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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
REFERENCIAÇÃO COMO FATOR DE ARGUMENTAÇÃO EM REDAÇÕES ESCOLARES
Valmir Joaquim da Silva Junior1 UFPE
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apontar como a referenciação, enquanto atividade processual textual e discursiva, está diretamente ligada com a argumentação e com a intencionalidade em redações escolares produzidas por alunos do Ensino Médio. Como aporte teórico, usamos os pressupostos de Cavalcante (2003, 2009) e Koch (2002, 2005) no que tange à referenciação e ao discurso; e os estudos sobre argumentação de Fiorin & Platão (2006) e Magalhães (2013). O tema das redações analisadas foi “A redução da maioridade penal”. Por isso, achamos necessária também a contribuição do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA. Em seus textos, os alunos tinham que se posicionar e apresentar argumentos defendendo seus pontos de vista. As quatro redações selecionadas, do tipo dissertativo-argumentativo, foram analisadas através dos três argumentos mais recorrentes dos que eram contra e dos três argumentos mais frequentes dos que se colocaram a favor da redução da maioridade penal. Assim, expomos como tais argumentos eram trazidos pelos alunos em suas produções através de suas visões de mundo. A análise dos textos mostrou que a referenciação atua juntamente com um projeto de dizer dos estudantes. Seus argumentos advêm de uma interpretação subjetiva da realidade que os circundam e são materializados no texto através do processo de referenciação. Palavras-chave: Referenciação; Discurso; Argumentação; Redações escolares.
INTRODUÇÃO
É sabido que a referenciação, enquanto atividade processual, é um fenômeno
textual que está diretamente ligado com a coesão e de certa forma com a coerência do
texto. A precisão referencial tem um importante papel no êxito das nossas interações.
1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE.
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Porém, podemos ir além ao percebermos o quanto a referenciação está associado com
um projeto de dizer e com a orientação do leitor na construção de sentidos.
Neste trabalho, tentaremos expor como o processo de referenciação está
diretamente ligado com a argumentação e com uma percepção de mundo do
individuo. Para isso, analisaremos redações escolares do tipo dissertativo-
argumentativo. Mostraremos o quanto a referenciação, processo que diz respeito à
construção e reconstrução de objetos do discurso no texto, está diretamente
relacionada com a intenção do produtor do texto, ou seja, trata-se de uma atividade
estratégica, implicando, assim, escolhas significativas no decorrer do texto. Tanto as
construções quanto as reconstruções depende da forma como determinado autor
apreende aquilo de que está se falando. Dessa forma, a questão que se formula para o
prosseguimento do trabalho é: De que forma é construída a argumentação no texto
através do processo de referenciação? Nosso objetivo é mostrar como a referenciação
pode ser uma aliada do aluno na hora da elaboração de um texto dessa natureza, na
qual se precisa argumentar e defender um ponto de vista.
Esse tipo de estudo se torna importante uma vez que as redações do tipo
dissertativo-argumentativo, o mais solicitado ao aluno do ensino médio, tem se
transformado numa fórmula, num simples esquema engessado, no qual o aluno teria
que seguir algumas regras para a “boa” elaboração de seu texto. Assim, quando o
assunto é produção textual muitos processos e fenômenos discursivos que ocorrem
nesses tipos de textos deixam de ser estudados. Observar os textos produzidos pelos
alunos pelo prisma da referenciação, olhando também para a argumentação, pode nos
fazer perceber como tais estudantes entendem o mundo em que vivem e como
defendem seus pontos de vista.
REFLEXÕES TEÓRICAS
De acordo com Koch (apud Mondada, 2003), o termo referenciação vem
ampliar e substituir a noção da palavra referencia. A referência, interesse não apenas
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da linguística, mas também de outras áreas do conhecimento como filosofia da
linguagem e lógica, era um tema posto como uma atividade de representação do
mundo, privilegiando a noção de correspondência entre as palavras e as coisas, a
referência agia como espelhamento do mundo; já a referenciação opera de forma
discursiva, no qual o objeto de discurso em questão é atualizado de acordo com a
situação contextual e o propósito comunicativo do autor. Seguindo esse raciocínio,
concordamos com Mondada e Dubois quando dizem que “as categorias e os objetos
de discurso pelos quais os sujeitos compreendem o mundo não são preexistentes nem
dados, mas se elaboram no curso de suas atividades, transformando-se a partir dos
contextos” (Mondada & Dubois 2003 [1995]: 18). Assim, não há uma representação ou
retrato fiel do mundo, uma vez que as coisas do mundo ganham significado somente
quando atualizados no discurso.
