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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
CENTRO DE EDUCAO
CURSO DE MESTRADO ACADMICO EM EDUCAO
A FORMAO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE
ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTRIO NA PERSPECTIVA DA
ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA
CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA
FORTALEZA
2012
CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA
A FORMAO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE
ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTRIO NA PERSPECTIVA DA
ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA
Dissertao apresentada Banca
Examinadora do Curso de Mestrado
Acadmico em Educao, da
Universidade Estadual do Cear, como
exigncia final para obteno do grau de
Mestre em Educao.
Orientadora: Prof. Dr. Ruth Maria de
Paula Gonalves
Coorientadora: Prof. Dr. Maria das
Dores Mendes Segundo
FORTALEZA
2012
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao
Universidade Estadual do Cear
Biblioteca Central Prof. Antnio Martins Filho
O48f Oliveira, Ciro Mesquita de
A formao do homem novo na pedagogia de Antons S. Makarenko:
um estudo introdutrio na perspectiva da ontologia Marxiana - Lukacsiana /
Ciro Mesquita de Oliveira . 2012. 115f. : il. color., enc. ; 30 cm.
Dissertao (Mestrado) Universidade Estadual do Cear, Centro de Educao, Curso de Mestrado Acadmico em Educao, Fortaleza, 2012.
. rea de Concentrao: Formao de Professores.
Orientao: Prof. Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves.
Coorientao: Prof. Dr. Maria das Dores Mendes Segundo.
1. Coletividade. 2. URSS. 3. Educao. 4. Makarenko. I. Ttulo.
CDD: 370
CIRO MESQUITA DE OLIVEIRA
A FORMAO DO HOMEM NOVO NA PEDAGOGIA DE
ANTON S. MAKARENKO: UM ESTUDO INTRODUTRIO NA PERSPECTIVA DA
ONTOLOGIA MARXIANA-LUKACSIANA
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Curso de Mestrado Acadmico em
Educao, do Centro de Educao da Universidade Estadual do Cear, como exigncia parcial
para obteno do grau de Mestre em Educao.
Defesa em: 04/04/2012
Conceito obtido: __________
Nota obtida:______________
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves (Orientadora)
Universidade Estadual do Cear UECE
______________________________________________
Prof. Dr. Maria das Dores Mendes Segundo (Coorientadora)
Universidade Estadual do Cear UECE
______________________________________________
Prof. Ph.D. Maria Susana Vasconcelos Jimenez
Universidade Estadual do Cear UECE
______________________________________________
Prof. Dr. Josefa Jackline Rabelo
Universidade Federal do Cear UFC
minha esposa Mrcia por compartilhar comigo
todos os momentos de durezas e de adversidades
durante a elaborao deste trabalho. Sem ela
seria impossvel ter chegado at aqui.
A palavra companheira no
suficiente para descrev-la.
Aos meus filhos, Maria Elis e Matheus, que
muitas vezes no entenderam a minha ausncia
e mesmo estando perto sentiram muita
a minha falta de ateno.
Aos meus pais Irlanda e Alsio (in memorian) pelo
o incentivo e apoio desde a minha infncia.
A eles, dedico.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer queles que me incentivaram e contriburam de algum modo
com esse trabalho.
Aos meus amigos Jos Pereira, Renata Jata e Cleide por me incentivarem e insistirem,
desde o comeo, em tentar fazer o curso de mestrado de mestrado acadmico em educao.
professora Jackline Rabelo por sua firmeza intelectual marxiana, sua acessibilidade
e estmulo para continuar com os estudos para alm da graduao.
professora Susana Jimenez por me acolher e incentivar com seu aporte intelectual a
enfrentar as batalhas intelectuais das teorias educacionais vigentes.
professora Das Dores por seus aconselhamentos e palavras que me esclareceram em
diversos momentos.
professora Ruth por seu sorriso largo, sua candura e sua pacincia, em muitos
momentos dessa trajetria as exigncias se tornaram brandas e mais leves por sua gentileza.
Ao meu amigo Marcel, companheiro de lutas acadmicas e sindicais quantas vezes
meu amigo, precisei de nossas conversas para poder seguir adiante.
Aos amigos do IMO, aos amigos da minha turma do Curso de Mestrado Acadmico
em Educao (CMAE), aos professores da prefeitura de Fortaleza nas escolas em que trabalho
e j trabalhei vocs tambm foram essenciais nessa longa caminhada.
Aos meus alunos vocs so os grandes beneficiados deste trabalho.
Joyce, secretaria do CMAE, pela ateno e pela disponibilidade.
A minha irm Gergia pela amizade e apoio incondicionais.
Ao meu tio Benjamin Alvino Mesquita meu reconhecimento pelo grande exemplo e
honestidade intelectual.
A vida bela, que as geraes futuras
a livrem de todo mal e opresso,
e possam desfrut-la
em toda sua
plenitude.
Leon Trotsky
RESUMO
O presente trabalho visa investigar a concepo pedaggica de Anton
Semionovich Makarenko, examinando suas categorias luz da
perspectiva ontolgica. O objetivo geral examinar o processo
educativo inscrito em sua teoria e a prtica pedaggica, sintetizada
pela categoria coletividade, que seria uma nova relao entre a teoria e
a prtica, em busca de uma educao social que visava formao do
homem novo para a nova sociedade sovitica. Analisamos nosso
objeto pela perspectiva da ontologia marxiana-lukacsiana, na qual se
busca desvelar o real pela relao entre as esferas particulares e os
determinantes estruturais do mesmo na constituio da esfera da
totalidade social. Dessa forma, classificamos nosso trabalho como
terico-bibliogrfico e documental. Num primeiro momento da
pesquisa, contextualiza-se o conjunto de fatores histricos, polticos,
econmicos e culturais, imediatamente anteriores aos primeiros anos
da Unio Sovitica, onde o referido autor construiu sua obra.
Prossegue-se com a trajetria biogrfica de Makarenko. Adiante,
encaminha-se com a anlise das obras: Poema Pedaggico; As
Bandeiras nas Torres; Livro dos Pais; livro Problemas de La
Educacin Escolar Sovietica e o texto Metodologia para La
Organizacin del Proceso Educativo; e ainda outros artigos, textos e
conferncias que selecionamos do autor. Dessas obras, extraem-se as
principais categorias de Makarenko para anlise: a coletividade, a
disciplina, a autodisciplina, a auto-organizao, a renncia, a exigncia
e a perspectiva. Alm disso, faz-se um exame dos princpios
filosficos e pedaggicos do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra MST, relacionando-os s categorias supracitadas. Ao fim do estudo, conclui-se que Makarenko cumpriu um papel significante
na formao inicial desse novo modelo de homem: mesmo com
resqucios da influncia escolanovista e do pragmatismo, todavia, ao
contrrio dessas correntes, pregava que o processo educativo feito
pelo prprio coletivo em detrimento das vontades individuais. Embora
haja intensidade e fecundidade em sua concepo pedaggica,
considera-se que sua proposta educacional, que objetivava a formao
do homem novo e pleno de todas as suas potencialidades, pondera-se e
ressalva-se que Makarenko sinalizava a favor da diviso do trabalho, o
que certamente aproxima suas elaboraes da concepo de trabalho,
no como ato potencializador da totalidade da atividade humana, mas
fragmentado em trabalho manual e intelectual, distanciando-se da
perspectiva ontolgica marxiana-lukacsiana.
Palavras-chave: Makarenko; Educao; Coletividade; URSS.
RESUMEN
El presente estudio tiene como objetivo investigar la concepcin
pedaggica de Anton Semionovich Makarenko, el examen de sus
categoras a la luz de la perspectiva ontolgica. El objetivo general es
examinar el proceso educativo inscrito en la teora y la prctica
pedaggica, sintetizada por la categora de la colectividad, lo que sera
una nueva relacin entre teora y prctica, en busca de una educacin
social que el objetivo de formar al hombre nuevo a la nueva sociedad
sovitica. Analizado desde la perspectiva de nuestra ontologa
lukacsiana objeto-marxista, donde se busca desentraar la verdadera
relacin entre la esfera privada y los determinantes estructurales de la
misma constitucin en el mbito de la totalidad social. Por lo tanto,
podemos clasificar nuestro trabajo como terico, bibliogrfico y
documental. Al principio, la investigacin, contextualiza el conjunto
de factores histricos, los derechos polticos, econmicos y culturales,
inmediatamente antes de los primeros aos de la Unin Sovitica,
donde este autor ha construido su obra. Se contina con las historias de
vida de Makarenko. Se est moviendo adelante con el anlisis de las
obras: Poema Pedaggico, Banderas en las Torres, el Libro de los
Padres; libro Problemas de la Escuela Sovitica de La Educacin y
Metodologa de texto para la Organizacin del Proceso de Educacin,
y an otros artculos, textos y conferencias seleccionado el autor. Estas
obras se extraen de sus categoras Makarenko principales para el
anlisis: la colectividad, la disciplina, la auto-disciplina, auto-
organizacin, la exigencia de renuncia y perspectiva. Por otra parte, es
un examen de los principios filosficos y pedaggicos del Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra MST que se conectan con las categoras anteriores. Al final del estudio concluyeron que Makarenko
desempeado un papel importante en la formacin inicial de este
nuevo modelo de hombre, incluso con restos de la nueva escuela y la
influencia del pragmatismo, sin embargo, a diferencia de estas
corrientes predicaban que el proceso educativo se lleva a cabo por el
colectivo a expensas de la las voluntades individuales. Pero a pesar de
toda su intensidad y la fecundidad de su diseo instruccional, se
considera que su propuesta educativa tiene por objeto la formacin del
hombre nuevo y completo de todo su potencial, pesa y se insiste en
que Makarenko, indic a la divisin del trabajo , que sin duda se
acerca a sus elaboraciones de los trabajos de diseo, no actan como
un potenciador de la actividad humana, pero roto en el trabajo manual
e intelectual, lejos de la perspectiva ontolgica marxista-lukacsiana.
Palabras clave: Makarenko; La Educacin; La colectividad; La Unin
Sovitica
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 10
2 A GNESE DO PENSAMENTO PEDAGGICO DE MAKARENKO ........................ 22
2.1 As contribuies das concepes educacionais dos pensadores russos antes do
perodo revolucionrio para a formao de uma pedagogia socialista .............................. 22
2.2 Makarenko: vida e obra ................................................................................................... 33
3 A CONCEPO PEDAGGICA DE MAKARENKO: RASTREAMENTO DAS
PRINCIPAIS CATEGORIAS................................................................................................ 39
3.1 A principal categoria: a coletividade ............................................................................... 42
4 A CONCEPO PEDAGGICA DE MAKARENKO ESPECIFICAMENTE NO
MST MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA. .................. 66 4.1 Primeiras pistas de como a concepo pedaggica de Anton S. Makarenko chegou ao
Brasil ........................................................................................................................................ 67
4.2 Makarenko nos princpios filosficos e pedaggicos do MST. ..................................... 76
4.3 Os Novos Paradigmas da Educao na concepo educativa do MST. ....................... 87
5 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 96
REFERNCIAS ................................................................................................................... 109
10
1 INTRODUO
Nossa dissertao de mestrado resultado de uma pesquisa terico-bibliogrfica sobre
a concepo pedaggica do pedagogo sovitico Anton Semionovich Makarenko (1888-1939).
