Post on 02-Dec-2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis
(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais
Juliana Martins de Andrade
Vitória
2016
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Juliana Martins de Andrade
Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis
(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Ciências Biológicas do Centro de
Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do
Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de
Bacharel em Ciências Biológicas.
Orientador: Prof. Dr. Jean-Christophe Joyeux
Coorientador: Me. Ryan Carlos de Andrades
Vitória
2016
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Juliana Martins de Andrade
Variação ontogenética do nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis
(QUOY & GAIMARD, 1824) em ambientes entremarés recifais
Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Biológicas do Centro de Ciências Humanas e
Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Ciências Biológicas.
Aprovada em 8 de julho de 2016.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Jean-Christophe Joyeux
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientador
______________________________________________
Me. Ryan Carlos de Andrades
Universidade Federal do Espírito Santo
Coorientador
______________________________________________
Dr. Ciro Colodetti Vilar de Araújo
Universidade Federal do Espírito Santo
______________________________________________
Me. Gabriel Costa Cardozo Ferreira
Universidade Federal do Espírito Santo
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais e meus irmãos pelo apoio, principalmente à minha mãe que
sempre esteve por perto quando precisei durante o curso.
Agradeço aos meus orientadores, Jean e Ryan, pela orientação e pelos ensinamentos
transmitidos, pela amizade, pela paciência, pela disponibilidade e pela ajuda ao longo do tempo
que permaneci no laboratório.
Agradeço aos meus amigos, em especial à Juliana que sempre esteve presente em todos
os momentos, à Margarida, Nahyara e todos aqueles que estiveram comigo durante o curso e
sempre me apoiando independente das minhas escolhas.
Agradeço a todo o pessoal do Ictiolab, que sempre estiveram dispostos a ajudar e por
sempre incentivarem muita leitura (especialmente o Robson), que é essencial para a formação de
um bom profissional.
Agradeço aos membros da banca, Gabriel e Ciro, por aceitarem o convite.
Agradeço ao Raphael Macieira e ao Helder Guabiroba por fornecerem as imagens
utilizadas neste trabalho.
Agradeço aos professores por todos os ensinamentos passados durante o curso.
v
RESUMO
O nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis Quoy & Gaimard (1824) de poças de maré
da Praia dos Castelhanos, Anchieta e da Ilha da Trindade foi investigado através de análises de
isótopos estáveis, conteúdos estomacais, características funcionais e uso de habitat pela espécie.
Para tal, foram caracterizadas 15 poças de maré em relação a sua batimetria, substrato, altura,
volume, distância do infralitoral e supralitoral, cobertura bentônica, salinidade e temperatura. A
variação ontogenética do nicho ecológico da espécie foi verificada em indivíduos de duas classes
de tamanho, menores que 60 mm (juvenis) e maiores que 100 mm (adultos). As correlações entre
a densidade de L. nuchipinnis e as características físico-químicas das poças indicaram que os
indivíduos habitam fendas presentes em poças de maré mais próximas ao infralitoral, com
substrato rochoso predominante e presença de animais sésseis. Análises multivariadas
envolvendo a dieta, o nicho isotópico e funcional demonstraram que a espécie possui papel de
predadora em ambas fases de vida, alimentando-se principalmente de pequenos crustáceos
quando juvenis e de peixes e crustáceos maiores quando adultos. Através das análises isotópicas
e funcionais pode-se verificar que não houve sobreposição de nicho entre adultos e juvenis,
indicando que não há competição intraespecífica entre juvenis e adultos. Os indivíduos de
Anchieta apresentaram maior enriquecimento de δ13
C e δ15
N que os indivíduos da Ilha da
Trindade, provavelmente devido a maior produtividade primária presente em regiões costeiras.
Desta forma, foi possível verificar aspectos do nicho ecológico ocupado por L. nuchipinnis e
demonstrar a importância da ontogenia para estudos de populações e comunidades.
Palavras-chave: Brasil, maria da toca, variação intraespecífica, isótopos estáveis, ecomorfologia
funcional.
vi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Localização das áreas de estudo na costa do Brasil. ES = Praia dos Castelhanos
(Espírito Santo) e TR = Ilha da Trindade. Adaptado de Macieira (2013). .................................... 14
Figura 2: Região entremarés da Praia dos Castelhanos, Espírito Santo (A) e da Ilha da Trindade
(B). Fotos: Ryan Andrades ........................................................................................................... 15
Figura 3: Medidas morfológicas realizadas em cada exemplar de L. nuchipinnis. (A) Vista
lateral com as medidas de CP = comprimento padrão, DO = diâmetro do olho, AO = altura do
olho, AINP = altura da inserção da nadadeira peitoral, A = altura, CNP = comprimento da
nadadeira peitoral, ANP = altura da nadadeira peitoral, APC = altura do pedúnculo caudal, CNC
= comprimento da nadadeira caudal e ANC = altura da nadadeira caudal. (B) Vista frontal
evidenciando as medidas de L = largura, AB = altura da boca e LB = largura da boca. .............. 17
Figura 4: Gráfico dos eixos 1 e 2 da análise de componentes principais (PCA) com a relação
entre os 10 grupos dos itens alimentares encontrados, representados pelos vetores, com todos os
31 indivíduos de Labrisomus nuchipinnis representados pelos pontos. AA = Adultos de Anchieta,
AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade. ..................... 23
Figura 5: Representação do nicho isotópico, δ13
C x δ15
N, com 41 indivíduos de Labrisomus
nuchipinnis adultos e juvenis de Trindade e Anchieta, representados pelos pontos. A área
pontilhada representa a AT (área total) e as elipses representam a AEC (área padrão da elipse
corrigida). AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ
= Juvenis de Trindade. .................................................................................................................. 24
Figura 6: Distribuição de juvenis (vermelho) e adultos (preto) na PC1 e PC2 dos espaços
funcionais. Cada ponto representa um individuo e os polígonos (área total) representam o
tamanho dos nichos funcionais de cada grupo baseado nas características funcionais
mensuradas.. .................................................................................................................................. 26
Figura 7: Diferentes colorações crípticas e hábitos de Labrisomus nuchipinnis em poças de maré
na Ilha da Trindade. Indivíduo saindo de uma toca em uma poça com substrato
predominantemente rochoso basáltico (A) e registro noturno de indivíduo descansando sobre
cascalho biogênico em poça de maré de formação mista carbonática e basáltica. Fotos: Helder
Guabiroba ...................................................................................................................................... 27
vii
LISTAS DE TABELAS
Tabela 1: Lista das 10 características funcionais calculadas utilizando as medidas da figura 3,
associadas a locomoção, habito alimentar e aquisição de presas. A = característica relacionada a
alimentação, L = característica relacionada a locomoção ............................................................. 18
Tabela 2: Média dos valores das características físico-químicas das poças de Trindade e
Anchieta. ....................................................................................................................................... 20
Tabela 3: Lista dos itens alimentares encontrados nos estômagos de Labrisomus nuchipinnis
juvenis (n = 28) e adultos (n = 16). FO = ocorrência (número de estômagos com o item), FO% =
frequência de ocorrência (FO/total de peixes), N = abundância (número de itens encontrados),