Para Koch e Elias (2004), a referenciação está atrelada com a noção de
progressão referencial, estabelecendo assim um processo no qual haveria a construção
e a reconstrução dos objetos de discurso. O sujeito opera dentro de um procedimento
de escolhas para representar as coisas e retomá-las, essa representação varia de
acordo com o autor e sua intenção para com o seu interlocutor, sobretudo, porque
essas escolhas não são aleatórias, elas emergem do caminho argumentativo que o
autor pode escolher para informar seu leitor sobre determinadas coisas do mundo. E
cada autor tem uma interpretação do mundo diferente, através da língua, as pessoas
deixam evidentes seus posicionamentos sobre temas diversos. Assim, entendemos que
a reconstrução de um objeto do discurso, através de uma expressão referencial
nominal, por exemplo, não se circunscreve num simples ato de localização do
referente, é sim, uma retomada de caráter informacional. É esse movimento de
introdução e retomada dos objetos do discurso que ajudam não apenas na tessitura do
texto, mas também na criação de unidade do texto baseado num projeto de dizer do
autor.
O movimento de introdução dos objetos de discurso no texto diz respeito à
colocação de um novo referente no texto, ganhando tal referente papel de destaque
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na cadeia coesiva e argumentativa. Essa introdução pode ser feita de duas formas: a)
introdução não ancorada: quando um objeto totalmente novo é introduzido no texto,
tornando-se o referente em destaque; b) introdução ancorada: é quando um novo
objeto é introduzido no texto baseado em algum elemento do co-texto ou do
contexto. Tanto na introdução ancorada, como na não ancorada, o autor pode dar
indícios de que caminho seguirá no que tange a organização argumentativa do texto.
Outro processo relativo à introdução de novos referentes é a desfocalização, nada
mais é do que a entrada de um novo objeto de discurso no texto, fazendo com que
esse objeto seja o foco a partir de então. O objeto que foi retirado de foco, para que
esse novo assumisse tal posição, continua no texto podendo ser utilizado novamente
quando o autor desejar.
As redações que serão analisadas neste trabalho são do tipo dissertativo-
argumentativo. Sobre tal gênero, Xavier (2010) ressalta que circulam em várias
instituições sociais entre elas a escola e a universidade, cujas características formais e
funcionais permitem demonstrar o domínio de determinadas habilidades. Uma dessas
habilidades, sem dúvida, diz respeito à capacidade argumentativa. Ou seja, a
habilidade de defender um ponto de vista.
A introdução de objetos de discurso no texto, como já foi apontado, tem
estreita relação com a direção argumentativa que o autor pretende seguir. Mas o que
é argumentar? Que tipo de texto se configura como argumentativo? Primeiro, é
preciso deixar claro que todo texto é um canal de interação entre interlocutores. Nessa
interação, quando se comunica com o outro, não se espera apenas que a mensagem
seja recebida e entendida, mais que isso, espera-se que ela seja aceita e que o
interlocutor, ouvinte ou leitor, acredite em seu conteúdo (FIORIN & SAVIOLLI, 2006).
Isso significa que todo texto tem certo teor argumentativo. Para fazer com que o outro
aceite e acredite no que está sendo dito, é preciso persuadi-lo, sobretudo, através de
argumentos.
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Exporemos abaixo, sem muitos detalhes, a classificação proposta por Fiorion e
Saviolli (2006) no que concerne aos tipos de argumentos que podem ajudar o autor na
redação de seu texto, sobretudo o do tipo dissertativo-argumentativo:
a) Argumento de autoridade: Trata-se da citação de autores que são
autoridades em determinadas áreas do saber para legitimar seu
posicionamento. O uso de citação trás implicações como: deixa subentendido
que o autor do texto tem conhecimento do assunto, na medida em que já leu
autores que abordem tal tema; e também deposita no autor citado um status
de fiador da verdade num determinado assunto ou tema.
b) Argumento baseado no consenso: Refere-se a argumentos baseados em
máximas e proposições, que, maioria dos casos, são universalmente aceitas.
