Moira Toledo na Folha Dirigida

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EducaçãoFOLHA DIRIGIDA

www.folhadirigida.com.br13 a 19 de outubro de 2011

CADE

RNO

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Recursosaudiovisuaisajudam a ampliarfoco da aprendizagem

São frequentes os debates acadêmi-cos sobre como melhorar o ensinodentro das salas de aula. Um dos

grandes entraves da educação brasileiraé a falta de interesse dos estudantes pe-los conteúdos pedagógicos das discipli-nas. Um comportamento em parte jus-tificado pelo uso de metodologias e ava-liações tradicionais. Ou seriam mesmoultrapassadas?

O que muitos especialistas acreditamé que a escola deve ser mais atrativa paraos estudantes. Esta também é a opiniãoda educadora e doutora em Cinema pelaEscola de Comunicações e Artes da Uni-versidade de São Paulo (ECA-USP), MoiraToledo. E ela vai além...

Autora da tese “Educação Audiovisu-al Popular no Brasil”, a professora acre-dita que a utilização de ferramentas au-diovisuais no processo educativo de cri-anças e jovens pode ser transformadoraem nossa sociedade. Para ela, seria ne-gligência ignorar o imenso potencialdestas novas tecnologias.

Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, adoutora em Cinema afirma que, além deser encarada como ferramenta, a lingua-gem audiovisual pode ampliar as pos-sibilidades de ensino tanto em ambien-tes formais, como nos informais. “Asferramentas audiovisuais são hoje qua-se que mais necessárias na escola do queos próprios conteúdos”, afirma.

Segundo a educadora, a escola tende aprivilegiar, em diferentes níveis, os con-teúdos mais desenvolvidos na esfera dasinteligências linguística, matemática ecorporal, em detrimento dos outros tiposde inteligência. Para ela, as escolas têmpecado no desenvolvimento do que é maisimportante no projeto de vida de cadaaluno, que é o desenvolvimento de com-petências que permitam que ele continueaprendendo - sozinho - depois da esco-la. Com oficinas de vídeo, por exemplo,os alunos desenvolvem habilidades quepoderão usar para sempre em suas vidas.

A solução, de acordo com Moira, é pos-sível: basta vontade política. “Na gran-de maioria das escolas, que possuemmínimas condições de ensino, o uso dasferramentas audiovisuais já é absoluta-mente possível, dependendo apenas devontade política e desejo pedagógico”,afirma. A educadora foi uma das orga-nizadoras do “Seminário Claro Curtas”,onde foram debatidas, em agosto, refle-xões e práticas sobre a utilização da lin-guagem audiovisual na educação.

JOYCE TRINDADEjoyce.trindade@folhadirigida.com.br

Doutora em Cinema pela Escola de Comunicações e Artesda Universidade de São Paulo (ECA-USP), Moira Toledodefende o uso de recursos audiovisuais como forma dedespertar o maior interesse dos alunos pelos conteúdosdisciplinares. E, mais do que isso, como estratégia paraampliar o horizonte do processo de ensino-aprendizagem