N% = frequência numérica (N/total de itens). NI = não identificado. .......................................... 22
Tabela 4: Valores das métricas estabelecidas por Jackson et al. (2011), geradas pelo modelo
SIBER, dos quatro grupos analisados. AT = área total, AE = área padrão da elipse, AEC = área
padrão da elipse corrigida. AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos
de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade ......................................................................................... 25
viii
SUMÁRIO
1.Introdução ....................................................................................................................... 9
2.Objetivos ....................................................................................................................... 13
2.1.Objetivos Específicos .................................................................................................. 13
3.Materiais e métodos ..................................................................................................... 14
3.1.Área de Estudo ............................................................................................................ 14
3.2.Coleta de Dados e Processamento ............................................................................... 15
3.3.Análise de Dados ......................................................................................................... 18
4.Resultados ..................................................................................................................... 20
4.1.Características ambientais ........................................................................................... 20
4.2.Uso de Habitat ............................................................................................................. 21
4.2.Análise de Conteúdo Estomacal .................................................................................. 21
4.3.Análise de Isótopos Estáveis ....................................................................................... 23
4.4.Ecomorfologia Funcional ............................................................................................ 25
5.Discussão ....................................................................................................................... 26
5.1.Uso de Habitat ............................................................................................................. 26
5.2.Nicho Trófico .............................................................................................................. 28
5.3.Nicho Funcional .......................................................................................................... 30
5.4.Conclusão .................................................................................................................... 31
6.Referências .................................................................................................................... 32
9
1. Introdução
Existem vários conceitos para definir nicho ecológico. Isso ocorre pois o termo 'nicho' é
amplamente utilizado para se referir a diferentes ideias e processos biológicos. Deste modo, não
há apenas um conceito que defina nicho ecológico, uma vez que é usado para explicar uma
questão muito complexa: "Qual a combinação de fatores ambientais que permite uma espécie
existir em uma dada região geográfica ou em uma dada comunidade biótica, e quais efeitos a
espécie traz para esses fatores ambientais?" (PETERSON et al., 2011). Assim sendo, para
determinar o nicho ecológico de uma espécie, deve-se estudar as relações que esta possui dentro
da população, com a comunidade e com o próprio habitat onde vive (ODUM; BARRET, 2007).
O estudo da ecologia trófica de peixes é um importante indicador das relações ecológicas
entre organismos em um dado ecossistema, consequentemente do nicho exercido pelas espécies.
Neste sentido, é possível determinar estratégias de coexistência entre diferentes espécies através
da separação de hábitos alimentares espacialmente, temporalmente ou através da ontogenia
(SANTOS; ARAÚJO, 1997; BAKER et al., 2014). O hábito alimentar de uma espécie é uma
propriedade dependente de condições abióticas e bióticas (COSTA et al., 1987; ARTERO et al.,
2015). A compreensão das relações ecológicas (ex: alimentação, reprodução, etc.) pode auxiliar
no desenvolvimento de técnicas de manejo sustentável de ecossistemas, contribuindo com
ecólogos, piscicultores e gestores, para a exploração racional dos estoques de peixes e outros
organismos de valor econômico (AMARAL; MIGOTTO, 1980; HAHN; DELARIVA, 2003).
Labrisomus nuchipinnis Quoy & Gaimard (1824) pertence a família Labrisomidae que
possui 15 gêneros e 105 espécies (NELSON, 2006). Em geral, habitam ambientes rasos costeiros
e insulares, normalmente com substrato consolidado e algas abundantes, sendo muito comuns em
poças presentes na zona entremarés (CARVALHO-FILHO, 1999). São considerados residentes
permanentes em poças de maré por exibirem deslocamento restrito (ZAMPROGNO, 1989;
MACIEIRA, 2008). Também exibem hábito críptico e territorialista (SAZIMA, 1986; GIBRAN
et al., 2004; CAMPOS et al., 2010). São ovíparos, realizando postura no território do macho, o
qual exerce cuidados parentais (GIBRAN et al., 2004; CAMPOS et al., 2010). A espécie é alvo
de pesca para fins ornamentais (SAMPAIO; NOTTINGHAM, 2008).
L. nuchipinnis está distribuído pelas águas tropicais do Atlântico Oeste, sendo encontrada
desde Bermuda, Florida (EUA), Bahamas, ao longo do Caribe e do Golfo do México até Santa
Catarina (Brasil) (HUMANN, 1994; WILLIAMS, 2014). No Atlântico Leste pode ser
encontrada no arquipélago Madeira (Portugal) e na costa portuguesa (OLIVEIRA et al., 1992;
VINAGRE et al., 2011), nas Ilhas Canárias e do sul da costa Africana até a Guiné Equatorial
(WIRTZ, 1990).
10
L. nuchipinnis é predador de emboscada (SAZIMA, 1986) e alimenta-se principalmente
de crustáceos, gastrópodes e outros invertebrados (RANDALL, 1967; CARVALHO-FILHO,
1999; SANT’ANA, 2008). Zamprogno (1989) reporta que a espécie é o maior carnívoro
residente permanente de poças e pode ser considerada dominante por ter maior frequência de
ocorrência comparada à maioria das espécies. Pode-se observar em espécies carnívoras um
aumento proporcional na diversidade de alimento explorado com o crescimento do tamanho
corporal (COCHERET DE LA MORINIERE et al., 2003; SANT’ANA, 2008; DAVIS et al.,
2012). A presença de predadores de topo é essencial para manter a diversidade dentro do
ecossistema, uma vez que uma maior diversidade de relações tróficas garante a estabilidade
ecológica da comunidade e seus organismos pertencentes. A retirada destes predadores pode
gerar um grande impacto ambiental afetando, direta ou indiretamente, outras espécies
desestabilizando toda a comunidade através de cascatas tróficas (BASCOMPTE et al., 2005;
FLOETER et al., 2007). Desta forma, o estudo da ecologia de L. nuchipinnis é importante para o
conhecimento de suas interações ecológicas e o papel de espécies carnívoras no ecossistema
entremarés.
O estudo da ecologia trófica de peixes geralmente é realizado através de análises dos
conteúdos estomacais de uma dada espécie. Tal metodologia pode fornecer informações do
tamanho das presas, de taxonomia, e de interações entre predador e presa quando a espécie se
alimenta de diversas fontes (LAYMAN et al., 2005). Entretanto, essa ferramenta possui algumas
limitações, como evidenciar apenas dados da dieta a curto prazo, ou seja, o alimento mais
recente ingerido pelo indivíduo (HYSLOP E. J., 1980; CARVALHO, 2008). Por outro lado, a
análise de isótopos estáveis (ex; 13
C e 15
N) fornece informações do que foi ingerido pelo
predador a longo prazo, indicando de forma robusta a importância dos principais itens da dieta e
sua assimilação (LAYMAN et al., 2005; CARVALHO, 2008). Portanto, as duas metodologias
usadas juntas podem fornecer informações mais detalhadas sobre a ecologia trófica de uma
espécie em um ecossistema (PARKYN et al., 2001; LAYMAN et al., 2005; DAVIS et al., 2012).
