Post on 02-Dec-2015
FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR DAMÁSIO DE JESUS
PRO LABORE CURSOS JURÍDICOS
Pós Graduação em Direito do Trabalho
O MECANISMO FLEXIBILIZATÓRIO DA COMPENSAÇÃO ANUAL DE
JORNADA DA LEI 9601/98 EM CONTRAPONTO AO ARTIGO 7º DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
ÊNIA RESENDE MENEZES
BELO HORIZONTE
2010
Ênia Resende Menezes
O MECANISMO FLEXIBILIZATÓRIO DA COMPENSAÇÃO ANUAL DE
JORNADA DA LEI 9601/98 EM CONTRAPONTO AO ARTIGO 7º DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
BELO HORIZONTE
2010
Monografia apresentada como pré-requisito
para a conclusão do curso de Pós
Graduação lato sensu em Direito do
Trabalho da Faculdade de Direito Professor
Damásio de Jesus em parceria com o Pro
Labore Cursos Jurídicos.
Orientadora: Profa. Ms. Ana Carolina
Gonçalves Vieira
Ênia Resende Menezes
O MECANISMO FLEXIBILIZATÓRIO DA COMPENSAÇÃO ANUAL DE
JORNADA DA LEI 9601/98 EM CONTRAPONTO AO ARTIGO 7º DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR DAMÁSIO DE JESUS
Data de Aprovação: ____ de _____________ de 20___
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Dedico este trabalho aos
meus pais, exemplos de fé e
perseverança.
Ao meu marido Alex,
companheiro maravilhoso e meu
principal incentivador.
À minha preciosa filha
Letícia, criança carinhosa e vivaz,
“alegria” e razão maior da minha
luta diária.
AGRADECIMENTOS
Agradeço às professoras Ana Carolina Gonçalves e Sielen Caldas pelo apoio,
orientação e paciência nos trabalhos de elaboração da presente pesquisa.
Aos colegas de curso, pelas horas compartilhadas e pelas experiências
trocadas.
Ao Pro Labore Cursos Jurídicos pelo compromisso assumido e honrado.
RESUMO
A verificação da constitucionalidade da ampliação do prazo para
compensação de jornada é de grande relevância para o direito laboral vez que
ressalta a importância de se conjugar os princípios e valores apregoados pela
Constituição da República e pelo próprio Direito do Trabalho aos objetivos de ordem
flexibilizatória.
A flexibilização de normas trabalhistas não pode ter apenas o condão de
garantir e ampliar a oferta de empregos, mas deve ter a preocupação de não se
relegar ao segundo plano os princípios basilares do direito do trabalho, aqui se
destacando o princípio da proteção e o princípio da indisponibilidade ou
irrenunciabilidade. Além dos princípios retro citados deve-se destacar ainda a
proteção do aspecto biológico do trabalhador ou hipossuficiente e do aspecto social,
uma vez que jornadas prolongadas além de exaurir o trabalhador acabam por lhe
retirar o tempo de que dispõe para estar em comunidade.
Ao permitir a flexibilização da jornada de trabalho em seu artigo 7º inciso XIII,
não pretendeu a Constituição esvaziar o princípio da proteção à saúde do
trabalhador, princípio esse destacado no inciso XXII do mesmo artigo retro citado.
O regime clássico flexibilizatório, aqui se esclareça se tratar de regime de
compensação mensal, conforme destaca o ilustre autor Maurício Godinho Delgado
(2009, p. 864), proporcionava vantagens também para o empregado, porque
utilizava uma extensão de lapso temporal ponderada. Segundo o mesmo autor “a
extensão na utilização do mecanismo compensatório é que autoriza preservar-se (ou
não) seu impacto favorável ao trabalhador”.
Mas a nova sistemática legal do banco de horas ao ampliar o prazo da
compensação para 1 (um) ano estendeu o parâmetro temporal de forma excessiva,
o que pode gerar danos à saúde do trabalhador.
A flexibilização deve-se prestar também a proteger o trabalhador,
assegurando-lhe vantagens mínimas. Portanto, estender o prazo de compensação a
um lapso temporal de 1 (um) ano é desconsiderar as implicações que tal regime
pode gerar na saúde e segurança do trabalhador.
PALAVRAS CHAVE: Banco de horas. Compensação anual. Flexibilização
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................8
2 DURAÇÃO DO TRABALHO...................................................................................9
2.1 Evolução histórica da jornada de trabalho.......................................................9
2.2 Conceito.............................................................................................................11
2.3 Classificação......................................................................................................12
2.4 Fundamentos.....................................................................................................15
3 A FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO............................................17
3.1 Conceito.............................................................................................................17
3.2 Princípios Gerais de Direito..............................................................................19
3.2.1 Princípio da Razoabilidade...........................................................................19
3.2.2 Princípio da boa-fé........................................................................................20
3.2.3 Princípio da valorização do trabalho humano............................................21
3.3 Os princípios do Direito do Trabalho e a flexibilização.................................23
4 FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO.............................................26
4.1 Contexto histórico.............................................................................................26
4.2 A flexibilização no Brasil..................................................................................28
5 COMPENSAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E O BANCO DE HORAS.....29
5.1 Compensação de jornada e a natureza jurídica do título autorizador..........29
5.2 Parâmetro temporal da compensação de jornada e a Lei 9601/98...............33
6 CONCLUSÃO.......................................................................................................37
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................39
8
1 INTRODUÇÃO
A flexibilização das normas trabalhistas é um tema recorrente que há alguns
anos tem merecido especial atenção dos estudiosos do Direito, em virtude de
algumas mudanças ocorridas na legislação. Muitas dessas mudanças se impuseram
sob o fundamento de atenuar o desemprego, face os reflexos gerados, pela
globalização, na economia mundial.
Dentre as várias medidas flexibilizatórias adotadas pelo Brasil, destacamos a
da flexibilização da jornada de trabalho, em especial a da compensação anual ou
banco de horas. Para tratar dessa medida, necessário se faz um aprofundamento no
estudo da duração do trabalho.
A duração do trabalho, por um bom período da história da humanidade, não
sofreu qualquer limitação. Entretanto, à medida que o homem evoluía foi-se notando
a necessidade de uma delimitação de tempo para repouso ou tempo livre, como
forma de resguardar a saúde e a capacidade laborativa do trabalhador.
No segundo capítulo apresentamos uma breve evolução histórica da duração
do trabalho, os aspectos e fundamentos que levaram a criação do conceito jornada
de trabalho. Foi dado enfoque maior aos fundamentos da limitação de jornada para
a verificação dos reais benefícios gerados pela flexibilização do Direito do Trabalho
no tocante à jornada de trabalho.
No terceiro capítulo, como base para justificação da presente pesquisa foi
feito um estudo sobre o fenômeno da flexibilização do Direito do Trabalho. Foram
apresentadas variadas conceituações para o termo flexibilização e ainda um estudo
dos princípios gerais de Direito e do Direito do Trabalho por entendermos
constituírem eles grandes limitadores às negociações flexibilizatórias.
No quarto capítulo foi apresentado um estudo da flexibilização da jornada de
trabalho, dando-se destaque ao contexto histórico de seu surgimento. Buscou-se
analisar o desenvolvimento da flexibilização num contexto mundial e, ainda, dentro
do Direito do Trabalho brasileiro.
9
No quinto capítulo foi realizada uma análise minuciosa do tema compensação
de jornada, compreendendo seus aspectos práticos e sua evolução dentro do
ordenamento jurídico. Realizou-se também um estudo da Lei 9601/98 e a forma de
compensação por ela introduzida, sobretudo no que se refere à alteração realizada
no § 2º do artigo 59 da CLT que instituiu o chamado “banco de horas”.
Por fim, foram tecidas algumas considerações levando-se em conta princípios
e regras subjacentes ao tema da duração do trabalho, tais como o princípio da
proteção do trabalhador, da valorização do trabalho humano, ressaltando-se a
importância das normas de segurança e medicina do trabalho, para justificar a
rejeição ao parâmetro anual de compensação de jornada.
2 DURAÇÃO DO TRABALHO
2.1 Evolução histórica da jornada de trabalho
Durante um grande período na história da humanidade não se conheceu
limites para a duração do trabalho. Em meados de 1800, em grande parte dos
países da Europa, a jornada de trabalho era de 12 a 16 horas, principalmente entre
mulheres e menores.
Vários protestos ocorreram, principalmente nos países de língua inglesa,
reivindicando a diminuição da jornada de trabalho. A Inglaterra foi um dos primeiros
países a reduzir a jornada de trabalho diário para 10 horas.
