Marc Ferro

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A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação

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PREFÁCIO

Não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos, ede nós mesmos, está associada à História que nos ensinaramquando éramos crianças. Ela nos marca para o resto da vida. Sobreessa representação, que é para cada um de nós uma descobertado mundo e do passado das sociedades, enxertam-se depois opi­niões, idéias fugazes ou duradouras, como um amor. .. mas perma­necem indeléveis as marcas das nossas primeiras curiosidades, dasnossas primeiras emoções.

São tais marcas que convém conhecer ou reencontrar, asnossas e as dos outros, em Trinidad como em Moscou ou Yoko­hama. Essa viagem no espaço é também uma viagem no tempo,com a particularidade de refratar as imagens movediças dopassado. Esse passado não só não é o mesmo para todos como,para cada um de nós, sua lembrança modifica-se com o tempo:essas imagens mudam à medida que se transformam o sabere as ideologias, e à medida que muda, na sociedade, a funçãoda História.

Hoje já está em tempo de se colocarem frente a frente todasessas representações porque, com a ampliação do mundo, suaunificação econômica e fragmentação política, o passado dassociedades é mais do que nunca um dos alvos do confronto entreEstados e Nações, entre culturas e etnias. Controlar o passadoajuda a dominar o presente e a legitimar tanto as dominaçõescomo as rebeldias. Ora, são os poderes dominantes Estados,Igrejas, partidos políticos ou interesses privados que possuemou financiam livros didáticos ou histórias em quadrinhos, filmese programas de televisão. Cada vez mais eles entregam a cadaum e a todos um passado uniforme. E surge a revolta entre aquelescuja história é "proibida".

Amanhã, que Nação, que grupo humano poderá controlar suaprópria história?

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Já se viu em velhos países, em antigas comunidades ou Estados,como os khazars do Volga ou o reino de Arles, suas identidades sedissolverem num passado anônimo. Ainda ontem, enfrentando-secomo num novo Tratado de Versalhes, historiadores franceses ealemães reuniam-se para retificar uma fronteira: uns consentiamcom um massacre, outros com a violação do território. Nos paísesdo Leste, de Praga a Ulan-Bator, todas as variações étnicas ounacionais acham-se explicadas pelo mesmo modelo, que se dizinspirado em Marx mas é revisto por Moscou. Visto daquela capi­tal, o modelo faria diferença entre a história da Geórgia e a daArmênia, e por isso a identidade dessas nações é reconhecida - oque aliás não é necessariamente o caso de todas. Enfim, no restodo mundo - o "Sul" - as sociedades descolonizam suas histó­rias utilizando-se freqüentemente dos mesmos instrumentos doscolonizadores, e assim constroem uma história que é o inversodaquda que lhes foi imposta no passado.

Dessa forma, hoje, em todas as Nações ou quase em todas,superpõem-se ou confrontam-se várias histórias: na Polônia, porexemplo, a ensinada na escola difere sensivelmente da que é con­tada em casa. Os russos não representam exatamente os mesmospapéis ... A memória coletiva e a história oficial enfrentam-seassim numa verdadeira prova de força que testemunha, semdúvida melhor do que o trabalho dos historiadores, os problemassuscitados pela História.

Com a condição de que não nos limitemos ao exame dos livrosdidáticos ou das histórias em quadrinhos, e nem à atual formu­lação da ciência histórica, a História que se conta às crianças eaos adultos permite conhecer ao mesmo tempo a identidade e asituação de fato de uma sociedade através do tempo. Por exemplo,a história do povo armênio como é ensinada na Armênia Soviética,a que aprendem as crianças da diáspora (e, muitas vezes, na Armê­nia, à noite, na hora do serão) e a imagem que dela dá a vulgatada História Universal constituem três versões diferentes, e não écerto que a última contenha mais realidade ou legitimidade doque as outras.

Independentemente de sua vocação científica, a História exerce,de fato, uma dupla função, terapêutica e militante. Através dostempos, o "sinal" dessa missão mudou, mas não o seu sentido: queno tempo de Franco, na Espanha, ela glorifique o Cristo Rei; notempo das Repúblicas, na França, a Nação e o Estado; ou o Par­tido Comunista, na URSS ou na China, nem por isso é menosmissionária; o cientismo e a metodologia servem de disfarce paraa ideologia. Benedetto Croce escrevia no começo do século que a

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História coloca mais os problemas do seu tempo do que os daépoca que se propõe estudar. Assim, ao evocarem a Idade Médiarussa, Alexandre Nevski, de Eisenstein, e Andrei Rublev, deTarkovski, o primeiro nos fala da Rússia de Stálin e do seu medoda Alemanha; o segundo, da Rússia de Brejnev, sua luta pela liber­dade e seu ódio àos chineses. A história ensinada hoje às criançasafricanas informa-no's tanto a respeito dos atuais problemas docontinente negro quanto de seu passado. Os livros didáticos paracrianças exaltam os grandes impérios do passado africano, cujoesplendor é citado ao lado da decadência e do atraso da Europafeudal na mesma época: a função terapêutica está claramenteexpressa. Ou então, também por razões de momento, o pesadocontencioso do confronto com o Islã é afastado, minimizado, eaté mesmo posto em dúvida através do uso do condicional. ..

Nas Caraíbas, onde vive uma população sem raízes (negros,chineses, hindus etc.), a história ensinada às crianças transformaos descendentes dos antigos escravos e dos cules em cidadãos domundo que têm a vantagem, única, de participarem de todas asculturas da humanidade. A história da escravidão é apresentadade tal modo que a criança negra da J amaica tem menos penados seus ancestrais do que dos infelizes ingleses que, nessa his­tória, foram os primeiros escravos expedidos para a Itália notempo de César.

Quanto à história "militante", obviamente pensa-se primeironas manipulações praticadas na URSS: durante muito tempoTrotski foi atirado ao esquecimento e só se falava de Stálin; dezanos depois, Stálin desapareceu, ou quase, e cita-se Trotski comfreqüência - para condená-Ia. Mas nos Estados Unidos a evolu­ção do ensino é ainda mais radical: ela exprime a passagem daideologia do melting-pot (a América como cadinho dos povos)para a ideologia da salad bowl, em que cada cultura conserva suaidentidade.

Apesar dessas mudanças, em cada país permanece uma matrizda História, e essa matriz dominante marca a consciência cole­tiva de cada sociedade. Também é importante conhecer os ele­mentos dessa matriz pois as narrativas e crenças que a constituem- quer se trate das proezas do herói combatente Shivaí, na fndia, .das desventuras de Yoshitsunê, no Japão, das aventuras de Chaka,rei dos zulus, ou de J oana d 'Arc na França -, todas têm um sabormuito mais fone do que todas as análises: é a recompensa tantodo historiador como do leitor.