Isótopos estáveis estão presentes em toda a biosfera e sua distribuição mostra como seus
componentes se conectam e como o fluxo de matéria e energia é transmitido entre organismos
(PEREIRA; BENEDITO, 2008). Sendo assim, a análise isotópica pode ser útil para vários tipos
de estudo, como entendimento de teias alimentares, efeitos de espécies invasoras no ecossistema,
circulação e detecção de fontes poluidoras no ambiente, verificação de mecanismos fisiológicos
em organismos, investigação de paleo-dieta, rastreamento de migrações e até na medicina
(MICHENER; LAJTHA, 1994; FRY, 2006). Além disso, é muito utilizada no entendimento de
11
mudanças ontogenéticas na dieta de peixes (COCHERET DE LA MORINIERE et al., 2003;
DAVIS et al., 2012; ARTERO et al., 2015).
Em estudos de ecologia alimentar, os isótopos mais utilizados são os de carbono e
nitrogênio. Isótopos de carbono, em animais, indicam os recursos consumidos na dieta do
indivíduo em um período de tempo e revelam a fonte do alimento quando comparada com outros
organismos. Já isótopos de nitrogênio indicam a posição trófica do organismo no ecossistema
(FRY, 2006). A composição isotópica é expressa através da notação delta (δ), que é a diferença
entre o valor da razão isotópica da amostra e do padrão, representado em partes por mil (‰):
Onde X é o isótopo pesado e R, a razão isotópica, que corresponde a razão entre isótopos
pesados e leves presentes na amostra, por exemplo: 13
C/12
C e 15
N/14
N. Portanto, valores positivos
de δ indicam que a razão isotópica da amostra possui mais isótopos pesados que o padrão e
valores negativos, que a amostra possui mais isótopos leves que o padrão. Os valores padrões são
referência internacional e podem ser adquiridos na International Atomic Energy Agency (IAEA)
em Viena, Áustria e no National Institute of Standards and Technology (NIST) nos Estados
Unidos. A medição dos valores das razões isotópicas é feita por meio de espectrômetros de
massa (FRY, 2006; PEREIRA; BENEDITO, 2008).
Além do uso de isótopos e análise de conteúdo estomacal, a ecomorfologia funcional
também é utilizada em estudos ecológicos, uma vez que a morfologia é um fator intimamente
relacionado a hábitos alimentares e a forma que determinado grupo ou espécie explora o
ambiente (DUMAY et al., 2004). Entretanto, grande parte de estudos de ecomorfologia é voltado
para variações interespecíficas, sem dar a devida importância à variações intraespecíficas.
Variações ontogenéticas podem direcionar mudanças nos traços funcionais de espécies
predadoras (ZHAO et al., 2014). Essas mudanças podem afetar a funcionalidade do ecossistema,
portanto, variações intraespecíficas devem ser consideradas em estudos de ecologia (RUDOLF;
RASMUSSEN, 2013).
Dito isso, neste trabalho é esperado que a espécie L. nuchipinnis, residente tanto de
regiões costeiras quanto de ilhas, seja predadora em todas as fases da vida. Adultos podem ter
uma dieta mais diversificada e ocupar uma posição trófica mais alta em relação a juvenis,
resultante das mudanças de traços funcionais durante a ontogenia, e o nicho ocupado pelas duas
fases de vida não se sobrepõe. Além disso, espera-se que as assinaturas isotópicas dos espécimes
12
de regiões costeiras sejam maiores que daqueles de ilhas oceânicas e que tenham preferência por
poças de maré de substrato consolidado com presença de algas.
13
2. Objetivos
O presente trabalho objetiva determinar o nicho ecológico de Labrisomus nuchipinnis em
ambientes entremarés insular e costeiro através de análises de conteúdos estomacais, isótopos
estáveis e características funcionais.
2.1. Objetivos específicos:
Determinar o uso de habitat da espécie e o fator que influencia sua distribuição em
ambientes de poças de maré;
Verificar se há mudança ontogenética na dieta de L. nuchipinnis através de análise de
conteúdos estomacais e isótopos estáveis;
Determinar a assinatura de carbono (δ13
C) e nitrogênio (δ15
N) da espécie em ambientes
entremarés;
Determinar a amplitude de nicho isotópica de juvenis e adultos da espécie;
Determinar o nicho funcional de juvenis e adultos da espécie através de análise da
ecomorfologia funcional.
14
3. Materiais e Métodos
3.1. Área de estudo
O estudo foi realizado nas poças de marés localizadas na Praia dos Castelhanos (20º49′S,
40º36′W) em Anchieta, Espírito Santo, e na Ilha da Trindade (20°30′ S, 29°20′ W), situada na
extremidade leste da cadeia Vitoria-Trindade (Figura 1).
Figura 1: Localização das áreas de estudo na costa do Brasil. ES = Praia dos
Castelhanos (Espírito Santo) e TR = Ilha da Trindade. Adaptado de Macieira
(2013).
O recife da Praia dos Castelhanos é formado por substrato carbonático composto por
incrustação de algas coralinas e esqueletos de corais com rochas lateríticas dispersas. O nível
médio da maré é de 0,82 m em relação aos dados de referencia de nível zero de cartas marítimas
brasileiras. As poças formadas durante a maré baixa apresentam substrato variando de areia,
cascalho e rocha, paredes irregulares quase verticais, podendo estar cobertas por algas do tipo
turf, macroalgas não calcárias, algas calcárias incrustantes e corais (MACIEIRA, 2008;
MACIEIRA; JOYEUX, 2011) (Figura 2A). A Ilha da Trindade localiza-se a 1.160 km a leste da
costa e faz parte da cadeia Vitória-Trindade formada por uma sequencia linear de ilhas
vulcânicas e montanhas submarinas. Na região entremarés da ilha, são formadas poças de maré
sobre substratos predominantemente basáltico e carbonático (Figura 2B). O nível médio da maré
15
de acordo com os dados de referencia de nível zero de cartas marítimas brasileiras é de 0,62 m.
(MACIEIRA et al., 2014).
Figura 2: Região entremarés da Praia dos Castelhanos, Espírito Santo (A) e da Ilha da Trindade
(B). Fotos: Ryan Andrades.
3.2. Coleta de dados e processamento
As coletas foram realizadas na ilha da Trindade entre abril e maio de 2015 e em Anchieta,
entre agosto e setembro de 2015. Para avaliar o uso de habitat de Labrisomus nuchipinnis foram
escolhidas aleatoriamente 15 poças isoladas em cada local, ou seja, poças que estivessem sem
conexão com outras poças ou com o infralitoral no período de maré baixa. Foram mensuradas a
temperatura, com um termômetro, e a salinidade, com um refratômetro portátil, em 3 pontos
aleatórios de cada poça. A batimetria foi obtida usando um grid subdividido em quadrados de 10
cm x 10 cm, sendo a profundidade mensurada em cada ponto com uma régua (MACHADO,
2013). Foram observados e registrados o tipo de substrato (areia, cascalho ou rocha) e de
cobertura bentônica (algas, algas tipo turf ou animal) presente de cada ponto do grid. Com esses
valores foi possível calcular o volume de cada poça utilizando o método kriging através do
16
software Surfer® 13 (GOLDEN SOFTWARE, LLC) e as porcentagens de cada tipo de substrato
(areia, cascalho e rocha) e de cobertura de algas, animais sésseis e algas do tipo turf de cada
poça. O substrato foi classificado em 3 categorias: areia (grão ≤ 1 mm), cascalho (grão ≤ 50 mm)
e rocha (substrato consolidado > 50 mm). Os valores de rugosidade de cada poça foram obtidos
calculando a razão entre a área superficial e a área planar. As alturas aproximadas das poças
foram medidas com o auxilio de um laser nivelado e uma régua com marcação colocada no
infralitoral. As distâncias das poças do infralitoral e do supralitoral foram medidas com uma
trena.
