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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CAMPUS I
CENTRO DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
TÉRCIA FERNANDA DA SILVA
CULTURA E IDENTIDADE NO CINEMA CAMPINENSE: PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS ENTRE 1960-1999
CAMPINA GRANDE-PB 2014
TÉRCIA FERNANDA DA SILVA
CULTURA E IDENTIDADE NO CINEMA CAMPINENSE: PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS ENTRE 1960-1999
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em História da Universidade Estadual da Paraíba, em cumprimento à exigência para obtenção do grau de Licenciado em História. Orientadora: Profa. Dra. Patrícia Cristina de Aragão Araújo
CAMPINA GRANDE – PB 2014
RESUMO
Este artigo tem por objetivo refletir acerca, inicialmente, da relação cinema- história, buscando analisar como se deu o processo de inclusão do cinema como uma fonte histórica e como o cinema adquiriu uma importância no trabalho do historiador e na pesquisa histórica. A proposta de nosso trabalho é pensar sobre a cultura e identidade campinense no período compreendido entre 1960 a 1999, observando as práticas e representações elaboradas sobre o cinema em Campina Grande. Posteriormente, discutiremos as contribuições do cinema produzido na cidade, na construção da memória e identidade deste povo num recorte temporal que vai de 1960 a 1999. Nesta pesquisa, trabalhamos a partir dos estudos de Marc Ferro (1992), ao tratar da relação cinema-história dentro da perspectiva da História Cultural transmitida por Sandra Jatahy Pesavento (2008) e José D’Assunção (2003). Como abordagem metodológica, para a elaboração desse texto, trabalhamos com a História Oral temática, a partir trabalhos de Sonia Maria de Freitas. As fontes utilizadas foram entrevistas semiestruturadas e trabalhos sobre a temática. A produção cinematográfica de Campina Grande, mesmo com dificuldades, teve um papel significativo na forma de se fazer cinema na cidade e na maneira como, a partir do cinema, construíram-se representações do espaço citadino.
PALAVRAS-CHAVE: Cinema-história. Identidade. Campina Grande. Representações.
Sumário 1.INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7
2. NOVAS POSSIBILIDADES DE SE PRODUZIR A HISTÓRIA: ENTRA EM CENA O
CINEMA .................................................................................................................... 11
3. O CINEMA COMO UM DOS LUGARES DE MATERIALIZAÇÃO DA MEMÓRIA . 13
4.OLHARES SOBRE O CINEMA CAMPINENSE ..................................................... 15
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 22
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 24
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CULTURA E IDENTIDADE NO CINEMA CAMPINENSE:
PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES COTIDIANAS ENTRE 1960-1999
Tércia Fernanda da Silva1
Universidade Estadual da Paraíba -UEPB
1. INTRODUÇÃO
Ao longo do tempo, o cinema se tornou um instrumento importantíssimo não
apenas para a História, como também para outras disciplinas que compõem as
ciências humanas. Mas, foi com a História que o cinema se relacionou melhor, pois,
enquanto processo, a História produziu o cinema que, por sua vez, reproduziu o
processo real, mesmo que de forma surrealista (NÓVOA, 1995). Aos poucos, o
cinema foi conquistando cada vez mais espaço, quer como objeto, quer como fonte
das produções históricas.
Inaugurada na França pela Escola dos Annales, a “Nova História” influenciou
intensamente a Historiografia Ocidental, principalmente na década de 1970, quando
novos objetos são incorporados ao fazer histórico. Destarte, o advento da Nova
História constitui um fato ocorrido com mais intensidade com a terceira geração da
Escola dos Annales, que marca o apreço dos historiadores pelas manifestações
populares (VAINFAS, 1997). Ao refletir sobre a Nova História cultural, Ronaldo
Vainfas demonstra as distinções existentes entre a nova e a antiga forma de se
perceber a história cultural. Esta
se apresenta como uma “Nova História cultural”, distinta da antiga “história da cultura”, disciplina acadêmica ou gênero historiográfico dedicado a estudar as manifestações “oficiais” ou “formais” da cultura de determinada sociedade: as artes, a literatura, a filosofia etc. A chamada Nova História cultural não recusa de modo algum as expressões culturais das elites ou classes “letradas”, mas revela especial apreço, tal como a história das mentalidades, pelas manifestações das massas anônimas (VAINFAS, 1997, p. 148).
11 Graduanda em História pela Universidade Estadual da Paraíba (câmpus I). E-mail: <terciabalzaac@gmail.com>.
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Assim, a História Cultural, campo do saber historiográfico atravessado pela
noção de cultura, ganha destaque nas produções historiográficas tanto brasileiras
quanto globais, demonstrando a necessidade de se ampliar os estudos sobre as
expressões e manifestações das diferentes culturas (BARROS, 2003).
Deste modo, de acordo com D’Assunção (2003, p.148), “a História Cultural
enfoca não apenas os mecanismos de produção dos objetos culturais, como
também os seus mecanismos de recepção”, reforçando a ideia de que a recepção
também é uma forma de produção. E é nesses sujeitos produtores e receptores que
a História Cultural está interessada.
