Post on 13-Jun-2020
Henrique Vailati Neto
OS EFEITOS DA INTRANET NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
NO CONTEXTO DA COMPLEXIDADE: UM ESTUDO DE CASO
PUC – PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos de Pós-Graduação em Administração
São Paulo
2005
2
HENRIQUE VAILATI NETO
OS EFEITOS DA INTRODUÇÃO DA INTRANET NA COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL NO CONTEXTO DA COMPLEXIDADE: UM
ESTUDO DE CASO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE
em administração, sob a orientação do Prof. Dr.
Onésimo de Oliveira Cardoso.
PUC – PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração
São Paulo
2005
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BANCA EXAMINADORA
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À minha esposa Maria Auxiliadora, companheira de
sempre e de tudo, que em sua grandeza de alma
abriu mão de si para que tivéssemos nossos sonhos
e pudéssemos realizá-los.
Aos meus filhos (pela ordem em que os ganhamos),
Henrique, Luiz, Ana Maria e Octávio, razão e orgulho
maior de tudo o que fizemos, principalmente, eles
próprios.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Rosa e Henrique que apostaram em mim antes de mim, exemplos
definitivos de grandeza humana, inspiração maior e eterna.
Ao professor Dr. Onésimo de Oliveira Cardoso que com sabedoria e erudição fez
desta dissertação tardia uma tarefa profícua e prazerosa numa relação de
dignidade cordialíssima.
Ao Dr. Américo Fialdini Jr. instigador primeiro deste trabalho e que, mesmo
quando eu mesmo não acreditei, ele o fez e deu o amparo dos amigos.
A Rafael Abrão Possik Jr, amigo que nos apresentou a tecnologia da informação
com a gentileza e carinho com que distingue a todos que o cercam e que é sua
marca pessoal.
À Claudia Rizzo, amiga e colega que sempre acreditou mais em mim do que eu
mesmo e que sempre me socorreu com a paciência dos bons filhos.
6
À Elizabete e Heloisa que com sua dedicada ajuda me acudiram com a gentileza
que caracteriza as pessoas nobres e sem as quais tudo teria sido mais difícil e
penoso.
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RESUMO
A proposta desta dissertação é identificar, analisar e refletir a utilização das
Tecnologias da Comunicação e Informação nos processos de comunicação
organizacional no âmbito da Teoria da Complexidade de modo a se buscar, ao
menos em latência, os corolários estruturais de inovações tecnológicas que, de
modo geral, ainda não foram analisadas na proporção e intensidade do caudal
geral das mudanças e dos esforços materiais nelas já gastos, sobretudo no que
se refere a aspectos da cultura organizacional. Para fundamentar nossas
hipóteses, nos apoiamos em um estudo de caso de implantação de uma intranet,
ou seja, de um portal corporativo.
Para tanto, nos valemos de alguns dos mais consistentes estudiosos do espaço
virtual, como Pierre Lévy e dos pensadores da Teoria da Complexidade enquanto
pano de fundo teórico que pudesse conferir às nossas reflexões a sustentação
metodológica suficiente para nos permitir pensar as organizações no difícil
enquadramento e dinâmica deste nosso momento de mutações e
imprevisibilidade.
Palavras-chave: comunicação, complexidade, espaço virtual, intranet
8
ABSTRACT
The proposal of this dissertation is to identify, to analyze and to reflect the use of
the Technologies of the Communication and Information in the processes of
organizational communication in the scope of the Theory of the Complexity in
order to search, to little in latency, the structural corollaries of technological
innovations that, in general way, had still not been analyzed in the ratio and
intensity of the general volume of the changes and the material efforts already
expensed in it, over all to what refers to aspects of the organizational culture. To
base our hypotheses, in we support them in a study of case of implantation of an
Intranet, or either, of a corporative vestibule.
For in such a way, in we are valid them the some of most consistent studious of
the virtual space, as Pierre Lévy and of the thinkers of the Theory of the
Complexity while cloth of deep theoretician who could confer to our reflections
the enough methodological sustentation in allowing to think the organizations in
the difficult framing and dynamics of this moment of mutations and
imprevisibility.
Words-key: communication, complexity, virtual space, Intranet
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12
Objetivo do trabalho 12
Hipótese 15
Relevância e interesses 19
Referências Teóricas 24
Procedimentos Metodológicos 28
Viabilidade da realização da pesquisa 32
Estrutura da dissertação 34
1- A HIPERMODERNIDADE: ESGOTAMENTO LÓGICO E
COMPLEXIDADE 36
1.1 Pós-modernidade e hipermodernidade: em busca de uma designação
apropriada. 36
1.2 A exaustão do Paradigma do Ocidente. 45
1.3 A gênese da Teoria da Complexidade 50
1.4 A chegada da Teoria da Complexidade nos estudos
organizacionais 57
2- VIRTUALIDADE, COMPLEXIDADE E COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL 65
10
2.1 O universo virtual e a complexidade 65
2.2 As organizações no mundo complexo: o caos e o êxtase gerenciais.71
2.3 A comunicação organizacional em sua medularidade estratégica. 84
2.4 As organizações em espaços virtuais: facilitações e dificultações
pelas TCI 98
3- ESTUDO DE CASO: OS EFEITOS DA INTRODUÇÃO DA INTRANET NA
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL 113
3.1 A seleção do caso. 113
3.2 As principais questões da pesquisa. 115
3.3 A descrição do método: 116
3.3.1 Tipo de pesquisa. 116
3.3.2 O método de coleta dos dados. 117
3.4 O caso da Fundação F: 119
3.4.1 O histórico da organização 119
3.4.2 A pesquisa com os dirigentes. 127
3.4.3 A pesquisa com a administração média. 131
3.4.4 A pesquisa com os funcionários operacionais 133
3.4.6 A análise cruzada dos dados. 141
3.4.7 Análise final dos dados. 143
3.4.8 Aspectos particulares do estudo. 148
3.4.9 Contribuições organizacionais. 150
11
A TÍTULO DE CONCLUSÃO. 154
BIBLIOGRAFIA 162
ANEXO 1: Questionários da pesquisa. 174
ANEXO 2: Telas de navegação da intranet. 178
INTRODUÇÃO
12
OBJETIVO DO TRABALHO
Este estudo tem por objetivo identificar, analisar e refletir a utilização da Tecnologia da
Informação no processo de comunicação organizacional no âmbito das organizações
complexas o que, em nosso caso, concentramos numa intranet.
Tal proposta nasceu da intensa vivência do autor do processo de implantação e uso de
uma rede corporativa de comunicação via computador em uma instituição de ensino
superior e todo o largo espectro de situações e corolários que, desde seu nascedouro,
vislumbramos identificar e que nos revelou um campo de insuspeitadas conseqüências
no que tangia aos efeitos da Tecnologia da Informação não apenas na intermediação
das relações dentro das organizações, ou seja, na comunicação, que é nosso foco aqui,
mas, por conseqüência, também no âmbito total da cultura organizacional.
Cabem, aqui, as iniciais e necessárias ressalvas às resistências oriundas da nossa
formação no que se referia à inovação tecnológica e, principalmente, à posição oposta
ao conservadorismo tecnológico, o fetichismo informacional que tanto
comprometimentos ainda acarreta quer às organizações, quanto a seus estudos:
pudemos perceber, não sem um agradável susto inicial já que justificaria nosso esforço,
uma enorme discrepância proporcional entre a escassez de estudos das relações
humanas no espaço virtual e o caudaloso e contundente volume daqueles que se
debruçaram nos aspectos tecnológicos, financeiros, mercadológicos enfim, instrumentais
13
dessas novas tecnologias; pareceu-nos que a irreversível, ampla e vertiginosa chegada
das TCI às organizações paralisou pela ofuscação ou, no mínimo, surpreendeu à massa
dos estudiosos no que se referia a um instrumental teórico-analítico capaz de, em tão
curto espaço de tempo, assimilar e entender as linhas pelas quais poder-se-ia organizar
e interpretar tão vasta casuística: o filósofo e auto-designado engenheiro do
conhecimento, o francês Pierre Lévy, dentre os autores que nos guiaram na busca de
um norte para a nossa tarefa foi quem, de cima de sua reconhecida autoridade,
justificou nossas preocupações:
“A filosofia política e a epistemologia cristalizaram-se em épocas nas quais a informação e a comunicação estavam relativamente estáveis ou pareciam evoluir. (...) Tudo começou a mudar com a revolução industrial (...) a química, os avanços da impressão, a mecanografia, os novos meios de comunicação e os transportes, a iluminação elétrica transformaram a forma de viver dos europeus e desestabilizaram outros mundos. Os ruídos dos aplausos ao progresso cobriam as queixas dos perdedores e mascaravam o silêncio do pensar. Hoje em dia, ninguém mais acredita no progresso, e a metamorfose técnica do coletivo nunca foi tão evidente”.(Lévy 1993 7,9)
Assim, buscando o máximo de fidelidade ao impulso primeiro, resolvemos conduzir
nosso estudo para uma visão a menos possível centrada no mercado e suas variáveis
determinísticas tentando ver, de forma ampla, o como as atuais organizações operam
sua comunicação nesse novo espaço chamado de virtual que, se menos estudado do
que sua importância demandaria, não está em nada isento dos estigmas sutis,
inconscientes e pouco admitidos que marcam as técnicas e ciências enquanto ideologias
como assinala Habermas (Habermas, 1980) o que, sob um outro ângulo, poderia ser
chamado de um enfoque organizacional em contraponto com um enfoque tecnológico,
sempre consciente de que a implantação de pacotes de TCI pode representar níveis
14
diversos de importância nos processos de mudança nas organizações mas, por isso
mesmo, reafirmando a crença na importância científica do abordagem proposta
(Silveira,2001: 1)
Para tanto, procuramos corroboração e maior discernimento através do nosso estudo
de caso mesmo porque o tema, o fôlego do trabalho e o nosso direcionamento
metodológico nos distanciam de qualquer possibilidade de normatização, anelo maior de
todo esforço intelectual, hoje posto no limite das impossibilidades pelo universo real
marcado pela complexidade já que, “a complexidade, apresenta outra peculiaridade que
a faz diferente da complicação, ela revela sempre alguma coisa que nos
escapa”.(Genelot, 1998:26)
Mesmo cuidando de concentrar nosso foco, como recomenda a boa norma, temos
consciência dos riscos, desafios e tentações que incursões na área da complexidade
organizacional implicam, desafio que sempre parece indicar o caminho de realidades
inconciliáveis, mas que, também por isso, possuem o apelo positivo dos desafios e que
querem, em última instância:
“... transformar a experiência do executivo da empresa em consciência, no seio de uma civilização que dificilmente aprende a suspeitar das respostas simples... uma meditação auto-co-reorganizadora que nos pertence desde que não estejamos submetidos às aleatoriedades de uma misteriosa e cruel ‘ordem social espontânea’ e, se pretende conservar a razão construindo projetos individuais e coletivos, de forma inseparável.” (Genelot, 1998:133)
15
HIPÓTESE
Considerando as características das redes informacionais e dos ambientes por elas
criados:
“Uma estrutura que permite desconstrução e reconstrução contínua, suplantação do espaço e invalidação do tempo, e também, uma reorganização rápida e drástica das relações de poder” (Castells, 2000:498);
e dirigidos por um embricamento teórico-metodológico que à frente detalharemos,
estabelecemos como hipóteses para a condução de nosso estudo, que a implantação de
uma rede interna de computadores, em uma dada organização, geraria um espectro de
transformações que extrapolaria, numa medida insuspeitada - o nosso apelo está no
insuspeito, no que de não planejado teria ocorrido e não na medição das
transformações esperadas, o relativamente previsível horizonte para o qual o
instrumento teria sido criado: agilização pela “despapelização” da comunicação formal –
expressão utilizada pelos idealizadores do portal que, também, visaria a retirada de
formulários e memorandos em papel - diminuição dos custos operacionais, maior
acessibilidade, alcance e uniformização das comunicações internas. Assim, num
movimento auto-organizativo, a mediação eletrônica provocaria movimentos
dissonantes e, algumas vezes, antitéticos nas estruturas organizacionais: a exemplo,
superada a fase do “choque inovador” onde os usuários, receosos de serem preteridos
por outros colegas "menos anacrônicos", despertariam para as vantagens do “novo
instrumento”, passando, em alguns segmentos, a abrir sua correspondência eletrônica
com menor assiduidade e com mais vagar se comparada à correspondência pelo "vai-e-
16
vem" cuja existência atômica se faria, burocraticamente, mais consistente já que
concreta e menos “indeletável”.
Por outro lado, sendo uma ferramenta bem elaborada em termos de mapas de
navegação e de links, a intranet permitiria, ao todo do quadro funcional, enxergar um
claro e pormenorizado panorama da organização, de seu organograma, de sua
distribuição espacial, de forma a influenciar o processo de aculturação dos neófitos, que
não dependeriam tanto dos “favores e benesses” da intermediação humana formal ou
informal, de modo curiosamente contraditório já que, sua apresentação à arquitetura
organizacional, seria mais lenta pela utilização de um instrumento originalmente mais
formal: a escrita, ainda que eletrônica, implica em maior formalismo do que a velha
oralidade da “rádio-peão”, mesmo quando constatamos a oferta de uma ferramenta
virtual mais conversacional e amigável, no caso observado, o “comunicador”; em caso
contrário, a aceleração da comunicação no sistema aumentaria a estabilidade deste
como quer a Complexidade o que ensejaria a mudança na organização: será Edgar
Morin (Morin, 2001) que, dentre outros, retomando dos geneticistas o princípio de que
as organizações vão se reconstruindo à medida que funcionam, reconstrói a teoria dos
sistemas na medida em que os considera tanto mais como menos importantes do que a
soma das partes, já que qualidades emergentes retroalimentariam as partes gerando
um processo de auto-criação; assim, os ruídos, a desordem, provocando um
movimento, concorreriam para a construção da ordem.
17
Um dos aspectos de maior relevância são, pelo seu caráter mais estratégico, as
modificações constatadas nas relações de poder da organização que, a nosso ver,
também sofrem transformações qualitativas significativas: alguns dos altos executivos,
quer pelo seu estilo gerencial próprio, quer pelo “incômodo” do aprendizado técnico ou,
até mesmo, pela existência de uma secretaria pessoal de alta confiabilidade e eficiência,
acabam preterindo o uso da rede e se tornando leitores de e-mails impressos, com seus
corolários de um novo estilo linguagem, de um novo ritmo já que as operações de
comunicação formal são aumentadas por mais intermediações. Num outro sentido,
poder-se-ia, nessa atitude, ver uma confirmação forte de conservadorismo tecnológico o
que, nem sempre, poderá ser interpretado como um traço autoritário ipso facto; ainda
nessa direção, poderiam surgir reforços do autoritarismo pela melhor visualização do
todo e, portanto, demarcação dos estratos hierárquicos, facilmente perceptíveis nos
mapas de navegação, bem como no processo geralmente verticalizado de imposição da
inovação: fato razoavelmente corriqueiro, quer pela obtenção de novos instrumentos de
controle tais como a indicação de presença, quer pelo controle da presteza na operação
das estações de trabalho e que, poderíamos designar, como um reforço ou ferramenta
na direção da construção de uma burocracia digital, no sentido clássico de Weber:
estrutura organizacional envolvendo clara divisão de atividades integradas e
hierarquizadas (Weber, 1979).
Na linha mais conhecida e defendida pelos estudiosos do espaço virtual, a plasticidade,
a intemporalidade e um certo grau "histórico" de liberalidade que caracterizam as redes
18
e que, no caso, se converteria em certa “licença hierárquica”, poderiam permitir que,
alguns gerentes normalmente mais reservados se introduzissem, ainda que de forma
menos profunda, nas estruturas informais - que possuem mecanismos de defesa/ataque
contra aos níveis superiores - gerando, quiçá, uma maior possibilidade de diálogo
democratizante pela reciprocidade e conteúdos facilitados pelo meio eletrônico, o que
aumentaria seu potencial auto-organizante uma vez que ele depende de redes
informais de conectividade rica e aleatória já que, as formais, apenas alimentariam o
status quo: as redes virtuais, assim, seriam um poderoso fator de escape para
informalidade e de facilitação de diálogo entre níveis hierárquicos diferentes.
Prosseguindo, o conjunto de nossas hipóteses deságua na constatação de que as redes
informacionais geradoras de um espaço virtual marcado pela fluidez e, especialmente,
pela imprevisibilidade, atuando de forma visceral na comunicação organizacional, são
fatores de aceleração do irreversível caráter auto-organizativo enquanto forma
subversiva de comunicação institucional, mesmo quando cuidadosamente planejadas
para atender aos cânones organizacionais o que, em última instância, até mesmo
anulariam, pela integração poiética: Maturana, escolheu tal termo para indicar a idéia
de criação no sentido menos material, mais espiritual do gerar a si próprio; a existência
de duas lógicas peculiares e paralelas, ou tidas como tais, nas organizações: a lógica da
organização, que resiste ao novo pela limitação das incertezas, pela valorização do
planejamento e a lógica da inovação, que se impõe como forma inevitável de
sobrevivência no mercado imprevisível.
19
RELEVÂNCIAS E INTERESSES
Num momento histórico em que o totalitarismo da inovação se impõe numa ilimitada
sanha anacronizante que ameaça, não apenas, a sobrevivência de muitas organizações,
mas a própria sanidade civilizatória na medida em que, muito mais que consumidores
compulsivos, somos devorados pelo vórtice de um processo onde nossas referências
valorativas foram dizimadas; onde nossas radicais subvertidas nos fizeram produtos
mutantes de uma história que nos parece fracionada pela nossa incapacidade
epistemológica de nela nos acharmos, vítimas de forças desregradas e incontroláveis
operadas por um demiurgo insaciável por sacrifícios humanos. Assim, qualquer esforço
na busca de um sentido é obrigação ética indiscutível quer do intelectual quer,
sobretudo, do educador.
“Porque transformam os ritmos e modalidades da comunicação, as mutações das técnicas de transmissão e de tratamento das mensagens contribuem para redefinir as organizações. São lances decisivos”, metalances “, se podemos falar assim, no jogo da interpretação e da construção da realidade”.(Lèvy, 1993:25)
Mesmo que se aconselhe, numa deferência à elegância acadêmica, um tom menos
dramático, bem como cores mais suaves para o acima citado transe histórico que
vivemos isto seria, ao menos, um eufemismo tendencioso na medida em que, em todos
os quadrantes da vida, essa acentuação da hipermodernidade se faz agudamente
presente, na medida em que a antiga euforia desencadeada pelo dourado sonho de
progresso do Pós Segunda Guerra nos remeteu a um “presentismo delirante” como quer
20
Lipovetsky que, no limite menor de seus efeitos, nos atirou a uma noção de tempo
ímpar em toda a trajetória humana até aqui (Lipowetsky, Sébastien, 2004).
No epicentro desse tumulto mutacional se erguem, como senhoras dessa crise histórica
(se é que o conceito História ainda é passível de utilização tranqüila), as tecnologias da
comunicação e da informação que provocaram nas organizações, foco de nosso estudo,
toda uma revolução intestina que, mesmo para fins menos acadêmicos e mais
pragmáticos, ainda não se conseguiu suficiente calma e segurança metodológica para a
geração de um acervo crítico que pudesse apontar para um esboço, ainda que
rudimentar, de um modelo interpretativo: “Emerge, neste final de século XX, um
conhecimento por simulação que os epistemologistas ainda não inventariaram”. (Lèvy,
1993:7) Assim, há que se procurar organizar um grande e conjunto esforço para a
reapropriação humana da tecnologia e, por conseqüência, do próprio conhecimento das
mudanças já operadas e potenciais nas estruturas das organizações.
E, quando falamos em tecnologias da comunicação e informação, embora absurdo
possa parecer, é sempre importante lembrar que tal foi o impacto de sua chegada ao
nosso cotidiano, que perdemos a dimensão do simples comunicar primário entre seres
humanos sem esses tão familiarizados e, da mesma forma, imperiais recursos que, se
muitos benefícios trouxeram, outras tantas conseqüências insuspeitadas podem ter
provocado e cuja velocidade de adoção nos deve fazer profundamente reflexivos quanto
ao que chamaríamos de "assimilação".
21
“No que concerne às aparelhagens de comunicação e de pensamento, negligenciamos a dimensão de interioridade, de subjetividade coletiva, de ética e de sensibilidade que envolvem as decisões aparentemente mais técnicas.”(Lèvy,1999:106)
Ainda que bastante limitado face à grande e importância do tema, justificamos nosso
esforço no sentido de trazer alguma contribuição para o entendimento de algumas das
novas estruturas de comunicação, das transformações organizacionais no trato de um
novo tempo e de um novo espaço e de, principalmente, novas formas de interação
humanas geradas pelos multimeios ainda insuspeitadas e, por isso mesmo,
imprevisíveis: nunca é demais insistir que os arautos do ciberespaço só propagam as
vantagens e milagres de sua capacidade de alcance e transmissão, negligenciando seus
atores sociais, esquecendo as nuances do sistema interno e externo às organizações
que foi construído e os conflitos culturais que possam ter provocado; o deslumbramento
pelo progresso tecnológico conquistado ofuscou a dimensão humana pela sua
abordagem essencialmente tecnicista que, sempre termina, num otimismo irrealista,
inconseqüente e caro quando, sobretudo, nos referimos aos custos reais das novas
tecnologias em sociedades onde a subnutrição, a segurança e o analfabetismo
precedem, como realidade de sobrevivência, à exclusão digital que, confrontada com a
gravidade dos problemas precedentes, adquire foros de cegueira social:
“Hoje em dia, ninguém mais acredita no progresso, e a metamorfose técnica do coletivo humano nunca foi tão evidente. Não existe mais fundo sócio-técnico, mas sim a cena das mídias”.(Lèvy, 1993:7)
Sob o aspecto do interesse, numa dimensão mais pragmática e não menos importante
em nossa área de estudo, numerosas são as razões de se concentrar esforços sobre a
22
questão das tecnologias da comunicação e informação a começar, como há pouco
mencionamos, pelos seus custos sempre crescentes e pela anacronização sempre maior
que, também objeto de muitos estudos, parecem conduzir as organizações a um limite
perigoso de sobrevivência e de preocupações o que leva a se afirmar: ”Chegou-se ao
sistema de produção em que tudo é vulnerável, possível e
imprevisível”(Motta,1999:XIII). Em igual grandeza, os ganhos de produtividade dados
pela renovação das Tecnologias de Informação atingem sua exaustão pela incapacidade
de sua utilização plena e adequada. A sensação de impotência gerencial ante tais
determinismos, só não é maior, pela relativa inconsciência dos altos executivos do
quadro mais amplo de suas potenciais conseqüências, como os danos causados por
mudanças inopinadas na cultura organizacional e seus reflexos no próprio
gerenciamento estratégico: alterações nas relações de poder, elevação dos níveis de
ansiedade e frustração pela introdução de novas tecnologias e pelas dificuldades
inerentes ao seu uso, redesenhos e reengenharias organizacionais no limite desse
amplo espectro, apontam para o risco de se chegar a momentos de quase cegueira
gerencial que, de acordo com a capacidade de sobrevivência da organização, ou a
coloca em risco, ou a obriga a dolorosas e arriscadas cirurgias funcionais.
Nada é tão velado e ironicamente contraditório e, outras tantas vezes cínico, do que a
"indiscutível" crença nos modelos que colocam as pessoas como a principal vantagem
competitiva da organização, como conseqüência do seu comprometimento e
adaptabilidade; nessa concepção recuperadora da dimensão humana os empregados,
23
entendidos como ativos e não passivos nos processos produtivos, não apenas pouco
participam nos processos de inovação, sendo apenas treinados para operar a mudança;
bem como, no seio da própria inovação, são desconsiderados aspectos essenciais da
cultura organizacional ou seja, da "humanidade" da organização. Aqui, quando a
discussão assume sua característica essencialmente ideológica, já que se fala em,
efetivamente, de controle, a questão da "visão compartilhada", da "cultura do
comprometimento coletivo" mergulha numa esfera de mascarado diversionismo
gerencial, espaço limite pouco assinalado pelos estudos e sempre evitado na esfera da
práxis gerencial:
“Uma estrutura muito hierarquizada e rígida desencorajará as pessoas a assumir riscos e apresentar novas idéias. Uma estrutura muito liberal resulta em P & D sem foco e sem nenhuma aplicação comercial ou leva tanto tempo para ser desenvolvida que as oportunidades de mercado são perdidas”.(Mattos, Guimarães, 2005: 27).
Por isso, o direcionamento no sentido de se tentar a difícil mas inevitável leitura da
questão organizacional pela ótica da Complexidade que, como veremos insistentemente
a seguir, é corolário irrefutável de um tempo que exige, no mínimo, uma abordagem
renovada:
“... toda a teoria pregressa das organizações chega ao esgotamento, o que nos põe diante de uma profunda quebra de paradigma: mais do que classificarmos os ambientes como instáveis ou turbulentos, precisamos passar a assumir a idéia de que neles só é capaz de sobreviver uma empresa também instável, ou turbulenta”.(Bauer, 1999: 168)
Aliás, permitindo-se um fugaz desvio, nada é tão emblemático do desconforto das
teorias organizacionais ante o inusitado da realidade, do que o estupor e inveja gerados
pelo crescimento acelerado das organizações do Terceiro Setor que, ao arrepio de
24
grande parte do que a práxis organizacional fazia, deram uma desconcertante lição de
auto-poeisis e de sucesso mostrando um novo desenho organizacional de contornos
surpreendentemente revolucionários que, diga-se de passagem, parecem resistirem às
tentativas de sujeição aos ditames acadêmico-teorizantes tendo, é bem denotativo, se
transformado num dos grandes focos de estudo.
REFERÊNCIAS TEÓRICAS
Conforme já mencionado, a relativa novidade do tema e sua indiscutível complexidade,
nos obrigaram a um exercício de humildade e reconhecimento teórico-metodológico: se
citamos e citaremos copiosamente no decorrer de nosso trabalho autores que, a seguir
comentaremos, foi porque, num terreno para nós tão escorregadio porque
desafiadoramente novo, a busca da integralidade dos pareceres de "nossos guias" se
impôs, em inúmeras passagens, não apenas como um dever de honestidade inerente ao
nosso escopo, mas como demarcação de segurança na difícil tarefa de manter nosso
foco e não sermos seduzidos pela infinidade de apelos e atalhos que o tema suscita mas
que o bom método e nossas limitações pessoais desaconselham.
Mesmo que, à frente, retornemos às questões que envolvem as bases epistemológicas
da ciência da administração, para que possamos ligar os segmentos do discurso, é útil
lembrar que ela foi fruto da Revolução Industrial e de seus métodos, genuíno produto
das ciências da natureza e, mais especificamente, da engenharia de produção; assim,
fundou-se numa abordagem analítico-reducionista que, relativizando a dimensão
humana, gerou, pelo seu grande efeito residual, sérias dificuldades ao entendimento
25
das atuais mudanças em sua dimensão e velocidade: numa história em que a própria
natureza do devir começa a perder seu sentido tradicional de linearidade pela ruptura
de fios condutores que nos permitiam vislumbrar nela alguma relação de causalidade,
como tentar entender, com as velhas ferramentas numéricas, essa desconcertante
realidade?
Ou seja, o Paradigma do Ocidente como também é designado o Paradigma Cartesiano,
enfatizando a rigorosa observação dos fenômenos do mundo físico, numa abordagem
racionalista que, perseguindo regularidades, intenta a formulação de leis por um
conhecimento objetivo por se crer isento, desaguou, sob o aspecto epistemológico, na
dicotomia sujeito e objeto e, por conseguinte, na separação entre o conhecimento e seu
contexto, num divórcio hoje inaceitável mas que continua indesejavelmente presente
numa ciência social aplicada, a administração.
Cabe, aqui, um hiato obrigatório.
Na medida em que utilizaremos o conceito de paradigma de forma constante, cumpre
lembrar, que o mesmo foi criado pelo filósofo norte-americano das ciências Thomas
Khun (Khun, 1987) que afirma que determinadas épocas, pedaços da história, criam,
através de suas práticas sociais, pela sua experiência vivida, uma estrutura imaginária,
uma visão de mundo que irá permear, ainda que por oposição e de modos sutis e
indiretos, todos os aspectos da vida humana; será modelo, será o aceito como correto
26
e, quanto maior for sua longevidade, mais intenso e agudo será o processo de transição
para outro paradigma que, por sua vez, alterará todas as anteriores representações
mentais.
Para a superação desses impasses, resolvemos adotar a abordagem da Complexidade,
onde a ciência é caracterizada pela ênfase nas ciências sociais, na relatividade da
simultaneidade, na atenção aos sistemas abertos, nas situações de não-equilíbrio, de
auto-organização; onde o distanciamento entre sujeito e objeto se reduz drasticamente
o que enseja a valorização entre homem e natureza, relação avidamente desejada no
senso comum, mas imperceptivelmente negada pela adoção de posturas
epistemológicas anacrônicas e que, para nós, recupera a condição da administração de
ciência social aplicada.