Platão exemplifica com a seguinte proposição “a educação é a base do
desenvolvimento”. O autor adverte ainda para não confundirmos argumentos
baseados no consenso com lugares-comuns carentes de qualquer base
científica.
c) Argumentos baseados em provas concretas: Está relacionado com a
comprovação do que é dito, sobretudo através de dados pertinentes e que
corroborem com o ponto de vista do autor. Os dados, na argumentação de uma
tese, podem evitar generalizações que prejudicam e diminuem a força
argumentativa do texto, uma vez que tais generalizações podem ser facilmente
desconstruídas.
d) Argumentos com base no raciocínio lógico: Tem relação com o item
anterior, pois os dados e os fatos apresentados implicam em novos aspectos,
isto é, o que é dito tem causas e consequências que precisam fazer sentido na
construção da argumentação. Apresentar uma consequência equivocada ou
que não tem relação com o fato apresentado, certamente, quebrará a linha
argumentativa que o autor pretende instaurar no texto.
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e) Argumento da competência linguística: Diz respeito à adequação
vocabular. Dependendo da situação comunicativa e da esfera onde tal situação
se realize, o discurso deve ser mais ou menos formal. Tal competência textual
pode dar credibilidade ao que se pretende argumentar.
O movimento de retomada de objetos do discurso, o qual pode ser considerado
como movimento que completa a atividade de referenciação, se torna extremamente
importante na progressão do texto, não só porque reativa na memória do leitor o que
já fora dito, mas também pode categorizar e ressignificar o termo ao qual se refere.
Assim, os argumentos citados anteriormente podem ser trazidos de volta para o texto.
Koch (2002), atenta para o quão importante são as escolhas lexicais nas construções
de expressões referenciais. A autora destaca três possibilidades de argumentação no
texto através de expressões nominais referenciais:
A) Descrições nominais: A escolha de descrever o referente, entre uma gama de
possibilidades, através de categorizações e recategorizações está diretamente ligada
com a proposta de sentido do produtor do texto. Em geral, os autores assimilam
conhecimentos partilhados que levem a construção de determinadas imagens, para
progredir na sua argumentação. Tais expressões podem revelar o ponto de vista do
produtor do texto a respeito do tema tradado.
B) Encapsulamentos: É uma operação de recategorização de segmentos precedentes,
sumarizando-os ou encapsulando-os sob um determinado rótulo. São expressões que,
na maioria das vezes, são introduzidas por um demonstrativo, que retomam o
referente através de uma rotulação, mas também criam um novo referente, que pode
ser posto em destaque para novas remissões.
C) Remissão metadiscursiva: Diferente da anterior, não tem a característica de
sumarizar o conteúdo do referente, mas sim opera num processo de nomeação e de
qualificação da própria atividade enunciativa. Não há propriamente uma retomada
referencial, uma vez que é o discurso que é tomado como objeto. Ocorre a
qualificação metadiscursiva de um segmento anterior.
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É bom lembrar que esses três aspectos relativos à orientação argumentativo no
texto, através da referenciação, não são únicos e têm questões pontuais que são
subjacentes a cada um deles. Artigos, pronomes e demonstrativos podem operar
juntamente com as expressões referenciais, corroborando o propósito do autor.
METODOLOGIA
Entendendo a referenciação como fator de orientação argumentativa,
escolhemos um gênero que se caracteriza justamente pela possibilidade de a
argumentação ficar evidente, a redação escolar do tipo dissertativo-argumentativo.
Essa configuração textual é, atualmente, a mais trabalhada e a mais cobrada no âmbito
educacional. Os alunos são avaliados de acordo com a sua capacidade de desenvolver
o tema proposto, persuadir o leitor e, por vezes, defender e apontar uma possível
solução para o problema suscitado no texto.