Pesavento (2008) relembra que houve uma mudança significativa
relacionada à História Cultural, tendo tal mudança se consolidado em fins do século
XX. A História Cultural passa a ser chamada agora de “Nova” História Cultural. Ora,
vale lembrar que a História Cultural já existia mesmo no século anterior; mas, com a
crise dos paradigmas e a nova posição adotada pela História, deixando para trás os
velhos moldes, passou-se a olhar a cultura mediante uma nova perspectiva. “Se a
História Cultural é chamada de Nova História Cultural, como o faz Lynn Hunt, é
porque está dando a ver uma nova forma de a História trabalhar a Cultura”
(PESAVENTO, 2008, p. 15). Mais adiante, a autora acrescenta que “trata-se, antes
de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e
construídos pelo homem para explicar o mundo2”.
A importância da década de 1970 é clara, pois é neste período que se
adotam novas posturas e possibilidades de trabalhar e de fazer História. É
exatamente nesse período que o cinema é elevado à tal categoria de objeto, sendo,
assim, incluído nos domínios da História e do fazer histórico. Destarte, o cinema
passou a ser observado como um produtor e reprodutor da cultura e da ideologia.
Marc Ferro aparece como o principal e grande responsável por essa incorporação,
sendo, sem dúvida, o pioneiro no trato da relação entre cinema, História e
sociedade. Em seu livro Cinema e História, Ferro (1992) enfoca a relação existente
cinema-história desde que o primeiro foi concebido como arte:
2 Id., p. 15.
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Paralelamente, desde que o cinema se tornou uma arte, seus pioneiros passaram a intervir na história como filmes, documentários ou de ficção, que, desde sua origem, sob aparência de representação, doutrinam e glorificam (FERRO, 1992, p. 13).
Para Ferro (1992), independentemente do tipo de filme produzido, seja este
uma representação do real ou uma invenção, seja um documento ou uma ficção,
todos são e/ou narram a História de alguma forma. O autor enfoca ainda o cinema
como um reprodutor de ideologias, de forma consciente ou não.
Referindo-se a este assunto, o crítico de cinema francês Barthélemy
Amengual, em seu livro Chaves do Cinema, fala em “alienação” de uma ideologia
dominante: “Quando um filme reflete a ideologia dominante, é ao seu autor que
temos de pedir contas da alienação, não à sua imagem, e muito menos à câmera
que as registrou” (AMENGUAL, 1977, p. 156).
Nossa abordagem metodológica está organizada na perspectiva da História
Oral, em que trabalhamos com a História Oral temática, tendo como técnica a
entrevista semiestruturada.
A utilização da oralidade enquanto fonte de conhecimento e de pesquisa não
é uma prática atual. Ela pode ser observada já na Grécia Antiga, na época de
Heródoto, quando este, segundo Sônia Freitas (2006), utilizava-se de testemunhos
que ouviu para a elaboração de suas obras. Se durante décadas os depoimentos
eram negados enquanto fonte por seu “baixo valor histórico” (FREITAS, 2006, p.20),
atualmente estas narrativas orais têm sido bastante utilizadas nas produções
historiográficas. Partindo desta premissa, a História Oral aparece como “método de
pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e outros procedimentos articulados entre
si, no registro de narrativas da experiência humana” (FREITAS, 2006, p.19).
Freitas (2006) divide a História Oral em três gêneros: tradição oral, história
de vida e história oral temática. Sobre esta última, Freitas (ano 2006, p.8) esclarece
que,
com a História Oral temática, a entrevista tem caráter temático e é realizada com um grupo de pessoas, sobre um assunto específico. Essa entrevista – que tem característica de depoimento - não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante. Dessa maneira, os depoimentos podem ser mais numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que permite
10
uma comparação entre eles, apontando divergências, convergências e evidências de uma memória coletiva, por exemplo.
Inicialmente, foi feita uma pesquisa bibliográfica. Consultamos autores que
trabalham a temática elencada neste estudo. Em seguida, partimos para a pesquisa
de campo, no sentido de pesquisar sobre o cinema em Campina Grande e elencar
pessoas que estudam ou participam da feitura desta arte na cidade.
Num segundo momento, foram realizadas entrevistas. Os sujeitos da
pesquisa foram dois professores que realizaram estudos sobre a temática. As
entrevistas foram realizadas no período de 17 de junho a 05 de setembro de 2014,
feitas através de um gravador de celular. As fontes utilizadas neste trabalho foram
as entrevistas e a historiografia sobre o tema.
Sendo assim, a intenção desse artigo é compreender a trajetória do cinema
campinense no período compreendido entre 1960 a 1999, suas produções e
representações no contexto da cultura local. Para tanto, enfatizaram-se os lugares
de memória e as possíveis construções “identitárias” em busca de identificar, neste
período, como o cinema campinense foi construído e qual a importância das
produções fílmicas e dos trabalhos a ela vinculados neste contexto da cultura e da
memória campinense.
Este trabalho é composto por dois tópicos, os quais se prestam a ressaltar a
importância do cinema tanto em sua relação com outro campo, no caso, a sua
relação com a História, bem como sua relevância na História e memória do povo
campinense. Trabalhamos com o conceito de cinema a partir de Marc Ferro (1992).
