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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UnB
FACULDADE DE DIREITO – FD
SUMIDOURO DE TRÁFEGO – UMA ABORDAGEM
REGULATÓRIA E CONCORRENCIAL
Brasília
2004
2
ANDRÉ MELO DE ABREU
SUMIDOURO DE TRÁFEGO – UMA ABORDAGEM
REGULATÓRIA E CONCORRENCIAL
Monografia apresentada como requisito para conclusão do
curso de bacharelado em Direito da Universidade de
Brasília
Orientador: Prof. Eros Roberto Grau
Co-orientadora: Profª. Paula A. Forgioni
Brasília
2004
3
Agradeço aos meus pais, Washington e Eliane, aos quais tudo devo.
Ao meu amor, Tahinah, cujo apoio e incentivo foi imprescindível para a
realização deste trabalho.
À minha amiga Alessandra, com quem sempre pude contar.
Aos meus amigos, que seguiram e cresceram junto comigo nesta jornada que
é graduação.
À Dra. Helena Xavier, a quem sempre pude recorrer para iluminar minhas
idéias.
Aos meus orientadores, Dra. Paula A. Forgioni e Ministro Eros R. Grau,
fonte de inspiração permanente, pelo auxílio na busca do conhecimento.
4
RESUMO
O desenvolvimento tecnológico, como o da Internet, ocorre, em geral, mais rápido
que o Direito, de modo que distorções da lógica do sistema legal podem surgir ao se fazer
uma interpretação literal de um dispositivo legal, como no caso do sumidouro de tráfego.
Sendo um dispositivo infralegal contrário à lógica de outros dispositivos infralegais, bem
como contrário à lei e à Constituição, este deve ser declarado ilegal e inconstitucional. Isso,
entretanto, somente pode ser feito pelo Poder Judiciário. É de competência exclusiva da
agência reguladora de telecomunicações – ANATEL – a formulação de normas infralegais de
aspecto regulatório. No entanto, sendo este dispositivo regulamentar ilegal do ponto de vista
concorrencial, a autoridade antitruste pode, no caso concreto, aplicar determinações e/ou
limitações, do ponto de vista estrutural, ou determinações e/ou condenações, do ponto de vista
de condutas, quando provocada.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 07
1. RELAÇÃO ENTRE CONCORRÊNCIA E REGULAÇÃO ................................... 11
1.1. Considerações sobre a Ordem Econômica ............................................................. 11
1.2. Direito Concorrencial ............................................................................................... 15
1.3. Direito Regulatório ................................................................................................... 20
1.3.1. Serviço público ........................................................................................................ 24
1.4. Interação entre concorrência e regulação .............................................................. 26
1.4.1. A interconexão e compartilhamento de meios ou recursos entre prestadoras do
serviço de telecomunicações ................................................................................................ 33
1.4.2. Da importância da análise econômica no Direito Econômico ................................. 37
2. DEFINIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS EM TELECOMUNICAÇÕES ................. 39
2.1. Da competência concorrencial ................................................................................. 39
2.1.1. Da competência instrutória ...................................................................................... 40
2.1.2. Das regras de hermenêutica ..................................................................................... 45
2.1.3. Posições divergentes ................................................................................................ 54
2.1.4. Do mercado relevante afeto à competência ............................................................. 58
2.1.5. Controle de estruturas de mercado .......................................................................... 60
2.1.5.1. Atos de concentração ............................................................................................ 61
2.1.5.2. Compromisso de desempenho .............................................................................. 64
6
2.1.6. Controle de condutas que ocasionem infrações á Ordem Econômica ..................... 65
2.1.6.1. Averiguações preliminares ................................................................................... 66
2.1.6.2. Processo administrativo ........................................................................................ 68
2.1.6.3. Medida Preventiva ................................................................................................ 71
2.1.6.4. Compromisso de Cessação ................................................................................... 75
2.2. Competência regulatória .......................................................................................... 76
3. ANÁLISE DO SUMIDOURO DE TRÁFEGO À LUZ DA REGULAÇÃO E DA
CONCORRÊNCIA ............................................................................................................ 79
3.1. Surgimento do problema ......................................................................................... 79
3.2. Mercados Relevantes sob a ótica do produto ......................................................... 84
3.3. Implicações concorrenciais do sumidouro de tráfego – análise dos efeitos
estruturais e da potencialidade de condutas anticompetitivas ....................................... 93
3.4. Desconformidade da norma regulatória com o sistema legal ............................ 116
3.5. Possíveis soluções ................................................................................................... 123
3.6. Da análise dos casos concretos .............................................................................. 131
3.6.1. Análise de estrutura ............................................................................................... 131
3.6.2. Análise de conduta ................................................................................................ 139
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 145
REFERÊNCIAS..............................................................................................................148
7
INTRODUÇÃO
Hodiernamente, verificamos que inúmeros problemas jurídicos, oriundos
das constantes inovações legislativas, ainda não encontraram solução, já que não foram alvo
de uma análise mais aprofundada. É o que se observa, por exemplo, no âmbito do Direito
Econômico.
Deve-se observar que, com o advento das agências reguladoras, a partir de
1997, pôde-se observar uma rápida e significativa mudança na disciplina legal deste campo
jurídico. As privatizações alteraram, de forma significativa, o cenário da intervenção estatal,
principalmente no que tange ao setor de telecomunicações. O Estado passou a não mais
prestar o serviço diretamente, delegando-o a entes particulares, emergindo daí a necessidade
de que ele exerça algum tipo de controle sobre esta atividade a fim de garantir uma prestação
adequada deste serviço. Ocorreu, portanto, o recrudescimento da atividade regulatória estatal,
não se podendo falar em surgimento da atividade regulatória, tendo em vista que esta é ínsita
ao Estado e já era exercida, embora de forma diversa da que atualmente conhecemos.
O advento das agências reguladoras traz à baila a necessidade e a
importância da manutenção de um regime de concorrência pautado em uma estrutura legal e
institucional confiáveis e capazes de exercer um controle eficiente sobre as atividades
privatizadas. Isso deve ser obtido por meio de uma eficaz regulação pelas agências, dotadas
de maior autonomia, liberdade de ação e distanciamento das pressões políticas.
É importante destacar que a proliferação das agências reguladoras trouxe
enormes dificuldades no campo do direito antitruste na medida em que as competências que a
elas foram delegadas, em muito se aproximam da dos órgãos de defesa da concorrência,
8
causando uma certa confusão na atuação destes dois entes. O fim a ser alcançado deve ser o
de coordenar e compatibilizar adequadamente a atuação das agências reguladoras com regras
gerais existentes para o funcionamento do mercado e com a ação dos outros organismos
estatais responsáveis pelas políticas de livre concorrência, quais sejam o CADE, a SDE e a
SEAE.
Neste diapasão, verifica-se que os liames da concorrência e da regulação
merecem detida análise. Buscar-se-á, portanto, destrinchar o conceito de regulação, tentando-
se estabelecer um paralelo com o conceito de defesa da concorrência, a fim de se sopesar a
interação entre estes dois institutos e, conseqüentemente, entre as duas autoridades
responsáveis pela aplicação destes conceitos no setor de telecomunicações.
Verifica-se que, no que atine aos problemas advindos deste novo panorama
legal, muito pouco foi debatido tanto no âmbito da doutrina, como no da jurisprudência. Neste
diapasão, dentre os problemas atuais que se verifica em virtude desta tênue relação entre
regulação de defesa da concorrência, estão os decorrentes do sumidouro de tráfego.
O sumidouro de tráfego consiste no aproveitamento do modelo de regulação
adotado pela ANATEL para a interconexão e remuneração entre redes de prestadoras de
telefonia local na troca de tráfego de dados e conseqüente uso recíproco de redes, para aplicá-
la, a situação absolutamente diversa e artificialmente criada pela concessionária deste serviço
de telecomunicações. Busca-se, neste caso, canalizar para sua rede grande volume de tráfego
de dados por meio de sua associação a Provedores de Internet (que apenas recebem
chamadas), com o objetivo de obter o recebimento de elevadas receitas de interconexão da
concessionária local.
9
Têm-se verificado também em risco o direito corresponde à livre
concorrência no mercado de provimento de serviço de acesso discado à Internet. Inobstante
seja mais competitivo e pulverizado do que o mercado de provimento de infra-estrutura, o
mercado de provedores de acesso é significativamente dependente daquele, ocorrendo, às
vezes, integração vertical.
Isso se explica pelo fato de que a infra-estrutura de provimento de acesso à
Internet constitui-se em insumo essencial para o provedor. Essa depende, sobretudo, da
qualidade das linhas telefônicas que conectam o usuário ao provedor na “última milha”, da
capacidade do canal para transmissão de dados que conecta o provedor de acesso ao provedor
de backbone da Internet e em última instância da capacidade do próprio backbone1. Neste
sentido, os acessos privilegiados à última milha e ao backbone IP são importantes diferenciais
competitivos.
A problemática gira em torno de as empresas detentoras da infra-estrutura
de provimento de acesso à Internet estarem arcando com todos os custos necessários à infra-
estrutura de telecomunicações e compartilhando receita de interconexão gerada pelos usuários
que se conectam ao provedor.
A concessionária, associada aos provedores através de “contratos de
fomento de tráfego”, pode utilizar-se de mecanismos de descontos progressivos que, na
prática, implicaria verdadeiro compartilhamento das receitas de interconexão que venham a
ser recebidas pelo expressivo desequilíbrio de tráfego canalizado para sua rede, bem como
1 "Última Milha" corresponde ao trecho da rede de telefonia local que liga o usuário ao provedor de acesso à
Internet e constitui um essential facility, pois somente a empresa concessionária local (incumbent) possui tal
insumo. Backbones são “portas” de acesso à Internet. No Brasil, poucas empresas são realmente proprietárias
de backbones de Internet, como é o caso da Embratel, da Telefônica e da Telemar. Essas empresas vendem
conexão com os backbones para os provedores de acesso à Internet.
10
poderia praticar preços predatórios no fornecimento de infra-estrutura de acesso aos
provedores.
Vê-se, portanto, que a ausência de uma regulação mais adequada nos
mercados relevantes envolvidos tem gerado evidentes reflexos e distorções anticompetitivas.
Este trabalho tem por escopo identificar as possíveis soluções deste
problema, tanto do ponto de vista regulatório, como do ponto de vista concorrencial. Para
tanto, o presente trabalho encontra-se dividido em três capítulos, cujos conteúdos seguem
abaixo sumariados.
No primeiro capítulo, Relação entre concorrência e regulação, fazer-se-á a
análise de como se dá esta interação no direito pátrio, estabelecendo-se antes seus objetos,
para que partindo desta análise, posteriormente, possa-se chegar a uma conclusão acerca do
problema que ora se pretende analisar.
No segundo capítulo, Definição das competências em telecomunicações,
buscar-se-á em primeiro lugar identificar o que está sob a égide da ANATEL, sob o ponto de
vista regulatório e em segundo lugar estabelecer-se-á as competências para a análise
instrutória de matéria concorrencial no âmbito do SBDC e da ANATEL.
O terceiro capítulo, Análise do sumidouro de tráfego à luz da regulação e da
concorrência, é o ponto cujo estudo este trabalho tem por escopo final. Tendo estabelecido
nos capítulos anteriores a lógica a ser seguida, parte-se para a análise do problema concreto e
suas possíveis soluções. Faz-se, por fim, a análise dos casos concretos que já passaram ou
estão sob o crivo da autoridade antitruste brasileira.
11
1. RELAÇÃO ENTRE CONCORRÊNCIA E REGULAÇÃO.
1.1. Considerações sobre a Ordem Econômica
Este capítulo buscará dar um panorama sobre os objetivos do Direito
Concorrencial e do Direito Regulatório, com vistas a subsidiar a posterior análise do
sumidouro de tráfego, que constitui o objeto de investigação do presente trabalho.
Antes, porém, de se ater à análise dos Direitos Concorrencial e Regulatório,
é necessário tecer algumas considerações sobre como está disciplinada a Ordem Econômica
na Constituição Federal de 1988, para que se compreenda como estas esferas jurídicas estão
nela inseridas. Para tal, recorre-se, fundamentalmente, aos ensinamentos do Professor Eros
Roberto Grau.
Grau, quando analisa as formas de atuação do Estado em relação ao
processo econômico, adota três modalidades de intervenção do Estado: a intervenção por
absorção ou participação, a intervenção por direção e a intervenção por indução. Quanto à
extensão dos termos intervenção e atuação estatal, observa que:
“[...] intervenção conota atuação estatal no campo da atividade econômica
em sentido estrito; atuação estatal, ação do Estado no campo da atividade
econômica em sentido amplo.
Isso nos remete ao tema da distinção que aparta o campo dos serviços
públicos do campo da atividade econômica em sentido estrito”.2
2 GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1998. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros
Editores, 2002, p. 85.
12
Considerar-se-á intervenção como a atuação do Estado em área de outrem,
ou seja, na esfera do privado. Neste diapasão, o Estado não pratica intervenção quando presta
serviço público ou regula a prestação de serviço público, já que atua em área de própria
titularidade.
Estabelece Grau, que o gênero atividade econômica em sentido amplo
compreende duas espécies, quais sejam o serviço público e a atividade econômica em sentido
estrito. O serviço público é aquela atividade indispensável à consecução da coesão social, ou
seja, sua vinculação ao interesse social, devendo ser prestado à sociedade pelo Estado (ou por
outra pessoa administrativa direta ou indiretamente). Veja-se como o citado Professor
conceitua serviço público:
“Serviço público, assim, na noção que dele podemos enunciar, é a atividade
explícita ou supostamente definida pela Constituição como indispensável,
em determinado momento histórico, à realização e ao desenvolvimento da
coesão e da interdependência social (Duguit) – ou, em outros termos,
atividade explícita ou supostamente definida pela Constituição como serviço
existencial relativamente à sociedade em um determinado momento histórico
(Cirne Lima).
Não há qualquer demasia em relembrarmos, aqui, que a interpretação da
Constituição, indispensável ao desvendamento do quanto por ela definido a
esse respeito, explícita ou supostamente, envolve também a interpretação dos
fatos, tal como se manifestam em um determinado momento.”3
As demais atividades seriam as atividades econômicas em sentido estrito,
abrangendo, portanto, todas as matérias que podem ser, imediata ou potencialmente, objeto de
profícua especulação lucrativa.
O professor4 classifica os serviços públicos, que podem ser praticados tanto
pelo Estado como pelo particular, em serviços públicos privativos (que somente podem ser
prestados pelo setor privado sob os regimes de concessão, permissão ou autorização, como,
3 Ibidem, p. 114.
4 Ibidem, p. 108.
13
por exemplo, os serviços telecomunicações) e serviços públicos não privativos (que podem
ser praticados independentemente de concessão, permissão ou autorização, como, por
exemplo, os serviços de educação e saúde).
É importante verificar que, quando o Estado exercer atividade econômica
em sentido amplo em função de imperativo da segurança nacional ou para atender a relevante
interesse coletivo, estará desenvolvendo atividade econômica em sentido estrito. Já quando
desenvolvê-la para prestar acatamento ao interesse social, desenvolverá, portanto, serviço
público.5
A categoria de interesse público congrega o interesse coletivo e o interesse
social. Este exige a prestação de serviço público, já o interesse coletivo refere-se às hipóteses
de relevante interesse coletivo e imperativo da segurança nacional, quando ocorre o
empreendimento de atividade econômica em sentido estrito pelo Estado.
Ainda quanto às formas de atuação do Estado na Economia, mais
especificamente quanto às modalidades de intervenção estatal (que, repita-se, refere-se à
atividade econômica em sentido estrito), estabelece, o citado professor, quatro espécies.
A intervenção estatal na economia, quando o Estado atua como agente
econômico, subdivide-se em: atuação por absorção, hipótese em que o Estado assume, em
regime de monopólio, o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor,
como no caso da extração, produção e transporte de petróleo (frise-se flexibilizado pela
Emenda Constitucional nº 09/1995) e gás natural e dos minérios nucleares; e atuação por
participação, hipótese em que o Estado assume parcialmente (em regime de concorrência
5 Ibidem, p. 108.
14
com agentes do setor privado) ou participa do capital de agente que detém o controle
patrimonial de meios de produção e/ou troca.
A intervenção estatal sobre a economia, caso em que o Estado age como
ente regulador do processo econômico, subdivide-se em: atuação por direção, exercendo o
Estado pressão sobre a economia, de modo que estabelece normas de comportamento
compulsório para os agentes econômicos (sujeitos da atividade econômica em sentido estrito)
– por meio das normas de controle; e atuação por indução, quando o Estado dinamiza os
instrumentos de intervenção premial, ou seja, incentivos, em consonância e em conformidade
com as leis que regem o funcionamento dos mercados – por meio das normas diretivas.
O Direito Econômico para Grau, como ramo do Direito, teria como
destinação a instrumentalização, mediante ordenação jurídica, das políticas públicas do
Estado, que constituem o conjunto de políticas econômicas e políticas sociais, as quais
englobam, de modo amplo, todo o conjunto de atuações estatais no campo social.6
Segundo Gomes:
“As manifestações doutrinárias são convergentes em identificar o objeto do
direito econômico como o conjunto de regras e princípios jurídicos que
instrumentalizam a intervenção do Estado sobre a vida econômica, em suas
diversas modalidades, seja para regular disfunções endógenas (falhas de
mercado) do sistema econômico, seja para imprimir (a este) metas e
objetivos derivados de valores políticos e sociais conformadores, positivados
na ordem econômica constitucional”.7
Estabelecidos estes pressupostos e classificações iniciais, passa-se à análise
do Direito Concorrencial e Regulatório. É importante destacar que, no presente trabalho, não
se buscará fazer uma análise do surgimento, evolução histórica, caráter ou não de ciência
6 Idem. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1981, p. 22.
15
jurídica autônoma, mas sim estabelecer possíveis objetivos destas duas esferas jurídicas, para
que possa entender como podem servir de instrumento à consecução dos fins
constitucionalmente e legalmente previstos no ordenamento pátrio.
1.2. Direito concorrencial
Quanto ao objetivo do direito antitruste, nos ensina Gomes que este “tem
por objeto normas jurídicas que implementam a intervenção estatal sobre a economia, na
modalidade atuação por direção, visando o controle do exercício abusivo do poder
econômico”.8
Não obstante, conforme nos ensina a Professora Paula A. Forgioni, para
uma compreensão mais ampla do objeto do direito concorrencial não se deve ater-se somente
à busca de um ou de todos os objetivos possíveis, já que estes estarão condicionados a uma
dada realidade, seja espacial (e, portanto, também legal) ou histórica. Segundo a autora:
“(...) cada ordenamento jurídico tem uma série de princípios próprios que o
embasam, diversa daquela de outros sistemas. Essa peculiaridade decorre da
diversidade das realidades que permeiam cada um dos direitos. Assim, o
7 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: Editora
S. A. Fabris, 2004, p. 40-41. 8 As normas antitruste seriam normas de controle repressivas ou preventivas. Sobre este tipo de norma estabelece
que: “As normas de controle visam, de um lado, proteger o direito de propriedade e a livre iniciativa
econômica e, de outro, adequar o exercício de tais liberdades aos valores sociopolíticos conformadores da
ordem econômica, tais como função social da propriedade, valorização do trabalho, dignidade da pessoa
humana, justiça social, tutela do consumidor e da empresa de pequeno porte, redução das desigualdades
regionais e sociais, defesa do meio ambiente e busca do pleno emprego.
As normas de controle caracterizam-se por determinar a abstenção, pelo particular, da prática de certa conduta
perante o domínio econômico, tida por lesiva ao interesse público (isto é, ao direito de propriedade, à livre
iniciativa e aos valores sociopolíticos conformadores da ordem econômica), sob pena de sancionamento de
natureza administrativa ou penal.
Podem (as normas de controle) ser repressivas, quando a hipótese de incidência da norma pressupõe a prévia
consumação da conduta ilícita, ou preventivas, quando autorizam o Estado a intervir, previamente, no
exercício da livre iniciativa, ou mesmo na formação da propriedade privada, por entender que a sua disposição
estrutural poderá favorecer, no futuro, o uso abusivo do poder de fato (aqui, o poder econômico) que de tal
propriedade resulta.” (grifo nosso).
Ibidem, p. 46-47.
16
direito (ou o sistema jurídico) é diretamente ligado às usas realidades
histórica, econômica e social, que não são as mesmas de outro direitos. Entretanto, o sistema jurídico não apenas é modificado pela realidade que o
circunscreve, mas também age de modo a modificá-la, em uma relação
simbiótica. Cada componente do sistema jurídico tem uma função certa e
determinada, ou seja, tem um escopo, que é, por sua vez, instrumental a
todo o sistema e com ele harmonizado.
A Lei Antitruste desempenhará, em determinados sistema jurídico e
momento historio, função diversa daquela desempenhada em outros
sistemas, em outros momentos. Fácil perceber, portanto, que discussões
excessivamente gerais sobre os objetivos da Lei Antitruste, sem que seja
determinada a lei e o momento de que se trata, são, de certa maneira,
estéreis.