Estamos integrados a outros estudos que vm sendo encampados coletivamente, com bastante
empenho, por outros membros e pesquisadores do Instituto de Estudos e Pesquisas do
Movimento Operrio da Universidade Estadual do Cear (IMO/UECE); do Eixo Marxismo e
Formao do Educador, do Curso de Mestrado Acadmico em Educao, da mesma
Universidade (CMAE/UECE); bem como da Linha de Pesquisa Marxismo, Educao e Lutas
de Classes, da Universidade Federal do Cear (E-Luta/UFC).
Cerramos fileiras, em conjunto, visando fazer um reordenamento das concepes
pedaggicas dos pedagogos soviticos, como Makarenko e Pistrak, inspirados em trabalhos
que fazem a recuperao de base ontolgica marxiana-lukacsiana, por exemplo, na obra dos
integrantes da Psicologia Histrico-Cultural. Muitos so os trabalhos que vm sendo
realizados nesse sentido, dentre eles, podemos destacar as teses das professoras Dr. Ruth de
Paula1, da professora Dr. Maurilene do Carmo
2, a dissertao da professora Ms. Natlia
Ayres da Silva3 e a dissertao, em andamento, de Leonardo Jos Freire Cab, Trabalho e
Atividade na psicologia de A. N. Leontiev: pressupostos ontolgicos e desdobramentos
no processo de escolarizao da classe trabalhadora, orientada pela Prof. Dr. Josefa
Jackline Rabelo.
Sobre Pistrak, temos a dissertao de mestrado, em andamento, de Marcel Lima
Cunha, com o ttulo provisrio: A Educao Corporal nos Fundamentos da Escola
Sovitica: uma anlise luz da teoria marxiana, orientada pela Prof. Dr. Betania Moreira
de Moraes. Vale ressaltar que este trabalho parte integrante do esforo empreendido em
nossa dissertao de mestrado de dar conta dos pressupostos tericos dos autores da
pedagogia sovitica. Nossas dissertaes vm de uma ramificao do trabalho realizado pelas
1 Tese intitulada: A catao de lixo e a (de)formao da criana como ser social, defendida em 2006, na UFC,
tomando por base os estudos de Leontiev sobre a atividade e a formao do sujeito na Psicologia Histrico-
Cultural. 2 Tese intitulada: Vigotski: um estudo luz da centralidade ontolgica do trabalho, defendida igualmente na
UFC, em 2008, sob orientao da Professora Susana Jimenez e a coorientao da Professora Sueli Terezinha
Martins, tendo, como objetivo, central recuperar a categoria trabalho no constructo vigotskiano. 3 Dissertao intitulada: Trabalho e Linguagem na obra de A. R. Luria: um estudo luz da ontologia
marxiana, em 2011, orientada pela Prof. Ph.D. Maria Susana Vasconcelos Jimenez e coorientada pela Prof.
Dr. Betania Moreira de Moraes.
11
nossas orientadoras, professoras Dr. Ruth Maria de Paula Gonalves e professora Dr. Betania
Moreira de Moraes, que coordenam os grupos de estudos Defectologia de Vigotski e
Psicologia Histrico-Cultural e Educao: estudos na perspectiva da ontologia lukacsiana;
coordenados, o primeiro, pela mesma professora; e o segundo, tambm por esta, junto
Professora Ruth de Paula.
O terceiro captulo do presente estudo tem, como referncia, a tese da Prof. Dra.
Josefa Jackline Rabelo, cujo ttulo A Pedagogia do Movimento Sem Terra: para onde
aponta a proposta de formao de professores do MST? , defendida em 2005 e orientada
pela Prof. Ph.D. Maria Susana Vasconcelos Jimenez.
O Grupo de pesquisa Ontologia Marxiana e Educao4, coordenado pelas professoras
Dr. Josefa Jackline Rabelo e professora Dr. Maria das Dores Mendes Segundo, pois deu-nos
a oportunidade de nos aprofundarmos nos estudos marxistas, uma vez que j tnhamos um
conhecimento curioso de Marx e da literatura marxista. A afinidade pessoal sobre a revoluo
russa e o projeto revolucionrio comunista levou-nos ao estudo do pedagogo sovitico Anton
S. Makarenko.
Para realizarmos a pesquisa, centramos nossa anlise na perspectiva marxiano-
lukacsiana, objetivando o exame das categorias elaboradas por Anton Semionovich
Makarenko. Ressaltamos a importncia da relevncia do referencial marxista alicerado na
perspectiva ontolgica, por considerarmos que os fundamentos marxianos so essenciais para
a compreenso da totalidade social. Nesse sentido, nossos argumentos encontram-se
diametralmente opostos s interpretaes de carter economicista, determinista, positivista e
dogmtico da obra de Marx, fundadas no imperialismo gnosiolgico ou epistmico que
dominou os estudos marxianos no perodo histrico vivido.
4 O Grupo vincula-se Linha Marxismo, Educao e Luta de Classes, do Programa de Ps-Graduao em
Educao Brasileira da UFC, e mantm intercmbio direto e orgnico com o Grupo de Pesquisas Trabalho,
Educao e Luta de Classes, do Centro de Educao da UECE/Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento
Operrio/ IMO, tambm vinculado ao Mestrado Acadmico em Educao da mesma Universidade, cadastrado,
desde o ano de 1999, junto Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa da UECE e ao CNPq. Exibindo carter
rigorosamente interinstitucional, o Grupo toma, por base, a ontologia marxiana/lukacsiana, tratando a educao
em sua dimenso onto-histrica e articulando a poltica educacional vigente crise estrutural do capital, nos
termos postos por Istvn Mszros. Aponta, nesse sentido, para a superao do capital, examinando, assim, os
elementos constituintes da teoria da transio ao socialismo. A esse grupo vinculam-se duas linhas de pesquisa
intimamente articuladas: a primeira, tratando dos fundamentos e implicaes do Movimento de Educao para
Todos; e a segunda, tomando a problemtica da formao docente na perspectiva da crtica marxista aos
paradigmas da ps-modernidade. O Grupo vem despertando o interesse de um nmero significativo de
estudantes de cursos diversos da UFC e da UECE (Histria, Filosofia e Servio Social, por exemplo),
evidentemente, com predominncia para o Curso de Pedagogia, em tomar parte, na condio de bolsistas de
iniciao cientfica, nas atividades investigativas, como nos grupos de estudo realizados nesse espao. O Grupo
conta, por fim, com um projeto de pesquisa devidamente cadastrado junto UFC e UECE, com o qual
colaboram bolsistas de iniciao cientfica, mestrandos e doutorandos.
12
A justificativa desta pesquisa est posta por examinar a teoria e a prtica pedaggica
do pedagogo sovitico Anton Semionovich Makarenko. Para tanto, ressaltamos que, na
dcada de 20, Makarenko comea, aos 32 anos, a fixar os parmetros que revelariam uma
nova relao, entre a teoria e a prtica, da dialtica do processo pedaggico. Essa nova relao
constitui, nesse sentido, uma proposta de escola que passe a ser uma coletividade total e
nica, na qual teriam que estar organizados todos os processos educativos, e, cada membro
dessa coletividade, deveria sentir, forosamente, sua dependncia com relao a ela.
Essa proposio original, que deriva de uma compreenso de sociabilidade sem classes
(ou na construo desta), est diretamente ligada reestruturao cultural proposta pela
revoluo socialista, baseada na proposta leninista. Para Luedemann (2002) , a proposta e o
conceito de coletividade em Makarenko vo alm daquela contida na escola do trabalho, uma
vez que Makarenko teve, como principais referenciais tericos, Lnin e Krupskaia5 na
concepo de tais conceitos.
Listamos, a seguir, as obras de Makarenko, algumas traduzidas para o portugus e
publicadas em Portugal e no Brasil, outras sem traduo para o portugus, mas traduzidas dos
originais em russo para o espanhol, pela editora Editorial Progresso de Moscou. Esse
levantamento de sua bibliografia, feita por ns, apoiou-se na nossa imerso nos prprios
livros do autor e na listagem feita por Luedemann (2002).
O livro Anton Makarenko su vida y labor pedaggica artculos, charlas,
recuerdos, compilado por Medinski (encontra-se sem data de publicao), provavelmente
entre as dcadas de 50 e 70, foi traduzido do russo para o espanhol por Joaqun Rodrguez, e
consta uma apresentao de E. Zhkov. Vale ressaltar que ns encontramos, ao final do livro,
um breve compndio bibliogrfico.
Tambm encontramos o mesmo compndio em outra obra pesquisada, Anton
Makarenko su vida y labor pedaggica, provavelmente obra baseada na primeira que
citamos, e compilada por Kudryashova, em 1975, com prefcio e esboo biogrfico de
Kumarin e apresentao de Kuleshov, traduzido do russo para o espanhol por Joaqun
Rodrguez.
Segue abaixo o referido breve compndio bibliogrfico tal qual no original
5 Vale ressaltar que, de acordo com Capriles (1989), Krupskaia tambm sofreu influncia dos ideais
escolanovistas em sua concepo pedaggica, tendo se debruado sobre os estudos de Dewey e William James,
todavia, diferenciando-se dos mtodos liberais individualistas pelo desenvolvimento de mtodos baseados na
coletividade.
13
I.OBRAS DE ANTON MAKARENKO
a. Obras
Obras. Colegio de redaccon: I.Karov, G. Makrenko y E. Medinski. Mosc.
Academia de Ciencias Pedaggicas de la RSFSR, 1950-1952.
T.1. Poema pedaggico.
T.2. Marcha del ao 30. Novela corta FD-I. En tono mayor. Novela corta.
Pieza.
T.3. Banderas em las torres. Novela corta.
T.4. Libro para los padres. Conferencias sobre educacin infantil. Charlas
acerca de La educacin familiar.
T.5. Problemas generales de la teora pedaggica. La educacin en la escuela
sovitica.
T.6. El honor. Novela corta. - Un carcter de verdad. Guin literario. En comisin de servicio . Guin literario.
T.7. Publicstica. - Relatos y ensayos. - Artculos sobre literatura y reseas. -
Epistolario con Mximo Gorki.
b. Obras escogidas.Recopilaciones.
