Poesia e modernismo

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Um passeio de Fred Coelho pela história da arte moderna e pela poesia no Brasil. Material da aula da Universidade das Quebradas.

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Poesia Modernista no Brasil

Aula Universidade das QuebradasSetembro de 2011

Literatura e Nação no século XIX – O Romantismo e suas vertentes

Casimiro de Abreu (1839-1860) – A poesia romântica como evocação subjetiva

Meus oito anosCasemiro de Abreu (1859)

Olavo Bilac (1865-1918) – Perfeição Parnasiana ou o privilégio da forma

Língua Portuguesa

Ultima flor do Lácio, inculta e bela,És, a um tempo, esplendor e sepultura:Ouro nativo, que na ganga impuraA bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,Tuba de alto clangor, lira singelaQue tens o tom e o silvo da procela,E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",E em que Camões chorou, no exílio amargo,O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Remorso

Às vezes, uma dor me desespera...Nestas ânsias e dúvidas em que ando.Cismo e padeço, neste outono, quandoCalculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,Sem os gozar numa explosão sincera...Ah! Mais cem vidas! com que ardor quiseraMais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que desperdicei na juventude;Choro, neste começo de velhice,Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,Por timidez o que sofrer não pude,E por pudor os versos que não disse!

Augusto dos Anjos (1884-1914) – Poesia simbolista no limite

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,Monstro de escuridão e rutilância,Sofro, desde a epigênesis da infância,A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância... Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra!

Modernismo e o Brasil do século XX

Modernismo em três dimensões:

• Um movimento – formado a partir do grupo paulista entre 1917 e 1924

• Uma estética – ruptura com os padrões românticos, naturalistas e parnasianos e incorporação das vanguardas européias no fazer poético brasileiro

• Um período – 1922 - 1945

Olhares críticos sobre a Poesia modernista

• Características do Modernismo (Manuel Bandeira)• Introdução do Verso livre• Linguagem despojada, rejeitando a eloquência parnasiana e o vago

esoterismo simbolista• Ruptura com o vocabulário formal e a sintaxe portuguesa• Alargamento do campo poético introduzindo novos assuntos, os aspectos

mais prosaicos da vida• Movimento mais destrutivo em sua primeira fase (1922-1930) e

construtivo de uma nova poética moderna brasileira na segunda fase (1930-1945)

• Nesta segunda fase, busca-se uma intepretação artística do presente e do passado brasileiro – era dos grande ensaios de formação nacional como Casa Grande e Senzala (1933) e Raízes do Brasil (1936)

Olhares críticos sobre a poesia modernista 2

• Características da Poesia Modernista (Antonio Candido)• Aproximação da poesia com a prosa e vice-versa• Abandono das formas poéticas consagradas, cristalizadas pelo

Parnasianismo• Extravasamento geral do lirismo em formas livres• Simultaneidade / Polifonia /Condensação / Imagens vívidas / Fusão

de elementos diversos• Versos livres porém ricos em musicalidade (era do Jazz e das

músicas de vanguarda)• Expressão as vezes obscura do inconsciente como associação livre

de ideias x o registro seco do cotidiano (Manuel Bandeira e o poema do Jornal)

Nomes importantes do período modernista na poesia – o grupo heróico da primeira fase (1922-1930): - ruptura, radicalismo estético e atualização da linguagem formal e poética (vanguardas e o falar brasileiro)

• Ronald de Carvalho• Guilherme de Almeida• Raul Bopp• Cassiano Ricardo• Mario de Andrade• Oswald de Andrade• Manuel Bandeira

Nomes importantes do período modernista na poesia – o grupo da segunda fase (1930-1945):- Adesamento formal, maturidade nos temas (Brasil entre guerras e diversificação regional

•Carlos Drummond de Andrade•Murilo Mendes•Jorge de Lima•Vinícius de Moraes•Cecília Meireles•Augusto Frederico Schimidt•João Cabral de Melo Neto

Mário de Andrade (1893-1945) e a Paulicéia Desvairada (1922)

Ode ao Burguês

O Domador

Oswald de Andrade – Poesia Pau Brasil

Manifesto da Poesia Pau Brasil - Trechos (1924)

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.

Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas e os outros.

Uma única luta – a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação. E a Poesia Pau-Brasil, de exportação”.

Manifesto Poesia Pau Brasil – Trechos (cont.)O trabalho contra o detalhe naturalista – pela síntese; contra a morbidez romântica – pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; contra a cópia, pela invenção e pela surpresa.

A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o presente.

Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.

Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o bicho vem pegá" e de equações.

Manifesto Poesia Pau Brasil – Trechos (cont.)

O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão acadêmica.

A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.

Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecânica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural. Práticos. Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.

Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

Poemas de Oswald de Andrade – Meus oito anos

Poemas de Oswald de AndradePronominais

Dê-me um cigarroDiz a gramáticaDo professor e do alunoE do mulato sabidoMas o bom negro e o bom brancoDa Nação BrasileiraDizem todos os diasDeixa disso camaradaMe dá um cigarro

Manuel Bandeira e o novo lirismo

Poética

Notícia de Jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

Diálogos modernistas na cultura brasileira – a música popular

Apesar do Samba não ter sido um gênero que marcou os modernistas paulistas, Villa Lobos era um compositor modernista ligado ao universo das rodas de choro e de samba do Rio de Janeiro.

Manuel Bandeira escreveu sobre o enterro de Sinhô; o carnaval foi tema constante para Bandeira, Mário de Andrade e, principalmente Oswald de Andrade.

Sinhô (José Barbosa da Silva 1888-1930) e Noel Rosa (1903-1930 ) foram dois dos maiores nomes da chamada “época de ouro” do Samba, contemporânea da primeira fase do modernismo. Suas letras dialogaram diretamente com a atualização do português falado nas ruas em relação ao português castiço dos parnasianos. Sinhô ainda pode ser vito como transição e Noel como a ruptura total.

Sinhô - Jura

Jura, jura, jurapelo SenhorJura pela imagemda Santa Cruz do Redentorpra ter valor a tua jura

jura, jurade coraçãopara que um diaeu possa dar-te o amorsem mais pensar na ilusão

Daí então dar-te eu ireio beijo puro da catedral do amorDos sonhos meus, bem junto aos teuspara fugirmos das aflições da dor

Noel Rosa - Filosofia

Noel Rosa - Picilone

Desdobramento na poesia – a nova geração

Poetas da segunda geração modernista (a partir de 1930) transformaram-se nos grandes poetas brasileiros do século XX. Entre eles, quatro dos principais:Carlos Drummond de Andrade / Vinícius de Moraes / Cecília Meireles / João Cabral de Melo Neto.

Cada um, a sua maneira, ampliou as propostas da poesia modernista e, ao mesmo tempo, trouxe novas possibilidades formais e temáticas para a poesia brasileira.

Drummond – No meio do Caminho (1928 – Revista de Antropofagia)

No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.

Modernismo e Música Popular Brasileira nos anos 1960

- A fundação da sigla MPB ocorre justamente no encontro de duas perspectivas do modernismo:

- a de Mário de Andrade (nacionalista, ligada a uma ideia folclórica de Cultura Popular, vinculada ao território e suas tradições)

- e a de Oswald de Andrade (internacionalista, iconoclasta, ligada a uma ideia de cosmopolitismo e reinvenção das formas)

- A primeira resulta no que chamamos de canção engajada, em que pescadores, vaqueiros, camponeses e pobres são os temas das canções (Edu Lobo, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo)

- A segunda resulta no Tropicalismo musical, em que se evoca o Manifesto Antropófagico para lidar com o mercado pop internacional de música e com a crescente cultura de massas que assolava o Brasil em plena ditadura militar.

Letras Tropicalistas: Tom Zé – Parque Industrial

Letras Tropicalistas: Torquato Neto – Geléia Geral