AS FERRAMENTAS AUDIOVISUAIS JÁ SÃOCOMUNS HOJE NA SOCIEDADE. ELAS SÃOREALMENTE NECESSÁRIAS NA SALA DE AULA?Moira Toledo - O que é necessário, defato, nas salas de aula? Já faz muito tempoque se questiona o currículo do nossoensino formal. Um aluno formado nosnossos ensinos fundamental e básico temque conhecer e dominar um universoextenso de conhecimentos, e eu reformu-lo a própria pergunta assim: o que seensina hoje nas escolas é realmente ne-cessário para a vida, para o futuro dosalunos? Creio que boa parte dos conteú-dos só interessa de fato a quem preten-de seguir carreira em uma ou outra de-terminada área. Acredito que, em buscade um universo amplo de conhecimen-tos, as escolas acabam perdendo a chancede ensinar com plenitude conhecimen-tos básicos e mais universais. E, especi-almente, as escolas têm pecado no de-senvolvimento do que é mais importanteno projeto de vida de cada aluno, que éo desenvolvimento de competências quepermitam que ele continue aprendendo- sozinho - depois da escola; que ele serelacione bem com as pessoas, em casa,no trabalho; que ele seja uma pessoaativa e tenha um método de pesqui-sa e estudo que seja autônomo e crí-tico. O processo de ensino-aprendizagemdas ferramentas audiovisuais, que ocorreespecialmente a partir de oficinas eworkshops, possui características intrín-secas que permitem aos alunos desen-volver tais competências em um curtoperíodo de tempo, e de maneira defini-tiva. Então, respondendo à pergunta, elevando-a a um paroxismo: sim, as fer-ramentas audiovisuais são hoje quaseque mais necessárias na escola do queos próprios conteúdos. QUAIS BENEFÍCIOS A UTILIZAÇÃO DESSASFERRAMENTAS PODE TRAZER AO PROCESSODE APRENDIZAGEM? O principal benefício advém do próprioperfil da realização audiovisual. Para seproduzir um vídeo, são necessárias - emgeral - muitas pessoas, com habilidadese perfis distintos. O pesquisador HowardGardner afirma que existem diversos ti-pos de inteligência, igualmente comple-xas e necessárias. Ou seja, ninguém é to-talmente inteligente ou desprovido deinteligência. O que ocorre é que as pes-

soas possuem diferentes tipos de inteli-gência. A escola tende a privilegiar, emdiferentes níveis, aqueles mais desenvol-vidos nas inteligências linguística, ma-temática e corporal. No filme “entre osmuros da escola” isso fica muito claro,quando o jovem Suleyman - até então umpéssimo aluno - se revela um excelentefotógrafo (ou seja, uma pessoa com inte-ligência visual desenvolvida). Em umaequipe de vídeo há lugar para todo tipode criança ou jovem, para todo tipo deinteligência. Para os hábeis em lingua-gem, roteiro. Os desenvoltos em aspec-tos visuais, há a direção de arte, a foto-grafia, a direção. Os destros em inteligênciacorporal podem assumir a operação decâmera, o microfone, a construção de ce-nários. Os bons em matemática desco-brem novos desafios na direção de foto-grafia, na construção de cenários/maque-tes, na operação das ilhas de edição. E,assim, ao compor uma equipe, privile-gia-se e se dá espaço a todos os alunos,ou seja, constrói-se um percurso pedagó-gico inclusivo. Fora isso, o próprio circuitoeducativo das oficinas privilegia - e mui-to - o desenvolvimento de outras com-petências. Por exemplo, durante o pro-cesso de experimentação e aprendizagemdo uso da câmera de vídeo, os alunos sãoestimulados a fazer experimentações ri-gorosas, sempre mudando apenas umparâmetro envolvido da experiência. Semperceber, praticam o método científico -algo que poderão usar para sempre emsuas vidas. No processo coletivo de de-senvolvimento dos roteiros, todos os alu-nos acabam se expondo, se expressando,e tendo que lidar com as críticas do ou-tro. Aprendem a fazer e ouvir críticas, adissociar o trabalho de si mesmos, e en-tendem, por fim, que quando alguém estácriticando algo que você fez, o que estásendo debatido é o que foi produzido, enão você, como pessoa. Essa é uma dis-tinção fundamental, que é útil para o de-

senvolvimento da inteligência interpes-soal, da inteligência emocional dos alu-nos, revelando-se, por fim, uma compe-tência para todos os relacionamentos queeles terão no futuro. E esses são apenasdois exemplos de aspectos de uma ofici-na audiovisual, que vão muito além dequaisquer resultados audiovisuais em si.