Marcha del ao 30. Mosc-Leningrado, GIJL, 1932.
Poema pedaggico. P. I. III. Goslitizdat, 1934-1936.
Libro para los padres. Mosc. Goslitizdat, 1937.
Banderas em las torres. Novela corta en 3 partes. Mosc. Goslitizdat, 1939.
Conferencias para los padres. Bajo la redaccon de G. Makrenko y V.
Kolbanovski. Editorial Pedaggica de Mosc, 1940.
Obras pedaggicas escogidas. Artculos, conferencias y charlas. Bajo la
redaccon general de E. Medinski y N. Svadkovski. Editorial Pedaggica de
Mosc, 1947.
Conferencias sobre educacin infantil. Bajo la redaccin de G. Makrenko y
V. Kolbanovski. Editorial Pedaggica de Mosc, 1947.
Metodologa para la organizaccin del proceso educativo. Redaccin y
prefacio de G. Makrenko. Editorial de las Reservas de Trabajo. Mosc,
1947.
Obras pedaggicas. Edicin de la Academia de Ciencias Pedaggicas de la
RSFSR. Mosc-Leningrado, 1948.
Problemas de la educacin escolar sovitica. Bajo la redaccin de G.
Makrenko. Edicin de la Academia de Ciencias Pedaggicas de la RSFSR.
Mosc, 1949.
Algunas conclusiones de mi experiencia pedaggica. Bajo la redaccin de G.
Makarenko. Edicin de la Academia de Ciencias Pedaggicas de la RSFSR.
Mosc, 1950.
Sbre la educacin comunista. Obras pedaggicas escogidas. Editorial
Pedaggica de Mosc, 1952.
II.LIBROS ACERCA DE ANTON MAKARENKO
E. Medinski. Antn Seminovich Makrenko. Su vida y creacin
pedaggica. Prefacio de Galina Makrenko. Edicin de la Academia de
Ciencias Pedaggicas de la RSFSR. Mosc-Leningrado, 1949.
A. Ter-Guevondin. El sistema pedaggico de Antn Makrenko. Editorial
Pravda. Mosc, 1949. E. Balabanvich. Antn Makrenko. Ensayo acerca de su vida y creacin.
Goskultprosvetizdat. Mosc, 1951.
Y. Lukn. Antn Makrenko. Ensayo crtico-biogrfico. Editorial El Escritor Sovitico. Mosc, 1954. (KUDRYASHOVA, 1975, p. 326-327).
14
J a partir das pesquisas de Luedemann (2002, p.425-427), temos uma lista por ordem
cronolgica das obras a seguir:
1. A Marcha dos anos 30 (publicada em 1932). Reportagens sobre a vida na
Comuna Dzerjinski, escritas em 1930.
2. A experincia metodolgica na colnia infantil de trabalho (escrita em
1931 e 1932).
3. FD-1 Novela em que descreve mais uma etapa da Comuna Dzerjinski, escrita em 1932.
4. Poema Pedaggico 3 volumes sobre a experincia da Colnia Gorki, escritas entre 1933 e 1935 e publicados entre 1934 e 1936, no Almanaque
Ano Dezessete, por Gorki.
5. Tom Maior pea de teatro escrita em 1933 e enviada a um concurso nacional de peas teatrais. Publicada em 1935.
6. Metodologia para a organizao do processo educativo conferncias escritas em 1935 e publicadas em 1936.
7. Conferncias sobre educao infantil orientao aos pais sobre a educao dos filhos, escrito em 1937.
8. Livro dos pais orientao da educao familiar para a constituio da coletividade familiar. Volume I, publicado em 1937; volume II, escrito em
1939, sobre a educao moral e poltica; planejamento dos volumes III,
sobre a educao atravs do trabalho e a orientao profissional, e IV, sobre
a necessidade de educar o ser humano para ser feliz.
9. A felicidade artigo literrio polmico, em estilo de crnica, publicada em 1937.
10. A honra romance escrito em 1934 e publicado, em partes, em 1937 e 1938, na revista Outubro.
11. Os anis de Newton iniciado em 1938, discute os defeitos e a dignidade da pessoa humana.
12. Problema da educao escolar sovitica conferncias para educadores, publicadas em 1938.
13. Bandeiras nas Torres romance sobre a experincia na Comuna Dzerjinski (1928-1935) volumes I e II (publicados em 1939). 14. Aprender a viver novela que d sequncia ao Poema Pedaggico. 15. Um carter verdadeiro roteiro cinematogrfico, finalizado em 1939. 16. Em comisso de servio roteiro cinematogrfico, finalizado em 1939. 17. Da minha experincia de trabalho conferncia, publicada em 1939. 18. As minhas concepes pedaggicas conferncia, publicada em 1939. 19. Cartas e artigos publicadas aps a morte de Makarenko. Destaque ao conjunto de cartas entre Makarenko e Gorki, publicadas em 1950.
Obras selecionadas de Makarenko
1. Problemas da educao escolar compilaes e comentrios de M.D. Vinogradova. Moscou, Edies Progresso, 1986.
2. Problemas de La educacin escolar sovitica compilaes de V. Aranski e A.Piskunov. Mosc, Editorial Progresso, s/d.
Obras sobre Makarenko
1. CAPRILES, Ren. O caminho de um pedagogo sovitico: centenrio do
nascimento de Makarenko. Rio de Janeiro, Caderno Rio Arte, ano 1, n 1,
1988.
2.______________. Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista. So
Paulo, Scipione, 1989.
3. KUMARIN, V. Anton Makarenko su vida y labor pedaggica. Mosc, Progresso, 1975.
4. LUEDEMANN, Ceclia da Silveira. Makarenko: a escola como
15
coletividade. (Dissertao de Mestrado, PUC-SP, 1994). (LUEDEMANN,
2002, p.425-427, grifos do autor).
Muitos dos textos de Makarenko, estudados por ns nesta pesquisa, foram os que
Luedemann (2002) anexou ao final de seu livro Anton Makarenko vida e obra
pedagogia na revoluo. Salientamos que, sem as fontes j destacadas por Luedemann, seria
muito mais difcil prosseguir com nossa pesquisa nesse curto espao de tempo de dois anos
para trmino do mestrado, uma vez que esses textos, anexos no final do seu livro, so
tradues em portugus dos originais. Luedemann publica os seguintes textos: Objetivos da
educao, Metodologia para a organizao do processo educativo, A famlia e a educao
dos filhos, A educao na famlia e na escola, As minhas concepes pedaggicas, De
minha experincia de trabalho, que so conferncias, entrevistas e informes dados por
Makarenko, grosso modo, entre os anos de 1931 e 1939.
Durante a pesquisa, tivemos acesso aos livros publicados em espanhol, compilados e
organizados por estudiosos russos, como Kumarin, Medinski, Kudryashova, e sua esposa
Galina Makarenko, que se tratam provavelmente dos originais os quais Luedemann (2002) fez
a traduo, j que so tradues originais da Editoral Progresso de Moscou, impressos
inclusive em espanhol na prpria Rssia, como consta nos diversos livros.
Outra obra, Problemas de La Educacion Escolar Sovitica, publicada pela editora
Editorial Progresso na dcada de 60, organizada por V. Aranski y A. Piskunov, alm das
conferncias que deram origem ao livro original publicado em vida por Makarenko, em 1938,
traz o texto Metodologia para La Organizacion del Proceso Educativo no original.
No entanto, encontramos divergncias entre Metodologia para La Organizacion del
Proceso Educativo original e o texto publicado por Luedemann (2002), uma vez que, nesta,
observamos omisses de vrios pargrafos e no sabemos se, intencionalmente ou no.
importante destacar que a obra Metodologia para a organizao do processo educativo
(traduo para portugus) um texto fundamental, pois sistematiza, de forma sinttica e
didtica, suas categorias, pois seu original so suas prprias conferncias, desse modo,
essencial na compreenso das mesmas.
Os tpicos abaixo, que constam no texto original, Metodologia para La Organizacion
del Proceso Educativo, tambm so omitidos no Metodologia para a organizao do
processo educativo de Luedemann (2002): 4. La asamblea general,p.162-165; 5. El consejo
de la colectividad, p.165-169; 6. Comision sanitria, p.170-174; 7. Los activistas, p. 174-
177; 8. Disciplina y regimen interno, p.177-184; 9. Correctivos y medidas de influencia,
16
p.184-192; 10. El centro, p.192-195; 11. La parte material p.195-205; 12. Los educandos
novatos, p.205-212; 15. El estilo de trabajo com La coletividad, p.230-232; 16. El trabajo de
los educadores, p.232-244; 17. La promocin, p.244-246; Ressaltamos que as referncias
citadas no so de desconhecimento de Luedemann (2002), pois constam no seu livro,
pgina 427, conforme expomos em pginas anteriores desta introduo.
Diante dessa constatao, tivemos que ir alm dos textos em portugus para examinar
a teoria de Makarenko. Fizemos comparaes entre os textos, considerando sempre como
mais prximos dos originais aqueles listados aqui com traduo do russo para o espanhol.
Todavia, para alcanar nossos objetivos, trabalhamos em nossa dissertao com os seguintes
livros e textos: 1) Poema Pedaggico; 2) As Bandeiras nas Torres; 3) Livro dos Pais; 4)
livro Problemas de La Educacion Escolar Sovitica e o texto Metodologia para La
Organizacion del Proceso Educativo; 5) o texto Metodologia para a organizao do
processo educativo (texto em portugus traduzido e publicado por Luedemann em 2002); 6)
artigos, textos e conferncias: Objetivos da educao, As minhas concepes pedaggicas,
De minha experincia de trabalho; A famlia e a educao dos filhos, A educao na
famlia e na escola.
Estudamos Poema Pedaggico, da editora Brasiliense, edio de 1985, em trs
volumes, essa obra considerada como a maior obra de Makarenko, na qual suas experincias
educacionais e humanas, desenvolvidas durante anos na Colnia Gorki, so descritas e
analisadas, em profundidade e humanismo, pelo autor. Esse livro foi escrito durante os anos
de 1933 e 1935 e publicado, por Gorki, entre 1934 e 1936, no Almanaque Ano Dezessete.