Assim, neste livro, não procuro enunciar uma verdade históricaválida para todos e que seria tão absurda quanto imaginária; eu

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gostaria de recuperar as várias imagens desse passado tal como foivivido pelas múltiplas sociedades do nosso mundo. Evidente­mente, é bem possível que tais imagens representem exatamenteo reverso de outras imagens ou, então, sejam visivelmente con­trárias à verdade: nesse caso, que me perdoem, pois toda vez quefor necessário serei obrigado a restaurar a verdade, por simplesdeformação profissional.

Sem dúvida, durante este périplo .através das primeiras imagensda História, nem sempre me valerei da totalidade da história con­tada, por exemplo, aos jovens soviéticos ou às crianças de Trini­dado Entretanto, tentarei dar de cada coletividade ou Naçãouma representação global tão fiel quanto possível, porque é essavisão. de conjunto que está na origem da representação feita pelosoutros e por nós. Quando oportuno, não deixarei de confrontaras várias interpretações de um mesmo problema, mas não abusareidesse exercício porque neste livro interessa-me a identidade decada história nacional, a visão do passado que é própria de cadacultura.

Trata-se, pois, de questionar a concepção tradicional de "His­tória Universal". Não começo com os faraós para terminar emKhomeini ou nos sobressaltos da Polônia. Tal colocação inscre­ver-se-ia, sem o dizer, numa visão teleológica da História, querseu signo tenha sido cristão, marxista, ou apenas ligado à idéiade Progresso. Essa colocação seria, também sem o dizer, eurocên­trica, pois os povos só teriam "entrado" na História depois de"descobertos" pelos europeus. Neste livro não há nada disso.

Vamos reencontrar muitas vezes a história vista da Europa, masem suas relações com o resto do mundo. Quanto aos outros aspec­tos desta história que nos é familiar, só abordaremos, no contextodeste livro, ora um ora outro traço.

Da substância e do conteúdo desta história vista da Europa, bas­ta lembrar que são pouco mais ou menos os mesmos em Paris ouMilão, em Berlim ou Barcelona, em Lisboa ou mesmo em Zagreb. Ahistória se identifica com a história do Ocidente e nela se encontraa manifestação do etnocentrismo dentro de vários círculos: o daEuropa, que se observa em relação aos povos da Ásia.e da África,mas também no interior da própria Europa, no sentido, por exem­plo, em que se estuda a história russa principalmente a partir de Pe­dra o Grande, isto é, a partir do momento em que esse país se"europeiza"; assim, a Europa se identifica essencialmente ao mes­mo tempo com a Cristandade e com o progresso técnico. O segun­do círculo deste etnocentrismo se manifesta, para cada nação, nasrelações com os seus vizinhos. Na França, por exemplo, uma vez ci­tado Carlos Magno, não se fala mais do Santo Império Romano

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Germânico que, entretanto, durou nove séculos; evoca-se seu fim,de fato, em 1806, mas para melhor acentuar o papel de Napoleãono acontecimento. Da mesma forma, os franceses subvalorizam aimportância do movimento romântico, que desabrochou na Ale­manha e influenciou a Europa, insistindo, antes, nos efeitos, naAlemanha, da revoluç-ão de 1789. Este etnocentrismo do segundotipo é particularmente desenvolvido na França, na Espanha, na Ale­manha e na Inglaterra; e é menos marcante na Itália, onde o Esta­do-Nação se constitui mais tardiamente. Por sua vez, a história naItália pratica um terceiro tipo de etnocentrismo (como a França),que valoriza a Itália do Norte ou a França do Norte com relação àsprovíncias meridionais. Na Grã-Bretanha, este traço já foi corrigidohá muito tempo: País de Gales, Escócia e Irlanda são analisadospelas suas próprias histórias e não somente em suas relações comLondres, com o governo inglês.

As diferentes formas desse etnocentrismo escondem-se atrás deuma história geral que é mais ou menos a mesma em Malet e Isaac,na França, naStoria dell'Uomo, na Itália, e por aí afora. Aí, a histó­ria "nasce" com o Egito antigo, a Caldéia e Israel e se desenvolvecom a grandeza da Grécia e de Roma. A Idade Média começa com aqueda do Império Romano do Ocidente, em 476, e com as grandesinvasões; e termina com a queda do Império Romano do Oriente,em 1453, e a conquista turca. Os grandes descobrimentos, o huma­nismo e a reforma protestante abrem os "tempos modernos", quedeixam o lugar para a época contemporinea começada com a re­volução de 1789.

O itinerário que escolhi, como se verá, tem sua outra lógica.Não me empenharei em justificá-Io, mas gostaria de que o leitorse deixasse tomar pela mão e o seguisse ... Entretanto, comopoderia impedi-Io, se o desejar, de ler primeiro o capítulo sobreo Islã ou sobre o Japão? Como sei que ele vagará ao léu, prepa­rei-lhe, na maioria das vezes, as indicações cronológicas - sei quejá escrevi em outro lugar que se deve desconfiar desses instru­mentos; não obstante, resolvi colocá-Ios em alguns capítuloscomo simples lembretes ...

Mais uma explicação ao leitor.O projeto deste livro é tão gigantesco, tão megalomaníaco,

que devo confessar e justificar suas deficiências.Selecionar as quinze a vinte sociedades que dele constam

implicou uma pesquisa sobre um conjunto maior ainda de ma­nuais, filmes, histórias em quadrinhos, romances históricos etc.,em nao sei quantas línguas, sem falar do estudo de cada umadessas culturas, dos azares históricos de cada nação e das variaçõesde sua historiografia. Não a abandonei no caminho, mas abandonei

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,',a idéia de que cada capítulo fosse uma tese de doutoramento: umavida inteira seria insuficiente; e em vão, porque, por uma espéciede quadratura do círculo, apenas estivesse eu no fim do caminho,seria necessário retomar os livros, os filmes e tudo o mais, produ­zidos durante esta geração, durante esta gênese.

Há, assim, séria desigualdade de tratamento entre os capítulos,e sei que algumas análises estão mais completas do que outras,certas partes são apenas descritivas e os problemas pedagógicosnão são abordados tão freqüentemente quanto seria desejável;mas ao menos consegui completar o panorama sem graves lacunas,assim o espero, e poderei nas próximas edições transformar emcapítulos o que, aqui, vem exposto sob a forma mais modesta deuma nota.

Saiba o leitor que senti alegria e verdadeira paixão ao planejare escrever este livro.

Que ele te ajude, amigo, como a mim, a compreender melhoro teu próximo.

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AGRADECIMENTOS

Este livro, que me alegrou, alegrou a todos os que me ajudaram:meu prazer de agradecer-Ihes é duplo e, em primeiro lugar, aP. Sorlin que, à sua maneira, sabe estar na origem desta obra.