A restrita visão de tentar subsumir a Lei Antitruste a um único objetivo
decorre, também, da compreensão dessas normas como um mero
instrumento para eliminar os efeitos autodestrutíveis do mercado (função de
preservação dos meios de reprodução do capital), sem que seja considerada
a política econômica que por essas pode ser atuada.
[...]
Sob esse prisma devem ser encaradas todas as discussões sobre os objetivos
da Lei Antitruste: mais do que objetivos, estamos falando de relação
entre instrumentos e objetivos possíveis. E, acima de tudo, estamos
tratando com princípios”.9 (grifo nosso)
É importante, neste sentido, conjugar os possíveis objetivos a serem
alcançados com a legislação vigente no ordenamento em análise, já que este se insere em uma
dada realidade histórica e legal.
Não se quer dizer que se deva desprezar a experiência jurisprudencial e
doutrinária estrangeira, ou até mesmo pátria que já esteja ultrapassada, no que se refere aos
seus pressupostos e objetivos, mas que se deve amoldá-los à realidade jurídica nacional e ao
momento em que este complexo normativo esteja inserido.
Tal constatação ganha destaque ao se analisar a evolução das escolas de
Harvard e Chicago, bem como a evolução da jurisprudência norte-americana quanto à
aplicação de sua lei (evolução da aplicação do Sherman Act sob a perspectiva de análise per
se e sua evolução para uma análise embasada na regra da razão). Isso porque atenderam, ou
serviram de instrumento, a diferentes objetivos dentro de uma perspectiva histórica.
17
A disciplina concorrencial européia também é instrumental, almejando a
consecução de inúmeros interesses e fins da União Européia a serem conciliados, o que
impede a busca de um único fim. Neste sentido, a concorrência não é um fim em si mesma,
mais um instrumento para alcançar o objetivo maior de todo o sistema.
Neste diapasão, impende verificar quais são os objetivos das normas
antitrustes brasileiras, pautando-se em uma análise sistêmica do ordenamento jurídico,
principalmente nos ditames da Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.884/94.
O artigo 170 da Constituição Federal, tratando dos princípios gerais da
atividade econômica nos dá os parâmetros para uma verificação dos meios/instrumentos e fins
a serem alcançados. In verbis:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42,
de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade
econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos
casos previstos em lei”. (grifo nosso)
Observa-se, da leitura do citado artigo que a livre concorrência é um
princípio que deve ser utilizado como instrumento para o fim constitucionalmente
9 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 149-
18
previsto, qual seja assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da
justiça social.
Este caráter instrumental da proteção da concorrência também pode ser
verificado no § 4º, do artigo 173 da Constituição de 1988, conforme nos ensina Forgioni:
“O caráter instrumental da proteção da concorrência permanece na
atual Constituição, que manda reprimir o abuso do poder econômico que
vise à dominação dos mercados e à eliminação da concorrência (art. 173, §
4.º), em atenção ao princípio da livre concorrência (art. 170, IV). Manda,
também, reprimir o aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º), conforme o
princípio da defesa do consumidor (art. 170, inc. V). Essa proteção,
entretanto, vai inserta no FIM GERAL E MAIOR, qual seja, ‘assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.10
(grifo
nosso)
O artigo 1º da Lei 8.884/94 acompanha a disciplina constitucional
estabelecendo que ela tem por finalidade prevenir e reprimir as infrações contra a ordem
econômica, utilizando-se para tal os princípios da liberdade de iniciativa, livre concorrência,
função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder
econômico.
Para Forgioni as normas antitrustes, dentre as técnicas ou instrumentos de
organização do mercado, são destinadas a regular a concorrência entre os agentes econômicos
e o abuso do poder econômico11
. Neste sentido, seria insuficiente pautar-se no aspecto
meramente econômico da defesa da concorrência, sendo importante observar suas
imbricações nos demais aspectos da vida social como, por exemplo, na própria política
pública.
152. 10
Ibidem, p. 170. 11
Ibidem, p. 81-82.
19
As normas legais de defesa da concorrência consideram dois aspectos
essenciais, que são a estrutura do respectivo setor, industrial ou de serviços, e a conduta de
empresas neles atuantes12
.
A experiência da aplicação das normas antitruste revelou que estruturas
excessivamente concentradas, isto é, onde poucas empresas detenham elevado índice de poder
econômico13
, levam algumas empresas a adotar condutas infrativas, ou seja, condutas que, de
alguma forma, restrinjam ou eliminem a concorrência.
Igualmente, demonstrou a análise da dinâmica de mercados que, para as
empresas que disputam em um mercado competitivo e para o consumidor final, é melhor que
se previnam as infrações contra a ordem concorrencial do que simplesmente se venha a
reprimir as infrações que venham a ocorrer. Por esta razão, a Lei de Defesa da Concorrência
estabelece, no artigo 54, que as operações econômicas com impacto no Brasil sejam
apresentadas ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência para a análise de seus impactos
sobre o(s) mercado(s) envolvido(s), de modo a adotar as medidas adequadas à eliminação de
seus efeitos deletérios ou simplesmente aprová-las sem a imposição de qualquer restrição.
Por outro lado, a conduta anticoncorrencial diz respeito à prática lesiva à
ordem econômica por parte dos agentes econômicos que fazem parte de uma estrutura14
. Há
infração à ordem concorrencial quando a conduta do(s) agente(s) econômico(s) restringe(m)
12
DUTRA, Pedro. A livre concorrência e sua defesa. Revista de Direito Econômico, Brasília: jan./mar, 1996, p.
81-88 e p. 82. 13
Observe-se que agente econômico que possui grande parcela de poder econômico pode atuar de forma
independente e com indiferença à existência ou comportamento dos outros agentes. Sob esta perspectiva, a
posição dos pequenos agentes será sempre de sujeição ao comportamento da empresa que detém elevado poder
econômico. O poder de mercado leva, portanto, à possibilidade de imposição de preços (a maior – lucros
extraordinários – ou a menor – preços predatórios), o que, por vezes, impossibilita a atividade dos
concorrentes e prejudica os consumidores. 14
Ibidem, p. 82.
20
ou elimina(m) a livre concorrência, enquadrando-se nas hipóteses definidas nos artigos 20 e
21 da Lei n 8.884/94.
1.3 . Direito regulatório
Por muito tempo o Estado Brasileiro incumbiu-se da promoção dos serviços
públicos privativos, ente outros motivos, devido ao fato de que tais serviços foram, ao longo
do tempo, identificados como monopólios naturais. O Estado Liberal passa a adotar um
modelo de Estado Social. Isto se deveu, porque a iniciativa privada, em setores em que
envolviam elevados investimentos com retorno apenas a médio e longo prazo, não possuía
recursos econômicos próprios ou financiamento adequado para empreender estas atividades.
Nos últimos anos, entretanto, tanto no Brasil quanto em outros países da
América Latina e da Europa, verificou-se uma significativa mudança neste panorama,
principalmente em função do esgotamento dos recursos no setor público. Neste sentido, tem-
se verificado que o modelo de Estado Social tem passado por uma nova transformação
paradigmática, surgindo, então, um Estado Regulador, onde o Estado passa a ter não mais o
papel de promotor social, mas de regulador, sob uma perspectiva minimalista, intervindo
apenas quando necessário. Verifica-se, portanto, uma paulatina retirada do Estado da
produção direta das utilidades públicas15
.
Neste sentido, assiste-se a uma acelerada diminuição do intervencionismo
direto do Estado como agente econômico, conforme a classificação do Professor Eros Grau,
15
SUNDFELD, Carlos Ari (org.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2000,
p. 73.
21
passando a haver um crescimento da intervenção indireta do Estado como agente regulador16
.
Isto não significa dizer que, com o advento das Agências Reguladoras, houve o
surgimento da atividade regulatória, mas apenas um novo modelo pelo qual o Estado
exerce seu poder regulatório, até porque esta atividade é ínsita ao Estado.
O Professor Calixto Salomão Filho ensina que, no campo econômico, “a
utilização do conceito de regulação é a correspondência necessária de dois fenômenos. Em
primeiro lugar, a redução da intervenção direta do Estado na economia, e em segundo o
crescimento da concentração econômica”.17
A regulação é, deste modo, a busca do interesse público, na expressão de
conformação e correção do mercado, causa principal da ação indireta do Estado. Busca-se,
portanto, uma igualdade jurídico-material e não meramente formal entre todos os agentes
econômicos, sendo a possibilidade de efetiva competição um valor fundamental da
regulação18
.
As agências reguladoras não podem ser confundidas como decorrentes do
processo de privatização, já que autoridades com poderes de regulação podem existir para
diversos setores da econômica (como o Banco Central no mercado financeiro).
Agências reguladoras existem em países que nunca chegaram a conhecer os
fluxos de estatização e privatização, como os Estados Unidos. Observe-se, também, que
privatizações foram implementadas sem que o Estado se preocupasse em ampliar a sua função
16
“A necessidade regulatória aumenta porque, deixando o Estado de ser ele próprio provedor do bem ou serviços
de relevância social, tem ele que passar a exercer algum tipo de controle sobre esta atividade, sob pena de estar
descurando de controlar a produção de uma utilidade dotada de essencialidade e relevância.”
Ibidem, p. 75. 17
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São
Paulo: Ed. Malheiros, 2001, p. 15. 18
Ibidem, p. 30-34.
22
regulatória, quer por o setor não o justificar (caso das desestatizações de empresas
siderúrgicas e petroquímicas federais no Brasil dos anos 80), quer por opção política (caso das
privatizações dos serviços básicos na Argentina da década de 80).19
Segundo o Professor Carlos Ari Sundfield a regulação é “característica de
um certo modelo econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o exercício da
atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no mercado utilizando instrumentos de
autoridade”.20
De modo que, “regular é, ao mesmo tempo, ser capaz de dirimir os conflitos
coletivos ou individualizados. É por isso que surgem as agências reguladoras, porque o Estado
tem de regular”.21
De acordo com a classificação de Grau quanto à intervenção estatal, a
atividade reguladora do Estado é a intervenção por direção, que ocorre quando a organização
estatal passa a exercer pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de
comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica.
A virtude da adoção de tal tipologia repousa sobre a circunstância de que a
dinamização de cada uma das modalidades de ação considerada envolve a adoção de critérios
e técnicas jurídicas inteiramente distintos entre si.22
Além disso, é certo também que os conjuntos de normas de intervenção por
direção e por indução apartam-se entre si de modo claro e preciso. No primeiro caso, estamos
diante de comandos imperativos, definidos pelo seu caráter cogente, impositivos de
19
SUNDFELD, op. cit. p. 19. 20
Ibidem, p. 23. 21
Ibidem, p. 28. 22
“Assim, a primeira distinção em apartá-las, umas das outras, está em que, ao passo que a modalidade de
intervenção por absorção e participação expressa atuação do Estado no processo – desempenhando ele, então,
o papel de sujeito no processo – as demais consubstanciam-se em atuação dele sobre processo econômico –
atribuídas, então, ao Estado, funções de ordenação do processo. É evidente que as posturas assumidas, em uma
23
determinados comportamentos, a serem necessariamente cumpridos pelos agentes no processo
econômico. Já no segundo, defrontamo-nos com normas que, embora apontem uma
determinada conduta ou organização a ser seguida pelo seu destinatário, não o obrigam
juridicamente a seguí-la, deixando em aberto outras opções a serem por ele adotadas.
É neste contexto, portanto, que Grau entende que a regulação estatal
deve servir ao fim da ordem econômica, qual seja assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social, consoante já observado e inserto no art. 170,
CF/88.
O princípio da justiça social, assim, conforma a concepção de existência
digna cuja realização é o fim da ordem econômica e compõe um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil (art. 1, inciso III, CF/88). Sendo assim, seria o objetivo
último da regulação estatal a consecução do ideal de justiça social.
A justiça social foi entendida, inicialmente, como significando superação
das injustiças na repartição, em nível pessoal, do produto econômico. Com o passar do tempo,
contudo, passa a conotar cuidados, referidos à repartição do produto econômico, não apenas
inspirados em razões micro, mas, macroeconômicas: as correções na injustiça da repartição
deixam de ser apenas uma imposição ética, passando a consubstanciar exigência de qualquer
política econômica capitalista23
.
“A noção de justiça social foi sendo aprimorada, atribuindo-se hoje a ela
uma significação macro e não meramente microeconômica. Trata-se, agora,
de cuidar da repartição, a nível pessoal, desde uma visão macroeconômica.
Desde esse ângulo, as correções na injustiça da repartição deixam de ser
e outra hipóteses, colocam o Estado em posições jurídicas inteiramente diversas.” GRAU, Eros R. Elementos
de Direito Econômico. p. 65 23
GRAU, Eros R. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. p. 249.
24
apenas uma imposição ética e passaram a consubstanciar, também, uma
exigência de política econômica”.24
O elemento fundamental na noção de justiça social, enquanto fim da
ordem econômica, está centralizado na pressuposição de uma melhoria na repartição do
produzido como conseqüência da sua realização. Por certo que, por isso mesmo, a
justiça social compreende bem-estar geral, da sociedade – mesmo porque a disseminação
do bem-estar pela sociedade é resultante daquela melhoria.
A aplicação deste conceito à regulação da economia implica que a
atividade regulatória deve ter, eminentemente, caráter redistributivo, ou seja,
garantidor da igualdade de condições nas relações econômicas. Este aspecto, destaque-se,
servirá de cerne para a solução do problema que se propõe analisar.
1.3.1 Serviço público
Como já observado, o escopo dado às instituições jurídicas está vinculado
ao momento e local onde estão insertas. Neste sentido, cumpre observar o que preleciona
Sundfeld no que se refere aos serviços públicos:
“Os velhos serviços públicos, de regime jurídico afrancesado e explorados
diretamente pelo Estado, estão desaparecendo, com as empresas estatais
virando particulares e o regime de exploração dos serviços sofrendo
sucessivos choques de alta tensão. Telecomunicações, energia elétrica e
portos são alguns dos setores em que a noção de serviço público, se algo
ainda diz pouco; admite-se a exploração em regime privado, por meio de
autorizações, não mais apenas pelas clássicas concessões; introduz-se a
competição entre prestadores, suscitando a aplicação do Direito da
Concorrência e a interferência dos órgãos incumbidos de protegê-la”.25
24
GRAU, Eros R. Elementos de Direito Econômico. p. 56. 25
SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA,Oscar Vilhena. (coords.) Direito Global. São Paulo: Editora Max
Limonad, 1999, p. 161-162.
25
A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano
da escolha política, observável nas fontes do direito pátrio. Dentre elas, a mais importante é a
Constituição Federal Brasileira, que fez o arrolamento das atividades consideradas como
serviço público. O art. 21 estabelece que há serviço público, de titularidade de União, na
prestação dos serviços referidos nos seus incisos, sendo que para fins do presente estudo cabe
destacar o inciso XI, que se refere ao serviço de telecomunicações.
As agências reguladoras surgem, portanto, no setor de serviços públicos,
como instrumento institucional através do qual o Estado atua de forma indireta na economia,
buscando o atendimento do interesse público, ou melhor, das políticas públicas. Deste modo,
como estabelece Grau, “o Estado do nosso tempo – o Estado contemporâneo – é,
fundamentalmente, Estado implementador de políticas públicas”.26
Uma das justificativas para a necessidade de regulação nos serviços públicos
é a existência das falhas de mercado nos serviços públicos alvo deste controle.
A falha de mercado é um termo genérico que caracteriza situações em que
uma imperfeição no sistema de preços impede uma afetação eficiente dos recursos27
.
Existem diversos tipos de falhas de mercado. Para os objetivos da política
concorrencial, os mais relevantes são a existência de poder de mercado ou a ausência de
concorrência perfeita (como no caso dos monopólios naturais).
A existência dos chamados monopólios naturais (que levam a uma
concorrência imperfeita) é eleita como a justificativa central para a regulação. Sendo assim, o
26
GRAU, Eros R. O direito posto e o direito pressuposto. p. 59. 27
SAMUELSON, Paul A.; NORDHAUS, William D. Economia. 12ª ed. Lisboa: Editora McGaw-Hill, 1988, p.
121.
26
controle é necessário neste tipo de estrutura uma vez que o comportamento natural e racional
será o de aumentar os preços a níveis supracompetitivos. A racionalidade da conduta não
torna o comportamento lícito.
No entanto, Salomão Filho entende que as razões utilizadas desviam o foco
principal da questão. Para ele, portanto, a regulação não terá como objetivo eliminar as falhas
de mercado (já que no mais das vezes isto é praticamente impossível), mas sim estabelecer
uma pluralidade de escolhas e um amplo acesso ao conhecimento econômico28
.
Logo, a regulação surge não para eliminar as falhas de mercado mas, tão
somente, para evitar o aparecimento de seus efeitos negativos.
A mera descrição de natureza econômica que se dá aos monopólios naturais
não é apta a identificar as situações que tornam imprescindível a intervenção regulatória. A
existência de custos irrecuperáveis não garante, por si só a autoproteção de que o monopólio
necessita para que sua ação não seja atingida pela tradicional ação antitruste. Assim, a
condição básica para que essa autoproteção ocorra é a existência de uma rede natural ou
artificial, física ou virtual, de duplicação inviável.
Destarte, pode-se citar como exemplos de mercados regulados tendo em
vista a ocorrência de falhas de mercado, caracterizadas pela existência de essential facility, o
setor de telecomunicações, o de energia elétrica e o de distribuição do petróleo.
1.4 . Interação entre concorrência e regulação
28
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. p.
42.
27
Para atingir a justiça social, questão analisada sob a perspectiva
concorrencial e regulatória, a regulação depende, diretamente, das regras de concorrência,
pois são elas que, em primeiro lugar, possibilitam a escolha individual por parte do
consumidor e, em segundo, sendo regras predominantemente procedimentais, permitem a
descoberta das melhores opções econômicas por meio de seu próprio exercício.
“Uma vez atribuída importância a uma regra de procedimento econômico,
permitem a participação individual (do consumidor) no processo de escolha
dos objetivos econômicos. Finalmente, cumprem um terceiro e fundamental
objetivo: o de difundir o conhecimento econômico, necessariamente
redistributivo. A difusão de conhecimento é incompatível com a existência
de poder econômico. A democracia cognitiva proporcionada pela
concorrência traduz-se, também, em maior isonomia econômica”.29
Neste diapasão, ao se entender que a regulação visa a consecução da
justiça social, não se pode entendê-la dissociada da proteção da concorrência devendo
esta ser compreendida, portanto, como um dos aspectos daquela.
Neste sentido, adotar-se-á o já mencionado conceito de regulação
apresentado por Eros Grau, tendo em vista que não adota uma análise meramente jurídico-
formal, mas a analisa à luz da Economia e, sobretudo, em função do atendimento aos
princípios fundamentais da Constituição Federal.
Incluiu-se, nesta seara, a proteção da concorrência como um dos aspectos da
regulação pois, como já se viu nos itens anteriores, dependendo do setor regulado e do tipo de
regulação que for feita, haverá uma interferência direta no âmbito concorrencial como
quando, por exemplo, o órgão regulador estabelece o valor de uma determinada tarifa ou,
ainda, quando faz exigências técnicas exacerbadas a fim de impedir o ingresso de um novo
competidor no mercado.
29
Ibidem, p. 39.
28
É importante, portanto, observar algumas das tentativas doutrinárias a fim
de estabelecer uma fronteira entre a regulação e a defesa da concorrência.
Gesner Oliveira tenta estabelecer esta distinção em virtude do tipo de
mercado em que cada uma das instituições atua30
. Destarte, para este autor, o foco da
autoridade de defesa da concorrência estaria nos mercados não-competitivos, nos quais há
maior probabilidade de ocorrência de ilícito em função da existência de poder de mercado.
No entanto, no caso de mercados em que existem falhas de mercado, o autor
admite a imprescindibilidade do órgão regulador a fim de diminuir os problemas
concorrenciais.
De outra sorte, o foco da agência reguladora residiria, a seu turno, nos
monopólios naturais temporários. As condições de produção nestes tipos de monopólio fazem
com que uma única empresa tenha custos marginais sempre decrescentes a medida em que
aumenta sua atividade, fazendo com que a maneira mais eficiente seja a produção por uma
única firma. Daí a necessidade do regulador estabelecer regras setoriais específicas que
impeçam o monopolista natural de abusar de sua posição.
Tal atividade guarda estreita relação com a da autoridade de defesa da
concorrência tendo em vista que “a boa regulação é aquela que mimetiza da melhor maneira
possível o mercado competitivo, fazendo convergir o objeto de análise dos dois tipos de
autoridade”.31
30
OLIVEIRA, Gesner. Concorrência: panorama no Brasil e no mundo. Saraiva: São Paulo, 2001, p. 62. 31
Ibidem, p. 63.
29
Afirma, portanto, que a tendência moderna da teoria da regulação é
desenvolver mecanismos que gerem uma convergência entre a defesa da concorrência e a
regulação.
Há, ainda, quem entenda32
ser o objetivo precípuo da regulação, a defesa da
concorrência porque por meio dela haverá maior consciência na decisão tomada pelo
consumidor e, a partir daí, um maior fornecimento de informações aos agentes no mercado
acerca de como o consumidor deseja ver atendido o seu interesse enquanto parte da sociedade.