Os peixes foram capturados com o uso de anestésico a base de óleo de cravo (40 ml l-1
) e
redes manuais pequenas. O óleo de cravo é utilizado como anestésico para várias espécies de
peixes por facilitar a coleta em ambientes confinados como poças de maré. Após identificados,
os peixes capturados foram colocados em sacos ziplocks e conservados a -20°C. Em laboratório,
cada exemplar utilizado nas análises foi pesado e medido em relação ao comprimento total (CT).
Os exemplares coletados foram divididos em duas categorias de tamanho de acordo com
o ciclo de vida da espécie, juvenis (< 60 mm CT) e adultos (> 100 mm CT). Sabe-se que L.
nuchipinnis pode chegar a 230 mm de comprimento total (FROESE; PAULY, 2016), porém, o
objetivo do trabalho foi estudar a espécie e sua ecologia enquanto habitante do ambiente
entremarés. Não existem trabalhos específicos abordando aspectos da biologia reprodutiva (i.e.
tamanho de primeira maturação) de Labrisomus nuchipinnis, no entanto foram registrados
indivíduos adultos (gônadas desenvolvidas) dentro do intervalo de CT definido neste estudo.
Dentre os exemplares coletados, 44 tiveram os estômagos retirados e armazenados em
formol 10% para análise de conteúdo estomacal. Os exemplares foram divididos em quatro
grupos de acordo com a fase de vida e o local de origem. Ao total, foram divididos em 14 juvenis
e 5 adultos de Anchieta, e 14 juvenis e 11 adultos de Trindade. Para a realização da análise de
conteúdo estomacal, o estômago do peixe foi retirado e dissecado. Os itens alimentares
encontrados foram colocados em uma placa de petri e identificados até o menor nível
taxonômico possível com auxilio de uma lupa.
Para análise de isótopos estáveis, foram retirados tecidos de 41 exemplares divididos em
10 juvenis e 10 adultos de Anchieta e 11 juvenis e 10 adultos de Trindade. O tecido muscular foi
retirado e colocado para secar em uma estufa à 60°C por 24 horas. Posteriormente, o tecido seco
foi macerado e transformado em um pó fino e armazenados em eppendorfs. De cada amostra foi
retirado entre 0,4 e 0,6 mg de pó e encapsulado. As capsulas foram depositadas em microplacas
17
identificadas através de nomenclatura alfanumérica e enviadas para análise de isótopos estáveis
(carbono e nitrogênio) na School of Biological Sciences – Washington State University. As
amostras foram incineradas em um analisador elementar e os gases resultantes (CO2 e N2) foram
transferidos para um espectrômetro de massa de razão isotópica. Os resultados obtidos são
expressos em notação delta (δ). O valor do padrão determinado para δ13
C é baseado no fóssil de
Belemnite oriundo da formação carbonática de PeeDee na Carolina do Sul (PeeDee Belemnite -
PDB) e o padrão de δ15
N é oriundo do ar atmosférico.
Para verificar o nicho funcional da espécie e as funções ecológicas associadas, tais como
locomoção, hábito alimentar e métodos de aquisição de presa, foram selecionados 10 traços
funcionais dos indivíduos (Tabela 1) (DUMAY et al., 2004; MACIEIRA, 2013). Foram obtidas
13 medidas morfológicas (Figura 3) com o auxílio de um paquímetro e uma balança digital
(0,001g) para calcular os traços funcionais. Foram utilizados 19 exemplares pertencentes a
Coleção Ictiológica da Universidade Federal do Espírito Santo (CIUFES), coletados em
Trindade, Anchieta, Manguinhos, Jacaraípe e Guarapari no Espírito Santo e foram divididos em
juvenis (<60mm) e adultos (>100mm). Todos os indivíduos selecionados foram tombados na
coleção mediante procedimento padrão, fixados em solução formalina 10% após a coleta e
preservados em álcool 70%.
Figura 3: Medidas morfológicas realizadas em cada exemplar de L. nuchipinnis. (A) Vista lateral com as
medidas de CP = comprimento padrão, DO = diâmetro do olho, AO = altura do olho, AINP = altura da
inserção da nadadeira peitoral, A = altura, CNP = comprimento da nadadeira peitoral, ANP = altura da
nadadeira peitoral, APC = altura do pedúnculo caudal, CNC = comprimento da nadadeira caudal e ANC =
altura da nadadeira caudal. (B) Vista frontal evidenciando as medidas de L = largura, AB = altura da boca e
LB = largura da boca.
18
Tabela 1: Lista das 10 características funcionais calculadas utilizando as medidas da figura 3,
associadas a locomoção, hábito alimentar e aquisição de presas. A = característica relacionada a
alimentação, L = característica relacionada a locomoção.
Traços Funcionais Fórmula Relação ecológica
Peso (A/L) - Massa muscular e quantidade
de alimento ingerido
Área da Boca (A)
Característica e tamanho da
presa
Formato da Boca (A)
Método de aquisição da presa
Tamanho do Olho (A)
Detecção de presa
Posição do Olho (L)
Posição na coluna d'água
Formato Transversal do Corpo (L)
Posição na coluna d'água e
hidrodinamismo
Superfície Transversal do Corpo (L)
Distribuição de massa ao
longo do corpo
Formato da Nadadeira Peitoral (L)
Propulsão e manobrabilidade
Posição Nadadeira Peitoral (L)
Manobrabilidade do peixe
Relação Entre Nadadeira Caudal e
Pedúnculo Caudal (L)
Propulsão caudal e redução de
arrasto
3.3. Análise de dados
Para determinar o uso de habitat e identificar qual fator está diretamente relacionado com
a distribuição de L. nuchipinnis nas poças de maré, foi feita uma análise de correlação linear de
Pearson, comumente usada para mensurar a relação entre duas ou mais variáveis cujos dados se
comportam de forma linear. As correlações foram feitas entre a densidade dos indivíduos
(número de indivíduos por m3) e os aspectos físicos, químicos e biológicos de cada poça. As
principais variáveis foram: substrato, como a porcentagem de rocha, areia e cascalho; cobertura
bentônica, como a porcentagem de alga, turf e cobertura animal e de aspectos físico-químicos,
como salinidade, temperatura, profundidade, volume da poça, área, rugosidade, altura, distância
do infralitoral e do supralitoral.