A obra As Bandeiras nas Torres, da editora Livros Horizonte de Lisboa, edio de
1977, em dois volumes, traz uma viso romanceada da experincia de Makarenko na Comuna
Dzerjinki ocorrida entre os anos 1928-1935, publicados, originalmente, em dois volumes, em
1939. Livro dos Pais, tambm da editora Livros Horizonte de Lisboa, edio de 1981, em
dois volumes, uma obra de orientao e de reflexes do papel da educao para a
constituio da coletividade familiar, dividida em quatro volumes, assim distribuda: Volume
I, publicado em 1937 e volume II, escrito em 1939, ambos os volumes versam sobre questes
relacionadas educao moral e poltica; esboos dos volumes III, sobre a educao pelo
trabalho e a orientao profissional, e IV, sobre a importncia de educar o ser humano para ser
feliz, porm Makarenko terminou somente os dois primeiros volumes;
No livro Problemas de La Educacion Escolar Sovitica, publicado pela editora
Editorial Progresso (s/d) organizado, por V. Aranski y A. Piskunov, alm das conferncias que
17
deram origem ao livro original, publicado, em vida, por Makarenko, em 1938, tem tambm o
texto Metodologia para La Organizacion del Proceso Educativo no original. Esse livro
essencial na nossa pesquisa, tendo em vista que elucidou vrios pontos sobre as categorias
elaboradas por Makarenko. Esse texto importante para ns, pois, como j citamos
anteriormente, deu-nos suporte aos textos em Portugus, no qual encontramos divergncias
em relao ao texto publicado por Luedemann, em 2002. Com efeito, Metodologia para a
organizao do processo educativo, por ser tambm um texto sistemtico e sinttico, foi
fundamental no percurso de nossas elaboraes.
Os outros artigos, textos e conferncias, tais como, Os objetivos da educao, foram
escritos entre 1931 e 1932 e publicados em 1937, inicialmente escrito como um dos captulos
da introduo do livro A experincia da metodologia de trabalho na colnia de trabalho
infantil. Os textos As minhas concepes pedaggicas (sua ltima conferncia e interveno
pblica, proferida no Instituto Pedaggico em Kharkov) e De minha experincia de
trabalho tm mxima importncia, pois foram proferidos, respectivamente, em 09 maro
1939 e 29 maro 1939, s vsperas da sua morte, ocorrida em 1 de abril de 1939, neles temos
esclarecimentos e crticas de Makarenko sobre sua prpria obra.
Ainda como suporte aos textos originais, contamos com os seguintes livros e textos: 1)
Anton Makarenko su vida y labor pedaggica, da editora Editorial Progresso de Moscou,
edio de 1975, compilado por Kudryashova, e com um esboo biogrfico de Kumarin; 2)
Anton Makarenko su vida y labor pedaggica artculos, charlas, recuerdos, compilado
por Medinski, da editora Editorial Progresso de Moscou, cuja edio encontra-se sem data de
publicao, e contendo apresentao de Zhkov; 3) La colectividad y la educacin de la
personalidad de Anton Makarenko, da editora Editorial Progresso de Moscou, edio de
1977, compilado por Kumarin; 4) Makarenko: o nascimento da pedagogia socialista, da
editora Scipione, de So Paulo, edio de 1989, e do autor Ren Capriles; 5) Anton
Makarenko: vida e obra a pedagogia na revoluo, da editora Expresso Popular de So
Paulo, edio de 2002, da autora Ceclia Luedemann.
com base nesses textos citados que desenvolvemos nossa pesquisa, apoiados no
referencial terico-metodolgico o materialismo histrico-dialtico. Esclarecemos que a
abordagem ontolgica no s torna irrisria a abordagem gnosiolgica, como esclarece
Lukcs essa afirmao, ao reconhecer que h
18
[...] muito tempo a gnosiologia foi um complemento e um acessrio para a
ontologia: sua finalidade era o conhecimento da efetividade existente em si,
e por isso a concordncia com o objeto era o critrio de todo enunciado
correto (LUKCS apud COSTA, G., 2009, p. 29).
Todavia, Marx rompe com essa postura gnosiolgica ao inaugurar a perspectiva onto-
histrica:
O conhecimento da realidade, o modo e a possibilidade de conhecer a
realidade dependem, afinal, de uma concepo da realidade, explcita ou
implcita. A questo: como se pode conhecer a realidade? sempre precedida
por uma questo mais fundamental: que a realidade? (MARX apud
KOSIK, 1976, p. 35).
Em Marx, compreender um objeto, do ponto de vista ontolgico, entender seu ponto
metodolgico central, ou seja, sua gnese e seu processo de desenvolvimento, [...] o prprio
objeto que fornece o universo categorial para o seu conhecimento [...] (COSTA, G., p. 30,
2009). Nesse aspecto, tentamos revelar o real enquanto algo existente dentro de nossa
sociabilidade. Para a apropriao do conhecimento real, deve-se analisar o objeto, desvelando
a coisa-em-si. Com efeito, Kosik (1976, p. 9) afirma tal posio ao dizer que o homem
[...] um ser que age, objetiva e praticamente [...] um individuo histrico que exerce a sua
atividade prtica no trato com a natureza e com os outros homens [...].
O trabalho6 representa o salto evolutivo entre o humano e os demais seres vivos. De tal
modo, defendemos que o trabalho, ato-gnese do ser social, vontade humana posta em
prtica, uma vez que [...] nenhum animal pde imprimir na natureza o selo de sua vontade.
S o homem pde faz-lo. (ENGELS, 1876, p.7). Diferente dos animais, cuja vida
circunscrita pelos limites impostos pela natureza, o homem torna-se mais humano quanto
mais faz recuar as barreiras naturais, conforme explicitou Marx. Nas palavras de Engels
(1876, p.6):
Os animais, [...] tambm modificam com sua atividade a natureza exterior,
embora no no mesmo grau que o homem; [...] a influncia duradoura dos
animais sobre a natureza que os rodeia inteiramente involuntria e
constitui, no que se refere aos animais, um fato acidental. Mas, quanto mais
os homens se afastam dos animais, mais sua influncia sobre a natureza
adquire um carter de uma ao intencional e planejada, cujo fim alcanar
objetivos projetados de antemo.
[...] s o que podem fazer os animais utilizar a natureza e modific-la pelo
mero fato de sua presena nela. O homem, ao contrrio, modifica a natureza
e a obriga a servir-lhe, domina-a. E ai est, em ltima anlise, a diferena
essencial entre o homem e os demais animais, diferena que, mais uma vez,
resulta do trabalho. (ENGELS, 1876, p.7).
6 Ver mais em: MORAES, B. M. Trabalho e individuao. In. FELISMINO, Sandra Cordeiro (et al...)
(orgs.).Trabalho e educao face crise global do capitalismo. Fortaleza: LCR, 2002.
19
O trabalho atividade vital consciente, ou seja, diferencia-se das demais atividades
vitais dos animais porque mediado pela conscincia. Atravs do trabalho, o homem
transforma o meio natural, promovendo, dessa forma, a criao de suas prprias condies de
existncia. A transformao do mundo natural em um mundo humano revela a dinmica
autoconstitutiva do gnero humano.
Pode-se referir a conscincia, a religio e tudo o que se quiser como
distino entre os homens e os animais; porm, esta distino s comea a
existir quando os homens iniciam a produo dos seus meios de vida, passo
em frente que conseqncia da sua organizao corporal. Ao produzirem os
seus meios de existncia, os homens produzem indiretamente a sua prpria
vida material (ENGELS & MARX, 1846, p.3).
Ressaltamos que o trabalho est vinculado, na sua essencialidade, criao do novo
pelo homem, pois, a cada novo ato de trabalho, cria-se uma nova situao objetivada que,
anteriormente, s existia na sua conscincia. Ao produzir, incessantemente, o novo, o homem
cria novas possibilidades e novas necessidades, bem como so adquiridas novas habilidades e
novos conhecimentos.Desse modo, nossa pesquisa fundamenta-se no legado ontolgico
deixado por Marx e Lukcs, atravs das contribuies de seus intrpretes, pois consideramos
que esta a perspectiva filosfica que supera o modelo filosfico liberal, o qual se afirma em
uma propositura subjetiva de cunho eticoutpico.
A partir dessa compreenso, realizamos uma investigao sistemtica em torno das
principais categorias de Makarenko, tais como, a coletividade, a disciplina, a autodisciplina
e a auto-organizao (disciplina consciente), a renncia, a exigncia e a perspectiva.
Direcionando os objetivos traados, pretendemos responder s seguintes problemticas: quais
foram os fundamentos tericos que determinaram a concepo terico-pedaggica de
Makarenko? Em que medida as categorias de Makarenko contriburam para uma educao do
homem novo da sociedade sovitica? essa pedagogia, uma pedagogia voltada para a
educao comunista? E no Brasil, como se articulam as categorias de Makarenko nos
pressupostos terico-educacionais reivindicados por movimentos sociais, como o caso
especfico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras - MST?
Centralmente, nossa hiptese de pesquisa formulada em torno do fato de que a
concepo terica de Makarenko props uma educao tendo como base a coletividade,
buscando a formao de um homem novo, voltado para a edificao da nova sociedade
socialista, visando elaborao de valores de cunho educativo, que serviria de alicerce para a
chegada em uma educao comunista, histrica e social. Todavia, veremos que tal proposta
ganhar contornos distintos daqueles inicialmente pensados por Makarenko, pois daquilo que
20
era revolucionrio, num primeiro momento, transformar-se- e estar a servio de uma
sociedade decadente e distante da sociedade socialista de transio elaborada por
Marx.Fundamentados pelo referencial marxiano-lukacsiano, apresentamos, de forma
introdutria, a perspectiva terica de Anton Semionovich Makarenko, a qual ser examinada
detalhadamente no decorrer dos trs captulos de nossa pesquisa.
A dissertao est organizada em trs captulos, nos quais buscamos alcanar nossa
questo central e objetivos propostos. No primeiro captulo, A gnese do pensamento
pedaggico de Makarenko, fazemos uma contextualizao de como se encaminhava a
situao educacional escolar na Rssia, antes da revoluo sovitica de 1917, resgatando os
principais pensadores russos que alimentavam a elaborao terica do referido perodo.
Com efeito, nesse captulo, defendemos que o recorte histrico fez-se necessrio pelo
fato de que, nesse perodo, iniciaram-se discusses relevantes sobre educao, as quais
desaguaram no momento posterior, influenciando, anos mais tarde, os pedagogos e a
educao do perodo sovitico, a exemplo de Makarenko, cujas elaboraes sero por ns
examinadas, tendo a ontologia marxiano-lukacsiana como fundamento de apreenso do real.
Nesse sentido, apontamos, de incio, que a sociedade russa, segundo Reis Filho
(2004), nas primeiras dcadas do sculo XIX, era denominada de imprio russo, regido pelo
czar. O Estado era uma poderosa autocracia, nesse sentido, o czar governava, conduzindo uma
burocracia politicamente irresponsvel, regida pelas relaes de nobreza, cuja principal
misso chauvinista era a de manter a ordem interna e fazer a guerra de expanso no exterior.