Diante desse panorama, analisaremos como estudantes, do 2º ano do Ensino
Médio de um colégio privado do Recife, argumentam sobre seus pontos de vistas,
focalizando os processos de referenciação e de argumentação subjacentes às
redações. Tentaremos estabelecer a cadeia argumentativa proposta pelos produtores
dos textos através dos argumentos mais recorrentes nas redações. O tema proposto
aos alunos foi “Redução da maioridade penal”, assim sendo, os estudantes tinha que
se posicionar contra ou a favor. Num total de aproximadamente trinta textos, quatro
foram selecionados, dois que se posicionaram contra a redução da maioridade penal e
dois que argumentaram a favor de que a idade penal passasse a ser dezesseis anos.
Essas quatro redações foram escolhidas porque de fato atenderam ao tema proposto e
se posicionaram. Além do mais, elas dão conta para evidenciar o que se pretende
neste trabalho. Inúmeras foram as redações nas quais seus autores apenas
dissertaram e comentaram o assunto e se esqueceram de se colocar apoiando ou
discordando a redução da maioridade.
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Vale lembrar que o objetivo do trabalho não foi fazer uma espécie de correção
ortográfica ou gramatical dos textos, mesmo sabendo da importância desses aspectos
para a elaboração de um texto. Tais redações foram digitadas e se encontram ao final
do trabalho em anexo.
ANÁLISE DE DADOS
Prosseguiremos da seguinte forma na análise de dados: serão expostos os três
principais argumentos, os que foram mais recorrentes no processo de argumentação
dos alunos, tanto dos que se colocaram a favor quanto dos que se posicionaram contra
a redução. E veremos como esses argumentos são introduzidos e/ou retomados nos
textos pelos alunos.
A população apoia a redução
Esse argumento inicial é uma tentativa de trazer uma voz coletiva para
corroborar a tese defendida, ficando já saliente no primeiro parágrafo do texto A:
“A maioria da população brasileira apoia a redução...”
No ultimo parágrafo, há uma retomada de tal argumento, ancorado no que foi
dito acima:
“A população aprova, só faltam atitudes mais atitudes...”
Na tentativa de construção da argumentação do texto, o autor opta,
inicialmente, por informar ao leitor que a redução da maioridade penal é uma medida
apoiada pela maioria dos brasileiros. Ao utilizar “maioria”, o autor tenta conquistar o
apoio do leitor, porém não apresenta fatos para comprovar seu argumento. No último
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parágrafo, o estudante retoma a perspectiva de um apoio maciço da população em
prol da redução. Agora, de forma a abranger não só a “maioria da população”, nessa
parte o autor toma a aprovação da redução da maioridade penal como sendo
legitimada pela população em sua totalidade, sem nenhuma espécie de modalizador. A
não utilização de algo que atenue o seu dizer circunscreve-se justamente na tentativa
de intensificar seu argumento. Embora, outra vez, o estudante tente argumentar sem
apresentar algo que corrobore seu dizer.
O estudante produtor da redação “B” também tenta sustentar argumento
relativo ao apoio da população à redução da maioridade penal:
“A redução da maioridade penal no Brasil deveria ser uma lei e
muito rígida, pois várias pessoas já concordam com a
diminuição da idade em que uma pessoa deve responder por
seus atos...”
Apesar da expressão “várias pessoas”, aqui já há uma atenuação maior em
relação ao apoio das pessoas a redução. Não são “a maioria” e nem a população em
sua totalidade, são “várias pessoas”. Ainda assim, persiste a tentativa de levar a cabo
o argumento que se baseia no apoio das pessoas à redução da maioridade penal.
Porém, o estudante não consegue levar seu argumento adiante, uma vez que “a
diminuição da idade em que uma pessoa deve responder por seus atos” não é
equivalente a “redução da maioridade penal”. Há uma tentativa de introdução de um
referente retomando um referente anterior, porém essa retomada não se estabelece
de forma satisfatória uma vez que os objetos do discurso não significam a mesma
coisa. Pois, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a partir dos
doze anos, os adolescentes já são responsabilizados pelos seus atos.