Com a revolução industrial a preocupação com a jornada de trabalho se
acentuou visto que a utilização crescente das máquinas acarretou um aumento da
jornada e redução dos salários, que, segundo Arnaldo Süssekind configurou um
verdadeiro “retrocesso que afrontava a dignidade humana, a duração normal do
trabalho totalizava, comumente, 16 horas diárias; o desemprego atingiu níveis
alarmantes e o valor dos salários decresceu.” (SÜSSEKIND, 2004, p.15)
10
Em 1866, em Genebra, realizou-se o Congresso Operário Internacional que
buscava a instituição de jornada de trabalho não superior a 8 horas por dia. Em
decorrência desse congresso, em 1868 os Estados Unidos reduziram a jornada de
seus servidores públicos federais para 8 horas diárias.
A limitação da duração da jornada de trabalho era preocupação inclusive da
igreja católica que em 1891, através de seu papa Leão XIII, previu, na Encíclica
Rerum Novarum, que o número de horas de trabalho diário não devia exceder a
força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso devia ser proporcional à
qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à compleição e saúde
dos operários. Tal Encíclica foi um grande marco histórico vez que por sua influência
vários países começaram a limitar a jornada de trabalho em oito horas diárias. A
partir de 1915 a jornada de oito horas foi-se generalizando na maioria dos países.
Segundo Sérgio Pinto Martins a declaração de princípios feita na Conferência
das Nações Aliadas, foi um importante documento na adoção pelos países
contratantes da jornada de oito horas ou a semana de 48 horas de trabalho (art.
427). (MARTINS, 2010, p. 505)
No Brasil a jornada de trabalho somente foi regulamentada em 1932, com a
expedição de alguns decretos que determinaram uma jornada de oito horas para
algumas atividades, tais como indústria e comércio. Somente em 1934 é que houve
previsão constitucional estabelecendo que o trabalho diário não podia exceder de
oito horas, permitindo a sua redução e admitindo a prorrogação somente nos casos
previstos em lei.
A Constituição de 1988 é que modificou um pouco a orientação que vinha
sendo seguida pelas anteriores no tocante a jornada de trabalho estabelecendo no
seu art. 7º: “a duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e
quarenta e quatro semanal, facultada a compensação de horários e a redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
11
2.2 Conceito
Para Sérgio Pinto Martins “jornada de trabalho é a quantidade de labor diário
do empregado”. (MARTINS, 2010, p. 507) Já para Maurício Godinho Delgado
“jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à
disposição do empregador em virtude do respectivo contrato”. (DELGADO, 2010, p.
782)
Para melhor se entender o conceito de jornada de trabalho devemos analisá-
lo sob três aspectos ou teorias, quais sejam: i) do tempo efetivamente trabalhado, ii)
do tempo à disposição do empregador e iii) do tempo in itinere.
No primeiro aspecto considera-se apenas o tempo que o empregado
efetivamente presta serviços ao empregador. Por esse critério não se compreendem
na jornada do trabalhador o tempo à disposição do empregador mas sem labor
efetivo e também não são considerados quaisquer tipos de intervalo intrajornada.
Nesse caso as paralisações durante o tempo em que o empregado encontra-se na
empresa, como o fato de não estar produzindo em horário de trabalho não são
consideradas na jornada de trabalho. Segundo Maurício Godinho esse critério foi
rejeitado pelo Direito brasileiro, conforme se pode verificar a seguir:
No Brasil, o fato de a CLT considerar como tempo de serviço também o período em que o empregado estiver simplesmente “à disposição do empregador, aguardando... ordens” (art. 4º) demonstra a rejeição, pela ordem justrabalhista brasileira, do critério do tempo efetivamente laborado como critério padrão de cálculo da jornada no mercado de trabalho do país. (DELGADO, 2010, p. 789)
No segundo aspecto considera-se jornada de trabalho o tempo em que o
empregado encontra-se à disposição do empregador. Nesse caso é computado
como jornada o tempo que o empregado encontra-se na empresa, desde o momento
em que nela chega até o momento em que dela se retira. Para Maurício Godinho o
Direito Laboral brasileiro adota esse critério como regra padrão para o cômputo da
jornada de trabalho (art. 4º da CLT).
12
No terceiro aspecto considera-se como jornada de trabalho o tempo in itinire,
ou seja aquele em que o empregado despende para o deslocamento até o local de
trabalho. Para Maurício Godinho no tempo de deslocamento “considera-se o tempo
despendido pelo obreiro no deslocamento residência-trabalho-residência, período
em que, evidentemente, não há efetiva prestação de serviços ("horas
deslocamento”)”. (DELGADO, 2010, p. 790) Entretanto, não se pode considerar
todo e qualquer tempo de deslocamento, tendo em vista que em alguns casos o
empregado pode residir em local muito distante do local de trabalho, o que dificulta o
controle da sua jornada in itinere. Necessário se faz esclarecer que a jornada in
itinere ou de deslocamento depende do fornecimento do transporte pelo empregador
e desde que o percurso não seja servido por transporte público regular. Godinho diz
ainda que, embora esse critério não seja adotado como regra geral na ordem
justrabalhista do país, acabou ele sendo incorporado na CLT, art. 58, § 2º em vista
da construção jurisprudencial longamente maturada do tempo de deslocamento
também chamado de horas in itinere. Considera-se como horas in itinere, segundo o
§ 2º do art. 58 da CLT:
Art. 58 (...)
§ 2º - o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. (BRASIL, 2010, p. 880)
Como visto, o Brasil adotou tanto a teoria do tempo à disposição do
empregador quanto a do tempo in itinere, ou seja, adotou um sistema de controle de
jornada híbrido.
2.3 Classificação
Verificar a natureza jurídica de um instituto é buscar a sua inserção em
algumas das várias categorias do Direito. Para César Fiuza “conhecer a natureza
jurídica de determinado instituto é saber o que é esse instituto, é conhecer sua
essência”. (FIUZA, 2003, p. 123)
13
A natureza jurídica da jornada de trabalho é mista visto que a sua regulação
interessa tanto ao Estado como ao particular. Assim, a jornada de trabalho
apresenta natureza pública uma vez que ao Estado interessa proteger o trabalho
preservando-o de pactuação de jornadas muito extensas e, ainda, natureza privada
visto que as partes podem fixar jornadas inferiores às previstas na legislação.
Antes de adentrarmos no território da classificação necessário se faz
estabelecer a distinção entre jornada de trabalho e horário de trabalho. Jornada de
trabalho para Sérgio Pinto Martins “é a quantidade de labor diário do empregado”.
(MARTINS, 2010, p. 507) Para Maurício Godinho Delgado “jornada, portanto, traduz,
no sentido original (e rigoroso, tecnicamente) o lapso temporal diário em que o
obreiro tem de se colocar à disposição do empregador em virtude do contrato
laboral". (DELGADO, 2010, p 787)
Já horário de trabalho segundo Sérgio P. Martins (MARTINS, 2010, p. 507) “é
o espaço de tempo em que o empregado presta serviços ao empregador contado do
momento em que se inicia até seu término, não se computando porém o tempo de
intervalo. Maurício Godinho Delgado diz que “a expressão horário de trabalho
traduz, rigorosamente, o lapso temporal entre o início e o fim de certa jornada
laborativa”. (DELGADO, 2010, p. 787)
No entendimento do conceito de jornada de trabalho é importante destacar o
que bem nos coloca Sérgio Pinto Martins:
O vocábulo giornata, em italiano, significa dia. Em francês, usa-se a palavra jour, dia; journeé quer dizer jornada. Jornada significa o que é diário. Seriam as oito horas diárias de trabalho. As 44horas a que faz referência a Constituição não têm o nome de jornada, pois não são diárias, mas semanais. A denominação correta seria módulo semanal ou duração semanal do trabalho. (MARTINS, 2010, p. 507)
Feita a distinção entre jornada e horário de trabalho passamos agora a
classificação da jornada de trabalho.
Para Sérgio Pinto Martins jornada de trabalho pode ser dividida quanto à
duração, ao período, à profissão e à flexibilidade.
14
Quanto à duração a jornada pode ser normal ou ordinária, extraordinária ou
suplementar, limitada e ilimitada. A jornada normal ou ordinária é a prevista no artigo
7º, inciso XIII da Constituição da República, ou seja, jornada de oito horas diárias de
trabalho e 44 semanais. A jornada extraordinária ou suplementar é aquela em que
as horas excedem os limites legais, como as que ultrapassem as oito horas diárias e
44 semanais. Já a jornada limitada é aquela em que a lei prevê um limite especial,
como no caso dos médicos, em que há um limite máximo de quatro horas diárias
(art. 8º, “a”, Lei 3999/61). A jornada ilimitada é aquela em que não há nenhuma
limitação pela lei.