Fizemos um mergulho na histria desse perodo, situando, brevemente, a contribuio
de autores7
que animaram o debate acerca da educao e suas concepes pedaggicas,
evidenciando, ainda, teorias educacionais em voga, as quais foram determinantes no
pensamento de tais estudiosos no que se refere educao. Dentre tais teorias, o movimento
escolanovista merece destaque por aglutinar, em torno de si, naquele perodo, vrios
educadores russos da poca.
Em seguida, apresentamos a biografia do autor, para situ-lo dentro dos
acontecimentos histricos que perpassaram sua vida e influenciaram nas suas obras. Para isso,
referenciamo-nos em um conjunto de autores relacionados, Capriles (1989); Kumarin (1977);
Luedemann (2002); Jimenez (2001); Manacorda (2007); Reis Filho (1983; 2004); Freitas
7 Tais autores, como Constantin Uchinski (1824-1870), Tolstoi (1828-1910), Lesgaft (1837-1909, Kapterev
(1849-1922), Vakhterov (1853-1924), Tikheeva (1866-1944), Shleger (1863-1942), Chatski (1878-1934),
Nadejda Krupskaia (1869-1939).
21
(2009; 2010); Suchodolski (1977; 2010); Rodrgues (2004); Silva (2008); Lindenberg (1977);
Saviani (2011); Lnin (2011) e Santos (2009).
Dentre os principais autores que tratam da obra de Makarenko, podemos citar Capriles
(1989), Kumarin (1977) e Luedemann (2002). Evidenciamos que o discurso e anlise dos dois
primeiros estudiosos da obra do pedagogo sovitico so feitos sem crticas ao regime
sovitico, nem mesmo um contraponto sequer, no entanto, embora a produo de ambos d
conta da obra makarenkiana. Todavia com Luedemann que pudemos reconhecer uma crtica
e uma anlise substancial do regime sovitico, vrias crticas tecidas, principalmente poltica
estalinista. Com efeito, analisaremos, a partir de tais ressalvas, a concepo de educao em
Makarenko, luz da ontologia marxiano-lukacsiana.
No segundo captulo, A concepo pedaggica de Makarenko: rastreamento das
principais categorias, destacamos as principais categorias de Makarenko, a coletividade, a
disciplina, a autodisciplina e a auto-organizao (disciplina consciente), a renncia, a
exigncia e a perspectiva. Para tal tarefa, examinamos as obras de Makarenko listadas no
incio de nossa introduo, Makarenko (1976; 1980; 1981; 1985; 1986; 1987; 2002; 2010).
Alm de outros autores j referenciados, tais como Kumarin (1977); Capriles (1989);
Luedemann (2002); trazemos tambm, em nossa anlise, as contribuies de: Krupskaia
(1978); Belinky (1985); Shuare (1990); Duarte (2000; 2001); Favoreto (2008; 2009); Freitas
(2010); Oyama (2010); Tonet (2010).
No terceiro captulo, A concepo pedaggica de Makarenko no MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, procuramos desenvolver o exame das
categorias de Makarenko, inserido no movimento social brasileiro, especificamente no MST.
Dentre os autores utilizados no estudo esto aqueles que so do prprio MST, tais como,
Caldart (2001; 2002; 2003); Stdile (2006); MST (1999; 2004).
Outros estudos abrangem um conjunto de dimenses diretamente ligadas valorizao
dos sujeitos envolvidos na luta pela terra e, de um modo ou de outro, na perspectiva do exame
de suas propostas educacionais, sejam escolares ou no, so eles: Almeida (2007); Bauer
(2008); Cericato (2008); Costa (2001); Costa (2002); Figueiredo (2008); Princeswal (2007);
Witcel, (2002); e, pela crtica, trazemos Duarte (2000; 2001); Facci (2007); Oyama (2010).
No entanto, pela crtica ontolgica marxiana-lukacsiana que qualificamos o debate de nossas
ideias a partir de autores, Rabelo (2005) e Tonet (2010), os quais entendem que o caminho
mais adequado para o resgate do carter revolucionrio do marxismo implica em apreender o
legado de Marx como uma ontologia do ser social.
22
2 A GNESE DO PENSAMENTO PEDAGGICO DE MAKARENKO
Seguindo na esteira de Reis Filho (2004) e de sua caracterizao do Estado russo
imperial e autocrtico, verificamos a diviso na qual, de um lado est a nobreza, que
concentrava a riqueza e o poder; e, de outro, a massa de camponeses servos8, que compunham
aproximadamente 90% da populao. Os burgueses, os comerciantes, o clero, os funcionrios,
os quais constituam as camadas intermedirias, nesse perodo das primeiras dcadas do
sculo XIX, no era significante em nmero, dada uma sociedade fundamentalmente agrria e
precariamente urbanizada.
Examinando a situao da educao russa czarista e nos apoiando em Capriles (1989),
verificamos que, na Rssia, segundo o censo nacional russo de 1897, existiam somente 29%
da populao composta de homens alfabetizados e 13% em relao s mulheres da totalidade
da populao. Vale ressaltar que, em lugares como nas repblicas de Tadjiquisto, Kirguizia e
Uzbequisto, o total de analfabetos representava 98% da populao.
Sobre as escolas primrias e secundrias, evidenciamos que, at a Revoluo de 1917,
eram instituies isoladas, e dirigidas com critrios feudais, que, em termos nacionais, no
relacionavam os seus respectivos programas entre si (CAPRILES, 1989, p.18).
2.1 As contribuies das concepes educacionais dos pensadores russos antes do
perodo revolucionrio para a formao de uma pedagogia socialista
Praticamente no existia ensino pblico, uma vez que, em sua grande maioria, as
instituies de ensino eram de propriedade de alguns setores da grande burguesia nas reas
urbanas, por exemplo, a escola dos trabalhadores ferrovirios, na qual Makarenko ir
ensinar. No campo, as escolas eram de propriedade dos latifundirios, somente uma pequena
parte era do Estado.
8 Nesse momento ainda no se tinha abolido a servido. Somente em fevereiro de 1861 teremos a abolio de mais de vinte milhes de pessoas.
23
Como se pode observar, quem controlava as escolas era, majoritariamente, a Igreja, A
Igreja, alm de controlar maciamente a instruo popular, tambm era proprietria de um
significativo nmero de estabelecimentos educacionais (CAPRILES, 1989, p.18).
J o ensino na escola primria clssica, a mais difundida no pas, com cerca de 95%
dos estudantes, tinha durao mxima de dois a trs anos. Quanto ao programa, geralmente
todas as matrias eram ministradas por um nico professor. Nessas escolas (paroquiais), o
ensino se limitava a transmitir o dogma religioso, noes de leitura e escrita, elementos
bsicos de aritmtica e, cotidianamente, o canto religioso. Num pequeno nmero dessas
instituies, para ser mais exato, em apenas 5% do total, segundo as estatsticas oficiais, o
ensino perfazia, excepcionalmente, seis anos.
Alm desses dados, citados nos pargrafos anteriores, trazemos tambm alguns dados
sobre a educao sovitica, por Cezar Ricardo de Freitas (2009). Vejamos a seguir:
De um ndice de analfabetismo em torno de 78%, em 1913, reduziu-se para
8%, em 1934. O nmero de alunos matriculados em escolas primrias e
secundrias era cerca de 7 milhes, em 1913, passando para 26 milhes, em
1934 (PINKEVICH, 1937, p. 399). At o final da dcada de 1930, nas
cidades, implantou-se o ensino geral de 7 anos. Em 1942, este direito foi
conquistado no campo e na cidade e o ensino mdio geral atingiu nveis importantes. Em 1913, havia na Rssia em torno de 290 mil pessoas com
instruo superior, em 1975, esse nmero passou para mais de 32 milhes.
Neste mesmo ano a Rssia se orgulhava do fato de que um livro, a cada
quatro editados no mundo, era sovitico; um cientista, a cada trs, e um
mdico, a cada quatro, tambm eram daquele pas. Alm disso, [...] fue liquidado prcticamente el analfabetismo entre la poblacin adulta: se
proporcion instruccin elemental a 50 millones de analfabetos y a 40
millones de personas que apenas saban leer y escribir(FREITAS, 2009. p.117-118.)
Diante dessa realidade de milhes de analfabetos, registramos que Constantin
Dimitrievitch Uchinski (1824-1870) o primeiro pedagogo a levantar a questo de uma
reforma para a instruo pblica em mbito nacional. Uchinski e seus correligionrios
lutaram, por dcadas, por um ensino leigo, desvinculado do comando da igreja. Esse
pedagogo vai, inclusive, influenciar Tolstoi (1828-1910), o qual se torna um grande literato
russo, mundialmente conhecido por sua obra Guerra e Paz. O pedagogo se torna, ento, um
referencial para Tolstoi, tanto no campo da literatura quanto da educao, como veremos a
seguir.
A proposta de Uchinski era de uma reforma democrtica no ensino, a qual visava, no
somente a criao de um grande sistema pblico de instruo, mas, especialmente, normalizar
a formao de quadros pedaggicos capazes de continuar suas teorias sobre uma antropologia
24
pedaggica. Uchinski desejava uma educao baseada na cultura popular e nas tradies
regionais russas, ou no, ministrada na lngua materna de cada povo.
Segundo Capriles (1989), Tolstoi (1828-1910) , ao comungar com as ideias de
Uchinski, resolveu aplic-las, abrindo uma escola, em 1859, em sua propriedade, em Tula, a
100 km de Moscou para os filhos dos seus colonos. A escola era gratuita, mas no obrigatria.
Alm da abertura da escola, Tolstoi escreve uma cartilha (um ABC) para seus alunos, em
quatro volumes, contendo noes cientficas e contos populares.
Tolstoi, com suas obras influenciadas pelo escolanovismo de Dewey
John Dewey, como um autor de maior representatividade do escolanovismo,
tinha uma perspectiva poltica muito bem declarada: reafirmar o liberalismo
para que ele respondesse e, ao mesmo tempo, se adequasse s novas
exigncias do capitalismo como uma forma, inclusive, de tentar responder s
crises desse modo de produo. No entanto, as crticas que realizou sobre a
Escola Tradicional, seu carter erudito, descolada das implicaes de uma
vida prtica, extremamente contundente e expressa uma concepo de
Educao Integrada, que articula o aspecto cultural com as necessidades da
sociedade. Essa dimenso de uma Educao Integrada em Dewey foi
incorporada pelos autores soviticos, mas com outro contedo para a
mxima educao vida; enfatizando a necessidade de que essa educao deveria ter como horizonte a vida na sociedade socialista. Na realidade
sovitica, a proposta de Educao Integrada, portanto, estava articulada aos
desafios de construir o comunismo; este entendido como possvel na medida
em que o pas se modernizasse, superando o atraso em que se encontrava.