Onde não seja possível a promoção da competição, o objetivo da regulação será impedir que
dos oligopólios ou monopólios surjam abusos em função de sua ausência.
Como conseqüência, pode-se dizer que a defesa da concorrência difere da
regulação apenas em grau. Ou seja, a defesa da concorrência prioriza o estabelecimento de
mercados concorrenciais enquanto que a regulação prioriza o estabelecimento de regras para o
devido funcionamento do mercado. É patente, deste modo, que grande parte da atividade
regulatória tem implicação direta na atividade concorrencial, de sorte que, como já foi dito
anteriormente, a proteção da concorrência passa a ser um aspecto indispensável da regulação.
Além das implicações diretas da atividade regulatória na defesa da
concorrência, Schuartz33
traz outro aspecto importante na análise do direito da concorrência
em confronto com a regulação. Para este autor a análise do Direito da Concorrência deve se
iniciar pela análise do art. 170, da Constituição Federal de 1988, que fixa os fundamentos e a
finalidade da Ordem Econômica constitucional.
32
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. IDAF – Informativo de Direito Administrativo e
Responsabilidade Fiscal. n 08. março/2002, passim. 33
SCHUARTZ, Luís Fernando. O Direito da Concorrência e seus Fundamentos. Racionalidade e Legitimidade
na Aplicação da Lei n 8.884/94. Revista de Direito Econômico. n 31. Brasília, jan./jul. 2000, p. 47-86.
30
Neste contexto, destaca o fato de que o referido artigo prescreve como fim
da Ordem Econômica o “bem de todos” segundo critérios de justiça social (na mesma direção
vai o art. 1, inciso IV, CF/88, que define como um dos fundamentos do Estado Democrático
de Direito os valores sociais da livre iniciativa). A diretiva geral implicada por estes textos
está no dever atribuído aos poderes públicos de agir no sentido de, preservando a estrutura
normativa básica do sistema capitalista, influenciar sua trajetória, tendo em vista a realização
da justiça social34
.
Um tal dever, por outro lado, não faria sentido no contexto de uma descrição
do capitalismo que associasse a realização desta finalidade ao seu funcionamento não
regulado. É justamente em função da pressuposição de que o capitalismo não produz, por si
próprio, uma ordem social justa, que a definição normativa da finalidade da Ordem
Econômica, no sentido da realização deste ideal, adquire um significado consistente com as
normas constitucionais que definem positivamente âmbitos de regulação estatal da economia.
É claro, de outra parte, que a diretriz normativa geral contida no art. 170 da
CF/88 não é suficiente (por ser demasiado abstrata) para solucionar os problemas específicos
relacionados à interpretação e aplicação da defesa da concorrência. Assim, é preciso que se
troque em miúdos a afirmação da necessidade de regulação estatal da economia como meio
para a realização de um estado social justo, e isto até o ponto de permitir interpretar o Direito
Concorrencial vigente como um instrumento regulatório racional para a busca deste ideal.
34
CF, capítulo anterior.
31
Este entendimento também é esposado por Forgioni, a qual assevera que “a
tutela da concorrência não é, portanto, um fim em si mesma e poderá ser afastada quando o
escopo maior perseguido pelo sistema assim o exigir”.35
Esta concepção tem uma implicação imediata para um tratamento
cientificamente consistente do conceito de concorrência no âmbito do Direito Concorrencial.
A concorrência deixa de ser entendida como um mecanismo passivo de
ajustamento de variáveis econômicas a um equilíbrio com propriedades de eficiência
paretiana; ao contrário, passa a ser vista como um processo dinâmico de geração,
estabilização e equalização de assimetrias entre agentes econômicos em busca de lucros
extraordinários.
Neste contexto, a relação entre concorrência e eficiência (definida em
termos de ganhos de “bem-estar” social) não se dá espontaneamente, mas pressupõe a
mediação de pressões competitivas suficientes para transformar as inovações em fatores
determinantes de criação de vantagens comparativas e apropriação de ganhos extraordinários,
mas, também, de redução do tempo necessário para a contestação destas vantagens e a
diluição de – ou a socialização dos benefícios associados a – tais ganhos36
.
Em síntese, a defesa da concorrência deve ser tratada como um aspecto
da regulação tanto porque a própria atividade regulatória tem influências
determinantes na defesa da concorrência, como porque é um mecanismo utilizado pela
entidade reguladora para que se atinja o ideal de justiça social e, neste ponto, acaba
servindo como mecanismo implementador de políticas públicas.
35
FORGIONI, Paula A. op. cit. p. 170. 36
SCHUARTZ, Luís Fernando. op cit, passim.
32
Em consonância com esta necessidade de implementação de políticas
públicas, é interessante observar o que preceitua Forgioni:
“Tendo-se em mente os objetivos da Lei Antitruste, aparece clara,
conjuntamente com o aspecto instrumental desse tipo de norma, sua aptidão
para servir à implementação de políticas públicas, especialmente de políticas
econômicas entendidas como ‘meios de que dispõe o Estado para influir de
maneira sistemática sobre a economia”.
Neste sentido, a Lei Antitruste deve ser utilizada como instrumento a
desmantelar os monopólios naturais, na medida em que esta é a política econômica pública
que se pretende perquirir. Deste modo, servirá de instrumento a que se promova a
concorrência entre os poucos agentes econômicos atuantes no mercado, bem como para
impedir a colusão ou condutas anticompetitivas deste agentes.
Esta íntima relação entre a regulação e o direito concorrencial pode ser
expressamente observado, no caso do mercado de telecomunicações, na Lei Geral de
Telecomunicações, já que em inúmeros dispositivos desta lei ocorre a expressa determinação37
37
Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições
adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em
benefício da população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e
propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os
princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre
concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do
poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.
Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando
não conflitarem com o disposto nesta Lei.
[...]
§ 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de telecomunicações que, na celebração de
contratos de fornecimento de bens e serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer
forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.
Art. 80. As obrigações de universalização serão objeto de metas periódicas, conforme plano específico elaborado
pela Agência e aprovado pelo Poder Executivo, que deverá referir-se, entre outros aspectos, à disponibilidade
de instalações de uso coletivo ou individual, ao atendimento de deficientes físicos, de instituições de caráter
público ou social, bem como de áreas rurais ou de urbanização precária e de regiões remotas.
§ 1º O plano detalhará as fontes de financiamento das obrigações de universalização, que serão neutras em
relação à competição, no mercado nacional, entre prestadoras.
Art. 70. Serão coibidos os comportamentos prejudiciais à competição livre, ampla e justa entre as prestadoras
do serviço, no regime público ou privado, em especial:
I - a prática de subsídios para redução artificial de preços;
33
de que a justa e livre competição entre as empresa seja observada. Mais uma vez se constata,
portanto, a necessária interação entre a defesa da concorrência e a regulação..
1.4.1. A interconexão e o compartilhamento de meios ou recursos entre prestadoras
do serviço de telecomunicações
II - o uso, objetivando vantagens na competição, de informações obtidas dos concorrentes, em virtude de
acordos de prestação de serviço;
telefonia, a telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens.
Art. 71. Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concentração econômica no mercado, a Agência
poderá estabelecer restrições, limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à obtenção e
transferência de concessões, permissões e autorizações.
Art. 77. O Poder Executivo encaminhará ao Congresso Nacional, no prazo de cento e vinte dias da publicação
desta Lei, mensagem de criação de um fundo para o desenvolvimento tecnológico das telecomunicações
brasileiras, com o objetivo de estimular a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias, incentivar a
capacitação dos recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e
médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competição na indústria de telecomunicações.
Art. 84. As concessões não terão caráter de exclusividade, devendo obedecer ao plano geral de outorgas, com
definição quanto à divisão do País em áreas, ao número de prestadoras para cada uma delas, seus prazos de
vigência e os prazos para admissão de novas prestadoras.
§ 1° As áreas de exploração, o número de prestadoras, os prazos de vigência das concessões e os prazos para
admissão de novas prestadoras serão definidos considerando-se o ambiente de competição, observados o
princípio do maior benefício ao usuário e o interesse social e econômico do País, de modo a propiciar a justa
remuneração da prestadora do serviço no regime público.
Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução
do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário.
Parágrafo único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em
risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7° desta Lei.
Art. 98. O contrato de concessão poderá ser transferido após a aprovação da Agência desde que,
cumulativamente:
[...]
III - a medida não prejudique a competição e não coloque em risco a execução do contrato, observado o disposto
no art. 7° desta Lei.
Art. 104. Transcorridos ao menos três anos da celebração do contrato, a Agência poderá, se existir ampla e
efetiva competição entre as prestadoras do serviço, submeter a concessionária ao regime de liberdade tarifária.
[...]
§ 2° Ocorrendo aumento arbitrário dos lucros ou práticas prejudiciais à competição, a Agência restabelecerá o
regime tarifário anterior, sem prejuízo das sanções cabíveis.
Art. 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o cumprimento
das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores,
destinando-se a garantir:
[...]
II - a competição livre, ampla e justa;
Art. 129. O preço dos serviços será livre, ressalvado o disposto no § 2° do art. 136 desta Lei, reprimindo-se toda
prática prejudicial à competição, bem como o abuso do poder econômico, nos termos da legislação própria.
Art. 151. A Agência disporá sobre os planos de numeração dos serviços, assegurando sua administração de
forma não discriminatória e em estímulo à competição, garantindo o atendimento aos compromissos
internacionais.
Art. 155. Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse
coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de
serviços de telecomunicações de interesse coletivo.
Art. 193. A desestatização de empresas ou grupo de empresas citadas no art. 187 implicará a imediata abertura à
competição, na respectiva área, dos serviços prestados no regime público.
34
A posição dominante do concorrente que já se encontra no mercado se erige
em barreira à entrada de novo concorrente toda vez que se tratar de setor dependente de uma
essential facility, que deve ser entendida como sendo a situação de monopólio natural em que
há um bem (geralmente uma rede) de tal importância que é impossível minimamente competir
sem que haja acesso a este bem38
. É indispensável, para a configuração desta situação, que
haja impossibilidade prática e/ou econômica de duplicação do referido bem e que seja
possível a realização de interconexão.
A duplicação é inviável não apenas, e não principalmente, pelos altos custos
envolvidos. Ocorre que, além dos altos custos, as redes criam os denominados retornos
crescentes de escala, isto é, quanto mais consumidores fazem parte da rede, mais útil é ela
para o próximo consumidor.
Desta forma, não há qualquer estímulo, seja do ponto de vista do custo ou
da utilidade, para o consumidor escolher a rede concorrente (a não ser que esta agregue novos
serviços). A sua construção é, então, inconveniente. Se assim é, então as redes já construídas
passam a desempenhar um papel fundamental. Só nelas poderá se desenvolver qualquer tipo
de concorrência e só através delas o consumidor poderá ser atendido. Essas redes são o
elemento básico para a dominação dos mercados por partes dos agentes econômicos que as
detêm.
Já a interconexão é a disponibilização, por parte da detentora da rede, (que,
no caso brasileiro, é, geralmente uma empresa pública) da sua utilização pelas demais
empresas do mesmo setor.
38
SALOMÃO FILHO, Calixto. op. cit.. p. 54.
35
No setor de telecomunicações, os casos e condições para a interconexão são
determinados pela ANATEL e foram objeto de um Regulamento de Interconexão que permite
às empresas, que vão ceder a sua rede, a cobrança pela sua utilização por parte das
concorrentes39
.
A interconexão e o compartilhamento de meios ou recursos entre
prestadoras do serviço de telecomunicações são institutos semelhantes e advêm da
necessidade do disciplinamento do uso das redes destinadas a dar suporte à prestação de
serviços de telecomunicações, no intuito de se viabilizar a competição.
Sem o compartilhamento dos meios físicos entre as prestadoras e a
interconexão, não há como se implementar a competição, conforme entende Jacintho Arruda
Câmara, respectivamente:
“[...] em virtude dos altos custos que envolvem a construção e a instalação
de uma rede de telecomunicações; tal fato demanda a necessidade do
máximo aproveitamento dos recursos existentes, inclusive por terceiros, que
não os proprietários das redes.
[...] se num mercado como esse existe apenas um operador dominante, que
detém a imensa maioria de clientes, a entrada de um novo competidor
somente será viabilizada se for garantido a ele o acesso à rede do operador
dominante, de modo que seus usuários, desde logo, tenham como se
comunicar com os demais usuários do serviço, mesmo aqueles vinculados a
um outro operador40
”.
Como se percebe, o compartilhamento de meios está muito ligado à idéia de
economia de infra-estrutura, sem o que seria, praticamente impossível, a entrada de um novo
prestador no setor, uma vez que os custos para implantação de uma rede física alternativa são
muitos elevados. Com efeito, possibilita-se a utilização, por parte do novo prestador, da rede
39
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e concorrência: estudos e pareceres. São Paulo: Ed. Malheiros,
2002, p. 22. 40
Apud PEREIRA DA SILVA, Pedro Aurélio de Queiroz. As Agências Reguladoras e a Defesa da
Concorrência. Revista do IBRAC.Vol. 08, n 2. São Paulo, 2001, passim.
36
física do prestador já estabelecido, de modo que o primeiro não precise despender grandes
quantias para o seu estabelecimento, pagando apenas pelo “empréstimo” dos meios.
No concernente à interconexão, temos que tal instituto está ligado à idéia de
possibilidade de comunicação entre usuários de serviços, cujas redes são distintas, isto é,
consoante o art. 146, parágrafo único, da LGT:
“Interconexão é a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente
compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam
comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela
disponíveis”.
Caso não fosse possível a realização da interconexão, um concorrente
encontraria enormes dificuldades para entrar no mercado. Segundo estabelece o art. 155 da
LGT,
“para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de
telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições
fixados pela agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de
serviços de telecomunicações de interesse coletivo”.
Destarte, verifica-se que, tanto a interconexão quanto o compartilhamento
de meios entre prestadoras do serviço de telecomunicações têm como idéia basilar a defesa da
concorrência41
.
41
Ainda outros dispositivos da LGT relevantes à análise da matéria:
Art 93. O contrato de concessão indicará:
[...]
VII - as tarifas a serem cobradas dos usuários e os critérios para seu reajuste e revisão;
Art 73. As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de
postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de
telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e
condições justos e razoáveis.
Art 93. O contrato de concessão indicará:
[...]
XII - as condições gerais para interconexão;
Art 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão,
observando-se, no que couber, a legislação específica.
[...]
37
1.4.2. Da importância da análise econômica no Direito Econômico
O reconhecimento da importância da ciência econômica, na análise jurídica
da realidade, não significa que esta esteja reduzida àquele, e vice-versa, mas que são esferas
da ciência que se tocam, de modo que a melhor compreensão da primeira, faz com que se
possa melhor compreender e aplicar a segunda.
Alexandre Ditzel Faraco elucida em que medida se dá esta interação:
“Para tanto, a economia pode prover modelos analíticos e dados empíricos
necessários à discussão dos problemas envolvidos, ajudando a identificar
quem potencialmente ganha ou perde com uma determinada ação
estatal, e sugerir, também, alternativas que permitam minimizar os
efeitos de alocações indesejadas de riqueza. É admissível, assim, que
possa ser vista com um instrumento útil para a formulação de juízos
quanto à validade de determinadas regulações.
A análise econômica ganha importância, nessa perspectiva, não na
definição dos valores envolvidos na criação e na aplicação do direito,
§ 2º Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos
decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas
alternativas.
§ 3º Serão transferidos integralmente aos usuários os ganhos econômicos que não decorram diretamente
da eficiência empresarial, em casos como os de diminuição de tributos ou encargos legais e de novas
regras sobre os serviços.
Art 127. A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por objetivo viabilizar o
cumprimento das leis, em especial das relativas às telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos
dos consumidores, destinando-se a garantir:
[...]
VIII - o cumprimento da função social do serviço de interesse coletivo, bem como dos encargos dela
decorrentes;
Art 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:
I - é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;
II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional;
III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de cumprimento de sua função
social.
Art 147. É obrigatória a interconexão às redes de telecomunicações a que se refere o art. 145 desta Lei, solicitada
por prestadora de serviço no regime privado, nos termos da regulamentação.
Art 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das redes obedecerão à regulamentação editada pela
Agência, assegurando a compatibilidade das redes das diferentes prestadoras, visando à sua harmonização em
âmbito nacional e internacional.
Art 152. O provimento da interconexão será realizado em termos não discriminatórios, sob condições
técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos e justos, atendendo ao estritamente necessário à
prestação do serviço.
Art 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre negociação entre os interessados,
mediante acordo, observado o disposto nesta Lei e nos termos da regulamentação. (grifou-se e sublinhou-se)
38
mas como um instrumento que permite: (i) subsidiar a interpretação e a
aplicação de normas cuja hipótese de incidência inclui dados de
natureza econômica; (ii) auxiliar a compreensão dos efeitos produzidos
por uma norma na realidade por ela afetada.
[...]
Esse [o instrumental analítico da economia] será relevante também para
verificar a validade jurídica de certos atos normativos pois, para usar o
mesmo dispositivo [§ 2º, do art.108, da LGT] citado, cabe à Anatel regular
como será feito o referido compartilhamento. SE AS NORMAS FIXADAS
PELA AGÊNCIA NÃO PERMITIREM ALCANÇAR ESSE
RESULTADO, ELAS NÃO PODERÃO SER JURIDICAMENTE
VÁLIDAS, POIS NÃO ESTARÃO EM CONFORMIDADE COM A
NORMA QUE LHES SERVE DE FUNDAMENTO DE VALIDADE”.42
(grifo nosso)
Deste modo, a análise econômica poderá fornecer subsídios para que se
verifique se os objetivos fixados na norma estão sendo alcançados, ou se, ao contrário, a
realidade econômica demonstra se tem verificado uma afronta a estes objetivos. Ou seja,
permitirá verificar se as normas infralegais estão em consonância com os objetivos
estabelecidos pela lei e pela Constituição, o que não ocorre, tendo em vista a afronta à justiça
social, no caso no qual se pretende analisar, qual seja o sumidouro de tráfego.
42
FARACO, Alexandre Ditzel. Regulação e direito concorrencial: (as telecomunicações). São Paulo: Livraria
Paulista, 2003, p. 199.
39
2. DEFINIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS EM TELECOMUNICAÇÕES
Estabelecida como se deve dar a relação entre a concorrência e a regulação,
é necessário verificar em que medida são outorgas as competências para a aplicação e
implementação dos ditames legais atinentes a estas duas esferas jurídicas.
Como já observado, são tênues os limites entre regulação e concorrência.
No caso posto no presente trabalho, para que seja possível chegar a uma conclusão acerca do
problema é necessário conhecer os limites das competências da ANATEL, CADE, SDE e
SEAE.
Para tanto, em primeiro lugar, serão estabelecidas as competências
concorrenciais e, após, será estabelecida a competência regulatória. Frise-se, que, tendo em
vista que esta primeira envolve todos os órgãos supracitados, sua análise exige maior atenção,
até porque controversa sob alguns aspectos.
2.1. Da competência concorrencial
Para que se possa fazer um acurado estudo sobre a delimitação destas
competências, deve-se ter como base as regras de hermenêutica aplicáveis ao caso em estudo.
Inicialmente buscar-se-á definir qual a metodologia mais escorreita para a realização desta
análise. Em seguida verificar-se-á qual(is) outra(s) interpretação(ões) têm sido adotada(s)
40
pelos órgãos de defesa da concorrência e pelas agências reguladoras, e pela doutrina
majoritária.
2.1.1. Da competência instrutória
Inicialmente, por uma questão de coerência metodológica, deve-se fazer
uma breve análise acerca do instituto da competência e sua abordagem no direito pátrio. Neste
diapasão devemos inicialmente nos reportar à Constituição Federal, nossa lei maior, para que
verifiquemos quais as modalidades de competências existentes em nosso sistema jurídico.
José Afonso da Silva, analisado as modalidades de competência existentes
em nossa Magna Carta, classifica as competências quanto à forma, conteúdo, extensão e
origem. Ao presente estudo interessa a classificação quanto à extensão (participação de uma
ou mais entidades na esfera da normatividade ou da realização material) que se distingue
em: exclusiva (atribuída a uma entidade com exclusão das demais), privativa (enumerada
como própria de uma entidade, com possibilidade de delegação e de competência
suplementar), comum, cumulativa ou paralela (faculdade de legislar ou praticar certos atos,
em determinada esfera, juntamente e em pé de igualdade) concorrente (possibilidade de
disposição sobre o mesmo assunto ou matéria por mais de uma entidade) e suplementar
(correlativa da competência concorrente, e significar o poder de formular normas que
desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão
destas)43
.
43
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.
479.