Quanto ao período a jornada pode ser diurna, noturna ou mista. A jornada
diurna é a compreendida no período de 5:00 às 22:00 horas. A noturna é a que
ocorre entre as 22:00 e as 5:00 horas (art. 73, § 2º, da CLT) e mista a que se dá
parte no período diurno e parte no período noturno (art. 73, § 4º, da CLT). Aqui vale
ressaltar que o trabalhador rural tem critério diferente quanto à jornada. Para o rural,
conforme dispõe o art. 7º da Lei 5889/73, a jornada noturna é de 21:00 às 05:00 h
para os que trabalham na lavoura, e de 20:00 às 04:00 h para os que trabalham na
pecuária.
Quanto à profissão a lei faz distinção em relação à jornada de trabalho
conforme a categoria profissional. São exemplos de jornada fixada em função da
profissão a dos bancários, que possuem jornada de 6 horas (art. 224, CLT), a do
telefonista, que possui jornada de 6 horas diárias ou 36 semanais (art. 227, CLT).
Além dos exemplos aqui citados a CLT prevê outras jornadas especiais no capítulo I
do Título III.
Quanto a flexibilidade a jornada pode ser flexível ou inflexível. No Brasil não
temos previsão a respeito desses tipos de jornadas. A jornada flexível, também
denominada flex time, usada nos países de língua inglesa, é aquela em que o
trabalhador faz o seu horário de trabalho diário, respeitando apenas um limite
semanal ou anual a que está obrigado a cumprir. Já a jornada inflexível é a que não
pode ser seccionada.
15
2.4 Fundamentos
Como visto a necessidade de limitação da jornada de trabalho e da instituição
de repouso foi uma preocupação que foi sendo sentida no decorrer da evolução do
próprio Direito do Trabalho.
Segundo Orlando Gomes e Elson Gottschalk “a civilização e a experiência do
homem deram-lhe a convicção de que a instituição de repouso ou tempo livre era útil
sob tríplice aspecto: a) fisiológico; b) moral e social; c) econômico". (GOMES;
GOTTSCHALK, 2008, p. 295) Para os mesmos autores a limitação da duração da
jornada teve como primeiro fundamento científico a própria Fisiologia. Através dos
estudos feitos pela Fisiologia, cientistas constataram que o organismo humano sofre
desgastes quando se põe em atividade, promovendo a queima das energias
acumuladas numa maior proporção.
Para Sérgio Pinto Martins a limitação da jornada de trabalho tem como
fundamento quatro fatores: a) biológicos, que tratam dos efeitos psicofisiológicos
causados ao empregado, decorrentes da fadiga; b) sociais, considerando o
empregado como ser social e sociável e sua necessidade de socialização; c)
econômicos e, d) humanos.
Dentro do fundamento biológico ou fisiológico verifica-se que a fadiga é um
processo que se instala sorrateiramente no organismo humano quando este
desenvolve atividade prolongada. Orlando Gomes esclarece bem o que ocorre no
processo de fadiga:
A perda de oxigênio do sangue, o aumento de sua taxa hidrogênica, a formação excessiva de ácido lático e de CO3H2 são alguns dos fatores que concorrem para a formação das toxinas da fadiga. A acidemia que se forma excita a respiração e aumenta a ventilação pulmonar, produzindo os sintomas subjetivos de mal-estar ou dispnéia. Se o organismo humano se entrega a uma atividade sem trégua, a fadiga se converte em fadiga crônica. (GOMES; GOTTSCHALK, 2008, p. 295)
Compartilhando desse mesmo entendimento Amauri Mascaro do Nascimento
diz que “o trabalho desenvolvido longamente pode levar à fadiga física e psíquica;
daí a necessidade de pausas para evitar a queda do rendimento, o acúmulo de
16
ácido lático no organismo e a conseqüente insegurança do trabalhador".
(NASCIMENTO apud MARTINS, 2010, p. 510)
O fundamento social se impõe pela necessidade de o trabalhador ter um
tempo maior disponível para estar com sua família e amigos e, assim, não ter o seu
convívio social comprometido. Orlando Gomes, citando Mossé diz que “o trabalhador
tem legitimamente direito de desfrutar uma vida pessoal, fora da profissional, em que
possa cumprir sua função social. Desenvolver-se intelectual, moral e fisicamente,
participando dos benefícios da cultura e da civilização moderna”. (GOMES;
GOTTSCHALK, 2008, p. 296)
Como fundamento econômico se destaca o problema do desemprego, pois se
acredita que quanto menos horas o obreiro trabalhar entende-se que haverá maior
necessidade de mais trabalhadores para prestar os serviços. Sérgio P. Martins
argumenta que “a limitação da jornada pode adequar a produção da empresa às
necessidades do mercado”. (MARTINS, 2010, p. 510) Para ele, trabalhando um
número menor de horas o trabalhador produzirá muito mais, além de não padecer
dos males do cansaço e de suas consequencias.
Outro importante fundamento que mereceu especial atenção do já citado
autor Sérgio P. Martins é o fundamento humano. Para ele esse é o principal
fundamento para a limitação da jornada, pois visa a resguardar o trabalhador
diminuindo os acidentes de trabalho. O trabalhador exposto a várias horas de
trabalho presta seus serviços cansado o que ao decorrer de dias pode levá-lo a
fadiga, aumentando consideravelmente o risco de acidentes.
As normas que regulam a duração do trabalho objetivam assegurar ao
empregado um equilíbrio racional entre o tempo de atividade para a empresa e o
tempo de repouso pessoal, ou seja, entre o desgaste e a restauração da fonte
orgânica de energia.
Como visto, vários são os fundamentos para a limitação da jornada de
trabalho e que se bem ponderados constituem benefícios não somente para o
trabalhador, como, inclusive, para o próprio empresário que não correrá riscos de ter
17
seus ônus aumentados em virtude de paralisações e de despesas extras com a
saúde de seus empregados.
3 A FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO
3.1 Conceito
Para entender melhor o que seja o fenômeno da flexibilização trazemos aqui
um conceito da palavra flexibilidade. Conforme Reinaldo Pereira e Silva, flexibilidade
"diz respeito, na acepção jurídica, a uma qualidade constante de certo direito,
atributo de adaptabilidade ao meio em que tende a incidir e o termo flexibilização,
ausente dos dicionários, apesar de mais empregado do que o antecedente, a um
pressuposto de adaptação do direito, algo relativo a uma qualidade ainda a ser
alcançada por ele". (SILVA apud SIQUEIRA; ACCIOLY, 2007, p. 14)
Para Mário Sérgio Salerno o conceito de flexibilidade, principalmente no que
se refere a área trabalhista, pode ser descrito como "a habilidade de um sistema
para assumir ou transitar entre diversos estados sem deterioração significativa,
presente ou futura, de custos, quantidade e tempos". (SALERNO apud SIQUEIRA;
ACCIOLY, 2007, p. 14)
Outro conceito também que destacamos é o de José Eduardo Alcântara:
Flexibilizar é vergar a rigidez da disciplina legal de um determinado instituto, autorizando soluções (exceções) alternativas, que possibilitem o estabelecimento de condições de trabalho supostamente mais bem adaptadas aos interesses de empregados e empregadores". (ALCÂNTARA apud ABUD, 2008, p. 94-95)
Como se vê o conceito de flexibilização pode levar a diferentes interpretações
que vão desde o elastecimento das leis até a desregulamentação. Aqui é importante
estabelecer a diferenciação entre flexibilização e desregulamentação. No dizer de
Arnaldo Süssekind, "flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica,
com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador
18
com dignidade. Precisamente porque há leis em que determinados preceitos devem
ser flexíveis ou estabelecer fórmulas alternativas para sua aplicação". (SÜSSEKIND
apud SIQUEIRA; ACCIOLY, 2007, p. 14). Já a desregulamentação pressupõe a
retirada de regras imperativas e o afastamento do Estado das pactuações laborais.
Na desregulamentação o mercado passa a ter uma maior liberdade de estipulação,
promovendo um autogoverno. Mas aqui deve-se ressaltar que a desregulamentação
é muito combatida pelos juristas e estudiosos, pois em vários casos em que ocorreu
a desregulamentação não houve a criação de novas oportunidades de trabalho
conforme se previa. O que a maioria deles destaca é que é bastante preocupante e
grave a possibilidade de deixar para o mercado o equilíbrio entre as partes uma vez
que se trata de uma relação desigual de forças e que o mercado é regido pelas leis
do capitalismo, ou seja, objetivam somente o lucro.
