal: uso deprobióticos, prebióticos e simbióticosHania Szajewska (Polônia)
Oligossacarídeos do leite materno versus oligossacarídeos prebióticosClemens Kunz (Alemanha)
É realmente necessário que os probióticos estejam "vivos"?Yvan Vandenplas (Bélgica)
©2019, Nestlé Nutrition Institute CH–1800 Vevey Suíça
thenest
2 3
A microbiota intestinal saiu
do esquecimento
O termo “microbiota intestinal” se refere
aos microrganismos (bactérias, vírus ou eu-
cariotos) presentes no intestino. Esse sis-
tema tem impacto significativo nos proces-
sos imunológicos,nutricionais e fisiológicos
[1], além de estar relacionado à saúde e ser
considerado por alguns como um novo
órgão do corpo humano. Embora denomi-
nada com frequência de “o órgão esque-
cido” [2], a microbiota intestinal saiu desse
esquecimento. Ela é hoje, pelo contrário,
assunto de interesse em termos de
pesquisa, conforme demonstram o número
cada vez maior de artigos científicos sobre
o tema e a cobertura da imprensa leiga, re-
presentada por programas de TV e rádio e
pelas mídias sociais.
Disbiose
Disbiose é a alteração da composição e/ou
da atividade da microbiota intestinal. Além
disso, pode-se considerar a baixa di-
versidade microbiana do intestino como um
marcador de disbiose. Além de outros fa-
tores, como aspectos genéticos ou ambien-
tais, a disbiose contribui, pelo menos em
parte, para o desenvolvimento e a pro-
gressão de doenças como alergias, obe-
sidade, síndrome do intestino irritável, en-
terocolite necrosante, diabetes tipo 1 e
autismo [3]. Ainda não está claro, entretanto,
quais são exatamente os mecanismos sub-
jacentes envolvidos nesses processos. As-
sim, ainda não se sabe se as alterações da
microbiota intestinal constituem a causa ou
a consequência desses distúrbios, con-
siderando-se o fato de que não se identifi-
cou uma “assinatura da microbiota” em
nenhuma dessas condições. A falta de
métodos padronizados de avaliação da mi-
crobiota pode ser a responsável pelas incon-
sistências observadas em diversos estudos.
Vários deles, porém, já documentaram a as-
sociação entre a baixa diversidade da micro-
biota intestinal, que pode ser considerada
um marcador de disbiose, e a presença de
doenças. Com base em uma perspectiva
funcional, a baixa diversidade microbiana do
intestino pode associar-se à redução do
número de bactérias produtoras de butirato,
ao aumento do potencial de degradação do
muco, à redução da capacidade de pro-
dução de hidrogênio e de metano (em com-
binação com a elevação do potencial de for-
mação de sulfeto de hi-drogênio) e ao
aumento da condição de lidar com o es-
tresse oxidativo [4].
Modulação da microbiota intestinal
O uso de probióticos, prebióticos ou simbió-
ticos destinados ao microbioma intestinal
pode beneficiar a saúde e reduzir o risco de
doenças em seres humanos. Outros méto-
dos, não abordados aqui, abrangem os anti-
bióticos e os transplantes de microbiota fecal.
Probióticos
Probióticos são “microrganismos vivos que,
quando administrados em quantidades
adequadas, conferem benefício à saúde do
hospedeiro” [5]. Os probióticos mais comu-
mente utilizados são as espécies
Bifidobacterium e Lactobacillus e uma es-
pécie de fungo (Saccharomyces boulardii).
Os possíveis mecanismos de ação mais
importantes dos probióticos são:
• produção de metabólitos, como ácidos
graxos de cadeia curta, cuja maioria é com-
posta de acetato, propionato e butirato;
• modulação da composição e/ou da ativi-
dade da microbiota do hospedeiro (por
meio de colonização, por exemplo);
• melhora da integridade da barreira epitelial
do intestino;
• modulação do sistema imune do hospe-
deiro;
• adesão à mucosa e ao epitélio intestinal,
com inibição da adesão e/ou do cresci-
mento de patógenos;
• produção de enzimas (como a lactase, que
promove a digestão da lactose);
• produção de bacteriocinas.
A Tabela 1 mostra um resumo dos efei-
tos clínicos dos probióticos em crianças [6].