Para definir identidade, recorremos a Stuart Hall (2002). Tomamos por base Roger
Chartier (1990) para conceituar representação e Michel Pollack (1989) para delimitar
a definição de memória.
Num terceiro momento, com base em entrevistas realizadas, discutimos
sobre as pessoas que produzem e discutem o cinema em Campina Grande e o que
elas pensam sobre o cinema no período proposto pelo presente estudo. Nosso
primeiro entrevistado foi o professor Rômulo de Azevedo (61 anos), natural de
Campina Grande, onde continua a residir. Formado em direito pela FURNE3, Rômulo
de Azevedo é professor de comunicação da Universidade Estadual da Paraíba
3 Fundação Universitária de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão.
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(câmpus I). O segundo a fazer parte das entrevistas foi o professor e escritor Bruno
Rafael de Albuquerque Gaudêncio (28 anos), também morador e natural da cidade
de Campina Grande, onde atua como professor na UEPB4 e também como escritor.
Bruno Rafael Gaudêncio é graduado em Jornalismo e História, ambos pela referida
instituição.
A problemática central deste trabalho gira em torno de identificar se o
cinema produzido na cidade pode ser considerado formador de uma identidade.
Para isto, elaboramos a seguinte questão orientadoras de pesquisa: de que maneira
esse cinema representou e foi representado nas produções de documentários e
curtas feitos pelos cineastas?
Inicialmente, pretendemos refletir acerca da importância que o cinema teve
para a História sob diferentes perspectivas, enfocando aspectos relativos à cultura e
à construção de percepção e representação que sugerem a busca por uma
identidade. Por fim, discutiremos a relevância do cinema de Campina Grande no
contexto do período proposto para estudo e as contribuições das produções
cinematográficas para a construção da identidade local.
2. NOVAS POSSIBILIDADES DE SE PRODUZIR A HISTÓRIA: ENTRA EM
CENA O CINEMA
A introdução do cinema como documento ou fonte histórica só foi possível
com a renovação ocorrida na historiografia em meados do século XX. Com a
abertura na historiografia e o alargamento de temas e fontes, a produção
cinematográfica foi inserida como objeto de análise.
Até a década de 1920, a utilização do cinema era bastante criticada pelos
historiadores tradicionais. Só após esta década o cinema foi reconhecido como uma
importante ferramenta para o conhecimento histórico. Conforme se percebe, o
processo de utilização do cinema no campo histórico foi lento.
Na década de 1950, deu-se um crescimento da utilização desta arte.
Porém, somente na década de 1960 o cinema passou a ser estudado mais
detidamente e utilizado com mais frequência, tanto por historiadores como por
4 Universidade Estadual da Paraíba (câmpus I).
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outros profissionais. Ressaltamos que a década de 1960 marca intensamente a
relação cinema-história graças ao surgimento de discussões metodológicas em
torno da questão. A problemática volta-se para a “[...] natureza da imagem
cinematográfica” (GOMES, 2010, p. 06).
Nesse momento, o historiador deixa de ver o cinema e, mais
particularmente, o filme como uma mera fonte estética e de diversão. O filme passa,
assim, a ter, na ótica do historiador, um papel de agente transformador da História,
além de ser concebido enquanto registro histórico.
Boa parte dos historiadores de tendências tradicionais, os quais só
aceitavam documentos oficiais como fontes, argumentavam que a utilização de
filmes poderia distorcer o passado, desprezando a historiografia e a própria História.
Não levavam em conta a seriedade e o alcance que o cinema pode ter se
comparado a outras mídias e meios de comunicação.
É válido ressaltar que, mesmo representando o passado, a produção fílmica
é, sem dúvida, influenciada - se não direcionada - pelos ditames do presente. Ou
seja, ao analisar um determinado filme, o historiador deve levar em conta suas
relações exteriores e interiores, pois os filmes dizem mais do momento em que
foram produzidos que do passado reproduzido por eles. Torna-se notória a influência
ideológica implícita nas cenas dos filmes, bem como o poder de dominação dos
mesmos.
A construção de uma mentalidade cada vez mais direcionada para o
moderno e para uma sociedade cada vez mais urbano-industrial são reflexos, em
grande parte, das produções e difusões cinematográficas. Ora, se a cultura
cinematográfica é uma propriedade privada de um grupo restrito de indivíduos,
torna-se lógica a influência, direta e/ou indireta, de suas ideologias na mentalidade
da sociedade.
Deste modo, muitos Estados utilizaram-se do cinema para impor ou mesmo
fortalecer seus ideais, numa tentativa de manipular a população de seus países.
Essa tendência encontra-se clara nas palavras de Marc Ferro (1992, p.13-14), ao
afirmar que, “simultaneamente, desde que os dirigentes de uma sociedade
compreenderam função que o cinema poderia desempenhar, tentaram apropriar-se
dele e pô-lo a seu serviço”.