HÁ EDUCADORES, PRINCIPALMENTE OS MAISANTIGOS E TRADICIONAIS, QUE AINDA TÊM UMACERTA AVERSÃO À TECNOLOGIA. MUITOS DIZEMQUE É POSSÍVEL ENSINAR BEM SEM TAIS FERRA-MENTAS. O QUE PENSA A RESPEITO DISSO?Acho que a questão da tecnologia é se-cundária aqui. O que a educação audio-visual traz hoje é um meio de integraros alunos em um processo expressivo,técnico e humanista que tem diversosaspectos e resultados positivos, quepodem ajudar as escolas a superar desa-

fios crônicos. Os professores de geraçõesmais antigas, mesmo da geração da mi-nha mãe, que sempre pediu ajuda pra co-nectar os fios do VHS na televisão, hojeestão muito mais familiarizados com ainternet, celulares, câmeras fotográficasdigitais do que há dez anos. E os alunos,então, ainda muito mais do que os edu-cadores. É fato que é possível ensinar semo audiovisual. Mas seria simples negli-gência perceber o potencial imenso deuma nova ferramenta - que não por aca-so envolve tecnologia - e ignorá-la. En-tão, não é uma questão de ser possívelou não. Sem dúvida que um professorbrilhante, que envolve os alunos de outrasmaneiras e conquista resultados signi-ficativos, pode questionar a necessida-de da educação audiovisual. Nesse con-texto, entendo que o educador vai seapaixonar pela educação audiovisual, seexperimentar, porque isso levará o de-sempenho da turma que já é boa a ní-veis ainda mais profundos. Agora, umprofessor que encontra dificuldades emsala de aula, alunos desmotivados, muitaevasão ou baixo desempenho... bom, paraesse, a educação audiovisual é um acha-do, pois ajudará a colocar o processo edu-cativo nos trilhos. Enfim, acredito que ésó falta de oportunidade, de formação ede condições para fazê-lo, como tempodentro do cronograma das aulas e pro-fessores interessados, entre outras.

A DISCUSSÃO SOBRE EDUCAÇÃO AUDIOVISU-AL NÃO FOGE UM POUCO DA REALIDADE DAMAIORIA DAS ESCOLAS, QUE NÃO POSSUI AMENOR INFRAESTRUTURA PARA LECIONAR ASMATÉRIAS BÁSICAS DO ENSINO REGULAR?É impossível falar em educação audiovi-sual quando não há mínimas condiçõesde aprendizagem, como escolas de lata,um professor atendendo diversas turmas,etc. Nesses casos, sem dúvida, as preocu-pações sempre serão outras. Mas, na grandemaioria das escolas, que possuem míni-

mas condições de ensino, o uso das fer-ramentas audiovisuais já é absolutamen-te possível, dependendo apenas de von-tade política e desejo pedagógico.

MUITAS ESCOLAS PARTICULARES JÁ UTILIZAMESSE TIPO DE TECNOLOGIA OU TÊM PROJETOSDESSE TIPO. MAS, COMO LEVAR ESSAS TEC-NOLOGIAS A QUEM NÃO TEM ACESSO A ELAS?Um caminho é o uso de celulares e câ-meras digitais portáteis, uma realidadeaté em localidades pequenas e distantes.No Festival Claro Curtas, assisti a filmesde formato curtíssimo realizados em to-dos os cantos do país, em cidades cujosnomes nunca antes tinha ouvido falar. Ci-dades que se pode antever nos vídeos, deinterior, do sertão. As câmeras hoje estãoem todos os lugares. Então, eu acredito,de verdade, que é uma questão de vonta-de política. Se houver uma política naci-onal de incentivo à educação audiovisu-al, haverá muito mais cidades e escolasem condições de participar do que o con-trário. E todas se beneficiarão.