O que se verifica é que a precarização das relações de trabalho, seja pela
desregulamentação, seja pela flexibilização de direitos, não é a solução para o grave
problema do desemprego. Aliás, experiências mundiais dão conta de que a
eliminação de direitos trabalhistas não resulta necessariamente na ampliação de
postos de trabalho.
Segundo o economista Márcio Pochmann, o problema do desemprego é de
ordem muito mais econômica do que de regulação trabalhista e, por isso, a
expansão dos postos de trabalho depende da expansão da produção e de uma
política macroeconômica. (POCHMANN apud SIQUEIRA; ACCIOLY, 2007, p. 19).
Em sentido contrário, Sérgio Pinto Martins entende que a flexibilização é uma
medida capaz de compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou
social, existentes na relação entre capital e trabalho. Nesse sentido o autor escreve:
Visa a flexibilização assegurar um conjunto de regras mínimas ao trabalhador e, em contrapartida, a sobrevivência da empresa, por meio da modificação de comandos legais, procurando garantir aos trabalhadores certos direitos mínimos e ao empregadora possibilidade de adaptação de seu negócio, mormente em épocas de crise econômica. Para fiscalizar essa flexibilização, com essa maleabilidade, é que o sindicato passa a deter o papel principal, ou seja, na participação das negociações coletivas que conduzirão ao acordo ou convenção coletiva de trabalho, de modo a permitir também a continuidade do emprego do trabalhador e a sobrevivência da empresa, assegurando um grau de lucro razoável à última e certas garantias mínimas ao trabalhador. É uma forma de adaptação das normas
19
vigentes às necessidades e conveniências de trabalhadores e empresas. (MARTINS, 2010, p. 526)
Conforme ficou aqui demonstrado existem argumentos variados tanto a favor
como contra a flexibilização. Entendemos que havendo ou não flexibilização o que
não se pode perder de vista é o que verdadeiramente representa o Direito do
Trabalho para o trabalhador, ou seja, a garantia mínima de direitos e a proteção
estatal contra possíveis abusos do empregador.
3.2 Princípios Gerais de Direito
Há princípios gerais do Direito que devem ser também considerados no
processo de flexibilização do Direito do Trabalho, visto que a própria Constituição da
República destaca em seu art. 170, ser a valorização do trabalho humano, além de
princípio, fundamento da ordem econômica. E o trabalho, como fundamento da
ordem econômica, deve ser considerado em todos os seus aspectos na busca pela
flexibilização de normas a ele pertinentes.
Vale aqui lembrar, conforme bem nos coloca Sérgio Pinto Martins, que "os
princípios gerais cumprem, assim, função primordial de assegurar a unidade do
sistema, como um conjunto de valores e partes coordenadas entre si.
Destacamos aqui três princípios gerais de direito que a nosso ver devem ser
necessariamente observados ao se falar em flexibilização, são eles: princípio da
razoabilidade, princípio da boa-fé e princípio da valorização do trabalho humano.
3.2.1 Princípio da Razoabilidade
Visa o princípio da razoabilidade a estabelecer que o homem em suas
relações, sejam sociais, sejam trabalhistas, deve sempre proceder conforme a
razão. A razoabilidade é o que podemos chamar de logicamente plausível ou
conforme o bom-senso ou senso comum aceitável pela razão.
20
Bernardete Edith de Rosa Pinto define o princípio como:
Consiste o princípio da razoabilidade na essência do próprio homem, que deve proceder conforme sua razão. A premissa da ordem jurídica estabelece que o homem age de acordo com sua razão, "razoavelmente" e não arbitrariamente, já que a arbitrariedade pode ser vista como a contrapartida da razoabilidade. (Pinto, 2001, p. 56)
O princípio em questão tanto é aplicável em praticamente todos os ramos do
direito, como também se aplica ao Direito do Trabalho, pois a razoabilidade deve
estar presente em todas as relações de direito. Assim, agir com razoabilidade é agir
conforme a razão, mas não a razão própria ou de conveniência, e sim aquela que
segue um padrão de aceitação normal pela sociedade.
Nestes termos, explicita o ilustre doutrinador Maurício Godinho Delgado:
"dispõe o princípio da razoabilidade que as condutas humanas devem ser avaliadas segundo um critério associativo de verossimilhança, sensatez e ponderação. Não apenas a verossimilhança, viabilidade aparente, probabilidade média; mas também, ao mesmo tempo, sensatez, prudência, ponderação. Há, como se vê um claro comando positivo no princípio da razoabilidade: ele determina que se obedeça a um juízo tanto de verossimilhança como também de ponderação, sensatez e prudência na avaliação das condutas das pessoas. Há, por outro lado, um indubitável comando negativo no mesmo princípio: ele sugere que se tenha incredulidade, ceticismo quanto a condutas inverossímeis, assim como no tocante a condutas que, embora verossímeis, mostrem-se insensatas. (DELGADO, 2010, p. 179)
Como se pode verificar é importante a verificação de tal princípio num
processo flexibilizatório, pois mesmo com a participação do sindicato a lutar pelos
interesses do hipossuficiente, a pressão de quem detém maior poder econômico
pode ser forte o suficiente para fazer parecer que se está levando em consideração
os interesses da classe trabalhadora.
3.2.2 Princípio da boa-fé
Ao falar de princípio da boa-fé acreditamos ser esclarecedor conceituar o
termo boa-fé. Na definição do dicionário Houaiss, boa-fé consiste na "convicção de
agir ou portar-se com justiça e lealdade com relação a alguém, a determinados princípios
etc". (HOUAISS, 2001, 470)
21
O princípio da boa-fé, base de todo as relações jurídicas, é o que impõe limites à conduta de uma das partes em conflito de interesses com a outra.
Aqui ressaltamos que o princípio em questão não se trata de um princípio
exclusivo do Direito do Trabalho, pois todo e qualquer contrato, seja civil, seja
comercial, seja de trabalho, deve se pautar pela boa-fé.
Mas aqui destacamos que numa relação de trabalho a boa-fé deve ser
julgada conforme a condição social e cultural dos contratantes. Por isso, algumas
vezes a boa-fé pode ser mitigada ou relegada em função da condição social do
trabalhador, visto que esse se encontra sob o poderio econômico do empregador.
Mas nem sempre essa condição se verifica, pois há alguns casos, poucos que
sejam, em que o trabalhador possui formação cultural e social no mesmo nível ou
superior ao de seu empregador. O que se pode concluir é que a boa-fé é elemento
essencial e primordial na caracterização da natureza do contrato de trabalho.
O princípio da boa-fé é o norteador das pactuações, servindo de base para
interpretações e até mesmo para suprir omissões ou lacunas. Portanto, assim como
os demais princípios ele deve ser levado em consideração nas negociações
flexibilizatórias para que o trabalhador não seja levado a agir contrariamente a seus
interesses acreditando estar portando-se com lealdade e justiça.
3.2.3 Princípio da valorização do trabalho humano
O trabalho, pela atual Constituição, passou a ter uma valorização maior por
ter sido colocado em seu art. 1º como fundamento da Estado Democrático de Direito
e, ainda, em seu art. 170, "caput", como princípio do ordem econômica. Ao ser
colocado como um dos fundamentos da República o trabalho passa a ser visto como
irradiação da própria dignidade da pessoa humana.
A valorização do trabalho humano significa a legitimidade da ordem, desde
que construída sobre o empenho, constante e permanente, de promover a dignidade
humana do trabalho na atividade econômica. As condições dignas de trabalho
22
constituem objetivos dos direitos dos trabalhadores e, por meio delas, eles alcançam
a melhoria de sua condição social.
A existência digna não é um direito apenas individual e subjetivo, mas, sim,
um direito de todos, conforme dita a própria justiça social. A justiça social visa ao
desenvolvimento com equidade, não se admitindo miséria nem marginalização em
parte alguma. Na ordem social, o trabalho não tem sentido de elemento de
produção, mas diz respeito à própria sobrevivência humana, pois o que conta não é
a produção das coisas, bens que podem ser acumulados, mas o próprio processo
vital do ser humano, isto é, o que conta não é o trabalho, mas a força de trabalho.
Portanto, a ordem social deve ser vista como um sistema de proteção da força de
trabalho.
O Estado Democrático de Direito é visto como principal agente de processos
de transformações, destacando o conceito material da valorização do trabalho, que
não pode ser sacrificado em nome de interesses econômicos. O próprio Direito do
Trabalho tem em sua gênese exatamente a luta do trabalhador por melhores
condições de trabalho, pelo seu direito a uma vida digna e compatível com a sua
condição humana.