Aqui, obrigados à humildade dos neófitos, cabe mais uma confissão de nossas
limitações: apesar da largueza e abrangência que a Complexidade oferece ao estudioso,
é evidente que, essa realidade sobre a qual nos debruçamos, imporia um pluralismo
metodológico que permitisse inúmeros arranjos discursivos e combinatórios mais
condizentes com o caráter aleatório do universo observado e que remeteria à adoção de
algumas poucas fontes consagradas para evitarmos mergulhar num caos de
imponderabilidade teórica muito peculiar aos ignorantes.
27
Para tanto, nos valemos de guias seguros nesse universo de instabilidade prevista e
procurada. Começamos nossa iniciação pelas obras de Edgar Morin (Morin,2001), pai e
grande didata da complexidade para, após o que, fazermos a entrada da Complexidade
nas organizações pelas mãos competentes de Ruben Bauer (Bauer, 1999) que nos
propiciou uma relação facilitada e intermediada, não apenas com os teóricos da
Complexidade como Edgar Morin, como de outros que oportunamente citaremos e que
também nos deram a abertura para chegarmos com a complexidade ao foco de nosso
estudo, o espaço virtual e a estrutura da organização:
“Uma estrutura que permite desconstrução e reconstrução contínua, suplantação do espaço e invalidação do tempo, e também, uma reorganização rápida e drástica das relações de poder” (Castells, 2000:498).
Com o mesmo interesse, fomos buscar o auxílio do já citado Pierre Lèvy, auto-
denominado engenheiro do conhecimento e filósofo que, em seu notável esforço em
construir uma antropologia do ciberespaço, fornece ao estudioso, linhas medulares na
condução de suas observações desses “novos instrumentos” de conhecimento, de
comunicação e, portanto, de gestão.
E, ainda na menção dos nossos “maiores guias“ e, em se tratando de complexidade e
organização, recorremos a Dominique Genelot (Genelot, 1998) que, com incrível
propriedade e clarividência, aborda a questão da estratégica importância das
tecnologias de comunicação e informação na complexificação organizacional nos
propiciando, dessa forma, o embricamento teórico final que nos conduzirá à análise do
caso proposto:
28
“O mundo atual sendo caracterizado pela complexidade, não está surpreendendo que as apostas de poder sejam deslocadas para o controle do sistema nervoso das organizações complexas: a informação e a comunicação” (Genelot, 1998: 164)
Finalizando, no intuito de termos o máximo de atualidade, brasilidade e, portanto,
adequação no enfoque de nosso problema, efetuamos uma varredura cuidadosa nos
estudos publicados dos Anais da ENANPAD dos últimos anos que, ainda que
tangencialmente, pudessem trazer alguma contribuição ao nosso esforço de discreta
ousadia, bem como a uma bibliografia de apoio que, pelo riscos já apontados, tivemos
ou que limitar ou que usar de forma extremamente módica porque cuidadosa.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Optamos por uma abordagem qualitativa para a condução de nosso trabalho mesmo
porque, concordando com o nosso orientador, é extremamente falacioso para as
epistemologias do nosso tempo, falar de diferenças entre qualitativo e quantitativo.
Objetivando entender o processo de implantação de um portal corporativo (intranet) em
uma organização de ensino superior e seus efeitos sobre a comunicação interna, nos
seus aspectos de complexidade, a partir da ótica de seus principais atores e que, para
nosso objeto de estudo, serão selecionados por amostragens dos diversos cortes
hierárquicos da organização de forma a servirem de indicadores confiáveis, dos diversos
segmentos estratégicos para a compreensão do caso em foco.
Sempre que possível, pelas limitações de privacidade e, evidentemente, de acesso à
comunicação, nos serviremos da documentação eletrônica produzida e aberta no
29
sistema que, por seu lado, também constitui importante material de análise, quer pelas
suas características, quer pela especificidade de seus conteúdos, quer pela maior
incidência de usos específicos entre determinados setores e ferramentas; tais recursos
metodológicos se justificam pelas especificidades inerentes aos embricamentos naturais
entre as estruturas organizacionais e o espaço virtual que, muitas vezes, parecem
ocupar esferas diversas que, é sempre bom que se destaque, extrapolam de muito
aqueles aspectos meramente ferramentais que sempre mereceram destaque na atenção
dos estudiosos: buscar na análise desse documental os indicadores das transformações
suspeitadas se é tarefa minuciosa e delicada, é aspecto importante na análise do
processo de comunicação da organização informatizada.
A opção pelo estudo de caso, como fulcro de nosso estudo, resultou de um conjunto de
fatores que tem seu núcleo essencial, é sempre útil insistir, na relativa insipiência dos
trabalhos de análise crítica da comunicação pela intermediação eletrônica nas
organizações: assim, graças aos recursos empíricos do método, poderemos extrair da
contemporaneidade do fenômeno observado elementos que nos permitam correlações
deste com o espaço externo que o compreende de forma a suportar subsídios teórico-
analíticos e indícios para novos procedimentos e processos organizacionais, num limite
mais consciente e, até mesmo, mais pragmático e, evidentemente, mais eficiente.
“O método do estudo de caso implica, segundo Anguierra (1987:21), ‘o exame intensivo e em profundidade de diversos aspectos de um mesmo fenômeno’. É um exame de um fenômeno específico, como um programa, um evento, uma pessoa, um processo, uma instituição, um grupo social. Um caso pode ser selecionado por ser intrinsecamente
30
interessante e o estudamos para obter a máxima compreensão do fenômeno” (Serrano,1998:80)
Conforme assinalado, a opção pelo estudo de caso nos colocou diante de um largo
espectro de autores com abordagens metodológicas próprias para a condução do
trabalho: cabe lembrar que o método, nascido em Harvard na década de vinte do século
passado, tem sido importante ferramenta nos estudos organizacionais entre outras,
pelas possibilidades de trabalhar um método capaz de enfrentar a velocidade, a
variedade e a complexidade dos objetos estudados. Para tanto, fizemos nossa escolha
recair sobre o protocolo de Robert K. Yin (Yin, 2001) que destaca que este método é
uma das estratégias de pesquisa utilizáveis nos estudos organizacionais por propiciar
pesquisas de eventos da vida real, como os processos administrativos, através de
observações diretas e por entrevistas, com a possibilidade de expandir e generalizar
teorias. Para tanto, recomenda nosso autor, no atendimento correto ao método e se
evitando evidências equivocadas, a investigação acurada e o rigorismo na escolha de
critérios, bem como a utilização de diversas fontes de evidências, alinhamento destas,
uso de uma abordagem lógica de replicação, fixação de medidas operacionais
adequadas para os conceitos utilizados e a delimitação dos campos nos quais as
conclusões podem ser aplicadas em forma de generalizações.
É bom destacar que, o caráter qualitativo de nossa escolha para a pesquisa, fará com
que utilizemos dados estatísticos sem estar trabalhando com modelos estatísticos logo,
os minimizará transformando-os, apenas, em ferramentas de apoio, de indicação e
31
confirmação dos grandes contornos e das potencialidades percebidas nas entrevistas e
nas análises documentais.
Cumpre, também, assinalar o caráter exploratório de nosso trabalho que se quer propor
como subsidiário de outros estudos. Nesse sentido, citamos Perrien, Chéron e Zins
(Chéron, Zins, 1983) que afirmam o caráter exploratório de uma pesquisa quando os
resultados obtidos não são, necessariamente, um fim em si mesmos e podem ter como
objetivo a formulação de um problema para a investigação mais exata ou para a criação
de hipóteses que levantem novos horizontes, lembradas as limitações da obra e do
trabalhador. Do mesmo modo, este tipo de pesquisa, permitindo a utilização de
ferramentas menos padronizadas, oferece uma maior flexibilidade o que atende às
diretrizes teóricas que buscamos imprimir às nossas reflexões que, sabemos, não
poderão produzir hipóteses muito precisas ou operacionalizáveis mas que, insistimos,
poderão ensejar procedimentos mais organizados (Gil, 1989: 45).
Pela adoção desses critérios, estabelecemos as seguintes etapas: elaboração do
construto, visando fixar limites coerentes com os conceitos utilizados; pesquisa
secundária, no sentido de coleta das informações públicas, concernentes à implantação
e operação do sistema de comunicação pré e pós-operação do portal corporativo; etapa
das entrevistas por amostragem com os diferentes segmentos da organização, não
apenas para validação das informações já obtidas, mas para a totalização dos dados
necessários; por fim, a análise e conclusão dos resultados observados e suas possíveis
32
generalizações graças ao conhecimento do processo como um todo pela relação
complexa entre as partes:
“A idéia de inter-relação remete para os tipos e as formas de ligação entre os elementos ou indivíduos, entre elementos e indivíduos e o todo. A idéia do sistema remete para a unidade complexa do todo inter-relacionado, para suas características e propriedades fenomênicas. A idéia de organização remete para a disposição das partes num, e em um, e por todo.” (Morin,1997:102)
VIABILIDADE DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA
A viabilidade desta pesquisa é conseqüência do fato de termos uma intensa vivência
profissional, de trinta anos, na organização estudada que, doravante, designaremos
como Fundação F, onde ocupamos diversas funções a começar pela docência chegando
a níveis gerenciais. Dessa forma, enquanto agente e paciente em quase todos os
meandros e mudanças operadas nos processos administrativos, pudemos observar de
maneira crítica e, agora, de forma sistemática, os efeitos provocados pelo ingresso das
tecnologias de comunicação e informação (que passaremos a designar pela sigla TCI)
na cultura da organização. Se, por um lado, essa profunda e exaustiva vivência, nos
propiciou um acesso irrestrito a todo o universo de informações e a quase todo o
conjunto histórico de etapas e reações a elas, também fomos obrigados a um enorme
esforço intelectual para conseguirmos a necessária distância para uma releitura crítica e
subjetivamente consciente de todo o repertório acumulado de forma que não fossem
comprometidos os resultados finais por uma cripto-ideologia funcional do autor. Com
idêntica preocupação, recorremos a "abordagens indiretas” em algumas circunstâncias
para que informações, oriundas de entrevistas, não fossem contaminadas por
33
preocupações de caráter político-funcional na medida que, lembramos, em quase todos
os processos de modernização, a adoção do novo sistema, acontece de forma
verticalizada, gerando resistências, “incomodações” e acomodações dolorosas de efeitos
prolongados: sobretudo por que, na Fundação F, a dinâmica dos fatos em questão,
colidiu com estruturas bastante cristalizadas e que foram sendo modificadas por um
processo de arrumação cuidadosa e diplomática do quadro funcional que, é importante
frisar, conta com um número evidentemente grande de docentes de inúmeras áreas do
conhecimento que, por si só, já oferecem um universo de especificidades bastante
dicotômico: se temos, na população mencionada, professores de administração,
engenharia e economia relativamente afeitos com os processos da inovação
organizacional, por outro, encontraremos profissionais das áreas de artes, comunicação
e direito, onde a lógica da inovação caminha por atalhos aparentemente diversos
daqueles rotineiros à lógica de mercado e, portanto, gerando reações também
diferentes.
A tudo isso, há que se acrescentar um fator catalisador de ruídos, bloqueios e desastres
nos canais de comunicação e do desenvolvimento dos processos organizacionais em
foco, a chegada dos profissionais técnicos das diversas áreas "da inovação", nem todos
com conhecimento da cultura acadêmica e suas “perigosas singularidades” para a
sanidade e sobrevivências profissionais desses neófitos normalmente ungidos por uma
"superioridade técnica" somada a uma tradicional insensibilidade organizacional .
34
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
No Capítulo 1, justificaremos, introdutoriamente, a adoção do termo Hipermodernidade
como necessidade de caracterização deste momento ímpar que vivemos; como um pano
de fundo para, a partir das restrições lógicas que os Antigos Paradigmas derivados do
Paradigma Cartesiano provocaram, justificar a necessidade de nos pautarmos pela
Complexidade.
Para tanto, faremos considerações medulares sobre essa teoria, suas conseqüências
epistemológicas e como que as mesmas permitem aos estudos organizacionais um
equivalente valor positivo de enfrentamento das dificuldades de entendermos e
viabilizarmos a gerência e a compreensão das organizações contemporâneas.
No Capítulo 2, falaremos do advento do espaço virtual como o "novo mundo " do final
do século XX e fator de transformações profundas; trataremos de alguns aspectos
essenciais da comunicação organizacional como fator introdutório e nevrálgico para
desaguar em nosso foco, a saber, a chegada de todo o incrível equipamento
transformador das TCI e a geração do espaço virtual dentro do universo organizacional,
suas características, possibilidades, e seus corolários mais importantes nos processos
organizacionais, marcadamente, nos mecanismos de comunicação e nas alterações
humanas dele decorrentes.
35
No Capítulo 3, chegamos ao estudo do caso onde tentaremos utilizar a carga conceitual
acumulada e o ferramental metodológico escolhido para a perseguição das hipóteses
levantadas tendo, como campo empírico, nossa vivência profissional e intelectual na
Fundação F.
Por fim, a reverência ao método, muito mais do que ao estilo, nos obriga a confessar
nossa incapacidade de conferir ao discurso um caráter menos redundante e adjetivado
do que gostaríamos ou imaginamos precisar, uma vez que, a necessidade de nos fazer
claros, somada ao entusiasmo juvenilmente extemporâneo, nos fizeram correr os riscos
da deselegância e da prolixidade para nos manter no conforto do tom alcançado como
seguro a nos fazer entender e a nos satisfazer, num assumido descuido científico, mas
que sacrificamos pelo prazer da identidade plena com o trabalho.
CAPÍTULO 1 – A HIPERMODENIDADE: ESGOTAMENTO LÓGICO E
COMPLEXIDADE
36
1.1 Pós-modernidade e hipermodernidade: em busca de uma designação
apropriada.
Esclarecendo possíveis vícios benignos e distorções não comprometedoras na essência
de nosso trabalho vimos, aqui, esclarecer que tais idiossincrasias podem ser atribuídas
às influências que nossa origem intelectual exerce sobre nosso modo de enxergar as
ciências do homem: historiador de formação, há mais de três décadas gentilmente
recebido no universo da administração, nem sempre conseguimos, ou nem sempre
tentamos, nos separar de algumas boas manias adquiridas na nossa primeira formação
acadêmica e que acabam por nos dar um certo “sotaque estrangeiro” pelo qual pedimos
escusas.
Assim, também, justificamos a nossa, e de grande parte da humanidade, necessidade
didática de procurar reduzir o tempo passado a módulos lógicos que, à semelhança de
modelos rudimentares e autoritários, consigam nos fazer entender melhor nossas vidas
pela reunião de semelhanças e diferenças nas épocas e entre as épocas da história:
bom, foi o tempo da singeleza positivista em que nos conformávamos e confortávamos
com a “boa divisão”, Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, nas quais o
homem, em sua trajetória no tempo, parecia maravilhosamente domesticado pela nossa
compreensão; onde tudo tinha seu lugar e as coisas haviam acontecido numa ordenada
dialética; onde o mundo civilizado do ocidente reduzia tudo ao seu padrão que, por sua
37
vez, encharcado de coerência, a tudo dava sentido e explicava, em tudo estabelecia
nexos e fornecia comparações.
No sentido de enquadrar nosso objeto de estudo no seu contexto tal como o pensamos,
justificamos o caminho que segue.
Se a Segunda Guerra Mundial trouxe algum incômodo a essa ordem temporal, ele ficou
abafado, por um certo período, pelos ecos ufanistas da vitória aliada; a acidez e os
impactos do último conflito mundial parecem não terem sido assimilados criticamente
“ex abrupto” pela imediata Guerra Fria entre as duas potências hegemônicas e suas
imperiais políticas, que obcecaram as décadas dos cinqüenta, sessenta e setenta,
transformando-as numa espécie de cortina de fumaça de estupor ideológico dualista-
bipolar-maniqueista e totalitarista; apesar de tudo e de tanto, apesar do holocausto e de
Hiroshima, percebia-se ou buscava-se a “fortiori” uma continuidade, uma causalidade,
mesmo porque, não há como negar que os citados eventos tinham tido sua geração no
útero conturbado do início do século XX e, de uma certa maneira, representariam o
apogeu de um movimento civilizatório que teria seu termo coletivo insinuado e
visualizado pelos conflitos sociais na década dos sessenta que, ante o débâcle do
Império Soviético, se amiudaram fazendo com que o milênio se encerrasse bem antes
que o assinalado nos calendários.
Por isso, olhando para trás, parece não ter havido dificuldades insuperáveis para
autores como Arnold Toynbee (Toynbee, 1976) de, numa atitude discretamente ousada,
38
introduzir na análise histórica a denominação de Pós-Modernismo para caracterizar um
tempo que contrasta com o modernismo iniciado no século XV e que perdurou até a
metade do século passado. O Pós-Moderno seria marcado por um ritmo de mudanças
tecnológicas que, de muito, ultrapassaram às aquelas ocorridas nas esferas espiritual,
moral, política e ideológica. A Pós-Modernidade já antecipava esse vazio filosófico e o
esboroar das grandes ideologias, ainda hoje, insistentemente moribundas e deletérias
enquanto espectros de mundos perdidos a querer sobreviver e, em parte, atreladas às
suas radicais iluministas-industrialistas e seus corolários antitéticos, ou seja, a
fundamentos filosóficos que remontam aos albores do século XVIII. Assim, chegamos a
um tempo que assistiria ao advento dos computadores e das comunicações à distância
em todos os quadrantes da vida; à transição das economias centradas na produção
industrial e serviços para, outra, ancorada na informação, na tecnologia e no
consumismo, onde os fordismos e os taylorismos seriam varridos pelas necessidades de
organizações descentralizadas, flexíveis e com liberdade de comunicação interna; mas o
mundo Pós-Moderno, apesar de tudo, ainda sacralizava conceitos da modernidade
ainda, insistimos, era moderno por sua crença no progresso e não se dava conta de que
tentava entender o muito novo com as ferramentas mentais do proporcionalmente
muito antigo:
“A razão Kantiana, a ‘razão das luzes’ do século XVIII fora movida por um sonho magnífico: a afirmação do homem enquanto medida e limite de todas as coisas, negador de qualquer deus metafísico, sujeito autônomo e autodeterminado, construtor histórico de seu próprio destino; tal afirmação permitiria concretizar o passo maior da humanidade: a transição do reino da necessidade para o reino da liberdade. E, como o seu maior instrumento, o progresso” (Bauer, 1999:28).
39
O pós-modernismo é, como todas as divisões cronológicas, resistente a delimitações
rigorosas. Grosso modo, na área das ciências sociais, ele tem sido utilizado para narrar
um clima social marcado por mudanças sociais e organizacionais e um conjunto de
abordagens filosóficas para o estudo da organização e de outras áreas, incluindo a
atenção na natureza construída das pessoas e da realidade, enfatizando a linguagem
enquanto sistema de distinções no processo de construção; criticando as grandes
narrativas e os sistemas teóricos gerais tais quais o marxismo e o funcionalismo;
enfatizando aspectos como a relação poder-conhecimento, o papel nas comunicações de
massas na dominação assumindo, assim, uma função crítica aos fundamentos e ideais
utópicos que marcam o modernismo (Alvesson, Deetz, 1999).
Mas foi o desmoronar do sonho soviético em simultaneidade com o fim do sonho de
Jefferson catalisados pelo esvaziamento do cartesianismo que, dentre uma miríade de
indicadores, foram alguns dos sinais da mudança: a mesma incapacidade de se justificar
a manutenção do Muro de Berlim, permitiu o destruir da Carta das Nações Unidas e da
Declaração dos Direitos do Homem após os eventos de 11 de setembro de 2001.
As transformações técnicas que desencadearam a modernidade e que fundamentaram a
Primeira Revolução Industrial já avisavam de uma profunda modificação dos ritmos da
história, provocando a anulação do mundo agrícola, a promoção hegemônica dos
espaços urbanos, a criação de um novo imaginário de tempo e espaço pelos novos
meios de transportes e da organização do trabalho; bem como pelo revolucionário
40
pragmatismo que se conferiu às ciências ora atreladas à produção tecnológica e ao
lucro.
Pois bem, este retorno ao Moderno, apesar de aparentemente mal alocado no texto,
nos afigurou necessário para que pudéssemos, didaticamente, relembrar como, etapa a
etapa, os ritmos se aceleraram, as transformações se agudizaram a um tal ponto que
levaram os historiadores a buscarem, na tentativa de melhores definições, termos mais
e mais arrojados que pudessem atender à sua incapacidade de abarcar dinâmicas tão
diversas e imprevisíveis, que permitissem alguma forma de abordagem para o
entendimento dessa sucessão de humanidades de difícil decifração, que se organizou
rapidamente em conformações sócio-culturais híbridas, mutantes e mutáveis, muito
opacas à penetração de nossos frágeis óculos de análise: é interessante como no Pós-
Moderno já se afigurava uma certa incapacidade semântica de definir o que acontecia
enquanto evidente corolário do próprio esgotamento epistemológico subjacente.
Nada é tão pós-moderno ou quase hipermoderno do que a Teoria da Relatividade
Restringida completada, depois, pela da Relatividade Generalizada nas quais, Albert
Einstein, fragilizando a exatidão das matemáticas, na contra-mão do "bom senso", refaz
as concepções de tempo e de espaço, de um espaço que se curva sob o efeito do
magnetismo dos corpos celestes... Na mesma direção, Kurt Gödel, lógico polonês,
publica um estudo cujo título já revela um caráter científico-carbonário, “O incompleto
sistema axiomático que contem a teoria dos números” ou, o Teorema do Incompleto
41
que afirma que todas as formulações axiomáticas da Teoria dos Números incluem
propostas indecisas o que, de outra forma, significa a falência da Lógica Formal.
O Pós Modernismo, utilizado apesar de suas limitações, já que nasceu para batizar uma
tendência arquitetônica, nos permitiria, no “reino da administração” (governado pela lei
de mercado que impõe a sobrevivência sempre à frente de qualquer tentativa teorizante
de entendimento das mudanças), assistir ao nascer das organizações enxutas, dos
toyotismos, das reengenharias, de estruturas que, se não mais genuinamente
cartesianas que, se já haviam abandonado as pranchetas e migrado para as estações
gráficas, ainda se mostravam umbilicalmente ligadas a modelos anteriores e todos seus
desdobramentos lógicos mas que, ainda, tinham ritmos e seqüências que não
assinalavam rupturas, que mantinham uma certa e antiga linearidade. O Pós Moderno,
dentre tantas marcas, foi um período onde, ainda, poderíamos falar de mudanças onde,
ainda, falava-se com um certo ar de ousadia, em quebra de paradigmas, expressão que
se tornou num vício odioso, porque vício e vazio, no linguajar dos “consultores”.
Mas foi, a partir dos anos setenta, que a noção de pós-modernidade se estadeou como
qualificador da cultura das sociedades desenvolvidas e acabou ganhando os espaços
jornalísticos e popularescos:
“O neologismo pós-moderno tinha um mérito: salientar uma mudança de direção, uma reorganização em profundidade do modo de funcionamento social e cultural das sociedades democráticas avançadas”... “Ao mesmo tempo, porém, a expressão pós-moderno era ambígua, desajeitada, para não dizer vaga”.(Lipovetsky, 2004: 52).
42
É, também, um momento marcado pelo esgotamento daquele legalismo da ciência
tradicional onde todas as “leis maiores e universais”, uma vez descobertas, nos
conferiam a condição de observadores dominadores da natureza que, continuaria,
estranha a nós, ameaçada e ameaçadora.
Foi, exatamente, por essa ambigüidade assinalada pelo polêmico pensador francês, que
dele tomamos o termo Hipermodernidade para designar esse pedaço de história que
parece desafiar nossa capacidade de designação que, tal qual o mais resistente dos
pagãos, não se submete à pia batismal e que, por tudo isso, sintetiza a incontornável
incapacidade de definirmos o nosso tempo ou deixá-lo de fazer, razão pela qual a
adoção do termo foi feita sem maiores preocupações de embasamento histórico-
filosófico.
Cabem, aqui, algumas digressões necessárias.
Se decidirmos nomear nossa história, a partir dos anos oitenta do século passado, como
o “mundo da globalização”, certamente estaremos desconsiderando que, a “aldeia
global” de McLuhan (MacLuhan, 1970), onde o poder dois meios de comunicação a
todos faria um gigantesco padrão cultural, parece que não aconteceu como se
prognosticava: se o mundo econômico-financeiro foi definitivamente globalizado; se,
apesar das resistências agora arquitetadas em blocos, a economia da humanidade
transformou-se quase numa única e intrincada trama na qual todos os fios irradiam os
43
efeitos das periferias mais remotas e o poder dos centros hegemônicos aparecem
incontestáveis; se a interligação via satélite e toda a parafernália a ela ligada nos
levaram à beira de nos sentirmos verdadeiros cidadãos do orbe, não há como ignorar,
mesmo que os míopes recalcitrantes insistam, que as nacionalidades resistem
bravamente que, na Itália da Comunidade Européia, ainda se fale em Liga Lombarda;
que os chechenos aterrorizam o mundo pela sua luta nacional tanto como os bascos
que não se querem espanhóis e que a própria Espanha não conseguiu deixar de ser,
ainda, uma ficção de cunho político. Como aceitarmos a globalização, conceito
autoritário e descaracterizante, num mundo onde milhões de seres humanos vivem,
com ou sem internet via satélite, seus referenciais tribais e onde as nações disputam
palmos sangrentos de chão?
No encalço do sentido perdido, o ser humano ameaçado por essa mundialização
anuladora das individualidades e numa espécie de contra-mão do previsto, voltou-se
para suas raízes mais profundas: a cada arranco de internacionalismo, ele lança um
contra-ataque de recuperação de suas singularidades, de seus regionalismos mesmo
que machucados pelas determinações mercadológicas, como o do sertanejo
conspurcado pelo country, ou de repentistas descaracterizados por instrumentos
eletrônicos.
O simplismo do "pós-moderno globalizante", ainda que de forma imperceptível, nos
incomodava quando, educadores que somos, chamávamos a atenção de nossos alunos
44
para a necessidade de se sobreviver gerencialmente pela ativação de um mecanismo
intelectual de localização antropológica que designamos com um certo pedantismo,
como o “diálogo das grandezas díspares” e que se faz necessário em cada movimento
de análise de realidade, em cada ensaio de tomada de decisão, que nos obriga ao difícil
malabarismo de confrontos constantes para compreendermos a convivência vital das
pequenas singularidades da nossa cultura organizacional com dados de realidades
geograficamente distantes mas absolutamente presentes: do mau humor de nossa
secretária, às conseqüências para o nosso produto da mão-de-obra semi-escrava da
Tailândia, da festa de amigo-secreto, à teleconferência com Amsterdã dentro da mesma
sala.
Nesse mesmo esforço de suprimir o vazio de nosso referencial teórico, não podemos
olvidar aquela que, talvez, se coloca como uma das mais sérias determinantes dessa
incapacidade enunciadora e paradigmática, a da coexistência de temporalidades
opostas, do hipernovo com o ultra-antigo: hoje ainda vivemos o “tempo da muito longa
duração” de Fernand Braudel (Braudel, 1972), um tempo que se aproxima do limite da
imobilidade, o tempo que rege o universo das religiosidades do Talmud-Torá, dos
Evangelhos, do Corão; uma temporalidade presente ao mais íntimo da vida de parcelas
imensas da humanidade. Da mesma forma, vivemos a realidade do tempo dos circuitos
impressos, da milionésima parcela do segundo, do nanossegundo, tão presentes em
nossas vidas quanto aquele tempo anterior dos séculos e que nos obriga à imperceptível
45
e fantástica tarefa de saber das ameaças da Jihad Islâmica pela internet, de encararmos
essa lógica dos extremos.
Voltemos a Lipovetsky:
“Essa época terminou. Hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hipertexto, - o que mais não é hiper? O que mais expõe uma modernidade elevada à potência superlativa? Ao clima de epílogo segue-se uma sensação de fuga para adiante, de modernização desenfreada, feita de mercantilização proliferativa, de desregulamentação econômica, de ímpeto técnico-científico, cujos efeitos são tão carregados de perigos quanto de promessas”.(Lipovetsky, 2004: 52).
É nesse paroxismo civilizatório, é para essa necessidade de se encontrar uma lógica
para os extremos, uma lógica urgentista que justificamos, até pelas enormes limitações
ditadas pelo ilimitado, a adequação da Complexidade enquanto orientação histórico-
filosófica capaz de enfrentar esse hiper-diferente de uma civilização em êxtase,
momentaneamente adequada e suficiente. Quando Lipovetsky aponta a transição de
uma modernidade negadora para uma supermodernidade integradora e capaz de
reintegrar as lógicas do passado com as lógicas de mercado, não estaria ele dizendo da
capacidade auto-poética desse hipertempo, de um tempo que, talvez como todos os
outros, se auto-organiza sempre de uma forma imprevista?
1.2 A exaustão do paradigma do ocidente
Tecido o pano de fundo, que se quis minimamente filosófico-histórico, faz-se necessária
uma inserção mais pontual na questão metodológica no sentido de podermos dar
coerência à adoção da Teoria Complexidade enquanto ferramenta que nos viabilizou o
trato mais coerente de nosso estudo.