Em seguida, quanto ao que foi mais difícil, agradeço aos amigose alunos que tiveram a gentileza de me procurar livros e até detraduzi-Ios: Magda Wassaf, os referentes ao Iraque e Egito; MahyarDjahaderian, para o persa; Eliane Blondel, para o polonês; M.Blaise e Michel Cartier, para o chinês; Klaus Wenger e M.-J. Patrix,para alguns textos em alemão; Olga de Orellana, para o México;Ch. Lemercier, para o turco. Alguns até me introduziram em novosmundos culturais, servindo-me de guias: neste sentido, quanto aoJapão, foi incomparável a ajuda de Pierre-François Soury.

Além disso, Michel Cartier e J.L. Domenach indicaram-meboas leituras sobre a China; Catherine Coquery-Vidrovitch, sobrea África Negra; Lucette Valensi, sobre o mundo islâmico; KrzystofPomian, sobre a Polônia (todos esses, além de tudo, tiveram agentileza de ler e corrigir os capítulos de suas especialidades);Claire Muradian, sobre a Armênia, Gilles Veinstein, sobre a Tur­quia e J.P. Berthe, sobre o México.

Quanto à França, eu não poderia me orientar sem a ajuda escla­recida e amiga de Alice Gérard. Agradeço também a ChristianAmalvi que me deixou consultar o manuscrito inédito de sua tese.

Sêm dúvida, não me utilizei como gostaria de todas as obrasque recebi sobre a Indonésia, Israel, Suíça e Croácia; agradeço atodos os que as pesquisaram, especialmente a F, Garçon e M.Friedmann, assim como a M. Pouchepadass, que providenciou asobras que me eram necessárias à história da India e corrigiu o res­pectivo capítulo, assim como M. Moniot aceitou rel~r o capítulosobre a África Negra.

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Antes das guerras cafres, os anglo-holandeses não sabiam que umavaca não podia ser utilizada na troca de um objeto inanimado,mesmo que se tratasse de uma grande quantidade de metal ou fu- ,mo. O hábito era devolver, em outra troca, uma cria da vaca. As­sim, o branco se surpreendia por ter enganado tão bem o xhosaque lhe deixara sua vaca: de fato, porém, esta era uma espécie depenhor do negócio que a acompanhava, com a condição de, mesesmais tarde, ele recuperá-Ia sob a forma de outro animal, ou os dois.Os colonos, não compreendendo os termos da troca, surpreen­diam-se em seguida, depois de um negócio que envolvia centenasde animais, ao vê-Ias desaparecerem quando já os julgavam defini­tivamente trocados.

Assim, Credo Mutwa critica autores de livros didáticos, comoJ.c. Johns, que não se dão ao trabalho de analisar a diferença entreo Direito dos holandeses e o dos xhosas, e tratam esses últimos de"supersticiosos que não conhecem o valor de um tratado."

E bem verdade que conhecer as tradições e costumes dos xhosasnem sempre reverteu em benefício deles. Georges Grey dedicou-sea isso no século XIX. Tendo tomado conhecimento de suas crençasa respeito do "descanso" entre duas guerras, sabia que eles não ata­cariam os núcleos europeus durante os sete anos seguintes à suaderrota, a menos que fossem chamados por uma Revelação espe­cial. E conseguiu mistificá-Ios a ponto de os fazer acreditar que aRevelação se manifestara e que os Deuses os convidavam a umaespécie de suicídio coletivo. Foi assim que, sem os riscos de umanova guerra, desapareceu por suicídio uma parte da comunidadexhosa.

O testemunho de Credo Mutwa não é o único. Há um esforçopara se criar uma "história negra" na África do Sul, principalmentedepois que toda a África ficou independente e os massacres deSoweto levantaram a opinião internacional contra as práticas racis­tas do governo de Pretória.

Esta "história negra" contesta uma exposição dos fatos que, co­mo demonstrou Marianne Cornevin, tem por objetivo legitimar atribalização dos indígenas e seu confinamento em "reservas" ar­bitrariamente definidas; em resumo: proporcionar fundamentaçãomoral e histórica ao apartheid e justificar o pequeno espaço das"reservas" negras. Como se pode imaginar, e apesar das reivindica­ções cada vez mais insistentes a respeito de seu futuro, os negrosnão têm a possibilidade, pelo menos na África do Sul, de agir sobrea "história branca" e de modificar o seu conteúdo.

A História negra só pode ser escrita em outro lugar. E a da Áfri­ca do Sul também ..

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2A HISTÓRIA DESCOLONIZADA: A ÁFRICA NEGRA

ESTRATIFICAÇÃO DA HISTÓRIA NA ÁFRICA NEGRA

Na África Negra, o conhecimento do passado é estratificado emtrês níveis. O mais enraizado, o da tradição oral, não se situa sónos fatos, mas também nos mitos. Assim, a lenda de Chaka ou deSundiata tem tanta realidade quanto os seus feitos verdadeiros; eTorodo se identifica tanto com os fatos quanto com a lenda quecerca EI-Hadj-Omar. O segundo estrato é o da História como foiensinada pelo colonizador. Por fim, depois da independência, oesforço dos historiadores e dos africanistas contemporâneos temtido como resultado a reavaliação geral da história africana ora emdesenvolvimento: suas expectativas manifestam-se, entre outras, narevista Afrika Zamani e seus resultados aparecem nos novos livrosdidáticos da África de fala francesa, oferecendo a imagem de umahistória descolonizada.

DA HISTÓRIA À LENDA: CHAKA, REI DOS ZULUS

Na memória africana, a lembrança da aventura do Reino Zulu,tornado forte por Chaka (1816-1'828), ainda hoje mistura lenda ehistória. A literatura negra africana, principalmente a de línguafrancesa, assimilou-lhe a substância e lhe deu uma nova função.

Guerreiro de bravura impressionante, Chaka traiu seu suserano,que não queria aceitá-Io como sucessor, e indicou ao inimigo olocal onde ele pretendia travar a batalha. O suserano caiu prisio­neiro, Chaka assumiu seu lugar e assegurou à tribo dos zulus a su-

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premacia sobre os mtehtwas (1816). Imediatamente modernizou aarte militar e reorganizou o exército, que passou a ser preparadocom métodos espartanos. Em primeiro lugar, mudou o tamanhodas zagaias, que os zulus costumavam fazer bem compridas paramelhor atirá-Ias à distância; Chaka substituiu-as por zagaias meno­res, que também poderiam servir nos combates corpo-a-corpo.Para exercitar os zulus, promoveu exercícios físicos com o objeti­vO de retesar os mÍls.culos dos combatentes, aos quais dava maiorporção de carne na alimentação. Estimulou os treinamentos, in­troduzindo provas que promoviam o espírito de competição e ter­minavam com um campeonato ..

Os vencedores ganhavam as mais belas moças solteiras da con­cessão real. Também elas eram iniciadas em lutas e combates eChaka fazia-as treinar sob os olhos brilhantes dos guerreiros. Atéa realização dos campeonatos, porém, era-Ihes proibido ter o me­nor contacto com as moças, mesmo tocá-Ias, sob pena de morte.

