Post on 03-Dec-2020
O ESPORTE COMO UM TERRITÓRIO PARA DISCUSSÕES SOBRE DESIGUALDADES DE GÊNERO
José Rafael Vilela da Silva (Universidade Estadual de Londrina)
joseraffael12@gmail.com
Resumo
Este artigo busca propor uma discussão acerca das desigualdades de gênero que se mostram presentes no esporte. Entende-se que o esporte pode ser lido enquanto um território marcado por estruturas e agentes que reproduzem diversas relações de poder que somente acentuam as desigualdades entre homens e mulheres neste território. Neste sentido, por meio da realização de uma investigação e discussão teórica pautada em artigos e trabalhos acadêmicos, chegou-se à conclusão de que o esporte constitui-se em um território de (re)produção de desigualdades de gênero. Contudo, caso seja repensada a função social do esporte na sociedade, este pode vir a converter-se em um espaço aberto às discussões em prol da equidade entre os gêneros e de formação de indivíduos engajados na desconstrução da estrutura machista e desigual na qual a sociedade se sustenta. Palavras-chave: Esporte; Território; Desigualdades de gênero.
Introdução
O chamado currículo pós-moderno nos chama a atenção para a importância
da abordagem e discussão de algumas questões no processo de ensino, entre elas
destacando-se as questões de gênero. Assim, enquanto uma importante disciplina
do ensino básico, a Geografia não pode fugir da abordagem destas discussões e
precisa buscar formas de inserção das discussões sobre gênero em sua pauta de
ensino, afinal as questões de gênero são essenciais à compreensão das diversas
facetas da sociedade contemporânea e suas dinâmicas no espaço geográfico.
Por sua vez, as desigualdades existentes entre homens e mulheres na
sociedade revelam uma construção sociocultural e histórica amparada na diferença
de tratamento dos indivíduos baseada na leitura biológica que é feita dos corpos e
dos sexos. Neste sentido, o esporte enquanto um campo da sociedade, apresenta-
se também enquanto espaço de (re)produção de desigualdades de gênero,
reforçando as relações de poder existentes entre os indíviduos na sociedade.
Refletindo sobre este aspecto busca-se neste trabalho o desenvolvimento de
uma análise e discussão teórica acerca das desigualdades de gênero existentes no
campo do esporte. Para tal, faz-se importante compreender que estas
desigualdades manifestam-se na diferença de tratamento, acesso e permanência
neste campo. É essencial observar que o esporte ao (re)produzir desigualdades
entre homens e mulheres acaba também por sua vez (re)produzindo uma
diversidade de relações de poder desiguais entre os indíviduos, tornando deste um
importante território a ser analisado, sobretudo no ensino de geografia.
Esporte: um território para as discussões sobre desigualdades de gênero
As discussões sobre o conceito de gênero evocam diversas definições ao
termo, promovendo assim uma pluralidade de entendimentos sobre este. Contudo,
pode-se destacar que os estudos sobre o conceito ganharam ênfase sobretudo a
partir dos anos 1960, devido aos estudos desenvolvidos em especial por
pesquisadoras que encontravam-se engajadas no movimento feminista, sobretudo
na Inglaterra e Estados Unidos. Neste momento, o conceito de gênero passa a ser
compreendido enquanto uma construção social e cultural, opondo-se assim a uma
definição biológica baseada na diferença de sexos (CARVALHO, 2013).
Após esta primeira fase de discussões sobre gênero, novas definições
gradativamente surgem. E assim, segundo Carvalho (2013) definições e estudos
mais recentes sobre o conceito, em especial a partir da década de 1990,
desenvolvidos por pesquisadoras pós-estruturalistas, passam a não opô-lo mais ao
sexo, mas também passam a incluir a percepção dos indivíduos sobre este, tendo
em vista a inserção em uma dada construção histórico-social.
Neste trabalho buscou-se o amparo teórico na definição de gênero trazida por
Joan Scott, onde esta aponta que: “[...] o gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é
uma forma primária de dar significado às relações de poder.” (SCOTT, 1995, p.86).
Analisando o conceito de gênero e sua implicação nas relações de poder na
sociedade, pode-se apontar que o esporte compreende um campo onde muitas
vezes a cisão entre o que se define enquanto “masculino” e “feminino” é reforçada e
consolidada, conduzindo a acentuação de desigualdades existentes e aumentando a
lacuna entre homens e mulheres nas relações de poder desenvolvidas neste campo.
O esporte segundo Barbanti (2006, p.57) pode ser compreendido enquanto:
“Uma atividade competitiva institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso ou
o uso de habilidades motoras relativamente complexas, por indivíduos, cuja
participação é motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos”.