46
Creio que podemos relembrar, sem riscos da condenação por excesso, que poucas áreas
dos estudos humanos foram tão comprometidas pelas influências cartesianas e sua
incrível capacidade residual quanto a dos estudos e práticas organizacionais: nós que
tivemos nossa origem nos segmentos mais assumidos das humanidades e mais
resistentes a pragmatismos sentimos, mais agudamente, as marcas cartesianas das
origens da administração; evidentemente, as necessidades derivadas das imposições de
sobrevivência no mercado fizeram com que o administrador, a duríssimas penas,
conseguisse exorcizar o engenheiro de produção que, de muitas formas, ainda hoje
assombra sua profissão como, outrora, assombrava seu emprego e a quem não se pode
negar uma imprescindível contribuição mas, em hipótese alguma, subserviência já que,
ele próprio, o engenheiro, se humanizou apesar de custos que não nos compete aqui
lembrar.
Por mais que um poderoso e já consolidado caudal de estudos tenha conseguido
consolidar a independência das ciências das organizações enquanto um nó congregador
de um conjunto específico de conhecimentos, ainda assim, é notório como o “conjunto
das exatas” se faz presente, como um pacote de ferramentas válidas, com um evidente
destaque no concerto das chamadas “disciplinas sérias” quando, por exemplo,
discutimos os currículos de ensino de administração: nesses momentos, nos sentimos
reféns de um muito antigo espaço epistemológico, de anacronismo imperial e sufocante;
mesmo verificando, com um olhar mais atento e crítico, o conjunto de programas e
47
trabalhos oferecidos e apresentados nos níveis de pós-graduação, confirma-se essa
resistência pelo, proporcionalmente menor, interesse pelos temas que envolvem a
essência humanística das organizações. Nosso primeiro e já antigo choque, nesse
sentido, disse respeito a um certo desdém às questões referentes à cultura
organizacional; pareceu-nos, num primeiro momento, que as vicissitudes de um
mercado selvático e concorrencial, nos haviam condenado a um positivismo eternizado
pelo inerente utilitarismo a ele associado.
Se a Revolução Industrial teve o condão de trazer as ciências para perto da tecnologia,
de transformar as divindades dos laboratórios em seres produtivos, levando as ciências
teóricas a serem ciências tecnológicas, já de há muito se insinuava, nas entrelinhas das
ciências de vanguarda, uma tendência acalentada em outras áreas do saber, a da
ciência ética, uma ciência não mais entronada na intangibilidade celeste daqueles que
ditam os determinismos, mas uma ciência que se humanizou pelo retorno do incerto,
pela volta do acaso, de volta à subjetividade.
O cartesianismo, fundamento do racionalismo moderno, afirmou serem as leis do
pensamento determinadas pelas leis do mundo físico e, além do rigorismo de uma
indiscutível causalidade, vinculou a verdade científica como decorrência dos
procedimentos matemáticos da metodologia analítico-dedutiva.
48
A partir do momento indeterminado mas, vital e concreto, em que as ciências, com todo
seu auto-atribuído poder racional passaram a dominar o mundo, começaram a justificar
as vitórias da burguesia, a ampliar o poderio do corpo humano para dimensões jamais
imaginadas e, sobretudo, a gerar lucros astronômicos, sua chegada aos píncaros
olímpicos foi rápida: não foi por acaso que Comte, procurando aquilo que todos
esperavam, enunciou os fundamentos de uma “física social” aliás, já antecipada por
Condorcet – filósofo e matemático francês - em sua intenção de erigir uma “matemática
social”; a possibilidade de se atender ao maior anseio da civilização ocidental, ou seja,
dominar os mecanismos da conduta humana tal qual se sujeitara a força do vapor: a
partir de então, a “supremacia das ciências exatas” não pararia de permear todos os
quadrantes da vida, fazendo com que a subjetividade, essência mesma do humano,
fosse aviltada pela busca cega da objetividade normativa, tanto mais viciosa quanto
inconsciente na pesquisa científica.
Mas, tão logo acabaram de fumegar as cinzas da Alemanha do Terceiro Reich,
Horkheimer e Adorno declaram seu desencanto quanto às possibilidades de redenção
humana pela via da razão kantiana, submetida ao esforço capitalista de geração de
riquezas e de autoperpetuação, não deixando ao indivíduo senão a submissão ao
sistema que narcotiza as consciências (Guerreiro Ramos, 1989). Habermas, herdeiro dos
frankfurtianos, será o autor de um roteiro explicativo dessas relações entre ciência,
tecnologia e progresso como instrumentos funcionalmente vitais à vitória de um sistema
49
de dominação fundamentado na noção de conforto derivado do domínio da natureza e
do aumento da produtividade, ou seja, temos técnica e ciência como ideologia.
Bem difícil, senão impossível, seria avaliar a importância civilizatória que a obra de
Descartes teve para o ocidente e, por corolário, para o que se chamou de Era Industrial.
Daí designação de Paradigma do Ocidente. O alcance, a profundidade e a fixidez
ontológicos desse discurso não podem ser mensurados. Só suspeitamos a importância
dessa grande determinação quando sentimos o vazio, a imponderabilidade a que o
homem foi atirado quando as referências do “velho padrão” se desfizeram: em diversos
momentos críticos da história contemporânea notamos, como ainda acontece, crises
lógicas agônicas decorrentes dessa falência paradigmátic a atingir parcelas maiores das
populações que, seviciadas pela impactação da cultura de massas e pela inconsistência
de políticas educacionais inócuas, se situam numa condição mais ampla de exclusão.
Apesar do desvio, não resistimos à tentação de uma reflexão: a de atribuir à falência
não percebida da lógica cartesiana, parte do renascimento místico que se constata, de
forma mais intensa, nas periferias pobres do mundo e que dispensa qualquer e nos
reconcilia em parte com nosso tema, a mística da tecnofascinaçãp:
“... um lado, em uma cultura do sof ware que permite conectar a razão instrumental e paixão pessoal e, de outro, em uma multiplicidade de paradoxos densos” pois ela alia a fascinação tecnológica ao realismo convidativo e se traduz em formas desconcertantes: a convivência da opulência comunicacional com o enfraquecimento do público, a maior disponibilidade de informação com a palpável deterioração da educação formal, a multiplicação infinita de signos em uma sociedade de padece o maior déficit simbólico.(“Martín-Barbero, 2001:28)”.
t
50
Retornando para concluir. Assim, a hipermodernidade foi, menos do que a pá de cal no
universo cartesiano e em toda a segurança que dele derivava, um esforço, foi uma das
possibilidades insinuadas de equacionamento de mundo em transe que vivemos e que,
se apenas um novo rótulo, já revela uma potencialidade de entendimento.
1.3 A gênese da Teoria da complexidade
“A palavra complexidade só pode exprimir o nosso embaraço, a nossa confusão, a nossa incapacidade de definir de maneira simples, de nomear de maneira clara, de pôr ordem em nossas idéias”.(Morin, 1990:7)
A história da Complexidade remonta às pesquisas desenvolvidas no Biological Computer
Laboratory na Universidade Illinois, fundado em 1956, por Heins von Foerster com
quem trabalhou, entre outros, Humberto Maturana sobre temas como causalidade
circular, auto-referência e o papel organizador do acaso, num hibridismo científico entre
biologia e cibernética: à dinâmica operacional dos sistemas auto-organizadores, veio
somar-se a descoberta do “programa genético” e dos mecanismos de autoconstrução
dos organismos. Para tal entendimento, utilizou-se o conceitual da teoria da
comunicação, programa, código, informação, mensagem etc, numa transdisciplinaridade
tão desconcertante quanto o neonato paradigma:
“É primeiramente a física, a química e a termodinâmica, acompanhadas pela matemática, que descobrem, ou redescobrem que os movimentos espontâneos da matéria não a conduzem à indiferenciação: em certas circunstâncias, tudo se passa como se a matéria fosse capaz de se auto-organizar”(Serva, 1992:27)
51
Mas será com as pesquisas de Jacques Monod, na investigação de uma cibernética
microscópica, que se desembocará numa vertente epistemológica revolucionária na
medida em que ela enfatizará o papel do acaso como marca inicial de uma nova teoria
evolucionista o que reitera e consagra a auto-organização, auto-poiesi, a ordem ou
complexidade pelo ruído.
Pela própria etimologia do nome, evidencia-se o abandono ao simples das abordagens
mutiladoras, no dizer de Morin e que, findam, por produzirem mais confusão (Morin,
1996); nesta era da Hipermodernidade, o real não se renderá ao “simplório
matemático”; de há muito a capacidade de cálculo, elevada à enésima pelos ábacos
eletrônicos, mostrou sua impotência ou, ao menos, sua inadequação em insistir dominar
o real com o qual, doravante, há que se dialogar.
A obra de Morin constituiu-se num grande esforço transdisciplinar entre ciência e
filosofia, num embricamento, no difícil mutualismo entre a fenomenologia, a dialética e
a teoria dos sistemas: em essência, é crença inabalável na capacidade libertária do ser
humano, que se fundamentaria no potencial de auto-organização dos organismos frente
a perturbações aleatórias; crença na sobrevivência pela transformação auto-
preservadora; “A organização não pode ser reduzida à ordem, embora comporte e
produza a ordem.” (Morin,1996: 73)
Passa-se a ver a ordem enquanto um fator dinâmico, interativo e que, portanto, escapa
do alcance do conservantismo, numa posição ideologicamente dicotômica do conceito
52
precedente de ordem: aqui, abrimos espaço para destacarmos um dos mais fortes
traços do transe paradigmático assinalado pela Teoria da Complexidade e que é passível
de constatação em parte nos seus autores. Mesmo em nossas limitações de iniciante
ousamos apontar uma laivo “neo-renascentista” de fé sublimada na humanidade: é
instigante como Ylia Prigogine, Prêmio Nobel de química, trabalhando a Teoria das
Estruturas Dissipativas, busca restabelecer a ligação, a “nova aliança” entre cultura
científica e cultura humanística, forçando a transposição de um espaço abissal que
separava o mundo da matéria, cientificamente superior pois exato, do mundo inexato
dos humanistas, da instabilidade e do indeterminismo agora, valorizados por essa
imensa brecha, transitará um diálogo aproximativo secularmente bloqueado.
É quando submetidos a intenso ruído (perturbações, erros), afirma-se na Complexidade,
que os sistemas complexos se recriam, se autocriam. Será Varella (Varella, 1983) que
designará por auto-poiesis a lógica funcional interna dos sistemas autoprodutores e
assinalará que, acima de todos os sistemas complexos, temos o homem enquanto
capacidade autônoma de conduzir a sua própria preservação e desenvolvimento e de,
portanto, criar a si próprio não importando quão adversos possam parecer os ruídos e
as estruturas por eles gerados.
Ainda enquanto defesa indireta da ímpar capacidade auto-poietica do “sistema
complexo homem”, aparece o conceito de even o ou acontecimento onde o Pensamento
Complexo, abandonando qualquer pretensão determinística, ressaltará o improvável, o
t
53
singular, o aleatório, ou seja, o essencialmente humano já que histórico, já que real e
que, até então, não encontrava espaço na ortodoxia das “ciências sérias” mas que,
sistemas complexos viabilizariam, processariam e superariam ao arrepio da
normatividade cartesiana, já que fenômenos únicos e irreversíveis, não faziam parte de
seu objeto de estudo: entender o irreversível e o único é buscar entender o homem
que, nesse sentido, é anticientífico por representar uma negação intrínseca à harmonia
da mecânica newtoniana.
Assim, numa certa medida, a Complexidade seria o esboço de uma ciência do devir, não
no sentido da ciência histórica tradicional, mas de uma ciência da evolução humana
enquanto sistema complexo em seu processo de enfrentamento e superação dos ruídos
ou dos eventos enfim, de perpetuação por autoconstrução, de criação de uma ordem
qualitativamente diferente. Será, retomando, Prigogine, na Física Quântica que, ao falar
de ordem por flutuação, de assimetria temporal, de evolução por bifurcações,
inaugurará o reino das turbulências, o domínio da instabilidade: bifurcação é o ponto
crítico a partir do qual um estado novo se faz possível e o diagrama dessas bifurcações
é a história desse sistema, de sistemas que se fazem marcados pela superação do
ruído; a partir daí, concluirá, o estado de um sistema não pode ser deduzido de sua
estrutura sendo que, sua única explicação, está na sua genética, na sua história.
Num outro sentido, a associação da denominação de sistemas complexos aos sistemas
de resposta não linear, ou seja, de respostas não proporcionais ao estímulo aplicado,
54
remetendo ao imprevisível, anulando o tradicional conforto da causalidade, a segurança
conferida pela solidez do empirismo, constituir-se-á na aceitação e na complicada
convivência com a incerteza já que assevera, em última instância, que a desordem é o
móvel para a construção da ordem, ou seja, um paradigma de paradoxos.
Nesse contexto nada geométrico de ordem e desordem, de sistema e ruídos, de história
e incerteza, a Complexidade contesta o reducionismo que afirmava a compreensão do
todo pela descrição das partes, já que, sistema, exprime o todo enquanto fenômeno,
enquanto unidade complexa, bem como interdependência entre o todo e as partes;
supera o holismo simplificador que avilta o complexo pela valorização do todo em
detrimento das partes; supera, enfim, o hierarquismo que, de forma semelhante, dá
supremacia ao todo, já que a complexidade enfatiza a existência infinita de sistemas
englobando sistemas, onde a partes também correspondem a interações entre unidades
complexas.
Há que se mencionar que, antes mesmo da abordagem da Complexidade, a Teoria dos
Sistemas antecipava de forma indireta, não apenas a integração entre as ciências, mas
também, aceitava a existência interna de um sistema em outro e a organicidade deles, o
que conduziu à idéia de sistema aberto enquanto um conjunto interdependente de
partes, em constante reciprocidade e aberto ao exterior num todo cinérgico voltado à
obtenção de objetivos pré-estabelecidos.Tais conceitos, por muito importantes tanto
55
para a compreensão das bases da Complexidade o seriam, muito mais, para o
entendimento das organizações complexas num mundo complexo.
Ainda que de forma canhestra e descosida, trouxemos o viés da Complexidade apenas
para o atendimento de nossas específicas necessidades o que, também significa, para a
subseqüente condução do discurso para a confluência com os estudos organizacionais
que é, insistimos, um dos últimos e resistentes redutos do “cartesianismo de resultados”
o que, conforme foi sendo pouco resultante, facilitou aos estudiosos o diálogo com a
“realidade organizacional” no sentido de sensibilizá-la para a Complexidade enquanto
não apenas um exotismo teórico, mas como uma abordagem revolucionária às práticas
organizacionais, sobretudo, quando se verifica a falência dos modelos incrementais,
gradualistas e, portanto, incapazes de encarar uma mudança descontínua e acelerada.
Falar da Complexidade e não mencionar a sua irmã siamesa a Teoria do Caos, se é
solução de continuidade a toda a construção da arquitetura científica contemporânea, é
também, em nosso caso, risco de um tratamento leviano mas irrecusável que, mesmo
justificado pelo nosso escopo, será sempre aviltante ante à importância do movimento.
Coube à Teoria do Caos como resultante de um denso e extenso processo de
desbravamento dos alicerces do método científico e da ortodoxia deste, entre muitos
novos postulados, inverter a noção de imprevisibilidade, conferindo-lhe um sentido
intrínseco e não mais a vendo como uma decorrência de nossas limitações
56
epistemológicas: a imprevisibilidade passa a ser aceita como tal, por si mesma; o acaso
puro, aquilo que não é aparentemente aleatório não estão mais à espera que
desenvolvamos competências para os sujeitarmos às normas, não serão mais filhos de
nossa incompetência científica.
Outro conceito que nasce com os estudos do Caos, é o de caos determinístico, o que
demonstra bem essa marca fronteiriça da teoria: é um esforço de superação do conceito
de um caos simultaneamente representativo de ordem, porque matematicamente
descritível, e de desordem, porque ainda impossível de determinação; se o atrator
fractal é o delimitador do espaço de possibilidades para a ocorrência de um fenômeno,
enquanto elas são as formas de um todo em movimento e não uma coleção de partes,
elas compõem uma compreensão qualitativa do fenômeno analisado; tais modelos tem
sido utilizados com freqüência nas aplicações financeiras, campo onde a ótica utilitarista
e os riscos concretos dispensam qualquer comentário sobre “modismos intelectuais”.
1.4 A chegada do paradigma da complexidade nos estudos organizacionais
Para podermos chegar ao muito novo, nunca é demais lembrar de onde partimos assim,
e voltando nosso foco aos estudos organizacionais, lembramos que foi Frederic Winslow
57
Taylor que fez a transposição “analogística” dos conceitos das ciências naturais para a
teoria das organizações: “A melhor administração é uma ciência, que repousa sobre os
fundamentos de leis, regras e princípios claramente definidos” (Taylor,apud
Freedman,1992).
Mas, foi uma realidade instável, arrítmica e imersa numa complexificação globalizante
que permitiu que a lógica pluralista da Complexidade se insinuasse como uma nova e
inusitada alternativa às velhas e congestionadas vias em que, teimosamente, insistíamos
não adotar:
“Parece que quanto mais nos tornamos receptivos às mudanças superficiais, mais cegos ficamos para o potencial de verdadeiras mudanças, mudanças de essência, de fundo”.(Bauer, 1999: 9).
Já em 1981, o sociólogo e estudioso das organizações Alberto Guerreiro Ramos
(Guerreiro Ramos,1992) profeticamente apontava as limitações da teoria organizacional
como uma espécie de antevisão das dificuldades que, até mesmo antes disso, atingiriam
as organizações:
“A teoria organizacional existente já não pode mais esconder o seu paroquialismo e ela é paroquial porque focaliza os temas organizacionais mais do ponto de vista de critérios inerentes a um tipo de sociedade em que o mercado desempenha um papel de padrão e força abrangentes e integrativos. Torna-se muda, quando desafiada por temas organizacionais comuns a todas as sociedades. Além disso, é paroquial porque se alimenta da fantasia da localização simples, isto é, da ignorância da interligação interdependência das coisas no universo; lida com as coisas como se as coisas estivessem confinadas em seções mecânicas do espaço e do tempo”.(Guerreiro Ramos, 1989: 198)
Um dos primeiros a perceber as potencialidades da utilização da Complexidade no
estudo das organizações foi Gareth Morgan (Gareth,1996) que propôs o uso das
imagens, no esforço do conhecimento das organizações, como de fluxo em
58
transformação, para o que se valeu do conceito de auto-poiese de Varella: a
organização, enquanto sistema autoprodutor, é parte de seu ambiente externo com o
qual interage dilatando os seus limites e alterando os seus traços de identidade; assim,
propugna a adoção de modelos circulares de interação no sentido de entender essas
relações da organização com o seu exterior, agora muito menos externo, pela utilização
da lógica da causalidade mútua; como o sistema se confunde, enquanto parte, com o
ambiente, autonomia e dependência se esvaziam de seu caráter antitético e a
complexidade assume o paradoxo da circularidade recursiva; na mesma direção, há que
se fazer menção a Maruyana (Maruyana in Bauer, 1999) quando, se referindo à
causalidade circular, supera a linearidade da noção de causa e feito no sentido de que
causas são retroalimentadas por efeitos, donde as conformações passam a ser sistemas
cujos produtos são necessários à sua própria produção.
Chamlat e Seguin-Bernard (Chamlat & Seguin-Bernard, 1987), acreditam que a adoção
da complexidade seria uma via de reedificação da teoria organizacional, classificando-a
em dois paradigmas: o funcionalista, que cuidaria da integração, do consenso e da
ordem e o crítico que trataria de mudança e desordem mas, sempre atentos, para as
noções de ambigüidade, incerteza que, definitivamente, acreditam eles, se impõem a
todo o fenômeno organizacional.
Em quase todos os quadrantes dos estudos organizacionais flexibilidade, criatividade,
vêm superando o simplismo mecanicista das antigas noções de eficiência e começam a
59
impor uma mentalidade organicista que, com bastante gradualismo, está ultrapassando
a pecha dos modismos inconseqüentes já que, enquanto enunciador de uma visão
científica de mundo, ele de muito extravasa os míopes limites dos fazedores de moda na
administração, ou seja, dos “consultores bem palestrantes” ainda que, num primeiro
instante, o Paradigma forneceu-lhes material de subsistência pela impactação gerada
pelos seus princípios.
Segundo Serva (Serva, 1992), apenas pelo foco auto-referencial é que, doravante, será
possível o entendimento das organizações em sua clausura organizacional, em sua
crescente complexidade.
A luta contra o anacronismo, nessa nova visão organizacional deve, mais do que aceitar,
provocar uma involuntária indeterminação no sistema; será, na fronteira do caos,
(Bauer,1999) que a organização produzirá, de um lado, o equilíbrio necessário à sua
rotina, de outro, o desequilíbrio vital à inovação; será a convivência espontânea com os
sistemas caóticos que, em confronto mortal com o planejamento e o controle, passarão
a determinar a sobrevida das organizações segundo essa nova ótica.
“As organizações tem necessidade de ordem e de desordem. Num universo onde os sistemas sofrem o aumento da desordem e tendem a desintegrar-se, a sua organização permite reprimir, captar e utilizar a desordem.” (Morin, 2001: 129)
E será, o mesmo Morin (Morin,1996) que acusará à burocracia, à obcecação de
controles, bloqueios e engarrafamentos, fenômenos parasitários e paralisantes da
dinâmica vital auto-poietica, justificadores da lógica da Complexidade pela sua
60
incondicional tolerância à desordem: conceitos, ainda hoje, de difícil penetração no
universo gerencial, onde a idéia de ordem está profunda e inconscientemente
entranhada no conceito de hierarquia e esta, ao de poder, gerando a dificuldade, na
práxis organizacional, de se pensar em hierarquia entrelaçada, acaso organizacional e
outros “paradoxos” da Complexidade que, mais do que provocar mudanças, têm
explicado as transformações ocorridas na essência das estruturas de poder
organizacionais que, rebeldes às antigas teorias, transformaram-se ao seu arrepio.
Morgan (Morgan, 1996), falando do princípio da mínima especificação crítica –
prescrevendo que se deve buscar o mínimo essencial para o desenvolvimento de
determinada organização – coloca a compreensão de que todo o controle, até o
aprendizado auto-organizante, é um ato político e a delegação é parte indissociável da
auto-poiese; e o poder, nessas condições, só pode existir enquanto derivação da
autoridade, ou seja, o poder delegado, consentido, o que, por sua vez, reabre sob uma
ótica renovada, a antiqüíssima questão da horizontalização e verticalização do poder nas
organizações.
Como traço emblemático das dificuldades gerenciais de aceitar essa realidade
complexificante, temos as políticas norteadoras dos departamentos de recursos
humanos, filhos preteridos da gestão, onde predominam, grosso modo, forças
padronizantes e despersonalizantes que reduzem diversidade e variedade,
normalmente, a fatores mercadológicos de divulgação de uma imagem “politicamente
61
correta” e que, enquanto variante, nos proibimos de prosseguir mas que não perde seu
valor indicativo para o tema.
Ainda Bauer (Bauer,1996) em sua “abordagem caótica”, traz uma interessante análise
de outro polêmico binômio, generalização X especialização que, desde os primórdios da
Revolução Industrial, tem tido um dos mais ortodoxos tratamentos afinal, “tudo é
especialização” ou, nem tanto: a partir da aceitação de que a auto-construção
organizacional assenta-se, também, na obtenção da variedade, da pluralidade
enquanto matérias-primas essenciais à flexibilidade, a presença da redundância surge
numa intensidade nunca antes admitida nos domínios da eficiência uma vez que, é ela
que a propicia: pelo treinamento de funcionários em tarefas que não as especificamente
suas, é que se constrói o potencial de enfrentamento do imprevisto; pela multiplicidade
de indivíduos e visões diferentes de situações organizacionais complexas é que se
armazenam as soluções inovadoras; em tais casos, a especialização estrita é fator de
esterilização dos potenciais de reação da organização ao novo, fazendo com que as
partes sejam, no máximo, somadas e esvaziando-se toda a capacidade sinérgica. Aliás,
essa multifuncionalidade é, também, outro dos fatores mais subterrâneos e menos
confessados de resistência das estruturas conservadoras de poder.
A título de comentário, quase compulsivo do acima afirmado e já que é muito difícil
silenciar o educador, lembramos o quão resistente é a noção de que o mundo é,
apenas, dos grandes especialistas: emblematicamente encontramos, nas estruturas
62
curriculares do ensino superior de administração, um grande número de instituições
que, ao arrepio mesmo da orientação dada pelo Conselho Federal de Administração
para a reforma curricular de 1995, se valendo da “cultura do especialista-mecanicista”
subjacente, criam especializações em seus programas de graduação, para uma faixa
etária e objetivos pedagógicos discutíveis, para vender modernidade; e, do outro lado,
Bauer (Bauer,1999), ao falar da organização auto-poietica, frisa a importância dela
investir em estoques de conhecimentos genéricos e habilidades diversificadas.
Também de caráter desconcertante dentro dos ajustes provocados pela Complexidade
nos estudos organizacionais, é a afirmação de que ambientes e sistemas fazem-se
reciprocamente. Tomando por outro ângulo, a Teoria da Causalidade Circular, retira do
ambiente o papel hegemônico e determinístico de transformação que, por sua vez, se
torna um prolongamento externo da organização; assim, quem geraria a organização
seria a própria identidade dela que, por sua vez, só poderia ser conservada nesse
mutualismo dinâmico; tal dinamismo que, doravante, gera um impasse novo uma vez
que identidade sempre se constituiu em mecanismo imobilizante, já que ligada a um
passado de êxitos, presa “ao que deu certo”. Tal revalorização da identidade reforça, a
fortiori, por sua vez, a importância que a cultura organizacional readquire no novo
"paradigma" ao reiterar que o que a organização necessita para se autoconstruir está
nela mesma, está no seu conhecimento de si e que é produto de regularidades
observadas pela experimentação de forma cumulativa e validada com as estruturas de
referência consagradas e cujas representações do ambiente externo lhe conferem
63
significado; nesse difícil e sutil mecanismo de contrapesos entre tradição e renovação e
que aparece como outro inicial paradoxo, reside o potencial de sobrevivência da maior
parte das modernas organizações que balançam, perigosamente, entre as ameaças de
reengenharias modernizantes e descacterizadoras de suas culturas e o imobilismo
comatoso do tradicionalismo que vitimou muitas corporações sólidas.
Ainda que os últimos tempos tenham sido marcados por muitas iniciativas e estudos nas
áreas da aprendizagem e, de forma correlata, da cultura da organização e de forma
significativa nas iniciativas das universidades corporativas, nos perguntamos o quanto
tais ações poderiam estar marcadas pelos produtos da consciência da Complexidade e o
quanto, num espaço muito menos audacioso, haja vista conteúdos e grades curriculares
das referidas universidades corporativas, não seriam programas mais sofisticados de
treinamento e que não facilitariam o "desejado" movimento auto-renovador nos quais a
verticalidade da ação impediria com que as ondas da realidade interagissem com o
maior número de observadores (Wheatley, 1992); lembrando que, se falamos de cultura
organizacional, inferimos o processo de conhecimento enquanto resultante do trânsito
coletivo dos dados da organização o que, ante os novos recursos, é um de nossos
focos:
“Para que um sistema funcione, as informações não são suficientes, é necessário que elas levem uma sensação compartilhada. A consciência da finalidade é indispensável, tanto para elementos de base como sobre a totalidade”.(Genelot, 1998: 183).
Nunca é demais lembrar que a pouca linearidade destes tópicos, de descosida
apresentação da Complexidade, foi resultante não apenas do atendimento às nossas
64
necessidades específicas no trabalho, tanto quanto, é forçoso declarar, da própria
dimensão do paradigma para a qual não tivemos nem a pretensão, nem a competência
de uma síntese mais coesa e coerente, fazendo-nos, o mais possível, próximos de
nossos guias na “letra da lei” o que, no entanto, não impediu de incentivar um certo
arrojo:
“Vai-se tentar aqui um discurso multidimensional não totalitário, teórico, mas não doutrinal (a doutrina é teoria fechada, auto-suficiente, logo insuficiente) aberto para a incerteza e a ultrapassagem; não ideal/idealista, sabendo que a coisa nunca será encerrada no conceito, e que o mundo nunca será aprisionado no discurso”.(Morin, 2001: 73).
65
CAPÍTULO 2- VIRTUALIDADE, COMPLEXIDADE E COMUNICAÇÃO
ORGANIZACIONAL:
2.1 O Universo virtual e a complexidade
Para podermos dar conta da tarefa de pensar a comunicação feita através dos
multimeios e das conseqüências disto, há que buscarmos subsídios para, ainda que
sempre de forma ampla, compreender as novas realidades criadas pela convivência
simbiótica com as TCI.
Falar em universo virtual é uma outra forma hiperbólica e didaticamente necessária de
se tratar de um aspecto deste momento histórico que já se chamou de Segunda
Revolução Industrial e que seria marcada pelo advento das TCI e de seu espraiamento a
todas as esferas da vida humana o que, também, permitiria falarmos em uma
"sociedade informacional"; sociedade onde tanto a vida pública quanto a vida privada
estariam cobertas por alguma forma de inteligência artificial (Schaff, 1996) e onde a
totalidade de relações sociais que formam os sistemas de vida foram atingidas e
modificadas.