19
Para análise de conteúdo estomacal foram calculadas a frequência de ocorrência (FO% =
número de estômagos com item i / número total de estômagos x 100) e a frequência numérica
(N% = número total do item i / número total de itens x 100). Foi realizada uma Análise de
similaridade (ANOSIM), um teste não-paramétrico que verifica se há dissimilaridade
significativa entre dois ou mais grupos. Neste caso, foram definidos a priori e testados dois
fatores, local e fase de vida, usando 999 permutações para cada um com os dados previamente
transformados (raiz quarta). Foi utilizada a análise de componentes principais (Principal
Components Analysis - PCA) para verificar a variação ontogenética da dieta entre indivíduos da
espécie e as principais presas consumidas (abundância). A PCA estabelece variáveis
representando as possíveis variâncias de dados multivariados e mostra a correlação de cada
componente com as variáveis. Os componentes foram representados por cada indivíduo de
Trindade e Anchieta divididos em duas categorias, sendo elas juvenis e adultos, e as variáveis, os
itens alimentares divididos em 10 grupos (Anomura, Brachyura, Decapoda, Echinodermata,
Echinoidea, Gastropoda, Isopoda, Paguroidea, Polychaeta e Teleostei).
Para determinar a amplitude de nicho isotópica dos juvenis e adultos de cada local, foi
empregado o modelo SIBER (Stable Isotope Bayesian Ellipses in R) (JACKSON et al., 2011).
Este modelo foi usado para gerar elipses no gráfico e calcular as métricas estabelecidas por
Layman et al. (2007) e Jackson et al. (2011), sendo elas área total (AT), área padrão da elipse
(AE) e área padrão da elipse corrigida (AEC). A AT é o valor da área que engloba todos os
pontos de um determinado grupo indicando o nicho isotópico total ocupado. Os valores de AT
são influenciados pelos indivíduos que apresentam valores extremos de δ13
C e/ou δ15
N. AE é o
valor a área da elipse gerada pelo SIBER que é uma equivalente bidimensional do desvio padrão.
AEC é o valor da área da elipse corrigida ( ) pois AE é um valor
subestimado por causa do pequeno número de amostras analisadas. O valor de AEC, diferente de
AT, não é influenciado pelo número de amostras. O modelo foi empregado utilizando o software
R (R CORE TEAM, 2016).
Para verificar quais características funcionais são mais importantes para diferenciar
adultos de juvenis, foi feita uma PCA utilizando valores padronizados dos traços funcionais para
permitir a comparação entre os grupos, como variáveis cada indivíduo como componentes. Para
visualizar o nicho funcional de juvenis e adultos, os valores dos coeficientes dos eixos 1 e 2
foram utilizados para gerar uma representação gráfica do espaço funcional.
20
4. Resultados
4.1. Características Ambientais
Nas poças de Trindade o tipo de substrato dominante foi rochoso, presente em todas as
poças, tendo em média 85,2% de cobertura de rocha. Apenas 5 poças continham areia no
substrato (média = 10,2%) e 4 continham cascalho (média = 3,9%). Todas as poças apresentaram
algum tipo de cobertura bentônica, exceto duas com substrato 100% rochoso. Algas do tipo turf
foi a cobertura predominante (33,6%), presente em 7 poças, seguido de macroalgas (20,4%) e,
em menor frequência, animais sésseis (3,3%), ambas presentes em 5 poças.
Todas as poças de Anchieta apresentaram os três tipos de substrato, exceto uma que não
continha cascalho. O tipo de substrato dominante também foi rochoso, mas em menor
porcentagem (média = 54,7%) comparado as poças da Ilha da Trindade. Em Anchieta, as poças
também apresentaram em média mais areia e cascalho que as de Trindade, tendo média de 25,7%
e 19,7%, respectivamente. Todas as poças continham cobertura bentônica, sendo macroalgas
presentes em todas as poças (média = 35,1%) exceto uma. Algas do tipo turf e animais sésseis
foram pouco predominantes, mas presentes na maioria das poças, com média de 8,8% e 6,6%,
respectivamente. Apenas em duas poças não havia presença de animais sésseis e em quatro poças
não havia matriz de algas do tipo turf.
Em geral, os valores médios dos aspectos físico-químicos das poças nos dois locais foram
semelhantes, como mostrado na Tabela 2, com exceção das distâncias do infralitoral e do
supralitoral que foram muito maiores em Anchieta. As distâncias do infralitoral variaram entre
16,6 m e 70,8 m em Anchieta e 0,9 m e 16,9 m em Trindade, e as do supralitoral, entre 16,7 m e
70,1 m em Anchieta e 9,2 m e 36,7 m em Trindade.
Tabela 2: Média dos valores das características
físico-químicas das poças de Trindade e Anchieta.
Trindade Anchieta
Salinidade 37,4 39,9
Temperatura (°C) 29,9 27,9
Altura (cm) 56,2 51,3
Rugosidade 1,12 1,16
Profundidade (cm) 8,9 9,0
Volume (l) 95,6 119,7
Área (m²) 1,3 1,6
Distância do infralitoral (m) 5,6 42,1
Distância do supralitoral (m) 19,7 43,8
21
4.2. Uso de Habitat
Foi possível verificar uma correlação significativa entre a densidade de L. nuchipinnis e
ocorrência de cobertura animal (animais sésseis, r2 = 0,7, p = 0,002) em poças de Trindade. Já
em poças de Anchieta, houve correlação significativa da densidade de peixes com substrato
rochoso (r2 = 0,5, p = 0,037), presença de cobertura animal (r
2 = 0,7, p = 0,004) e distância do
supralitoral (r2 = 0,7, p = 0,004). Não foram detectadas correlações significativas com as outras
variáveis analisadas (p > 0,05).
4.3. Análise de Conteúdo Estomacal
Foram analisados 44 estômagos de peixes com CT variando de 35-60 mm e 120-157 mm,
sendo que os estômagos de 6 peixes juvenis de Anchieta e 7 de Trindade (3 adultos e 4 juvenis)
encontraram-se vazios (29,6%). No total foram encontrados 74 itens alimentares em todos os
estômagos, dentre eles os mais abundantes foram Brachyura (32,9%), Anomura (27,4%),
Gastropoda (19,2%) e Teleostei (12,3%). Dos outros grupos encontrados, o total variou de 1 a 3
itens.
Entre adultos e juvenis, há uma diferença na diversidade de itens alimentares (Tabela 3).
Mesmo havendo alguns itens presentes nos dois grupos, há diferença na frequência de
ocorrência, como em Teleostei, Gastropoda e Brachyura. Apesar de haver poucos dados, pode-se
notar uma mudança ontogenética na dieta de L. nuchipinnis.
22
Tabela 3: Lista dos itens alimentares encontrados nos estômagos de Labrisomus nuchipinnis juvenis (n
= 28) e adultos (n = 16). FO = ocorrência (numero de estômagos com o item), FO% = frequência de
ocorrência (FO/total de peixes), N = Abundância (número de itens encontrados), N% = frequência
numérica (N/total de itens). NI = não identificado.