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A redução da maioridade penal reduziria a violência
“...e é claro que além de reduzir a maioridade penal, também
iria reduzir a violência.”
Outro argumento que se mostra saliente nos textos favoráveis a redução,
presente no trecho acima, diz respeito à diminuição da violência. Esse argumento é
introduzido como consequência da redução da maioridade penal, e também é
suscitado no texto como algo baseado num raciocínio lógico. Porém, esse argumento,
no texto A, não é desenvolvido e não tem nenhum embasamento ou exemplificação
através de dados, por exemplo. O autor apresenta um pensamento particular em
relação ao tema, sem desenvolvê-lo e nem relacioná-lo aos demais argumentos.
Outro trecho selecionado para análise foi o seguinte:
“O Brasil tem essa violência elevada por não haver punição
para os criminosos”
Introduzindo um outro argumento, mas ainda ancorado no argumento anterior,
no qual relaciona a diminuição da violência com a redução da maioridade penal, o
autor apresenta como causa da violência a falta de punição aos criminosos. Até pode-
se aceitar que o Brasil tenha uma violência elevada, não é novidade para ninguém.
Porém, alegar que não há punição é um argumento pouco consistente, uma vez que
para isso, existe o código penal brasileiro.
Provavelmente, o estudante quis se referir ao rigor, nesse caso a falta dele, das
punições sofridas pelos criminosos. As descrições nominais realizadas através de
escolhas como a da palavra “criminosos”, que traz consigo forte carga semântica, deixa
evidente o posicionamento do aluno em relação ao tema. Essa escolha tenta levar o
leitor a se compadecer da tese defendida pelo autor, que poderia ter usado expressões
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modalizadas como “jovens infratores” ou “pessoas que cometem delitos” caso seu
propósito não fosse defender a redução da maioridade penal.
Todas as pessoas (inclusive os adolescentes) devem pagar pelos crimes cometidos
Um dos argumentos mais suscitados nas redações A e B, as que se colocavam a
favor da redução, revelam um sentimento de impunidade e necessidade de justiça dos
autores de tais textos.
“ Se um adolescente cometer um crime ou qualquer outra coisa
que seja contra a lei, merece ser julgado de acordo com seu ato
e a pena tem que vim também. Um adolescente quando faz
seus atos errados tem que ser responsáveis pelos mesmos”
O trecho acima, da redação B, sintetiza o argumento que provavelmente é o
mais recorrente dos estudantes que se dizem a favor da redução da maioridade penal.
Da forma que os alunos apreendem essa realidade do mundo, e tentam transpô-la nos
textos, parece não haver punição para tais jovens que infringem a lei, ainda que, de
acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, os adolescentes com mais de doze
anos já respondam por seus atos. Provavelmente, eles se referem à gravidade e a
rigidez de tais punições. Certamente acham que as leis devessem ser mais rígidas. E
isso fica claro no trecho abaixo, da redação A:
“Não tem sentido um adolescente cometer um crime e não
pagar judicialmente e não ter uma punição adequada para os
seus atos...”
O autor do texto A já se coloca de forma mais clara, porém comete alguns
equívocos conceituais em relação aos termos jurídicos, o que pode ser totalmente
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compreendido uma vez tal aluno tem por volta de quinze anos de idade. O termo
“crime” se aplica apenas aos atos que infringem a lei cometidos por maiores de
dezoito anos. Os adolescentes, por sua vez, ao infringir determinada lei comete o que
convencionou-se chamar de ato infracional. O produtor do texto A entende que há,
sim, uma punição para os adolescentes infratores, porém acha que a punição deve ser
adequada, podemos entender adequada como “rigorosa”, ou “mais rigorosa” uma vez
que o aluno é a favor da redução da maioridade penal.
A seguir, a análise dos principais argumentos dos estudantes que se colocaram
contra a redução da maioridade penal. As redações (B e C) cujo os trechos serão
utilizados nessa parte também se encontram em anexo.