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Tais reflexões demonstram que, ao contrário do que se pensa, o cinema não
é apenas um divertimento ou uma arte. É também uma forma de dominação, como
defende Jorge Nóvoa (1995). O historiador ainda faz menção às semelhanças
existentes entre o trabalho do historiador e as produções cinematográficas. Para ele,
ambas têm a função de provocar no leitor/espectador uma reflexão sobre os fatos
que ocorrem ou ocorreram e as consequências desses fatos para a sociedade. Ele
vai mais além, ao afirmar que cinema é História, pois o cinema é produzido através
do imaginário humano, que engloba as crenças e as intenções de quem o produz;
tudo faz parte da História.
Percebemos, ao longo dessa reflexão, que o cinema, ao ser introduzido ao
campo dos estudos históricos, não apenas possibilitou uma renovação
metodológica, mas também contribuiu para que o historiador compreendesse os
comportamentos, as ideologias de uma determinada sociedade e de seus governos,
as visões de mundo e os valores destas sociedades, além de como eram percebidas
em seu processo ou formação de identidades. Ademais, o cinema contribuiu para a
compreensão, em tese, de um certo momento histórico. Sendo assim, fica clara a
importância e, sem exageros, a preciosidade do filme enquanto fonte/documento da
História.
3. O CINEMA COMO UM DOS LUGARES DE MATERIALIZAÇÃO DA MEMÓRIA
A relação cinema-memória se faz presente no momento em que a
filmografia, ou seja, um conjunto de filmes reforça ou mesmo recoloca os lugares-
comuns, configurando o que Michel Pollack (1989) chama de trabalho de
enquadramento da memória. Segundo ele,
ainda que seja tecnicamente difícil ou impossível captar todas essas lembranças em objetos de memória confeccionados hoje, o filme é o melhor suporte para fazê-lo: donde seu papel crescente na formação e reorganização, e portanto, no enquadramento da memória (POLLACK, 1989, p.11).
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Um dos percussores dos trabalhos sobre memória, Pierre Nora (1981, p.
09), enfatiza que “a memória se enraíza no concreto, ao espaço, no gesto, na
imagem, no objeto”. Para ele, os lugares de memória são aqueles onde esta se
materializa, ou, como Nora (1981) mesmo diz, se “cristaliza”. Sob essa perspectiva,
o cinema pode e deve ser visto como um desses lugares de materialização da
memória. Afinal, ele é tanto um arquivo da memória coletiva como também a exerce.
Ainda conforme Pollack (1981), a memória se classifica em dois tipos
distintos: a memória oficial e as memórias subterrâneas. A primeira configura o
reflexo do discurso político, ou seja, do Estado. Esta memória oficial, em certos
momentos, vem a se sobressair sobre a memória clandestina, ou memórias
subterrâneas. Ambos os casos fazem parte de uma memória coletiva, seja de uma
nação, seja de um determinado grupo. Conforme o autor, antes de se compreender
a memória coletiva já constituída, há de se analisar sua função. Nesse sentido,
a memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações etc. A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as oposições irredutíveis (POLLACK, 1981, p. 09).
Refletir sobre a importância da memória e sua materialização das
lembranças direcionam nosso olhar para outro conceito bastante discutido e
estudado: o de identidade. É praticamente impossível pensar na memória e não
relacioná-la à construção de uma identidade, mesmo que esta não seja delimitada
(SOUZA, 2014), pois se encontra num processo permanente de formação. Partindo
desse pressuposto, Mariana Jantsch Souza (2014, p. 93), ao trabalhar tais questões,
enfatiza que “a identidade deve ser pensada sob o signo da provisoriedade, pois,
como processo que é, não permite delimitação ou estabilização, está sempre em
fase de construção”.
Ora, o indivíduo está sempre se relacionando com outros. À medida que
estas relações vão se estabelecendo, é normal que sua identidade venha a se
moldar. Assim, “o indivíduo é moldado diante da diferença, num processo de
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aproximação e distanciamento, por isso não é possível crer em identidades estáveis
e consolidadas, fechadas” (SOUZA, 2014, p. 94).
Souza (2014) ainda salienta que a identidade surge graças aos discursos.
São eles que as constroem e por eles são delineados. Isto porque “o processo de
formação das identidades é discursivo, pois é no plano do discurso que as
diferenças são estabelecidas e as posições sociais do sujeito são determinadas e
assumidas” (SOUZA, 2014, p. 94).
Partindo da premissa de que a identidade não pode ser vista como algo
sólido, mas, sim, como partícipe de um processo de constantes transformações, ela
se constitui quer seja pelas relações entre indivíduos distintos, quer seja pelo
discurso dominante ou não, ou mesmo por ambos os fatores. A importância da
memória nesta permanente construção - ou reconstrução – dá-se “[...] no momento
em que a memória, possibilita o sujeito de se apropriar de lembranças imaginéticas
do passado para consolidar uma nova identidade” (SOUZA, 2014, p. 104).