A radicalidade dessas transformações é tão aguda que enseja reflexões outrora
passíveis de serem taxadas de insanas mas, agora, merecedoras de atenção: avalia-se a
possibilidade do aparecimento de uma sociedade sem a classe trabalhadora pela plena
66
automação da linha de produção o que demoliria quase que a totalidade das teorias
políticas remanescentes dos escombros da modernidade gerando reações que, por si só,
já denotariam uma das singularidades deste tempo ímpar:
"Contudo, isto se deve exclusivamente às características conservadoras do nosso pensamento, quando não - para piorar as coisas - ao mecanismo da cognitive dissonance, um mecanismo que torna a mente humana impermeável às verdades novas nos casos de conflito entre a ideologia que se defendeu até aqui e os fatos que a refutam, conflito que não pode ser resolvido recorrendo-se a argumentos racionais”.(Schaff, 1996: 42, 43)
À citada postura de negação apriorística é sempre necessário se colocar sua antítese
hoje mais freqüente e não menos danosa, a "tirania do novo", tão paralizante e nociva
quanto a anterior já que ela obriga a mudanças de origem exógena à organização e à
própria existência privada, devendo ser assinalada como outra marca da nova história
também ela de efeitos pouco avaliados pela sua extensão, custos materiais e humanos.
Da mesma forma e voltando-nos um pouco mais para o nosso foco, mas ainda tratando
de grandes traços da questão, lembraríamos que essa reformulação social criada pela
inteligência artificial gerou uma nova estrutura social pela posse da informação no seu
sentido lato, que não deixa de ser o novo meio de produção e, portanto, fonte de
poder: neste ponto, parece que a sensibilidade tanto da academia, quanto do mercado,
já percebeu aí, de há muito, o núcleo de uma massa crítica de essencial importância,
conferindo-lhe atenção e cuidado mas, da mesma forma, é interessante, ainda que
inoportuno, notar como a "questão ideológica" dessa nova arrumação social limita e
compromete as análises no que se referem ao universo organizacional.
67
Reações, de toda a origem a essa "nova ordem" devem ser entendidas quando se
percebe que conceitos, milenarmente humanos e estáveis, foram subvertidos; as noções
de tempo e espaço, parâmetros que nortearam a essência do devir humano, que
tiranizaram e desafiaram milênios de trabalho passam, quase que por um estranho
encantamento, a ter outras dimensões e a determinarem o ser humano também de
forma diversa:
“Recortam-se o espaço-tempo clássico apenas aqui e ali, escapando a seus lugares comuns realistas: ubiqüidade, simultaneidade, distribuição irradiada ou massivamente paralela. A virtualização submete a narrativa clássica a uma prova rude: unidade de tempo sem unidade de lugar... A sincronização substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de tempo. Mas, novamente, nem por isso o virtual é imaginário" (Morin, 1996: 21)
Nesse mundo virtualizado se opera, bem mais do que a decantada e discutível
globalização anunciada nos anos sessenta, o advento de uma cultura que migra pela
rede e que se faz total mas não-presente, que está conosco mas está muito longe ou
nem se sabendo onde: tudo isso é minimamente assustador para nós, herdeiros dos
horrores de um já longínquo Holocausto, submetidos ao contato com jovens que
conversam numa língua que não é a sua , com outros jovens que, também, não falam
em sua língua nativa e que, tanto uns quanto outros, desconhecem o espaço geográfico
não mais tão significativo, pois relativizado, onde está seu interlocutor. Assim, nasceu,
em nós "mais velhos", a necessidade de desenvolvermos uma habilidade intelectual
presente nas novas gerações, a de intercambiar as diferenças, de fazê-las dialogar
apesar de antiqüíssimas discrepâncias e antagonismos
(temporais/espaciais/ideológicos...), de se compor não mais um novo todo, uma nova
68
unidade, mas uma infinidade de todos tão diversificados quanto, talvez, cada indivíduo
que se perceba como tal:
“A multiplicação contemporânea dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo: em vez de seguirmos linhas de errância e de migração dentro de uma extensão dada, saltamos de uma rede a outra, de um sistema de proximidade ao seguinte. Os espaços se metamorfoseiam e se bifurcam a nossos pés, forçando-nos à heterogênese."(Morin, 1996: 23)
Se os poucos acima mencionados corolários desse universo virtual já seriam mais que
suficientes para exaurirem as possibilidades epistemológicas de outros paradigmas
menos flexíveis que o da Complexidade solicitamos, ainda uma vez mais, espaço para
uma pequena, mas emblemática reflexão a respeito desse ser humano nascido sob o
signo informacional e designado por geração y. Tais indivíduos seriam marcados por
uma completa integração com a inteligência artificial, desde o processo de socialização
primária, através de jogos e vídeos, até à própria alfabetização. Assim, quando falamos
em organizações complexas, quando nos debruçamos sobre as possibilidades da
comunicação, não há como deixarmos de lado as questões concernentes aos agentes
dos processos.
Apontaríamos uma única questão sobre essa geração y suficiente para abrir, ao menos,
uma grande linha de conjecturas: será que essa íntima e intensa convivência com o
texto informacional, o hipertexto, não estaria, ou mesmo já teria, provocado o
nascimento de, quiçá, uma "lógica nova" ou, ao menos, uma corruptela das antigas
condutas de pensamento e, por conseqüência, expressão? O texto linear antigo “, da
esquerda para a direita, de cima para baixo, obrigava a um tipo de raciocínio e de sua
69
adequada comunicação. Agora, a relação do leitor com o hipertexto é fragmentada, é
não linear pelas possibilidades inigualavelmente amplas (mas previamente limitadas) de
interação com o mesmo; essa não-linearidade nos remete à essência mesma do modo
de ser do entendimento, surge a possibilidade de uma nova hermenêutica, sua
navegação caleidoscópica e instantânea permitiria uma visão do todo mas do todo de
cada um ou sempre do todo de seu desenhista? Essa coexistência teórica do macro e do
micro no hipertexto, essa polifonia das interfaces, sua multiplicidade de encaixes das
escalas faz ressaltar sua característica fractal, uma estrutura reticular que enseja a
construção de redes dentro de redes ad infinitum em tese sem qualquer centralização.
Se como quer Lévy (Lévy, 1998) o hipertexto está repleto de condições que possibilitam
a valorização da inconsciência; se Vannevar Bush (criador do analisador Diferencial,
1930) (Bairon,1995: 138) partia do pressuposto de que o raciocínio humano não
funciona por hierarquias de palavras classificadas em organogramas conceituais mas por
variadas associações que percorreriam uma complexa rede de trilhas desconexas de
representações, não estaria o hipertexto, a hipermídia ou multimídia interativa, como se
queira, provocando uma revolução subterrânea e silenciosamente expressiva no modo
de como as pessoas estariam se comunicando ou deixando de conseguí-lo? Não estaria
a artificialidade da leitura, que sempre foi um fator de dificultação da comunicação entre
os mais e os menos letrados, ganhando conotações efetivas de complexidade? Ainda
uma vez, necessitaríamos de um viés da qualidade e da flexibilidade da Teoria do Caos
para podermos encaminhar tais perguntas a um "horizonte equacionador" e que foge
aos nossos limites aqui.
70
E finalizando, dentro das limitações propostas, e pela magnitude do quadro compósito e
inextricável virtualização/complexidade, trazemos a questão profundamente complexa,
pois ideológica e apaixonante, das potencialidades redentoras/apocalípticas das atuais
técnicas de comunicação que, se para alguns, poderiam significar uma redefinição
antropológica da humanidade ao permitir que, nações inteiras, se integrassem aos
coletivos inteligentes a partir da queda completa dos mecanismos de restrição e acesso
às informações e à comunicação; considerando, por conseqüência, que a rapidez dessa
transformação teria enfraquecido, pela burla inconsciente, a própria essência do poder
estatal, o controle e, portanto, estabelecendo a semente de uma possível nova ordem
mundial. Para outra linha de interpretações não menos possíveis mas, certamente,
menos estimulante pelo seu amargo conservadorismo pessimista, surgem perguntas
sobre as limitações e conseqüências da exclusão digital; aparecem notícias sobre as
muito sofisticadas e eficientes formas de invasão e controle da privacidade; retoma-se a
desconfiança do que se disponibiliza na rede, de quem disponibiliza e para que o faz. E,
quando os Estados Unidos reconhecem assustados que um grupo de jovens , com PCs
quase domésticos e parcos, usaram a rede para operar o desastre de 11 de setembro,
quer seja, quer não seja verdadeiro, a partir daí, a rede não mais será igual pois, longe
do que pensávamos, já era muito diferente e, complexificante e uma nova ordem
poderá surgir do apocalipse ou ele mesmo ser a nova ordem.
71
E é nesse muito mais amplo e inseguro panorama que se deve, não apenas, repensar a
trajetória das organizações mas de sua essencial matéria-prima, o ser humano, agora
muito mais do que renovado, transmutado e transmutador.
2.2 As organizações no mundo complexo: o caos e o êxtase
gerenciais
A chegada da visão da Complexidade aos estudos organizacionais, como vimos em 1.4,
foi a inevitável conseqüência da necessidade de se encarar um mercado onde as antigas
fórmulas, de há muito, ou tinham se mostrado ineficazes vitimando os míopes ou os
conservadores (se é que há diferenças entre eles), ou já vinham sendo substituídas por
"soluções reformadas" sem que se tivesse alguma sinalização lógica inovadora que as
pudesse aglutinar em torno de um eixo teórico mínimo: essa é a sensação (palavra
assumidamente pouco científica na fase pré-complexidade) que fica para o estudante
que, num primeiro momento, se debruça sobre a história recente da administração.
Historicamente, a gênese dos grandes paradigmas teóricos acontece nos limites
extremos de crises epistemológicas e, nesses estertores caóticos de vazios lógicos, a
chegada de uma nova e ansiadamente eficaz referência, gera todo o encantamento
peculiar às soluções salvacionistas: as ciências das organizações, por menos que
possam estar ligadas às práticas administrativas, tem um dever de produtividade quase
singular no universo das ciências sociais já que tem, diante delas, acionistas, balanços e
72
resultados a encarar. Agora, ultrapassada a fase onde uma saraivada de modismos
efêmeros assinalava a exaustão do antigo, assistimos à outra que parece ainda não
encerrada de encantamento pelo novo; de um êxtase que, por enquanto, não parece
vencer os limites da academia, dos escritos científicos e, se tanto, do luzir fugaz dos
consultores e se estabelecer como uma diretriz concreta à práxis gerencial enquanto
encaminhamento para o sucesso nos negócios: medo dos riscos de se assumir a radical
inovação e abandonar as "fórmulas de sucesso?”.
Dificuldades no diálogo entre a academia e o mercado, entre a vertigem das idéias e a
necessidade de chão para a práxis diária? Cremos que as duas e ainda outras mais
razões:
"Muitas das melhores idéias fracassaram porque as organizações tendiam a aplicá-las como uma camada de tinta por cima da "forma tradicional de fazer as coisas"- sem conseguir provocar os efeitos transformadores desejados. O relacionamento superficial com essas idéias e seu subseqüente "fracasso" provocaram cinismo entre os executivos." (Pascale,2004: 40)
Será o mesmo supracitado Pascal que, reforçando nossas afirmações sobre as crises
paradigmáticas que ainda comprometem as mudanças organizacionais, tratando das
"resistências às mudanças", assinala como uma das causas essenciais as permanências
da "engenharia social", herdeira da lógica mecanicista newtoniana, contaminando a
teoria microeconômica, desconhecem que os sistemas sociais e, portanto, as
organizações. São fenômenos de complexidade organizada, que não se submetem à
verticalidade da antigas ciências da natureza; sendo as regras que definem a vida
princípios de baixo para cima, demonstrativos da reciprocidade dos agentes, da
73
autonomia dos indivíduos ante o poder padronizador da sociedade. Daí, o efeito
devastador da imprevisibilidade (sobre o antigo paradigma) e o de solução miraculosa
de seu antípoda (o novo paradigma) (Pascal, 2004).
Não é de se estranhar a perplexidade inerente a sistemas que "se auto-organizam”,
que conjugam ordem e desordem, onde a pouca possibilidade de decisão pode ser um
dado freqüente e, onde a "saída lógica" pode estar na coexistência de lógicas de
natureza diferente, a dialogicidade definida por Morin e citado por Genelot como fulcro
de uma das mais essenciais dificuldades gerenciais contemporâneas: a coexistência da
lógica do lucro com a lógica ambiental; da lógica dos enxugamentos com a empresa
cidadã, da lógica das estratégias de venda com a lógica dos direitos do consumidor.
Lógicas onde a velha linearidade parece que se perdeu na sinuosidade dos
descaminhos, na circularidade e recursividade características do hipertexto que, mesmo
que de forma inconsciente, é uma fiel e, provavelmente revolucionária, representação
das novas realidades que, ao menos num primeiro instante, parece a melhor forma de
representá-las.
Dessa forma, evidencia-se que a obsessão pelo planejamento e pelo controle (núcleos
ideológicos tradicionais da ação gerencial e que se projetam na racionalidade
instrumental que tem marcado profundamente as práticas e as teorias administrativas),
ficou mortalmente comprometida por uma concepção que nos leva perto de concluir a
pouca ou, quiçá, nenhuma gerenciabilidade das realidades complexas. É esse ponto que
74
leva a assinalar a passagem de uma visão planificadora da estratégia gerencial para
uma visão da pró condução gerencial onde a complexidade, passando a ser aceita, faz
com que a condução das mudanças torne-se o processo de desenvolvimento da
autonomia consciente, de antecipação de um futuro almejado e construído, através de
práticas mais flexíveis e interativas que, inúmeras vezes, ficaram, apenas, como letra
morta nos discursos tencocrático-integracionistas e cripto-centralizadores das
corporações. Agora, o gerenciamento estratégico, reunindo estratégia e operações,
deixa aos operadores o gerenciamento do cotidiano e suas micro-decisões; estratégia e
operações se imbricam num mutualismo co-evolutivo e numa realidade que aceita a
incerteza não como anomalia e onde a organização deve ser preparada para antecipar
as mudanças numa reatividade estratégica lastreada num sólido conhecimento sobre os
valores e as vocações da organização (Genelot, 1998).
Sem dúvida e muito lentamente, começa a ser notado esse movimento centrípeta do
poder nas organizações, pelas necessidades ditadas pelo mercado, de um intenso
diálogo entre os centros e as periferias das organizações: aqui e ali encontramos fatos
comprobatórios desse fenômeno que desgasta os papéis, as resistências e a significação
mesmas das antigas elites enquanto núcleo decisório por excelência e, sobretudo, de
um movimento pendular destas entre a perplexidade e o êxtase ante o
desconcertantemente inusitado: há que se aceitar que o sucesso organizacional
depende de lideranças situacionais, de focos transitórios de residência da autoridade;
que a sobrevivência repousa no construir de uma consciência estratégica que exige a
75
maior riqueza e variedade possíveis de pontos de vista para se obter a suficiente
abertura prospectiva capaz de abarcar a intrincada sutileza das variáveis e, a partir
delas, formular cenários.
Fugir de tais verdades é nos condenar à ingovernabilidade, é, doravante, o risco de
descontrole completo dos sistemas; é a insistência burra em querer rotinizar o
imprevisível. É querer se pensar as organizações como organismos ou completamente
fechados e imunes ao ambiente ou completamente a ele submetidas: na teoria da
autopoiesis, Maturana e Varela apresentam as organizações como seres vivos, auto-
referentes e autônomos que, em uma relação sistêmica e mutua se geram com o
ambiente cuja meta final é sua própria perpetuação (Maturana e Varela, 1995). Será o
perigo de não se conseguir entender que o caráter das mudanças de hoje nos impõe
um planejamento mutilado ou, melhor dizendo, renovado, onde as alterações deverão
ser feitas antes de termos condições de apreendermos seu total sentido e, daí, onde o
risco será uma inevitável variável constante:
"Não há um modelo único como pré-condição para a eficácia da mudança. O êxito depende menos da coerência de um modelo e mais da simultaneidade de perspectivas. Portanto, ser eficaz não é escravizar-se a um modelo, e sim construir na crítica e na experiência das variações”.(Motta, 1999: XVII)
Passar a ver as organizações como seres vivos na sua nova e libertária condição, tentar
formas heterodoxas de se buscar modelos de sistematização para a compreensão das
estruturas organizacionais como, por exemplo, o uso de metáforas magistralmente feito
por alguns estudiosos e que, de uma outra forma, demonstra a inequívoca necessidade
de revisão completa e visceral não apenas dos conceitos, mas das formas de expressão
76
da complexidade real: "o uso de metáforas implica um modo de pensar e uma forma
de ver que permeia a maneira pela qual entendemos nosso mundo em geral"
(Morgan,1996: 16). E será o referido Morgan que, de forma magistral mostrará que tais
metáforas (até há muito pouco tempo vistas como formas pouco sérias de tratamento)
nos permitirão uma compreensão melhor da realidade ainda que, doravante, sempre de
forma incompleta e enviesada.
Desse modo metafórico de se enxergar, a visão mecanicista da organização-máquina
revela as relações organizacionais focadas entre objetivos, estruturas e eficiência, com
unidade verticalizada de comando, com necessária especialização e racionalização do
trabalho no encalço dos objetivos traçados de tal modo que ambiente, relações
interpessoais e interesses pessoais são preteridos valorizando, quase que
exclusivamente, o ambiente externo. Tal mecanicidade, hora destruída pela realidade de
uma dinâmica complexa não linear, que confundia complicado com complexo, baseava-
se no pressuposto de que as organizações poderiam ser entendidas em suas parte:
agora, entendidas como organismos vivos, as organizações são aceitas como complexos
de mutualidades incessantes que, atuando sobre o ambiente externo, provocam
alterações num contínuo de equilibração e desequilibração despedindo a teoria e a
práxis organizacionais do universo de tranqüilidade e de segurança do controle e da
previsibilidade e onde os conceitos de lucro e resultados perderam algo do seu caráter
de sagrada intocabilidade: haja vista, enquanto indicador emblemático comparativo, a
enorme valorização que ganhou a aprendizagem organizacional e que demonstra a
77
aceitação implícita dessa nova concepção onde os agentes, vivos e não peças, devem
ser incentivados à liberdade iluminada por aquilo que apreenderam na construção da
auto-organização que, insistimos, essência vital das organizações é corolário da
capacidade de aprender e de provocar a aprendizagem da organização e determinante
de sua sobrevivência; apreender que, em síntese, é capacidade de se transformar pelo
apreendido e de ser agente de transformação: essa "empresa que aprende" não pode
ser entendida de forma mecanicista e fragmentada uma vez, que tal abordagem,
comprometeria a essência mesma do processo de aprendizagem que pressupõe
organicidade, recursividade e flexibilidade constantes; que obriga à aceitação da
ambigüidade na definição de tarefas, nas comunicações abertas e constantes, na
multiplicidade de procedimentos e na descentralização de controles; tais organizações
desafiam os mais consumados critérios de hierarquização já que sistemas englobando
sistemas que englobam sistemas só podem ser vistos por óticas semelhantes em
abertura e flexibilidade à da Teoria Complexidade que pressupõe uma infindável teia de
relacionamentos e recorrências, onde os “fractais não são uma coleção de partes: eles
são as formas do todo em movimento” (Bauer,1999: 111). A impossibilidade de se
utilizar equações de natureza linear, ou seja, a impossibilidade de determinação, fez
com que a Teoria do Caos, graças às possibilidades dos computadores e sua
desconcertante capacidade de processamento, aceitasse sucessivas combinações de
resultados possíveis: assim surge o atrator fractal enquanto a delimitação de um espaço
de possibilidades para um referido fenômeno (Bauer, 110).
78
Cremos ser cabível e útil relembrar que a crise do paradigma cartesiano, estendida aos
estudos organizacionais, teve o condão de lembrar sua condição de ciências sociais bem
como, pelo desvendar de horizontes muito mais amplos, ensejar a recuperação de áreas
de estudo que, ou por pouca adaptação aos modelos matemáticos, ou por quaisquer
outros preconceitos epistemológicos, se encontravam preteridas. Assim o foi com a
antropologia e alguns de seus corolários como o dos estudos da cultura organizacional
que, nessa nova dimensão da organização complexa, ganham importância inequívoca:
"A Antropologia das Organizações para a qual convidamos cada um a contribuir é uma Antropologia Adisciplinar. Ela quer ser uma síntese dos conhecimentos fundamentais que temos sobre a humanidade ou, para falar como Marcel Mauss, ela remete à "totalidade das ciências que consideram o homem como ser vivo, consciente e sociável"(1968,p.285). Uma tal Antropologia repousa, de um lado, sobre certa abertura disciplinar e, de outro, sobre o retorno de dimensões centrais freqüentemente esquecidas pelo mundo da gestão." (Chanlat, 2000: 63)
Nessa nova dimensão de se ver as organizações, aparece um novo conjunto de
conceitos que constituem a linha de frente das tentativas de entender as relações entre
os ambientes simbólicos das organizações e os ambientes sociais que lhes são externos,
ou seja, de buscar o entendimento da completude organizacional. Assim são os
conceitos de cultura de Davos e cultura de negócios: a primeira (criação de Peter Berger
e Samuel Huntington), seria um paralelismo do processo de globalização econômico
difundindo valores, lógicas gerenciais e modos de se fazerem os negócios que são
operados e contaminam as elites; a cultura de negócios, complementar a de Davos
pode ser entendida como um a série de fluxos culturais - imagens, valores, símbolos e
significados - que permeiam o universo das organizações globalizadas e que se
fundamentaria numa "lógica pragmática" na qual independe a origem, o agente ou o
79
tipo do conhecimento, aparecendo uma libertária multidisciplinaridade mas que, num
eterno e muito compreensível retorno, na busca da racionalidade, reforça a tentativa de
representação numérica da realidade e, até por isso, demonstra o inusitado de nosso
tempo (Barbosa, 2001).
Nessa mesma linha de se ver a organização orgânica, descentralizada, auto-construível,
a Escola Cultural (Mintzberg, 2000: 194), bastante sintonizada com as concepções
expostas, centra sua concepção de estratégia sobre a importância da cultura da
organização enquanto o fator de junção de um conjunto de indivíduos numa entidade
integrada e tanto mais integrada quanto mais descentralizado for o poder. Assim, nesse
viés, a estratégia seria um processo ancorado na força social da cultura que será a
responsável pela estabilidade estratégica: cultura entendida enquanto o que é único a
respeito de uma maneira pela qual uma organização faz todas as coisas e que a
diferencia das outras. Se tal concepção foi o "segredo" tão grandemente valorizado das
empresas japonesas dos anos oitenta, tais concepções ficavam limitadas pelos não tão
amplos horizontes da motivação. O que nos interessa, nesta nossa jornada de
rastreamento dos modos de tratar a complexidade na administração como forma de
gerir os tempos da hipermodernidade, é buscar os sinais pelos quais, mesmo que com
outros nomes, o novo foi sendo inserido no universo administrativo. Assim, ainda
segundo Mintzberg, a grande arrancada da escola cultural de administração estratégica
aconteceria pela entrada da escola de aprendizado que defende que as estratégias
80
emergem quando as pessoas, individualmente ou em grupo, aprendem a respeito de
uma situação tanto quanto a capacidade de sua organização de lidar com ela.
De qualquer maneira, importa essa valorização de um aprendizado organizacional
predominantemente coletivo, compartilhado. Aqui entram os pensadores da
complexidade acrescentando a pedra de toque diferenciadora ao conferir à importância
da cultura um fator escamoteado e ideologicamente antagônico, a liberdade essencial
do grupo para construir uma estratégia de mudança, não de manutenção e nunca de
conservantismo, onde apareceria a concepção (muito mais ampla) de Lévy dd novo
espaço antropológico o espaço do saber criado pela renovação do laço social por
intermédio do conhecimento e o da inteligência coletiva propriamente dita:
"A capacidade de formar e reformar rapidamente coletivos inteligentes irá se tornar a arma decisiva dos núcleos regionais de conhecimentos específicos (savoir-faire) em competição em um espaço econômico mundializado... que se dará o surgimento e a redefinição de identidades definidas. "Lévy, 1998: 22)
Em igual proporção, a História, componente vital de identidade dos seres humanos e de
seus grupos ficava, nas organizações, confinada a uma tarefa sepulcral de fazer o relato
dos maiores feitos e seus reverenciáveis protagonistas, numa dimensão negadora da
própria historicidade enquanto oposição passado-presente socialmente construída e
consciente disso. O tempo dos gestores, impregnado de imediatismo e com horizontes
míopes fazia da memória uma espécie de folclore de hapy hour e freio da inovação.
Hoje, graças à valorização da cultura organizacional enquanto um dos fatores de
catalisação da organização auto-poietica que pressupõe uma auto-referência enquanto
sistema de referência, que necessita de uma identidade fundamentada numa ética,
81
aparece outra recuperação emblemática pois recoloca, pela sua revalorização, o homem
como fim e não como instrumento, fazendo com que, responsabilidade social, deixe de
ser móvel promocional e se torne em obrigatoriedade indiscutível no conjunto dos itens
da missão e num passado alavancador da mudança enquanto lembrança do potencial
realizador do grupo e não mais como realidade a ser conservada. Por fim, numa
abordagem mais ampla e tradicional, constata-se que a natureza mesma destes nossos
tempos reforça o princípio de que os sistemas humanos só poderão ser entendidos nos
limites de suas histórias.
Gerir a mudança surpreendente é abrir espaço a atitudes tradicionalmente proibidas nas
esferas da gestão séria, é admitir o sonho e o imaginário, a emoção, a criatividade e o
sentimento como parceiros de uma ordem-desordem, eles que, na medula do
pensamento conservador, eram veículos da revolução, da subversão eram, no mínimo,
demonstrações feminino-pueris que deveriam ficar circunscritas aos limites das
confraternizações de final de ano, das despedidas e momentos dramáticos e que, em
hipótese alguma, teriam assento nos níveis estratégicos da empresa que, no limite da
tolerância do chamado de sério, seriam aceitas nas oficinas de criação dos
departamentos de propaganda ou nos momentos de relaxamento dos treinamentos. E,
nessa nova perspectiva, aparece a criatividade enquanto pré-condição a outra qualidade
heterodoxa na organização tradicional, a liberdade e, ambas, essenciais à sobrevivência
da organização que aceita a imprevisibilidade e a desordem bem como sabe que todos
os processos de criação da ordem são, também, de criação da desordem:
82
"A liberdade é um desenvolvimento da aptidão auto-organizacional... A inventividade, a criatividade, a liberdade deixam de ser excluídas do campo da ciência; deixam de ser atribuídas a um deus ex machina e até ao deus Acaso.(Morin,1996: 304, 305) ,
A instabilidade e o desequilíbrio, passando a ser aceitos como variáveis constantes,
obrigam as organizações a se acostumarem com a precariedade, com o efêmero e o
ambíguo; fazem com que esse distanciamento ininterrupto entre empresas e mercado
obriguem às primeiras a aceitarem que a sobrevivência decorrerá de sua capacidade de
ser, também, instáveis sem que tal característica, ora benigna, gere medo, conflito e
tudo aquilo que possa destruir outro capital revalorizado pelo "mundo instável", a
solidariedade e a unidade que devem ser fatores determinantes da capacidade de
reação da organização submetida, que está, à imprevisibilidade tal como acontece aos
fenômenos caóticos no mundo físico já que a matéria-prima com que se trabalha e que
opera, é a mais instável, é a mais sujeita à volatilidade, é o ser humano. Faz-se
obrigatório que a cultura da organização converta a instabilidade e os atributos ao seu
enfrentamento (o arbítrio, a criatividade, a agressividade próativa, aprendizagem
constante pela experiência e a sua incorporação estrutural, diálogo franco, alta
diversidade, compartilhamento de visões, equilíbrio de poder, flexibilidade hierárquica,
coragem para ser livre), em dados inerentes a uma práxis que conduza à auto-
organização, fazendo com que os indivíduos se acostumem com o caos e se incomodem
com a ordem:
"É na” fronteira do caos “, que uma organização pode simultaneamente produzir a rotina necessária à emergência da instabilidade necessária à condução eficiente de suas atividades para a mudança”.(Bauer, 1999: 175)
83
Segundo a auto-poiesis tudo o que a organização necessita para se auto-organizar já
nela deve estar contido, o que nos faz retornar à questão do conhecimento
organizacional enquanto produto de sua própria cultura, um constructo feito a partir das
regularidades assinaladas por experiências, num processo de sedimentação cumulativa
e referendado pelas estruturas cristalizadas de referência; tais acervos compõem
representações externas que conferem significação coletiva à organização enquanto,
também, uma ação coletiva e criativa da própria realidade na qual jamais se poderá
olvidar a dimensão de poder:
"A cultura organizacional é concebida como um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que em sua capacidade de ordenar atribuir significações, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação." (Fleury, 1982: 22)
Tal visão compartilhada permitirá a definição de problemas na medida em que de um
conhecimento concreto e não abstrato e onde a informação tenha, necessariamente,
sentido interno e externo ao sistema: será a circulação compartilhada dos dados pela
organização que os transformará em informação pela ação indispensável da linguagem
enquanto fator óbvio do mutualismo o que, permitindo a autodescrição (identidade)
cria, espontaneamente, a auto-poiesis. Essa é uma das razões primordiais pelas quais
nos propusemos a estudar os efeitos potencialmente autopoieticos das TCI nas
organizações enquanto poderosíssimas ferramentas de geração de informações, de
transformação e alcance de novas linguagens (Bauer, 1999).
