Post on 27-Dec-2015
RESUMO
A Lei 11.340/06 foi instituída no ordenamento jurídico brasileiro, após exigência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com o objetivo de penalizar com mais rigor a violência doméstica praticada contra a mulher, contemplando de forma rápida e efetiva o processamento penal do responsável pela agressão e tentativa. Destacam-se as inovações decorrentes desta como a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher, atribuição de função assistencial as polícias e criação de diversas medidas cautelares para proteção das vítimas. Nesse aspecto, objetivou-se no presente trabalho demonstrar os reflexos e a evolução da aplicabilidade da Lei Maria da Penha no município de Montes Claros/MG. Para tanto, empregou-se, para o desenvolvimento desta análise, o método dedutivo, mediante procedimento exploratório documental e bibliográfico. Verificou-se que no município de Montes Claros é possível identificar a criação da Patrulha de Prevenção a Violência Doméstica e Familiar do 10º Batalhão da Policia Militar de Montes Claros, a inauguração da Unidade de Acolhimento da Mulher, bem como a atuação da Defensoria Pública, através de seu núcleo especializado. Cite-se, ainda, que se constatou um crescente número de pedidos de medidas protetivas distribuídos na Comarca de Montes Claros, sendo que se comparados os anos de 2007 e 2011 houve um expressivo crescimento de 1.025,8% no número de pedidos de medidas protetivas distribuídos. Neste sentido, pretende-se demonstrar que a violência doméstica contra a mulher é um problema social que precisa ser discutido e analisado.
Palavras-chave: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Montes Claros. Patrulha de Prevenção a Violência Doméstica e Familiar do 10º Batalhão da Policia Militar de Montes Claros.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 05
CAPÍTULO I: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E A CRIAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA
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1.1 Contexto de criação da Lei Maria da Penha 07
1.2 Formas de violência contra mulher previstas na Lei Maria da Penha 11
1.3 Violência doméstica e familiar no ordenamento jurídico brasileiro anterior a Lei Maria da Penha
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CAPÍTULO II: INOVAÇÕES ADVINDAS DA LEI MARIA DA PENHA 22
2.1 Inovações para autoridade policial 22
2.2 Inovações no processo judicial 26
2.3 Medidas protetivas de urgência 29
CAPÍTULO III: APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA NO
MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS/MG
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3.1 Vigência, efetividade e eficácia das normas jurídicas 33
3.2 Lei Maria da Penha: reflexos da sua aplicabilidade no município de Montes
Claros/MG
34
CONSIDERAÇÕES FINAIS 42
REFERÊNCIAS 45
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é qualquer ato ou conduta baseada no gênero que
cause morte, dano, sofrimento físico, sexual, psicológico, material ou moral à mulher, tanto na
esfera pública como na esfera privada A violência doméstica contra a mulher representa, além
dos aspectos políticos, culturais e jurídicos, um problema de saúde pública.
Neste sentido, objetivou-se no presente trabalho demonstrar os reflexos da
aplicabilidade da Lei Maria da Penha no município de Montes Claros/MG, destacando-se a
criação da Patrulha de Prevenção a Violência Doméstica e Familiar do 10º Batalhão da Policia
Militar de Montes Claros, a inauguração da Unidade de Acolhimento da Mulher, bem como a
atuação da Defensoria Pública, através de seu núcleo especializado.
No município de Montes Claros, crescente é o número de pedidos de medidas
protetivas distribuídos na Comarca de Montes Claros, sendo fundamental que se analise e
discuta a violência doméstica contra a mulher, enquanto problema social, identificando a
implementação das medidas para prevenção e coibição desta.
Para tanto, empregou-se, para o desenvolvimento desta análise, o método
dedutivo, mediante procedimento exploratório documental e bibliográfico.
O presente trabalho foi dividido em três capítulos.