Voltando para a relação cinema-memória, Rodrigo Almeida (2013), ao
trabalhar esta conexão, pontua a importância do cinema para a preservação da
memória, muitas vezes rendido ao que o próprio autor chama de “regime da
estética”. O autor assinala o poder de ação do cinema sobre o imaginário, bem como
sobre as interpretações dos indivíduos. Para ele,
o cinema foi capaz de carregar pontualidade, ilusão e transcendência; capaz de aguçar e cegar por meio de uma única imagem, misturando épocas e observações, recorrendo ou caindo no anacronismo, fundindo história de outros séculos com memória afetiva, assumindo um caráter arqueológico e fazendo as idiossincráticas relações imagéticas entre presente e passado atuarem sobre os indivíduos contemporâneos (ALMEIDA, 2013, p. 09).
4. OLHARES SOBRE O CINEMA CAMPINENSE
Falar do cinema campinense e de sua contribuição para a construção da
memória e identidade local, bem como para a preservação destas, é uma postura de
relevância histórica. É importante, inicialmente, remetermo-nos ao ano de 1967,
quando foi lançado o filme A Feira, de Machado Bitencourt, foi um marco para o
cinema da cidade em termos de produção cinematográfica.
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A década de 1960 como um todo foi marcante para o cinema paraibano,
primeiramente pelo lançamento do filme/documentário Aruanda, de Linduarte
Noronha. Foi graças a Linduarte Noronha que a Paraíba entrou no cenário nacional
com suas produções cinematográficas. Muitos pesquisadores ou conhecedores da
história do cinema paraibano destacam Aruanda como a mais importante produção
cinematográfica feita no Estado. Lara Amorim (2013, p. 12), doutora em Antropologia
pela Universidade da Bahia, atribui a Aruanda o fato de a Paraíba estar no “mapa do
cinema brasileiro”.
Se Linduarte Noronha se tornou um expoente em se tratando do cinema
paraibano na década de 1960, Machado Bitencourt tornou-se o grande nome que se
destacou nas produções cinematográficas que se debruçam sobre aspectos do
interior paraibano, principalmente no que se refere à cidade de Campina Grande.
Isto porque, em 1967, graças à produção A Feira, a cidade e o Estado ganharam
visibilidade por meio deste cineasta. O referido filme
trata-se, na realidade, de um documentário, com intenções sociológicas, sobre aspectos características das modalidades de uma comercialização de uma das maiores feiras do país. O filme coloca em ação quatro personagens: um estrangeiro, uma prostituta, um homem de classe média e uma adolescente (LEAL, 2007, p. 96).
Ainda sobre este documentário, Leal (2007, p. 96) ressalta que o
primeiro filme de Machado Bitencourt, bem antes da implantação da “Cinética”, se constituiu numa espécie de ensaio sobre primitivas possibilidades da realização fílmica, em Campina Grande. Sempre voltado para colher o que há de mais original na grande feira campinense, o filme só faz colher de forma bastante amadora, aspectos curiosos do evento (LEAL, 2007, p. 96).
Conforme Wills Leal (2007), Machado Bitencourt nasceu no Estado do Piauí
em 1941, mas formou-se na cidade de Campina Grande-PB. Aqui constituiu sua vida
pessoal e profissional. Sob o aspecto profissional, Leal (2007, p. 93) refere-se a
Bitencourt nos seguintes termos: “Jornalista e fotógrafo de bom nível, Machado era
um publicitário nato: sua atuação, em jornais, rádio, TV, revistas e na elaboração de
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dezenas de filmes comprova isso”. Machado Bitencourt5, além de ter se tornado o
referencial das produções cinematográficas de Campina Grande e de seu entorno,
foi o percussor da fundação de estúdios cinematográficos do Estado, ao instalar, em
agosto de 1974, a “Cinética Filmes Ltda.”, com sede própria, em Campina Grande.
A “Cinética” tinha um estúdio de filmagem de porte médio, com fundo infinito; um estúdio de gravação e dublagem com mesa misturadora de oito canais de projeção interna; uma sala de montagem e cinemateca; um estúdio de animação e titulagem com truca e mesa de desenho; um laboratório de projeção para serviços de revelação 16 mm (processo VNR-I, a cores); um laboratório de copiagem em 16 mm, preto e branco; um laboratório fotográfico e salas de reunião e recepção. Filmadoras de 16 mm e 35 mm (LEAL, 2007, p. 94).
A instalação da Cinética Filmes se deu na década seguinte ao lançamento
do seu primeiro filme de Machado Bitencourt em parceria com Luís Marinho, A Feira,
com a intenção de suprir suas próprias necessidades de colocar em prática suas
ideias (LEAL, 2007).
Ressaltamos que produções como Aruanda e A Feira constituíam-se como
relevantes na memória cinematográfica paraibana, criando, no contexto do Estado,
novos modos e formas de fazer cinema, com características locais no estilo
documental. De acordo com Leal (1989, p. 11), “o cinema Paraibano tem sido um
cinema documental por excelência. Aruanda, de Linduarte Noronha, sempre será um
marco referencial dessa história”.