(FREITAS, 2009, p.182)
Desse modo, o escolanovismo ir influenciar Tolstoi e este ser responsvel por
contribuir para a formao de muitos professores, os quais tambm se apoiavam, a essa altura,
em Emlio, na obra clssica de Rousseau e na educao livre. Sua concepo de criana
assemelha-se a de Rousseau, a criana perfeita, de acordo com a natureza, e que so os
homens e a sociedade que a modificam e corrompem (CAPRILES, 1989, p.21). Veremos,
adiante, que Makarenko ir combater tais concepes rousseaunianas.
Abrindo um breve parntese, e ainda sobre a formao de professores (mas j ps-
revoluo de 1917), houve, inicialmente, a implantao de um sistema dual para preparar os
professores (escola normal de um ano, para formar os professores de ensino elementar, e
institutos de professores para formar os professores do nvel elementar superior"
(RODRGUES, 2004, p.311).
A pedagogia de Tolstoi tambm influenciada pelo pensamento de Uchinski:
centrado no aluno; afirmava, ainda, que o professor deveria ser um motivador, nem sempre
teve eficcia visto que houve casos de crianas que freqentavam muitos anos e no
25
conseguiam aprender a ler nem a escrever (CAPRILES, 1989, p.21).
Os educadores progressistas, sucessores de Uchinski e Tolstoi, buscavam uma soluo
para pr em prtica as ideias de educao liberal para as crianas, apesar de o czarismo ter
derrotado a revoluo democrtica de 1905-1907 e no haver aplicado nenhuma ao a favor
da instruo pblica.
Muitos educadores se engajaram na luta da instruo pblica, entre eles: Piotr
Frantsevitch Lesgaft, fundador da educao fsica cientfica russa; P. F. Kapterev, pedagogo e
psiclogo; Vasili Porfrievitch Vakhterov, pedagogo, criador da Cartilha russa, conhecida
em todo pas e que teve 117 edies at 1917, alm de escrever tambm manuais para
educao das crianas.
Todavia, foi com E. I. Tikheeva que a pedagogia russa iniciou sua fase de investigar a
fundo os atributos da instruo. Sua contribuio, nesse sentido, inicia-se quando a pedagoga
apresenta, num encontro de educadores, em Moscou, uma tese sobre a unidade e a
continuidade da educao das crianas em casa, na pr-escola e no primeiro grau
(CAPRILES, 1989, p.23).
Com influncia das concepes pedaggicas ainda em voga na Europa e nos Estados
Unidos, como a de Dewey e Kerschensteiner, surgiram, s vsperas da revoluo, trs grandes
educadores russos que efetivariam, no ensino russo, a aplicao dos mtodos das concepes
citadas, deixando de lado as concepes atrasadas e czaristas. So eles: Alexandr Zelenko,
engenheiro e professor; Louise K. Shleger, pedagoga e revolucionria; e Stanislav T. Chatski,
grande especialista em Dewey e intelectual da educao.
Louise Shleger, em 1905, j havia fundado uma pequena escola para os filhos dos
operrios, em Shelkovo, subrbio de Moscou, escrevendo tambm um manual dedicado aos
professores da pr-escola. Segundo Capriles (1989), existiam cerca de 250 professores da pr-
escola em toda a Rssia. A pedagoga sovitica dava extrema importncia ao jogo no ensino
pr-escolar, pois atravs dele que se desvenda o mundo interior de cada criana
(CAPRILES, 1989, p.23). No foi possvel saber se Shleger apoiou-se em Montessori para
desenvolver essa ideia de uso de jogos na educao, que seriam aplicados nos primeiros anos
da educao sovitica. Com efeito, o material dourado, uma criao montessoriana que
caracteriza sua contribuio educao de crianas, valeria verificar e aprofundar um estudo
que examinasse o quanto a concepo de jogo, desenvolvida por Montessori, era distinta
daquelas aplicadas por Shleger e outros pedagogos russos desse perodo; mas, aqui, devido ao
26
recorte do nosso estudo e ao tempo, no iremos nos deter. Ressalvamos apenas que existia um
psiclogo russo, Elkonin9, que tinha, como objeto de estudo, o jogo.
Podemos ver, abaixo, com Silva (2008), alguns esclarecimentos sobre sua teoria
Desta forma, Elkonin (1969) afirma que o elemento principal nos jogos de
ao o papel do adulto. O jogo de ao desenvolvido sempre um jogo
coletivo. Somente em seus graus mais inferiores de desenvolvimento pode
ser individual. No jogo de ao, as crianas correntemente reproduzem o
trabalho dos adultos, e este, como sabido, sempre coletivo. O jogo
coletivo uma forma de vida coletiva, acessvel s crianas de idade pr-
escolar. E, sobre a base dos jogos de ao se desenvolvem os de movimentos
e os intelectuais com regras. (SILVA, 2008, p.149)
A importncia do jogo para o desenvolvimento da criana est reconhecida
por todos. Gorki (apud ELKONIN, 1969, p.514) dizia: O jogo o meio para que as crianas conheam o mundo em que vivem e que elas devero
modificar. Segundo Makarenko (apud ELKONIN, 1969, P.514): [...] o jogo tem uma significao importante na vida da criana; para ele to
importante como para o adulto o sua atividade de trabalho, o emprego. Elkonin (1969) ressalta que o jogo, e, sobretudo, o jogo de ao, o meio
fundamental para que a criana conhea de uma maneira dinmica a
atividade das pessoas e as relaes sociais entre elas. O jogo influi
fundamentalmente na formao do aspecto moral da criana, j que uma
prtica de conduta baseada em leis morais, em regras das relaes entre os
que fazem parte no jogo, as quais esto ligadas estreitamente com seus
papis. No jogo onde as crianas aprendem com mais facilidade a dirigir
sua conduta. (SILVA, 2008, p.149)
No jogo se formam tipos mais elevados da percepo, do processo verbal, da
imaginao e se efetua o passo do pensamento objetivo a outras formas mais
abstratas. Porm, a enorme importncia do jogo para o desenvolvimento de
todas as facetas da personalidade da criana unicamente pode influir se tem
uma boa direo pedaggica (ELKONIN, 1969, p.514-515, apud SILVA,
2008, p.150)
Entretanto, pelo recorte de nosso estudo, no adentraremos maiores anlises da relao
dos estudos de Elkonin com os demais educadores russos e soviticos, inclusive Makarenko.
Continuamos por reafirmar que Dewey exerceu uma enorme influncia entre os educadores
russos j citados at aqui, e, inclusive, Alexandr Zelenko, aps viajar pela Europa e Estados
Unidos e desembarcar em Moscou, no ano de 1904, apresenta informaes sobre a concepo
deweyana aplicadas em escolas em bairros operrios nos EUA.
Assim, com essas informaes de Zelenko, Chatski presta declaraes sobre os
fundamentos pedaggicos das escolas americanas, as quais defendiam a proposta da educao
9 Ver mais sobre Elkonin em SILVA, J. C. Prticas Educativas: a relao entre cuidar e educar e a promoo do
desenvolvimento infantil luz da Psicologia Histrico-Cultural, 2008, 214 f. Dissertao (Mestrado em
Educao Escolar) Universidade Estadual Paulista, So Paulo, 2008; e em LAZARETTI, L. M. Daniil Borisovich Elkonin: um estudo das idias de um ilustre (des)conhecido no Brasil, 2008, 252f. Dissertao
(Mestrado em Psicologia) Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, Assis, 2008.
27
como vetor de uma mudana ou reforma social (CAPRILES, 1989). J em 1906, Chatski,
Shleger e Zelenko inauguram o Primeiro Centro de Assistncia Social de Moscou, que
aglutina vrias instituies infantis, constituindo uma escola experimental que desagradou o
Czar. Esses mestres foram acusados, pelo governo czarista, de ensinarem para as crianas o
socialismo e, por isso, foi determinado o encerramento de suas atividades educacionais e a
priso de Zelenko e Chatski.
Todavia, aps dois anos, em 1908, a escola retomou seu funcionamento e, com a
Revoluo de 1917, conforme exposto anteriormente, tornou-se oficialmente a Primeira
Estao Experimental de Educao Pblica, e Stanislav T. Chatski tornou-se diretor desta.
Em 1907, como um dos reflexos do ensaio geral da revoluo , de 1905, o czarismo
decretou, formalmente, a obrigatoriedade escolar e criou uma rede escolar primria, at ento
inexistente; alm de autorizar uma Assembleia (Duma), outra reivindicao das elites. O
Ministrio da Instruo continuou sendo controlado pela Igreja.
As escolas mdias privadas, que agrupavam a burguesia liberal, inspiradas pelo
movimento renovador10
, que se espalhava pelo mundo desde 1900, organizaram uma
poderosa associao de professores. A disputa entre o Ministrio e a Duma, ou a luta de
classes entre a feudalidade e a burguesia pelo controle da escola, permaneceu at 1915,
quando Iganatev se tornou Ministro da Instruo. Discpulo de Dewey, organizou o Ministrio
da Instruo numa estrutura modernista, que durou at 1918 (LINDENBERG, 1977, p. 263-
264).
A organizao dos professores foi um dos grandes dilemas que os bolcheviques
tiveram de enfrentar ps-1917, pois, assim como uma grande parte dos intelectuais russos, era
uma classe contrarrevolucionria (LNIN, 1977, p. 43, 97-08, 145-06 - vol I, apud
LINDENBERG, 1977, p.264). A grande maioria dos professores permanecia indiferente aos
apelos bolcheviques, recusando-se, durante anos, a colocar em prtica as recomendaes do
partido; numa espcie de sabotagem pela passividade (LINDENBERG, 1977, p.264).
Outros setores da sociedade russa tambm enfrentaram esse tipo de problema. Houve
resistncia de alguns trabalhadores, manifestada na lentido do trabalho, na despreocupao
10
Esse movimento renovador, inspirado pelas obras de Dewey, que contestou contundentemente a educao
tradicional, dizia, atravs de Suchodolski, que, diferente da educao tradicional que no centrava a educao no
aluno, para Dewey, o aluno sob presso do interesse e das dvidas surgidas no decorrer de questes subjetivamente interessantes, na formulao de problemas, nas reflexes suscitadas pelas dificuldades e pelas
observaes prticas (SUCHODOLSKI, 1977, p.56) poderia avanar em seu processo educativo com maior desenvolvimento.
28
com a qualidade e com a produtividade (REIS FILHO, 1983, p. 60).
A reao dos professores, no entanto, tinha outros argumentos que a simples recusa do
ideal revolucionrio. Tratava-se de que, nos primeiros anos da Revoluo, eram os sovietes
especficos (Conselhos para a Educao Popular) que escolhiam os professores e
administravam as escolas. Diante disso, uma parte dos professores reagiu muito mal a essa
intromisso das massas nas atribuies educacionais (LINDENBERG, 1977, p. 264).