41
Analisado o tratamento constitucional do instituto, importa verificar como
se dá sua regência no direito administrativo. Neste ramo do direito não basta que o sujeito
tenha capacidade (ser titular de direitos e obrigações, podendo exercê-los por si ou por
terceiros), é necessária que tenha também competência expressamente definida em lei. Quem
tem capacidade para a prática de atos administrativos são as pessoas públicas políticas (União,
Estados, Municípios e Distrito Federal), cujas funções são distribuídas entre órgãos
administrativos e, dentre destes, entre seus agentes, pessoas físicas. A distribuição de
competências das pessoas jurídicas políticas está disposta na Constituição, enquanto que a dos
órgãos e servidores em leis.
É o que se verifica no caso em estudo, já que em matéria de
telecomunicações a competência legiferante é privativa da União (inciso IV, artigo 22, da
Constituição Federal) e em matéria de direito econômico é concorrente entre a União, Estados
e Distrito Federal (inciso I, artigo 24, da Constituição vigente), sendo que as competências da
SEAE (órgão vinculado ao Ministério da Fazenda), da SDE (órgão vinculado ao Ministério da
Justiça) e do CADE (autarquia federal) e ANATEL (autarquia especial) estão dispostas em
lei.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que:
“Aplicam-se à competência as seguintes regras:
1. decorre sempre da lei, não podendo o próprio órgão estabelecer, por si,
as suas atribuições;
2. é inderrogável, seja pela vontade da Administração, seja por acordo com
terceiros; isto porque a competência é conferida em benefício do interesse
público;
3. pode ser objeto de delegação ou avocação, desde que não se trate de
competência conferida a determinado órgãos ou agente, com exclusividade,
pela lei.”44
44
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12 ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 196.
42
Em consonância com isso, está o que dispõe o artigo 11, da Lei nº 9.784/99,
que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal,
estabelecendo que “a competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a
que foi atribuída como própria, salvo os caso de delegação e avocação legalmente admitidos”.
Verifica-se, desta forma, que, em respeito ao princípio administrativo da
legalidade estrita, a competência somente surge por expressa determinação legal, sendo
irrenunciável. No caso dos órgãos regidos pelas leis em estudo (Lei de Defesa da
Concorrência e Lei Geral de Telecomunicações), tais competências não foram alvo de
delegação ou avocação.
Compreendido o instituto da competência, importa delimitar o alcance de
competência que a lei atribui aos órgãos do SBDC e à ANATEL. Podemos verificar dois
problemas relevantes afetos à delimitação de competência destes órgãos. O primeiro surge da
tênue separação entre regulação e concorrência. O segundo surge da possível sobreposição de
competências entre a SDE/SEAE e a ANATEL no que atine à competência instrutória para
análise de questões concorrenciais, com o posterior julgamento pelo CADE.
No presente capítulo ater-se-á à análise exaustiva do segundo problema,
fazendo-se tão somente breves comentários acerca do primeiro problema, já que este foi
analisado no primeiro capítulo, mas está intimamente relacionado ao segundo.
Com o advento da LGT, a ANATEL passou a disciplinar os aspectos
regulatórios do setor de telecomunicações, enquanto que o CADE, residualmente, reteve sua
competência para a apreciação somente das questões que envolvam a defesa da concorrência.
É o que nos ensina Helena Xavier:
43
“Na sua vertente específica de direito econômico, a LGT submete ainda a
disciplina das relações econômicas do setor de telecomunicações, não só aos
princípios constitucionais do art. 170 CF, determinando que a organização
dos serviços seja fundada no princípio da livre, ampla e justa competição
entre todas as operadoras (art. 6º), como também ao princípio da
continuidade do serviço prestado no regime público da continuidade do
serviço prestado no regime público (art. 5º), assumindo-se expressamente
como direito especial em relação à Lei Brasileira de Defesa da Concorrência
– “LBDC” (Lei nº 8.884/94, de 11.06), nos termos do art. 7º, caput.
Enquanto direito especial em relação à LBDC, a LGT, embora sem
contrariar substancialmente os princípios naquela contidos, adapta-a às
particularidades circunstâncias do setor de telecomunicações, relegando a
sua aplicação para o plano da subsidiariedade.
O modelo de competição do setor de telecomunicações estabelecido pela
LGT assenta, assim, no binômio regulação e concorrência (art.6º e 7º e 71
LGT).”45
Isso porque, conforme se observa no artigo 6º da LGT, a regulação prevista
não é destinada a eliminar a dinâmica do livre mercado, mas sim introduzi-la, tanto quanto
possível. Ou seja, busca-se, com a paulatina extinção do monopólio legal, atingir um modelo
competitivo.
Como preleciona Sundfeld:
“Não há, portanto, contradição finalística entre a regulação de
telecomunicações e o direito antitruste – pois aquela tem, tanto, quanto este,
compromissos com a livre concorrência
Demais disso, a LGT não quebrou a unidade do direito antitruste contido na
Lei 8.884/94, quer em seu aspecto substancial, quer em seu aspecto adjetivo.
Bem ao contrário: determinou de modo expresso a incidência, no setor, das
normas gerais de proteção à ordem econômica, relativas ao controle tanto
das estruturas como das condutas.”46
Os conceitos de regulação e defesa da concorrência são distintos entre si e
não se deve confundi-los, não obstante isto ocorra freqüentemente na prática, tendo em vista
sua imbricada relação.
45
XAVIER, Helena de Araújo Lopes. O regime especial da concorrência no direito das telecomunicações.
Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 31-32. 46
SUNDFELD, Carlos Ari. In: Processo Administrativo nº 08700.001498/2002-23, p. 19/20.
44
Como já observado, a escopo deste estudo é estabelecer as competências em
matéria de defesa da concorrência, por esta razão, insta frisar que utilizar-se-á o conceito de
defesa da concorrência, abrangendo o controle preventivo das estruturas de mercado (análise
de aquisições, fusões e joint ventures, impedindo-se ou impondo condições àquelas que forem
prejudicais à concorrência) e o controle repressivo de condutas (iniciando investigação
pública, por meio de processo administrativo, de práticas supostamente anticompetitivas e, ao
final, condenando os seus agentes, se caracterizado o ilícito).
Esta é justamente a sistemática adotada pela Lei de Defesa da Concorrência
(Lei 8.884/94), cujo escopo está determinado em seu artigo 1º:
“Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra
a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos
consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.
Parágrafo único. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por
esta Lei.” (grifo nosso)
Sua atuação divide-se em controle de estruturas e controle de condutas. O
controle de estruturas, disciplinado pelo artigo 54 da Lei 8.884/94, visa monitorar atos e
contratos, enquadrados dentre as hipóteses de subsunção estabelecidas no referido artigo,
tendentes a produzir concentração econômica. O controle de condutas trata da repressão de
condutas anticoncorrenciais, previstas nos artigos 20 e 21 desta mesma lei, capazes de limitar
ou prejudicar a livre concorrência.
Para a aplicação desta lei previu-se a competência genérica para investigar,
reprimir e prevenir os atos lesivos à concorrência com interação entre três órgãos distintos:
CADE, SDE e SEAE. A SDE e a SEAE são órgãos técnicos com poderes de monitoramento
do mercado, cabendo-lhes instruir os processos. O CADE possui função judicante, julgando,
45
como única instância no âmbito da administração pública, os processos instruídos pelos
órgãos instrutores, envolvendo análise de estrutura ou de conduta.
Cumpre, portanto, verificar se, com a edição de normas substantivas de
regulação e criação de um órgão regulador, a lei teria de modo explícito ou tácito afetado o
modo de aplicação e incidência da norma antitruste genérica (Lei 8.884/94), com a
conseqüente modificação da competência dos órgãos antitruste constantes na referida lei
(CADE, SDE e SEAE), transferindo-a para o órgão regulador.
Para que se possa analisar se, com o advento da LGT, teria ocorrido a
exclusão da competência da SDE e SEAE para a análise instrutória de questões concorrenciais
ou, se ao revés, a ANATEL passaria a atuar em conjunto com estes órgãos, sendo, portanto, a
competência concorrente, deve-se utilizar as regras de hermenêutica aplicáveis ao direito
brasileiro.
2.1.2. Das regras de hermenêutica
João Francisco, partindo dos ensinamentos de Karl Larenz em sua obra
Metodologia da Ciência do Direito, elenca os critérios tradicionais de hermenêutica jurídica,
que devem ser analisados sob uma perspectiva de complementariedade e interdependência: a
interpretação literal da norma (sentido extraído da acepção direta da linguagem, em específico
a técnico-jurídica), a interpretação histórica (a intenção reguladora do legislador ao tempo da
formulação da norma, sempre limitado pelo teor do texto vigente), interpretação teleológica
(busca concretizar os objetivos essenciais da norma) e a interpretação sistemática (a norma é
46
analisada não isoladamente, mas em cotejo ou como parte integrante de um sistema
normativo).47
Deste modo, devemos partir inicialmente da interpretação literal da norma,
para em seguida fazermos o cotejo com as demais técnicas de hermenêutica, sendo esta
modalidade também o ponto de chegada, já que os signos lingüísticos têm significados finitos,
não se podendo extrair o que foge de sua possível compreensão.
Cumpre, desta maneira, observar o que dispõe a LGT acerca da competência
da ANATEL. Vejamos:
“Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao
setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o disposto nesta
Lei.
§ 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no
regime público ou privado, que visem a qualquer forma de concentração
econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação de empresas,
constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer
forma de agrupamento societário, ficam submetidos aos controles,
procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção
à ordem econômica.
§ 2° Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, por meio do
órgão regulador.
§ 3º Praticará infração da ordem econômica a prestadora de serviço de
telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e
serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma,
prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa.
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o
atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das
telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade,
legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
[...]
XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais
em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem
econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE.”
Com efeito, ao analisarmos a literalidade da norma verificaremos que se
outorgou à agência reguladora, relativamente às telecomunicações, a competência exposta no
47
DRUMOND, João Francisco Aguiar. Interpretação do Direito e da Constituição – Aspectos Gerais.
47
inciso XIX, do artigo 19, da referida lei, e não a esta em conjunto ou alternativamente ou de
qualquer outra forma que se possa querer inferir em relação à SDE e à SEAE.
Novamente, atendo-se à literalidade da norma, podemos observar que no
que quis o sistema legal delimitar ou ressalvar determinada competência a fez de modo
expresso e inequívoco, quando dispôs que as competências da agência seriam exercidas,
ressalvadas as atribuídas ao CADE. Observe-se, portanto, que no que atine às competências
do CADE, estas foram integralmente mantidas, tendo este órgão a competência, no âmbito da
administração pública, para julgar as condutas e estruturas a ele submetidas.
A análise do artigo 7º, da LGT, em cotejo com o artigo 19, inciso XIX, da
mesma lei, nos dá ainda mais segurança para considerar a competência exclusiva, em relação
à SDE e SEAE. Isso porque, se há a ressalva, no artigo 19, da competência, tão somente, do
CADE e o caput do artigo 7º determina que são aplicáveis ao setor de telecomunicações as
normas gerais, somente quando não conflitarem com a LGT, patente está que, neste setor,
estão afastadas as competências instrutórias dos órgãos do SBDC, já que em evidente conflito.
Frise-se que, partindo-se do pressuposto de que não há conflito de
competência, já que excluídas as competências instrutórias da SDE e da SEAE, o conflito de
competência seria apenas aparente, havendo, na realidade, um conflito de normas.
Isso porque não seria tecnicamente correto utilizar o termo conflito de
competência, já que somente um destes órgãos a possuiria. O termo seria aplicável e tratar-se-
ia de um conflito positivo de competência, caso os dois órgãos (SDE e SEAE) reivindicassem
para si a persecução do exercício da mesma competência.
Dissertação de Mestrado em Direito e Estado na Universidade de Brasília, 2001. p. 33 e ss.
48
Ainda quanto à análise do artigo 7º, deve-se frisar que o texto dos §§ 1º e 2º
deste artigo deixam igualmente de forma clara que o controle estrutural será submetido ao
CADE por meio do órgão regulador. O que novamente nos leva a concluir que a competência
da ANATEL não seria exercida em conjunto ou alternativamente ou de qualquer outra forma
que se possa querer inferir com a SDE e a SEAE.
Como o § 3º está inserido dentro do mesmo artigo 7º e da mesma lei e,
portanto, em cotejo com o inciso XIX, do artigo 19, da LGT, ao controle de condutas aplica-
se a mesma sistemática supra defendida. Esta é a teleologia inserta pela LGT também no
artigo 6º.48
Entendemos que, se por um lado, segundo a interpretação histórica, pode-se
inferir que o legislador buscou, face à especificidade da questão regulatória e concorrencial
das telecomunicações, instituir um complexo normativo e institucional próprios, o mesmo se
pode estender à interpretação teleológica, já que esta é a razão e o fim que se objetiva com a
vigência desta lei especial.
Entendemos ser a interpretação sistemática a mais relevante, até porque a
mais completa, na medida em que busca fazer a adequação da norma a todo o sistema jurídico
vigente.
Neste diapasão, do ponto de vista metodológico, é mister que estabeleçamos
o conceito de sistema jurídico. Juarez Freitas o compreende como uma rede axiológica e
hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a
de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos
48
“Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no princípio da livre, ampla e justa
competição entre todas as prestadoras, devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para
corrigir os efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem econômica.” (grifo nosso)
49
fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram
consubstanciados,expressa ou implicitamente, na Constituição.49
O mesmo autor nos orienta acerca da interpretação do Direito
Administrativo:
“Com efeito, toda a interpretação publicista, mesmo diante das questões
mais singelas, há de ser sistemática, principiológica e hierarquizadora, ainda
quando não se explicite claramente como tal, eis que todo e qualquer
diploma legislativo regente das ditas relações de administração – a despeito
de aparentemente claro ou eivado de vícios e de falhas técnicas, voluntárias
ou não, originárias ou supervenientes – precisa ser interpretado e, não raro,
teleologicamente corrigido em estrita consonância com os altos princípios
constitutivos do sistema jurídico em geral e do subsistema administrativista
em particular.”50
Deve-se, pois, buscar realizar o cotejo entre as normas ora em análise e os
princípios constitucionais e administrativos aplicáveis ao problema em tela.
Utilizando-se a interpretação sistemática podemos dizer que é inteiramente
coerente, dentre uma sistemática legal em que haja uma norma geral, com dotação
institucional para atuação também genérica, e uma norma específica, também com dotação
institucional própria para atuação nesta matéria, que haja um órgão competente para exercer
com exclusividade a competência instrutória deste mercado. Até porque este órgão é
justamente especializado para tal. Restando, para todos os outros mercados que não lhe sejam
afetos, a atuação dos órgãos de atuação genérica.
Incoerência ou incompatibilidade lógica interna do sistema haveria se,
havendo um órgão instituído e dotado de estrutura e quadro de funcionários especializados
para atuar especificamente em telecomunicações, fosse permitido que órgão sem o mesmo
49
FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2 ed. rev. e ampl. Editora Malheiros: São Paulo,
1998, p. 46 . 50
Ibidem, p. 167.
50
grau de especialização viesse a exercer as mesmas funções, em substituição, sob pena de
evidente perda de qualidade na apreciação da matéria.
Ou exercendo as mesmas funções, em complementaridade, sob pena de
imputar ao administrado uma excessiva onerosidade, com afronta ao princípio da economia
processual, (com o pagamento em dobro de taxas processuais, gastos com profissionais para a
condução do processo, dentre outros), insegurança jurídica (com possibilidade de
manifestações ou decisões – como no caso da medida preventiva – conflitantes) e flagrante
infringência ao princípio da celeridade, tendo em vista que, pela natureza da matéria em
análise – em razão, principalmente, da velocidade da dinâmica que exigem as relações
comerciais – exige-se que sejam dadas decisões no menor tempo hábil possível, para que
possam ter efetividade (seriam exaradas seis manifestações – SEAE, SDE, ANATEL,
Procuradoria da ANATEL, Procuradoria do CADE e Ministério Público Federal – para, após,
haver o julgamento pelo CADE, o que é totalmente incoerente, quando se deseja dar decisões
rápidas).
O próprio administrador, caso as funções sejam exercidas em
complementaridade, também seria prejudicado, já que haveria uma duplicidade de esforços
(contribuindo com uma maior morosidade do sistema, com evidente infringência ao princípio
da constitucional da eficiência, que está explicitamente disposto no caput do artigo 37 da
Constituição, consistindo na permanente busca da melhor prestação e funcionamento da
administração).
Partindo-se desta mesma incoerência podemos invocar os princípios da
proporcionalidade (constitucional da administração pública) e da razoabilidade
(administrativo). Pelo primeiro, é importante elucidar que se deve atribuir uma proporção
51
adequada entre os meios que se emprega e o fim que a lei deseja alcançar, ou seja, que não se
trate de uma medida desproporcional, excessiva em relação ao que se deseja alcançar,
devendo realizar-se do modo mais eficiente pela administração. Pelo segundo, há de se
verificar que o administrador, ao exercer a interpretação normativa, deve obedecer a critérios
aceitáveis do ponto de vista racional, buscando a interpretação que esteja mais próxima do
lógico e razoável. Pela lógica acima exposta, verifica-se que há evidente afronta a estes dois
princípios.
Os princípios do processo administrativo que se aplicam especificamente a
este problema são o da economia processual, que observa ser o processo o instrumento para
aplicação da lei, de modo que as exigências a ele pertinentes devem ser adequadas e
proporcionais ao fim que se pretende atingir, e o da celeridade, exigindo serem os meios
utilizados de modo proporcional e razoável, para que se alcance a almejada presteza na
análise do processo.
Pode-se, ainda, invocar o princípio administrativo da finalidade, legalmente
previsto na Lei 9.784/99, segundo o qual o administrador, ao manejar as competências postas
a seu encargo, deve obediência à finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando
execução. Este princípio deve ser analisado em cotejo com o princípio da especialidade, já
que, havendo lei específica que venha a reger um órgão com atuação especializada, o fim da
lei não é outro, senão o de que seja a matéria inteiramente regida e operacionalizada pela
agência instituída para tal.
O princípio da especialidade, concernente à idéia de descentralização,
decorre dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público pela
administração pública. Segundo este princípio as pessoas públicas administrativas deverão
52
empregar o patrimônio, os meios técnicos e o pessoal de que dispõem para a consecução do
fim específico, em virtude do qual foram criadas.51
Este princípio é aplicável em especial às autarquias, sendo que o Estado cria
pessoas jurídicas públicas administrativas como forma de descentralizar a prestação de
serviços públicos, com vistas à especialização da função definida em lei. Tal princípio
respalda nossa interpretação, na medida em que o Estado criou uma agência reguladora
especializada para setor de telecomunicações, em detrimento de uma estrutura genérica
estabelecida em lei (Lei 8.884/94).
Tendo amplamente justificado a interpretação de que a modalidade de
competência mais adequada seria a exclusiva, importa, por fim, esclarecermos como se dá a
vigência da Lei nº 8.884/94.
Pelo princípio da continuidade, do Direito Civil, a lei vige até que outra a
modifique ou revogue, sendo que, com o advento da nova lei, esta revogação, quanto à
extensão, pode denominar-se ab-rogação, quando total, e derrogação quando parcial.
Quanto à forma de atuação da revogação nos ensina Francisco Amaral52
que
a revogação por lei nova é expressa ou tácita, neste caso, quando as disposições novas forem
incompatíveis com as já existentes, ou regularem inteiramente a matéria de que tratava a lei
anterior. A incompatibilidade pode ocorrer entre lei geral e lei especial e vice-versa. No caso
em tela, importa observar que, como preleciona Caio Mario da Silva Pereira, a
incompatibilidade poderá surgir também no caso de disciplinar a lei nova, não toda, mas
51
CRETELLA JÚNIOR, José. Filosofia do direito administrativo. 1 ed. Forense: Rio de Janeiro, 1999, p. 104. 52
AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3. ed. rev,. aument..e atual. Renovar: Rio de Janeiro,
2000, p. 100.
53
apenas parte da matéria, antes regulada por outra, apresentando o aspecto de uma contradição
parcial.53
Ora, esta incompatibilidade é justamente o que se verifica no caso em tela,
já que com base nas regras de hermenêutica e embasados nos princípios constitucionais e
administrativos, vê-se uma patente incoerência entre o que dispõe o inciso XIX, do artigo 19,
da LGT e a Lei nº 8.884/94, que atribui à SDE, em seu artigo 14, inciso XII, competência
instrutória para receber e instruir os processos e que atribuiu à SEAE, em seu artigo 54, §. 6º,
competência para emitir parecer técnico em ato de concentração, e, em seu artigo 38, a
faculdade de se pronunciar em processo administrativo.
A primeira lei atribui competência exclusiva à ANATEL e rege
exaustivamente a matéria a ela afeta, senão sua redação seria diferente, para que não houve-se
incoerência gramatical entre esta norma e a Lei 8.884/94. Isso porque, quando foi necessário
definir a competência do CADE a lei o fez expressamente. Outra não poderia ser a
interpretação, sob pena também de se admitir sua incoerência histórica, finalística e lógica
com sistema legal do direito concorrencial, já que em dissonância com toda a principiologia
constitucional e administrativa aplicável à matéria.