Através de descrições feitas pelo historiador e jornalista Bruno Rafael de
Albuquerque Gaudêncio6 (informação verbal)7, percebemos que a década de 1960
marca, para alguns historiadores, o auge dos cineclubes, pois estes se configuravam
como locais onde se podia apreciar os filmes de arte. Ao relatar o movimento
cineclubista na cidade, Wills Leal (1989) utiliza-se dos relatos feitos por um dos
5 Caso de Carlota é tido por alguns cineastas como um dos principais filmes de Machado Bitencourt 6 Professor do curso de História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), formado em jornalismo e História pela própria instituição. 7 GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque. Entrevista semiestruturada. Entrevista concedida por Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio sobre a história do cinema de Campina Grande [set. 2014]. Entrevistadora: Tércia Fernanda da Silva. Campina Grande, 2014. 1 arquivo amr (50 min.).
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cineastas mais atuantes da cidade e reforça a ideia e o próprio discurso
historiográfico, que tem a década de 1960 como o ápice dos cineclubes. Sendo
assim, ele comenta que:
O movimento cineclubista em Campina Grande, segundo anotações de Rômulo Azevedo, só chegou a concretizar-se em 1964. Antes da década de 60, universitários, por diversas vezes, se movimentaram para colocar em funcionamento um clube de cinema, mas nunca se objetivou (LEAL, 1989, p. 67).
A partir dos relatos fornecidos pelo professor Bruno Rafael Gaudêncio,
verificamos que, com a Ditadura Militar e toda a repressão advinda dela, o cinema
brasileiro entra em crise, caracterizando a crise do Cinema Novo, fechando-se um
ciclo na época do Regime Militar. Nesse diapasão, o cinema passa a ter um impacto
menor. A abertura política possibilitou filmes de menos teor político, dentre os quais
muitos oriundos dos Estados Unidos ganharam evidência na sociedade brasileira.
Em se tratando da produção cinematográfica em nível nacional, mesmo com
as censuras regidas pela Ditadura Militar, na transição dos anos 1960 para os anos
1970, houve o chamado cinema de resistência, a exemplo da “Boca do Lixo8” e de
outros cinemas marginalizados que, desde seu surgimento, estiveram destinados às
classes populares. Neste período, o gênero pornochanchada foi intensamente
produzido, trazendo às salas de cinema um grande público. Vale relembrar que,
durante o Regime Militar, presava-se pela moral e pelos bons costumes. A
pornochanchada aparecia como uma forma de se opor a esses costumes,
defendidos pela Ditadura. Mesmo sem um teor político claro, esse gênero terminava
por se tornar uma forma de resistência dos cinemas brasileiros.
Já em termos locais, o cineasta Rômulo de Azevedo9, mencionado por Wills
Leal em seu discurso sobre o cinema da/na Paraíba de 1989, prefere se referir às
8 Para Thibis (2013, p. 01), “O cinema da Boca do Lixo, como ficou conhecido, é resultado de uma conjuntura histórica que se afirmou em São Paulo, capital, e que buscou dentro do meio cinematográfico nacional a realização de filmes que atraíssem o público urbano de classes médias e populares” 9 “Formado em Direito pela FURNE, com especialização em Comunicação, o professor Rômulo Azevedo é um dos fundadores do Movimento Cineclubista em Campina Grande, pioneiro do telejornalismo paraibano e, há décadas, vem formando profissionais que atuam na imprensa paraibana”. Disponível em: <http://www.iparaiba.com.br/>. Acesso em: 01 dez. 2014.
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mudanças ocorridas no cinema produzido em Campina Grande no período do
Regime Militar como uma mudança de ordem mais técnica. Para este cineasta,
o cinema deu um salto muito grande no ponto de vista de produções, pela facilidade técnica de se realizar os filmes. Antigamente, você fazia um filme em Campina Grande, nos anos 60, obrigatoriamente tinha que ir pro Rio de Janeiro, São Paulo pra revelar, pra montar, pra sonorizar, acabar o filme, fazer o acabamento final do filme. Então, não tinha como. Nem no Recife tinha. Hoje, não. Hoje, aqui em Campina Grande, no fundo do quintal, com um laptop, com alguns programas você faz uma produção hollywoodiana. Então, o que mudou, na verdade, foi o modo técnico de fazer. Facilitou e obviamente deu uma expansão a esse cinema (informação verbal)10.
Ainda segundo Rômulo de Azevedo11, tais mudanças corroboraram uma
produção extensiva de filmes de diferentes gêneros, mas, principalmente, os de
estilo curta-metragem. Ao mesmo tempo, houve uma diminuição do número de
pessoas que faziam cinema. Ele salienta: “no ponto de vista da expressividade
cinematográfica, repito: tem muita gente filmando, poucos fazendo cinema”
(informação verbal12).
A partir destas colocações, algumas questões se levantam acerca deste
cinema produzido e reproduzido em Campina Grande. Primeiramente, podemos
chamar este cinema de um “cinema campinense”? As produções do cinema local,
sejam elas curtas, filmes e/ou documentários, podem ser percebidas como
construtoras de uma identidade desse cinema? Ou seja, o cinema feito em Campina
Grande é tipicamente campinense, a ponto de ser denominado como tal (cinema
campinense)? E, por fim, qual o lugar do cinema de Campina Grande e de suas
respectivas produções na memória da cidade?