Juvenis Adultos
Itens alimentares FO FO% N N% FO FO% N N%
Anomura
Anomura NI 6 21,43 19 52,78 - - - -
Paguroidea - - - - 1 6,25 1 2,70
Brachyura
Majidae - - - - 1 6,25 2 5,41
Xantidae 1 3,57 1 2,78 - - - -
Brachyura NI 7 25,00 7 19,44 7 43,75 14 37,84
Caridea
Alpheidae 2 7,14 2 5,56 - - - -
Echinoidea - - - - 1 6,25 1 2,70
Gastropoda
Collisella sp. - - - - 2 12,50 3 8,11
Gastropoda NI 2 7,14 2 5,56 5 31,25 9 24,32
Isopoda 1 3,57 1 2,78 - - - -
Ophiuroidea - - - - 1 6,25 1 2,70
Teleostei
Entomacrodus sp. 2 7,14 2 5,56 - - - -
Ophioblennius trinitatis - - - - 1 6,25 1 2,70
Teleostei NI 1 3,57 1 2,78 5 31,25 5 13,51
Polychaeta 1 3,57 1 2,78 - - - -
Total 36 100
37 100
Resultados da ANOSIM mostraram que houve dissimilaridade na dieta de L. nuchipinnis
entre Trindade e Anchieta (Global R = 0,211, p = 0,017). Em relação a fase de vida, também
houve diferença significativa entre adultos de juvenis (Global R = 0,173, p = 0,024).
A PCA evidenciou Brachyura, Anomura e Teleostei como sendo os grupos de presas de
maior significância para L. nuchipinnis (Figura 4). Os dois eixos, PC1 e PC2, explicaram juntos
64,6% de variabilidade dos dados (35,9% e 28,7%, respectivamente). Nos dois eixos, Anomura
foi negativamente correlacionado (-0,55 para eixo 1 e -0,56 para eixo 2). A variável
positivamente correlacionada com o eixo 1 foi Brachyura (0,81) e com eixo 2 foi Teleostei
(0,79). Os valores de variância das outras variáveis foram menores que 0,23.
Os peixes foram divididos em 4 grupos, sendo eles adultos de Anchieta (AA), juvenis de
Anchieta (AJ), adultos de Trindade (TA) e juvenis de Trindade (TJ). De acordo com a PCA, o
grupo AA, distribuído nos quadrantes do lado direito, foram influenciados pelos vetores
Teleostei e Brachyura, respectivamente, indicando que essas foram as categorias de presas
23
consumidas mais importantes pelos indivíduos desse grupo. O principal item consumido pelo
grupo AJ, segregado no quadrante inferior direito, foi Brachyura, exceto por um indivíduo
localizado no segundo quadrante que consumiu Teleostei. O grupo TA, distribuído no quadrante
superior esquerdo e inferior direito, também tem Teleostei e Brachyura como principais itens
alimentares. Finalmente, o grupo TJ, com maioria localizada no quadrante inferior esquerdo,
tem como principal fonte alimentar Anomura, mas também consome presas pertencente aos
grupos Teleostei e Brachyura (Figura 4). Sendo assim, em Anchieta, juvenis se alimentaram
principalmente de Brachyura e adultos, de Teleostei e Brachyura. Em Trindade, juvenis se
alimentaram principalmente de Anomura e adultos, de Teleostei e Brachyura, como os de
Anchieta.
Figura 4: Gráfico dos eixos 1 e 2 da análise de componentes principais (PCA) com a relação entre os 10
grupos dos itens alimentares encontrados, representados pelos vetores, com todos os 31 indivíduos de
Labrisomus nuchipinnis representados pelos pontos. AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta,
TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade.
4.4. Análise de Isótopos Estáveis
Foram utilizados indivíduos juvenis de Trindade (TJ) medindo 35-60 mm CT (média
53,1), adultos de Trindade (TA) medindo 135-157 mm CT (média 146,3 mm), juvenis de
Anchieta (AJ) medindo 40-55 mm (média 49,2 mm) CT e adultos de Anchieta (AA) medindo
102-126 mm CT (média 118,6 mm).
Os valores de δ13
C e δ15
N dos grupos de Trindade variaram entre -16,9 e -14,4‰, e 6,8 e
9‰, respectivamente. Comparando adultos e juvenis, percebe-se um aumento nos valores de
δ15
N com o aumento do tamanho (Figura 5), sendo em média 8,7‰ (entre 8,5 e 9‰) para adultos
24
e 7,5‰ (entre 6,7 e 8,3‰) para juvenis. A média dos valores de δ13
C em adultos foi menor que
em juvenis, sendo -16,3 (entre -15,1 e -16,9‰) e -15,1‰ (entre -14,4 e -16,1‰)
respectivamente. Em Anchieta, os valores de δ13
C e δ15
N variaram entre -14 e -11,3‰, e 10,3 e
14,1‰, respectivamente. Também houve um aumento dos valores de δ15
N em relação ao
aumento do tamanho corporal, com média de 13‰ (entre 12,3 e 14,1‰) para adultos e 10,8‰
(entre 10,3 e 12,1‰) para juvenis. Entretanto, diferente de Trindade, a média dos valores de δ13
C
em adultos foi maior que em juvenis, sendo -12,4 (entre -14 e -11,3‰) e -13,3‰ (entre -14 e
-12,6‰), respectivamente.
Figura 5: Representação do nicho isotópico, δ13
C x δ15
N, de todos os 41 indivíduos de Labrisomus
nuchipinnis adultos e juvenis de Trindade e Anchieta, representados pelos pontos. A área pontilhada
representa a AT (área total) e as elipses representam a AEC (área padrão da elipse corrigida). AA =
Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade.
Não houve sobreposição de δ-espaço entre nenhum grupo (Figura 5), indicando que não
há sobreposição de nicho isotópico entre adultos e juvenis de ambos os locais. De acordo com os
valores de AEC (Tabela 4), a amplitude de nicho isotópico de adultos e juvenis de Anchieta são
semelhantes. Já o grupo de adultos de Trindade possui a menor amplitude de nicho isotópico
comparado aos outros grupos (Tabela 4). Entre os dois locais, nota-se um elevado
enriquecimento de δ13
C e δ15
N nos peixes de Anchieta em relação aos de Trindade. Em Anchieta
a média dos valores de δ13
C foi de -12,8‰ e de δ15
N foi de 11,9‰. Já em Trindade a média dos
valores de δ13
C e δ15
N foram -15,7‰ e 8,8‰, respectivamente.
25
Tabela 4: Valores das métricas estabelecidas por Jackson et al. (2011), geradas pelo
modelo SIBER, dos quatro grupos analisados. AT = área total, AE = área padrão da
elipse, AEC = área padrão da elipse corrigida. AA = Adultos de Anchieta, AJ = Juvenis de
Anchieta, TA = Adultos de Trindade, TJ = Juvenis de Trindade.
AA AJ TA TJ
AT 1,84 1,49 0,51 1,86
AE 0,82 0,84 0,27 0,84
AEC 0,92 0,94 0,31 0,94
4.5. Ecomorfologia funcional
Dentre os 19 exemplares medidos, 14 foram classificados como adultos e 5 como juvenis.