Entre .os zulus, a cerimônia da circuncisão já tinha sido abolidaa fim de que o inimigo não se aproveitasse mais dos períodos deconvalescença coletiva para atacar uma tribo privada dos seus ele­mentos mais jovens. Com Chaka, "o desejo sexual é desviado desuas funções reprodutoras para se transformar num impulso guer­reiro" (Randlers).

Depois de doze anos desse regime, cansada dessa tirania militare administrativa que fazia do Reino Zulu uma potência militar eterritorial temível, da qual os brancos não se aproximavam, umaparte do exército se sublevou e Chaka foi assassinado.

Por impotência, homossexualismo ou medo mórbido do enve­lhecimento, o fato é que Chaka não deixou descendentes. Seussucessores afrouxaram as energias do Estado militar, cujo poder,entretanto, continuava a inquietar os holandeses e os ingleses. Porocasião da Grande Migração, os bôeres os repeliram até Natal,após a vitória de Blood River e, passados cinqüenta anos, os ingle­ses decidiram dominá-Ios. Depois de terem sofrido pesada derrota,ocasião em que morreu o Príncipe Imperial, filho de Napoleão lU,conseguiram destruir o exército zulu, no dia 4 de julho de 1879:era o fim do Império dos Homens do Céu.

Essa narração é urna reconstituição de historiador, pois na me­mória zulu, e principalmente para lá das fronteiras da "África doSul", a vida de Chaka tem outra realidade, a meio caminho do mi­to e da lenda. E é mais real do que a História.

Transformado no Cristo negro por uns, no símbolo da negritudepor outros, Chaka e sua movimentada vida foram transfigurados

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pela tradição oral e escrita. Na origem está o Chaka, de ThomasMofolo, epopéia negra escrita por um religioso banto, cujo textoem sessoto ficou longos anos nas gavetas dos missionários da So­ciedade Evangélica de Paris. Seu herói triunfa, mas com a ajuda doDiabo comete mil crimes e exações, ou outras crueldades, antes demorrer durante urna conspiração tramada por seus irmãos. Em ou­tras versões, Chaka, aos dezenove anos, mata um leopardo, desafiaos feiticeiros-guerreiros, manda encerrar numa cabana, sozinhacom uma hiena voraz, uma rainha inimiga. De um núcleo de 500pessoas forma um exército invencível que, de 'acordo com outratradição, logo atinge 400 000 homens e estava destinado a con­quistar o mundo.

Logo, porém, o mito se renova como reação à versão de Mofolo.O louvor substitui as recriminações, com Izibongo; com o Amazu­lu, de Nenekhaly-Camare, Chaka torna-se um aglutinador das ter­ras, símbolo de um prelúdio da unidade africana.

Com os poemas de L.S. Senghor e o drama de Badian e A.A. Ka,o herói passa a suscitar mais e mais admiração; sobrevive à morteou, então, sofre-a como uma libertação, se sua obra de ressurreiçãofor retomada e compreendida pela Nação africana, cuja Históriaele fez nascer. Enquanto para o cristão Mofolo a morte de Chakasimbolizava a derrota do Mal, daí em diante passa a evocar o sacri­fício heróico daquele que é o Pai Fundador de um verdadeiro Es­tado africano. Porque, com Ele morto, ficou livre o caminho paraos brancos dominarem a África. Sua morte anuncia o Apocalipse.

"Nós nos tornaremos escravos de seus compassos e esquadros. O Impériodos Homens do Céu terá outro nome, África do Sul. E os nossos Deuses opermitirão. Os nossos intelectuais cochicharão pelos bares em volta de garra­fas. E os nossos padres também o permitirão. E os nossos irmãos nos espan­carão até a mone por causa de um punhado de arroz. Menos que aos cães,ser-nos-á vedado o direito de andar. Dos trens especiais, os homens virão con­templar a nossa miséria, com lágrimas que logo serão secadas por um diaman­te. Porque, oh mulheres, vocês darão à luz na dor e para a dor. Vozes se levan­tarão, mas impotentes. Nós conheceremos mais mánires do que as planíciesda Judéia." (Os Amazulus, ato 11I).

o PASSADO lONGIÍIIQUO. SEU ESPAÇO

Entre os anhi da Costa do Marfim, os conhecimentos históricossobre o passado mais distante "não ocupam, como é tendência naEuropa, um espaço próprio" e não formam um ramo especial dosaber. Esses conhecimentos estão intimamente ligados à consciên-

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cia social: a História é evocada durante cerimônias como as dos ve-. lórios, as da festa do inhame étc. Assim, a história irrompe no pre­

sente por ocasião de acontecimentos importantes da vida da coleti­vidade. O acesso a ela é limitado por regras muito claras e, comopertence aos antepassados, apenas determinados personagens sa­grados têm-lhe acesso e, exatamente, durante as cerimônias. Liga­do igualmente à transmissão do poder político, o conteúdo daHistória é "remodelado de conformidade com os interesses do po­der" e assim a História é ministrada segundo uma versão expurga­da. "Não é fácil falar da vida e da atuação dos antepassados comonão o é nomeá-Ios. Suas qualidades e grandes feitos podem ser di­vulgados. Mas os seus reveses e fraquezas são silenciados: as guerrassão sempre vitoriosas, e os soberanos, exemplares." De maneirageral, "o passado é um modelo do qual o presente não passa demero prolongamento." Cultiva-se a memória desse passado, que éuma espécie de reservatório, de capital, onde o povo anhi procurainspiração e exemplos: a entronização do Rei é, assim, o momentoem que, relembrando o rol dos seus ancestrais, "se lhe dão bonsconselhos", de acordo com um ritual pormenorizado e acompa­nhado de um relato exemplar que não comporta nem falhas nemhesitação.

Esse passado geralmente remonta ao tempo do êxodo, isto é,à época em que a região começou a ser habitada. E pára na con­quista colonial, pois o período posterior não tem o mesmo prestí­gio. Cada um é livre de evocá-Ia e sua lembrança não é objeto decodificação.

Claude Perrot transcreve um desses relatos que conseguiu ouvir,referentes ao período pré-colonial, e que deve a Nana Alu Mea,chefe de Kuadiokuro. Diz respeito às origens da chefia de Indiénée mostra a que ponto a preocupação de enobrecer as origens podemudar a direção dos relatos feitos sobre elas.