Partindo do depoimento do professor e cineasta Rômulo de Azevedo, este
assim assevera:
10 AZEVEDO, Rômulo de. Entrevista semiestruturada. Entrevista concedida por Rômulo de Azevedo sobre a história do cinema de Campina Grande [jun. 2014]. Entrevistadora: Tércia Fernanda da Silva. Campina Grande, 2014. 1 arquivo amr (14 min.).
11 Vale ressaltar que o prof. Romulo de Azevedo pensa o cinema mais pelo viés artístico, estético, “a arte pela arte”. 12 Idem.
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Veja bem, eu não chamaria de cinema campinense porque, pra ser campinense, precisa ter uma regularidade de produções. A gente tem um momento que tem um monte de produções, tem outros momentos que tem uma escassez. Aí tem alguns filmes avulsos que podem compor aquilo que você chama de cinema campinense. Eu acho importante porque primeiro, pela transformação técnica, depois os equipamentos modernos. Depois que a película foi substituída pelo digital, filmar ficou mais fácil de você filmar. Agora, como eu sempre digo: tem muita gente filmando e pouca gente fazendo cinema. Filmar é você pegar uma câmera e sair por aí. Há poucos fazendo filmagens. Acho que é importante porque tá se permitindo uma formação técnica, profissional do pessoal envolvido com audiovisual (informação verbal13).
A partir deste depoimento, podemos perceber que o cinema campinense não
possui uma regularidade em suas produções. Há momentos em que existe uma
quantidade grande de filmes sendo produzidos; já em outros momentos, há o que
ele mesmo chama de períodos de “escassez” desses filmes. Para se falar com
propriedade em cinema campinense, precisa exatamente haver essa regularidade.
O que existe são filmes soltos, sem que, muitas vezes, cheguem ao conhecimento
do público, vindo a se restringir àquele pequeno grupo de cineastas e/ou produtores.
É a esses poucos filmes que o cineasta “atribui” a denominação de cinema
campinense.
No que se refere à identidade local, observa-se, como já foi dito, que não há
uma regularidade das produções cinematográficas na cidade e que, segundo afirma
Rômulo de Azevedo, dos poucos filmes produzidos em Campina Grande, boa parte
não possui, para o cineasta, uma originalidade, bem como não representa, em sua
maioria, a realidade da cidade. Conforme enfatiza o entrevistado,
O que eu percebo nos filmes que são produzidos atualmente são tentativas de se repetir o que os seriados americanos fazem. Por exemplo, o cara vê um filme tipo As Bruxas de Blair, aí quer fazer As Bruxas de Blair em Campina. Mas As Bruxas de Blair não existe. Aí o cara vê o seriado Revenge, aí quer fazer o Revenge em Campina,
13 Ibidem.
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mas já existe Revenge. Cinema não é uma cópia. Cinema é originalidade, acima de tudo (informação verbal14).
Entretanto, quando indagado sobre estas questões, Bruno Gaudêncio não
acredita numa “formatação” da identidade do cinema de Campina Grande hoje.
Segundo ele, não há, entre os próprios cineastas campinenses, uma preocupação
de se construir uma identidade do cinema feito por eles. Isto se evidencia,
sobremaneira, pelas diversidades de objetos e temas utilizados. Os filmes
produzidos na cidade, atualmente, poderiam ser feitos em qualquer outro lugar, não
apenas em Campina Grande. Isto rompe qualquer conexão que se poderia pensar
acerca de uma identidade local. Conforme evidencia Bruno Gaudêncio em sua
análise,
por exemplo, é um filme que poderia ser feito em qualquer lugar do Brasil. Entendeu?! Poderia ser feito no Rio de Janeiro; poderia ser no Amazonas, em Campina Grande, em João Pessoa. Por quê? Porque não tema essa... esse vínculo total com a identidade local. É mais uma produção universal ou regional feita em Campina Grande (informação verbal15).
As restrições e a falta de preocupação dos próprios cineastas, tal como a
falta de políticas públicas que possibilitem uma maior visibilidade das produções
cinematográficas feitas em Campina Grande, são algumas das causas que
impossibilitam haver uma relação entre o cinema local e a construção de uma
memória local. Tanto Rômulo de Azevedo como Bruno Gaudêncio criticam a
ausência de políticas que tornem as produções locais mais disponíveis e mais
visíveis em relação aos filmes feitos na cidade, como também a posição dos
cineastas em não se preocuparem com a recepção dos seus filmes.
Bruno Gaudêncio assinala que os cineastas “estão muito mais preocupados
em fazer, participar dos festivais, ganhar prêmios. Mas você não vê os filmes deles
numa escola pública, você não vê os filmes deles numa universidade” (informação
14 AZEVEDO, Rômulo de. Entrevista semiestruturada. Entrevista concedida por Rômulo de Azevedo sobre a história do cinema de Campina Grande [jun. 2014]. Entrevistadora: Tércia Fernanda da Silva. Campina Grande, 2014. 1 arquivo amr (14 min.). 15 GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque. Entrevista semiestruturada. Entrevista concedida por Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio sobre a história do cinema de Campina Grande [set. 2014]. Entrevistadora: Tércia Fernanda da Silva. Campina Grande, 2014. 1 arquivo amr (50 min.).