Considerando-se o fato de que muitos dos
efeitos dos probióticos são específicos de
cada cepa, deve-se focar as cepas indivi-
duais, e não os probióticos em geral. Não
se deve extrapolar os efeitos clínicos nem
a segurança de um probiótico individual
nem de uma combinação de probióticos
para outros produtos da mesma classe. A
Tabela 2 apresenta um guia sobre a melhor
escolha de um probiótico.
Mensagens principais
• Uma microbiota intestinal saudável é es-
sencial para a saúde. Por outro lado, a
alteração da composição e/ou da ativi-
dade da microbiota intestinal (disbiose)
contribui para o desenvolvimento de
doenças.
• O uso de probióticos e/ou de prebióticos
destinados à microbiota intestinal pode
prevenir doenças.
• Nem todos os probióticos e/ou prebióti-
cos são iguais. Deve-se avaliar separa-
damente os efeitos clínicos e a segu-
rança de cada um deles antes de usá-los
de forma isolada ou em combinação.
• Não se deve encorajar o uso de probió-
ticos nem de prebióticos sem evidên-
cias de seus benefícios à saúde.
Microbiota intestinal: uso de probióticos, prebióticos e simbióticos
H a n i a S z a j e w s k a , M D
Departamento de Pediatria, The Medical University of Warsaw Varsóvia, Polônia
hania@ipgate.pl Tabela 1: Efeitos dos probióticos em crianças [6]
Condição Exemplos de probióticos com evidências de eficácia
Tratamento da gastroenterite aguda ESPGHAN, WGO LGG*; S. boulardii (recomendação forte) L. reuteri DSM 17938 (recomendação fraca)
Prevenção da diarreia associada ao uso de antibióticos
ESPGHANLGG; S. boulardii (recomendação forte)
Prevenção da diarreia nosocomial ESPGHAN LGG (recomendação forte)
Prevenção das infecções do trato respiratório
LGG
Prevenção do eczema A WAO sugere o uso de probióticos em populações de alto risco específicas. Não há, entretanto, indicação clara sobre que cepa(s) deve(m) ser utilizada(s)[recomendação condicional].
Desenvolvimento de tolerância em lactentes com alergia ao leite de vaca
LGG
Prevenção da enterocolite necrosante Não há indicações claras sobre que cepa(s) deve(m) ser utilizada(s)
Infecção por H. pylori ESPGHAN: não recomendado
Cólica infantil (tratamento) L. reuteri DSM 17938 (uso bem docu-mentado em lactentes amamentados)
Cólica infantil (prevenção) L. reuteri DSM 17938
Dor abdominal funcional LGG
Manutenção da remissão na colite ulcerativa
E. coli Nissle 1917; VSL#3
Indução de remissão na doença de Crohn ECCO/ESPGHAN: não recomendado
Constipação funcional ESPGHAN/NASPGHAN: não recomendado
ECCO: European Crohn’s and Colitis Organization; ESPGHAN: European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition; LGG: Lactobacillus rhamnosus GG; NASPGHAN: North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition; WAO: World Allergy Organization; WGO: World Gastroenterology Organization. * Novos dados questionam a eficácia de LGG [16].
www.nnibrasil.com.br
Tabela 2: Como escolher um probiótico [15]
Gênero, espécie, cepa
• Deve-se utilizar somente cepas de probióticos com iden-tidade e estabilidade genética já demonstradas • Exemplo de identificação: Lactobacillus (gênero) rhamnosus (espécie) GG (cepa) ATCC 53103 (coleção de culturas microbiológicas)
Produtos com cepas múltiplas versus cepa única
• Um probiótico com cepas múltiplas não garante maior benefício. O efeito de cada produto deve ser documentado em ECRCs de delineamento adequado
Data de validade • O fabricante deve garantir:• o número mínimo de células vivas durante o prazo de validade do produto ou
• o número máximo de células vivas no momento da fabricação (sem garantia de viabilidade no fim do prazo de validade)
Requerimentos de armazenamento
• Deve-se obedecer aos requisitos de armazenamento recomendados pelos fabricantes
Dose • Não se deve presumir que determinada dose é eficaz em relação a todas as cepas
• Nem sempre uma dose maior é melhor • Deve-se utilizar regime de tratamento comprovadamente eficaz com base em ECRCs de delineamento e execução adequados à mesma indicação
Formulação • Podem ser adicionados a fórmulas infantis, alimentos, suplementos dietéticos ou medicamentos
Qualidade • Cada formulação deve ser submetida a distintos processos de controle de qualidade
Evidências • Consulte a Tabela 1 • As leis em vigor podem limitar a natureza das alegações permitidas em produtos alimentares e suplementos dietéticos
thenest
4 5
ATCC: American Type Culture Collection; ECRCs: estudos clínicos randomizados e controlados.