Uma parcela mínima de crimes são cometidos por adolescentes entre dezesseis e
dezoito anos
“A redução da maioridade penal não reduziria
significativamente a criminalidade no país, até porque uma
parcela muito pequena dos crimes são cometidos por jovens
entre dezesseis e dezoito anos”
O trecho acima apresenta o primeiro argumento levantado pelo autor da
redação D. Apesar de não comprovar seu argumento, podemos tomá-lo como um
argumento do tipo baseado num raciocínio lógico, sobretudo porque o número de
pessoas entre dezesseis e dezoito anos é, obviamente, menor do que os indivíduos
maiores de idade. Então, logicamente, a porcentagem de crimes cometidos por jovens
nesta faixa etária é menor se comparada à porcentagem dos maiores de idade.
Atenta-se também para o fato da palavra “criminalidade” em vez de
“violência”, está última bastante recorrente quando o assunto é a redução da
maioridade penal. Entendendo criminalidade por conjunto de infrações, podemos
destacar que tal palavra tem efeito discursivo diferente de violência. Percebemos que
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quando o aluno escreve “criminalidade no país” ele está se referindo aos números de
casos de infrações da lei em sua totalidade, uma vez que criminalidade está
diretamente ligado com infringir a lei. O aluno constrói seu argumento baseado numa
provável estatística. O termo violência, normalmente, é mais usado se referindo a uma
forma de coerção individual, enquanto criminalidade seria a coletividade dessas
coerções. Destacamos ainda que violência não necessariamente tem ligação direta
com infringir leis, pois existem atos violentos, em esportes, sobretudo os de luta, que,
obviamente, não são considerados crimes. Assim, o aluno tenta passar a ideia de os
índices de criminalidade de uma forma geral não diminuiria com a redução da
maioridade penal.
O sistema carcerário brasileiro não ressocializa os presos
Apontado como um dos principais problemas em reduzir a maioridade penal, e
com isso, colocar os adolescentes em cadeias defasadas e sem estrutura de suportar
uma nova quantidade de presos, os estudantes alegam que as prisões brasileiras, além
de não ressocializarem os presos, fazem com que eles cometam novos crimes:
“Não podemos discordar que um adolescente de 16 anos tem
valores morais e éticos definidos, contudo seria um retrocesso
diminuir a maioridade penal por esse motivo, e, submeter este
jovem a um sistema penitenciário lotado, sub-humano e que
não cumpre o papel de recuperar o indivíduo para devolvê-lo a
sociedade.”
“A maioria das pessoas que vão para a cadeia, ao saírem
voltam piores do que eram e cometem crimes novamente pois o
sistema carcerário brasileiro não ressocializa os presos...”
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No texto C, o estudante afirma categoricamente que adolescentes de
dezesseis anos já têm valores morais e éticos definidos. O que poderia ser um
argumento contrário à tese defendida por ele. Observamos também, nesse trecho, as
escolhas lexicais presentes. O autor utiliza as palavras adolescente, jovem e indivíduo.
As duas primeiras são correferentes, pois se referem diretamente ao menor que
comete infrações, mas a última, individuo, já amplia a noção de referência a todos as
pessoas que se encontram na prisão, funcionando, desse modo, de forma mais
genérica.
É recorrente também a ideia da cadeia enquanto lugar marginalizado e de
legitimação de uma postura criminosa. Por isso, o uso desse argumento, que apesar de
não ter sido corroborado com dados, que o aluno traz quando diz que ocorre
reincidência dos crimes, é validado haja vista os diversos veículos de comunicação
confirmando essa posição.
A solução para reduzir a violência é investir na educação
O investimento na educação foi, sem dúvida, o principal argumento ao qual os
alunos recorreram quando o assunto era uma solução para a diminuição da violência.
“...se tivéssemos políticas públicas que melhorassem a
educação e incentivassem programas sociais para os
adolescentes, a quantidade dos mesmos na criminalidade seria
menor, além disso o país cresceria em educação diminuindo
assim a violência.”
“Em vez de reduzir a maioridade penal, seria mais eficiente
investir em educação e incentivos aos jovens, já que muitos são
vítimas do trabalho infantil. Fazendo isso, diminuiria
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drasticamente o número de criminosos adolescentes, além de
trazer melhorias no desenvolvimento do país.”