Contudo, foi com Nadejda Konstantinovna Krupskaia que encontramos as bases e
fundamentos da educao escolar sovitica. Com efeito, ainda em 1899, perodo czarista e
pr-revolucionrio, Krupskaia escreveu o livro A mulher trabalhadora, antecipando a
discusso do papel da mulher na educao e na vida de um regime socialista, pois, para ela,
no socialismo, a mulher no somente deveria se preocupar em garantir s crianas os meios
indispensveis para a existncia, como tambm, deveria se criar as condies materiais com
tudo que fosse necessrio para seu desenvolvimento pleno, multilateral e harmonioso
(CAPRILES, 1989, p.24).
Em 1905, mesmo com a derrota da revoluo democrtica, o czarismo cedeu algumas
garantias democrticas, tais como, a da liberdade de imprensa, de reunio e de associao.
Desde esse perodo, Krupskaia escrevia muitos artigos com a problemtica da educao. Foi
uma das intelectuais mais importantes de sua poca, falando, fluentemente, vrios idiomas,
entre eles, alemo, francs e ingls.
Nadejda Konstantinovna Krupskaia era oriunda da pequena nobreza, embora
desprovida, objetivamente, de dinheiro ou de condies financeiras dignas. Nesse sentido,
Krupskaia trabalhou muitos anos como governanta e no se descuidava de seu trabalho;
noite, ainda, estudava, formando-se, mais tarde, numa pequena faculdade para mulheres em
So Petersburgo.
Examinou as principais concepes pedaggicas de sua poca e estudou, detidamente,
a obra de Dewey e de outros pensadores escolanovistas, entre eles, Cecil Reddie, da
Inglaterra, Edmond Demolins, da Frana, e Hermann Lietz, da Alemanha. Krupskaia teve
influncias do pensamento do psiclogo William James, os quais determinavam que a
atividade intelectual devia estar subordinada s finalidades da ao. Nereide Saviani (2011) ,
em artigo recente, trata a questo dos autores que influenciaram Krupskaia
Nos limites deste artigo e do estudo realizado no foi possvel tratar da interlocuo de Krupskaya com a literatura pedaggica de sua poca, algo
que pudesse indicar se e como se apropriou das contribuies de pedagogos
29
burgueses e outros. H passagens em que ela cita John Dewey, William
James e outros, em alguns casos at aceitando formulaes ou anlises.
Porm, da leitura que fiz, no depreendo elementos que justifiquem a crtica,
por vezes atribudas a essa autora, de que teria aderido a propostas
pedaggicas predominantes nos Estados Unidos da Amrica e que os
Programas Oficiais da URSS, elaborados sob sua coordenao, teriam um
qu de escolanovismo transplantado. Outra questo digna de estudo e
reflexo a concepo de escola nica. A julgar pela formulao de
princpios e pelas propostas de organizao e funcionamento do sistema de
ensino, no se trata de viso de uniformidade e homogeneidade, mas de
unidade na diversidade. Ou seja, no h vrias escolas dispersas, mas uma
escola, com seus vrios ramos, modalidades, graus e nveis, articulados por
diretrizes comuns, a serem seguidas segundo as especificidades (SAVIANI,
N., 2011, p.35)
Quanto a sua opo revolucionria pelo paradigma marxista, Krupskaia formulou seu
pensamento para o papel da educao, anunciando que esse processo deveria se transformar
num mtodo cientfico de produo coletiva fundamentado no trabalho e na autodeterminao
dos seus membros (CAPRILES, 1989, p.25). Veremos, adiante, que ser com base no
pensamento de Krupskaia que Makarenko ir basear sua concepo pedaggica.
Essa viso indita do universo social, diretamente ligada reestruturao cultural,
proposta pela revoluo socialista, levou muito dos marxistas russos, dentre eles o prprio
Lnin11
, a considerar, inicialmente, que a escola tambm era uma superestrutura que refletia a
sociedade burguesa e estava, por isso mesmo, destinada a desaparecer, nas formas em que era
conhecida. Vejamos, abaixo, o que o prprio Lnin diz sobre isso
E aqui toda a questo est em que, juntamente com a transformao da velha
sociedade capitalista, o ensino, a educao e a formao das novas geraes,
que criaro a sociedade comunista, no podem ser os antigos. O ensino, a
educao e a formao da juventude devem partir do material que nos ficou
da velha sociedade. S poderemos construir o comunismo com a soma de
conhecimentos, organizaes e instituies, com a reserva de foras e meios
humanos que nos ficaram da velha sociedade. S transformando
radicalmente o ensino, a organizao e a educao da juventude
conseguiremos que os esforos da jovem gerao tenham como resultado a
criao duma sociedade que no se parea com a antiga, isto , da sociedade
comunista (LENIN, 2011, p.367).
Por outro lado, a juventude e a nova gerao devem saber que a escola no deve
apenas ensinar os textos de vis marxistas ou comunistas, e, sim, o conhecimento universal,
adquirido e produzido, historicamente, pelo gnero humano. Lnin continua
11
Ver mais em LNIN, V. I. As tarefas das Unies da Juventude (discurso no III Congresso de toda a Rssia
da Unio Comunista da Juventude da Rssia 2 de Outubro de 1920), Revista HISTEDBR On-line, Campinas, nmero especial, p. 377-396, abr. 2011. Disponvel em:
. Acesso em 17 fev. 2012.
30
primeira vista, naturalmente, surge a ideia de que aprender o comunismo
assimilar a soma de conhecimentos que se expem nos manuais, brochuras e
trabalhos comunistas. Mas isso seria definir de um modo demasiado
grosseiro e insuficiente o estudo do comunismo. Se o estudo do comunismo
consistisse unicamente em assimilar aquilo que est exposto nos trabalhos,
livros e brochuras comunistas, poderamos obter com demasiada facilidade
exegetas ou fanfarres comunistas, o que muitas vezes nos causaria dano e
prejuzo, porque esses indivduos, depois de terem aprendido e lido aquilo
que se expe nos livros e brochuras comunistas, seriam incapazes de
combinar todos esses conhecimentos e no saberiam agir como o exige
realmente o comunismo (LENIN, 2011, p.367-368).
O mais importante para Lnin, e, posteriormente, veremos que tambm para
Makarenko, isto , a questo central relacionar a teoria e a prtica, na busca da formao do
novo homem comunista
Um dos maiores males e calamidades que nos ficaram da velha sociedade
capitalista o completo divrcio entre o livro e a vida prtica, pois tnhamos
livros onde tudo era pintado com o melhor aspecto e estes livros, na maior
parte dos casos, eram a mentira mais repugnante e hipcrita, que nos
desenhava falsamente a sociedade capitalista. [...]Sem trabalho, sem luta, o
conhecimento livresco do comunismo, adquirido em brochuras e obras
comunistas, no vale absolutamente nada, porque prolongaria o antigo
divrcio entre a teoria e a prtica, esse antigo divrcio que constitua o mais
repugnante trao da velha sociedade burguesa (LENIN, 2011, p.368).
Portanto, a alardeada morte da escola, na verdade a morte da dicotomia entre teoria e
prtica. Em uma passagem do texto de Capriles (1989, p.31-32), podemos esclarecer melhor o
que j foi dito
Com a transformao da sociedade burguesa em sociedade socialista, os
mais radicais levantaram a hiptese da "morte da escola" do mesmo modo
que, na viso de Friedrich Engels (1820-1895), existiria o "desaparecimento
gradual do Estado depois da expropriao dos bens da burguesia". Deste
ponto de vista, a funo escolar se tornaria uma funo natural da
comunidade de trabalho, e um dia a escola e a fbrica acabariam por
coincidir na sua prpria existncia.
Como mencionado anteriormente, a acusao de que os soviticos queriam a morte da
escola talvez se baseasse nas declaraes de Lnin, citadas por ns, no seu discurso: As
tarefas das Unies da Juventude - no III Congresso de toda a Rssia da Unio Comunista da
Juventude da Rssia, realizado em 02 de outubro de 1920.
Todavia, percebemos que Lnin, na verdade, questiona o fundamento da velha escola
capitalista para a preparao de outra escola de carter comunista
Que que devemos tomar da velha escola, da velha cincia? A velha escola
declarava que queria criar homens instrudos em todos os domnios e que
ensinava as cincias em geral. Sabemos que isso era pura mentira, pois toda
a sociedade se baseava e assentava na diviso dos homens em classes, em
31
exploradores e oprimidos. Como natural, toda a velha escola, estando
inteiramente impregnada de esprito de classe, s dava conhecimentos aos
filhos da burguesia. Nessas escolas, a jovem gerao de operrios e
camponeses no era tanto educada como treinada no interesse dessa mesma
burguesia. Educavam-nos para preparar para ela servidores teis, capazes de
lhe dar lucros, e que ao mesmo tempo no perturbassem a sua tranqilidade
e ociosidade. Por isso, ao rejeitar a velha escola, propusemo-nos a tarefa de
tomar dela apenas aquilo que nos necessrio para conseguir uma
verdadeira formao comunista (LENIN, 2011, p.368).
Dessa relao fbrica e escola, veremos nascer a proposta revolucionria da pedagogia
do trabalho na Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS); todavia, certo que
encontraremos fortes influncias de Decroly12
e Kerschensteiner13
, este ltimo influenciou
vrios pedagogos da poca que assimilaram o conceito do trabalho educativo ou da
formao do homem til, mas estes foram rejeitados pelo primeiro comissrio do povo para
a Instruo, Anatoli Vasili Lunatchrski (CAPRILES, 1989, p.29).
Entretanto, apesar da rejeio por parte de Lunatchrski, outros educadores soviticos,
como Shulgin e Pistrak, desenvolviam a proposta da escola do trabalho, que no deixava de
ter referenciais tericos dos autores citados no pargrafo acima. Sobre a escola do trabalho,
trazemos Santos (2009) , que traz contribuies, em sua dissertao de mestrado, as quais
analisa a proposta de Kerschensteiner sobre a escola do trabalho de raiz burguesa liberal
A proposta de Kerschensteiner foi resposta a uma demanda do movimento de
unificao escolar burguesa, ou seja, sua concepo de escola do trabalho no
que se refere ligao entre o mundo do trabalho e a educao orientou-se
para os princpios da proposta liberal. [...] parte do pressuposto de que as
transformaes na instituio escolar so determinadas pelo processo de
desenvolvimento do capitalismo e por um projeto poltico burgus. Assim,
reitera o argumento do educador russo A. Pinkevich (s/d) que defende uma
escola do trabalho socialista ou a verdadeira escola do trabalho, afirmando que a proposta de Kerschensteiner repe a dominao de uma
classe sobre a outra. [...] A anlise de Luzuriaga (1951) aproxima Dewey e
Kerschensteiner no somente pelo fato de que ambos so contemporneos,
prope modificaes no interior da escola, mas tambm e, principalmente,
por fundamentarem suas experincias no princpio ativo, assim poderiam ser denominadas como manifestaes da escola ativa. Entretanto,
necessrio ressaltar que para Dewey o trabalho no era o princpio
organizador da escola - tal como Kerschensteiner o elegeu mas era uma ocupao ativa, assim como o jogo. Ambos - jogo e trabalho - foram
considerados por Dewey como exemplos de atividades sociais, as quais
deveriam compor o currculo, desde que proporcionassem s crianas o
desenvolvimento de resultados intelectuais e a formao de tendncias
sociais (cf. Dewey, 1959) (SANTOS, 2009, p.18; 34).