7 Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, Prescott SL, Reimer RA, Salminen SJ, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017 Aug;14(8):491–502.
8 Puccio G, Alliet P, Cajozzo C, Janssens E, Corsello G, Sprenger N, et al. Effects of infant formula with human milk oligosac-charides on growth and morbidity: a randomized multicenter trial. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2017 Apr;64(4):624–31.
9 Marriage BJ, Buck RH, Goehring KC, Oliver JS, Williams JA. Infants fed a lower calorie formula with 2 FL show growth and 2 FL uptake like breast-fed infants. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2015 Dec;61(6):649–58.
10 Skórka A, Piescik-Lech M, Kołodziej M, Szajewska H. Infant formulae supplemented with prebiotics: are they better than unsupplemented formulae? An updated systematic review. Br J Nutr. 2018 Apr;119(7):810–25.
11 Lohner S, Küllenberg D, Antes G, Decsi T, Meerpohl JJ. Prebiotics in healthy infants and children for prevention of acute infectious diseases: a systematic review and meta-analysis. Nutr Rev. 2014 Aug;72(8):523–31.
12 Cuello-Garcia CA, Fiocchi A, Pawankar R, Yepes-Nuñez JJ, Morgano GP, Zhang Y, et al. World Allergy Organization-McMaster University Guidelines for Allergic Disease Prevention (GLAD-P): Prebiotics. World Allergy Organ J. 2016 Mar 1;9:10.
13 Panigrahi P, Parida S, Nanda NC, Satpathy R, Pradhan L, Chandel DS, et al. A randomized synbiotic trial to prevent sepsis among infants in rural India. Nature. 2017 Aug 24;548(7668):407–12. Erratum in: Nature. 2017 Nov 29.
14 Chang YS, Trivedi MK, Jha A, Lin YF, Dimaano L, García-Romero MT. Synbiotics for prevention and treatment of atopic dermatitis: a meta-analysis of randomized clinical trials. JAMA Pediatr. 2016 Mar;170(3):236–42.
15 https://isappscience.org16 Schnadower D, Tarr PI, Casper TC,
Gorelick MH, Dean JM, O'Connell KJ, et al. Lactobacillus rhamnosus GG versus placebo for acute gastroenteritis in children. N Engl J Med. 2018 Nov 22;379(21):2002–2014.
Quais são os próximos passos?
É necessário entender melhor a relação
entre microbiota, saúde e doença para de-
senvolver moduladores da microbiota in-
testinal de última geração. Depois de de-
senvolvidos, será preciso avaliar esses
agentes em estudos randomizados e con-
trolados de delineamento e execução ade-
quados, além de desfechos clinicamente
relevantes. Em pediatria, tais desfechos
envolvem risco de alergias, infecções
gastrointestinais e respiratórias, so-
brepeso/obesidade e neurodesenvolvi-
mento. Deve-se, no momento, recomen-
dar apenas o uso de probióticos e/ou de
prebióticos com eficácia e segurança do-
cumentadas e de regimes (dose, formu-
lação e duração do tratamento) que se
mostraram comprovadamente eficazes
em estudos bem delineados sobre a
mesma indicação.
Prebióticos
Prebiótico é “um substrato utilizado de
forma seletiva por microrganismos hospe-
deiros que promove benefício à saúde” [7].
Um exemplo de prebióticos naturais são os
oligossacarídeos do leite materno. Certos
oligossacarídeos selecionados do leite
materno, como 2-fucosilactose e lac-
to-N-neotetraose, são atualmente adicio-
nados a algumas fórmulas infantis [8,9].
Outros exemplos de prebióticos comu-
mente utilizados e estudados são inulina,
oligofrutose, fruto-oligossacarídeos, ga-
lactofrutose e galacto-oligossacarídeos,
uma vez que aumentam as contagens fe-
cais de bifidobactérias ou de certos pro-
dutores de butirato.
Na população pediátrica, alguns prebió-
ticos específicos têm o potencial de:
• amolecer as fezes, o que pode ser benéfico
para alguns lactentes e foi documentado
de forma consistente com o uso de fórmu-
las infantis com suplemento de prebióticos
(principalmente mistura de galacto-oligos-
sacarídeos de cadeia curta e fruto-oligos-
sacarídeos de cadeia longa) [10];
• reduzir as taxas de infecções gastrointesti-
nais ou respiratórias (com evidências em
apenas alguns estudos) [11];
• reduzir a ocorrência de alergias (a Organi-
zação Mundial de Alergia recomenda o uso
de prebióticos em lactentes que não re-
cebem amamentação exclusiva; não há,
entretanto, recomendações específicas
sobre a escolha dos prebióticos a serem
utilizados) [12].