Os dois trechos acima trazem um argumento baseado no senso comum, o de
que o investimento e a melhoria na educação diminuem os índices de violência e
corrobora no desenvolvimento de um país. Haveria também, além da redução da
criminalidade como um todo, diminuição no número de jovens envolvidos em crimes.
Percebe-se também a direta ligação que os alunos encontram entre a redução da
violência e o desenvolvimento do país. Enquanto no texto D, o autor fala de forma
mais geral em investimento na educação, no texto C, fala-se de como esse
investimento pode ser concretizado através de políticas públicas e programas sociais.
No texto D, suscita o tema trabalho infantil, mas não o desenvolve e nem o relaciona
diretamente com o tema da redação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viu-se aqui que o processo de referenciação, entendido como uma espécie de
interpretação subjetiva da realidade transposta no texto, está diretamente ligado com
as intenções e com um querer dizer, que nasce não apenas da necessidade
comunicativa, mas também de uma intencionalidade do autor. As pessoas têm visões e
percepções diferentes do mundo, e através da referenciação, materializada no texto,
esse aspecto subjetivo da linguagem pode ficar evidente.
Se posicionar a respeito de um tema não é apenas mostrar seu ponto de visto,
mas sim defendê-lo e argumentá-lo mostrando um entendimento do tema proposto.
As redações analisadas conseguiram expor seus argumentos, na maioria das vezes, de
forma clara, construindo, com a ajuda de tais argumentos, a defesa de seu ponto de
vista. Vimos que ambos os lados, de quem se posicionou contra ou a favor da redução,
trouxeram argumentos que sem dúvida nenhuma corroboram com uma visão e
percepção do mundo do autor, além de servir de parâmetro para verificar como os
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estudantes argumentam em suas produções, como relacionam tais argumentos e de
que forma o fazem.
REFERÊNCIAS CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Expressões referenciais: uma proposta classificatória. Cadernos de Estudos Linguísticos (UNICAMP), Campinas, v. 44. 2003. ______. Metadiscursidade, argumentação e referenciação. Estudos linguísticos, São Paulo, 38 (3): 345-354, set.-dez. 2009 FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Argumentação. In: Lições de texto: leitura e redação . 5.ed. São Paulo: Ática, 2006. KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1984. ______. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1989. ______. A referenciação como atividade cognitivo-discursiva e interacional. Cadernos de Estudos Lingüísticos (UNICAMP), Campinas, v. 41, n.41, p. 75-89, 2002. ______. A referenciação textual como estratégia cognitivo-interacional. In: Kazue S Monteiro Barros. (Org.). Produção Textual: interação processamento, variação. Natal: Edufurn, 1999, v. , p. 69-80. ______.Referenciação e orientação argumentativa. In: Ingedore Grunfeld Villaça Koch; Edwiges Maria Morato; Anna Christina Bentes da Silva. (Org.). Referenciação e Discurso. 1ed.São Paulo: Contexto, 2005, v. , p. 33-52. MARQUESI, S. C. . Referenciação e intencionalidade: considerações sobre escrita e leitura. In: CARMELINO, A. C.; PERNAMBUCO, J.; FERREIRA, L. A.. (Org.). Nos Caminhos do Texto: atos de leitura. Franca - SP: UNIFRAN, 2007, v. , p. 215-233. MAGALHÃES, Monica Moreira. A argumentação em redações escolares. Anais do SILEL. Volume 3, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2013. XAVIER, Antonio Carlos. Como se faz um texto: a construção da dissertação argumentativa. 4.ed. Catanduva, SP: Respel, 2010.
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ANEXOS
Redação A: Deve reduzir a maioridade penal? A maioridade penal no Brasil é um dos fatores para o país estar na desordem
que está. A maioria da população brasileira apoia a redução e é claro que além de reduzir a maioridade penal, também iria reduzir a violência.
Não tem sentido um adolescente cometer um crime e não pagar judicialmente e não ter uma punição adequada para os seus atos, se os adolescentes tem a noção disso, o ideal seria pagar.