84
2.3 A comunicação organizacional em sua medularidade estratégica
Lembrada a importância devida à comunicação não apenas no contexto das
organizações mas, por correspondência necessária, no contexto de nosso estudo,
convém nos determos sobre ela o suficiente para gerarmos fundamentação às
necessidades de encaminhamento do nosso estudo de caso, tendo sempre em vista
essa dimensão da complexidade que confere às comunicações superlatividades novas
que derivam da importância que elas tem enquanto um dos principais fatores de
catalisação da organização autopoietica já que interativamente.
"É a comunicação que ocorre dentro da organização e a comunicação entre ela e seu ambiente que definem e determinam as condições da sua existência e a direção de seu movimento”.(KROHLIING, 2003: 69).
A importância da comunicação nos estudos organizacionais será enfatizada pelo
nascimento da cibernética por N. Wiener que destacou a comunicação como fonte de
controle na medida que pode transformar a organização em organismo, ou seja, um
sistema integrado controlado em seu comportamento pelo dirigismo e controle das
informações que, por sua vez, controlam as ações enquanto matéria-prima para a
tomada de decisões gerenciais. Hoje, mesmo as ainda muito mecanicistas abordagens,
não ignoram a importância vital de canais de comunicação e linguagens não só como
forma instrumental de expressar as mudanças mas, também, no sentido de viabilizarem
os desafios para o enfrentamento do novo complexo já que o potencial auto-
organizativo de uma organização está em suas redes informais de comunicação
enquanto fonte de geração da massa crítica de informações necessárias ao aprendizado
85
coletivo que dará ao sistema capacidade de sobrevivência em cenários onde, como já
assinalado, o tático e o estratégico se confundem; cenários nos quais não se sabe quais
conteúdos dos repertórios acumulados serão úteis, e onde as organizações são produtos
não de pessoas mas de suas interações. Dessa forma, a comunicação passou a ser vista
como um dos fundamentos de formação da organização, fazendo-a ser o que é. Foi
nesse sentido e com essa premência que os estudos de comunicação empresarial
passaram a ter a responsabilidade de fundamentar as práticas de comunicação que
sustentarão estratégias de negócios o que, por conseqüência, explodiu os limites
acanhados dos modelos de comunicação matemáticos, sistêmicos e cibernéticos
fundamentados no caráter instrumental de uma comunicação verticalizada e autoritária
que, hoje de forma inusitada, ficam, como veremos adiante, ainda mais comprometidos
pelo caráter libertário da comunicação virtual com sua infinitas possibilidades técnicas e
da mudança radical operada pelo enfoque não mais centrado na produção mas no
consumidor, ampliando seu espectro de ação enquanto ferramenta estratégica de
gestão capaz de operar no núcleo vital da organização:
"O conceito de comunicação empresarial tornou-se tão esvaziado que o melhor caminho é destruir sua gramática e pensar e repensar a comunicação e informação como instrumentos de gestão que criam e desenvolvem uma cultura organizacional, na qual todos se sintam envolvidos e, de alguma forma, participantes de um processo democrático no seio da organização”.(Genelot, 1998: 164)
É muito interessante e eloqüente a observação, mesmo que de forma empiricamente
tosca, de como as organizações notoriamente preocupadas com a mudança, procuram
assumir um compromisso com uma coerência comunicacional pela explicitação, para
todos os seus públicos, não apenas de sua missão, o que poderia ser mera decorrência
86
da busca de certificações de propósitos discutíveis, mas de suas responsabilidades
sociais, de partícipes de construtoras de sentidos e da formas da realidade social
subjacente o que, de modo especial e, sujeito a múltiplas intenções, aparece na imagem
da empresa cidadã, dos Serviços de Atendimento ao Consumido e de outros corolários
dessa indiscutível premência de diálogo constante com uma realidade que se
mundializou em rede, que exige que nos preocupemos com o universo simbólico que
envolve nossas vidas e as empresas, do seu clima interno, até ao extremo cuidado com
suas relações institucionais. Quer para se mudar, quer para se manter uma cultura,
subentende-se a necessidade de que normas, valores e concepções sejam conhecidos e
intercambiados dentro da organização de forma tangível e, para tanto, a inevitável
sincronização entre o processo de comunicação e essa cultura que se apresentará,
representará e, eventualmente, se transformará. Em tal perspectiva a comunicação e os
sistemas que a organize são essenciais para o processo de mudança: para Fleury o
mapeamento do sistema de comunicações, sistema este pensado tanto nos meios,
instrumentos, veículos, como na relação entre quem se comunica, é fundamental para a
apreensão deste universo simbólico, e a modernidade organizacional, em seus melhores
modelos, pressuporia a introdução de novos canais de comunicação como ferramentas
efetivas de atuação sobre a cultura organizacional (Fleury, 1996).
r
Ora, a situação deriva perpetuamente sob o efeito das mudanças no ambiente e de um processo ininterrupto de interpretação coletiva das mudanças em questão. Identidade, composição e objetivos das organizações são portanto periodicamente redefinidos, o que implica uma revisão dos captadores e das informações pertinentes que eles devem recolher, assim como dos mecanismos de regulagem que orientam as diferentes partes da organização rumo a seus objetivos. É nessa metamorfose paralela da organização e de seu ambiente que se baseia o poder instituinte da comunicação (Lévy, 1993: 22,23)
87
Será com Genelot (Genelot, 1998) que surgirá a unificação entre os conceitos de
estratégia e de comunicação organizacionais que, destacando a necessidade de uma
abordagem complexa para se entender o incerto, faz a transposição da visão
planificadora da estratégia para a do gerenciamento estratégico e, como conseqüência,
para uma reatividade estratégica enquanto gerenciamento na complexidade das
organizações mesmo porque, para Genelot, o que caracteriza a complexidade, é algo
que não se gerencia e que decorrerá do compartilhamento pelo grupo de uma visão
estratégica, de um processo sempre derivado de uma construção coletiva, de uma
determinada visão e futuro, de uma consciência estratégica que deve decorrer de canais
democráticos de comunicação plena, e de produção de significados onde tais processos
devem ocorrer distantes de quaisquer coações e de distorções: há substancial
concordância de que a comunicação em sua forma tradicional é um mecanismo de
bloqueio das mudanças uma vez que atrofia a aprendizagem e as relações dialógicas.
Essa comunicação democrática, pois fundamentada no diálogo e que tem que permitir
os mesmos direitos, sobretudo, de questionamento, reabilita o receptor em sua
capacidade de gerar sentido e desenvolver procedimentos de interpretação já que,
segundo o autor, o significado da comunicação é dado, em última instância, pelo
receptor em cujo universo simbólico e social acontece a essencialidade da comunicação
e, consequentemente, se comunitária, não mais privilégio dos ditames tecnocráticos de
especialistas e de sua visão míope pois instrumental: enquanto processo de
mutualismos e mediações, ela envolve e representa a troca entre fatores e entidades
88
extremamente heterogêneos pois materiais e humanos, tecnológicos e comportamentais
e que exigem a flexibilidade dos fluidos e a constante consciência da dinâmica dos
seres vivos, o que torna jurássicas quaisquer permanências das antigas concepções
administrativas e de conteúdos positivistas que se insinuam sempre, mesmo que de
forma residual, pela enorme poder de controle que os novos arsenais tecnológicos das
T.C.I. forneceram nos últimos tempos e se renovam com o seu crescimento vertiginoso
de alcance e capacidade, haja vista os roteadores que, operando em terabytes, são
capazes de transportarem os dados da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em
pouco mais de três segundos:
“... a organização, a empresa não podem ser outras realidades além daquelas cujos modelos são construídos pelos atores. Não é, em si bom, verdadeiro, nem o melhor modelo; em compensação os múltiplos projetos, animados por aqueles que representam ou podem representar a empresa, que ajudou a construir por sua ação, podem construir ricas, inteligíveis e comunicativas representações... expediente difícil de assumir por aqueles que estão acostumados a “raciocinar’” através de longas cadeias de pensamentos bastantes simples... deduzindo uns dos outros."(GENELOT, 1998: 3,4)
Neste mundo marcado e muito preocupado com a mudança, cabe lembrar que parece
não haver dúvida da importância da relação entre comunicação e mudança nas
organizações, relação de caráter imbricativo, simbiótico e de difícil separação e que
constitui, por si só, fulcro vital para a compreensão de parcelas essenciais de nossa
realidade; quer a mudança verticalizada, autoritária, redundante e suicida por não
democrática e não auto-poietica, quanto àquelas concepções que vêem a empresa
enquanto um espaço primário de relações humanas:
"As organizações empresariais são micro-sociedades em que a comunicação é considerada como elemento estruturante (Bourdieu, 1989) da dinâmica organizacional, tendo aí um papel integrativo. Nessa visão o foco é no caráter social e contextual da
89
interação (não mais no caráter técnico) na influência recíproca dos agentes em interação significativa”.(Reis, 2001: 7).
No início dos anos noventa, Linstead destacava a necessidade de se estudar a
desconstrução das práticas discursivas na vida organizacional, assinalando o
desenvolvimento de uma etnografia desconstutiva para se estudar as tensões entre
organização e desorganização; preocupação que se baseava na perspectiva de que as
organizações são continuamente emergentes, constituídas e constituintes, produzidas e
consumidas por sujeitos que, enquanto são as organizações, são eles próprios trilhas e
lugares de intertextualidade. Tais iniciativas, à época em que apareceram, ainda que
marcadas por um viés muito arrojado e distante da práxis gerencial, já apontavam para
um movimento que, açulado pelos ritmos das mudanças, se faz presente nas atuais
preocupações dos estudos das organizações, não apenas enfatizando a importância da
comunicação, mas conferindo-lhe dimensões novas (Mumby, 2001).
Se hoje existe unanimidade na literatura especializada mais conservadora sobre a
importância instrumental das comunicações nas iniciativas de negociação e nos
processos de mudança onde, quanto maior for a capacidade de comunicação, mais
efetiva será a mudança almejada enquanto um corolário natural, da mesma forma,
parece que a teoria que deveria justificar essa correlação ainda é pouco consistente,
quer talvez porque veja a questão apenas pelo viés da teoria da comunicação, quer
talvez porque o faça pelo viés da Teoria das Organizações, sem que se consiga uma
abordagem integradora das duas áreas de estudos que tratam seus objetos enquanto
fatores distintos. Com essa preocupação metodológica Maria do Carmo S. Reis nos
90
oferece uma preciosa reflexão sobre as relações comunicação organizacional e
mudança:
“No (micro) ambiente organizacional onde a mudança transformacional está sendo implementada, estruturas são promovidas, impostas e negociadas. Nesse sentido as iniciativas de comunicação corporativas podem ser vistas como estruturas que provém visibilidade (intencional ou não) ao padrão corporativo de negociação. Elas são circunstâncias no sentido Giddensiano. Elas são encontros e episódios em que algumas ações e discursos são tecidos com a voz corporativa. Apesar de serem estruturas, elas são não apenas o veículo ou manifestação da comunicação (Watzlawick & Beavin, 1967), mas um elemento integral de troca significativa”.(Reis, 2003: 9, 10).
Em uma de suas conclusões, a supracitada autora afirma que a comunicação e a
mudança organizacional estratégica têm uma inter-relação de natureza imbricativa que
pressupõe interseção e não apenas conexão, o que se denota tanto quer na mútua
constituição dos processos, quer na sua mútua expressão (Reis: 2003, 12). O que ganha
uma magnitude ímpar quando remontamos as organizações ou os segmentos
organizacionais num contexto que têm tratar com a incerteza, com a complexidade e
com tecnologias que não facilitam e, até mesmo, impedem a rotinização; assim, mesmo
que exista uma comunicação sistematizada e formalizada, não se terá segurança de
solução da problemática enfrentada nessa área, já que a complexidade crescente torna,
igualmente complexas, as tradicionais barreiras que a comunicação enfrenta,
possibilidades que aparecem pelas combinações multiplicadoras de meios de
comunicação e das conseqüências dessas combinações nas estruturas essenciais das
organizações: o conviver dos “vai-e-vem”, com os comunicadores eletrônicos via redes
corporativas ou não; as inusitadas combinações entre as linguagens das mensagens dos
murais informais e toscos e a ampla gama de recursos e informações transportados
pelas infovias:
91
Porque transformam os ritmos e as modalidades da comunicação, as mutações técnicas de transmissão e de tratamento das mensagens contribuem para redefinir as organizações. São lances e "metalances", se podemos falar assim, no jogo da interpretação e da construção da realidade (Lévy, 1993: 23)
Ainda no caminho proposto de se obter a fundamentação mínima necessária para
subsidiar nossos esforços de análise, devemos abordar alguns aspectos elementares da
comunicação dentro das organizações, acrescentaremos de modo essencial, aqueles
mais relevantes em nosso caso: barreiras mecânicas ou físicas - aparelhos, ruídos,
equipamentos etc - muito valorizadas nas antigas abordagens tecnicizantes típicas de
concepções onde os meios de comunicação, assim como outras ferramentas, seriam a
solução para que os objetivos para os quais eles foram criados fossem alcançados;
barreiras semânticas produzidas pelo uso inadequado de linguagens desconhecidas ou
pouco conhecidas pelos receptores: estas, de mais difícil percepção pelos antigos
gestores mecanicistas e que, com o despertar para a gestão na complexidade,
ganharam a importância devida; as barreiras psicológicas compostas, entre outros, por
estereótipos, preconceitos e que têm vida e poder de morte na cultura organizacional e
que, com o já mencionado crescimento das preocupações que gravitam a questão,
também mereceram especial atenção; as barreiras administrativas/burocráticas
decorrentes do modo como as organizações atuam e processam suas informações e
que, muitas vezes, são "pioradas" pelos excessos ferramentais - estas "antigas
conhecidas" da comunicação, tendo ganhado, como já mencionamos, nova dimensão
pelo seu envolvimento no universo informacional; o excesso de informações igualmente
e superiormente produzido pelo advento das TCI que tornaram o caudal de informações
sufocante, provocando um novo tipo de alienação, a "ignorância pelo excesso" de
92
informações não elaboradas, inúteis, destituídas de sensação e, portanto, apenas ruído;
as barreiras geradas pelas comunicações incompletas e parciais, produtos da
confluência de um complexo de fatores muitos dos quais já apontados e que podem
apresentar sempre novas e mais intrincadas composições sobretudo quando acelerados
pela nova velocidade e por eventuais dificuldades técnicas das TCI. Ainda merecem
lembrança aspectos como as dificuldades produzidas na comunicação pelos "dialetos
intra-grupais" característicos das estruturas informais, cuja importância cresce com as
carências de comunicação dos canais formais e que ganharam proporções, sofisticação
e alcance inusitados nesse novo contexto tecnológico; as limitações da "audição
seletiva" enquanto formas subjetivas de censura que podem ser incentivadas ou
atrofiadas por algumas características da organização. Por fim, a credibilidade das
fontes e as pressões do tempo que catalisam e são catalisadas pelo encontro compósito
de outros obstáculos à comunicação de várias barreiras citadas ou não. (Konssch,
2003: 74, 75, 76).
Voltando a mencionar a nova e poderosa onda de estudos preocupada com uma nova
forma de riqueza, o capital intelectual, concentrada na Gestão do Conhecimento e que
tem como um dos cernes nevrálgicos a comunicação, lembramos quando o Centro
Organizacional da Complexidade da IBM (CYNEFIN) assinalou um novo movimento na
gestão do conhecimento. Tal corrente inovou por sua proposta de tratar o
conhecimento não mais apenas como um objeto mas como um fluxo, um fluido
conversacional de onde as decisões decorreriam da observação e do diálogo. De acordo
com esse modelo, o fluxo do conhecimento interno à organização depende do
93
reconhecimento de padrões de comunicação e interação nas práticas organizacionais.
Tal modelo preocupou-se em gerir variadas formas de transmissão e conteúdos, ou
seja, de comunicação: tanto aquela focada no ensino de baixo nível de abstração pelas
intranets, o que é discutível, quanto aquela abstração mais sofisticada e baseada em
simulações e jogos, bem como o aprendizado espontâneo fundamentado na
informalidade e na abstração. Se na ótica dos pensadores da complexidade tal
abordagem não apresenta, efetivamente, grande novidade, é significativo, de qualquer
forma, como os "gigantes do mercado" não se descuidaram do assunto, isto porque, só
mais recentemente, foi que a gestão do conhecimento e as reflexões que dela nasceram
saíram da academia confirmando em definitivo a importância das comunicações nesse
novo universo dos estudos e das práticas organizacionais (Kujawski, 2005).
Ainda que de forma simplista, gerir para gerar essa nova riqueza, o conhecimento, hoje
aceito como o principal fator de produtividade e de competitividade é, num primeiro
mas essencial e difícil esforço comunicacional, construir uma linguagem que é algo além
de coordenar comportamentos é, segundo Varela e Maturana (Maturana e Varela,
1995), uma coordenação de coordenações de comportamento, ou uma comunicação a
respeito de uma comunicação e que permite aos homens efetuar distinções de
distinções no sentido de apurar noções compartilhadas da realidade; dessa forma a
linguagem comum, sempre dificultada pelas distorções da crescente especialização, é
uma história de mutualismos de orientações que deram certo dentro de um grupo o que
vai permitir que, a partir de um substrato comum, se conserve e se crie conhecimento
pela capacidade de descrever e reinventar em conjunto a realidade fazendo com que o
94
conhecimento latente nesse grupo se torne patente; será o domínio de uma linguagem
e a eficiência dele derivada que conferirão a sinergia ao grupo/sistema para efetivar
esse potencial de troca de informações pessoais, "não-estruturadas", não padronizadas
dos bancos de dados, gerando conhecimento a partir das regularidades observadas pela
experiência, um dos fatores importantes de gestação da auto-poiesis.
Confirmando e finalizando essa correlação conhecimento/comunicação, lembramos
Nonaka (Nonaka e Takeuchi, 1997) para quem as condições necessárias para se colocar
a organização em condições de produzir conhecimento passam pelo que chama de
Método SECI - socialização, externalisação, combinação, internalização - e, sobretudo,
pela emergência de um ba, conceito japonês que significa um espaço físico, virtual ou
mental dentro do qual o conhecimento é gerado, partilhado e utilizado e que,
diferentemente de muitos, questiona a gerenciabilidade do conhecimento bem como o
reduz à ação humana o que nos permite voltar e concluir com Genelot: o essencial no
processo de comunicação se dá sempre no universo simbólico e social do receptor,
construído por meio de atividades cognitivas, do ambiente social e das estruturas
organizacionais e cujo significado, em última instância, é conferido pelo receptor. E se a
gerenciabilidade do conhecimento pode ser questionada, numa medida mais ampla e
necessária, é adequado lembrar Drucker (Drucker, 1994: 142) quando se refere que o
nosso pouco domínio sobre o comportamento econômico do conhecimento nos
impossibilita de ter uma teoria econômica sobre ele e muito menos usar as existentes.
95
Na continuidade de cobrir teoricamente as áreas que constituíram o cerne de nosso
estudo de caso, focalizamos algumas das questões que envolvem comunicação e poder
dentro das organizações. Numa certa arqueologia do tema, recuperamos os trabalhos
de Michel Foucault que, desde a década de setenta, brilhantemente dava ao tema
enfoques inusitados e que, sobretudo em nossos dias, ganharam desconcertante
atualidade. Os trabalhos de Foucault foram usados pelos estudos em comunicação
organizacional como uma forma de se examinar as organizações enquanto locais de
poderes disciplinares e das micropráticas disciplinares; neste viés, o poder não é uma
imposição verticalizada, não emana de uma única fonte de dominação, nascendo em
vários locais e de inúmeras formas funcionais. Tais controles, naturalmente encontrados
nos trabalhos em equipes, nascem de um engajamento intenso, do autoconhecimento e
da observação, designados por Foucault como panopticismo: um poder produzido pela
prática cotidiana de um discurso que constrói membros parecidos de uma equipe, que
gera a homogeneização. É uma forma de poder que não coíbe, não impede, produz
identidades, cria conhecimentos e possibilidades para a geração de determinados
comportamentos; assim, poder e conhecimento e, conseqüentemente, comunicação,
estão intrinsecamente interligados no que o autor chama de poder do
regime/conhecimento.(Foucault, 1998). Bastaria que, num muito singelo esforço
retrospectivo, olhássemos tudo o que se tem feito nas últimas décadas nas áreas
genericamente chamadas de treinamento para que o panóptico de Foucault justifique a
importância a ele dada enquanto constantes e caros programas de conversões às
culturas organizacionais; da mesma forma, se observamos as possibilidades que as TCI
96
adicionaram a essas multifacetadas formas de poder, enquanto verdadeira mutação na
comunicação, verificaremos que elas tiveram uma importância fundamental naquelas
que deveriam ser as novas formas organizacionais; teriam ajudado a plasmar o seu
caráter mais flexível e horizontalizado de um modo mais silencioso e, assim, menos
perceptível de seus novos e mais eficientes controles: essas novas formas de poder
estariam, numa etapa subseqüente a esta, que pensamos ser um dos desafios a que
gostaríamos de nos dedicar em outros trabalhos e que, certamente, ofereceriam amplas
possibilidades de pesquisa a colegas mais competentes.
Nas novas perspectivas de análise nascidas da visão de Foucault quanto a essa relação
comunicação/poder organizacional, em sua tarefa diária de integração, a comunicação
surge como um mecanismo no qual esses grupos representam o seu próprio poder que,
dessa forma, se retroalimenta; um poder que existe como produto de um sistema de
intersubjetividade do significado criado pela equipe em suas práticas de comunicação.
Se tais interpretações contêm uma certa dose de excesso no sentido da enfatização do
aspecto comunicacional, por outro, nos dão os elementos necessários para
confirmarmos o acerto de nossas preocupações uma vez que não há como negar a
importância essencial e crescente das comunicações no seu relacionamento constitutivo
com a identidade, poder e organização, extrapolando enormemente suas primitivas
funções informativas de decisões, rotinas e mudanças: de certa maneira, a implantação
de mudanças, uma das tradicionais tarefas da comunicação organizacional, é o núcleo
vital de residência das ações do poder. Ainda de acordo com essa visão de poder, seria
97
ele permeador das relações, produzindo as pessoas, gravitando ao redor da produção e
transformação e manutenção de significados. Nesse sentido, há que se estudar,
segundo o autor, o quanto as práticas de comunicação constroem identidades,
experiências e maneiras de conhecimentos que possam servir para outros interesses
bem como gerar novas formas de conhecimento. Do mesmo modo, se as organizações
são reconceitualizadas como lugares discursivos de formação de identidades e criação
de significados, as possibilidades para a sua compreensão ficam expandidas, podendo
ser entendidas como comunidades de comunicação nas quais o desafio dos estudiosos
será tentar compreender como certos discursos se articulam e criam sistemas de
significado de poder; locais habitados por numerosas e simultâneas posições
discursivas, onde as subjetividades serão disciplinadas, os processos serão normatizados
e os regimes de poder instituídos. E será nesse sentido de comunidades de
comunicação que o espaço virtual, insistimos, operou a mutação que Lévy prenuncia e
anuncia como o fulcro da mutação civilizatória que vivemos:
Não percebe que sua maneira de pensar, comunicar-se com seus semelhantes, e mesmo acreditar em Deus(como veremos mais adiante neste livro) são condicionadas por processos materiais... hoje, cada vez mais concebemos o social, os seres vivos ou os processos cognitivos através de uma matriz de leitura informática (Lévy, 1993: 10).
98
2.4 As organizações em espaços virtuais: facilitações e dificultações pelas
TCI
Mesmo correndo o risco de abrir, em nossa dissertação, por descuido ou ignorância,
alguns flancos metodológicos desprotegidos, não pudemos deixar de dedicar, nesta
seção, espaço para algumas constatações e outras poucas reflexões sobre o como e o
quanto a atual complexidade das organizações é resultante da entrada das TCI (apesar
de tardio e redundante, é confortável lembrar que, por tecnologia da comunicação e da
informação entende-se um vasto conjunto de instrumentos utilizados para o tratamento
da informação, computadores, programas, redes de comunicação eletrônicas, redes
digitais de serviços, tecnologias de telecomunicações, protocolos de transmissão etc) e
do que se convencionou designar de ambiente virtual, sobretudo por ser nesse espaço
onde acontece o nosso caso e por ser, essa mesma virtualidade, irrecusável porém
arriscada, o espaço da maioria das aventuras e desventuras na busca de entendimento
desse nosso singular tempo: e nunca será demasiado lembrar que, por hora, se
encontra no espaço virtual o enigma desafiador dos limites da inovação e das pouco
estudadas conseqüências dela.
Nossa civilização e, por corolário óbvio, todas as organizações humanas, foram, a partir
da segunda metade do século XX, vítimas de uma das mais violentamente demolidoras
e profundas invasões, a chegada das TCI que, num primeiro momento, vieram em apoio
às linhas de produção logo se estendendo aos setores de marketing e, em seguida, se
99
infiltrando em todos os mais recônditos redutos de nossas privacidades. Falar dos
atributos essenciais dessas novas tecnologias, ainda que tautologia necessária, tem
sido, em toda a grande maioria da literatura que gravita o tema, uma espécie de
panegírico mais ou menos declarado aos seus poderes messiânicos, quando o epicentro
da questão, desfocado pelos novos recursos oferecidos, reside na mudança
paradigmática que surge do uso das TCI, sobretudo, nas possibilidades derivadas da
descentralização organizacional, pela democratização de acesso aos bancos de dados,
pelas possibilidades panópticas e palinódicas de comunicação e outras tantas qualidades
que escapam daquelas usualmente apontadas como a velocidade, a capacidade de
memória: ou seja, na questão comportamental da comunicação humana, lócus onde o
administrador sempre será de um conservadorismo oposto à sua incrível facilidade de
aceitação de novos instrumentos o que, portanto, deve nos preocupar enquanto foco
não completamente estudado de problemas criados pelo imediatismo do lucro e da
concorrência. Nada aparentemente mais natural e, portanto, aceito do que as
incomodações, as desacomodações e mesmo as violências operadas pela implantação
verticalizada nas organizações de sistemas, muitas vezes, exatamente na contramão da
almejada flexibilidade/democratizante/descentralizadora dos novos modelos que
poderiam ser criados na matriz cibernética: é bem possível que, em muitas dessas
"empresas modernas", só exista papel nos banheiros mas, também, não é improvável
que tais sanitários sejam divididos, hierarquicamente, em áreas diferenciadas
simbolizando os status de estruturas rígidas e autoritárias, apontando, quiçá, para
aquilo que anteriormente designamos como uma nova burocracia digital, em toda a sua
100
capacidade eletrônica de controle e hierarquização diferenciadas e dissimuladas o que,
caso procedente, esperamos ser uma doença infantil dessa transição paradigmática dos
modelos administrativos mas a que, insistimos em convidar, se voltem com mais
cuidado nossos olhos: a convivência com o muito novo e ofuscante das novas
tecnologias pode nos impedir de ver como velhas estruturas se escondem e sobrevivem,
numa espécie de espaço paralelo, mantendo estilos administrativos aparentemente
incompatíveis com as novas realidades e que, muitas vezes, podem ser a causa do
malogro ou da não esperada eficiência da inovação tecnológica e onde o potencial de
interatividade da multimídia é anulado pela incomunicabilidade entre os níveis
hierárquicos rígidos.