Em Indiéné, três personagens têm direito à posição de safobene,isto é, de chefe da guerra. Na hierarquia política, eles se colocamimediatamente abaixo do Rei. As origens dessas duas chefias estãode acordo com a imagem oficial: em todas as versões do êxodo, osfundadores ancestrais desempenham um papel notável em nada in­ferior ao do rei ou de seus antepassados. O mesmo não acontececom a terceira, cuja imagem oficial está de acordo com o modelo,mas discorda dos relatos das cidades vizinhas. O antepassado fun­dador da terceira chefia não pertence à geração que conheceu oêxodo, mas à seguinte. Ficou rico graças ao comércio com Gwa eCosta do Cabo, e à exploração do ouro. A fortuna fez dele um fun­dador de chefia, embora de ordinário acontecesse o inverso: era o

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status de Rei que dava a riqueza: Eis "como lhe foi dado o mun­do", isto é, como se tornou um chefe de guerra .

O chefe de guerra da terceira chefia, portanto, não devia a posi­ção a suas proezas bélicas, de acordo com o costume, màs a umserviço que prestara: como isso atentasse contra os antigos usos evalores, os anhi não podiam reconhecer tais origens, que não cons­tavam da tradição oficial.

Dessa forma, a origem do poder sofre variações, o mesmo acon­tecendo com a lista de sucessão dinástica: a de Indiéné compreen­de dez nomes a partir de Ahi Baye, contemporâneo do êxodo. Ora,observa Claude Perrot, as pesquisas permitem estabelecer uma listanão oficial de dezessete reis com as respectivas ordens de sucessão.Está provado que pelo menos quatro foram relegados ao esqueci­mento, ou por se tratar de heróis mal-sucedidos na luta contra osconquistadores europeus, ou porque foram vítimas da sorte ou dequalquer outra desgraça. "Um verdadeiro Rei não pode ser vencidonem feito prisioneiro."

SEGUNDO ESTRATO: "NOSSOS ANTEPASSADOS GAULESES"

Não passaria de uma lenda esse conceito que figura entre oslugares-comuns mais conhecidos e ridicularizados da colonizaçãofrancesa na África Negra? No sentido exato do termo, parece quesim, se se aceitar a erudita pesquisa de Denise Bouche. Em seu estu­do sobre o ensino no Senegal de 1817 a 1960, ela mostra que nocomeço só os filhos dos europeus iam à escola, em Saint-Louis no­tadamente, onde o ensino era mantido pelos Irmãos de Ploermel epelas Senhoras da Imaculada Conceição. Ora, quer se tratasse debrancos ou dos primeiros negros admitidos às escolas, as criançasdo começo do século XIX não ouviram falar dos gauleses porque,nessa época, a Nação francesa ainda não os ~avia descoberto comoancestrais. As noções sobre o passado apoiavam-se num Curso deHistória que continha a história sagrada em oito épocas e algumasnoções a respeito dos primeiros reis; apresentada por séculos e porreinos, a História da França começa com Pharamond, reconhecidodepois como um rei imaginário, e, de acordo com o ritmo seguido,pára em Carlos, o Calvo, ou em São Luís; raramente se chega aosBourbons.

Seja como for, o espírito era esse. Desde 1898, o diretor Garri­gues censurava as escolas públicas do Senegal por ensinarem exata­mente as mesmas matérias da França. "Parece que se poderia aomenos omitir o assassínio de Clotário e o batismo de Clóvis." Ele

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julgava também que "há alguns inconvenientes em revelar, atravésda nossa história, os erros que cometemos antes de chegar ao está­gio de civilização que possuímos." Se houve algumas tentativas deincluir um pouco de história e geografia da África Negra nos cur­rículos, isso foi muito reduzido e abordado a contragosto. Os colo­nos dificilmente aceitavam que fosse ministrado o ensino aos indí­genas. Defensor da escola para todos, o inspetor-geral da ÁfricaOcidental Francesa, Georges Hardy, insistia nos bons resultadosque se podem esperar da escola. "Não é a história da França quepropomos, mas o poder francês, encarado de um ponto de vistahistórico, para lutar contra a história tendenciosa e muito fre­qüentemente antifrancesa dos marabuse principalmente dosgriots * que apresentam as vitórias francesas como momentâneas edevidas a causas passageiras." A História que se ensina às criançasnão se limita apenas ao ensino dela, mas perpassa por todas asáreas da prática escolar. Em seu livro Le chant à l'école indigene,Georges Hardy enaltece o trabalho, a poup-ança e outras virtudesfrancesas:

"Para que a nossa África seja rica,amigo, vamos trabalhar, trabalhar ...

Em vez de dormir ou conversar, va~os,vamos limpar a terra.

Antes de convidar parentes e vizinhos,paguemos os impostos, saldemos as dividas

e coloquemos de lado uns sacos de grãos.Então, sim, poderemos cantar em voz bem alta ...

Salve, França, e glória ao teu nome,nós te amamos como à nossa mãe

porque é a ti que devemoso fim de todas as nossas misérias ... "

Por um declive natural, e considerado também a origem dosprofessores primários e dos demais, o ensino de tipo metropolitanoconverteu-se no acompanhamento obrigatório da escolarização,embora existam muitas histórias e geografias do Senegal escritas es­pecialmente para as suas escolas. "No Senegal, nota Anglais Mum­ford, salvo pela cor da pele, o negro de cultura francesa é francêsem tudo." Em 1946, a definição da União Francesa implicava a

• Griot é uma espécie de cartomante da África Negra. "Historiadores, poetas, músicos,cartomantes - explica o Dicionário Larousse - os griots formam uma casta especial emuitas vezes desempenham a função de conselheiros dos príncipes." (N. do T.)

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assimilação e transformação dos africanos em franceses. Oespírltode igualdade que prevalecia, ao menos na repartição que· da ruaOudinot governava os assuntos da África, chegou a ponto de intro­duzir os programas metropolitanos em todos os níveis e em todasas matérias. Na História, foi exatamente nesse momento que apa­receram os gauleses ... A história, daí para a frente, no ensino pri­mário, é a da França; no secundário, a que vai da Grécia a Roma e,a seguir, a história vista da Europa.

"O colono faz a História, escrevia Franz Fanon,e sabe que a fazporque aqui é o prolongamento da metrópole; a história que es­creve, portanto, não é a de um país assaltado, mas a de sua Nação,naquilo em que ela cospe, violenta e mata de fome." O Senegal es­tá excluído, salvo quanto à sua submissão, depois da regeneraçãosob a égide da França colonizadora ... E é assim mesmo em todaparte onde reina a França: sua presença encarna o progresso da his­tória e da civilização. Em Oran, em '1948, numa classe de quintasérie, comecei minhas aulas por uma vista geral do programa; quan­do disse aos quarenta "pieds-noirs"* que, depois da queda do Im­pério Romano e dos reinos bárbaros, a civilização árabe assumiu adianteira, a classe foi tomada por imensa risada. Árabe e civiliza­ção, duas palavras que não andavam juntas ...

o TESTEMUNHO DE UMA JOVEM SENEGALESA, SOW NDEYE Gr

Sow Ndeye, que tinha doze anos por ocasião da independênciado Senegal, quando cursava uma escola de maioria branca, na quar­ta série, reteve a seguinte imagem dos acontecimentos.