O primeiro capítulo analisará noções acerca da Lei Maria da Penha, tratando do
contexto de sua criação, das formas de violência doméstica e familiar positivadas em lei e de
como o ordenamento jurídico brasileiro abordava os casos de violência doméstica e familiar
anteriormente à sua vigência.
Em sequência, o segundo capítulo abordará as inovações advindas da lei
especialmente relacionadas a autoridade policial e o processamento penal do responsável pela
agressão e tentativa, destacando-se, especialmente, as medidas cautelares protetivas de
urgência.
Por fim, o terceiro e último capítulo abordará a aplicabilidade da Lei Maria da
Penha no município de Montes Claros/MG desde sua vigência. Preliminarmente, será tratado
acerca da efetividade das normas jurídicas, bem como sobre a vigência e eficácia, para em
seguida se analisar dados fornecidos por órgãos locais pertencentes à rede de proteção a
mulher vítima de violência doméstica e familiar, a saber: Polícia Militar de Minas Gerais,
Defensoria Pública Estadual de Minas Gerais, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Além de
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abordar o envolvimento da sociedade montesclarense com a Lei Maria da Penha a partir de
notícias veiculadas na internet.
Registre-se que a realização deste estudo parte de uma justificativa objetiva, qual
seja, o fato da Lei Maria da Penha ser apontada como marco no enfrentamento da violência
doméstica e familiar na sociedade brasileira e de uma justificativa secundária, de ordem
subjetiva, que se vincula a atuação profissional desta pesquisadora como policial civil na
cidade de Montes Claros, cotidianamente atendendo mulheres vítimas de violência doméstica
e familiar.
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CAPÍTULO I
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E A CRIAÇÃO DA
LEI MARIA DA PENHA
1.1 Contexto da criação da Lei Maria da Penha
Fundamental se faz analisar o contexto de criação da Lei 11.340, sancionada em
07 de agosto de 2006, que trata do combate a violência doméstica e familiar, conhecida
nacionalmente como Lei Maria da Penha.
A nomenclatura da Lei 11.340/06 homenageia Maria da Penha Maia Fagundes,
vítima de violência doméstica que se destacara pela participação em movimentos de combate
a esta forma de violência. Sua emblemática história despertara ações de órgãos internacionais
na cobrança de medidas públicas para enfrentamento da violência contra mulher no Brasil
(SOUZA, 2008):
Por duas vezes, seu marido, o professor universitário e economista M. A. H. V., tentou matá-la. Na primeira vez, em 29 de maio de 1983, simulou um assalto fazendo uso de uma espingarda. Como resultado ela ficou paraplégica. Após alguns dias, pouco mais de uma semana, nova tentativa, buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho. Tais fatos aconteceram em fortaleza, Ceará. As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi ofertada em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após os fatos, em 2002, é que M. A. H. V. foi preso. Cumprindo apenas dois anos de prisão (DIAS, 2008, p. 13).
Temendo que seu agressor restasse impune, Maria da Penha, em 1997 (época em
que seu agressor respondia ao processo em liberdade, após o segundo julgamento), levou seu
caso ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos
Estados Americanos (CIDH da OEA) denunciado a demora na prestação jurisdicional pelo
Estado brasileiro, tendo apoio do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e do
Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).
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Fruto disso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA proferira o relatório
54/2001 e o remetera ao Estado brasileiro (PARODI; GAMA, 2009, p. 74-81).
O relatório 54/2001 da OEA,
além de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas ‘simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que se possa reduzir o tempo processual’. Foi em face da pressão sofrida por parte da OAE que o Brasil, finalmente, cumpriu as convenções e tratados internacionais do qual é signatário. Daí a referência constante da ementa contida na Lei Maria da Penha à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (DIAS, 2008, p. 14).