Ainda que muito mencionado até aqui, é importante retomar um conceito base na
precisão própria dos cânones: segundo Lévy (Lévy, 1996), a virtualidade é uma
dimensão compreendida como o que existe em potência e não em ato, resultante do
uso das TCI mas que as ultrapassam amplamente e tendo como características básicas
a superação das barreiras do tempo e do espaço e o que se convencionou chamar de
efeito moebius ou seja, a possibilidade de se passar do interior para o exterior, do
público para o privado, do objetivo para o subjetivo enfim, possibilidades de permear
limites anteriormente fixados e fixadores. Virtual que não se opõe ao real mas ao atual
enquanto nó de tendências, complexo problemático e dinâmico que segue uma
situação, acontecimento, entidade ou objeto que, de seu lado, carregam e produzem
sua virtualidade, uma elevação à potência da entidade considerada:
101
"Assim, a virtualização da empresa consiste sobretudo em fazer das coordenadas espaço-temporais de trabalho um problema sempre repensado e não uma solução estável. O centro de gravidade da organização não é mais um conjunto de departamentos, de postos de trabalhos e de livros de ponto, mas um processo de coordenação que redistribui sempre diferentemente as coordenadas espaço-temporais de coletividade de trabalho e de cada um de seus membros em função de diversas exigências."(Lévy, 1996: 18)
Nada tão desconcertante e inspirador quanto o que se pode tirar de afirmações como as
acima citadas que indicam, em todo o purismo do filósofo, aquilo que é a essência da
questão, quando fazemos as correlações desse universo virtual com suas manifestações
concretas na vida intestina das organizações, onde instrumentos e idéias, numa
convivência caótica do cotidiano, ganham imprevistas dimensões e desobedecem aos
desejos de nossos devaneios ideológicos colocando, sem que nos demos conta, em risco
nossas próprias identidades. Se não, vejamos: as redes enquanto estruturas abertas
capazes de se expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam
comunicar-se, ou seja, desde que compartilhem os mesmo códigos de comunicação
(Casttels, 2000: 498), tanto são capazes de revelar quanto de omitir, de informar
quanto de desinformar, de descentralizar quanto de centralizar uma vez que não se
pode perder a dimensão de que, nesta Sociedade da Informação, o domínio do
conhecimento e, evidentemente, das redes, será a forma de controle, sobretudo
porque estas, permitindo construção e desconstrução contínuas, suplantação do espaço
e invalidação do tempo, permitem a reorganização rápida e drástica das relações de
poder o que não é desconhecido quer pelos seus arquitetos e, muito menos, pelos seus
proprietários mas de cujos efeitos finais nem ao menos se perguntam:
102
"Aproximamo-nos de uma mutação espantosa no conhecimento: este está cada vez menos preparado para ser refletido e discutido pelos espíritos humanos, e cada vez mais preparado para ser incorporado nas memórias." ( Morin, 2001: 18)
Do mesmo modo, as boas intenções no sentido de se buscar nas TCI o que de melhor
possam oferecer na construção do "novo paradigma organizacional-virtual", morrerão
no desconhecimento de que o espaço virtual é mediado e compreendido pela cultura,
como um processo social de modo a nos fazer voltar à velha questão da cultura
organizacional enquanto um dos núcleos da transformação e não tão servilmente sujeita
ao mecanicismo instrumentalista dos adoradores das tecnologias; a simples perda da
dimensão do computador enquanto mero meio de comunicação, enquanto extensão
humana possibilitadora de múltiplas interfaces, tem desfocado a questão central
cultura/comunicação, comprometendo no nascedouro possibilidades efetivas de
construção da organização auto-poietica enquanto gerada e geradora de conhecimento
em circularidade, conhecimento organizador; enquanto uma leitura e reescrita
conscientes do mundo fundamentadas em uma ação consciente ético-crítica (Freire,
2001); local onde o espaço virtual seja, essencialmente, um novo espaço de interação
humana e de multivocalidade, jamais o domínio de máquinas pensantes, onde a
inovação aconteça a partir de uma nova concepção do ambiente de trabalho e da
organização social da produção e não como mera substituição de procedimentos
técnicos que escapam ao controle humano em suas conseqüências totais pois
universalizadas, descontextualizadas e desenraizadas de identidades culturais: o meio
gerador da inteligência coletiva de Lévy.
103
O uso pleno dos potenciais do espaço virtual, como tanto tem se anunciado, propiciaria
uma revolução estratégica e gerencial nas organizações se um volume cada vez maior
de informações criadas pelos partícipes da rede se combinasse, em tempo real,
formando-se em um sistema flexível, sobretudo quando se aceita que toda a estratégia,
como toda a teoria, é uma simplificação que necessariamente distorce a realidade e
que, estratégias e teorias, não são realidades mas, apenas, abstrações ou
representações da realidade nas mentes das pessoas e , em tese, mais dúcteis do que
as realidades concretas apesar da dureza ideológica que as defende e a seus outros
interesses. (Mintzberg, 2000: 22).
Nesta busca de um pano de fundo que, muito mais do que alicerçar nossa dissertação
teve a intenção de nos conferir conhecimento em áreas onde nossa ignorância era ainda
mais aguda, sempre que possível, nos obrigamos a uma parada reflexiva pela sensação
incômoda do equilibrar à beira do abismo e pelo prazer intelectual da aventura: se
ficamos honestamente seduzidos pelo poder democratizante do espaço virtual de Lévy,
capaz não apenas de criar a inteligência coletiva universal fundamentadora de uma
também mundial democracia; se nos extasiamos com um efetivamente poderoso
ferramental eletrônico capaz de viabilizar o entendimento e a gestão da complexidade,
por outro, ainda que da forma pouco simétrica e metodologicamente descuidada, não
podemos perder a dimensão do usuário das tecnologias, assoberbado e tiranizado pelos
ditames de sua introdução autoritária, realidade, infelizmente, mais presente do que os
benefícios oníricos anunciados pelos nossos guias intelectuais mas que, algumas vezes,
104
em paralelo a esse entusiasmo de desbravadores, mantém o contato com as pedras do
chão:
"O ciberespaço: nômade urbanístico, gênio informático, pontes e calçadas líqüidas do Espaço do saber. Ele traz consigo maneiras de perceber, sentir, lembrar-se, trabalhar, jogar e estar junto. É uma arquitetura do interior, um sistema inacabado dos equipamentos coletivos da inteligência, uma estonteante cidade de tetos de signos”.
Aqui se assinala a aresta inevitável do contraponto na essência do discurso do mesmo
pensador:
"No que concerne às aparelhagens de comunicação e de pensamento, negligenciamos a dimensão da interioridade, de subjetividade coletiva, de ética e de sensibilidade que envolve as decisões aparentemente mais técnicas”.(Lévy, 1998: 105, 106).
Na busca vital de se evitar a obsolescência, a “tecnoangústia” faz com que se perca a
dimensão mesma do processo de mudança exitoso onde a dimensão estratégica
norteadora do movimento inovador, deve delegar parte das inovações como parte de
um processo permanente de comunicação das visões da mudança e estabelecendo
novos métodos na cultura (Kotter, 1997). Se a grande parte das ações estratégicas que
assistem às mudanças contempla aspectos inerentes à insatisfação pessoal,
insegurança, desânimo e suas conseqüências na produtividade, de outro lado, não se
observam as mesmas preocupações com os efeitos sobre o clima e a cultura
organizacionais o que fica, mais do que patente, na análise das inúmeras ações de
comunicação que precedem, informam e mantêm as mudanças e cujo escopo primeiro é
o de implementar/impor e atenuar os impactos causados e cuja confirmação se
consubstancia no caráter inócuo ou na inexistência paralela de mudanças
administrativas qualitativamente consistentes. É usual, corriqueiro e de um fatalismo
105
inaceitável, se aceitar a violação cultural criada pela inovação como um dado de
modernidade irrecusável, sobretudo quando, ao menos em tese, todos aceitam a
importância do clima e da cultura das organizações para sua sobrevivência, o que se
agrava quando a inovação é operada no cerne mesmo de difusão da cultura, na
comunicação, sem que se queira perscrutar a extensão das transformações
provocadas:
Vivemos hoje uma redistribuição da configuração do saber que se havia estabilizado no século XVII com a generalização da impressão. Ao desfazer e refazer as ecologias cognitivas, as tecnologias intelectuais contribuem para fazer derivar as fundações culturais que comandam nossa apreensão do real (Lévy, 1993: 10).
Essa interveniência das TCI não apenas naquilo que Lévy chama de ecologias cognitivas
mas, como ele mesmo previne, nos processos de subjetivação individuais e coletivos
gera toda uma gama de novidade que extrapola de muito os limites das inovações
técnicas no bojo das quais o efetivamente novo viaja tal qual um clandestino
responsável pelo motim organizacional; as mudanças técnicas, por si mesmas, na
medida em que atingem a comunidade cognitiva, implicam em renovações analógicas e
classificatórias que, olvidadas, são causas de sérias disfunções organizacionais. É
bastante comum o divórcio entre a cultura organizacional e seus valores da prática
organizacional no afã de modernização, incorporando novos sistemas muitas vezes no
encalço de uma melhor imagem de mercado e maior legitimidade: sistemas impostos
"top down" passam a conviver de forma inadequada com formas de controle
conservadoras baseadas no cumprimento rigoroso de normas e de estrita vigilância que,
no mínimo, mais do que anacrônicas, são visceralmente opostas à liberdade dos
espaços virtuais dispendiosos e equivocadamente introduzidos (Protil, 2003). É de
106
causar incontrolável curiosidade o dado revelado nos idos de 1999 de que 90 % das
grandes empresas brasileiras já possuíam um Sistema Integrado de Gestão Empresarial:
considerada a época em questão, o universo mental que caracterizava as elites
gerenciais bem como o caráter integrador dessa ferramenta de gestão, como teriam
sido os efeitos disfuncionais de tal surto de modernidade tecnológica e da conseqüente
adaptação às novas lógicas processuais do sistema?
De toda a forma, mesmo quando se trata da questão humana na introdução das TCI,
fica muito patente que a esfera das disfunções fica restrita às questões de
implementação, manutenção e motivação para a mudança sem que se tenha vislumbre,
ao menos no grosso das experiências, de análises mais demoradas ou menos
epidérmicas dos efeitos dessas ferramentas informacionais numa incômoda e
persistentemente postura mecanicista:
Nesse sentido o modelo de Scott Morton (1991) ilustra as dimensões a serem consideradas ao se pensar o uso da Tecnologia da Informação. O papel da gestão na mudança implica administrar os elementos fundamentais: estratégia, estrutura, tecnologia, indivíduos e processo, de forma a obter sinergia para enfrentar a turbulência ambiental e alcançar os objetivos organizacionais (Zanela, Soares, 1999: 5).
Se a complexificação inevitável das novas conecções informacionais tornará o ambiente
organizacional mais instável, as dificuldades gerenciais nascidas dos obstáculos de
compreensão desse ambiente obrigarão a movimentos de descentralização e de
desburocratização cujo horizonte final necessário deveria ser a organização flexível e
que, de seu lado, não se submete às táticas de treinamento e doutrinação que
precedem e tem acompanhado os processos de inovação informacional que, em si, não
107
produzem diferencial competitivo mas são, seguramente, incômodos em vários graus de
profundidade e de intensidade no clima e na cultura organizacionais. Tais alterações
começaram a ocupar a atenção dos estudiosos, no final da década de 90, sob a
designação pomposa de mudança de paradigma (Silveira, 2001: 2) o que acabou por
agasalhar uma série de concepções, muitas vezes, muito pouco transformadoras dos
fundamentos básicos do campo de conhecimento, das regras do jogo que caracterizam
tais mudanças mas que se constituem em bordões de amparo para uma série de
reformas de conteúdo técnico/financeiro, de caráter imediatista e conteúdos éticos
inexistentes quando se pensa nas questões pertinentes ao trabalho e ao consumidor
grosso modo: fala-se em um novo desenho e estratégias organizacionais diferenciadas;
fala-se em novos parâmetros para a customização dinâmica de produtos e serviços;
assinala-se, com encanto, o surgimento do encontro virtual com o consumidor e em
comunidades eletrônicas de consumidores; mencionam-se os ganhos das cadeias
virtuais de suprimentos onde, apesar de tudo, não conseguimos detectar o caráter
qualitativo das alterações paradigmáticas, o que fica mais claro, quando se trata do
incentivo ao conhecimento que pressupõe ações tipicamente restritas ao âmbito da
criação técnica e bastante distantes da amplitude do espaço virtual de Lévy, vislumbra-
se uma preocupação com mudanças não rupturistas, observa-se o cuidado com a
descontinuidade como se pudéssemos confinar, na estreiteza dos espaços burocráticos,
mudanças tão medulares (Steil e Barcia, 99: 6, 7).
108
Os novos arranjos estruturais operados nas organizações oriundos da eliminação das
barreiras espaço-temporais tem sido fontes de incontáveis ilações sobre as novas
formas de gerenciamento e de interações organizacionais; o confronto de algumas
fórmulas inovadoras exitosas com a grande maioria conservadora pareceu criar um
silêncio constrangedor que, vez por outra, foi rompido por discretos ruídos advindos das
antigas estruturas sendo devoradas vorazmente pela antropofagia tecnológica: é
sempre muito interessante, para nós, estrangeiros da academia, notar o brilho de inveja
e medo nos olhos das gerências das áreas financeiras, mais resistentes às mudanças,
quando se descreve a fluidez estrutural de uma Microsoft com suas possibilidades de
trabalho doméstico, com sua revoltante liberalidade hierárquica e, sobretudo, com seu
modo impudicamente natural de produzir e assimilar a inovação tecnológica.
Retomando e completando em outro um aspecto já mencionado, a interoperabilidade
informacional, criando imprevisíveis teias comunicacionais isentas de restrições
hierárquicas ou, ao menos, de difícil sujeição a elas, podendo operar com níveis
praticamente nulos de intermediações, estaria em rota de colisão inevitável com todas
as formas burocratizadas de poder até mesmo as mais discretas onde a média gerência
quase se confunde com a linha na tentativa de interpretar e comunicar os níveis opostos
da organização: nada tão rápido, cheio de atalhos encurtadores, fluido, adaptável e
potencialmente informalizante quanto a navegação na rede. Tal processo inevitável de
desfibramento do poder em sua essência nos obriga, uma vez mais, a voltarmos aquela
que é, efetivamente, a questão central não apenas das mudanças paradigmáticas mas,
109
também, é apontada como a saída para que se mantenham controles nessa organização
de natureza indômita: passa-se da preocupação nos investimentos às práticas voltadas
à socialização enquanto instrumentos de um processo de habilitação comportamental
para que se consiga comprometimento, lealdade e internalização das normas
organizacionais, tudo isso de forma não explícita (Steil, Barcia, 99: 11). Esta visão pueril
seria o esboço da nova face do poder se a tarefa de moldar materiais fluídos e forças
desconhecidas, como os gerados em espaços virtuais, fosse tão simples.
De outra forma, essa ênfase no desenvolvimento de valores diretivos da vida
organizacional virtualizada, dada sua natureza pouco explícita, tem sido apontada como
mais adequada para o controle da inovação e da produtividade dos trabalhadores do
conhecimento o que, de nossa parte, sugerimos ser outra das manifestações do que
chamamos de burocracia digital que, sem grandes luzes para prosseguir, diríamos a
forma sofisticada e perigosa de utilização das TCI para fins de controle uma vez que
lidam com potencialidades desconhecidas e desmesuradas; já que as formas mais
explícitas de utilização dos controles informacionais revelaram sua potencialidade para
enrijecer a cadeia escalar, fortalecer os níveis hierárquicos, a centralização e o
formalismo, ou seja, reconfigurações do poder burocrático hora fortalecido pela
sofisticação e alcance das TCI.
Mas se as turbulências e mutações, instalando a complexidade na vida das
organizações, obrigam como fórmula redentora a adoção do gerenciamento estratégico
110
enquanto construção coletiva de pessoas engajadas e não simples decisão tecnocrática
(Genelot, 1998), como manter o entulho autoritário mal disfarçado por remendos
tecnológicos sem gerar monstrengos organizacionais? Ou melhor, haveriam condições
para o advento da ruptura conceitual necessária à criação desse gerenciamento, já que
o gerenciamento estratégico marca uma oposição frontal à idéia de uma autoridade
central que pensa, decide e determina? Como fazer nascer, pelo fórceps dos
tecnocratas, um sistema complexo de interações integrador de centro e periferias,
quando a preocupação central ainda persiste em ser o controle, elemento de
esterilização da consciência estratégica, cerne forma do gerenciamento na
complexidade? Complexidade tão irrecusável quanto a explosão dos modelos de
gerenciamento que não dão conta dela, quanto a incapacidade de nossos sistemas de
representação.
Uma das linhas interpretativas para o entendimento desse apelo aflito, e nem sempre
adequado, das empresas à solução tecnológica seria a situação incômoda que elas
viveriam, segundo Genelot (Genelot, 1998), já que concentrariam a complexidade por
estarem na confluência entre o econômico, o técnico e o social, cada um deles com
níveis altos de complexidade que se potencializa no encontro final. Desse modo e por
muitas outras razões, as TCI estarão, por muito tempo, no centro das questões
organizacionais já que, a um só tempo, artífices, produtos e caminhos para
complexidade, razões pelas quais aqui nos quisemos e aqui conduzimos este segmento
final que deverá conduzir à nossa pesquisa.
111
Em nosso primarismo intelectual dentro do tema, não conseguimos evitar um misto de
estupor e desencanto quando, após Morin, Lévy, Genelot, vasculhando a literatura
produzida sobre o universo organizacional e as TCI, encontramos um volume
proporcionalmente inaceitável de trabalhos que desconsideram a teia incrivelmente sutil
e complexa das relações operadas nas organizações em espaços virtuais e que são
designadas genericamente por teorias deterministas, segundo as quais, as tecnologias
determinariam a modelagem da sociedade com níveis pequenos de influência dela,
como se a tecnologia possuísse vida própria e autônoma. Discursos mecanicistas e de
um racionalismo positivista defendem o tratamento da informação como um produto,
constante, previsível e estável, capaz de manter e viver em estruturas rígidas. Mesmo
quando consideramos as redes corporativas, as intranets, que nascem mais modeladas
pelas estruturas das organizações, dificilmente poderíamos ter segurança quanto aos
limites de sua influência: se desenhadas e implantadas de forma inadequada
provocarão, num primeiro momento, a hipertrofia dos canais informais que, numa etapa
imediata, se valerão da própria rede para alterar suas configurações e/ou
administradores indesejáveis; se desenhadas dentro do perfil estrutural da organização,
serão rapidamente assimiladas, agilizando e diminuindo rotinas e deixando sua enorme
capacidade de produzir informação à mercê dos anseios organizacionais cujos limites e
direções constituem nosso maior desafio mas que temos certeza, por tudo o que
anotamos e constatamos de inusitado em nosso tempo, são imprevisíveis:
Quanto valeria um pensamento que nunca fosse transformado pelo seu objeto? Talvez escutando as coisas, os sonhos que as precedem, os delicados mecanismos que as animam, as utopias que elas trazem atrás de si, possamos aproximar-nos ao mesmo
112
tempo dos seres que as produzem, usam e trocam, tecendo assim o coletivo misto, impuro, sujeito-objeto que forma o meio e a cognição de possibilidade de toda a comunicação e todo pensamento (Lévy, 1999:11).
Conscientes e preocupados com as questões acima levantadas no que se refere aos
novos desafios apresentados pala comunicação organizacional na fluidez imprevisível do
espaço virtual, conduzimos nosso estudo de caso com o propósito declarado e constante
de conseguirmos obter alguns indícios que pudessem dar sustentabilidade teórica a
outros estudos e, por que não, a algumas de nossas indagações.
113
CAPÍTULO 3 – ESTUDO DE CASO: OS EFEITOS DA INTRODUÇÃO DA INTRANET
NA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Aqui, chegando ao núcleo almejado deste nosso esforço, nos propomos a descrever e
analisar da forma mais detida possível o estudo de caso escolhido a partir dos dados
coletados nas pesquisas, submetidos às análises pertinentes e direcionadas pelas nossas
hipóteses na busca de alcançar algumas variáveis constantes de entendimento.
3.1 A seleção do caso
Como ponto de partida liminar em estudos dessa natureza, a escolha do caso deu-se
pelas amplas possibilidades de acesso aos dados concernentes ao universo pesquisado
em todas as dimensões possíveis de serem levantadas e analisadas no campo de estudo
proposto de modo a permitir fundamentação segura para a averiguação das hipóteses
oferecidas. Sobretudo pelo conhecimento detalhado e longo, tanto da cultura da
organização em foco, quanto do seu clima no momento da implantação do portal
corporativo e pela vivência muito próxima e atenta de todas as etapas do processo o
que conferiu segurança à riqueza dos dados obtidos.
De outra forma, as características da organização enfocada, quer pela diversidade
humana e cultural, quer pela existência de profissionais com preparo técnico de uma
parte, confrontado ao relativo despreparo de outros tantos, ofereceram as condições
114
que permitiram que se observasse níveis distintos de reações quando da introdução de
rotinas mediatizadas pelas TCI: desde o choque existencial e funcional de intelectuais e
trabalhadores operacionais despreparados e impermeáveis às mudanças, até outros nas
mesmas categorias que, apesar de ávidos por inovações, ofereciam "pareceres técnicos"
que criavam outros tipos de resistências. Finalmente, a existência de estruturas
hierárquicas muito cristalizadas e um certo conservadorismo anteriores às inovações
permitiriam observações de fenômenos reativos que poderiam fornecer parâmetros para
algumas generalizações profícuas quanto aos fatos escolhidos para a observação e
permitir ao analista possíveis explanações concorrentes para eventos semelhantes (Yin,
2002: 23); da mesma forma, estudos de casos ensejam descrever fenômenos, levantar
novas hipóteses e generalizações sobres eles, bem como destacar a importância desses
fenômenos para um determinado campo de estudos o que constituiu o móvel primeiro
de nosso trabalho.
O objetivo deste estudo é circunscrever e determinar as linhas essenciais de
transformações provocadas nas comunicações organizacionais pela intermediação das
TCI numa tentativa de se ver as organizações no viés da complexidade: afastadas as
abordagens tecnicizantes que privilegiam os aspectos materiais da tecnologia
empregada, focamos nossas atenções nos efeitos que os novos padrões de
comunicação produziram nas estruturas de comunicação e, por corolário, nas relações
humanas dentro da organização estudada tendo como horizonte teórico as
115
possibilidades de "desarranjos autopoieticos" que a criação de um espaço ou, ao menos,
de vias virtuais poderiam gerar.
3.2 As principais questões da pesquisa
As grandes perguntas do nosso caso gravitam a questão da comunicação na Fundação F
pela intermediação das TCI dentro do portal corporativo, a saber.
Quais foram os acréscimos de riqueza, alcance e eficiência que a comunicação, hora
feita pela máquina, teria obtido?
Quais foram as mudanças nas relações de poder dentro da organização que esse "novos
meios" teriam propiciado?
De que forma o formalismo e o informalismo das estruturas organizacionais foram
alterados por essa intermediação informacional no processo de comunicação?
Teriam ocorrido incomodações imperceptíveis ou, pelo menos, não denunciadas capazes
de se constituírem em elementos catalisadores de ações auto-organizatórias?
De que forma as novas modalidades de comunicação acentuaram a eficiência das
antigas estruturas e seus instrumentos de controle?
116
Por essas indagações buscaremos fechar o foco de nossa pesquisa delimitando nossa
área de atuação.
3.3 A descrição do método
3.3.1 Tipo de pesquisa
Consideradas as especificidades do caso em foco, optamos por utilizar a pesquisa
exploratória como a mais adequada, cujo escopo central é desenvolver, esclarecer,
elucidar ou detalhar fenômenos, conceitos ou idéias com a intenção de se comprovar
hipóteses ou trabalhá-las para posteriores estudos. Sobretudo porque estas oferecem
maior flexibilidade, permitindo a utilização de ferramentas menos padronizadas, menos
quantitativas às diretrizes teóricas que buscamos conferir à nossa reflexão (Gil, 1989:
44): apesar de até fazermos menção a alguns dados estatísticos, ficará evidente que,
conforme já advertido na introdução, desconsideramos a divisão ortodoxa entre
quantitativo e qualitativo no que se refere a métodos.
Da mesma forma, a escolha da pesquisa exploratória vem ao encontro de outra
característica marcante do tema proposto: sua relativamente pouca exploração, o que,
per si, faz com que hipóteses precisas e operacionalizáveis sejam mais dificultosas; tais
pesquisas permitem aos estudiosos generalizações que tornem mais claros os contornos
117
do problema estudado e que permitam posteriores investigações com procedimentos
mais organizados (Gil, 1989: 45): nunca será demais ressaltar a falta comparativa de
estudos no que se refere aos efeitos humanos da comunicação informatizada.
3.3.2. O método de coleta de dados
Para que pudéssemos extrair da pesquisa a maior riqueza possível de informações
pertinentes às hipóteses iniciais, optamos por trabalhar no levantamento dos dados com
uma amostra combinada de estratificação e acessibilidade, a saber, aquela que divide o
universo da pesquisa em subgrupos com características específicas e opera sem rigor
estatístico, permitindo ao estudioso selecionar os elementos da amostra de acordo com
o acesso que a eles conseguiu (Gil, 1989: 95).
Assim, foi aplicada uma divisão percentual do universo total da pesquisa que
compreende 323 funcionários da Fundação F, sendo 72 % classificados como
administrativos operacionais, 20 % como administração intermediária e 8 % como
direção, com o que abrangeremos os atores sociais do caso enfocado.
Considerando-se que adotamos a estratificação por amostra, dividiremos a pesquisa em
três amostras de 20 % do universo total, compreendendo, então, 53 entrevistados da
área administrativa operacional, 15 que classificamos como administração intermediária
118
e mais 5 dirigentes fechando, portanto, o total necessário para o bom atendimento das
condições estabelecidas pelo método adotado.
Enquanto parte do corpo diretivo e para evitar que a pesquisa pudesse assumir um
caráter de fiscalização ou intimidação para o uso da intranet, fizemos questão de
esclarecer seu objetivo acadêmico mesmo que, quiçá, alguns tenham dado às suas
respostas discretos matizes político-funcionais o que, no contexto geral, pelo
cruzamento e análise da coerência interna, demonstrou-se insignificante e apenas
encontrável no nível mais operacional.
A coleta dos dados foi efetuada através de questionários que foram enviados por via
eletrônica no próprio ambiente objeto do estudo, para os funcionários participantes da
amostra sendo que, para aqueles do grupo por nós denominado de administrativo
operacional, aplicou-se um questionário fechado com 6 perguntas de múltipla escolha;
para os restantes, aplicaram-se questionários abertos com 6 questões para o grupo da
administração intermediária e 4 questões para o grupo de dirigentes (anexo 1).
Há que se explicar que os questionários foram aplicados entre os dias 01/4/05 e
15/4/05. Após a coleta dos dados, foi efetuada a análise detalhada das respostas
buscando a comprovação ou negação das hipóteses colocadas no início do estudo e que
nortearam nossas conclusões.
119
3.4 O caso da Fundação F
3.4.1 Histórico da organização
A Fundação F, organização objeto de nosso estudo, foi criada por uma dotação
testamentária que se concretizou com a morte de seu idealizador em 1947. A partir de
então, seus curadores e diretores executivos têm, como líderes, membros de uma
mesma família profundamente ligada ao fundador e, sobretudo, a seus ideais, o que de
certa forma confere, até determinado momento de sua história, um caráter quase
familiar à organização.
No cumprimento das determinações testamentárias, a fundação concentrou-se, num
primeiro estágio, nos campos das artes, sobretudo, das artes plásticas, buscando
recursos para a construção de um prédio que pudesse alojar o acervo do doador, marco
inicial de um museu ao qual deveriam ser acrescentadas uma escola de artes e uma
orquestra filarmônica: a relevância de tais traços atávicos se destacará na medida que
estes têm, até os dias de hoje, marcante influência na cultura organizacional.
Por ousadia e risco da família supracitada o projeto inicial, objeto de inúmeras tentativas
de expropriação dos poderes públicos, foi ganhando novos contornos: a carência de
vagas no ensino superior, a semente educacional que sempre esteve presente no
projeto inicial, as perspectivas de se obter fontes de renda pelo atendimento qualificado
120
das carências do mercado educacional e, sobretudo, uma declarada e forte vontade de
serviço social, fizeram com que os diretores da fundação implementassem, a partir da
segunda metade dos anos sessenta, a criação de cursos superiores que, num ritimo
bastante acelerado, chegaram, neste momento, a compor um rico conjunto universitário
com faculdades de: administração, artes plásticas, arquitetura, direito, economia,
engenharia, comunicação, relações internacionais, tecnologia da informação e um setor
de pós-graduação correlato a todos esses cursos; a esse conjunto acadêmico
acrescentou-se um colégio.
Hoje, a fundação congrega perto de doze mil alunos, setecentos professores e
seiscentos funcionários distribuídos por quatro campi, perto de uma dezena de
empresas terceirizadas prestando serviços e com uma infra-estrutura material e didática
de completa modernidade: computadores individuais nos laboratórios, ligados em rede
interna e na internet, sistema wireless em todos os espaços do campus central,
projetores de multimídia em todas as salas, sistemas para teleconferências para
unificação de todos os campi, ferramentas que demonstram uma clara intenção
modernizante nesta última fase da sua gestão.
E é sobre a atual gestão que necessitamos nos deter um pouco mais para que
possamos precisar mais claramente as ações de planejamento e gerenciais que
desenvolveram os processos de modernização em questão. Tendo assumido, no início
121
dos anos noventa, após uma conturbada intervenção do poder público, a atual diretoria,
ainda que renovada em parte, manteve o vínculo familiar inicial.
Após um período relativamente curto de reordenação dos pressupostos gerenciais
originais, seguiu-se uma fase de efetiva profissionalização dos quadros gerenciais e
funcionais sem, contudo, inserções traumáticas na cultura da organização: a ação de
consultores externos, dentro de um novo planejamento estratégico, permitiu que se
vislumbrassem e efetivassem mudanças por acomodação onde os níveis de conflitos e
os traumas puderam ser reduzidos a proporções toleráveis; novas gerências e setores
de apoio criados, preenchendo vazios organizacionais, permitiram que atividades novas
pudessem ser assumidas e que setores sobrecarregados redimensionassem seu pessoal
e melhorassem seu desempenho. Evidentemente, quando falamos em processo de
modernização com índices tolerantes de sofrimentos organizacionais nos referimos,
comparativamente, àquelas reengenharias cruentas que caracterizam grande parte dos
processos de retomada modernizante para superar fases de estagnação.