Assim sendo ao se buscar a flexibilização de normas de Direito do Trabalho
há que se considerar, sobretudo, o aspecto humano das relações de trabalho.
Valorizar o trabalho equivale a valorizar a pessoa humana. Deve-se buscar o
respeito ao direito de todos os trabalhadores no que diz respeito às condições
justas, equitativas e satisfatórias de trabalho. Flexibilizar contratos de trabalho como
forma única de proporcionar um incremento na geração de empregos, de combater o
desemprego, para promover o desenvolvimento econômico e social, pode levar ao
desrespeito ao princípio da valorização do trabalho humano, pois retiraria do
trabalhador o manto protetor do Direito do Trabalho que acoberta os trabalhadores.
23
3.3 Os princípios do Direito do Trabalho e a flexibilização
Dentre os vários princípios do Direito do Trabalho, criados para assegurar
uma maior proteção ao trabalhador, parte hipossuficiente na relação de trabalho,
alguns merecem nossa especial atenção visto que as propostas flexibilizatórias, na
maioria das vezes, neles esbarram. Daremos destaque aqui a três princípios
somente por julgarmos ser os que impõem, verdadeiramente, limites à flexibilização:
a) princípio da irrenunciabilidade de direitos; b) princípio da primazia da realidade
sobre a forma; e c) princípio da proteção.
O princípio da irrenunciabilidade de direitos versa sobre a impossibilidade de
o empregado dispor de seus direitos. Nos dizeres de Maurício Godinho Delgado
esse princípio "traduz a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado
despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções
que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato". (DELGADO, 2010, p. 186)
Delgado afirma ainda que não seria correta a denominação de irrenunciabilidade
mas, sim, indisponibilidade, pois para ele a renúncia é ato unilateral e o princípio vai
além dos atos unilaterais alcançando também atos bilaterais de disposição de
direitos, como a transação.
Sérgio Pinto Martins afirma que há casos em que é possível a renúncia de
direitos pelo empregado, conforme se pode depreender de seu texto:
Poderá, entretanto, o trabalhador renunciar a seus direitos se estiver em juízo, diante do juiz do trabalho, pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo. Estando o trabalhador ainda na empresa é que não se poderá falar em renúncia a direitos trabalhistas, pois poderia dar ensejo a fraudes. É possível, também, ao trabalhador transigir, fazendo concessões recíprocas, o que importa um ato bilateral". (MARTINS, 2010, p. 69)
Esse princípio da irrenunciabilidade tem seu fundamento normativo no art.
468 da CLT que diz:
Art 468 - nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. (BRASIL, 2010, p. 912)
24
O artigo 9º da CLT também acolhe esse princípio ao declarar nulo todos os
atos destinados a fraudar a aplicação da norma trabalhista.
Como se vê a flexibilização de normas trabalhistas encontra certo obstáculo
no princípio da irrenunciabilidade ou indisponibilidade, tendo em vista que existem
certos direitos indisponíveis. Sérgio Pinto Martins cita como exemplo de direitos de
indisponibilidade absoluta os relativos à segurança e medicina do trabalho.
O princípio da irrenunciabilidade parte do pressuposto que não se pode deixar
ao arbítrio do empregado, parte mais fraca da relação de trabalho, a faculdade de
abrir mão de seus direitos, pois este, em virtude da necessidade de prover sua
subsistência e de seus familiares pode se ver obrigado a ceder às pressões da parte
mais forte da relação: o empregador. Corroborando esse entendimento Orlando
Gomes nos coloca:
A necessidade de subsistência obriga o empregado a um movimento de adesão constante, e uma inelutável dependência. A "causa do trabalho" em geral é a subsistência, que é um imperativo natural, vigoroso, que sujeita a vontade do indivíduo". (GOMES; GOTTSCHALK, 2008, p. 298)
O princípio da primazia da realidade sobre a forma retira certo valor dos
instrumentos de pactuação, uma vez que faz prevalecer os fatos sobre a forma. No
Direito do Trabalho os fatos tem um valor muito maior que os documentos, pois
estes podem retratar, muitas vezes, situações que não se coadunam com a prática.
Maurício Godinho Delgado leciona que:
No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva)". (DELGADO, 2010, p. 192-193)
Portanto, vê-se que ao permitir a flexibilização das normas trabalhistas não se
pode prescindir do princípio da primazia da realidade, pois no afã de garantir seu
emprego o trabalhador se vê obrigado, muitas vezes, a celebrar uma pactuação que
lhe retira certos direitos e lhe causa prejuízo mascarada por um documento.
25
Outro princípio a ser aqui considerado dentro do aspecto da flexibilização é o
princípio da proteção. Esse princípio é, senão, o mais importante, pois constitui ele a
base para os demais princípios e o fundamento do próprio Direito do Trabalho.
Américo Plá Rodrigues destaca que:
O princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador". (RODRIGUES, 2002, p. 83)
Neste mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado destaca:
Informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. (DELGADO, 2010, p. 183)
O grande jurista uruguaio, Américo Plá Rodrigues, afirma que o princípio da
proteção manifesta-se em três dimensões distintas: o princípio do in dubio pro
operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais
benéfica". (RODRIGUES apud DELGADO, 2010, p. 183) Mas para Delgado "o
princípio tutelar não se desdobraria apenas nesses três, mas seria inspirador de
todo o complexo de regras, princípios e institutos que compõem esse ramo jurídico
especializado" (DELGADO, 2010, p. 184)
Vale ressaltar aqui que o fundamento da proteção decorre da própria história
do Direito do Trabalho e que este nasceu para equilibrar as relações entre capital e
trabalho.
Assim, ao considerarmos a necessidade de medidas flexibilizatórias como
forma de adaptar o Direito do Trabalho ao dinamismo da realidade laboral deve-se
ter presente o princípio da proteção, que surgiu como forma de compensar a
desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador.
O citado princípio não pode ser relegado em face dos interesses
mercantilistas, mas sim considerado em todos os seus aspectos. Ao propor medidas
flexibilizatórias deve-se buscar um equilíbrio com o ordenamento juslaboral seus
26
princípios. Ari Possidônio Beltran esclarece bem a necessidade desse equilíbrio ao
dizer: "o equilíbrio estará em manter-se o núcleo básico de proteção ao trabalhador,
relegando-se aos parceiros sociais a negociação das demais condições, no pleno
gozo de sua autonomia privada coletiva". (BELTRAN apud SIQUEIRA; ACCIOLY,
2007, p. 17)
Muitos estudiosos acreditam, e aqui compartilhamos do mesmo
entendimento, que o processo de flexibilização das normas trabalhistas não é uma
necessidade tão imperiosa e antes disso se faz imprescindível a implementação de
políticas públicas para promover o desenvolvimento econômico do país, com justa
distribuição de renda e medidas que impeçam o engessamento do mercado de
trabalho.
4 FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO
4.1 Contexto histórico
As mudanças ocorridas ao longo do tempo nas relações de trabalho
acabaram reduzindo algumas tarefas laborais e, por consequência, reduzindo o
numero de postos de trabalho. Principalmente após a Revolução Industrial em que
se procurou automatizar o processo de produção diminuindo com isso a
necessidade de trabalhadores, visto que as máquinas apresentavam capacidade
muito maior de produção que o homem. No período que se seguiu a Revolução
Industrial houve uma crescente preocupação com a dignidade do trabalhador, pois a
exploração do trabalho humano foi muito acentuada em tal período.
Eis que em 1919 surge a Organização Internacional do Trabalho - OIT - e
estabelece em sua constituição que o trabalho não é mercadoria e, portanto, não
pode ser visto como tal e, ainda, que não pode ele estar no livre comércio. A partir
de então surgem direitos trabalhistas básicos colocados no mesmo patamar dos
direitos humanos.
27
Após algumas lutas, no século XX, surgiu a figura do Estado Intervencionista
trazendo a oportunidade de uma maior regulamentação dos direitos dos
trabalhadores. Assim vários direitos foram sendo assegurados pelo Estado ao
trabalhador visando a garantir-lhe o mínimo de dignidade.
Posteriormente, com o fenômeno da chamada globalização e a abertura de
mercado pela mundialização financeira, agravando ainda mais a questão do
desemprego, tem-se como solução a flexibilização dos direitos dos trabalhadores.
Assim, a flexibilização surge com o fundamento de que a diminuição ou até mesmo
a supressão da obrigações dos empregadores, dos encargos sociais seria a única
maneira de ampliar postos de trabalho.