O comprimento padrão dos exemplares adultos variou entre 103 e 131,3 mm (média = 114,8
mm) e dos exemplares juvenis variou entre 23 e 51,3 mm (média = 43 mm). No resultado da
PCA, as variáveis formato da boca e tamanho do olho foram correlacionadas positivamente e
peso foi correlacionado negativamente com o eixo 1. Posição do olho foi correlacionada
positivamente e superfície transversal do corpo foi correlacionado negativamente com o eixo 2.
Os eixos 1 e 2 da PCA explicaram 66,3% da variabilidade dos dados (46,7 e 19,7%,
respectivamente). As variáveis significativas do eixo 1 foram as que influenciaram a separação
de nicho funcional entre adultos e juvenis. Formato da boca e tamanho do olho indicam que
juvenis apresentam maior assimetria (altura maior que largura) na forma da boca e o olho maior
em proporção ao corpo comparado a adultos. A variável peso indica que adultos possuem maior
massa que juvenis.
As posições dos indivíduos das duas classes de tamanho foram distintas no espaço
funcional (Figura 6). Não houve sobreposição de nicho funcional entre adultos e juvenis. O valor
da área total do espaço funcional em adultos foi ligeiramente maior que o de juvenis, sendo eles
9,5 e 8,9, respectivamente.
26
Figura 6: Distribuição de juvenis (vermelho) e adultos (preto) na PC1 e PC2 dos espaços funcionais.
Cada ponto representa um individuo e os polígonos (área total) representam o tamanho dos nichos
funcionais de cada grupo baseado nas características funcionais mensuradas.
5. Discussão
5.1. Uso de habitat
Características bióticas e abióticas de poças de maré podem influenciar o uso de habitat
de espécies, que tendem a selecionar o ambiente mais favorável à sua sobrevivência (WHITE et
al., 2015). A preferência de L. nuchipinnis de Anchieta por poças com substrato consolidado
condiz com vários aspectos de seu comportamento dependente de rochas, como o hábito de se
abrigar em tocas e de ser predador de espreita (SAZIMA, 1986). A reprodução também é um
aspecto que depende desse substrato pois a postura dos ovos é feita em paredes rochosas
(GIBRAN et al., 2004). A coloração críptica, ausente apenas em machos em período
reprodutivo, e a adaptação a ambientes com pouca luminosidade são características morfológicas
que também indicam preferência da espécie por este tipo de ambiente (Figura 7). A preferência
por substrato consolidado de indivíduos de Trindade não foi evidente nos resultados da
correlação (r2 = 0,31, p = 0,257), pois este tipo de substrato foi dominante em todas as poças.
Apenas uma poça apresentou maior porcentagem de substrato arenoso, no entanto não foi
registrado indivíduo de L. nuchipinnis na mesma.
27
Figura 7: Diferentes colorações crípticas e hábitos de Labrisomus nuchipinnis em poças
de maré na Ilha da Trindade. Indivíduo saindo de uma toca em uma poça com substrato
predominantemente rochoso basáltico (A) e registro noturno de indivíduo descansando
sobre cascalho biogênico em poça de maré de formação mista carbonática e basáltica.
Fotos: Helder Guabiroba.
Os resultados mostraram que a espécie também tem preferência por poças com presença
de cobertura bentônica animal. Em Anchieta, a maioria dos animais bentônicos sésseis
encontrados nas poças foram corais pertencentes aos gêneros Siderastrea e Zoanthus,
obrigatoriamente associados a rocha. Não se sabe se há alguma relação direta de L. nuchipinnis
com corais, assim como não há registro destes animais presentes na dieta dessa espécie. Estudos
reportam que algumas espécies de Brachyura (potenciais presas de L. nuchipinnis) podem
utilizar corais para proteção e como fonte de alimento (MANTELATTO; CHRISTOFOLETTI,
28
2001; NOGUEIRA et al., 2014), mas não há registros que esse tipo de relação ocorra nas áreas
estudadas. Outros trabalhos mostram que existe correlação entre abundância de corais e
abundância de peixes em recifes (CHABANET et al., 1997). Deste modo, aparentemente, a
suposta preferência da espécie por poças com cobertura bentônica animal pode ser reflexo da
dependência de corais para com substrato consolidado. Entretanto, a presença de corais pode
estar relacionada à presença das principais presas de L. nuchipinnis na poça. Em Trindade, os
invertebrados sésseis ou com pouca mobilidade mais abundantes encontrados foram os ouriços-
do-mar da espécie Echinometra lucunter e anêmonas (observadas em uma poça apenas). Foram
encontrados espinhos de ouriço no estômago de um indivíduo de Trindade, indicando que esse
animal é uma fonte de alimento para L. nuchipinnis. Também houve registro nas ilhas do Caribe
da presença de ouriços-do-mar da mesma espécie na dieta de L. nuchipinnis (RANDALL, 1967).
Porém, tanto em Trindade como no Caribe, a frequência de ocorrência desse item alimentar foi
muito baixa, não justificando a forte correlação para cobertura animal com a dieta da espécie,
porém, juvenis podem utilizá-los para proteção contra predadores (J.-C. JOYEUX, observação
pessoal).
Em Anchieta, L. nuchipinnis possui preferência por poças localizadas próximas ao
infralitoral. Em Trindade, a correlação não foi considerada significativa (r2 = 0,5, p = 0,074),
embora o valor de p foi próximo a 0,05. Poças localizadas próximas ao infralitoral, comparadas
as poças do supralitoral, possuem maior diversidade de fauna bentônica e peixes. Por estarem
localizadas mais próximas ao mar, o tempo de exposição das poças não é tão longo quanto em
poças próximas ao supralitoral, portanto, as condições físico-químicas são menos estressantes
(ex. variação de temperatura e salinidade) (MACIEIRA, 2008; MACIEIRA; JOYEUX, 2011).
5.2. Nicho trófico
Os resultados das análises de conteúdos estomacais indicaram que L. nuchipinnis tem
peixes e crustáceos como principais fontes de alimento. Em outros estudos feitos com a dieta
dessa espécie, crustáceos foi o grupo de presas mais importante, no entanto a espécie também
apresentou um elevado grau de oportunismo (RANDALL, 1967; ZAMPROGNO, 1989;
SANT’ANA, 2008). A espécie apresentou variação ontogenética na dieta em ambos os locais,
substituindo pequenos crustáceos, como Anomura e pequenos Brachyura por peixes e braquiúros
maiores. No trabalho de Sant’Ana (2008) em Anchieta, também foi observada uma mudança
ontogenética na dieta de L. nuchipinnis, tendo Amphipoda como principal presa de juvenis e
Brachyura como presa principal em adultos.
29
Os resultados da análise de isótopos estáveis também demonstraram forte diferenciação
na dieta de adultos e juvenis da espécie L. nuchipinnis. Em ambos os locais a ausência de
sobreposição de nicho isotópico entre os dois grupos, indica que não há competição entre adultos
e juvenis (PETTITT-WADE et al., 2015). O enriquecimento de δ15
N com o tamanho pode estar
relacionado ao aumento da preferência por presas de maior porte que devem ocupar níveis
tróficos mais altos (BADALAMENTI et al., 2002; COCHERET DE LA MORINIERE et al.,
2003; LINDE et al., 2004). A alteração nos valores de δ13
C pode ser explicada pela mudança da
fonte de alimento (O’FARRELL et al., 2014; ARTERO et al., 2015). A mudança ontogenética na
dieta é comum em peixes, principalmente predadores. Outros estudos com peixes carnívoros
também mostraram uma mudança ontogenética na dieta semelhante a de L. nuchipinnis, que
trocam pequenos crustáceos por peixes e crustáceos maiores durante o crescimento
(COCHERET DE LA MORINIERE et al., 2003; ARTERO et al., 2015; VASLET et al., 2015).