Simbióticos
“Simbióticos” é a denominação dada
à combinação de probióticos e prebióti-
cos que atuam de forma sinérgica. Os
simbióticos podem exercer efeitos mais
potentes na microbiota intestinal em com-
paração ao uso isolado de probióticos ou
de prebióticos. Há, entretanto, apenas da-
dos limitados sobre a eficácia dos simbió-
ticos em relação aos probióticos e aos
prebióticos.
Na população pediátrica, os simbióti-
cos têm o potencial de:
Referências1 Lynch SV, Pedersen O. The human intestinal
microbiome in health and disease. N Engl J Med. 2016 Dec 15;375(24):2369–79.
2 Marchesi JR, Adams DH, Fava F, et al. The gut microbiota and host health: a new clinical frontier. Gut. 2016;65:330–9.
3 Gilbert JA, Blaser MJ, Caporaso JG, Jansson JK, Lynch SV, Knight R. Current understanding of the human microbiome. Nat Med. 2018 Apr 10;24(4):392–400.
4 WGO Handbook on Gut Microbes. http://www.worldgastroenterology.org.
5 Hill C, Guarner F, Reid G, Gibson GR, Merenstein DJ, Pot B, et al. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014 Aug;11(8):506–14.
6 Szajewska H. What are the indications for using probiotics in children? Arch Dis Child. 2016 Apr;101(4):398–403.
• reduzir o risco de sepse (a combinação
de L. plantarum ATCC 202195 com fru-
to-oligossacarídeos demonstrou ca-
pacidade de reduzir o risco de sepse
neonatal em um país em desenvolvi-
mento) [13];
• contribuir para o tratamento de dermatite
atópica em crianças com idade ≥1 ano,
com a utilização de cepas mistas de bac-
térias probióticas (que, entretanto, não po-
dem ser usadas para prevenção) [14].
www.nnibrasil.com.br
thenest
6 7
Mensagens principais
• Os oligossacarídeos do leite materno
(HMOs, do inglês human milk oligossa-
charides) e os oligossacarídeos prebióti-
cos (PBOs, do inglês prebiotic oligossa-
charides) pertencem à ampla classe dos
carboidratos, mas apresentam estrutu-
ras completamente diferentes.
• Os HMOs e os PBOs têm alto potencial
para desempenhar diversas funções.
• Até o momento, entretanto, não há es-
tudos com seres humanos que demons-
trem funções similares nem comparáveis.
Introdução
O conceito de prebiótico recebeu muita
atenção na última década. Postula-se a teo-
ria de que os oligossacarídeos prebióticos
fornecem diversos benefícios à saúde, prin-
cipalmente devido a uma influência na com-
posição ou na atividade da microbiota intes-
tinal [1-3].
Durante os últimos cinco anos, a
pesquisa sobre os oligossacarídeos do leite
materno se tornou um dos principais assun-
tos de interesse em nutrição infantil, espe-
cialmente devido ao enorme progresso na
escala de produção de alguns de seus com-
ponentes (Fig. 1). É possível, hoje, a adição
de alguns tipos de HMOs às fórmulas in-
fantis ou sua utilização para outros fins, o
que significa que estamos no início de uma
nova era da nutrição infantil [4].
Abordaremos, a seguir, algumas per-
guntas básicas.
O que são prebióticos?
A primeira definição de prebióticos foi pu-
blicada em 1995, por Gibson e Roberfroid
[5], e dizia que “prebióticos são produtos
alimentares não digeríveis que promovem
benefícios ao hospedeiro porque estimulam,
de forma seletiva, o crescimento e/ou a ati-
vidade de uma bactéria ou de um número
limitado desses microrganismos presentes
no cólon, de modo a melhorar a saúde
desse hospedeiro”. Embora essa definição
tenha sido modificada ao longo dos anos,
ainda não foi possível descrever esses com-
ponentes alimentares de forma mais especí-
fica [2], o que, entretanto, ajudaria a deter-
minar mais claramente o que é “efeito
prebiótico nos lactentes”. A afirmação de
consenso mais recente diz que prebiótico é
“um substrato utilizado de forma seletiva por
microrganismos do hospedeiro que pro-
move benefício à saúde” [3].