Para ela, o passado consistia essencialmente nos romanos, navida das crianças romanas que ela via banhando-se nas termas e in­do ao teatro ou ao circo. Também se lembra dos gauleses, cujo paísverde e florido tem quatro estações bem definidas por ano, nadaigual ao SenegaL Ela imaginava esse tempo, fresco e maravilhoso,sob o sol da Provença: Au Pays Bleu foi seu primeiro livro de leitu­ra, cujas imagens combinam com o passado greco-romano. E de­pois, eis Carlos Magno, que fundou sua escola, e Luís XIV, queconstruiu palácios e jardins extraordinários.

Tal é o espaço onde se encaixa a sua memória do passado: nãoaparece nem o seu país natal, nem a África, que só entrarão em

• Franceses nascidos na Argélia (N. do T.)

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cena bem mais tarde porque, dizia a professora, "esse passado nãoera interessante."

Recriminações e vergonha à parte, a história da África só deixoudois traços, ambos fúteis. Primeiro, a lembrança de Mussa, mulherde Kankan, rei do Mali, que, quando foi em peregrinação a Meca,teve vontade de tomar banho e seus servos imediatamente lhe cava­ram uma banheira na areia. E a outra diz respeito à memória dosanguinário Samory, que amassava os fetos; de suas escravas num pi­lão especialmente fabricado para essa finalidade. Não, o passado daÁfrica não era mesmo adequado a nutdr a imaginação de SowNdeye. Sonho e História estavam em outrqs lugares.

A primeira chaga, mal cicatrizada vinte anos depois, viria um diadurante a aula sobre as grandes invasões. "Depois dos visigodos,dizia a professora, os ostrogodos e em seg\lidaos francos irrompe­ram na Gáliaj a seguir, com o Islã, chegaram os invasores muçulma­nos que da África passaram à Espanha e logo para a Gália, masfelizmente não conseguiram conquistá-Ia e Carlos Martel os dete­vej tiveram de voltar e foram expulsos, primeiro da Gália e maistarde da Espanha." Este felizmente traspassou como uma adagao coração de Sow Ndeye, que murmurou sua inquietação a umacolega, também negra e muçulmana. A çicatriz demorou a fechar.E reabriu mais tarde quando o professor de francês mandou-a lero poema de Bernard Dadié "Eu vos agradeço, meu Deus., por ter­des me criado negro". E correu-lhe uma lágrima.

Mais tarde, firmou-se dentro dela a ligação entre a luta pela in­dependência, os combates de Abd EI Krim e os objetivos da reva­lorização da cultura africana. "Black is beautiful", cantavam ascompanheiras de Sow Ndeye; do seu passado, começou a gostardos enfeites e dos turbantes, procurando na história as raízes desua identidade.

Hoje, na África Negra, essa procura tende até a excluir os histo­riadores e cineastas de maior boa vontade com o passado africano."Não é uma permanência de vinte anos que bastará para nos co­nhecerem e nos entenderem", diz Sow Ndeye. Atrás do seu miste­rioso sorriso, percebo que no íntimo ela pensa que o estrangeiro,depois de ter conquistado, roubadó e explorado, ainda quer despo­jar a África dos restos miseráveis de sua identidade secreta.

Entretanto, apenas o passado longínquo não pode ser evocado,porque é objeto de um código. O passado mais recente, mantidoainda na memória, não tem o mesmo prestígio. Não é proibidore1embrá-lo. ~ o caso da conquista colonial, ainda guardada namemória africana, e que J ean Rouche reconstituiu com grandebeleza em Babatou et les trais canseils.

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,A DESCOLONIZAÇÃO PROGRAMADA

e'É cada vez mais aceito, desde o VI Congresso Pan-Africano deDacar, em 1967, e dos recentes trabalhos de Dart, Leakey e muitosoutros pesquisadores, que a África tropical é o berço da humanida-d "e.

Esta é a primeira observação feita por Oumar Kane, um dos fun­dadores de Afrika Zamani, a revista de história africana que seatribui a missão de "descolonizar a História". E não só da sua"raiz" européia ...

"É preciso, por conseguinte, insistir na antiguidade do povoa­mento pré-histórico do continente africano, pois quase todas asetapas abertas pela inventividade humana pré-histórica estão inscri­tas em solo africano, em particular nos altos platôs da África Orien­tal e Meridional.

"No estudo da pré-história africana, é preciso sobretudo privile­giar a revolução neolítica em seus aspectos fundamentais, a agri­cultura e a domesticação dos animais. Até agora prevaleceu a hipó­tese da contribuição exterior quando se tratava da invenção daagricultura e sua introdução na Africa. Se o papel e a anterioridadeda Mesopotâmia, do Crescente Fértil e do Nilo não podem sernegados, não seria possível entrever o nascimento da agricultura naÁfrica independentemente dessas contribuições? ..."

"Depreende-se de todos aqueles trabalhos que a agricultura eraadotada em todas as partes da África entre o quarto milênio e asegunda metade do quinto milênio, embora certas regiões só te­nham sido atingidas na primeira metade do primeiro milênio. Asplantas que estão na base da nossa alimentação parecem já selecio­nadas: sorgo, inhame, alguns grãos.

"É preciso insistir particularmente na progressiva desertificaçãodo Saara e suas conseqüências. Essa desertificação permite explicara localização das populações africanas durante os períodos históri­cos e evocar as imensas migrações de pastores que, à procura depastos, devem ter feito recuar as populações sedentárias. O povoa­mento de nossas savanas não seria a reprodução do povoamento doSaara na era neolítica? Os pastores peubls ou os tuaregues não se­riam descendentes dos pastores saari:mos? Os camponeses seden­tários das savanas sahelo-sudanesas não teriam algo a ver com osocupantes das aldeias redescobertas nas depressões e vales hojedesérticos do Saara?"