O QUE FAZER PARA QUE A EDUCAÇÃO AUDI-OVISUAL SEJA POPULAR NO BRASIL?Bom, de certa maneira, ela já é. Nunca vibalanços negativos da realização de umprocesso similar. Já são mais de 2.500alunos formados nos últimos 15 anos.Mais de 3.000 vídeos produzidos. São 18estados e mais de 40 cidades diferentescom projetos contínuos... Ou seja, a edu-cação audiovisual popular já produz maisdo que as escolas de cinema brasileiras.Agora, a ampliação disso para uma esca-la macro depende de políticas públicas.Minha tese de doutorado foi elaboradacom o objetivo de oferecer subsídios àque-les que desenvolvem políticas públicas,de modo que esse passo possa enfim serdado, contando com informações e a ex-periência das mais de 100 entidades quedesenvolvem projetos similares.

O SEMINÁRIO CLARO CURTAS, QUE ACONTE-CEU EM AGOSTO, COM O TEMA ‘EMPREENDERE APRENDER’, COMO PARTE DA 3ª EDIÇÃO DOFESTIVAL NACIONAL DE CURTÍSSIMA METRA-GEM DO INSTITUTO CLARO, FOI REALIZADOPARA DEBATER O ASSUNTO. DE ACORDO COMO SEMINÁRIO, QUAL É O BALANÇO DAS OPOR-TUNIDADES E AVANÇOS NO USO DA LINGUA-GEM AUDIOVISUAL EM AMBIENTES EDUCATI-VOS?Acho que seguimos avançando. A cada diafico sabendo de uma nova iniciativa, umnovo projeto, uma nova abordagem viapolíticas públicas. O seminário foi mui-to ilustrativo nesse sentido: Cineclubes,Secretaria de Cultura do Rio, universida-des, alunos virando professores... Há ummovimento social muito grande, um es-pírito da época, movendo energia nessesentido. São diferentes iniciativas que, emum seminário como esse, se aproximamem busca de soluções comuns e de inte-resse real para a sociedade.

O GUIA DO EDUCADOR FOI DESENVOLVIDO PELOINSTITUTO CLARO PARA OFERECER, GRATUITA-MENTE, AOS PROFESSORES E ALUNOS, FERRA-MENTAS E SUBSÍDIOS PARA ESTIMULAR O DE-SENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES AUDIOVISUAISEM SALA DE AULA. AÇÕES COMO ESSAS CON-SEGUEM BONS RESULTADOS?Sem dúvida. O processo de síntese em ma-teriais educativos é fundamental para ga-rantir que não se caia, sempre, no desper-dício da experiência social. Como diz Bo-aventura Souza Santos, a experiência so-cial do mundo é muito maior do que seimagina. E grande parte dela está sendodesperdiçada... É fundamental que docu-mentemos o que estamos pensando econstruindo, e que os alunos tenhamcomo buscar referências em seu proces-so ‘se-virista’, em sua ‘sevirologia’. Ou seja,que eles tenham bons materiais para es-tudar enquanto buscam aprender a ‘sevirar’, que é um dos principais objetivosdas oficinas audiovisuais.

Material pode auxiliar educadores

No site do Instituto Claro, os professores e educadores em geral po-

dem ter acesso a links de materiais para auxiliar no desenvolvimento

de atividades audiovisuais. Um deles é a Cartilha ‘Tecnologias na Es-

cola’, que mostra como explorar o potencial das tecnologias de infor-

mação e comunicação na aprendizagem. Já o ‘Guia do Educador’, traz

dicas sobre o uso da linguagem audiovisual em sala de aula.

Link Tecnologias na Escola:

https://www.institutoclaro.org.br/banco_arquivos/Cartilha.pdf

Link Guia do Educador:

http://clarocurtas.com.br/uploads/cc_guia_educador.pdf

“ É fato queé bem possívelensinar sem oaudiovisual.Mas seria simplesnegligênciaperceber opotencial imensode uma novaferramenta - quenão por acasoenvolve tecnologia- e ignorá-la

Moira Toledo:“Um caminho paraviabilizar a produçãoaudiovisual é ouso de celulares ecâmeras digitaisportáteis, umarealidade até emlocalidadespequenas edistantes”

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