O que significa “efeito prebiótico
em lactentes”?
Há, nos estudos que envolvem lac-
tentes humanos, diferentes opiniões sobre
o que é “efeito prebiótico”. Esses estudos
se concentram, com frequência, em diver-
sos objetivos:
a. Determinação do número total de
bifidobactérias. Sabemos hoje, entre-
tanto, que nem todas as bifidobactérias
são capazes de utilizar os HMOs, os ga-
lacto-oligossacarídeos (GOSs) ou os fru-
to-oligossacarídeos (FOSs). É impor-
tante investigar não apenas as
subespécies de bifidobactérias como
também a interação dos diversos micror-
ganismos da microbiota dos lactentes.
b. Caso não se constate efeito na micro-
C l e m e n s K u n z
Institute of Nutritional Sciences, Justus Liebig University, Giessen, Alemanha
clemens.kunz@ernaehrung.uni-giessen.de
biota, os autores focam a produção de áci-
dos graxos de cadeia curta, como butirato,
acetato ou propionato, entre outros.
c. Caso também não se detectem al-
terações nesses metabólitos, os investi-
gadores se concentram no efeito sobre
a consistência das fezes para comparar,
por exemplo, os resultados dos oligos-
sacarídeos galactosilados com os da
amamentação.
Considerando-se que não há definição
Oligossacarídeos do leite materno versus oligossacarídeos prebióticos
HMOs no leite materno
Lactose
• Nível extremamente alto de diversidade estrutural
• Cerca de 150 HMOs diferentes foram identi�cados
• Quantidade total que um lactente recebe por dia: 5-15 g/L
3’SL
6’FL
TS-LNH DS-LNFP I
LNDFHLNFP III3FL
2’FLLNFP I
LNFP II
LNTLnNT
β1–4
β1–3
β1–3
β1–4
β1–3β1–4
β1–4
β1–4
β1–4
β1–4
β1–4
β1–3
β1–3
β1–4β1–4
β1–4
β1–4
β1–3
β1–3
β1–3
β1–3
β1–4
β1–4
β1–4
β1–3
β1–3
β1–3
β1–3
β1–3α1–2
α1–3
α2–6
α2–6
α2–3
α2–6
α2–3
α1–3
α1–2
α1–4
α1–4
α1–3
α1–2
α2–6
α2–3
GlcNAc Glicose Galactose Ácido siálico Fucose
Monossacarídeos
β 4
Figura 1: Exemplos da complexidade dos HMOs individuais de alto potencial para exercer funções específicas devido às diversas ligações entre os monossacarídeos. Não há nenhum outro fluido biológico que contenha tantas variações e estruturas quanto o leite materno [6].
clara do que significa “não se observou
efeito prebiótico”, surge a questão: “Como
é possível concluir que os GOSs, os FOSs
e outros PBOs apresentam o mesmo efeito
prebiótico dos HMOs?”
www.nnibrasil.com.br
thenest
8 9
Figura 2: Composição dos monossacarídeos dos oligossacarídeos do leite materno (HMOs) e dos prebióticos (PBOs) (a) e exemplos de ligações específicas (b)
a HMOs PBOs
Glicose traços +
Galactose + +
N-acetilglicosamina + –
Fucose + –
Ácido siálico (Neu5Ac) + –
Frutose – +
Xilose – +
Arabinose – +
Galacto-oligossacarídeos (GOSs)
R
Fruto-oligossacarídeos (FOSs)
HMOs
HMOs versus GOSs/FOSs
LNFP III
3‘SL2‘FL
LNnT
β1–3
α1–2 α2–3
α1–3
β1–4
β1–4β1–4
β1–4β1–4
β1–3
β1–4
Estruturas lineares: cadeiasnão rami�cadas, ligações simples
Estruturas complexas: cadeias lateraisrami�cadas, ligações especí�cas
b
Há alguma similaridade entre
os PBOs e os HMOs?
Na maioria das publicações científicas,
os PBOs são comparados e considerados
similares ou até idênticos aos HMOs, inclu-
sive nas avaliações de seus aspectos fun-
cionais. Alguns fabricantes de fórmulas in-
fantis chegam até mesmo a alegar, nas
informações ao consumidor, que ambos os
grupos de carboidratos compartilham simi-
laridades em termos de estrutura e função.