12
O. Decroly (1871-1932). Para maiores esclarecimentos sobre os pressupostos do autor, consultar
SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as grandes correntes filosficas. 2. ed. So Paulo: Centauro, 2004. 13
Kerschensteiner (1854-1932), defensor da escola do trabalho. Ver mais em KERSCHENSTEINER, G. 1961.
La escuela del trabajo. In: L. LUZURIAGA Ideas pedaggicas del siglo XX, Buenos Aires, Losada.
32
Portanto, segundo Santos (2009), tendo por base a citao acima na qual consta
Pinkevich, h uma diferenciao que os soviticos vo tentar fazer sobre a escola do trabalho
fundamentada no trabalho sob a nova sociedade socialista, aquela de Kerschensteiner. Para
Rodrgues (2004), a nova escola socialista estava centrava no valor educativo do trabalho, ou
seja, numa sociedade comunista baseada no trabalho compartilhado e produtivo, portanto, a
escola tentava conciliar a formao do indivduo formao socialista.
At aqui, assinalamos que a educao russa, anterior ao perodo da revoluo
socialista de 1917, estava, ainda, em regime de consolidao, lutando por estabelecer-se
dentro de um Estado arcaico e autocrata, muito distante da realidade alcanada no perodo
posterior, com a revoluo socialista de 1917.
Podemos concluir que a educao, na Rssia, no perodo pr-revolucionrio,
configurava um embate entre as ideias progressistas, de cunho democrata e escolanovista, de
um lado; e a autocracia czarista e sua concepo de educao, de outro. Tais educadores, que
nomeamos progressistas, deram significativa contribuio na constituio de um modelo
sovitico de educao, mesmo que, para isso, se fizesse necessrio superar seus limites
escolanovistas, que remetem ao liberalismo burgus.
Expusemos, nesse texto, a retirada do processo educacional quanto transmisso dos
conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, particularmente no caso da
escola. Na ausncia de um sistema educacional russo complexo, universal e pblico, a
exceo regra viria a conter-se naquelas instituies particulares que estavam a servio do
czarismo e voltadas formao da nobreza e da burguesia; e, mesmo nestas, os
conhecimentos eram passados com uma imensa dificuldade, alm de obedecer a certos
limites, uma vez que se mantinham to-somente aqueles conhecimentos que serviam ao
projeto de ampliao de lucratividade do capital para a autocracia vigente.
A constituio de um projeto de sistema educacional russo e a tarefa de transmitir os
conhecimentos acumulados historicamente pelo conjunto da humanidade, por parte da escola,
somente passaria a concretizar-se com o advento da revoluo socialista e sovitica. Com
efeito, as carncias e dificuldades, na esfera educacional, constituiriam uma grande lacuna,
uma grande ferida no seio da nascente revoluo, o que se contrapunha, abertamente, ao
princpio da relao entre teoria e prtica e estorvaria a constituio de um pensamento crtico
e universal, com vistas formao humana plena e emancipada.
Tal ndulo representaria uma das grandes tarefas para o conjunto de educadores, tais
33
como Krupskaia, Pistrak e Makarenko, apenas para citar alguns, do perodo revolucionrio
sovitico, os quais teriam de resolver essa problemtica, dentro de uma concepo pedaggica
que defendia, como assinala Jimenez (2001), a partir de Marx, uma articulao entre o terico
e o prtico, entre a cabea e a mo humana, em suma, a formao plena, harmoniosamente
omnilateral do ser humano. Ou, ainda, como nos diz Manacorda, um desenvolvimento total
completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das foras produtivas, das
necessidades e da capacidade da sua satisfao (MANACORDA, 2007, p.87).
2.2 Makarenko: vida e obra
Anton Semionovich Makarenko nasceu em 13 de maro de 1888 na aldeia de
Bielpolis, perto de Kharkov, na Ucrnia. Seu pai, Semin Grigrievich, era um operrio
ferrovirio, um pintor, que trabalhava em uma fbrica de vages, no subrbio de Kriukov, na
cidade de Kremenchug, situada s margens do rio Dnieper, na Ucrnia. De sua me, Tatiana
Mijilovna, herda seu otimismo e alegria; ela era uma excelente contadora de histrias, e
dela que nasce a confiana no ser humano.
Aos cinco anos de idade, Makarenko j sabia ler, e preferia livros aos jogos infantis.
Por seis anos, ele estudou na Escola de Kremenchug, sendo um aluno brilhante e com um
grande conhecimento dos clssicos russos e estrangeiros, alm de filosofia, astronomia e
cincias naturais.
Em 1904, com dezesseis anos de idade, tornou-se professor de crianas na fbrica
onde seu pai trabalhava, tendo, ele mesmo, procurado esse emprego. Seu relacionamento com
os trabalhadores vai marc-lo por boa parte de sua vida. Ali, pode entender como funcionava,
de perto, a explorao dos trabalhadores; e, partilhando suas lutas pela emancipao social,
pode compreender melhor sua prpria vida. A revoluo de 1905 no marcaria somente
Makarenko, mas todos os professores os quais entendiam que a autocracia czarista era o
grande inimigo dos povos da Rssia.
Seus colegas professores assinavam o jornal bolchevique, Novaya Shizn ("Vida
Nova"); noite, reuniam-se para discutir, acaloradamente, os sucessos que ocorriam na luta
dos trabalhadores e, felizes, cantavam hinos revolucionrios.
Em 1911, com a finalidade de tir-lo da sala de aula, mas tambm com o intuito de ser
observado melhor pelas autoridades, foi nomeado inspetor escolar na aldeia da estao
34
ferroviria de Dolinskia. Makarenko, todavia, no deixou de influenciar os estudantes com
suas concepes educacionais.
Em certa ocasio, fez uma apresentao para comemorar a expulso pelos russos das
hordas de Napoleo. Makarenko preparou um espetculo teatral que mobilizou, no somente
as crianas e os estudantes do povoado, mas os adultos tambm. Durou toda uma noite, no
qual arderam, nas estepes ucranianas, as chamas de barris de alcatro, at o amanhecer, e
ouviam-se o trovejar de canhes e os gritos da vitria dos vencedores.
As "aes militares" terminaram apenas ao nascer do dia, quando, sob os gritos de
jbilo dos vitoriosos e do pblico, conduziram, para a escola, as colunas dos inimigos
derrotados e capturados.
Do mesmo modo, era durante as noites que Makarenko fazia seu verdadeiro trabalho:
reunia-se em torno de um crculo de tendncias revolucionrias, composto por intelectuais e
trabalhadores ferrovirios, os quais, aos domingos, se encontravam num bosque perto da
estao. Em 1914, ingressa no Instituto Pedaggico de Poltava, concluindo seus estudos em
pedagogia, no vero de 1917, brilhantemente, ganhando, inclusive, uma medalha de ouro do
instituto, a recomendao de ensinar e a habilitao para a direo de escolas secundrias.
Durante esse perodo, enviou uma pequena histria literria para que Mximo Gorki
avaliasse, no entanto, este, ao devolv-la, incluiu uma anotao que dizia que a histria estava
escrita debilmente, e que o personagem principal (um Pope14
) no tinha nem dramatismo nem
sofrimento desenvolvidos claramente, alm de que, a descrio de fundo e o dilogo entre as
personagens, no eram interessantes. Gorki, ento, solicita a Makarenko que procure escrever
outra coisa, a fim de que ele, novamente, viesse avaliar. Graas a resposta sincera de Gorki,
ele baniu, de sua mente, os sonhos literrios. Foi naquela poca, que ele tambm estudou
Marx, Engels, e vrios pensadores revolucionrios.
Com a Revoluo de Outubro tudo se modificou. Nesse sentido, vale ressaltar que
havia um grande problema a ser enfrentado pelos educadores russos: o analfabetismo. Em 26
de maro de 1919, Lnin assinou o decreto "Sobre a liquidao do analfabetismo", o qual,
segundo Capriles (1989, p.30)
obrigava toda a populao com idade compreendida entre os 8 e os 50 anos,
que no sabia ler nem escrever, a se alfabetizar na lngua materna ou na
russa, conforme o desejo de cada um. O Estado sovitico no s obrigou as
pessoas a estudar, mas tambm criou todas as condies necessrias para que
14
POPE: nome dado aos padres na Igreja Ortodoxa Russa.
35
isto acontecesse. Por exemplo: para todos os que estudavam, a jornada de
trabalho foi reduzida em duas horas dirias, com a completa conservao do
salrio.
Houve, por trs anos, um intenso combate, ocorrido na regio de Kremenchug. Mesmo
assim, o Conselho de Comissrios do Povo reorganizou todas as instituies educacionais da
regio de Kharkov, nomeando Makarenko como responsvel pela escola primria de Poltava.
Durante a guerra civil, ocorrida entre 1918 e 1920, em meio a catstrofes, houve intensa
produo cultural, conforme nos relata Capriles (1989, p.32)
Logo aps a criao do Estado socialista, o pas atravessou uma segunda
crise econmica, agravada, posteriormente, pela ecloso de uma guerra civil
(1918-1920), obrigando os soviticos a mobilizar todas as foras humanas e
materiais para a defesa da nao. Ainda assim, o governo sovitico
determinou que o segundo maior oramento estatal fosse aplicado na
instruo popular; somente o exrcito teve prioridade absoluta nas despesas
provocadas pela guerra e suas seqelas devastadotas. Em plena catstrofe, no
auge da guerra civil, foram editados 115 ttulos das obras clssicas da
literatura russa, com uma tiragem de seis milhes de exemplares.
Ainda sobre a guerra civil na Rssia revolucionria, podemos perceber o quanto o
chamado Comunismo de Guerra influenciou Makarenko; o quanto os resqucios e
desdobramentos da Guerra Civil geraram influncias na pedagogia de Makarenko, tendo em
vista a organizao de vida e morte contra a contrarrevoluo e invaso de tropas estrange