Esta dissociação dos esquemas dà "História Universal" implicanova periodização:

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de urna história vista da Europa, tal colocação é reveladora, mesmose, no momento, ela enfatiza excessivamente a posição da Áfricaem relação à Europa ...

r;ESPLENDOR E SIL~NCIOS DA NOVA HISTÓRIA AFRICANA

Para os jovens africanos, a história do passado do seu continenteé uma procissão iluminada de reinos e impérios, uns mais fascinan­tes e perfeitos do que os outros. Primeiro, o Império de Gana, emque reinou Sessé, o Rei do Ouro; depois, o Império do Mali, queatinge o maior desenvolvimento sob Mansa Moussa, "nobre e gene­roso, que dava esmolas. Ele saiu com cem carregamentos de ouro,que distribuía durante sua peregrinação a Meca, primeiro entre astribos pelas quais passou de seu país até o Cairo, depois no próprioCairo, e enfim entre o Cairo e a nobre Hijjaz. Depois, ficando semdinheiro por ocasião da volta, precisou tomá-Io emprestado doscomerciantes, sob sua própria garantia." A seguir, vem o ImpérioSonghar de Gao, "um Estado centralizado, com conselheiros e mi­nistros do protocolo, da justiça, das finanças, da polícia, da mari­nha, do exército e da'cavalaria." A dinastia dos Aksia, nesse reino,desenvolveu a cultura e fundou a Universidade de Tombuctu "cujareputação ultrapassava os limites do Império" (século XVI). Maisao sul, os reinos de Mossi se definiam "pela brandura da organiza­ção política, por uma extraordinária estabilidade social e por umarecusa quase total de relações com o mundo exterior." TambémEstados estáveis, as cidades Haoussa, cuja originalidade estava emseu caráter democrático, disputavam entre si. Ainda mais ao sul, etambém muito renomados, localizavam-se os "países da costa",constituídos pelo reino de Benim e pelas cidades dos iorubas.Quanto aos reinos bantos, surgidos mais tarde, "eram ricos e pací­ficos", mas, salvo o Congo, logo vítimas do tráfico e da coloniza­ção. Mais glorioso foi o destino de Monomotapa, na África Orien­tal. Sua riqueza explica a prosperidade de toda a região marítimaque, além de tudo o mais, tendo relações com a india, com os ára­bes e com a China, viu aparecer uma das mais brilhantes civiliza­ções, conhecida por swahili, nome derivado da língua falada naregião. A chegada dos portugueses pôs fim ao apogeu da civilizaçãoswahili.

Por essa época, quantas misérias não se abatiam sobre o Ociden­te cristão! A "insegurança", que destrói a ordem carolíngia, as divi­sões, as guerras. "Os homens viajavam pouco, conheciam-se mal. "A Renascença só viria mais tarde, com a ascensão das cidades deFlandres e da Itália. Mas assim que se tornou rica e repovoada, a

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Para o período 'histórico, Oumar Kane propõe a adoção da cro­nologia de Hrbek, que "rompe os caminhos batidos da cronologiaocidental e com o esquema marxista, dificilmente aplicável à evo­lução das sociedades africanas." E sugere uma cronologia baseadana dinâmica própria das sociedades africanas. A periodização seriaa seguinte, remontando o curso da história, e que reproduzimos deforma retrospectiva, do presente ao passado:

- Os anos 1950-1960: movimentos de independência do sécu-lo Xx. '

- Os anos 1890: fim do período independente começado lá por1830.

- Os anos 1805-1820 correspondentes às "profundas perturba­ções nas zonas de contacto e zonas isoladas: jibad de Usman-dan­-Fodio no Sudão Ocidental; formação do Estado Zulu, por Chaka;acesso de Buganda à região dos lagos; fundação do Egito moderno,por Mehmet-Ali; unificação de Madagascar; início da hegemoniaOmani na costa oriental. Em todos os lugares nota-se a tendênciaà unificação e ao centralismo monárquico sem controle. Essa épo­ca corresponde também à abolição do tráfico dos negros."

- Passagem do século XV para o XVI: "Chegada dos europeus eintrodução de plantas de origem americana. Invasão da ÁfricaOriental pelas tribos nilóticas (Galas). Formação dos Estados Kuba,Luba, Lunda; declínio do Estado Shonghai e expansão das cidades­-estado Haoussa, de Kanem-Bornu, do Wadai e do Sultanato dosFundj. A expansão bantu continua em direção ao Sul. A ÁfricaMediterrânea cai sob o domínio dos otomanos."

- "Diáspora banto no Centro e Sul da África, contemporâneada Idade do Ferro na África do Norte (do século lU A.C. ao séculoV D.C.). A Idade do Ferro começou com as migrações protobantusa partir da bacia superior do Congo em direção às savanas do Sul.Esta expansão bantu estaria relacionada com a introdução de plan­tas alimentícias do Sudeste asiático." C .. )

"A propagação do Islã e a formação dos Impérios Centrais fi­cam, assim, relegadas a segundo plano."

A característica dessa colocação é, corno se vê, não somente dedissociar o passado da África Negra do passado do Oriente e daEuropa, mas de eliminar do passado africano aquilo que poderiafazer sombra ao presente, alimentar dissensões e prejudicar o afri­canismo e a unidade africana. Na realidade, os livros didáticos paracrianças guardam relativa independência em relação a essas "reco­mendações". Por exemplo, longe de relegar a segundo plano a for­mação dos impérios centrais, a obra muito inovadora de M'Bow eDevisse coloca-os em evidência. Para uma pessoa formada através

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Europa foi levada a várias formas de expansão, às Cruzadas, àsconquistas coloniais.

Assim, é surpreendente o paralelo entre o mundo africano e omundo ocidental. Vamos compará-Ios. Os termos que caracterizamo reino de Gana e o Ocidente cristão são um exemplo:

Outra característica: as relações mantidas pelos reinos negroscom o Islã raramente são explicitadas. Certamente, há o problemados reis que se converteram ao Islã e o da resistência dos países dafloresta, mas é abordado de forma superficial. Curiosamente, estedomínio é o único em que é invocada a dificuldade dos problemassuscitados e a incapacidade dos historiadores para resolvê-Ios ecolocar-se de acordo a respeito de uma interpretação. O condicio­nal e o "talvez" fazem uma única e súbita aparição.

A partir de pesquisas e da tradição oral, Sembene Ousmanere­constitui esse longínquo século XVII e a resistência dos ceddo aoIslã. Os ceddo eram os contestadores tanto entre os ou/ois comoentre os pulars; eram orgulhosos de sua absoluta liberdade mas nãocorrespondiam nem a uma etnia nem a uma religião particulares.No filme, os ceddo seqüestram a filha do Rei e a mantêm prisionei­ra. O povo ceddo continua reconhecendo a legitimidade do Rei,pedindo-lhe somente que seja afastado o Conselho dos Imãs que,em nome do Alcorão, se atribui pouco a pouco o direito de super­visionar toda a sociedade. Apoiando-se no texto sagrado, aos pou­cos apropria-se do poder. Consciente dessa perda de poder, masfraco, o Rei verdadeiramente não condena o seqüestro da filha, por­que compreende o significado desse ato. Mas é prisioneiro do sistemainstituído pelos Imãs, com seu consentimento tácito, porque paraele os conhecimentos e a sabedoria do Islã surgiram como supe­riores ao afirmarem que o Seu Reino era superior ao reino dos reis.Mas, ao consagrar o Islã, esse mesmo Islã o despojou do poder àmedida que se consolidava a autoridade dos notáveis introduzidosno Conselho dos Imãs.