Entretanto, embora os PBOs e os
HMOs pertençam à mesma classe química
dos carboidratos, não compartilham as simi-
laridades estruturais necessárias à especu-
lação sobre funções biológicas similares. Se
houvesse similaridades estruturais, seriam
necessários estudos com seres humanos
para demonstrar definitivamente: (i) o sig-
nificado específico de “efeito prebiótico”; e
(ii) o fato de que os PBOs, assim como os
GOSs e os FOSs, apresentam os mesmos
efeitos dos HMOs entre os lactentes.
Deve-se considerar dois aspectos im-
portantes para demonstrar a diferença entre
GOSs/FOSs e HMOs: (i) a composição de
monossacarídeos; e (ii) a ligação entre eles.
O segundo aspecto é especialmente impor-
tante, uma vez que essas ligações exercem
grande influência sobre algumas pro-
priedades específicas, como mecanismos
Referências1 Hill C, Guarner F, Reid G, Gibson GR,
Merenstein DJ, Pot B, et al. Expert consensus document. The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics consensus statement on the scope and appropriate use of the term probiotic. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2014 Aug;11(8):506–14.
2 Hutkins RW, Krumbeck JA, Bindels LB, Cani PD, Fahey G Jr, Goh YJ, et al. Prebiotics: why definitions matter. Curr Opi Biotechnol. 2016 Feb;37:1–7.
3 Gibson GR, Hutkins R, Sanders ME, Prescott SL, Reimer RA, Salminen SJ, et al. Expert consensus document: The International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics (ISAPP) consensus statement on the definition and scope of prebiotics. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2017 Aug;14(8):491–502.
de defesa, funções imunes e efeitos anti-in-
flamatórios.
Entre os prebióticos adicionados às
fórmulas infantis, os principais monos-
sacarídeos abrangem, por exemplo, galac-
tose, glicose, frutose, xilose e arabinose.
À exceção da glicose e da galactose, es-
ses monossacarídeos não estão pre-
sentes no leite materno (Fig. 2). Nos
HMOs, os monossacarídeos específicos
são N-acetilglicosamina, fucose e ácido
N-acetilneuramínico (ácido siálico), que não
são encontrados nos PBOs.
De onde vêm os HMOs?
Na natureza, os HMOs são produzidos ex-
clusivamente nas glândulas mamárias nos
períodos de lactação. Apenas recente-
mente se tornou possível, por diversos
meios, a produção em larga escala de al-
guns HMOs. Para diferenciar os HMOs pro-
venientes da glândula mamária dos HMOs
produzidos tecnicamente, deve-se denom-
inar os HMOs sintéticos de “HMOs idênti-
cos” (iHMOs, do inglês identical human
milk oligossacharides), considerando-se o
fato de que são iguais aos produzidos pelas
mães em período de lactação.
Os GOSs e os FOSs podem ser encon-
trados no leite materno?
Os GOSs e os FOSs não estão presentes no
leite materno. Por motivos comerciais, algu-
mas empresas concluíram que a adição de
GOSs e FOSs às fórmulas infantis as tornaria
mais parecidas com o leite materno. Não há,
entretanto, similaridade estrutural entre os
PBOs e os HMOs. Esse também é o caso
dos “oligossacarídeos galactosilados do
leite” (termo que pode ser encontrado no
rótulo de alguns produtos comerciais). Esses
GOSs do leite são formados a partir da lac-
tose, que é clivada em glicose e galactose,
ou através do alongamento da própria lac-
tose, pela adição de moléculas de galactose
em quantidades diversas. Ainda assim, es-
ses GOSs lineares curtos ou mais longos
tampouco compartilham similaridades es-
truturais com os HMOs. Não se realizou, até
o momento, nenhum estudo para comprovar
que os efeitos dos GOSs/FOSs no sistema
imune, por exemplo, são comparáveis aos
dos HMOs.
Quais são os próximos passos?
Houve, nos últimos anos, avanços impor-
tantes na área dos prebióticos, principal-
mente devido ao progresso da compreensão
do papel da microbiota na saúde e na doença.
São definitivamente necessárias estratégias
eficazes para garantir a saúde da microbiota.
Nesse contexto, seria adequada a utilização
precisa do termo “prebióticos”, mas isso
também requer definição mais específica.
4 Kunz C, Kuntz S, Rudloff S. Bioactivity of human milk oligosaccharides. In Moreno FJ, Sanz ML (eds). Food Oligosaccharides: Production, Analysis, and Bioactivity. Chichester; John Wiley & Sons, Inc. 2014. p 5–17. ISBN: 978–1–118–42649–4.