Com isso práticas flexibilizatórias foram sendo adotadas por diversos países.
As medidas adotadas por países estrangeiros, como Estados Unidos e Europa,
influenciaram os demais países a apostar nessa medida como solução para o
desemprego. Como exemplo a Argentina, em 1991, iniciou seu movimento de
flexibilização do Direito do Trabalho, com o advento da Lei Nacional do Emprego
que criou o contrato de trabalho por tempo determinado. Nesse mesmo ano, o
Paraguai promoveu uma reforma em seu Código do Trabalho estabelecendo o
mínimo de garantias e direitos trabalhistas. A Espanha também devido a forte
recessão vivida no início dos anos 90 se viu obrigada a adotar medidas
flexibilizatórias como forma de gerar novos empregos. A Itália já havia adotado,
desde 1984, contratos de trabalho com menor proteção legal, mas foi só em 1997
que regulamentou as agências de empregos temporários.
É inegável que o Direito do Trabalho tenha de se adaptar a nova realidade
econômica e social, entretanto, há que se ter cuidado para se evitar uma possível
fragilização das relações laborais e a perda do caráter protecionista do Direito do
Trabalho.
Diante do exposto, verifica-se que a prática de medidas flexibilizatórias não é
algo tão novo, pois já vem sendo utilizada por diversos países há um bom tempo.
28
4.2 A flexibilização no Brasil
O processo de flexibilização no Brasil, segundo alguns estudiosos, vem de
longa data. Zeu Palmeira, juiz do trabalho e estudioso do assunto, aponta como
antecedente remoto ou mesmo germe da flexibilização a lei do FGTS, de 1966, que
acabou por extinguir a chamada estabilidade decenal do ordenamento jurídico
brasileiro (ANAMATRA, 2007, p. 19)
Já em 1974 destaca-se a Lei 6019, que permitiu a criação de empresas de
trabalho temporário e foi, portanto, um grande passo para a abertura do mercado de
trabalho, embora se restringisse a apenas duas hipóteses em que se permitia a
contratação de trabalhadores, quais sejam: a) atendimento a necessidades
transitórias de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora;
b) necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços da empresa
tomadora de serviços.
Mas por um grande período as iniciativas de medidas flexibilizatórias no Brasil
ficaram, por assim dizer, num período de latência, reprimidas pela política ditatorial
que se impunha. Somente com a redemocratização do país, no final da década de
80, é que se iniciaram, ainda que timidamente, as discussões sobre a flexibilização.
Assim em 1998, com a chamada Constituição Democrática é que se verificou
importantes medidas flexibilizatórias: a) a permissão de redução salarial autorizada
por acordo ou convenção coletiva (art. 7º, VI); b) compensação ou a redução da
jornada de trabalho que só pode ser feita mediante acordos ou convenção coletiva
(art. 7º, XIII); e c) possibilidade de pactuação de jornada superior a 6 horas para
turnos ininterruptos de revezamento por intermédio de negociação coletiva (art. 7º,
XIV). Vê-se que ao permitir a flexibilização de tais direitos a Constituição acaba por
impor certos limites ao obrigar a participação dos sindicatos na negociação para que
assim sejam asseguradas garantias mínimas ao trabalhador.
Após a Constituição de 1988 foram surgindo ao longo das anos, algumas
medidas vistas como flexibilizatórias, como é o caso da Lei 8949, de dezembro de
1994, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 442 da CLT, ampliando, assim,
29
as hipóteses de terceirização. Mas a medida flexibilizatória, em nosso ver mais
contundente, salvo melhor juízo, foi a introduzida pela Lei 9601, de 1998, que
ampliou o prazo para compensação de jornada inicialmente para limite de 120 dias e
em seguida passou a estabelecer o prazo de 1 ano, criando assim o chamado
sistema de compensação anual ou banco de horas que será objeto de estudo no
capítulo que se segue.
5 COMPENSAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E O BANCO DE HORAS
5.1 Compensação de jornada e a natureza jurídica do título autorizador
A compensação de jornada constitui um meio eficaz de flexibilização, porque
permite equalizar o sistema de horas trabalhadas de forma que, em épocas de
menor produção, a empresa possa reduzir o tempo de trabalho de seus empregados
e exigir, no período de maior produção a prorrogação das horas de trabalho. Com
isso a empresa fica dispensada do pagamento das horas extras e ainda não terá
que suportar os ônus de possíveis demissões em época de produção baixa.
Antes mesmo da Constituição de 1988 já se existia um regime de
compensação de jornada que restringia, basicamente, aos sábados, a compensação
de horas trabalhadas a mais durante a semana. Tal regime, chamado de
compensação semanal, se justificava pela conveniência tanto para o trabalhador,
pois evitava que o mesmo tivesse uma jornada parcial aos sábados, como para o
empregador, pois evitava gastos decorrentes do funcionamento da empresa, como
alimentação, transporte etc.
Como bem argumenta Sérgio Pinto Martins, "para o empregado a
compensação pelo não-trabalho ao sábado é benéfica, pois o trabalhador não
precisa deslocar-se até a empresa para trabalhar na maioria das vezes quatro horas,
tendo gastos com transporte". (MARTINS, 2010, p. 526)
30
A compensação semanal era feita mediante simples acordo escrito
entabulado entre patrão e empregado. É o que destaca Sérgio Pinto Martins:
Antes da Constituição atual os homens faziam a compensação de horários de trabalho mediante acordo individual, às vezes inserido no próprio contrato de trabalho (§ 2º do art. 59 da CLT). As mulheres somente poderiam fazer a compensação da jornada de trabalho mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho (art. 374 da CLT, que foi revogado pela Lei n. 7855/89). Os menores também necessitam de convenção ou acordo coletivo para a compensação da sua jornada, desde que atendidos certos requisitos (art. 413 da CLT). A Súmula 108 do TST deixava claro que "a compensação de horário semanal deve ser ajustada por acordo escrito, não necessariamente em acordo coletivo ou convenção coletiva, exceto quanto ao trabalho da mulher". (MARTINS, 2010, p. 527)
Aqui se verifica o surgimento da discussão acerca da possibilidade de se
pactuar a compensação da jornada por acordo tácito, acordo individual ou,
exclusivamente, por instrumento normativo decorrente de acordo coletivo ou
convenção coletiva de trabalho.
Para Alice Monteiro de Barros, o acordou ou convenção coletiva se fazia
indispensável, como afirma:
"o regime de compensação de horário consagrado na redação original da CLT (art. 59, §2º) pressupunha acordo ou convenção coletiva por meio dos quais o excesso de horas em um dia seria decorrência de diminuição em outro dia, de maneira que não excedesse o horário normal da semana, tampouco ultrapassasse o limite de 10 horas diárias" (Barros, 2009, p. 676)
Mesmo após a previsão constitucional da necessidade de acordo ou
convenção coletiva (art. 7º, inc. XIII) permaneceu a polêmica da natureza do acordo
para compensação de jornada. Alguns operadores do Direito acolhiam a validade do
simples acordo tácito, mas esta posição é, segundo Delgado, francamente
minoritária. Para ele, mesmo antes da Constituição de 1988 a jurisprudência
dominante insistia na necessidade de pactuação, ao menos por escrito, não
acatando o acordo individual tácito (antigos enunciados 108 e 85 do Tribunal
Superior do Trabalho. (Delgado, 2010, p.813)
Comungando do mesmo entendimento Sérgio Pinto Martins destaca que:
Depreende-se do art. 59 da CLT que o acordo para prorrogação ou compensação de horas deve ser escrito e não tácito, visando inclusive evitar fraudes. Tanto um caso como outro implicam a necessidade de elastecimento da jornada, que depende, portanto, de acordo escrito para ser prorrogada. O próprio § 1º do artigo 59 da CLT dispõe que do acordo deverá
31
haver a fixação do porcentual de horas extras, devendo, portanto, ser indicado por escrito, sob pena de não se saber o porcentual fixado (MARTINS, 2010, p. 533)
Para outra corrente doutrinária, que adotava a posição interpretativa, a
Constituição teria prestigiado a negociação coletiva, ou seja, para ela toda e
qualquer flexibilização, mesmo a da compensação de jornada, permitida pelo texto
constitucional, teria de ser feita, sempre, sob a tutela coletiva sindical. Apesar do
forte argumento dessa corrente que se tornou dominante, principalmente após as
Orientações Jurisprudenciais 182 e 223 da SDI-1 e da manutenção da Súmula 85 do
TST, outra vertente interpretativa surgiu defendendo a validade do acordo escrito
bilateral nos casos de regime de compensação de jornada. Para essa segunda
vertente a Constituição teria autorizado a pactuação também por acordo bilateral
mas somente enquanto esse regime de compensação fosse favorável. Se houvesse
alguma modificação, pelo legislador infraconstitucional, que tornasse o acordo
desfavorável ao trabalhador outro deveria ser o entendimento acerca do título
autorizador. Esse entendimento se justificava por se tratar do regime tradicional de
compensação de jornada que era uma figura muito favorável ao trabalhador, uma
vez que permitia ao mesmo ajustar seus dias de disponibilidade pessoal através de
um ajuste na distribuição da duração diária ou semanal do trabalho.