A princesa prisioneira aguarda a libertação. Ela também é mu­çulmana e a derrota de seus dois irmãos, sucessivamente batidospelos ceddo, deixa-a mais obstinada em seu orgulho. Depois, o paimorre durante a campanha organizada contra os rebeldes, afinalvencidos: eles não tinham armas e foi preciso negociar com osbrancos para obtê-Ias.

Vencidos os ceddo, a Princesa é prometida ao Imã mais impor­tante. No momento do casamento, ela tira uma arma e o mata napresença do povo, que fora convertido à força e que com ela sesolidarizara ...

A elite muçulmana sentiu-se agredida por esse drama soberbo eprovocador. E também os brancos, que mais uma vez apareceramsob a forma de um padre cuja única preocupação era o ideal deuma Igreja negra para todos e que, perseguindo sua quimera, ficavaabsolutamente indiferente ao destino dos ceddo, sua destruição evontade de sobreviver.

OCIDENTE CRISTÃO

Corvéias fixadas pelos senhores.Fomes.

Nenhum excedente para vender.População em mau estado.Mortalidade precoce.Doenças e epidemias.Liberdades cerceadas.

Camponeses vítimas da organização so­cial.

Agravamento da situação dos servos.

REINO DE GANA

"Uma tradição que muitos historiadores consideram pouco exata fala daocupação de Gana pelos Almorávidas em 1075. Eles teriam obrigado o sobe­

rano a converter-se (ao Islã) e teriam massacrado toda a população q~e queriapermanecer animista. Sabe-seque Abu-Bakr dedicou os últimos anos de suavida à guerra contra os animistas e encontrou a morte em combate num lugarmal conhecido."

"Talvez, escreve o autor, a pressão dos Almorávidas tenha forçado os se­nhores animistas de Gana a se voltarem para o Sul e a escolherem uma novacapital, menos exposta do que Koumbi-Saleh. Todos esses problemas, muitodift'ceis, ainda são objeto de pesquisas e discussões entre os historiadores."

Império poderoso.Relaçôes comerciais florescentes.Situação notável de Tegdaoust.Lei sucessória simples e de admirável exa-

tidão.Impostos moderados.Tesouro imperial muito rico.Riqueza do país.Centro comercial ativo.

Desde que se trate do Islã, a mão do historiador põe-se a tremer.TRADI çÃo ANTICR 1STà DA POESIA SWAH I LI (,

os CEOOO E o ISLÃ

Como surgiu esse "apagamento" da inscrição do Islã e da lem­brança da sua conquista? Um filme de Sembene Ousmane, Ceddo,mostra a trágica rejeição.

Verdade no Senegal não é necessariamente verdade em toda aÁfrica: não houve "guerras de religião" na África Oriental, onde amemória coletiva guarda outra lembrança da islamização. JanKnappert estudou suas modalidades através da literatura escritaswahili e, notadamente, dos poemas transmitidos pela tradição po-

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pular. No Herekeli, o mais antigo desses poemas, é·tratada com fre­qüência a questão da conversão de cristãos e pagãos. O poemacomeça com a morte de Jaafar, primo de Maomé, assassinado peloscristãos que tentava converter. Então, o anjo Gabriel apareceu aMaomé, intimando-o a declarar guerra ao imperador Herekeli. "Setu ficares muçulmano, disse-lhe Maomé, faremos de vós uma gran­de Nação." Este sempre foi o traço específico da conversão dosanimistas da África.

De acordo com o Herekeli, quando o Bispo recebe a carta, põe­-se a sapatear de cólera como, na visão dos swahili, fazem os cris­tãos, sempre impacientes, irascíveis e brutais. "Os cristãos, ávidos ecoléricos, procedem como crianças e não têm a dignidade e a gran­deza dos muçulmanos." - "Não é bem assim, responde o Bispo,nós adoramos o Menino Jesus que poderia ser o filho dos nossosfilhos." A resposta teve efeito inesperado sobre os negros que, arigor, podem concordar com a adoração de um homem de idade,mas nunca com a de uma criança. Os cristãos apresentam nessepoema outras características ridículas: seus exércitos são precedi­dos por cruzes e bandeirolas, que eles contemplam na hora da bata­lha, em pleno perigo. A vitória dos cavalos do Islã sobre os cavaloscristãos manifesta a vontade de Deus que concede a vitória aos mu­çulmanos. Mesmo que morrerem, ganharão a riqueza e a glória. Asbatalhas de Ajnayin e de Yarmouk sempre são celebradas pela tra­dição oral swahili. De maneira que a conversão pela fé surge comoa forma mais usual de conversão, mesmo que se tenha de converteralguns pela força ou, se for criança, pelo chicote. Outros traços datradição épica também explicam as conversões ao Islã: os milagresfeitos por Maomé e que coincidem com as práticas inseridas numuniverso de magia. Para convencer o negro, também foi importanteo culto da virilidade: Maomé tinha nove mulheres e os meninosmuçulmanos devem decorar o nome de todas elas. Tinha noveesposas porque era um homem excepcional e podia satisfazer a to­das numa só noite. Enquanto o Cristianismo valoriza a abstençãoe a continência, o Islã ensina que "antes uma mulher do que mui­tas, mas quatro são autorizadas para evitar o pecado." Assim, ésatisfeito o desejo da poligamia que assegura, além de tudo, a supe­rioridade do homem sobre a mulher.

UM TRÁFICO EM SENTIDO ÚNICO

Como em relação ao Islã, nota-se o mesmo "comedimento" noscapítulos consagrados ao tráfico negreiro que, entretanto, serve detítulo ao livro da quarta série.

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"Chama-se de tráfico negreiro ao comércio dos negros arrancados de suasfamílias, vendidos como escravos e transponados principalmente para a Amé­rica a partir do fim do século XV. Este comércio, praticado pela maioria dasnações européias, pelos americanos e árabes, com a cumplicidade dos próprioschefes africanos, durou até o fim do século XIX, e marcou fonemente a histó­ria da África Negra."

Isto estaria perfeitamente explicado se o tráfico para o mundoárabe não tivesse começado sete séculos antes e se a escravidão ne­gra em terras do Islã tivesse sido abordada pelo menos uma veznesse capítulo (há só uma "leitura", extraída de Louis Frank.)

A mão tremeu mais uma vez quando se tratou de relembrar oscrimes cometidos. pelos árabes, que transformaram em eunucos eprivaram de descendência a milhares de cativos ... enquanto o in­ventário dos crimes cometidos pelos europeus ocupa, aliás justa­mente, páginas inteiras.

Reencontramos esses escravos e seus descendentes além-Atlân­tico, nas Antilhas, onde, transplantados como os hindus chegadosda Ásia no século XIX, os negros convivem com eles em Trinidad,Tobago e Jamaica, ocupando o lugar dos índios massacrados pelosprimeiros colonos espanhóis, portugueses e holandeses ...

Que visão do passado é apresentada hoje aos descendentes da­queles desenraizados?

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