5 Gibson GR, Roberfroid MB. Dietary modulation of the human colonic microbiota: introducing the concept of prebiotics. J Nutr. 1995 Jun;125(6):1401–12.
6 Morozov V, Hansmann G, Hanisch FG, Schroten H, Kunz C. Human milk oligosaccharides as promising antivirals. Mol Nutr Food Res. 2018 Mar;62(6): e1700679.
www.nnibrasil.com.br
thenest
10 11
Mensagens principais
• Os potenciais efeitos benéficos de
saúde dos microrganismos “não vivos”
merecem estudos mais acurados, con-
siderando-se o fato de que é muito mais
fácil produzi-los e preservá-los em com-
paração aos organismos vivos.
• Alguns dados sugerem que partículas de
microrganismos e/ou seus metabólitos
podem ser suficientes para induzir efei-
tos imunológicos.
• São necessárias mais evidências sobre
os benefícios potenciais dos micror-
ganismos não viáveis.
O que significa “probiótico”? Alguns
pesquisadores conferem à palavra uma eti-
mologia completamente grega; ela, entre-
tanto, parece composta da preposição la-
tina pro (“em favor de”) e do adjetivo grego
βιωτικός (biōtikos, “adequado para a vida,
vivo”), que deriva do substantivo βίος (bíos,
“vida”). Os probióticos são definidos como
microrganismos vivos que, quando utiliza-
dos em quantidades adequadas, pro-
movem benefícios à saúde do hospedeiro.
Embora a definição de “probiótico” des-
creva microrganismos ingeridos “vivos”, é
importante perguntar se os microrganis-
mos mortos também podem fornecer
benefícios à saúde. Há, obviamente, evi-
dências muito maiores e mais fortes dos
efeitos benéficos à saúde ligados a bac-
térias “vivas” em relação às “mortas”. O
principal motivo dessa diferença se deve
ao simples fato de que as bactérias vivas
foram muito mais amplamente estudadas
do que as mortas. O que se sabe sobre
“bactérias não vivas”?
A literatura sobre a eficácia dos micror-
ganismos probióticos mortos por calor é
crescente. Um exemplo: Lactobacillus LB
são utilizados no tratamento de gastroen-
terite aguda [1]. Outros produtos demons-
traram eficácia no tratamento de cólica in-
fantil [2]. Os probióticos baseados em
esporos, ou esporobióticos, consistem na
parede celular de microrganismos Bacillus.
A publicidade leiga e as alegações a favor
dos esporobióticos são impressionantes:
“Considerando-se as capacidades únicas
dos esporobióticos, os cientistas acreditam
que esses microrganismos podem benefi-
ciar indivíduos com problemas de saúde,
como autismo, distúrbios neurológicos e
doenças relacionadas ao sistema imune.
Além disso, os probióticos baseados em
esporos podem ajudar a fortalecer o or-
ganismo contra agressores ambientais,
como campos eletromagnéticos, pesti-
cidas e poluição do ar”. Há, entretanto,
muito poucas informações na literatura
científica. O termo “pós-biótico” foi intro-
duzido para descrever um produto que
contém microrganismos mortos e seus
metabólitos: fatores solúveis (produtos ou
subprodutos metabólicos) secretados por
bactérias vivas ou liberados após lise bac-
teriana, como enzimas, peptídeos, ácidos
teicoicos, polissacarídeos, proteínas de su-
perfície celular e ácidos orgânicos. Demons-
trou-se que alguns probióticos mortos são
capazes de modular o sistema imune (com-
postos da parede celular podem fortalecer
o sistema imune) e apresentam maior
adesão às células intestinais, de modo a fa-
vorecer a inibição de patógenos (Tabela 1).
Y v a n V a n d e n p l a s
Departamento de Pediatria, Vrije Universiteit Brussel, Bruxelas, Bélgica
yvan.vandenplas@uzbrussel.be
Já há algumas décadas é possível en-
contrar fórmulas infantis fermentadas em
muitos países. Essas fórmulas contêm bac-
térias “assassinadas” durante o processo
de produção/fermentação, o que resulta na
presença de bactérias mortas e de seus
metabólitos no produto final [3]. Cinco en-
saios randomizados e controlados que en-
volveram 1.326 lactentes e compararam
fórmulas fermentadas com fórmulas de
rotina não fermentadas demonstraram que
o ganho de peso e de estatura durante o
período de estudo foi similar. Além disso,
as fórmulas infantis fermentadas podem re-
duzir alguns sintomas digestivos. As evi-
dências atuais, entretanto, não corroboram
o uso de fórmulas fermentadas na pre-
venção de alergia ao leite de vaca [3].