Destarte, pode-se afirmar que houve, com o advento da lei especial, a
derrogação de parte da competência legal da SDE e SEAE, exatamente no que atine à
competência instrutória em matéria concorrencial no mercado de telecomunicações, vindo a
LGT reger totalmente este âmbito específico, afeto anteriormente, ao advento desta lei, aos
órgãos instrutórios do SBDC.
53
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. 1. 19 ed. rev. e atual. Editora Forense: Rio
de Janeiro, 1998. p. 84.
54
Frise-se, ademais, que a LGT é lei especial que veio disciplinar, quanto ao
mercado de telecomunicações, a Lei de Defesa da Concorrência, lei genérica, que em
momento algum apontou com esta incompatibilidade material, cingindo-se esta
incompatibilidade tão-somente ao âmbito procedimental ou formal. Desta forma, tratando-se
de questão formal e não material, mais liberdade possui o interprete para aplicar a
hermenêutica.
Isso porque, tanto no direito processual civil e ainda mais no direito
processual administrativo (regido por uma maior informalidade), busca-se a instrumentalidade
das formas em detrimento do excessivo formalismo. Podendo-se, deste modo, adequar o
procedimento a uma sistemática mais coerente com o sistema jurídico como um todo, torna-se
um poder-dever do Estado, ou melhor, do administrador, fazê-lo.54
Cabe, ademais, observar que, caso o Conselheiro-Relator, submetendo ao
Plenário do CADE, ou o próprio Plenário do CADE, conforme estabelecem, respectivamente,
os artigos 9º, inciso III e 7º, inciso IX, poderiam, caso entendessem necessário, por meio de
ofício, requerer à SDE e SEAE, informações, assim como poderiam fazer com relação a
qualquer pessoa, órgãos, autoridades e entidades públicas ou privadas. Deste modo, ao se
estabelecer exclusiva a competência da ANATEL para a instrução do caso, permite-se o
respeito ao sistema jurídico, sem que isto signifique a impossibilidade de se obter destas
secretarias, quando o CADE entender necessário, informações que se julgue necessário, assim
como poderia obter de qualquer outro órgão.
2.1.3 Posições divergentes
54
Veja-se, neste sentido, os artigos 154, do Código de Processo Civil, e 2º, inciso IX, da Lei 9.784/99.
55
Não obstante se tenha concluído, no presente trabalho, excluídas as
competências da SDE e da SEAE, com o advento da LGT, grande parte da doutrina e a
inclinação hodierna da jurisprudência têm sido pela competência concorrente. Observemos o
que entende, a este respeito, Ana Maria de Oliveira Nusdeo:
“Deve ser observado, por outro lado, que ao transferir as competências da
SDE e da SEAE para a ANATEL, em momento algum fala a Lei 9.472, de
1997, em exclusividade. Desse modo, deve ser entendido que as
competências da SDE e da SEAE foram mantidas, residualmente, com
relação ao setor de telecomunicações.
[...]
A sobreposição de esferas administrativa, nesse sentido, longe de ser um
mal, gerador de dificuldades burocráticas e operacionais, apresenta-se como
uma vantagem do sistema, proporcionando que a intervenção dos órgãos de
defesa da concorrência se coloque como uma instância revisora das decisões
ou omissões no âmbito das agências reguladoras, de maneira a corrigir
eventual ‘contaminação’ que as agências possam sofrer em decorrência da
influência direta das empresas do setor.”55
Com efeito, em que pese a inegável proficiência da autora na matéria
devemos discordar de seu posicionamento. A um, porque, como acima demonstrado, não
precisa haver revogação expressa, podendo esta ser tácita, quando há incompatibilidade ou
incoerências entre as normas, como se verifica no caso em tela.
A dois, porque entendemos que ao invés de atuar como instância revisora,
estes órgãos atuariam de forma a emperrar o escorreito andamento do processo. Isso porque,
na prática, como já visto, veríamos seis pareceres no mesmo processo e sete entes se
pronunciando: um da SDE, um da SEAE, um da Procuradoria da ANATEL, um da ANATEL,
um da Procuradoria do CADE e um do Ministério Público Federal. Além disso, por fim, ainda
haveria a análise e julgamento do caso pelo CADE, sendo que este exerce a reclamada função
55
NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Agências Reguladoras e Concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari. (org.)
Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 181 e 189.
56
de instância revisora, já que após a instrução seria responsável pela função judicante, dando a
decisão final.56
A três, porque esta eventual “contaminação” passaria pelo crivo da
Procuradoria do CADE e do Ministério Público Federal e ainda pelo próprio CADE. Tendo
em vista que a matéria seria revista ainda três vezes, isto estaria plenamente apreciado. Além
do fato de que não se poderia, estendo-se este raciocínio, garantir que também a SDE e a
SEAE não fossem “contaminadas”, vindo na realidade tumultuar o processo e não agregar, até
porque são tidos como órgãos dotados de uma especialidade inferior quanto a esta matéria.
Ronaldo Porto Macedo corrobora tal entendimento, conforme se observa da
leitura de despacho por ele proferido em Pedido de Medida Preventiva em que são
Requerentes Embratel e Intelig:
“A lei que cria a ANATEL em momento algum revogou expressamente a
competência dos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa para atuarem no
setor de telecomunicações. Não houve delegação ou avocação.
[...]
É de se observar que a ressalva feita ao CADE indica que não existe
competência da ANATEL para o exercício das funções judicantes próprias
do CADE. A lei apenas cometeu à ANATEL competências para o exercício
das atividades instrutórias e de fiscalização. Ao fazê-lo, diga-se de
passagem, não estabeleceu sequer que sua competência seria privativa ou
exclusiva.
O sistema jurídico brasileiro admite inúmeras hipóteses de competência (ou
atribuição) concorrente de órgãos da administração para o desempenho de
funções, não sendo razoável supor que a mera justaposição de competências
seria ilegal e, portanto, imporia o acolhimento de que teria ocorrido a
revogação tácita da competência de um órgão sempre que outro passasse a
ter competência legal para o exercício de parcela das funções originalmente
cometidas a apenas um deles.”57
Como já observado, não precisa haver revogação expressa, podendo esta ser
tácita, quando há incompatibilidades ou incoerências entre as normas, o que se verifica no
caso em tela. Ademais, frise-se, que a revogação tácita não se dá pela mera justaposição de
56
Ressalve-se, ademais, a competência do Poder Judiciário, para rever a matéria, decorrente do princípio da
57
competências, o que poderia ocorrer, caso não implicasse uma incoerência lógica com todo o
sistema jurídico correlato.
Este tem sido o entendimento jurisprudencial adotado pelo CADE em outros
julgados também. Cite-se, dentre eles, o Processo Administrativo nº 53500.000359/99, o Ato
de Concentração nº 08012.004550/99-11 e o Ato de Concentração nº 08012.006762/2000-09.
Caso admita-se, apenas por hipótese, que a concorrência seja concorrente,
não tendo havido, assim, a revogação da competência dos órgãos instrutórios da defesa da
concorrência (SDE e SEAE), dever-se-ia sujeitar inicialmente e preferencialmente à
ANATEL a tarefa de realizar a análise de condutas, bem como a instrução dos procedimentos
de análise de estruturas de mercado.
Isso porque, não obstante se considere que, tanto a ANATEL, como a SDE
e a SEAE, teriam competência instrutória, ilógico seria exigir que em todos os casos o
processo fosse submetido à análise de ambos. Dever-se-ia invocar a manifestação dos outros
(SDE e SEAE), tão somente, no caso concreto em que sua necessidade fosse suscitada e
requerida, seja pela administração, seja pelo administrado.
Esta lógica procedimental, ou seja, suscitar a manifestação da SDE e da
SEAE quando estritamente necessário, estaria em perfeita sintonia com a idéia de criação das
agências reguladoras e sua especificidade, além de estar em sintonia com os já citados
princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos (razoabilidade,
economia processual, celeridade e especialidade).
dualidade de jurisdição, contida no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. 57
Processo Administrativo nº 08700.001498/2002-23, p. 8.
58
Isso porque seria incoerente abrir desnecessariamente (e por isso
preferencialmente, concebendo-se concorrente a competência, já que, se exclusiva, seria
necessariamente e unicamente pela a ANATEL) a possibilidade para que ambos (ANATEL e
órgãos instrutórios de defesa da concorrência) analisassem a mesma matéria.
2.1.4. Do mercado relevante afeto à competência
Deve-se, por fim, delimitar qual seria o campo de incidência da competência
instrutória da ANATEL, seja se concebendo a competência como exclusiva, seja como
concorrente.
Frise-se que a incidência de competência da ANATEL não se deve
simplesmente pelo fato de as empresas envolvidas prestarem serviço de telecomunicações,
mas pelo fato de ser o mercado ou um dos mercados relevantes, a que se refere a análise do
caso concreto, o serviço de telecomunicações.
Esta é a teleologia que se infere da leitura do artigo 1º, da Lei Geral de
Telecomunicações, corroborado pelos artigos 6º, 7º e 19, XIX da referida lei. Vejamos:
“Art. 1° Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos
das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar
a exploração dos serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o
disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos
serviços e da implantação e funcionamento de redes de
telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro
de radiofreqüências.” (grifo nosso)
A definição legal de serviço de telecomunicações também está disciplinada
na Lei Geral de Telecomunicações:
59
“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que
possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo
eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons
ou informações de qualquer natureza.
§ 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou
aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de
telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as
instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.”
(grifo nosso)
Verifica-se que as normas insertas na LGT e que aludem à ordem
econômica e, em especial, à defesa da concorrência, fazem expressa e restrita referência ao
setor de telecomunicações. Destarte, embora, por exemplo, o art. 7º, § 1º, da LGT faça alusão
a atos de concentração envolvendo prestadoras do serviço de telecomunicações, tanto a
ANATEL como o CADE vêm entendendo que, para a configuração de incidência da
competência para a análise de atos ou condutas, não é condição o fato de uma das empresas
envolvidas no ato ser prestadora de tal serviço. O que se requer é a presença, na operação, do
mercado relevante de telecomunicações. Neste sentido, inclinam-se o Ato de Concentração nº
08012.011890/99-99, o Ato de Concentração nº 08012.005536/99-25 e a Representação nº
08700.003431/2001-31.
Pode, ademais, ocorrer hipótese na qual se verifique que, em uma mesma
análise de controle de estrutura ou conduta, estejam envolvidos, tanto o mercado de
telecomunicações, como um outro qualquer, que não esteja adstrito a este mercado específico
definido na Lei Geral de Telecomunicações.
Com base no que fora acima exposto e escolmado principalmente nos
princípios constitucionais e administrativos supracitados, havendo, no caso concreto, o
envolvimento do mercado de telecomunicações, o caso deveria ser apresentado primeiramente
60
à ANATEL, em respeito ao princípio da especialidade, para que esta possa observar e analisar
tanto os aspectos regulatórios, como os concorrenciais envolvidos.
Isso porque como extensamente demonstrado, a legislação pátria dá
tratamento especial a este setor. Destarte, não se pode cogitar que, em casos envolvendo o
mercado de telecomunicações, esta Agência Reguladora, instituída para este fim, não se
pronuncie sobre o caso, antes de julgamento pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica.
Após o pronunciamento da ANATEL, verificando esta que o caso concreto
envolve outros setores, além do setor de telecomunicações, cumpre a ela requerer e
encaminhar os autos ao pronunciamento da Secretaria de Direito Econômico e da Secretaria
de Acompanhamento Econômico para que procedam a instrução do caso, quanto aos demais
mercados envolvidos, para posteriores pareceres. Somente após esta completa análise
instrutória é que os autos deveriam ser encaminhados ao CADE.
Verificando a Agência que, no caso concreto, a análise cinge-se, tão
somente, ao mercado de telecomunicações, após sua instrução, deverá remeter os autos
imediatamente ao CADE. Caso a Agência entenda que não há outro mercado relevante
envolvido, mas o CADE compreenda de modo diverso, este, quando os autos estiverem sob
sua apreciação, deverá encaminhá-los aos órgãos instrutórios do SBDC.
2.1.5. Controle de estruturas de mercado
Realizada a interpretação de competência exclusiva do órgão regulador do
mercado de telecomunicações que é a mais escorreita com base nas regras de hermenêutica,
61
escolmadas nos princípios constitucionais e administrativos aplicáveis, cumpre demonstrar
qual o atual panorama legal que institui as competências do SBDC e da ANATEL para análise
de controle de estruturas de mercado. Ater-se-á à análise dos instrumentos legais, previstos na
Lei 8.884/94, que são relevantes para a análise do sumidouro de tráfego.
Frise-se, ainda, que será observado como seria a disposição destas
competências, admitindo, por hipótese, que pudesse haver competência concorrente entre a
ANATEL e os órgãos instrutórios do SBDC.
2.1.5.1. Atos de concentração
Consoante dispõe o artigo 7º, inciso XII da Lei de Defesa da Concorrência,
Lei nº 8.884/94, compete ao Plenário do CADE apreciar os atos, sob qualquer forma
manifestados, sujeitos à aprovação nos termos do artigo 54, desta lei.58
Destarte, os atos que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre
concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços deverão,
caso subsumidos à hipótese do § 3º (resulte em 20% de participação de mercado da empresa
ou grupo de empresas ou qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual
58
“Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a
livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser
submetidos à apreciação do CADE.
[...]
§ 3º. Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica,
seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de
empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de
empresas resultante em 20% (vinte por cento) de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes
tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos
milhões de reais).
§ 4º. Os atos de que trata o caput deverão ser apresentados para exame, previamente ou no prazo máximo de
quinze dias úteis de sua realização, mediante encaminhamento da respectiva documentação em três vias à
SDE, que imediatamente enviará uma via ao CADE e outra à SEAE.”
62
no último balanço equivalente a R$ 400.000.000,00), ser apresentados para apreciação do
CADE.59
Tal entendimento está corroborado pelo artigo 1º da Resolução nº 15 do
CADE, que disciplina as formalidades e os procedimentos no CADE, relativos aos atos de
que trata o artigo 54, da Lei nº 8.884/94.
Determina o parágrafo 6º, do artigo 54, da Lei nº 8.884/94, que a SEAE
elaborará parecer técnico, encaminhando, após, à SDE para elaboração de sua manifestação.
Assim como à SDE e ao CADE, será uma via da documentação encaminhada à SEAE.
A Lei nº 8.884/94 atribui à SDE, em seu artigo 14, inciso XII60
,
competência instrutória genérica para receber e instruir os processos. O parágrafo 6º, do artigo
54, dispõe que a SDE manifestar-se-á em 30 dias, encaminhando o processo devidamente
instruído ao Plenário do CADE para deliberação. Com efeito, este parágrafo define a
competência instrutória da Secretaria de Direito Econômico para Atos de Concentração.
Frise-se que, conforme se observa do parágrafo 4º do artigo 54 uma via dos documentos deve
ser remetida à SDE.
Corrobora esta disciplina, o artigo 1º, da Resolução nº 8 do CADE,
explicitando que o processo será devidamente recebido instruído pela Secretaria de Direito
Econômico, nas hipóteses de Ato de Concentração.
59 No ato de apresentação devem ser submetidas duas vias à ANATEL, quando envolva o mercado de
telecomunicações – uma delas será imediatamente dirigida ao CADE e a outra será utilizada pela ANATEL,
com posterior remessa ao CADE, caso envolva somente o mercado de telecomunicações, ou à SDE que depois
remeteria ao CADE, quanto envolva mercado diverso do de telecomunicações, seguindo-se a lógica processual
acima definida – ou três vias à SDE, quando não envolva o mercado de telecomunicações – uma delas será
imediatamente dirigida ao CADE e outra à SEAE, a terceira será utilizada pela SDE, com posterior remessa ao
CADE destes os autos devidamente instruídos com os dois pareceres. 60
“Art. 14. Compete à SDE:
63
Quanto aos processos de competência da ANATEL, a sistemática utilizada é
semelhante, ou seja, o CADE é competente, após a análise instrutória, para apreciar o Ato de
Concentração. É o que disciplina a Lei Geral de Telecomunicações61
em seu artigo 7º e 97 e
os artigos 2º, 61 e 64 da Norma nº 7 da ANATEL.62
Conforme se observa, a LGT determina que é aplicável ao setor de
telecomunicações o disposto nesta lei, sendo impostas as normas gerais de proteção à ordem
econômica, quando não conflitarem com ela. Destarte, estabelece que os atos de concentração
ficam submetidos ao controle estrutural das normas gerais de proteção à ordem econômica,
devendo ser submetidos à apreciação do CADE, após a análise do órgão regulador e a
elaboração de parecer técnico.
[...]
XII - receber e instruir os processos a serem julgados pelo CADE, inclusive consultas, e fiscalizar o
cumprimento das decisões do CADE”. 61
Dispõe a LGT:
“Art. 7° As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando
não conflitarem com o disposto nesta Lei.
§ 1º Os atos envolvendo prestadora de serviço de telecomunicações, no regime público ou privado, que visem a
qualquer forma de concentração econômica, inclusive mediante fusão ou incorporação de empresas,
constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário,
ficam submetidos aos controles, procedimentos e condicionamentos previstos nas normas gerais de proteção à
ordem econômica.
§ 2° Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica - CADE, por meio do órgão regulador.
Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução
do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário.
Parágrafo único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em
risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7° desta Lei.” 62
Dispõe a Norma 7 da ANATEL:
“Art. 2º. Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle, prevenção
e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações:
[...]
XI – receber e instruir os processos a serem julgados pelo CADE que envolvam prestadora de serviço de
telecomunicações e fiscalizar o cumprimento das decisões do CADE;
XII – elaborar parecer sobre os atos e contratos de que trata o art. 54, da Lei nº 8.884/94, que envolvam
prestadora de serviço de telecomunicações.
Art. 61. Os atos de que trata o artigo 54, da Lei nº 8.884/94, envolvendo prestadora de serviço de
telecomunicações, deverão ser submetidos à apreciação do CADE, por meio da Anatel, nos termos e prazos
estabelecidos pela Norma nº 4/98 da Anatel.
Art. 64. O Conselho Diretor da Anatel se manifestará em sessenta dias, contados do recebimento da
documentação nos termos da Norma nº 4/98 da Anatel, em seguida encaminhará o processo devidamente
instruído ao Plenário do CADE.”
64
A norma 7 da ANATEL vem disciplinar esta questão mais detalhadamente
em seus artigos 2º, 61 e 64. Frise-se que uma via da documentação apresentada à ANATEL
será encaminhada ao CADE, consoante determina o artigo 63, da Norma 7 da ANATEL.
Observa-se, que nos setores diversos do de telecomunicações, a análise
técnica deverá ser realizada pela SEAE e pela SDE, devendo ser submetido ao CADE para
julgamento. No setor de telecomunicações, esta análise instrutória e a elaboração do parecer
técnico serão realizadas pela ANATEL.
Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a
SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,
tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos
(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se
inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL.
Observe-se, ainda, que com base no disposto no artigo 3º, da Norma 7 da
ANATEL63
, deve-se observar que a ANATEL, em cotejo com os artigo 19, XXV e 97, da
LGT, reserva para sua competência exclusiva matéria relativa a regulação.
2.1.5.2. Compromisso de desempenho
63
“Art. 3º. As condutas, atos ou contratos que implicarem descumprimento de legislação ou regulamentação
específica do setor de telecomunicações, de contrato de concessão, de termo de permissão ou de ato ou temo
de autorização, serão julgadas pela Anatel que implicará as sanções correspondentes, não cabendo das suas
decisões recurso ao CADE, segundo estabelecido pelo inciso XXV, do art. 19, da Lei nº 9.4712/97.
§ 1º. As condutas, atos e contratos mencionados neste artigo que configurem hipótese de infração à ordem
econômica nos termos dos arts. 20, 21, da Lei, ou ato previsto no art. 54, da mesma Lei, serão submetidos, por
meio da Anatel, também à apreciação do CADE, para julgamento no âmbito de sua competência.
§ 2º. É responsabilidade dos celebrantes do ato previsto no art. 54, da Lei nº 8.884/94, solicitar, por meio da
Anatel, a apreciação do CADE.”
65
O CADE possui a faculdade de celebrar e aprovar os termos de
compromisso de desempenho, assinados pelo Presidente do CADE, bem como pode
determinar que a SDE fiscalize seu cumprimento, consoante dispõe o artigo 7º, VI, XII e 8º,
VII. da Lei nº 8.884/94. O Compromisso de Desempenho encontra-se disciplinado pelo artigo
58, da Lei Antitruste64
.
A SDE possui, portanto, competência para sugerir compromisso de
desempenho e fiscalizar o seu cumprimento (artigo 14, X, da Lei Antitruste).
Quanto ao setor de telecomunicações, a sistemática é muito semelhante,
tendo a ANATEL competência para sugerir compromisso de desempenho e fiscalizar e
acompanhar o seu cumprimento (artigo 2º, IX e 67 da LGT), cabendo ao CADE a
competência para celebrá-lo e aprová-lo.
Entendendo-se que haveria competência concorrente, tanto a SDE como a
ANATEL teriam competência para, no setor de telecomunicações, sugerir o compromisso de
desempenho e fiscalizar o seu cumprimento.