Portanto, percebe-se que a pressão internacional fora determinante para a criação
da Lei Maria da Penha, motivando o Estado brasileiro a tomar medidas para o enfrentamento
do problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
A esse respeito, vale o registro de que constou na Resposta da Delegação
Brasileira ao Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a
Mulher, apresentada em Nova York, no ano de 2003, que:
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres tem como meta para o ano de 2003 a elaboração de uma proposta de Lei de Violência Doméstica, já em grande parte desenhada por organizações feministas, a ser apresentada ao Congresso Nacional. Pretende-se que tal proposta de lei incorpore o paradigma da proteção aos direitos humanos das mulheres, tendo assim sentido pedagógico para os operadores do direito, contendo não apenas medidas punitivas contra os agressores, mas também, indicando e garantindo medidas civis, administrativas e mecanismos de proteção às vítimas (DELEGAÇÃO BRASILEIRA AO CÔMITE PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER, 2003).
Assim, em 2002, Organizações Não-Governamentais Feministas reuniram-se em
consórcio, objetivando a elaborarão de anteprojeto de lei para combater à violência doméstica
e familiar contra a mulher. Em março de 2004, tal anteprojeto fora apresentado ao Governo
Federal para subsidiar os trabalhos de grupo interministerial (criado pelo Decreto n. 5.030, de
31 de março de 2004), coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres,
responsável pela elaboração de projeto de lei a ser enviado ao Congresso Nacional (Projeto de
Lei n. 4.559/2004)1.
1 http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/breve-historico
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Recebido o Projeto de Lei pela Câmara dos Deputados Federais, “a deputada
Jandira Feghali, relatora [...], realizou audiências públicas em vários Estados e apresentou
substitutivo. Novas alterações foram levadas a efeito pelo Senado Federal (PLC 37/2006)”
(DIAS, 2008, p. 14).
Após o tramite no Congresso Nacional o projeto deu origem a Lei 11.340/06, que
segundo o seu artigo 1°:
[...] cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2006).
Com efeito, o objetivo precípuo dessa Lei é “[...] coibir a vergonhosa e reiterada
prática de violência doméstica contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar [...]”
(SOUZA, 2008, p. 34). Percebe-se, pois, que
Os benefícios alcançados pelas mulheres com a Lei Maria da Penha são inúmeros. A Lei criou um mecanismo judicial específico - os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres com competência cível e criminal; inovou com uma série de medidas protetivas de urgência para as vítimas de violência doméstica; reforçou a atuação das Delegacias de Atendimento à Mulher, da Defensoria Pública e do Ministério Público e da rede de serviços de atenção à mulher em situação de violência domestica e familiar; previu uma série de medidas de caráter social, preventivo, protetivo e repressivo; definiu as diretrizes das políticas públicas e ações integradas para a prevenção e erradicação da violência doméstica contra as mulheres, tais como: implementação de redes de serviços interinstitucionais, promoção de estudos e estatísticas, avaliação dos resultados, implementação de centros de atendimento multidisciplinar, delegacias especializadas, casas abrigo e realização de campanhas educativas, capacitação permanente dos integrantes dos órgãos envolvidos na questão, celebração de convênios e parcerias e a inclusão de conteúdos de equidade de gênero nos currículos escolares2.
A despeito dessa leitura positiva que se faz da Lei Maria da Penha, à época de sua
sanção houvera crítica negativa à sua redação e pertinência, inclusive, questionou-se a sua
2 http://www.sepm.gov.br/subsecretaria-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres/lei-maria-da-penha/breve-historico
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constitucionalidade, especialmente naquilo que toca ao princípio da isonomia, conforme se
observa:
[...] a Lei [11.340/06] foi recebida com desdém e desconfiança. Alvo das mais ácidas críticas e rotulada de indevida, de inconveniente. Há uma tendência geral de desqualificá-la. São suscitadas dúvidas, apontados erros, identificadas imprecisões e proclamada até inconstitucionalidades. Tudo serve de motivo para tentar impedir que se torne efetiva. Mas todos esses ataques nada mais revelam do que injustificáveis resistências a uma nova postura no enfrentamento da violência que tem origem em uma relação de afeto (DIAS, 2008, p. 7).
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