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verbal16). Isso reforça a ideia de que as produções feitas atualmente em Campina
Grande estão cada vez mais restritas a determinados grupos de intelectuais, até
mesmo no âmbito universitário, conhecido pelos engajamentos políticos e culturais.
Não vemos hoje uma divulgação desses filmes nem mesmo nas universidades da
cidade, no âmbito das quais muitos deles são idealizados e produzidos. Rômulo de
Azevedo, abordando estes aspectos, ressalta que
meia dúzia se reúne, faz uns filmes geniais, extraordinários, mas só quem vê são eles, só quem discute são eles. Morre ali. Como te digo, uma ação entre amigos. Então, não tem memória, porque a cidade nem conhece esses filmes. Ouviu falar porque viu no jornal um dia que tava fazendo um filme sobre num sei o quê, num sei aonde. Mas como ter acesso a esses filmes? Não tem. As exibições são fechadas. São exibições em festivais, exibições em cineclubes (informação verbal17).
Rômulo de Azevedo enfatiza tais problemas na transmissão desse cinema,
afirmando que
o cinema paraibano é um problema muito sério, e particularmente o de Campina Grande. A obra primeira que é feita em Campina Grande não é vista em Lagoa Seca e a obra prima que é feita em João Pessoa não é vista em Bayeux (informação verbal18).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de todo o destaque que o cinema paraibano teve em termos
nacionais nas décadas de 1960 e 1970, e mesmo Campina Grande sendo
considerada como um polo cinematográfico, percebemos que estas produções, a
despeito de sua importância e significado, permanecem obscuras para o grosso da
população campinense.
A partir de nossa pesquisa, pudemos constatar que, nesse período, o
cinema local, no que se refere à construção de uma memória cinematográfica
16 Idem. 17 AZEVEDO, Rômulo de. Entrevista semiestruturada. Entrevista concedida por Rômulo de Azevedo sobre a história do cinema de Campina Grande [jun. 2014]. Entrevistadora: Tércia Fernanda da Silva. Campina Grande, 2014. 1 arquivo amr (14 min.). 18 Idem.
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campinense de curtas, documentários e filmes, ainda denota a necessidade de
maior incentivo na reprodução e preservação dessas produções. Se tal atitude não
for tomada, a maioria do que foi produzido no passado perderá a relevância no
presente. Desse modo, percebemos que, para falar sobre memória e identidade
local desse cinema entre 1960 e 1999, torna-se necessário pensar os valores destas
produções na cidade, tanto para se poder erigir uma memória local quanto para se
falar em uma identidade das produções.
Como vimos, isto se deve sobremaneira inicialmente à abertura política,
ocorrida durante o período do Regime Militar, que possibilitou não só a entrada de
novas e modernas tecnologias, mas também a magia do cinema hollywoodiano. A
entrada de novas tecnologias, cada vez mais modernas, facilitou o ato de filmar.
Qualquer pessoa pode fazer um filme amador: basta ter um celular com câmera.
Além disso, a praticidade na hora de adquirir filmes baixados pelo computador
também é algo digno de nota. Se, em outros tempos, as locadoras contribuíram para
a crise dos cineclubes, o mesmo ocorreu com a chagada da internet e suas
inúmeras possibilidades de adquirir filmes por um custo muito mais baixo, ou mesmo
sem custo algum. Isto, entretanto, não diminui a importância das produções do
cinema local e as possibilidades deste cinema para pensar sobre as práticas
culturais desta cidade.
Filmes como Aruanda e A Feira, entre tantos outros produzidos nas décadas
de 1960 a meados de 1990, “cristalizaram” a memória de uma época, de um
determinado contexto social, conforme pontuou Nora (1981). Hoje, não se veem
mais tais preocupações de forma tão incisiva. As produções cinematográficas
produzidas em Campina Grande passaram a ter funções ou intenções mais estéticas
e fantasiosas do que aquelas desenvolvidas no período que analisamos para
constituir o presente estudo. Claro que isso não elimina o fato de, sim, haver
produções que se preocupem em mostrar a realidade da cidade, mas, como já foi
dito, tais produções são muito diversificadas, embora infelizmente se encontrem
restritas a um pequeno número de pessoas.
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ABSTRACT
This article, at first, aims to reflect on cinematographic history, in order to analyze the cinema inclusion process as a historical source and how films have acquired significance in the historian's work and in historical research as well. Our work proposal is to reflect on culture and identity from Campina Grande (Paraíba, Brazil), considering the period between 1960 and 1999, in order to observe such practices and to elaborate film representations in Campina Grande. Later, we discuss the city’s cinema contributions. In addition, we consider people’s memory and identity construction in a time frame ranging from 1960 to 1999. This research is grounded in Marc Ferro (1992). Sandra Jatahy Pesavento (2008) addresses cinematographic relationship history according to cultural history perspective, which is transmitted by Joseph D'Assunção (2003). The methodological approach is based on Oral History theme, by Sonia Maria de Freitas. Semi-structured interviews and scientific work have been used. Besides any difficulties, film production at Campina Grande had a significant role in the city’s way of making movies. Cinema was also valid to representations about the city space. KEYWORDS: Cinema history. Identity. Campina Grande. Representations.
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