2.1.6. Controle de condutas que ocasionem infrações á Ordem Econômica
Partindo-se igualmente da interpretação de competência exclusiva do órgão
regulador do mercado de telecomunicações, cumpre demonstrar qual o atual panorama legal
que institui as competências do SBDC e da ANATEL para análise de controle de condutas. É
importante observar que, assim como realizado na análise de estruturas, ater-se-á à análise dos
64
“Art. 58. O Plenário do Cade definirá compromissos de desempenho para os interessados que submetam atos a
exame na forma do art. 54, de modo a assegurar o cumprimento das condições estabelecidas no § 1º do referido
artigo. (Vide Lei nº 9.873, de 23.11.99)”
66
instrumentos legais, previstos na Lei 8.884/94, que são relevantes para a análise do sumidouro
de tráfego.
Frise-se, ainda, que será observado como seria a disposição destas
competências, admitindo, por hipótese, que pudesse haver competência concorrente entre a
ANATEL e os órgãos instrutórios do SBDC.
2.1.6.1. Averiguações preliminares
A Lei nº 8.884/94 estabelece a competência do Secretaria da Direito
Econômico relativa à averiguação preliminar em seu artigo 1465
. Observa-se, pois, que a SDE
terá competência genérica para promover as averiguações preliminares. Entendendo haver
indícios suficientes, promoverá a instauração do processo administrativo. Em caso contrário
determinará o arquivamento da averiguação preliminar, devendo recorrer de ofício ao CADE.
O CADE é competente para decidir os recursos de ofício do Secretário da SDE (artigo 7º, IV,
da Lei nº 8.884/94).
65
“Art. 14. Compete à SDE:
[...]
III - proceder, em face de indícios de infração da ordem econômica, a averiguações preliminares para instauração
de processo administrativo;
IV - decidir pela insubsistência dos indícios, arquivando os autos das averiguações preliminares;
[...]
VII - recorrer de ofício ao CADE, quando decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do
processo administrativo.
Art. 30. A SDE promoverá averiguações preliminares, de ofício ou à vista de representação escrita e
fundamentada de qualquer interessado, das quais não se fará qualquer divulgação, quando os indícios de
infração da ordem econômica não forem suficientes para instauração imediata de processo administrativo.
§ 1º. Nas averiguações preliminares, o Secretário da SDE poderá adotar quaisquer das providências previstas no
art. 35, inclusive requerer esclarecimentos do representado.
§ 2º. A representação de Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas Casas, independe de
Averiguações Preliminares, instaurando-se desde logo o processo administrativo.
Art. 31. Concluídas, dentro de sessenta dias, as averiguações preliminares, o Secretário da SDE determinará a
instauração do processo administrativo ou o seu arquivamento, recorrendo de ofício ao CADE neste último
caso.”
67
A Portaria nº 849 do Ministério da Justiça reproduz a disciplina esculpida
nos artigos da Lei nº 8.884/94, principalmente em seus artigos 7º e 1066
.
O artigo 35-A67
da Lei de Defesa da Concorrência, em seus parágrafos, abre
a possibilidade da SEAE atuar conjuntamente com a SDE, não obstante ser desta
precipuamente a competência instrutória.
No que atine ao setor de telecomunicações, o artigo 19, inciso XIX, da LGT
estabelece competência para exercer controle, prevenção e repressão das infrações da ordem
econômica. Entretanto, esta lei não disciplina exaustivamente o procedimento das
averiguações preliminares. A disciplina procedimental encontra-se em norma infralegal,
estabelecida nos artigos da norma 7 da ANATEL.68
66
“Art. 7º A SDE promoverá averiguações preliminares de ofício ou à vista de representação escrita e
fundamentada de qualquer interessado, quando os indícios de infração à ordem econômica não forem suficientes
para a imediata instauração do processo administrativo. 67
“Art. 35-A. A Advocacia-Geral da União, por solicitação da SDE, poderá requerer ao Poder Judiciário
mandado de busca e apreensão de objetos, papéis de qualquer natureza, assim como de livros comerciais,
computadores e arquivos magnéticos de empresa ou pessoa física, no interesse da instrução do procedimento,
das averiguações preliminares ou do processo administrativo, aplicando-se, no que couber, o disposto no art.
839 e seguintes do Código de Processo Civil, sendo inexigível a propositura de ação principal. (Artigo incluído
pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000)
§ 1o No curso de procedimento administrativo destinado a instruir representação a ser encaminhada à SDE,
poderá a SEAE exercer, no que couber, as competências previstas no caput deste artigo e no art. 35 desta Lei.
(Parágrafo incluído pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000)
§ 2o O procedimento administrativo de que trata o parágrafo anterior poderá correr sob sigilo, no interesse das
investigações, a critério da SEAE. (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000)” 68
“Art. 2º. Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle,
prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações.
[...]
II – proceder, em face de indícios da infração da ordem econômica no setor de telecomunicações, a averiguações
preliminares para instauração de processo administrivo;
III – decidir pela insubsistência dos indícios, arquivamento os autos das averiguações preliminares;
VI – recorrer de ofício ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), quando decidir pelo
arquivamento das averiguações preliminares ou do processo administrativo.
Art. 11. A Anatel promoverá averiguações preliminares, das quais não se fará qualquer divulgação, de ofício ou
à vista de representação escrita e fundamentada de qualquer interessado, quando os indícios de infração não
forem suficientes para instauração imediata de processo adminstrativo.
Art. 13. O Superintendente Executivo dará ciência da representação ao Superintendente da Superintendência que
acompanha a prestação do serviço envolvido nas atividades objeto da representação que, se for pertinente,
instaurará averiguações preliminares, responsabilizando-se pela sua instrução e pela designação da equipe de
trabalho que o assistirá na elaboração de parecer técnico que submeterá à apreciação do Superintendente
Executivo.
68
Observa-se, pois, que a sistemática definida pela Agência Reguladora é
basicamente a mesma aplicável aos outros setores. A ANATEL terá competência para
promover as averiguações preliminares. Entendendo haver indícios suficientes, promoverá a
instauração do processo administrativo. Em caso contrário determinará o arquivamento das
averiguações preliminares, devendo recorrer de ofício ao CADE.
Não obstante o artigo 7º, IV, da Lei nº 8.884/94 determinar que o CADE é
competente para decidir os recursos de ofício do Secretário da SDE, deve-se entender que tal
dispositivo se estende aos recursos de ofício do Superintendente Executivo, até porque há
norma infralegal (artigo 16, da Norma 7 da ANATEL) disciplinando desta forma a
competência do CADE para apreciar tais recursos.
Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a
SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,
tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos
(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se
inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser a
averiguação preliminar instaurada por esta Agência.
2.1.6.2. Processo administrativo
Consoante observado acima, caso o Secretário de Direito Econômico ou
Superintendente Executivo da ANATEL encontrem indícios de infração à ordem econômica
Art. 16. Recebido o parecer ao que faz referência o art. 13, o Superintendente Executivo, em decisão
fundamentada, determinará o encerramento das averiguações preliminares e a instauração de processo
administrativo de proteção à ordem econômica se presentes indícios de infração à ordem econômica ou seu
arquivamento, recorrendo a Anatel de ofício ao CADE neste último caso.”
69
suficientes ou haja representação da Comissão do Congresso Nacional, ou de qualquer de suas
Casas, será instaurado o processo administrativo.
Compete ao CADE, conforme dispõe o artigo 7º, incisos II e III, decidir
sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei,
decidindo os processos instaurados pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da
Justiça. É como disciplina a Lei nº 8.884/94 em seus artigos 46 e 5069
.
Também neste caso, deve-se entender que tal dispositivo se estende aos
processos instaurados pelo Superintendente Executivo, até porque há norma infralegal
(Norma 7 da ANATEL) disciplinando desta forma a competência do CADE para decidir
nestes processos.
A Lei Antitruste70
e a Portaria 84971
, do Ministério da Justiça, definem a
competência instrutória da SDE no que atine ao Processo Administrativo. Após a instrução e
69
“Art. 46. A decisão do Cade, que em qualquer hipótese será fundamentada, quando for pela existência de
infração da ordem econômica, conterá:
I - especificação dos fatos que constituam a infração apurada e a indicação das providências a serem tomadas
pelos responsáveis para fazê-la cessar;
II - prazo dentro do qual devam ser iniciadas e concluídas as providências referidas no inciso anterior;
III - multa estipulada;
IV - multa diária em caso de continuidade da infração.
Parágrafo único. A decisão do Cade será publicada dentro de cinco dias no Diário Oficial da União.
Art. 50. As decisões do Cade não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, promovendo-se, de
imediato, sua execução e comunicando-se, em seguida, ao Ministério Público, para as demais medidas legais
cabíveis no âmbito de suas atribuições.” 70
“Art. 14. Compete à SDE:
[...]
VI - instaurar processo administrativo para apuração e repressão de infrações da ordem econômica;
VII - recorrer de ofício ao Cade, quando decidir pelo arquivamento das averiguações preliminares ou do
processo administrativo;
VIII - remeter ao Cade, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender configurada infração da
ordem econômica;
[...]
XII - receber e instruir os processos a serem julgados pelo Cade, inclusive consultas, e fiscalizar o cumprimento
das decisões do Cade;
Art. 32. O processo administrativo será instaurado em prazo não superior a oito dias, contado do conhecimento
do fato, da representação, ou do encerramento das averiguações preliminares, por despacho fundamentado do
Secretário da SDE, que especificará os fatos a serem apurados.
Art. 39. Concluída a instrução processual, o representado será notificado para apresentar alegações finais, no
prazo de cinco dias, após o que o Secretário de Direito Econômico, em relatório circunstanciado, decidirá pela
70
elaboração de nota técnica o processo é remetido ao CADE para julgamento. Caso se entenda
pelo arquivamento o Secretário de Direito Econômico recorrerá de ofício ao CADE.
A SEAE também possui competência instrutória nos processos
administrativos julgados pelo CADE é o que dispõe os artigos 35-A e 38 da Lei de Defesa da
Concorrência72
e o artigo 24 da Portaria 849 do Ministério da Justiça73
. Entretanto, consoante
dispõe o artigo 38, da Lei Antitruste, sua manifestação não é obrigatória.
No setor de telecomunicações, a questão é disciplinada pela Lei 9.472/97,
artigo 19, inciso XIX, e pelo Decreto 2.338/97, artigo 16, que estabelecem competência à
ANATEL para exercer controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica. O
artigo 7º, § 3º da LGT estabelece que praticará infração da ordem econômica a prestadora de
serviço de telecomunicações que, na celebração de contratos de fornecimento de bens e
serviços, adotar práticas que possam limitar, falsear ou, de qualquer forma, prejudicar a livre
concorrência ou a livre iniciativa. Em consonância com esta disciplina está o que dispõe o
artigo 18, do Decreto 2.338/9774
.
remessa dos autos ao Cade para julgamento, ou pelo seu arquivamento, recorrendo de ofício ao Cade nesta
última hipótese.” 71
“Art. 25. Os interrogatórios, declarações, acareações, reconhecimentos de pessoas ou coisas, laudos, inspeções
e quaisquer outras diligências, deverão ser reduzidos a termo e juntados aos autos do processo administrativo.
Art. 26. Concluída a instrução processual, será elaborado relatório sucinto dos atos do processo e indicadas as
conclusões preliminares da Secretaria relativas aos fatos apurados, devendo o Secretário da SDE, acolhida nota
técnica de responsabilidade do DPDE, notificar o representado para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar
alegações finais.” 72
“Art. 24. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda SEAE será informada pela
autoridade da instauração do processo administrativo para, querendo, emitir parecer sobre o objeto do
processo.
Parágrafo único. A SEAE será informada sobre o andamento do processo, para que a sua manifestação, se
houver, seja encaminhada antes do encerramento da instrução processual.” 73
“Art. 24. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda SEAE será informada pela
autoridade da instauração do processo administrativo para, querendo, emitir parecer sobre o objeto do
processo.
Parágrafo único. A SEAE será informada sobre o andamento do processo, para que a sua manifestação, se
houver, seja encaminhada antes do encerramento da instrução processual.” 74
“Art.18. No exercício das competências em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações à ordem
econômica, que lhe foram conferidas pelos art. 7º, § 2º, e 19, inciso XIX, da Lei nº. 9.472, de 1997, a Agência
71
O procedimento aplicável a esta matéria é discriminado pela Norma 7 da
ANATEL75
. É competência da ANATEL instaurar processo administrativo para a apuração e
repressão de infrações contra a ordem econômica. Após o parecer da Agência, esta remeterá
os autos ao CADE para julgamento e, se entender pelo arquivamento, recorrerá de ofício ao
CADE.
Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a
SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,
tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos
(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se
inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser o processo
administrativo, assim como no caso da averiguação preliminar, instaurado por esta Agência.
2.1.6.3. Medida preventiva
observará as regras procedimentais estabelecidas na Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994, e suas alterações,
cabendo ao Conselho Diretor a adoção das medidas por elas reguladas.
Parágrafo único. Os expedientes instaurados e que devam ser conhecidos pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica - CADE ser-lhe-ão diretamente encaminhados pela Agência.” 75
“Art. 2.º Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle,
prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações:
[...]
V - instaurar, de oficio ou mediante representação, processo administrativo para apuração e repressão de
infrações da ordem econômica;
VI - recorrer de ofício ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), quando decidir pelo
arquivamento das averiguações preliminares ou do processo administrativo;
VII - remeter ao CADE, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender configurada infração da
ordem econômica;
[...]
XI - receber e instruir os processos a serem julgados pelo CADE que envolvam prestadora de serviço de
telecomunicações e fiscalizar o cumprimento das decisões do CADE;
Art. 23. A Anatel poderá instaurar processo administrativo destinado a apurar infração contra a ordem
econômica prevista na Lei n.º 8.884/94 e, em particular, a adoção de condutas colusivas ou restritivas à livre
concorrência, diante da verificação, entre outros, dos seguintes indícios:
Art. 46. Concluída a instrução processual, o representado será notificado para apresentar alegações finais, no
prazo de cinco dias, após o que o Conselho Diretor, com ou sem manifestação do representado, em relatório
circunstanciado, decidirá pela remessa dos autos ao CADE para julgamento, ou pelo seu arquivamento,
recorrendo de ofício ao CADE nesta última hipótese, considerando o disposto no art. 3° desta norma.”
72
Compete ao Conselheiro-Relator do CADE adotar medidas preventivas,
fixando o valor de multa diária pelo seu descumprimento, competindo ao Plenário do CADE
apreciar em grau de recurso (recurso voluntário) as medidas preventivas adotadas pela SDE
ou pelo Conselheiro-Relator (artigo 7º, VII e 9º, IV, Lei nº 8.884/94). A medida preventiva
encontra-se disciplinado pelo artigo 52 da Lei Antitruste76
.
Compete, portanto, à SDE adotar medidas preventivas que conduzam à
cessação de prática que constitua infração contra a ordem econômica, fixando prazo para seu
cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento (artigo 14,
XI, da Lei Antitruste). Corrobora e disciplina esta sistemática a Portaria 849,do Ministério da
Justiça.77
No setor de telecomunicações, a questão está disciplinada somente por
norma infralegal, não tendo a Lei Geral de Telecomunicações ou outra lei ou decreto previsto
76
“Art. 52. Em qualquer fase do processo administrativo poderá o Secretário da SDE ou o Conselheiro-Relator,
por iniciativa própria ou mediante provocação do Procurador-Geral do Cade, adotar medida preventiva,
quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente, cause ou possa causar
ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo.
§ 1º Na medida preventiva, o Secretário da SDE ou o Conselheiro-Relator determinará a imediata cessação da
prática e ordenará, quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos
termos do art. 25.
§ 2º Da decisão do Secretário da SDE ou do Conselheiro-Relator do Cade que adotar medida preventiva caberá
recurso voluntário, no prazo de cinco dias, ao Plenário do Cade, sem efeito suspensivo.” 77
“Art. 37. Em qualquer fase do processo administrativo, poderá o Secretário da SDE, em despacho
fundamentado, adotar medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado
direta ou indiretamente cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne
ineficaz o resultado final do processo.
§ 1o Na medida preventiva, o Secretário da SDE determinará a imediata cessação da prática e ordenará, quando
materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos termos do art. 25 da Lei nº
8.884, de 1994.
Art. 38. Se o representado não cumprir a ordem de cessação, o Secretário da SDE poderá requerer à Advocacia-
Geral da União que pleiteie ordem judicial para a efetivação da medida.
Art. 39. O Secretário da SDE poderá revogar a medida preventiva se, no curso das investigações, revelarem-se
insubsistentes os pressupostos que lhe serviram de fundamento.”
73
esta medida. Insta, pois, observar o que dispõe os artigos 2º, X, 49, 50 e 54, da norma 7 da
ANATEL.78
A adoção de medida preventiva possui algumas peculiaridades, face à
possibilidade de poder ser concedida ou revogada em qualquer fase do processo seja pelo
CADE, seja pela SDE ou pela ANATEL (quando tratar do setor de telecomunicações).
Carlos Ari Sundfeld nos aponta os caminhos que melhor norteiam a
possibilidade de adoção de medida preventiva no setor de telecomunicações. Ademais, é
mister frisar que suas conclusões amoldam-se com perfeição à norma geral da concorrência,
face à similitude da disciplina legal destes sistemas jurídicos (conforme se pode verificar na
análise acima).
Em parecer de sua lavra, o citado professor responde ao problema de que, se
na hipótese da negativa de medida preventiva à ANATEL, em representação por infração das
78
“Art. 2.º Sem prejuízo de suas outras atribuições, é de competência da Anatel em matéria de controle,
prevenção e repressão das infrações da ordem econômica no setor de telecomunicações:
[...]
X - adotar medidas preventivas que conduzam à cessação de prática que constitua infração da ordem econômica,
fixando prazo para seu cumprimento e o valor da multa diária a ser aplicada, no caso de descumprimento;
Art. 49. Em qualquer fase do processo administrativo, a Anatel poderá, por decisão do Conselho Diretor, adotar
medida preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta ou indiretamente,
cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou torne ineficaz o resultado final
do processo.
Parágrafo único. Em caso de risco iminente, a medida preventiva poderá ser adotada sem a prévia manifestação
do representado.
Art. 50. Na medida preventiva, o Conselho Diretor determinará a imediata cessação da prática e ordenará,
quando materialmente possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária, pelo descumprimento da
medida preventiva, nos termos do art. 25, da Lei n.º 8.884/94.
§ 1.º A ordem deverá ser fundamentada e comunicada imediatamente ao representado e a seu advogado, se for o
caso, feita pelo correio, com aviso de recebimento em nome próprio, ou, não tendo êxito a notificação postal,
por edital publicado no Diário Oficial da União.
§ 2.º A decisão de aplicação da medida preventiva será publicada no Diário Oficial e comunicada ao CADE.
§ 3.º Determinada a medida preventiva, os autos do processo administrativo permanecerão na Anatel,
assegurando ao representado o direito de vista aos autos nas dependências da Anatel.
Art. 54. O Conselho Diretor da Anatel poderá revogar a medida preventiva se, no curso das investigações,
revelaram-se insubsistentes os pressupostos que serviram de fundamento à ordem, comunicando ao CADE a
providência tomada.”
74
normas da Lei nº 8.884/94, ocorre preclusão ou a medida poder ser adotada posteriormente
por outra forma:
“Existe a possibilidade de adoção de medida preventiva por infração das
normas da Lei 8.884/94, mesmo após esta ter sido negada pela ANATEL. A
viabilidade da adoção de medida preventiva não se esgota numa única
análise, ainda mais quando realizada por órgãos que exerce função
instrutória nos processo (papel desempenhado, no caso, pela ANATEL). As
medidas preventivas admitidas no processo de proteção da concorrência da
Lei 8.884/94, a exemplo do que ocorre com as medidas acautelatórias do
processo judicial, podem ser tomadas a qualquer tempo durante o curso do
processo, dependendo da análise que, no momento, o aplicador da regra tiver
a respeito da situação a ser protegida.
Assim, referida medida, mesmo após ter sido rejeitada pela ANATEL, pode
ser adotada posteriormente por ela própria (ANATEL, como órgãos de
instrução) ou pelo CADE (por decisão do Conselheiro-relator do processo).
A adoção da medida preventiva pelo CADE, conforme se extrai da
interpretação do art. 52 da Lei 8.884/94, pode ocorrer a qualquer tempo
durante o processo; vale salientar, portanto, que a competência do CADE
nesta matéria pode ser exercida desde a fase instrutória (quando o processo
tramita pela ANATEL) como na fase final (decisória), momento em que os
autos são encaminhados ao CADE para proferir decisão definitiva no âmbito
administrativo de proteção da concorrência”.79
Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a
SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,
tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos
(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se
inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser o processo
administrativo, assim como no caso da averiguação preliminar, instaurado por esta Agência.
Com efeito, caso se admita a competência concorrente, não há óbice a que a
SEAE e a SDE possam exercer suas competências no setor de telecomunicações. Entretanto,
tendo em vista os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e administrativos
(razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade), como já exposto, deve-se
inicialmente e preferencialmente submeter-se à ANATEL, devendo, portanto, ser a medida
preventiva adotada por esta Agência.