O Brasil tem essa violência elevada por não haver punição para os criminosos. A população aprova, só falta atitudes mais drásticas de órgãos públicos e aprovar leis para punir os criminosos, independente que estes sejam adolescentes ou não, a punição para o crime não deveria ter “idade”. Se houvesse mais rigidez para esses assuntos, o país progrediria mais.
Redação B: Redução da maioridade penal no Brasil A redução da maioridade penal no Brasil deveria ser uma lei e muito rígida, pois
várias pessoas já concordam com a diminuição da idade em que uma pessoa deve responder por seus atos logo cedo.
Se um adolescente cometer um crime ou qualquer outra coisa que seja contra a lei, merece ser julgado de acordo com seu ato e a pena tem que vim também. Um adolescente quando faz seus atos errados tem que ser responsáveis pelos mesmos.
Por ainda não ter acontecido essa redução, há adolescentes que se aproveitam disso, porque sabe que se fizer uma coisa errada vai ser apenas apontado por aquilo que fez e não acusado ou culpado, neste caso quem fica pra responder os atos dos adolescentes são os pais e não os filhos que fazem as besteiras, por isto a redução da maioridade penal no Brasil deve acontecer rapidamente.
Redação C: Redução da maioridade penal, a solução errada para a violência Atualmente corre em tramitação no congresso a PEC 171/93, que prevê a
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil. Contando com a aprovação de 87% dos brasileiros, segundo o Datafolha, esse dado mostra que a população deposita nesse a esperança de com sua aprovação a impunidade e a violência venham diminuir e a justiça seja feita. Porém ao pensarmos assim fechamos nossos olhos para o impacto social que isso pode causar.
A redução da maioridade penal tem sido bastante discutida principalmente em relação ao fato de que por alguém de 16 anos ter o direito ao voto o mesmo está apto para ser preso e condenado caso cometa algum crime. Não podemos discordar que um adolescente de 16 anos tem valores morais e éticos definidos, contudo seria um
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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 18
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
retrocesso diminuir a maioridade penal por esse motivo, e, submeter este jovem a um sistema penitenciário lotado, sub-humano e que não cumpre o papel de recuperar o indivíduo para devolvê-lo a sociedade.
O governo tende a buscar uma maneira mais fácil de resolver crimes cometidos por menores, neste caso, encarcerando-os, todavia isso resolve o efeito, não a causa, ou seja, se tivéssemos políticas públicas que melhorassem a educação e incentivassem programas sociais para os adolescentes, a quantidade dos mesmos na criminalidade seria menor, além disso o país cresceria em educação diminuindo assim a violência.
O adolescente envolvido na criminalidade clama por uma sociedade que primeiro conceda os direitos que lhe são negados como: educação de qualidade, segurança, saúde; e depois venha puni-los. Que a população, em vez de pedir a maioridade penal, peça a melhoria das escolas, pois mantendo esses adolescentes nos estudos, eles jamais se interessarão pelo crime ou violência, serão cidadãos de bem que lutarão, não contra a polícia, mas sim a favor de nossas crianças e adolescentes.
Redação D: Redução da maioridade penal é eficaz? Segundo uma pesquisa Datafolha, 93% da capital paulista aprova a redução da
maioridade penal, visando ter maior rigidez a certos jovens que cometem delitos e saem impunes pelo fato de serem menores de idade, algo que requer uma certa atenção da sociedade e das autoridades. Mas não seria muito eficaz reduzir a maioridade penal.
A redução da maioridade penal não reduziria significativamente a criminalidade no país, até porque uma parcela muito pequena dos crimes são cometidos por jovens entre dezesseis e dezoito anos. A maioria das pessoas que vão para a cadeia, ao saírem voltam piores do que eram e cometem crimes novamente pois o sistema carcerário brasileiro não ressocializa os presos, além disso, uma grande parte dos presos são pobres e moradores de periferia que não tiveram boa educação escolar e incentivo aos estudos. Isso não resolveria o problema da criminalidade, só traria mais problemas.
Em vez de reduzir a maioridade penal, seria mais eficiente investir em educação e incentivos aos jovens, já que muitos são vítimas do trabalho infantil. Fazendo isso, diminuiria drasticamente o número de criminosos adolescentes, além de trazer melhorias no desenvolvimento do país.