Foi assim que, no final do ano de 2001, foram contratados os serviços para que se
desenhassem e se colocassem no ar o portal corporativo e o portal institucional da
fundação que, em conjunto, representaram emblematicamente essa nova onda
modernizante na organização: como objetivos propostos, estavam a agilização das
comunicações entre todos os setores da organização pela "despapelização" e pela
possibilidade de se operá-las em horários e distâncias dilatadas, a ampliação dos
122
serviços prestados e o conseqüente aumento da visibilidade da organização. Para tanto,
contratou-se um gestor que, ex-aluno e profundo conhecedor tanto da tecnologia
proposta, quanto da cultura da organização, preocupou-se num detido levantamento
das rotinas para que, num primeiro instante, os índices de rejeição fossem baixos e a
utilização das ferramentas criadas fosse a maior possível: o que, por si só, demonstra o
cuidado em se preservar a cultura da organização. Finalizando, neste ano de 2005,
estão sendo implementadas as versões 2 desses portais.
Na seqüência do protocolo adotado, falaremos dos pormenores que demonstrarão a
validade da escolha do nosso caso e de sua conseqüente relevância para os estudos
organizacionais em termos de contribuições para o melhor conhecimento dos
mecanismos comunicacionais em espaços virtuais.
Para que possamos melhor situar o caso, há que se estabelecer algumas das condições
estruturais do cenário em que o mesmo ocorreu e que podem esclarecer aspectos
essenciais da política de modernização em que esteve contido para que tenhamos o
melhor domínio do cenário em que efetuamos a pesquisa.
Assim, consolidada a nova diretoria executiva da Fundação F, seguiu-se um período de
saneamento financeiro, sobretudo pela correção de mensalidades defasadas, quer por
contingências legais, quer por orientações das diretorias anteriores. Superada tal fase,
foi possível se implementar uma nova política de modernização com as necessárias
123
dotações orçamentárias para efetivá-la. Para tanto, buscou-se atualização para o parque
informacional obedecendo a uma estratégia de dupla ação: reequipar e equipar os
setores administrativos para, num momento imediatamente posterior, se começar a
informatização didático-pedagógica, mais custosa e mais lenta. Fato muito importante a
ser assinalado e denotador da ideologia que conduziu tal processo é o de que a direção
da Fundação F, no momento inicial de planejamento das mudanças não se mostrava,
quer receosa das inovações a ser implementadas, quer servilizada pela “ditadura
informacional” de modo que, o móvel do processo, foi a busca de instrumentos que
atendessem necessidades sem se colocarem como objetivos mesmos da mudança ou,
como muito aconteceu à época, como símbolos de status tecnológicos. Com tal
embricamento, o processo de inovação informacional, apesar de haver derivado de uma
ação verticalizada, teve um início menos traumático já que orientado mais para o
atendimento de necessidades funcionais muitas das quais prementes: os computadores
e os sistemas informatizados foram, nessa fase pioneira, anelados e disputados como
anseios antigos e que ora se faziam possíveis e não tiveram a feição de instrumentos de
reengenharia e anacronização de pessoas.
Há que se fazer notar que, numa fase posterior que coincidiu com uma segunda onda
de modernização, quando o nível de sofisticação tecnológica e o alcance das mudanças
aumentaram, as costumeiras resistências apareceram nos moldes tradicionalmente já
estudados e que fogem neste momento de nosso foco mas que a elas seremos
obrigados a retornar.
124
Contratado em finais de 2002, o portal corporativo da Fundação F foi implantado na
primeira metade de 2002, agora, com declarados objetivos de modernização “top
down”: agilização e racionalização de rotinas funcionais, sobretudo na comunicação
escrita; dinamização e racionalização nas tomadas de decisões; redução da
correspondência “atômica” ou, segundo palavras dos dirigentes da própria organização,
a “despapelização” dos processos; potencialidade de unificação dos vários sistemas em
uso na organização que permitisse efetiva interconectividade e interoperabilidade entre
eles; uma muito rica oferta de informações e serviços aos usuários, dentre os quais,
destacamos, a possibilidade de uma rede mais eficiente de comunicação pessoal.
Para o desenvolvimento, manutenção e atualização do portal a Diretoria Executiva da
Fundação F e sua Gestão da Informação contrataram uma empresa que, diversamente
da maioria, possuía uma concepção teórica consistente sob o aspecto organizacional o
que contribuiu, ainda mais, para conferir bons resultados estratégicos ao sistema criado
por um processo de customização dinâmica. A empresa contratada (Inspirit Tecnologia
e Sistemas) tinha, por sua vez, uma visão bastante ímpar no cenário informacional, haja
vista, sua concepção de organização digital, cujos pontos essenciais, a título de
esclarecimento, são: globalização, mundo digital, aprimoramento, vontade estratégica,
integração perfeita, conversa em rede, relevância da comunicação estruturada,
valorização do homem e excelência e que constituem o núcleo orientador de sua
arquitetura de sistemas operacionais.
125
Para que se alcançassem tais objetivos, o desenho da intranet da Fundação F ganhou,
numa descrição sucinta, além de um tratamento artístico de muito boa qualidade no
qual cores e disposições, além de facilitar a leitura e a navegação, são marcadamente
de bom gosto, uma estrutura que permitiu que as rotinas fossem digitalmente
replicadas e potencialmente ampliadas, numa composição bastante rica de telas, num
total de 988 possibilidades: acesso aos dados de alunos e professores, evidentemente
com níveis diversos de acesso às informações; mapa da intranet possibilitando não
apenas a visualização e bom uso da ferramenta mas, também, uma visualização da
organização como um todo; acessos aos serviços e informações de todos os setores –
biblioteca, segurança, R.H., compras etc; espaços para informações úteis e para o
reforço do planejamento estratégico da organização pela palavra da alta direção;
ferramentas de pesquisa como o acesso para o EBSCO; ampliação e facilitação das
possibilidades de comunicação pessoal informal pelo uso do “comunicador” que, além
de assinalar a presença do provável interlocutor, garante a privacidade pelo não registro
no sistema das informações e que, pressupusemos, trouxesse reforços às estruturas
informais da organização e, no aspecto gerencial, a possibilidade de decisões on line
pela existência de assinaturas e protocolos eletrônicos: segundo Palloff e Pratt, a chave
para a configuração e elaboração do desenho de um ambiente virtual é a facilidade e
simplicidade que permitem aos usuários esquecerem-se dos aspectos técnicos para se
envolverem e participarem dos conteúdos (Palloff e Pratt in Okada, 2002).
126
Apesar de havermos abstraído, por razões metodológicas, a intranet do seu paralelo
digital, a internet, convém mostrar, tanto a aceitação como a eficiência dessas
ferramentas no contexto analisado, fornecendo alguns dados comprobatórios disso: em
2001 o portal havia recebido 300 mil visitas e que se transformaram em 2.350.000
visitas/mês/média em 2004 assinalando, apenas em dezembro, clímax do ano
acadêmico, 5 milhões de visitas e, no caso da intranet, 16 mil e-mails de execução de
tarefas nesse mesmo ano.
A incorporação desses instrumentos à vida organizacional deu-se de forma
relativamente natural e incrivelmente rápida fazendo com que os pedidos de mais
computadores, bem como de melhoria dos existentes, demonstrassem uma nova
necessidade, sobretudo se notarmos o fato de que as referidas máquinas perderam sua
característica inicial de máquinas sofisticadas de escrever para se tornarem,
efetivamente, tecnologia de informação e comunicação. No mesmo sentido, os fluxos de
memorandos escritos e de vai-e-vem, foram reduzidos a proporções irrisórias,
restringindo-se, tão somente, às entregas de correspondências externas. Hoje se
constata um uso funcionário/dia de 4 horas on line e uma veemente cobrança sobre
aqueles que não estão se ligando à rede que, nos primeiros tempos, era cobrada
apenas pelas altas gerências.
127
3.4.2 A pesquisa com os dirigentes
Para que lográssemos uma amostragem a mais significativa possível do estrato
organizacional composto pelos diretores, procuramos localizar as singularidades mais
marcantes em termos de circunscrever a diversidade que marca a Fundação F no
referente ao foco de nosso estudo: entre os pesquisados, tivemos desde aqueles que
protagonizaram as frentes avançadas da modernização até outros que, ainda hoje, só
lêem sua correspondência eletrônica, vez por outra, para cumprir estritamente seu
expediente diário, fatos que se estabeleceram com clareza, quer pelo tempo
demandado para as respostas às nossas questões, quer pelo domínio do tema e das
reflexões sobre ele; outro fato relevante do processo analisado é que, dentre todos os
solicitados, apenas um deixou de responder às questões o que, por informações
buscadas fora da rede, ocorreu pelo não hábito de uso da mesma uma vez que,
cientificado da pesquisa após o fechamento da coleta dos dados, manifestou interesse
em opinar e conhecê-la.
O primeiro ponto que salta aos olhos na análise das respostas deste nível mais alto da
hierarquia organizacional é, talvez como uma discreta reação ao processo verticalizado,
a desconfiança quanto ao real barateamento de custos com a adoção do portal: há que
se considerar que, a maioria dos diretores consultados em nosso estudo, são gestores
pedagógicos que não tem acesso total a certos custos operacionais, ou seja, afora o
indiscutível aspecto “pedagógico-ecológico”, a "despapelização" seria uma realidade de
128
custos concretos desconhecidos ou, ao menos, não seguros mas informalmente tidos e
divulgados como tal.
Se o caráter ferramental-positivo do portal foi unanimemente aceito enquanto agilidade,
uniformização de padrão de informação, o que era de se esperar em virtude do cuidado
do desenho inicial, as questões envolvendo a comunicação receberam respostas
controvertidas e bastante interessantes numa leitura atenta e crítica já que, como
voltaremos a ver, provavelmente pelo uso mecânico da ferramenta, os consultados
pouco se detiveram sobre a questão: pelo grau de conhecimento, tanto da mídia
analisada quanto da cultura da organização, as respostas ficaram mais para o evasivo e
genérico do que para o conclusivo em quaisquer dos possíveis sentidos.
Ficou claro que o uso do portal corporativo não chegou ao grau que os diretores
acreditam que fosse o ideal e cujas causas atribuiram a vários fatores:
- falta de divulgação do portal para que tivesse um uso mais intenso e adequado.
- falta de hábito do uso do portal provavelmente pela manutenção de outros canais
de comunicação.
- falta de planejamento por causa de “alguns detalhes técnicos” que deveriam ser
mais adaptados, e que, por sua vez, não foram explicitados.
Mas, quando encontramos respostas que afiançam a simplificação do padrão de
comunicação, a facilitação em se vislumbrar o quadro funcional geral, a necessidade de
129
se ampliar a cultura do uso da ferramenta, a descomplicação da comunicação entre
níveis hierárquicos diversos, percebemos que as questões lançadas, obrigando à
reflexão, provocaram a certeza de que "coisas novas" ocorreram, muitas vezes, apesar
dos entrevistados e que estariam exigindo mais uso, mais cuidado; enfim, parece que
se deram conta das “possibilidades inexploradas” do portal corporativo.
Ao se perguntar se a nova forma de comunicação teria trazido algum efeito
democratizante às comunicações, foi interessante constatar que, se alguns
entrevistados, mencionando a concorrência da rede externa, estariam falando de um
meio mais rico e seguramente mais livre, outro, que buscou muito cuidado em suas
respostas, pede mais regras, insinua mais formalismo numa não manifesta alusão a
certa liberdade da rede, ou seja, não se tem a dimensão plena do controle ou não sobre
o veículo. Ainda no sentido do diálogo mais democrático, retomamos a resposta que
afirma que a "comunicação ascendente" também ficou mais rápida e acessível:
certamente em alusão às limitações para se conseguir respostas rápidas para questões
pontuais - aqui chamadas de técnicas - antes feitas através de memorandos escritos ou
de telefones congestionados e com horários delimitados. É interessante como a
declarada acessibilidade maior não é percebida e pensada pela maioria como uma
possibilidade de flexibilização das estruturas hierárquicas já que, os mais atentos à
questão, a perceberam e que a maioria desconhece os níveis técnicos de fiscalização e
controle da rede permanecendo uma espécie de censura imponderável.
130
No contraponto, encontramos, desde respostas que minimizam a capacidade do portal,
como outras que lhe atribuem um valor que justificaria mudanças na cultura
organizacional para o melhor aproveitamento da ferramenta, ou seja, menosprezando o
valor da cultura em detrimento dos serviços do novo meio.
Assim, se lembrarmos o nível dos atores consultados nesse segmento da pesquisa, e
seu significativo índice de contradições e de “silêncios”, mesmo que se considere um
certo descaso por ferramenta tão elementar, fica evidente um certo grau de mal
disfarçada surpresa pela constatação, na maior parte dos entrevistados, da ausência de
reflexão sobre tão importante reforma implementada em seus ambientes de trabalho,
sobretudo para quem ocupa tão elevada e estratégica posição, o que confirma a
importância do tema escolhido. Na seqüência de nossa pesquisa, surgiu um dado que
poderia relativizar muito essa aparente desatenção dos diretores para com o uso e as
conseqüências da comunicação informacional corporativa: quando constatamos que nos
níveis operacionais o uso do portal é mais intenso e consciente, aflorou a possibilidade
de que o corpo diretivo, contando certamente com uma equipe de apoio eficiente e
integrada às novas mídias, só as usaria de forma pontual para a "correspondência
superior", deixando aos secretários e assistentes a operação do "atacado" da
comunicação funcional; da mesma forma, se havia alguma dificuldade na comunicação
com o estrato mais elevado, esta dificuldade estaria restrita, tal como foi mencionado, a
problemas pontuais, “técnicos”, mesmo porque, uma das marcas da cultura analisada, é
a fluidez e facilidade comparativas de contato nos níveis hierárquicos mais elevados daí
131
a menor sensibilidade da maioria dos diretores para tais avanços que não os atingiria:
uma das marcas da atual Diretoria Executiva da Fundação F, desde sua chegada, foi a
facilidade, agilidade e objetividade da comunicação entre os diretores pedagógicos e os
Mantenedores que se destacam, ainda mais, se comparadas às de outras similares.
3.4.3 A pesquisa com a média administração
Tal como havíamos anunciado, a pesquisa com os níveis gerenciais médios, mesmo se
antevendo um óbvio viés característico da cultura organizacional, revelou dados
surpreendentemente mais reflexivos e críticos do que os da diretoria o que confirma,
mais e mais, o insuspeitado universo que gravita a realidade virtual, conforme
penetramos nos grupos que a vivem de forma mais intensa em sua realidade de
trabalho. Tais posturas são, contundentemente, constatadas quando analisamos as
respostas de gestores mais envolvidos com o portal mesmo que sem haver tido
qualquer participação em sua elaboração: a consciência e a sensibilidade para as
possibilidades da ferramenta e a percepção total do processo revelaram a extensão
verdadeira das mudanças operadas, principalmente, por que o grau de escolaridade
desses funcionários é, ao menos, superior o que, em tese, os tornaria mais imunes aos
modismos e ao encantamento tecnológicos.
Se foi praticamente unânime a crença na rapidez e segurança da nova mídia, também
se apontou que o nível de sigilo, sendo menor, conduz a informalidade para a rede
132
externa: isso confirma a vocação das intranets como "instrumento mais limpo" de
trabalho já que imunes aos ataques de vírus e spams. A rapidez e o barateamento
foram inferidos pela diminuição das interferências e distorções provocadas pela
intermediação de secretários e assessores, o que criou um maior direcionamento da
informação sendo uma das causas do crescente uso do meio que, segundo alguns, só
não é maior pela limitação de habilitados e de certos níveis ainda privilegiados de
informação, o que não tivemos como avaliar o que seria, exatamente.
Por outro lado, fica eloqüentemente declarado que o processo de decisão foi melhorado
e a produtividade aumentada pelo maior controle e contato sobre e com os setores,
bem como pelo aumento da possibilidade de cobrança, graças aos protocolos
eletrônicos e à possibilidade de se verificar presenças on line e, se identificar o
momento preciso das respostas e pela diminuição das possibilidades de "equívocos"
mesmo quando considerados os "perigos do excesso de sumarismo" que a limitação dos
espaços poderia criar.
Já a possibilidade de visualização do todo organizacional pelas telas de navegação e
pela própria ordenação das mesmas, permitiu que se sugerisse usar o portal para
programas de integração, já que a maioria aceitou a crescente democratização da
informação e a aproximação entre os setores: quanto à essa questão surgiu uma linha
de argumentação extremamente interessante e que se refere à extinção de "feudos", de
"núcleos de poder individuais" criados pelo "engavetamento de informações", ora
133
tornadas comunitárias; foram referidos a revelação , desde os acervos de biblioteca e
almoxarifado, até comunicados do R.H. e calendários de aniversariantes, numa evidente
alteração de traços de cultura apesar de que, também nesse nível, não ser verbalizado
ou não ficar claro o grau das mudanças operadas mesmo quando alguns, mais
exaltados, pedissem a proibição do uso da internet em serviço para obrigar a todos à
utilização da intranet: talvez a alusão ao uso menor feito pelos níveis mais altos da
hierarquia o que é notório pela declaração da maior facilidade de utilização pelos
funcionários mais operacionais.
3.4.4 A pesquisa com os funcionários operacionais
Neste momento da pesquisa tivemos uma agradável e eloqüente surpresa: tendo
enviado as questões a todos os funcionários operacionais por via eletrônica e a deixada
aberta até que tivéssemos a amostragem necessária, tal quantidade foi logo conseguida
e um grande número de pessoas solicitou que reabríssemos, a posteriori, a possibilidade
de resposta uma vez que queriam contribuir para a melhoria ou manutenção do portal o
que revelou interesse, não pela pesquisa em si mas, também, pelo instrumento
estudado visto que é essa população que compõe a grande massa dos usuários.
De igual maneira, tanto a consistência quanto a coerência das respostas endossam
tendências já anteriormente vislumbradas o que comentaremos a seguir, questão a
134
questão, sobretudo por que estaremos lidando com uma população mais estratégica
para a caracterização de nossas hipóteses.
GRÁFICO 1
INTERNET AGILIZOU A COMUNICAÇÃO
91%
9% 0%
SIMNÃONÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
Quando analisamos as respostas à questão de número 1 (vide anexo à página 177), é
indiscutível a opinião de que a intranet agilizou as comunicações, principalmente quando
lembramos que uma parte dos entrevistados, não vivenciando a implantação do portal,
poderia estar entre a parcela que respondeu negativamente à questão (vide gráfico1).
Outra consideração a ser feita quanto a este item e que corrobora a afirmação anterior,
é a que aponta para a inexistência de respostas não sei o que, efetivamente, confirma
nossas suspeitas quanto à unanimidade dos entrevistados no que se refere à rapidez
nas comunicações.
Na questão de número 2, o barateamento dos custos, de certa forma, confirma-se a
“desconfiança” de que a informatização das comunicações possa, por si só, diminuir
custos do que, sob um prisma bastante objetivo neste caso, poucos têm informações, se
135
é que elas foram levantadas, já que o escopo principal da ação não visava
barateamento, mas modernização e eficácia: é notório que, num nível funcional, onde
tais informações dificilmente poderiam ser obtidas, 47% dos entrevistados disseram sim
(vide gráfico 2), nunca esquecendo de termos sempre que considerar as influências do
conjunto de crenças que gravitam os fetiches informacionais.
GRÁFICO 2
BARATEOU CUSTOS DE COMUNICAÇÃO
47%
4%
49% SIM
NÃO
NÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
Chegando a um dos fulcros de nossas preocupações, o processo de comunicação,
verificamos a constatação da continuidade eloqüente das transformações já apontadas.
Quando se perguntou sobre o aumento de acesso às informações, 79% das respostas
apontaram o sim (gráfico 3), numa proporção que não apenas deixou dúvidas quanto à
constatação da mudança mas, também, na confirmação das suspeitas anteriores de que
uma parcela discordante de 9%, poderia não ter vivido a transição de processos.
136
GRÁFICO 3
AUMENTOU ACESSO ÀS INFORMAÇÕES
79%
12%9%
SIM
NÃO
NÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
A pergunta que trata da maior uniformização da informação pede um comentário
metodologicamente óbvio ou, quiçá, outra pergunta: o que exatamente buscávamos
saber nesta questão um tanto vaga para o leigo? De fato, após havermos encaminhado
o questionário, nos demos conta de que, para uma parcela dos entrevistados, talvez a
palavra uniformização pudesse ter conteúdo menos claro. Seria, uniformização, apenas
padronização de formulários, limitação e ordenação de possibilidades de comunicação?
O fato é que a questão, pelos comentários que recebemos a posteriori, acabou dando
ao termo sentido de clareza, facilidade de entendimento, descomplicação na
comunicação, o que ficou, novamente, comprovado pela manutenção dos percentuais
das respostas (gráfico 4): 66% de sim, 11% de não; já os 23% de não sei indicam uma
incógnita que se confirma, na pergunta seguinte, por extrapolar a hipótese por nós
apontada dos 10% de neófitos que não teriam vivido a transição de sistemas.
137
GRÁFICO 4
INFORMAÇÃO FICOU MAIS UNIFORME
66%11%
23%
SIM
NÃO
NÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
Nessa mesma linha comprobatória, 56% responderam que a assiduidade na abertura
dos e-mails se manteve no tempo assim como o número dos que desconheciam a
informação (gráfico 5), confirmando a aceitação pelo uso do instrumento analisado,
sobretudo, por se tratar de um segmento funcional que depende muito da manutenção
dos fluxos de comunicação, quer para ter respostas às suas demandas, quer para
prestar o serviço demandado a ele. O que nos chamou a atenção neste quesito foi o
percentual de desconhecimento em 28% quando confrontado com os anteriores, já que
aponta uma certa dissonância em relação aos percentuais de satisfação com a inovação:
se o acesso à informação aumentou significativamente, seria evidente que a abertura da
correspondência deveria ocorrer na mesma proporção, dada a relação intrínseca entre
as ações; se a comunicação melhorou tão significativamente, como ela não estaria
igualmente sendo aberta... Tal incongruência se confirmou quando do percentual
apontado para a pergunta que envolvia o modo de leitura da correspondência na qual, o
expressivo percentual de 88% dos entrevistados (gráfico 6), disseram que a leitura é
138
feita na tela confirmando que o volume de informação aumentou e a quase totalidade
dos usuários lê sua correspondência pela via eletrônica. Isso nos levou à hipótese de
que os setores operacionais, premidos por "tarefas a cumprir", ansiariam por uma
velocidade ainda maior na abertura das mensagens, apesar dos 91% de respostas
positivas à primeira questão que fala de agilização.
Outra inferência, pelos dados analisados, é a de que o novo meio não permitiu, pela
suas potencialidades, alternativas de permanência ou retorno às velhas ferramentas
operacionais, impondo-se ou sendo imposto como o meio consagrado e totalitário.
GRÁFICO 5
ASSIDUIDADE DE ABERTURA DE EMAILS16%
56%
28%
SIM
NÃO
NÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
139
GRÁFICO 6
LEITURA DE EMAILS
88%
12%LEITURA NA TELA
LEITURA DE IMPRESSÃO
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
Mesmo sendo, indubitavelmente, um meio de natureza propositadamente instrumental e
confirmando nossas hipóteses, aparecem 88% dos entrevistados afirmando que as
relações interpessoais foram facilitadas, contra apenas os costumeiros 12% de
discordantes (gráfico 7), o que confirma o desconhecido potencial transformador de
culturas do espaço virtual ou, da mesma forma, da sua capacidade de sugestionar e,
por isso mesmo, provocar mudanças imprevistas.
GRÁFICO 7
FACILITAÇÃO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS
88%
12% RELAÇÕES MAIS FÁCEIS
RELAÇÕES MAIS DIFÍCEIS
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
140
Na mesma linha da questão anterior, 59 % dos entrevistados confirmaram que o portal
facilitou a adaptação dos novos funcionários, ou seja, de alguma forma, quer pela
facilidade de comunicação, quer pela visualização do todo organizacional, quer por
outros fatores já citados ou, certamente, insuspeitados, a crença nos poderes
integradores do espaço virtual se consubstancia e, não temos dúvidas, pela constância
dos índices estatísticos, consagrar-se-ia quanto mais buscássemos indicadores para
tanto, sobretudo pelo fato de que os pesquisados, efetivamente, não possuem dados
objetivos para tais afirmações (gráfico 8).
GRÁFICO 8
MELHORA DO PROCESSO DE ADAPTAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS
59%
9%
32%
SIMNÃONÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
Finalizando esta parte de nosso estudo, aparece mais um indicador senão controvertido
de opiniões, ao menos de explicação discutível: após o que já foi analisado em termos
positivos de ganhos na introdução da intranet na Fundação F, surgem 61% de
consultados (gráfico 9) afirmando que os processos administrativos se tornaram mais
trabalhosos ou complexos o que nos leva a crer, ou num momentâneo esquecimento
141
das "maravilhas da modernidade" face às lembranças das dificuldades e ameaças de
reengenharia de sua vivência no cotidiano, ou a manifestação de algumas idiossincrasias
relativas ao desenho e introdução verticalizados do sistema, mesmo quando sabemos
que ele buscou um cuidadoso estudo das essências vitais das antigas rotinas para evitar
soluções de continuidade nos processos.
GRÁFICO 9
PROCESSOS ADMINISTRATIVOS MAIS COMPLEXOS
61%9%
30%
SIM
NÃO
NÃO SEI
Pesquisa realizada no período de 01/04/05 a 30/04/05 na Fundação F
3.4.6 Análise cruzada dos dados
Apesar de já havermos feito, no transcurso deste estudo de caso, uma série de
correlações entre os dados obtidos, para não perdermos o momento da reflexão
voltamos, aqui, para fecharmos todas as possibilidades, num necessário arremate
metodológico.
Quando confrontamos as "percepções" sobre as possibilidades de diminuição de custos
pela implantação do portal corporativo, é interessante constatar a disparidade não
142
apenas de avaliação de prioridades buscadas pelo processo, o que não seria de se
estranhar como, também, a disparidade de avaliação da realidade mais concreta dos
fatos: efetivamente, a questão dos custos, não foi parte das principais metas do projeto
uma vez que ele visava a modernidade em padrões focados em eficácia; mas a simples
eliminação de um elemento material de forte simbolismo burocrático, o papel, não
apenas polarizou um movimento "politicamente correto", mas confirmou uma realidade
que, ainda que verdadeira, fugiria ao controle dos muitos que a aceitaram como efetiva.
Confrontadas com atenção as respostas dos três diferentes níveis funcionais, fica
evidenciada a eficácia da intranet enquanto poderosa ferramenta de trabalho para
todos, enquanto que seu poder transformador como nova forma de comunicação não é
tão claro para os níveis superiores da hierarquia funcional que, é importante que se
ressalte, na totalidade dos consultados, viveu a mudança dos processos.
Denotativa dessa maior percepção da realidade da ferramenta analisada pela "linha" e
pelos mais próximos dela, é a expressada pela certeza de que foram alteradas as
relações interpessoais, quer pela afirmação explícita à essa pergunta, quer pelo desejo
de que mais pessoas seja habilitadas na rede, mesmo que, também neste aspecto, seja
muito forte a crença derivada do "poder positivo da mudança pela mudança".
Apesar de, como em qualquer portal corporativo, haverem controles, os diversos setores
os citam de modo muito discreto mas, ainda assim, positivo, quando o identificam como
143
instrumentos de segurança e não de censura e controle: foram, consciente ou
inconscientemente, omitidos pela totalidade dos pesquisados a existência presumida de
inúmeros relatórios de freqüência de uso, presença etc.
Por fim, é também necessário se destacar, a menção feita pelo setor operacional quanto
ao aumento de trabalho nos processos administrativos e que, nem mesmo se insinua
nos demais níveis consultados, quando se retoma a análise do conjunto da pesquisa, se
confirma o êxito do portal enquanto ferramenta de promoção de eficácia: aumentando a
rapidez da comunicação, avolumando seu fluxo, melhorando o seu padrão e
uniformidade, o "trabalho a mais", poder-se-ia entender como o aumento efetivo da
produção e não por um retrabalho resultante de uma complexificação anti-racional.
3.4.7 Análise final dos dados
Na análise mais restrita do caso estudado, algumas conclusões já nos permitiram
entrever possibilidades de, mais adiante, no fechamento da dissertação, fazer confluir
nossos pressupostos teóricos com os dados concretos obtidos na análise deste caso.