75
2.1.6.4. Compromisso de cessação
O CADE possui a faculdade de celebrar e aprovar os termos da celebração
compromisso de cessação, assinado pelo Presidente do CADE, bem como pode determinar
que a SDE fiscalize seu cumprimento, consoante dispõe o artigo 7º, VI e 8º, VII. da Lei nº
8.884/94. O Compromisso de Cessação encontra-se disciplinado pelo artigo 53 da Lei
Antitruste80
.
A SDE possui, portanto, competência para celebrar, ad referendum do
CADE, compromisso de cessação e fiscalizar o seu cumprimento (artigo 14, IX, da Lei
Antitruste). A Portaria 849, do Ministério da Justiça81
corrobora esta sistemática.
Quanto ao setor de telecomunicações, a sistemática é muito semelhante,
tendo a ANATEL competência para celebrar, ad referendum do CADE, compromisso de
cessação e fiscalizar e acompanhar o seu cumprimento (artigo 2º, VIII, 55 e 58, da LGT),
tendo o CADE igualmente competência para celebrá-lo e aprová-lo.
Entendendo-se que haveria competência concorrente, tanto a SDE como a
ANATEL teriam competência para, no setor de telecomunicações, sugerir o compromisso de
cessação e fiscalizar o seu cumprimento
79
SUNDFELD, Carlos Ari. In: Processo Administrativo nº 08700.001498/2002-23, p. 31. 80
“Art. 53. Em qualquer fase do processo administrativo poderá ser celebrado, pelo Cade ou pela SDE ad
referendum do Cade, compromisso de cessação de prática sob investigação, que não importará confissão quanto
à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta analisada. (Vide Lei nº 9.873, de 23.11.99)” 81
“Art. 40. Em qualquer fase do processo administrativo, a SDE poderá celebrar compromisso de cessação de
prática sob investigação, na forma do art. 53 da Lei nº 8.884, de 1994.
Parágrafo único. O compromisso de cessação não poderá ser celebrado se a SDE dispuser de provas suficientes
para assegurar a condenação do representado, relativamente à prática sob investigação, no momento de
assinatura do respectivo instrumento.
Art. 42. Suspenso o processo administrativo com a assinatura do termo de compromisso, o mesmo será
encaminhado ao CADE para que adote as providências legais de sua alçada.”
76
2.2. Da competência regulatória
A Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 8, dando
nova redação ao inciso XI, do artigo 21, removeu os limites antes estabelecidos à participação
do setor privado nos serviços de telecomunicações. In verbis:
“Art 21. Compete à União:
[...]
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá
sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros
aspectos institucionais”.
Vê-se, em consonância com o já observado, que se trata de serviço público
privativo, tendo em vista que compete à União82
explorar o serviço, sendo possível que ela
delegue sua exploração ao particular. Neste caso o Estado não intervém, mas atua no
mercado, por meio de um órgão regulador criado e disciplinado com base em uma lei
especificamente criada para este fim.
A Lei n 9.472/97, denominada de Lei Geral das Telecomunicações,
conferiu à ANATEL, conforme estabelece o art. 19, com exclusividade, a regulação do setor
de telecomunicações.
“Art 19. À AGÊNCIA COMPETE adotar as medidas necessárias para o
atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das
telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade,
legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
I - implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de
telecomunicações;
[...]
IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços
de telecomunicações no regime público;
[...]
82
Estabelece a LGT: “Art. 1° Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas
estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de
telecomunicações.”
77
VII - controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas dos serviços
prestados no regime público, podendo fixá-las nas condições previstas
nesta Lei, bem como homologar reajustes;
[...]
XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de
serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;
[...]
XVII - compor administrativamente conflitos de interesses entre
prestadoras de serviço de telecomunicações;
[...]
XIV - expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a
operação integrada e a interconexão entre as redes, abrangendo
inclusive os equipamentos terminais.”83
Estabelecida as competências gerais da ANATEL no artigo 19, da LGT, esta
lei explicita nos demais artigos como deve ser realizado o exercício desta competência. Para o
presente trabalho cumpre observar, principalmente os dispositivos que estabelecem sua
competência quanto a: obrigatoriedade de universalização (art. 79), exploração do serviço no
regime público, por meio da concessão (art. 83), estruturação da tarifária (art.103), e
disciplina de interconexão (arts. 150 e 151)84
.
83
É importante observar, também, os seguintes incisos, do artigo 19, da LGT:
“V - editar atos de outorga e extinção de direito de exploração do serviço no regime público;
VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando
sanções e realizando intervenções;
[...]
X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;
XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando
sanções;
[...]
XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;
XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e
repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de
Defesa Econômica - CADE;
XX - propor ao Presidente da República, por intermédio do Ministério das Comunicações, a declaração de
utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, dos bens necessários à
implantação ou manutenção de serviço no regime público.” 84 “Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de
serviço no regime público.
Art. 83. A exploração do serviço no regime público dependerá de prévia outorga, pela Agência, mediante
concessão, implicando esta o direito de uso das radiofreqüências necessárias, conforme regulamentação.
Parágrafo único. Concessão de serviço de telecomunicações é a delegação de sua prestação, mediante contrato,
por prazo determinado, no regime público, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais,
remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras receitas alternativas e respondendo
diretamente pelas suas obrigações e pelos prejuízos que causar.
Art 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura tarifária para cada modalidade de serviço.
[...]
§ 2º São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de usuários, ressalvado o disposto no
parágrafo único do art. 81 desta Lei.
78
Vemos, portanto, que a competência da ANATEL é exclusiva quanto à
disciplina regulatória. A simples leitura dos dispositivos insertos na LGT, aplicando-se a regra
de hermenêutica literal que, frise-se, não conflita, neste caso, com as regras de hermenêutica
sistêmica, história e teleológica, permite levar a esta conclusão. Isso porque, ao estabelecer as
competências regulatórias, não fez qualquer ressalva, sendo que, quando foi necessário fazê-
la, a fez expressamente, como no caso da do CADE, em matéria concorrencial. Ademais, esta
é a teleologia da disciplina deste setor, criada historicamente para este fim e em consonância
com o sistema legal pátrio.
Não obstante, como visto no capítulo anterior, a própria LGT, em inúmeros
dispositivos, prevê expressamente a observância da competição entre as prestadoras, de modo
que deve ser realizado permanentemente o cotejo destas normas com a Constituição e a Lei
Antitruste, para que se promova a livre concorrência.
[...]
§ 4° Em caso de outorga sem licitação, as tarifas serão fixadas pela Agência e constarão do contrato de
concessão.
Art. 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das redes obedecerão à regulamentação editada pela
Agência, assegurando a compatibilidade das redes das diferentes prestadoras, visando à sua harmonização em
âmbito nacional e internacional.
Art. 151. A Agência disporá sobre os planos de numeração dos serviços, assegurando sua administração de
forma não discriminatória e em estímulo à competição, garantindo o atendimento aos compromissos
internacionais.
Parágrafo único. A Agência disporá sobre as circunstâncias e as condições em que a prestadora de serviço de
telecomunicações cujo usuário transferir-se para outra prestadora será obrigada a, sem ônus, interceptar as
ligações dirigidas ao antigo código de acesso do usuário e informar o seu novo código. 84
Estabelece o Regulamento Geral de Interconexão:
79
3. ANÁLISE DO SUMIDOURO DE TRÁFEGO À LUZ DA REGULAÇÃO
E DA CONCORRÊNCIA
3.1. Surgimento do problema
Como já observado, a privatização do setor brasileiro de telecomunicações
ainda é recente e, por isso, faz suscitar, novos questionamentos com relação às influências
advindas das novas tecnologias, suas implicações no modelo regulatório nacional e o impacto
causado na dinâmica concorrencial nos mercados envolvidos.
Estas transformações e seus resultados são conseqüência da evolução pela
qual o setor vem passando, de modo que se faz necessário fazer uma análise da evolução
histórica das implicações concorrenciais, até o momento estanque sob a perspectiva de uma
regulamentação, das recentes e constantes associações entre provedores de acesso à Internet
via linha discada e as empresas operadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC na
sua modalidade local.
O STFC é o serviço responsável pela transmissão da voz, ou outros sinais,
de um ponto fixo onde se encontra o usuário final a outro ponto fixo com o qual este deseja se
comunicar. Compreende, portanto, as modalidades Local, Longa Distância Nacional (LDN) e
Longa Distância Internacional (LDI).85
85
Estabelece o Regulamento Geral de Interconexão:
“Art.3º. Para efeito deste regulamento, considera-se:
[...]
80
O Plano Geral de Outorgas – PGO86
– dividiu o Brasil em quatro regiões87
para a concessão de Serviço de Telefone Fixo Comutado e fixou que para cada uma dessas
regiões haveria, inicialmente, duas operadoras do serviço, garantindo-se a competição nos
mercados. Uma delas, a chamada “detentora da infra-estrutura” e cujo serviço era objeto de
concessão, operaria sob o regime público e estaria obrigada ao cumprimento das metas de
universalização e continuidade, enquanto que a outra, chamada “espelho” e habilitada por
meio de autorização, operaria sob o regime privado, e estaria autorizada a também operar com
outras tecnologias.
Essa dinâmica de mercado foi concebida com o objetivo de compensar,
através de assimetrias regulatórias positivas, as vantagens competitivas inicialmente
conferidas às concessionárias, que receberam, com a concessão, toda a rede instalada e os
clientes da respectiva área concedida.
Consoante está disposto no PGO, a partir de 31 de dezembro de 2001,
qualquer nova prestadora poderia ingressar no mercado e as empresas espelhos, caso tivessem
antecipado, até essa data, as obrigações de expansão e atendimento estabelecidas na licitação,
poderiam passar a atuar em outras regiões, do contrário só o poderiam fazer a partir de 31 de
XII - serviço telefônico fixo comutado local: modalidade de serviço telefônico fixo comutado, destinado ao uso
do público em geral, que permite a comunicação entre pontos fixos determinados situados dentro de uma mesma
Área Local;
XIII - serviço telefônico fixo comutado de longa distância nacional: modalidade de serviço telefônico fixo
comutado, destinado ao uso do público em geral, que permite a comunicação entre pontos fixos determinados
situados em Áreas Locais distintas do território nacional;
XIV - serviço telefônico fixo comutado de longa distância internacional: modalidade de serviço telefônico fixo
comutado, destinado ao uso do público em geral, que permite a comunicação entre um ponto fixo situado no
território nacional e outro ponto no exterior;” 86
O PGO foi aprovado pelo decreto n.º 2.534, de 02 de abril de 1998. 87
Nas regiões I, II e III, as operadoras estariam habilitadas para a prestação dos serviços de telefonia local e
longa distância nacional intra-regional nas respectivas áreas, na região IV as operadoras estariam habilitadas a
prestar os serviços de longa distância nacional e internacional. As áreas geográficas correspondentes a cada
uma das regiões são: Região I – Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Sergipe,
Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, Pará, Amapá, Amazonas e
Roraima; Região II – Distrito Federal e Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso
81
dezembro de 2002. Quanto às concessionárias, estas poderiam atuar em outras regiões a partir
se 31 de dezembro de 2003, ou 31 de dezembro de 2002 caso antecipassem suas metas de
universalização e expansão88
.
A Lei 9.472/97, a Lei Geral de Telecomunicações - LGT, instrumento que
instituiu o ente regulador, estabeleceu as diretrizes gerais do novo modelo do setor de
telecomunicações. Neste sentido, determinou uma série de obrigações às operadoras, de forma
a garantir a operação integrada dessas redes em âmbito nacional e internacional, e permitindo
que o usuário dos serviços de uma das redes pudesse se comunicar com usuários de outra, ou
acessar serviços nela disponíveis. Deste modo, estabeleceu a obrigatoriedade de interconexão
entre as redes existentes (disciplinada entre os artigos 145 a 156, da LGT).
Ao final do processo de privatização havia, portanto, duas empresas
prestando serviços de telefonia fixa local em cada uma das três regiões definidas para essa
modalidade pelo PGO – Telemar e Vésper na Região I, Tele Centro-Oeste e GVT na Região
II, Telefónica e Vésper na Região III e duas operadoras de LDN e LDI – Embratel e Intelig,
na Região IV. A partir do final de 2001, entretanto, novas empresas passaram a atuar nesses
mercados e as antigas prestadoras começaram a expandir suas atuações para outras regiões.
Como já observado, a ANATEL tem competência exclusiva para realizar a
regulação no setor de telecomunicações, sendo que para a presente análise torna-se necessário
verificar, principalmente, como era (e é até o momento) a disciplina da interconexão.
Ademais, o serviço de telecomunicações é um serviço público, de modo que recebe uma
disciplinação legal especial por meio de legislação e agência reguladora específicos.
do Sul, Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre; Região III – Estado de São Paulo; e Região IV –
nacional. 88
Cumpre observar que as operadoras da Região I e III (Telemar e Telefonônica) anteciparam suas metas, o que
não foi feito pela operadora da Região II (Brasil Telecom).
82
O Serviço de Telefonia Fixo Comutado, sendo um serviço de interesse
coletivo prestado no regime público, consoante estabelece o artigo 64, da LGT, tem um
aspecto relevante a ser observado, qual seja a obrigação, por parte das concessionárias, de
promover a universalização do serviço. O PGO garantiu a política de universalização dos
serviços de telecomunicações e estabeleceu as linhas de competição entre as empresas do
setor.
A obrigatoriedade de interconexão entre as redes de telecomunicações está
regulada pelo “Regulamento Geral de Interconexão” (aprovado pela Resolução 040/98 da
ANATEL) e os critérios tarifários para remuneração das redes de telecomunicações do STFC
destinado ao uso do público em geral, quando interconectadas a redes de outros prestadores,
estão definidos no Regulamento de “Remuneração pelo Uso das Redes das Prestadoras do
STFC” (aprovado pela Resolução 033/98).
A regulamentação vigente estabelece que a parte que originou o tráfego
telefônico, e que será a responsável pela cobrança do usuário pelos serviços prestados, deve
remunerar a parte responsável pela entrega (ou término) do tráfego ao seu destinatário final. O
Regulamento sobre Remuneração pelo Uso das Redes das Prestadoras do STFC dispõe,
entretanto, que a remuneração será devida, no caso do acesso local, somente quando for
necessária uma compensação ao desequilíbrio na troca de tráfego entre as redes das duas
operadoras. Destarte, a tarifa de interconexão será devida somente quando o tráfego originado
por uma das operadoras for 55% ou mais do tráfego total trocado entre elas. O art. 3º, § 2º do
citado Regulamento estabelece que:
“§2° - No relacionamento entre Prestadoras de STFC na modalidade Local,
quando o tráfego local sainte, em dada direção, for superior a 55% do tráfego
local total cursado entre as prestadoras, será devido pela prestadora onde é
originado o maior tráfego, à outra, a TU-RL nas chamadas que excedam este
limite”.
83
O modelo regulatório acima descrito foi elaborado quando as redes de
telefonia fixa eram utilizadas basicamente para o tráfego de voz – as ligações telefônicas
comuns – e mostrou-se, à época, suficiente para tal fim, já que o tráfego entre redes locais
concorrentes tendia a ser relativamente equilibrado, não havendo fatores que levassem um
operador a originar muito mais tráfego do que outro operador com o qual estivesse
interconectado.
Não obstante, o desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novos
serviços e tecnologias de transmissão de dados, em especial a conexão via linha discada à
rede mundial de computadores – Internet, alterou significativamente o equilíbrio do atual
modelo de remuneração pela utilização de redes de operadoras nas interconexões locais.
A situação atual, na qual uma série de provedores surgem ancorados em
operadoras de telefonia, está, como se demonstrará adiante, visivelmente vinculada à
necessidade das operadoras de evitar os possíveis gastos excessivos causados pelas tarifas
interconexão e, simultaneamente, atrair novos consumidores para sua rede.
Especialmente após as operadoras Telemar, Telefônica, Embratel e Intelig e
Brasil Telecom terem obtido autorização da ANATEL para prestar o STFC local em todo o
país, tal situação tende a ser agravada, com a utilização de provedores gratuitos para sua
proteção, o que já vem sendo feito por quase todas as concessionárias, ou até mesmo como
meio de obtenção do lucro advindo da interconexão.
Observa-se que as operadoras têm se manifestado publicamente no sentido
contrário à utilização da Internet como uma forma de aferir receita, senão como um
mecanismo de defesa diante do surgimento de associações entre operadoras e provedores e da
84
distorção na receita de interconexão. O trecho a seguir demonstra parte do que tem sido
veiculado na mídia, in verbis:
“Oficialmente, as companhias telefônicas condenam o uso do acesso gratuito
à internet como instrumento de disputa de receita de telefonia. Em agosto, os
dirigentes das três empresas enviaram ao presidente da ANATEL, Luiz
Guilherme Schymura, uma carta dizendo que os 1.219 provedores de acesso
pago à internet existentes no Brasil estão ‘fadados a desaparecer’ se as
distorções no cálculo de tarifação do uso das redes de telecomunicações
persistirem. O documento diz que as distorções são de tal gravidade que
impedem e aniquilam qualquer esforço para que se amplie o alcance e a
utilização da internet pela população brasileira’”.89
O texto traz explicações técnicas para o mecanismo batizado pelas empresas
de "sumidouro de tráfego", que estaria por trás da nova onda de lançamento dos provedores
de acesso gratuito.
3.2. Mercados Relevantes sob a ótica do produto
Os serviços prestados pelos Provedores de Acesso à Internet – ISPs90
, via
linha discada, criam situações em que há um grande fluxo de ligações originadas pelos
usuários desses serviços em direção, sempre unilateral (tendo em vista que os provedores não
efetuam, mas apenas recebem ligações), à rede onde os ISPs estão instalados, sem que haja
uma contrapartida de fluxo de ligações no sentido contrário, provocando um grande
desbalanceamento, conforme será analisado adiante.
Os Serviços de Valor Adicionado não são considerados serviços de
telecomunicações. Conforme a norma 04/9591
do Ministério das Comunicações, o Serviço de
Valor Adicionado é o “serviço que acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de
89
A carta foi assinada por Fernando Xavier Ferreira, presidente da Telefônica, por José Fernandes Pauletti,
presidente da Telemar, e por Manuel Ribeiro Filho, superintendente da Brasil Telecom. O presidente da Abranet
(Associação Brasileira dos Provedores de Acesso à Internet), Roque Abdo, também subscreveu a carta.
85
telecomunicações, meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas
atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e
recuperação de informações”. O serviço de acesso à rede mundial de computadores, ou
melhor, à Internet é, portanto, um serviço de valor adicionado, já que acrescenta ao STFC um
serviço que cria novas utilidades específicas.
A Internet, rede mundial de computadores, é constituída por um conjunto de
redes de voz e/ou dados interligados. Cada uma dessas redes, composta por cabos, satélites,
fibras ópticas, roteadores e comunicadores, constitui um backbone92
pertencente a uma
empresa de telecomunicações (em regra, operadoras de telefonia fixa). Os backbones,
portanto, devem estar conectados uns aos outros – diretamente ou por intermédio de outras
redes – de maneira que ao estar conectado a uma dessas redes, o usuário tem acesso a toda a
rede mundial, ou seja, à Internet.
O acesso a um backbone se dá por meio de uma porta IP (do inglês Internet
Protocol). As portas (ou canais) de comunicação IP são links dedicados que conectam o
usuário diretamente a um backbone Internet de sua localidade, sem a necessidade da discagem
a um provedor de acesso via STFC. Este tipo de acesso proporciona uma conectividade à
Internet ininterrupta e com alta capacidade de transmissão de dados, tendo, portanto, um custo
elevado e uma demanda específica. Seus usuários são grandes clientes corporativos que
necessitam de alta capacidade em suas redes, como os provedores de acesso à Internet.
O valor cobrado pela conexão, por meio de uma porta IP, a um backbone
Internet deve ser, em regra, fixo e mensal, já que demanda um custo pela prestação deste
serviço (realidade deturpada pelos efeitos decorrentes da regulamentação da TU-RL, como
90
Do inglês Internet Service Providers. 91
Publicada pela Portaria nº 148, de 31.05.1995.
86
adiante se demonstrará), determinado em razão da distância entre os pontos conectados e da
capacidade de transmissão contratada.
As empresas contratantes de portas IP dedicadas podem ainda compartilhar
a capacidade contratada com outras empresas, o que pode ocasionar queda na qualidade do
serviço em razão das configurações específicas. Ressalte-se que é crescente o número de
empresas que têm migrado para a utilização de linhas dedicadas, em função de identificarem
uma melhor relação custo/benefício quando suas taxas de transmissão de dados são
elevadas93
.
Para a análise do presente trabalho importa observar como se dá o
provimento de acesso à Internet via linha discada. Nesta modalidade de acesso à Internet, o
usuário conecta seu computador a um ISP por meio de uma ligação telefônica comum,
utilizando-se dos serviços da operadora de STFC à qual está conectado, e remunerando-a
diretamente pelo serviço prestado (da mesma forma que o faz quando realiza uma ligação
telefônica comum). O trecho de ligação entre o computador do usuário e seu provedor de
acesso (ou seu ponto de presença)94
é chamado de “última milha”.