Para Delgado, com o advento das OJs 182 e 223 da SDI-1/TST, e nova
redação da Súmula 85 do TST, confirmou-se a prevalência da tese da validade do
simples acordo escrito para a pactuação do tradicional regime compensatório, em
sua fórmula favorável ao trabalhador, respeitado o mês de compensação.
Após a Lei 9601, de 1998, a reflexão sobre a natureza jurídica do acordo de
compensação de jornada passou por uma grande alteração. A referida lei ao criar o
novo regime compensatório, o chamado "banco de horas", regime esse para alguns
favorável ao trabalhador, mais uma vez fez as opiniões se dividirem. Houve quem
entendesse pela aceitação do acordo bilateral e outros pela necessidade de
instrumento negocial coletivo.
Maurício Delgado entende que o regime de compensação anual somente
pode ser pactuado por instrumento formal de negociação coletiva trabalhista, em
32
virtude de a Constituição da República não permitir que a transação meramente
bilateral pactue medida desfavorável à saúde e segurança obreiras.
O também estudioso do assunto, Sérgio Pinto Martins, comunga do
pensamento de Delgado e diz:
Entendo ser inconstitucional a determinação do §2º do art. 59 da CLT se se entender que o dispositivo trata do acordo individual, pois a interpretação do inciso XIII do art. 7º da Constituição deve ser no sentido de que o acordo deve ser coletivo. (MARTINS, 2010, p. 529)
Há posições contrárias que entendem pela validade do acordo individual no
regime compensatório anual. Esse é o entendimento de Cláudia José Abud que se
ampara no fundamento das interpretações da redação do art. 59, § 2º da CLT e do
art. 7º, XIII da Constituição. Entretanto a referida autora aponta argumento contrário
a seu próprio entendimento:
Boa parte das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do país, porém, vêm interpretando no sentido de que a compensação, nos moldes do § 2º do art. 59 da CLT, somente será considerada válida se celebrada por convenção ou acordo coletivo. (ABUD, 2008, p. 123)
E ainda apresenta a referida autora sugestão de alteração do §2º do art. 59
da CLT, nos seguintes termos:
Por entendermos que tanto a Constituição Federal como a lei infraconstitucional autorizaram o acordo individual para a compensação de horários, e que a compensação anual, nos moldes do § 2º do art. 59 da CLT seja alterado e incluídos outros artigos (sic), a fim de estabelecerem-se condições específicas para a compensação de horas, realizada entre o empregado e o empregador. (ABUD, 2008, p. 125)
Data vênia, discordamos da ilustre autora e compartilhamos do mesmo
entendimento do louvável Maurício Godinho Delgado por considerarmos que a
compensação anual é um regime com um parâmetro temporal muito extenso e que,
com ele bem nos coloca, desfavorável ao empregado, e por isso, não se pode
prescindir da tutela sindical.
33
5.2 Parâmetro temporal da compensação de jornada e a Lei 9601/98
Como visto a compensação de jornada é um dos grandes temas do Direito
objeto de medidas flexibilizatórias. A Lei 9601, de 1998, objeto do presente estudo,
se constitui num importante instrumento a retratar a processo de flexibilização no
Brasil, pois além de criar uma nova hipótese de contrato de duração determinada
criou um novo modelo de compensação de jornada, a chamada compensação anual.
O regime de compensação anual é também conhecido como banco de horas,
constituindo-se, nos dizeres de Alice Monteiro de Barros, de um instrumento para
"compensação do excesso de horas trabalhadas em um dia pela correspondente
diminuição em outro dia, de modo que não exceda, no período máximo de um ano, à
soma das jornadas semanais de trabalho, tampouco ultrapassou o limite de 10 horas
por dia" (BARROS, 2009, p. 677)
Dentro das polêmicas que gravitam na órbita da Lei 9601/98 a questão do
parâmetro temporal da compensação de jornada ocupa também posição de
destaque visto que a duração do trabalho e, via indireta, a compensação, é matéria
de ordem pública e questão de medicina e segurança do trabalho.
Segundo Maurício Godinho antes mesmo da Lei 9601/98 já existiam debates
acerca do parâmetro temporal máximo cabível para a compensação de jornada.
Segundo o autor existiam três posições: a) a que defendia a validade da
compensação meramente semanal (intrassemanal); b) a que defendia, ao revés, a
validade da compensação anual; e, c) a posição intermediária, que encontrava no
mês o parâmetro máximo para o regime de compensação pactuado.
Aqueles que defendiam a compensação intrassemanal encontravam
fundamento no art. 59, § 2º, na redação anterior a alteração sofrida pela Lei 9601/98,
que dispunha "[...] o excesso de horas em um dia for compensado pela
correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda o horário
normal da semana nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias".
Para essa vertente a própria Constituição da República teria recepcionado o regime
de compensação intrassemanal um vez que ela não trouxe limites ao tempo de
34
compensação prevalecendo, assim, o texto da própria CLT como limite. Mas tal
posição, como bem salienta Godinho, não via inovação no texto constitucional que
teria, segundo eles, acatado o mesmo parâmetro rigoroso da CLT.
A segunda vertente defendia a compensação ao longo do ano apoiando-se na
aparente imprecisão do texto normativo constitucional. Para os defensores desse
posicionamento a Constituição não havia estabelecido limites ao regime de
compensação por haver estabelecido apenas "[...] facultada a compensação de
horários [...]". Entendiam eles que, não havendo a Constituição determinado um
limite para a compensação, dever-se-ia buscar como parâmetro o período máximo
para cálculo das parcelas trabalhistas utilizado pelo Direito do Trabalho, ou seja, o
ano.
Segundo Delgado essa posição era rejeitada pela doutrina e pela
jurisprudência e, de modo geral, pela cultura justrabalhista, por entenderem que tal
regime era incompatível com a ordem jurídica, entretanto, a partir da Lei 9601/98 a
pactuação do regime compensatório anual ficou expressamente autorizada.
A terceira vertente defendia a compensação intersemanal, respeitado o
parâmetro máximo do mês. Tal vertente era fortemente defendida, inclusive, na
jurisprudência trabalhista. Para os defensores dessa posição o parâmetro temporal
intrassemanal era muito restrito, já que a semana é um lapso temporal muito curto, e
o parâmetro anual era, ao contrário, um período muito extenso. Assim a
compensação no período de semanas respeitado o limite mensal era um parâmetro
ponderado por não comprometer a saúde do trabalhador e se mostrar um regime
favorável também para o trabalhador.
Como visto cada vertente buscava argumentos em algum aspecto
interpretativo da Constituição para validar seu posicionamento. Segundo Delgado a
primeira vertente, que se apoiava no parâmetro restrito, se deixava influenciar por
uma leitura excessivamente formalista e rigorosa das regras trabalhistas associada a
uma visão burocrática e centralizadora do Direito do Trabalho. Desta forma, essa
visão adotada por essa vertente retirava do Direito do Trabalho a sua melhor
característica, a adaptabilidade, ou seja, a aptidão para cumprir os fins sociais que
respondem por sua própria existência.