Assim foi que, de forma bastante conclusiva, ficou claro que, desde a arquitetura, até a
implantação de um espaço virtual de comunicação organizacional, as dimensões novas
por ele criadas, seus principais efeitos e, sobretudo, seus desdobramentos humanos,
não apenas ficam ofuscados para seus atores pelos poder imagético da modernidade
144
pressuposta e implantada como, também, se olvida a importância de tais modificações
na cultura organizacional já que, mudança tecnológica e mudança de clima ou de
estruturas informais, aparecem como universos paralelos e distantes: nos despertou
especial cuidado o fato de que, uma das ferramentas de informalidade designada no
portal como comunicador, olvidada propositadamente nas questões oferecidas, não foi
objeto de nenhuma menção: tal espaço que, por vocação manifesta, seria uma sala de
bate-papo, sem quaisquer controles, acabou por se transformar num mecanismo de
verificação de presenças uma vez que indicadores assinalam se o interlocutor buscado
se encontraria ligado na rede e que, num movimento previsível mas muito amplo e
forte, tem sido utilizado como "índice de adesão às mudanças" pela rádio peão que fez
questão de se colocar no ar para comentar a pesquisa:
“Cada um em sua escala, os atores da comunicação ou os elementos de uma mensagem constroem e remodelam universos de sentido. Chamaremos estes mundos de significação de hipertextos”.(Lévy, 1997: 25)
A reclamação por mais espaço e mais habilitações na rede é um fator que aponta em
direção oposta àquela mencionada pelo setor acima citado de limitar e controlar o meio:
parece que a intranet, para a parcela maior da média administração, se estadeia como
uma ferramenta que atende aos anseios pessoais e profissionais e que, numa latência
insuspeitada e instigante permite um novo universo de relações e conexões:
“A era de relações requer, por sua vez, uma nova ecologia cognitiva, traduzida na criação de novos ambientes de aprendizagem que privilegiem a circulação de informações... Uma nova ecologia cognitiva significa uma nova relação com a cognição, com o conhecimento, com os outros, uma nova dinâmica nos processos de construção do saber, que esclareça a existência de relações entre diferentes organismos, que indique que tudo que existe, coexiste e que nada existe fora de suas conexões e relações”. (Moraes, 1997: 27)
145
Analisando o efeito da multiplicidade e riqueza das telas do portal e das informações
nelas contidas, a possibilidade de visão do todo organizacional, conferiu aos estratos
operacionais uma segurança de conhecimento que, ainda que menor do que a acusada,
nasceu dessa dimensão panorâmica agora obtida a que somaríamos, enquanto parcela
olvidada, a "ilusão mágica" da modernidade tecnológica informacional e sua
insuspeitada capacidade de atrofiar o senso crítico: isso fica muito nítido na dificuldade
dos usuários de perceber que, junto com o fascínio e as facilidades, existem tarefas
exaustivas e severos controles. Em contraste com liberdades jamais imaginadas, podem
haver mecanismos constantes e intangíveis de dominação.
Também confirmando esse embotamento de consciência, a clara e aceita simplificação
do padrão de comunicação formal como fator chave de modificações, ou é desconhecida
ou sufocada pela dinâmica dos fatos, haja vista que se mencionam todas as "novas
facilidades" mas se olvidam, liminarmente, outras tão importantes conseqüências: seria
de se imaginar que, os níveis mais esclarecidos, devessem ter dado um pouco mais de
atenção para a "silenciosamente eloqüente" revolução que se operava nos canais
institucionais de comunicação e que, os níveis operacionais, apesar de mais atingidos
pelo concreto das mudanças, se dessem conta da imensidão de novas possibilidades de
trabalho e vida oferecidas.
Há que se mencionar, recorrentemente, a sensibilidade de um segmento da
administração intermediária que, entrevendo o potencial de mudança contido na
146
intranet, numa indisfarçável e honesta postura autoritária, pede mais controles na
administração do portal: tal apelo veio de um setor que usa intensamente o meio
analisado e, assim, nos fornece rico subsídio para reforçar nossas crenças nas
possibilidades inimaginadas do espaço virtual.
Por fim, após uma releitura muito detida das aparentes contradições encontradas, dos
silêncios inexplicados, das ignorâncias insuspeitadas, surgiu aquela que nos pareceu a
maior descoberta do nosso estudo e que, como tudo o que é evidente, deixávamos
passar quase desapercebida. Um dos traços mais marcantes da estrutura organizacional
da Fundação F e que se cristalizou num longo processo de cinqüenta anos, foi um mal
disfarçado isolacionismo entre unidades acadêmicas, departamentos, institutos e outras
formações administrativas, provocado por um crescimento alheio a planos estratégicos
que atendeu, ou às necessidades de sobrevivência, ou a projetos isolados mal cosidos à
administração central da Mantenedora. Tal arquipélago organizacional, evidentemente,
consagrou feudos e seus respectivos senhores que foram definindo fronteiras pela mais
secular das formas, o poder que derivava da importância político-financeira dos serviços
prestados pelo seu setor. Nesse contexto acontecia, em igual proporção, uma
comunicação nos mais antigos padrões burocráticos da "papelocracia" que, aqui, era
represada, ali, fluía mais célere sem nenhum problema, não fosse o fato de que o
mundo exterior já havia transitado para os info-meios. Assim, por mais democrática que
pudesse ter sido a implantação do portal corporativo, essa abertura da comunicação
para o todo da organização trouxe, em seu âmago, a pouco definida sensação de
invasão que apenas um dos gerentes pesquisados acusou. Daí, o que poderia parecer
147
reação à verticalidade do processo foi, opostamente, reação à abertura democrática das
comunicações e, por extensão, dos espaços organizacionais a todos os "habilitados"
que, na maioria dos casos, não eram "agregados da gleba" e que passaram a transitar
com uma insuportável impudência, se comunicando direto com os "chefes", sabendo de
aniversários e "eventos particulares". Tais constatações demandariam estudos
posteriores no sentido de se circunscrever e entender as grandes linhas de alterações
provocadas na cultura da organização por esse processo de "desenfeudização"
comunicacional que, em essência, seria o desdobrar necessário deste estudo.
Será que as novas modalidades de "informalismo eletrônico" acelerarão, ainda mais,
pela sua sofisticação crescente e, conseqüente complexidade de símbolos e códigos, os
diferentes níveis hierárquicos? Será que as "novas estruturas informais" estabelecerão
barreiras mais resistentes porque mais constantes e elaboradas?
“... as futuras equipes de arquitetos cognitivos não irão construir novas cidades em campo aberto para indivíduos sem história e sem passado... Estes arquitetos deverão partir de modos de interação em vigor nas organizações os quais diferem de acordo com os locais e as culturas” (Lévy, 1997: 53).
Concluindo, a análise final nos permite afirmar que o constructo atingiu aos desígnios
iniciais uma vez que nos permitirá, não apenas um conhecimento mais efetivo da
organização analisada, bem como o encaminhamento teórico no sentido de
corroborarmos algumas das hipóteses inicialmente oferecidas e subsidiarmos indicações
para outros trabalhos conforme acima apontado.
148
3.4.8 Aspectos particulares do estudo
O caso por nós escolhido apresentou particularidades que, afora o conhecimento por
nós adquirido numa longa e atenta vivência da organização e que nos permitiu extrair o
máximo dele, revelou peculiaridades que permitirão ao estudioso ilações e indicações
para futuras generalizações de fundamento teórico.
Seria de se estranhar que numa organização voltada à educação e à cultura, a inovação
chegasse pela porta administrativa antes do que pela didático-pedagógica. No entanto,
quando lembramos da situação das entidades particulares de ensino e de suas
dificuldades de sobrevivência financeira enquanto prestadoras de serviços educacionais
de qualidade no Brasil, teremos clara a necessidade das mesmas de manterem
estruturas administrativas enxutas, eficazes e, portanto, modernas. Na mesma linha de
explicação, apareceram as seculares e até ideológicas resistências, declaradas ou não,
dos docentes quanto às crenças na modernidade instrumental em contraponto à
"solidez da erudição acadêmica": o fato é que, na maior parte das instituições
educacionais a modernidade entrou pela "porta de serviço", entrou de macacão e não
de avental branco, a não ser naquelas de vocação flagrantemente tecnológica: no caso
da Fundação f, por ocasião das mudanças analisadas, um dos elementos de
manutenção de estagnação, a escassez de recursos, não existia, o que deu ao caso
outro fator de singularidade por que fez com que os instrumentos informacionais
aparecessem em todo o dispendioso esplendor das tecnologias de ponta.
149
A "convivência eletrônica" de núcleos de trabalhadores do conhecimento e de
funcionários operacionais de díspares áreas, permitiu que o nosso estudo desfrutasse de
uma diversidade rara, quer em termos das universidades tradicionais, sobretudo as
públicas, quer mesmo das particulares que, em raríssimos casos, possuem ateliês,
teatro, museu e todo um conjunto de atividades culturais estranhas aos espaços
acadêmicos. Há que se fazer uma correção: de fato a Fundação F, não é uma
universidade, mas um conjunto de faculdades isoladas que foram sendo agregadas
juntamente com núcleos, institutos e departamentos, constituindo uma unidade ímpar
que se mostrou um interessante espaço de comunicação exatamente pelas condições
advindas da diversidade .
A forma como foi projetada a arquitetura do portal institucional da Fundação F e sua
subseqüente implantação, também obedeceram a um processo diferenciado: após
tentativas de se trazer "alienígenas informacionais" e de se conhecer aquilo que a
muitos chamaram de os "aventureiros da inovação", optou-se, mesmo que com um
custo bastante superior, por se criar, com parcerias externas limitadas, um
departamento próprio que desenvolvesse as ferramentas necessárias a partir das rotinas
internas de comunicação mais consagradas e de necessidades cuidadosamente
detectadas. Assim, mesmo que se tenha identificado alguma sensibilidade pela
verticalidade necessária ao processo, diferentemente do que a história da
informatização exaustivamente já contou, não se constataram os "massacres funcionais"
150
de adaptação das organizações aos "sistemas comprados" talvez pela lembrança de
experiências anteriores na aquisição de outros sistemas.
Outro importante aspecto do caso em questão e um dos traços medulares da cultura da
organização em foco, a saber, a existência dos "feudos organizacionais" apontados em
3.5.5 que, dada sua capacidade de resistência e sofisticação conferidas pelo padrão
intelectual dos seus atores sociais, faz com que este caso, também por isto, seja
singular.
3.4.9 Contribuições organizacionais
Ainda que reunindo um conjunto de recorrências já que destacamos anteriormente
alguns desses fatos, cumpre enfatizar e acrescentar algumas das possíveis contribuições
que este trabalho acredita ter deixado para o cotidiano das organizações.
Em primeiro lugar, aparece a importância crescente que a atenção dos gestores deve
consagrar aos efeitos da utilização dos multimeios nos processos de comunicação
organizacional, quando os meios são alterados de forma verticalizada: ressaltando-se a
importância estratégica da comunicação sobre a cultura e o clima das organizações
lembramos, não apenas da possibilidade de os produtos esperados não serem
alcançados mas a ocorrência de efeitos inesperados e de conseqüências imprevisíveis
que podem elevar os custos materiais e humanos a níveis perigosos uma vez que,
151
subvertendo o planejamento inicial, correm o risco de tornarem o processo
incontrolável. Tal imprevisibilidade seria decorrência do natural caráter autopoietico do
espaço virtual e que, sempre é importante lembrar, dada sua fluidez e dinâmica
desconcertantes, é marcadamente desconhecido e surpreendente: falamos aqui da
"inconseqüência mecânica" de se acreditar que o virtual em si apenas agiliza, racionaliza
e barateia o processo de comunicação sem nenhum cuidado maior de se pensar e
verificar de forma mais detida os efeitos sobre as relações de poder, sobre as estruturas
informais, sobre o processo de cooperação e seu oposto, a geração de conflitos. Seria
ousadia necessária e , até mesmo aceitável na humildade de nosso escopo, lembrar às
gerências de que, ante riscos desconhecidos, valeria muito reunir os atores sociais para
refletirem os efeitos sobre si e sobre o corpo funcional dessas verdadeiras mutações
comunicacionais que, se muito pensadas e discutidas em outras áreas do conhecimento
e das atividades humanas aparecem, na administração, como meras reformulações
técnicas de efeitos humanos anódinos.
Ainda como corolário da afirmação anterior, ou seja, da importância de se atentar para
as mudanças nos processos de comunicação organizacional, de se cuidar dos mesmos
não apenas enquanto uma “modernidade irrecusável” e, por isso mesmo, de se
implantá-los de forma verticalizada, queremos lembrar que, se efetivamente grande
parte das ações de mudança depende de uma visão estratégica, voluntarista e limitada
a um grupo menor, de outro , sobretudo quando essas ações atingirão o total absoluto
da organização, é extremamente importante que se tenha consciência que esse
152
irrefutável e, talvez, necessário traço autoritário de mudança será, forçosamente,
amplificado pelo uso já que seu objetivo final é a própria voz da organização, uma vez
que é ação sobre seu sistema nervoso central no sentido de torná-lo mais dinâmico,
mais sensível, mais atento aos sinais e, também, menos domesticado.
Fica, assim, evidente que as transformações provocadas terão efeitos visíveis e,
aparentemente, ordenados e comportados: todos falarão com todos de modo uniforme,
rápido, esteticamente mais bonito pela beleza digital de uma modernidade externa que
a feiura e o anacronismo dos memorandos e dos PABX de há muito deixaram de trás;
mas é admirável como pouco se deu conta e, insistimos, se avaliou, os efeitos
subterrâneos da infiltração virtual nas estruturas das organizações. Será que tudo e
todos que vivem fora dos espaços organizacionais foram atingidos mas apenas a
organização sobreviveu incólume às "conseqüências outras" da virtualização? Para o
universo organizacional parece que, comparativamente, tudo o que os multimeios
trouxeram foi, tão somente, produtividade e lucros apesar dos pesados investimentos e
da efetivas reengenharias efetuadas.
Finalizando e repetindo, pensamos que, passada a fase eufórica do advento do milagre
informacional, mesmo que a fantástica sucessão do hipermoderno engenho seja infinita,
devamos olhar para o milagre e avaliar o que ele tem de conteúdo humano, cremos que
cabe aos estudiosos da organização a calma e a responsabilidade de dar ao espaço
153
informacional um contorno mais real porque mais distante do brilho ofuscante das
revoluções tecnológicas que têm paralisado suas vítimas.
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A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Queremos nos valer, deste momento derradeiro para, não apenas retomarmos
sucintamente algumas conclusões já apresentadas, mas para apresentar reflexões que,
apesar das limitações desta dissertação, nos sentimos obrigados a fazer enquanto
contribuição a um tema que, seguramente, concentrará trabalhos mais alentados e do
qual, confessamos, não gostaríamos de nos despedir sem aproveitarmos todo o espaço
possível que, prevenimos, será menos concludente e mais devaneio, mais indicativo.
Se num primeiro momento nosso contacto com as TCI se fez no incômodo de substituir
memorandos escritos, como sempre escrevemos, por uma tecnologia imposta e de
decifração desagradável; logo a seguir, superadas as dificuldades técnicas, começamos
a nos dar conta que um novo modo se impunha às comunicações sem que a
organização suspeitasse das mudanças, sem que se encontrassem estudos que nos
falassem algo além de relações mecanicistas e óbvias apesar de toda a plasticidade e
potencial contidos nessas novas ferramentas de intermediação. Assim, nos demos conta
de uma série de corolários que, se não se confirmaram cabalmente, se mostram como
hipóteses seguras para encaminhar nossas desconfianças enquanto propostas de
trabalhos.
Assim, se no contexto das organizações contemporâneas a comunicação se mostrava
cada vez mais essencial para a sua sobrevivência, se nesse mesmo tempo a inovação
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apresentava situações inusitadas e surpreendentes com a acentuação de ritmos e
simultaneidade de novas tecnologias, a integração de tudo isso pelo espaço virtual
potencializou, efetivamente, realidades organizacionais que, mesmo quando nos
detemos em observar eventos mais restritos, como o que fizemos enfocando um portal
corporativo, revelam horizontes que obrigam o estudioso a preocupações jamais
enfrentadas, o que levaria, forçosamente, a buscar novas luzes epistemológicas e que,
para nós, aproximaram, irrefutavelmente, os estudos das organizações da Teoria da
Complexidade pela sua natural vocação de tratar e viabilizar essas novas realidades
excessivas para outras lógicas menos afeitas à imprevisibilidade.
A comunicação implementada e geneticamente modificada pelos info-meios revelou agir
sobre a organização enquanto fator de complexificação, enquanto sistema, alterando,
radicalmente, as relações entre os indivíduos e os indivíduos com o todo. É assim, que
mesmo eventos informacionais naturalmente limitados como uma intranet,
demonstraram potencial transformador muito além daqueles imaginados pelos mais
cuidadosos arquitetos da inovação e muito menos percebidos pelos usuários mesmo os
mais atentos: se de há muito os estudiosos têm se voltado para as relações humanas
com a tecnologia, hoje, estabeleceu-se a certeza de que tais estudos necessitam de
profunda revisão, tão profunda quanto a abissal diferença de essência das novas
tecnologias com relação a aquelas que fizeram os "milagres" da Revolução Industrial; na
mesma proporção, fica a distância entre os estudos das TCI nas relações
organizacionais e seus precedentes mais imediatos agora sempre mais afastados pelas
rupturas constantes criadas pela essência mesmas das inovações. Há que se considerar
156
um conjunto novo de variáveis de agravamento nesse processo de inconsciência
tecnológica: dada a rapidez de anacronização, escassez de tempo de adaptação dos
usuários para fazer retornar os investimentos e fazer produzir a aquisição, considerada a
sempre por nós mencionada sedução pelo novo, as possibilidades de pensarmos os
efeitos sobre nós dessas inovações ficam, cada vez mais, confinadas à pequenez das
“vantagens competitivas” e cada vez mais limitadas pela “pequenez das máquinas”.
No sentido dessa outra ótica, há que se tentar enxergar a organização em rede, onde o
conhecimento passa, mais e mais, a se constituir em forma de controle, onde a
inovação impositiva e constante cria estruturas que se tornam, quase que
espontaneamente, cada vez mais abertas, menos hierarquizadas e mais centradas nos
processos; onde o próprio poder que incrementa a inovação tanto pode se reorganizar
nessa nova dinâmica quanto se desequilibrar na descentralização involuntária sempre
potencial da rede que tem a possibilidade de cultivar individualidades, que pode permitir
a libertação do sistema pela sua incontável capacidade de gerar atalhos, de criar em sua
completa fluidez, espaços singulares de descontrole. A digitalização da comunicação
potencializa a reconstrução da realidade já reconstruída pela comunicação criando novas
e surpreendentes realidades que podem, quase sempre, escapar dos próprios gestores
das transformações obrigando a todo um repensar das estratégias de gestão da
inovação; realidades onde as previsões serão trocadas pelos potenciais e nas quais as
estruturas serão redesenhadas a partir das identidades produzidas pelos
relacionamentos nascidos pela troca das informações: essas informações transmutadas
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pela mediação informacional trazem uma das causas, um dos gatilhos provocadores dos
movimentos autopoieticos que se tornarão mais constantes na realidade organizacional
sobrevivente.
Mesmo que o acima afirmado possa assumir um proposital tom de “profecia
organizacional escatológica”, tal exagero didático nasce da certeza de que, a partir do
pouco que pudemos efetivamente constatar em nosso caso, nos silêncios das grandes
redes todos sabemos desconfiar mudanças essenciais em nossa humanidade e, aceitá-
las como viscerais, é o primeiro movimento para entender seu alcance e, quiçá,
compreender seus efeitos, já que temos que entender a realidade recriada pela mágica
muito concreta do espaço virtual, pela comunicação hipertextual: é cada vez mais
estranho, senão assustador, observar os estudiosos das organizações se emocionarem e
surpreenderem com o mundo metamorfoseado pela rede externa, e não se tocarem em
igual ou semelhante proporção com o que estaria ocorrendo nas estruturas mesmas das
organizações.
Quando se constata o "efeito complexificante" do hipertexto ou, genericamente, da
geração e dos espaços virtuais dentro dos quadrantes da organização, lembramos que a
complexidade é “tolerante”; de fato, predisposta à “desordem autocriativa” que, se de
um lado, a adapta a enfrentar os distúrbios do mundo exterior, por outro, pode gerar
um desequilíbrio interno desintegrador e mortal quando não entendida. Tal dilema
encontraria uma de suas saídas na busca da solidariedade vivida enquanto catalisador
158
do único equilíbrio que sobreviveria à complexidade: temos aí, por vias transversas, a
recuperação dos valores da cultura organizacional agora conquistada e mantida por
"novos meios", meios capazes de criar espaço informais e relacionais inimaginados;
capazes de armazenar dados de nossas memórias coletivas em escalas jamais pensadas
estabelecendo correlações infinitas. Pensar essas culturas renascidas e compiladas em
bits e ainda capazes de estabilizar a instabilidade essencial de nossos tempos é outro
dos desafios que parecem que serão a nossa forma definitiva de viver a normalidade e
onde a incerteza não será mais anomalia. Se tivemos uma muito longa ditadura da
tecnologia sobre a humanidade em todos os espaços da vida profissional, a organização
e a própria vida em redes e sua conseqüências permitiram que pudéssemos ultrapassar
a iconoclastia dos humanistas em relação às técnicas que, agora TCI, apareceriam como
aliadas, como instrumentos de promoção e respeito do homem: eis a possibilidade
oposta que as redes oferecem como potenciais autopoieticos de sobrevivência e que nos
faz oscilar entre as utopias da inovação e as lamúrias apocalípticas das metástases de
uma tecnologia desumanizada.
Como será a convivência que as possíveis camadas de interfaces digitais terão com os
nossos acervos escritos, imagéticos e orais nos contextos dos grupos e compondo
nossos elencos valorativos?
A única certeza que se pode vislumbrar é que todos os compósitos nos trarão novas
tradições, novos referenciais que acentuarão esse nosso surpreendente devir. Se
séculos de escrita nos fizeram entender o mundo como se fosse uma página que nasce,
159
pelo menos para o ocidente, de cima para baixo, da esquerda para a direita, que se
organiza em parágrafos, pontos e vírgulas, como será esse mesmo mundo olhado pela
miscelânea de mídias em convivência complexa? Como será o mundo do hipertexto?
Mais ainda, como estarão sendo lidas, entendidas e gerenciadas as organizações com
suas necessidades aritméticas e contábeis por essa nova linguagem?
E quando tocamos no “lado negro”, nunca poder-se-á perder a óbvia dimensão de que
as mesmíssimas TCI tem podido e poderão continuar a serem configuradas para
endurecerem a cadeia escalar, para acentuar as diferenças hierárquicas, o centralismo,
o formalismo, o verticalismo dos modelos lineares e impositivos. Aliás, no caso estudado
dos portais corporativos, muitos exemplos conhecidos apontam declaradamente para
esse intuito. A grande questão que se colocou, fazendo com que as TCI perdessem essa
bipolaridade elementar das ferramentas - para o bem ou para o mal - é que tais
instrumentos parecem que trariam em si o germe da indomabilidade, pareceriam que,
mesmo quando sujeitos a rígidos padrões de controle, são capazes de permitirem
subterfúgios, vias paralelas, subversão dos padrões originais: quando se fala em
segurança digital, em propriedade digital, em organização digital, surge sempre aos
nossos olhos a figurinha de um garoto míope burlando e brincando com os tesouros dos
bancos, com os segredos das potências, caminhando sorrateiramente pelos corredores
privativos das grandes corporações, quanto mais se pensa no Big Brother mais
aparecem as possibilidades de “Davis cibernéticos”. De qualquer maneira, ainda assim,
queremos relembrar uma outra vertente de possíveis estudos que, de maneira alguma
160
poderá ser afastada neste nosso espaço de justo, necessário e libertado refletir: as por
nós designadas renascidas burocracias digitais que, se na contra-mão de tanto e de
tudo que já se fez e falou em termos das modernas organizações, por inúmeras razões,
tem sido objeto de ensaios, investidas e pesados investimentos, já que controles são
elementos atávicos, medulares pois ideológicos de toda uma cultura gerencial de muito
longa duração e, face a tudo o que se sabe e já foi dito aqui das TCI, jamais dispuseram
de ferramentas tão eficazes...
Antes que nos imputem leviandade novelística, antes que nos acusem de estarmos
usando um estereótipo estético cinematográfico, perguntamos: ante a fluidez e às
possibilidades das redes não seriam estas o espaço natural de uma civilização de
invasores? Não seriam elas o húmus de uma criatividade de fronteiras amplas,
irregulares e indisciplinável? Não estaria nesse paradoxo intrínseco das relações entre
"instrumentos desobedientes" e senhores autoritário-burocráticos a razão de sistemas
sociais cada vez menos domináveis, cada vez menos capazes de produzir a auto-
organização viabilizadora de saídas?
O que nos avalizou e incentivou tais reflexões sobre as questões pertinentes às relações
mais especificamente entre comunicação e mudança foi, insistimos, a constatação de
que as mesmas são analisadas por padrões um tanto rígidos e estanques, quer pelos
estudiosos da comunicação que se restringem à sua área, quer pelos estudos
organizacionais que, também pelo seu lado, pouco se esforçam nessa travessia inter-
161
disciplinar tão importante para que sinais, ao menos, nos apontem novas frentes de
pesquisas: algo mais tem se escrito sobre comunicação organizacional sem que, no
entanto, com raras exceções, tenha-se conseguido um novo instrumental teórico-
conceitual que desse conta dessa enorme demanda e volume de diálogo que as TCI
geraram nas organizações: as novas dimensões técnicas das redes potencializaram a
ação articulada de públicos em escala mundial e de diversidade imprevisível. Nos parece
que essa "terra de ninguém", que esse vácuo de interesse exista, menos pela ausência
de estudiosos que aventurassem fazer o casamento entre essas áreas do conhecimento,
do que pela ousadia epistemológica indispensável que deveria conduzir tais estudos.
Insistimos, é mera percepção de um iniciante encantado pelos primeiros passos num
deslumbrante cenário de novidades o que, conseqüentemente, nos permite a
inconseqüência, assim como parece muito difícil se falar em conseqüência, ordem e
outros conceitos respeitáveis quando a subversão se tornou a versão, quando todos os
limites se dissolveram e quando a única coisa que nos parece mais fundamental do que
nunca e mais tão necessária como sempre é o resgate, de sob os escombros de uma
sucata tecnológica de última geração, da humanidade olvidada.
162
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QUESTIONÁRIO DIRETORES
1- Qual a sua percepção sobre a implantação da intranet na Fundação com relação aos seguintes pontos:
a) Agilização da Comunicação
b) Barateamento dos fluxos de comunicação
c) Aumento do acesso às informações diversas para todos os níveis hierárquicos da Fundação
d) Uniformização das informações gerais
2- Na sua opinião após o impacto inicial da implantação da intranet, os usuários diminuíram sua assiduidade na abertura de seus e-mails?
3- Você acredita que após o início da intranet houve uma mudança nas relações entre os diversos setores dentro da Fundação, no sentido de que a comunicação entre hierarquias diferentes ficou facilitada?
4- Você gostaria de apontar mais alguma observação relevante sobre a implantação da intranet na Fundação?
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QUESTIONÁRIO GERENTES
1- Qual a sua percepção sobre a implantação da intranet na Fundação com relação aos seguintes pontos:
a) Agilização da Comunicação
b) Barateamento dos fluxos de comunicação
c) Aumento do acesso às informações diversas para todos os níveis hierárquicos da Fundação
d) Uniformização das informações gerais
2- Na sua opinião após o impacto inicial da implantação da intranet, os usuários diminuíram sua assiduidade na abertura de seus e-mails?
3- Você acredita que após o início da intranet houve uma mudança nas relações entre os diversos setores dentro da Fundação, no sentido de que a comunicação entre hierarquias diferentes ficou facilitada?
4- Você percebeu alguma mudança no sentido de melhoria ou não do processo de adaptação dos novos funcionários após a implantação da intranet, ou seja, ela facilitou o aprendizado e conhecimento da estrutura?
5- Na sua percepção os usuários da intranet:
a) lêem os e-mails na tela
b) imprimem para ler no papel
6- Após a introdução da intranet:
a) As relações se tornaram mais formais
b) As relações se tornaram menos formais
c) Não houve nenhuma alteração
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QUESTIONÁRIO FUNCIONÁRIOS
1- Você acha que a implantação da intranet na Fundação: a) Agilizou a Comunicação?
sim não não sei
b) Barateou os fluxos de comunicação?
sim não não sei
c) Aumentou o acesso às informações diversas para todos os níveis hierárquicos da Fundação?
sim não não sei
d) Houve uma uniformização das informações gerais?
sim não não sei
2- Na sua opinião após o impacto inicial da implantação da intranet, os usuários diminuíram sua assiduidade na abertura de seus e-mails?
sim não não sei
3- Você percebeu alguma mudança no sentido de melhoria ou não do processo de adaptação dos novos funcionários após a implantação da intranet, ou seja, ela facilitou o aprendizado e conhecimento da estrutura?
sim não não sei
4- Na sua percepção os usuários da intranet:
a) lêem os e-mails na tela
b) imprimem para ler no papel
5- Após a introdução da intranet:
a) As relações se tornaram mais fáceis
b) As relações se tornaram mais difíceis
6- Você acha que a intranet tornou os processos administrativos mais trabalhosos?
sim não não sei