Explorar diferentes recursos em fases da vida diferentes sugere que uma mesma espécie pode
ocupar nichos distintos em um mesmo ambiente. No caso de L. nuchipinnis, mesmo ocupando
nichos distintos e níveis tróficos diferentes, a espécie possui papel de predadora, pois indivíduos
adultos e juvenis são carnívoros.
A amplitude de nicho isotópica de juvenis maior que a de adultos, sugere que L.
nuchipinnis se torna mais especialista com o crescimento do tamanho corporal (PETTITT-
WADE et al., 2015). Em Anchieta não houve diminuição significativa na diversidade de presas
exploradas por adultos nesse local. Os resultados de análise de isótopos estáveis não refletem os
resultados de análise de conteúdo estomacal obtidos por Sant’Ana (2008), que observou uma
tendência de adultos da espécie se tornarem mais generalistas em relação a juvenis. Isso pode ter
ocorrido pois a análise de conteúdo estomacal mostra apenas os últimos itens que foram
ingeridos pelos indivíduos, o que necessita de grande quantidade de amostras para mensurar a
dieta de uma espécie, uma vez que o comportamento oportunista pode gerar interpretações
equivocadas. Além disso, há grande chance de ocorrer falhas na separação e identificação das
presas por estarem muito danificadas pela digestão (BAKER et al., 2014). Resultados da análise
de isótopos estáveis, do contrário, mostram o que foi ingerido a longo prazo (semanas a meses)
pelos indivíduos, fornecendo informações do que foi assimilado pelo consumidor (FRY, 2006).
Juvenis podem ser mais ativos que adultos, gastando mais energia na aquisição de alimento e
fuga de possíveis predadores. Isso torna necessária a ingestão de maiores quantidades de
alimento para suprir essa demanda energética, o que pode ter influenciado na maior amplitude de
nicho de juvenis. Quando adultos, estabelecem um território e seu deslocamento se torna mais
restrito. Com a área de exploração limitada, a variedade de itens a serem explorados reduz, e a
30
demanda por energia diminui. Além disso, o maior tamanho corporal permite a ingestão de
presas maiores que suprem mais energia, resultando em uma amplitude de nicho mais estreita.
Porém, a amplitude de nicho isotópico de indivíduos de Anchieta foi semelhante nas duas fases
de vida, podendo ser reflexo da maior diversidade existente em ambientes costeiros.
Os resultados da análise de isótopos estáveis mostraram valores de δ13
C e δ15
N de
Trindade menores do que de Anchieta. Ambientes costeiros possuem alta produtividade primária
e secundária por apresentarem maior diversidade de ecossistemas, receberem aporte de
nutrientes do continente através dos estuários e serem mais complexos, garantindo uma maior
diversidade comparada à ilhas (CARVALHO, 2008), como o caso de Anchieta. Já ambientes
insulares distantes da costa, como Trindade, espera-se que apresente produtividade mais baixa
por não receberem aporte de nutriente continental (ex: ausência de estuários), exceto se o
ambiente insular for exposto a influência de processos oceanográficos, tais como ressurgência
(JAQUEMET; MCQUAID, 2008). Deste modo, ambientes costeiros provavelmente são mais
enriquecidos em δ15
N que ambientes insulares, o que refletiu nas assinaturas isotópicas de L.
nuchipinnis desses locais.
5.3. Nicho funcional
As características funcionais testadas mostraram que também há separação de nicho
funcional entre adultos e juvenis da espécie. O tamanho do olho em juvenis sendo maior
proporcionalmente pode ser reflexo da maior vulnerabilidade que possuem no ambiente e da
maior necessidade por busca de alimento para suprir as demandas energéticas. Deste modo, a
assimetria do formato da boca pode refletir a variedade de presas consumidas por juvenis e o
formato das mesmas. A ausência de sobreposição do espaço funcional indica que os dois grupos
podem ser considerados como entidades funcionais diferentes dentro de populações ou de
comunidades (ZHAO et al., 2014). A mudança ontogenética na dieta pode estar estreitamente
relacionada a mudança dos traços funcionais, pois com o crescimento corporal as nadadeiras se
tornam maiores e mais resistentes (WAINWRIGHT et al., 2002) e a abertura da boca também
aumenta, o que permite a ingestão de presas de maior porte (KARPOUZI; STERGIOU, 2003). A
mudança ontogenética no nicho funcional de uma população pode alterar a composição
funcional da comunidade e, consequentemente, a funcionalidade do ecossistema (RUDOLF;
RASMUSSEN, 2013). Isso evidencia a importância da variação intraespecífica dos traços
funcionais na ecologia do ecossistema (ZHAO et al., 2014).
31
5.4. Conclusão
Mudanças na dieta durante a ontogenia é uma forma de garantir a coexistência entre fases
diferentes da mesma espécie em um ambiente, evitando a competição intraespecífica e
consequentemente, gerando maior eficiência na exploração de recursos alimentares. O estudo da
ontogenia é importante pois mostra que uma espécie pode ocupar nichos diferentes durante fases
de vida diferentes. No presente trabalho, o papel ecológico da espécie L. nuchipinnis foi
apresentado através de diferentes métricas. O nicho ecológico de L. nuchipinnis em ambientes
entremarés pode ser definido como uma espécie predadora em ambas fases estudadas (juvenis e
adultos), alimentando-se principalmente de decápodes (Brachyura e Anomura) quando juvenil e
peixes e Brachyura (caranguejos e siris) quando adultos. A espécie geralmente encontra-se em
fendas principalmente em poças de maré com substrato predominantemente rochoso com
presença de organismos sésseis. Adultos apresentam maior nível trófico que juvenis por se
alimentarem de presas maiores que ocupam níveis tróficos mais altos, consequência da diferença
das características funcionais entre as duas fases. Desse modo, L. nuchipinnis é um predador que
interfere em diferentes comunidades durante fases de vida diferentes, evidenciando que o nicho
ecológico ocupado pela espécie como um todo é bem maior do que o esperado. Isso indica que a
espécie possui um papel importante para a estabilidade ecológica de regiões entremarés. Por
estar localizado na interface continente-oceano, esse ambiente é sujeito a ação antrópica direta,
como pesca, poluição por lixo, esgoto, entre outros que geram impacto sobre o ecossistema. O
estudo do nicho é um meio de conhecer as relações ecológicas de uma espécie em um dado
ecossistema, que é essencial para o desenvolvimento de técnicas de manejo sustentável do
ambiente contribuindo para a conservação dos recursos naturais.
32
7. Referências
AMARAL, A. C. Z.; MIGOTTO, A. E. Importância dos anelídeos poliquetas na alimentação da
macrofauna demersal e epibentônica da região de Ubatuba. Boletim do Instituto
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