Apesar desta definição não explicitar diretamente uma diferença de
tratamento entre homens e mulheres no esporte, este enquanto um espaço inserido
no contexto da sociedade, também reproduz em seu interior aspectos desta. Sendo
assim, de acordo com Santos, Souza e Bonfim (2015, p.14):
[...] o esporte, os jogos e as brincadeiras intrinsecamente trazem uma dualidade de gênero que foi sendo historicamente condicionada e inconscientemente incorporada, consolidando o preconceito, reforçando a visão reducionista e biológica utilizada como justificativa para diferenciar entre meninos e meninas as atividades durante às aulas de Educação Física e especificamente no esporte.
No caso, os estímulos a participação e manutenção no esporte de homens e
mulheres são totalmente distintos, tendo em vista principalmente fatores extrínsecos
provenientes da sociedade, esta que (re)produz uma leitura machista do esporte,
definindo-o enquanto um espaço masculino, ao reforçar a necessidade da força e
agressividade, e ao privar as mulheres de participarem devido à reprodução da
máxima de que estas são mais “frágeis” e “fracas” para o esporte (SANTOS, 2012).
Ainda de acordo com Oliveira, Cherem e Tubino (2009, p.118):
[...] Observa-se ao longo da história que a inserção da mulher no esporte tem acontecido de forma irregular, as conquistas foram conseguidas de modalidade em modalidade e sempre com muitas dificuldades.
Segundo Haesbaert (2007) os territórios estão atrelados ao poder, não
somente ao poder político tradicional, mas também ao poder no sentido mais
simbólico de apropriação e mais concreto de dominação, sendo assim múltiplo,
diverso e complexo. É neste sentido simbólico de apropriação e concreto de
dominação que o esporte pode ser lido como um território. Haja vista que este
compõe-se por uma série de relações de poder envolvendo os indíviduos, estas que
apresentam-se de forma assimétrica, sobretudo com relação às questões de gênero. Considerações finais
A importância da análise do esporte enquanto território marcado por relações
de poder, ao se buscar inserir as discussões de gênero no ensino de Geografia,
destaca-se na possibilidade que estas oferecem à compreensão das nuances e
espacialidades destas na sociedade e na constituição do espaço geográfico.
Segundo Haesbaert (2007) é importante compreender que os territórios
fazem-se atrelados às territorialidades. Estas incorporam dimensões políticas,
econômicas, sociais, culturais, e aqui precisa-se acrescentar a dimensão de gênero,
como componente do poder que dá origem aos territórios, assim esta dimensão
também precisa ser discutida e trabalhada pela Geografia no processo de ensino.
Estas discussões possuem potencial no sentido de buscar o combate as
desigualdades entre homens e mulheres no acesso, permanência e tratamento no
esporte e reduzir a lacuna existente entre os gêneros nas relações de poder. Caso
estas consigam avançar na sociedade, o esporte pode converter-se de um território
de reprodução de desigualdades de gênero para um território aberto as discussões
de gênero, ampliando assim sua função social na sociedade, ao contribuir para a
desconstrução de preconceitos e do machismo. Referências BARBANTI, Valdir. O que é esporte? Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, v. 11, p.54-58, 2006. Disponível em: <http://rbafs.org.br/RBAFS/article/view/833/840>. Acesso em: 11 mar. 2019. CARVALHO, Marília Pinto de. Gênero na sala de aula: a questão do desempenho escolar. In: MOREIRA, Antonio F.; CANDAU, Vera M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. (Org.). 10. Ed., Petrópolis: Vozes, 2013, p. 90-124. HAESBAERT, Rogério. Território e multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia, Rio de Janeiro, ano IX, n° 17, 2007, p.19-46.
OLIVEIRA, Gilberto; CHEREM, Eduardo H. L.; TUBINO, Manoel J. G. A inserção histórica da mulher no esporte. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v. 16, p.117-125, 2008.
SANTOS, André de Souza. As relações de gênero e a educação física escolar: desafios pedagógicos. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Educação Física) – Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco, Cornélio Procópio (PR), 2012. SANTOS, Paulo Augusto Costa; SOUZA, André Santos; BONFIM, Cláudia Ramos de Souza. Educação física escolar: contribuições para a superação do preconceito de gênero no esporte. Anais do IV Simpósio Internacional de Educação Sexual. Maringá, 2015. 15 p. Disponível em: <http://www.sies.uem.br/trabalhos/2015/672.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2019. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. 20(2): 71-99, 1995.