Em conclusão, os potenciais efeitos
benéficos de saúde dos microrganismos
mortos merecem estudos mais acurados,
considerando-se o fato de que é muito mais
fácil produzi-los e preservá-los em relação
aos organismos vivos. Embora pareça
provável a necessidade de microrganismos
vivos para restaurar ou influenciar a com-
posição da microbiota intestinal, também
parece provável que as partículas dos mi-
crorganismos e/ou de seus metabólitos se-
jam suficientes para induzir efeitos imu-
nológicos. São, entretanto, necessárias
mais evidências sobre os benefícios poten-
ciais dos microrganismos não viáveis. No
momento atual, a legislação e as alegações
estão muito aquém da imaginação dos mar-
queteiros.
É realmente necessário que os probióticos estejam "vivos"?
Referências1 Salazar-Lindo E, Figueroa-Quintanilla D,
Caciano MI, Reto-Valiente V, Chauviere G, Colin P; Lacteol Study Group. Effectiveness and safety of Lactobacillus LB in the treatment of mild acute diarrhea in children. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2007 May;44(5):571–6.
2 Vandenplas Y, Bacarea A, Marusteri M, Bac-area V, Constantin M, Manolache M. Efficacy and safety of APT198K for the treatment of infantile colic: a pilot study. J Comp Eff Res. 2017 Mar;6(2):137–44.
3 Szajewska H, Skórka A, Piescik-Lech M. Fermented infant formulas without live bacteria: a systematic review. Eur J Pediatr. 2015 Nov;174(11):1413–20.
Tabela 1: Principais características de probióticos e pós-bióticos
Probióticos Pós-bióticos
Definição Microrganismos vivos que, quando consumi-dos em quantidades adequadas, promovem benefício à saúde do hospedeiro
Microrganismos mortos e seus metabólitos: fatores solúveis secretados por bactérias vivas ou liberados após lise bacteriana
Exemplos Espécies Bifidobacterium e Lactobacillus Saccaromyces boulardii (uma espécie de fungo)
Enzimas, peptídeos, ácidos teicoicos, muro-peptídeos derivados de peptidoglicano, proteínas de superfície celular e ácidos orgânicos
Comentários adicionais • Alguns benefícios para a saúde promovidos por cepas específicas são bem documentados (consulte também a Tabela 1, no artigo de H. Szajewska, nesta publicação)
• Nem todos os probióticos são iguais; benefícios à saúde específicos de cada cepa
• Alguns benefícios potenciais podem ser atribuídos aos pós-bióticos, mas são necessárias mais evidências
• É necessário entender melhor o impacto dos diversos metabólitos produzidos por bactérias específicas
www.nnibrasil.com.br
To learn more about the Nestlé Nutrition Institute and Wyeth Nutrition Science Center resources, visit: www.nestlenutrition-institute.orgwww.wyethnutritionsc.org
Este impresso é protegido por copyright. Pode, entretanto, ser reproduzido sem permissão prévia por escrito do Nestlé Nutrition Institute ou de S. Karger AG,mas se deve incluir uma referência à publicação original.
O conteúdo deste impresso não foi publicado anteriormente, exceto nas situações em que foram dados os devidos créditos à fonte de onde se obtiveram alguns dos materiais ilustrativos.
Além disso, as informações contidas neste impresso foram preparadas com diligência para garantir sua precisão. Entretanto, nem o Nestlé Nutrition Institute nem S. Karger AG poderão ser responsabilizados por erros ou qualquer consequência decorrente do uso das informações contidas neste material.
Publicado por S. Karger AG, Suíça
© Copyright 2019 de Nestlé Nutrition Institute, Suíça
ISSN 1270 – 9743
Para saber mais sobre os recursos do Nestlé Nutrition Institute e do Wyeth Nutrition Science Center, acesse:
No. 44 / February 2019
M Pro-, Pre-, and Synbiotics:
Myths and Facts
Gut Microbiota and Probiotics,
Prebiotics, and Synbiotics
Hania Szajewska (Poland)
Human Milk Oligosaccharides
versus Prebiotic Oligosaccharides
Clemens Kunz (Germany)
Do Probiotics Really Need
to Be "Alive"?
Yvan Vandenplas (Belgium)
©2019, Nestlé Nutrition Institute
CH–1800 Vevey
Switzerland