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A respeito dessa vertente restritiva Maurício Godinho Delgado destaca:
Para a presente linha em análise, o parâmetro anual, por sua vez, também não se harmonizaria com o conjunto da ordem jurídica vigorante no país, desde 1988 (pelo menos até a Lei nº 9601/98). Não alcançaria essa harmonização em especial por não compreender que, modernamente, o tema da duração do trabalho, assim como sua regras disciplinadoras, todos têm caráter de matéria de saúde e segurança laborais, estritamente atada a considerações de saúde pública. A extenuação obreira por longos e contínuos períodos de trabalho extraordinário no transcorrer de vários meses comprometeria qualquer estratégia consistente de aperfeiçoamento das relações trabalhistas e de melhoria das condições de saúde e segurança do trabalhador no ambiente empregatício. Nessa medida, o parâmetro anual chocar-se-ia, frontalmente, com inúmeros princípios e regras enfáticos da Carta Constitucional de 1988, que asseguram a redução dos riscos e malefícios inerentes ao trabalho e elegem como essenciais as ações dirigidas à saúde pública. (DELGADO, 2010, p. 809)
Amauri Mascaro do Nascimento entende que a limitação do período de
compensação deveria ser determinada conforme cada caso, sob a chancela do
sindicato. Nesse sentido ele argumenta:
A compensação ampla, quinzenal, mensal ou, até mesmo, não de horas, mas de dias, não é inconstitucional, desde que formalizada através da negociação coletiva com o sindicato, que certamente, estabelecerá os limites em cada caso julgados oportunos. (NASCIMENTO apud ABUD, 2008, p. 113)
Para Sérgio Pinto Martins, "como a Constituição não fixa qualquer limite para
a compensação, o § 2º do art., 59 da CLT é inconstitucional. Entretanto, não nos
parece o entendimento mais acertado visto que apesar do inciso XIII do art. 7º da
Constituição não mencionar expressamente o parâmetro máximo temporal o
conjunto de normas de Direito do Trabalho e o ordenamento como um todo que
tratam da duração e da prorrogação do trabalho nos permite inferir que há, sim,
limitação da jornada, tanto da jornada normal como da de prorrogação pelos motivos
já expostos neste trabalho no capítulo da duração do trabalho.
Compartilhamos e defendemos aqui a posição da terceira vertente que aponta
como ideal a compensação intersemanal: a uma, porque o parâmetro mês se
constitui no parâmetro central e, ao mesmo tempo, máximo para cálculo de valores e
quantidades básicas no Direito do Trabalho, constituindo, assim, o limite temporal
lógico e teleológico para a compensação; a duas, porque, fora isso, teria esse
parâmetro a virtude de suplantar o rigor excessivo da CLT sem colocar de lado os
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direitos individuais e sociais relativos à saúde do trabalhador no ambiente laboral e,
via indireta, a saúde pública, múnus do Estado. Além das argumentações dessa
vertente, a qual nos associamos, acrescentamos aqui mais um fundamento que a
nosso ver merece também especial atenção, o fato de não estar autorizado à
negociação coletiva flexibilizar para pior as normas de medicina e segurança do
trabalho. Vale lembrar que a limitação da jornada de trabalho a um máximo razoável
constitui importante instrumento de prevenção à fadiga do trabalhador. Já ficou
demonstrado no capítulo 2, especificamente no título 2.4, que a sobrecarga de
trabalho desenvolve no trabalhador um processo de fadiga que pode desencadear
várias doenças.
Reforçando nosso posicionamento, destacamos o que bem nos coloca
Maurício Godinho Delgado:
Ora, a pactuação de horas complementares à jornada padrão, que extenue o trabalhador ao longo de diversas semanas e meses, cria riscos adicionais inevitáveis à saúde e segurança no trabalho (em contraponto, aliás, àquilo que estabelece o art. 7º, XXII, da Carta Magna). O regime de compensação anual de jornada, desse modo, escapa à dubiedade instigante que respondia pelo prestígio do mecanismo compensatório no estuário normativo da Carta Magna, já que deixa de ser manejado em extensão ponderada, perdendo, nesse aspecto, o caráter de vantagem trabalhista em benefício recíproco de ambas as partes contratuais. A agressão que propicia à saúde, higiene e segurança laborais obscurece, significativamente, o sentido favorável ao trabalhador de que era classicamente dotado e o coloca em confronto com o art. 7º, XXII, da Constituição, que assegura aos empregados direitos a normas de saúde, higiene e segurança que reduzam (e não elevem) os riscos inerentes ao trabalho. Sob esta ótica, portanto, o critério inaugurado em 1998, no Brasil (compensação anual), teria ultrapassado a fronteira máxima compatível com a Carta da República (compensação intersemanal, respeitado o mês), por instituir mecanismo que amplia (em vez de reduzir) os riscos inerentes ao trabalho. (DELGADO, 2010, p. 813-814)
Citamos aqui, por respeito a autora, o posicionamento de Cláudia José Abud
que entende ser o período de um mês curto e que devido a isso dificulta a utilização
do chamado banco de horas. A autora em sua obra, apesar de defender o parâmetro
anual, propõe uma alteração legislativa em que se permitiria, entretanto, por mero
acordo individual, a compensação mensal.
Por todo o exposto, rejeitamos o regime de compensação anual e
defendemos aqui regime de compensação intersemanal ou mensal, vez que esse é
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ditado pela ponderação e bom-senso, respeita os preceitos constitucionais e não
contraria os fundamentos do Direito do Trabalho e propomos uma alteração na
redação do artigo 59, § 2º da CLT para adequar o regime de compensação a um
lapso temporal ponderado, que entendemos ser o mensal, de forma a evitar o
desequilíbrio da relação laboral e se estabelecer, assim, benefício recíproco de
ambas as partes da relação contratual.
Finalizando, a fim de ilustrar a presente pesquisa, trazemos aqui as sábias
palavras da douta juíza do trabalho da 4ª região, Valdete Souto Severo:
É preciso compreender que abrir mão de determinadas garantias essenciais consagradas na Constituição Federal implica desvirtuar de tal modo o Direito do Trabalho, de sorte a desfigurá-lo, tornando letra morta as árduas conquistas obtidas em um lento processo de consolidação da democracia em nosso país. (SEVERO, 2006)
6 CONCLUSÃO
O Direito do Trabalho, como direito regulador das relações de trabalho,
sempre foi voltado à proteção do trabalhador, parte hipossuficiente da relação
laboral. Ao longo da história muitas lutas foram travadas em busca de melhores
condições de trabalho. Em decorrência disso, vários princípios foram criados
visando à proteção do trabalhador.
Um dos temas mais recorrentes dentro do Direito Laboral sempre foi a
duração do trabalho, face as implicações que esse tema apresenta na vida e na
saúde do trabalhador. A busca pela limitação de jornada é uma questão antiga e que
ganhou novo destaque com o chamado fenômeno da globalização, que impôs a
necessidade de flexibilização das normas trabalhistas.
Diante da necessidade de adaptação do Direito do Trabalho a nova realidade
econômica e social, algumas medidas flexibilizatórias foram tomadas para se evitar
o agravamento do desemprego. A compensação através de banco de horas é uma
das medidas flexibilizatórias que despontou como uma das grandes soluções para
geração de novos empregos. Mas o banco de horas serve apenas para elastecer o
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prazo para a concessão do descanso ou o pagamento das horas extras, que não é
efetuado no mesmo mês de prestação do serviço, mas em até um ano após
prestação do trabalho em sobrejornada e sem o adicional, não constituindo, assim,
vantagem para o trabalhador, mas tão-somente para o empregador, que é quem
deveria suportar os ônus da atividade econômica. Vê-se que a lógica do equilíbrio da
relação laboral ficou invertida, deixando o trabalhador em condição desfavorável.
Apesar da medida, tida como solução, não se verificou o incremento na criação de
novos postos de trabalho.
A adoção do banco de horas está num contexto de adoção de medidas que
estão subordinadas unicamente à lógica econômica de integração competitiva. A
análise do arcabouço jurídico-constitucional brasileiro permite declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 9601/98, na medida em que se interpreta com base
nos princípios constitucionais a norma ordinária e se verifica que ela não se
harmoniza com a valorização do trabalho humano e com a dignidade do trabalhador,
bem como com as normas e medidas de saúde e segurança no trabalho,
determinadas no inciso XXII do art. 7º da Constituição da República.
Como se pode verificar a pactuação de horas complementares à jornada
padrão, ao longo de diversas semanas e meses, leva o trabalhador ao exaurimento
de suas forças, provocando-lhe fadiga, gerando, com isso, riscos adicionais
inevitáveis à sua saúde e segurança. Tal situação gerada pelo regime de
compensação anual ou banco de horas é incompatível com os princípios da
proteção e, sobretudo, com os princípios constitucionais ínsitos no artigo 7º. Em
vista disso, entende-se que a instituição do regime de compensação anual ou banco
de horas pela Lei 9601/98 alterando o parágrafo 2º do artigo 59 da CLT contraria o
disposto no inciso XXII da Constituição da República, devendo ser, em vista disso,
reconhecida sua inconstitucionalidade. Necessário se faz alterar a redação do artigo
59, § 2º da CLT para adequar o regime de compensação a um lapso temporal
ponderado, que entendemos ser o mensal, de forma a evitar o desequilíbrio da
relação laboral e se estabelecer, assim, benefício recíproco de ambas as partes da
relação contratual.
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BIBLIOGRAFIA
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Paulo: Editora Atlas, 2008.
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