92
Backbone significa “espinha dorsal” em inglês, nome dado às redes de transmissão em virtude de seu formato. 93
Estas definições foram extraídas dos pareceres da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE do
Ministério da Fazenda elaborados a respeito dos Atos de Concentração nºs. 08012.006316/00-96 (Requerentes:
UOL Inc. S/A e Embratel – Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A.); 08012.000257/2001-23 (Tele Norte
Leste Participações S/A – Telemar, e Internet Group do Brasil Ltda. - iG); 08012.007968/2001-29 (Brasil
Telecom S/A e Vant Telecomunicações S/A); 08012.007309/2001-92 (Brasil Telecom S/A e iBest Holding
Corporation). 94
“Pontos de Presença (PDP)” representam a infra-estrutura por meio da qual o usuário pode acessar a
Internet fazendo uma chamada telefônica local, mesmo que seu provedor esteja sediado em outra
cidade. Funcionam como filiais em mercados regionais ou podem ser supridos por um provedor de
“backbone” (empresa que detenha a infra-estrutura de telecomunicações necessária), que estabelece um
contrato de serviço específico com o provedor de acesso para tal finalidade. Muitos provedores têm utilizado
esses equipamentos para oferecer acesso em várias cidades.” Definição extraída do parecer SEAE/MF nº
08012.006253/99-46.
87
O ISP é, portanto, o ponto mais próximo ao backbone para o usuário e o
conecta, por meio de uma porta IP dedicada95
, à “espinha dorsal” do seu backbone. A
qualidade do serviço depende da infra-estrutura de telecomunicações da “última milha”, da
capacidade do canal de transmissão de dados da porta IP à qual o provedor está conectado, da
capacidade do próprio backbone, e ainda da quantidade de usuários (tanto do ISP quanto da
porta IP acessada).
A infra-estrutura necessária para o provimento de acesso discado à Internet,
que engloba um conjunto de serviços e equipamentos, como moldens, linhas telefônicas e
gerenciamento de sistemas, nem sempre é mantida diretamente pelo ISP, sendo mais usual seu
aluguel dos próprios provedores de portas IPs às quais estão conectados, que, por sua vez,
costumam ser empresas operadoras de STFC local. O aluguel da infra-estrutura tem sido uma
medida eficaz adotada pelos provedores de acesso para concentrar suas atividades no
conteúdo disponibilizado em suas páginas, no atendimento aos usuários, e em outros serviços
correlatos, reduzindo então seus custos com ativos fixos.
Estabelecida a lógica de funcionamento de acesso à Internet, podemos
estabelecer sumariamente com se dá o processo em análise:
1º - o usuário faz uma ligação discada utilizando a infra-estrutura da
prestadora na qual sua linha telefônica está instalada;
2º - os dados são transmitidos, pela infra-estrutura da prestadora na qual o
Provedor de Acesso à Internet (ISP) está localizado, à última milha. Caso o ISP utilize a infra-
estrutura de prestadora diversa da do usuário será cabível o pagamento da interconexão, pela
utilização da rede onde a última milha se localiza;
95
O comum é que os provedores disponibilizem uma porta IP para cada 10 usuários conectados à Internet.
88
3º - para conectar o usuário da Internet, o ISP contrata a utilização de uma
porta IP dedicada, por meio do qual conecta-se à “espinha dorsal” do seu backbone,
pertencente a uma empresa de telecomunicações;
4º - o Provedor de Acesso discado à Internet presta seu serviço ao usuário;
Quando o usuário e o ISP utilizam a mesma rede de STFC, não será cabível
a TU-RL. Quando esta hipótese não se verificar, será cabível o pagamento de tarifa pela
interconexão das redes das prestadoras, hipótese esta que é a relevante para a análise do
presente estudo. Verifica-se, portanto, a existência de três mercados relevantes verticalmente
integrados: o serviço de STFC ao usuário que efetua a ligação, conectando-o à prestadora
onde se localiza o ISP (podendo ser duas etapas); o serviço de acesso ao backbone por meio
das portas IP; e o serviço de acesso à Internet por meio do ISP.
O valor cobrado pelo provimento de acesso discado pago é definido pela
adesão do usuário a um plano de utilização, que varia principalmente em função dos minutos
de acesso contratados, além do valor pago pela utilização da linha telefônica. No caso do
provimento de acesso discado gratuito o custo ao usuário é somente o valor pago pela
utilização da linha telefônica da prestadora à qual pertence.
A receita dos provedores de acesso discado que não são gratuitos, em geral,
advém principalmente dos valores cobrados de seus usuários, e em menor medida da
comercialização de espaços publicitários em suas páginas na Internet (websites) e do
comércio eletrônico de produtos. Mais recentemente, no entanto, o compartilhamento das
tarifas de interconexão recebidas pela rede de telefone fixo local (por meio do
compartilhamento de receitas ou dos contratos de fomento de tráfego) ao qual o ISP está
conectado, tem afetado substancialmente o mercado de provimento de acesso discado.
89
Há, também, os provedores de acesso discado gratuitos, que não cobram de
seus usuários pelo serviço prestado. Sua receita provém essencialmente do repasse (subsídio
cruzado de um serviço prestado em atividade econômica em sentido estrito por um serviço
público), pelas operadoras de STFC às quais estão conectados, de parcela dos valores
recebidos a título de tarifa de interconexão e da comercialização de espaços publicitários.
Por fim, há os provedores de acesso de banda larga, que têm características
semelhantes ao dos provedores de acesso discado, agregando um serviço ainda mais
diferenciado, dentre eles uma maior qualidade e velocidade na transmissão de dados. Sua
receita advém, principalmente, dos valores cobrados de seus usuários, e em menor medida da
comercialização de espaços publicitários em suas páginas na Internet (websites) e do
comércio eletrônico de produtos.
Para a análise do presente problema este último tipo de acesso à Internet não
tem maior relevância, tendo em vista que não utiliza o acesso discado de STFC, mas
tecnologia diferenciada.
Os provedores de acesso discado não gratuito e os gratuitos devem ser
diferenciados. Embora ambos tenham as mesmas características técnicas, o modelo de
negócios desempenhado por cada tem características diferenciadas.
Enquanto os primeiros centram-se no provimento de acesso discado,
conteúdo exclusivo e outros serviços a seus assinantes como fontes de receita, os provedores
gratuitos declaram ter como atividade-alvo a venda de espaço para publicidade em seus
websites, para os quais buscam atrair o maior número de visitantes, oferecendo
conteúdo/serviços não-exclusivos e, principalmente, o acesso gratuito, sendo o usuário
direcionado à página principal da empresa com o propósito de que seja autenticada sua senha.
90
É importante observar que o mercado de provimento gratuito foi sempre
considerado como um mercado complementar ao acesso cobrado. Isto porque sempre existiu
uma disparidade entre o serviço prestado por ele e o pago, sobretudo no que toca à qualidade
e à velocidade de conexão entre o usuário e a rede, à eficácia da assistência técnica e ao
conteúdo disponibilizado nos portais de acesso. Contudo, uma vez capitalizados por um
eventual compartilhamento de receita de tarifas e diminuição de custos, certamente essa
discrepância deve diminuir e a quantidade de usuários desse serviço tende a se expandir.
Assim, sob a perspectiva da demanda, serviços pago e gratuito não devem
se confundir. Mesmo considerando a semelhança técnica entre os serviços, há incerteza
quanto à forma de utilização pelos usuários e faltam evidências que comprovem que o serviço
gratuito tenha se consolidado a ponto de se tornar um substituto perfeito (do ponto de vista da
demanda) a todo e qualquer usuário do acesso pago.
Corrobora com esse posicionamento o fato de que parte dos usuários
contrata serviços de um provedor pago e, ainda assim, utilizam um ou mais provedores
gratuitos quando a conexão com o provedor pago está em condições técnicas desfavoráveis
(linhas ocupadas ou “baixa velocidade” de conexão).
Há ainda assinantes que contratam um determinado provedor pago por um
tempo mínimo de conexão mensal, mas permanecem como usuários do(s) provedor(es)
gratuito(s) a fim de “economizar tempo de conexão” cobrado pelo outro provedor ou como
forma de ter acesso a seu conteúdo exclusivo.
Da perspectiva da oferta, entretanto, pode-se considerar provedores de
serviços gratuitos e cobrados por acesso discado como participantes do mesmo mercado de
potenciais ofertantes de curto prazo. Em resposta a qualquer ação com referência a mudança
91
nas variáveis de competição (ou de preços relativos) por parte de um provedor de serviços
gratuitos, haveria efetiva probabilidade, em um período não superior a um ano e sem a
necessidade de incorrer em custos significativos de entrada ou de saída, de um provedor de
serviços cobrados passar a ofertar esses mesmos serviços.
Tanto o provedor de acesso discado gratuito e não gratuito, entretanto,
geram unidirecionalmente (do usuário ao provedor) tráfego para os websites do provedor,
aumentando o rendimento de tráfego terminado nas redes da empresa de telecomunicações
que conecta os servidores do provedor, sendo, portanto, alvo da análise que ora se pretende
fazer.
Poderia-se presumir que as transformações que vêm ocorrendo no mercado
de provimento gratuito e pago teriam um valor benéfico à competitividade do mercado, já que
os provedores pagos seriam forçados a ressaltar seu diferencial em relação aos gratuitos e a
competir entre si, bem como traria o aspecto de expandir a universalização do sistema de
acesso à Internet.
Por outro lado, em que pese o argumento de que seria uma forma de
democratização do acesso à rede de Internet, isto não pode ser efetivado às custas de
diferenciais competitivos artificiais e financiado à custa da universalização do sistema de
telefonia fixa discada, cuja previsão de universalização é legalmente prevista na LGT, ao
contrário do acesso à Internet.
Ou seja, é evidente que os usuários do mercado de acesso à Internet irão se
beneficiar com a existência de provedores gratuitos de Internet e é extremamente salutar que
estes atuem como efetivos concorrentes dos provedores de acesso pagos, inclusive
aumentando sua participação de mercado.
92
No entanto, isto não pode ser alcançado através de mecanismos artificiais,
em que lhes é conferido um diferencial competitivo por meio de indevidos privilégios
conferidos pelas empresas de telefonia fixa, em razão de estarem com elas integrados. Neste
contexto, desaparece o aspecto positivo de democratização do acesso à Internet, restando
tanto o aspecto deletério de inviabilização dos provedores de acesso que não estiverem
integrados verticalmente (sendo estes principalmente os pagos), como a democratização de
uma atividade econômica em sentido estrito em detrimento de um serviço público, com uma
distribuição de renda às avessas (já que, em geral, os usuários de internet são pessoas com
poder aquisitivo maior, em razão dos custos de se ter um computador e uma linha telefônica
disponível para o acesso) e com flagrante desrespeito à justiça social.
A Secretaria de Acompanhamento Econômico já exarou opinião no sentido
de que:
“Resta evidente que, se por um lado, as requerentes traçaram estratégias que
parecem beneficiar os usuários pelo acesso gratuito, não há dúvidas de que,
por outro, provedores não integrados nesta área, obrigados a custear todo e
qualquer investimento na aquisição de infra-estrutura de acesso e repassar
estes custos na forma de cobrança a seus assinantes, não desfrutam de
tratamento isonômico com relação aos seus fornecedores dessas infra-
estruturas”.96
Acrescente a isso o fato de que a primeira geração de provedores de acesso
gratuito não conseguiu se sustentar baseada apenas no mercado publicitário virtual e no
comércio eletrônico. Realmente, o mercado de provimento de serviços pagos sobrevive à base
das assinaturas dos clientes, que proporciona aproximadamente 80% de sua receita.
Isto sem dúvida aponta para a atual existência de subsídio cruzado neste
mercado. Por isso, o CADE inclusive já se manifestou sobre a necessidade de que não haja o
96
Medida Cautelar n. 08700.002729/2002-13 envolvendo a Requerente a ABRANET – Associação Brasileira
dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações de Rede Internet/SP e como Requeridas a Tele Norte Leste
Participações S/A e a Internet Group do Brasil.
93
compartilhamento de receitas entre as empresas detentoras da infra-estrutura de acesso à
Internet e os provedores97
.
Infere-se, portanto, que a disputa das operadoras, manejada
principalmente através dos provedores a elas integrados, pode vir a debilitar o mercado
de provimento de acesso Internet (já que até o momento é um mercado ainda
relativamente pulverizado), de modo a inibir a expansão do mercado de Internet como
um todo no país, uma vez que tiraria o foco da qualidade do serviço prestado para a
busca de tráfego no STFC.
3.3. Implicações concorrenciais do Sumidouro de Tráfego - análise dos efeitos
estruturais e da potencialidade de condutas anticompetitivas
O modelo regulatório para remuneração do uso de rede local, conforme
referido anteriormente, foi idealizado quando a utilização das redes local era feita
essencialmente para a transmissão de voz. Com a difusão da Internet, ocorrida em larga escala
nos últimos anos, a forma como essa remuneração está prevista passou a gerar distorções no
mercado de telecomunicações, alterando as relações de concorrência entre as operadoras do
STFC local e os provedores de acesso discado à Internet, já que passa a haver grande
desequilíbrio no tráfego trocado entre as operadoras.
Esta dinâmica de mercado faz com que surjam implicações que demandam
uma análise preventiva, do ponto de vista de estrutura, e repressiva, do ponto de vista de
condutas que venham a ser praticadas.
97
Ato de Concentração n.º 08012.006253/99-46 envolvendo as Requerentes Telefônica Interactiva S.A. e RBS
Administração e Cobrança Ltda; Ato de Concentração nº. 08012.006688/2001-01 envolvendo as Requerentes
94
Do ponto de vista estrutural pode se verificar duas grandes distorções. Uma
do ponto de vista horizontal e outra do ponto de vista vertical. Do ponto de vista horizontal,
ou seja, da relação entre provedoras de acesso, tem-se que os provedores que não estiverem
associados verticalmente às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações podem
competir em condições desiguais, caso não sejam oferecidas condições isonômicas na
prestação dos serviços por eles contratados.
Outra distorção pode ser verificada do ponto de vista vertical98
, tendo em
vista que, em função da atual formatação regulatória e concorrencial dos mercados
envolvidos, há um grande estímulo (aplicando-se a teoria dos jogos) a que as empresas
prestadoras de serviços de telecomunicações paulatinamente se integrem verticalmente99
com
os provedores de acesso discado à Internet, com o escopo de aferir receita proveniente da
tarifa de interconexão.
Salomão Filho, quando trata dos efeitos da cláusula de exclusividade em
mercados verticalizados, traz importantes conceitos, que se amoldam ao caso em análise. Isso
porque, estas distorções geradas pelo modelo regulatório, induzem ou à exclusividade na
contratação do serviço, os chamados contratos de fomento de tráfego, ou, até pior do ponto de
vista estrutural, à integração verticalmente, levando a uma maior concentração do mercado.
CTBC Celular S/A e Net Site S/A; Ato de Concentração nº. 08012.004818/2000-82 envolvendo as
Requerentes Terra Networks Brasil S/A e Internet Digital Boulevard S/C Ltda. 98
Uma integração vertical envolve firmas que operam em diferentes, mas complementares, níveis na cadeia de
produção ou distribuição. A característica fundamental de uma integração vertical é que o produto ou serviço
produzido por uma firma pode ser usado como insumo do produto ou serviço oferecido por outra firma 99
Cite-se, a título de exemplo, os seguintes atos de concentração apresentados ao Sistema Brasileiro de Defesa
Econômica – SBDC: (i) a aquisição pelo grupo Telefônica de 99,26% do capital social da Terra Networks do
Brasil S/A (AC n.º 08012.006253/99-46); (ii) a aquisição pelo grupo Embratel da empresa AcessoNet
responsável pelo provimento de acesso discado à Internet antes detida pelo grupo UOL, e celebração de um
Contrato de Prestação de Serviços entre a adquirida e a UOL (AC n.º 08012.006316/00-96); (iii) a celebração
de um Contrato de Cessão de Direitos e outras Avenças entre o grupo Telemar e o Internet Group do Brasil
Ltda – provedor IG (AC n.º 08012.000257/2001-23); e (iv) a aquisição pelo grupo Brasil Telecom de
participação societária nas empresas Vant Telecomunicações (AC n.º 08012.007968/2001-29) S/A e iBest
Holding Corporation (AC n.º 08012.007309/2001-92), sendo que estes dois últimos casos citados ainda
encontram-se em análise no SBDC.
95
A sistemática do contrato de fomento de tráfego se assemelha à de um
contrato de exclusividade, tendo em vista que, como o escopo é oferecer descontos
progressivos e a partir de certo ponto de geração de tráfego a operadora de telecomunicações
remunerar pela grande quantidade de tráfego gerado, não haveria lógica, ou melhor,
racionalidade econômica, para o provedor de Internet contratar o serviço de mais de uma
prestadora. Caso o fizesse, ele estaria deixando de aproveitar a totalidade da potencial aferição
de receita obtida pela geração de tráfego, já que estaria repartindo sua quantidade total de
tráfego gerado entre duas ou mais operadoras.
Além do fato de não haver racionalidade econômica em realizar contrato
com mais de uma operadora, estes contratos podem ser celebrados levando-se em conta seu
prazo de vigência, de modo que, em razão das condições temporais que se poderá contratar,
seja também economicamente inviável uma rescisão contratual para se utilize os serviços das
outras prestadoras.
Vejamos o que nos ensina Salomão Filho, ao concluir que a concorrência é
um valor institucional a ser protegido, de modo que a análise da exclusividade deve partir
necessariamente do estudo de seus efeitos sobre a concorrência, e não de seu potencial criador
de eficiências:
“Fundamental, então, é traçar os princípios teóricos que informam os efeitos
concorrenciais das cláusulas de exclusividade. Várias são as possíveis
conseqüências das cláusulas de exclusividade sobre a concorrência.
O efeito mais óbvio é a potencial dominação do mercado. Essa pode ocorrer
de duas formas diversas. Em ambas as hipóteses, o resultado, além de
anticoncorrencial, e exatamente por causa disso, é contrário à eficiência
econômica.
[...]
Conseqüentemente, além do aumento de participação no mercado e potencial
dominação por parte do agente que é beneficiado pela cláusula de
exclusividade, cria-se ainda uma ineficiência econômica (dead weigh loss)
oriunda do decréscimo de produção e aumento de preço decorrentes da
exclusividade.
96
O que foi dito, portanto, joga luz sobre a segunda e mais comum forma de
dominação de mercado decorrente da exclusividade. Exatamente por ter o
potencial de levar à dominação do mercado por parte de um dos agentes, A
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE TENDE A SE DIFUNDIR EM
UM MERCADO, DESDE QUE USADA (E AUTORIZADA) PELA
PRIMEIRA VEZ.
[...]
Também a concorrência potencial se limita substancialmente. Novos
potenciais concorrentes que queiram entrar em um dos mercados deverão
entrar em ambos para ter alguma chance de concorrer. As cláusulas de
exclusividade tornam-se uma importante barreira à entrada de concorrentes,
tanto quanto as concentrações verticais.
Assim, passa a ser estratégico para os concorrentes, uma vez iniciado o
processo de verticalização, a ele aderir, com a maior agressividade possível.
Pode-se afirmar, então, que em um mercado dotado de certo grau de
concentração é muito comum, e até mesmo necessário, que ao primeiro
processo de integração vertical se sigam outros, por parte dos principais
concorrentes, até que grande parte, se não a totalidade, do mercado esteja
verticalmente integrada.
Esse processo constitui uma real ameaça para os pequenos produtores
independentes e potenciais entrantes, para os quais restarão poucas
alternativas para o fornecimento e/ou distribuição em condições
concorrenciais.
[...]
No que toca às cláusulas de exclusividade isso leva a uma conseqüência
interessante. Trata-se de algo que pode ser denominado “teoria do dominó”.
Toda vez que for possível determinar, em um mercado oligopolizado, que já
há intenção (e/ou possibilidade) de limitar de forma relevante de distribuição
ou matéria-prima a dominação do mercado é iminente, ainda que
permaneçam no mercado inúmeras fontes alternativas de fornecimento ou
distribuição. ISSO PORQUE NESSAS HIPÓTESES O JOGO SERÁ DE
DURAÇÃO FINITA E A ESTRATÉGIA DOMINANTE DE TODOS
OS AGENTES ECONÔMICOS SERÁ VERTICALIZAR-SE. PODE-
SE PRESUMIR QUE À PRIMEIRA INTEGRAÇÃO VERTICAL SE
SEGUIRÃO OUTRAS.
Esse resultado, obtido por raciocínio lógico, encontra confirmação valorativa
na lei concorrencial brasileira.
[...]
A CONSEQÜÊNCIA NECESSÁRIA, ENTÃO, SERÁ A
VERTICALIZAÇÃO DE TODO O MERCADO E A CONSTRUÇÃO
DE IMPORTANTES BARREIRAS À ENTRADA DE NOVOS
CONCORRENTES E IMPORTANTE DIFICULDADE À
PERMANÊNCIA DAQUELES PRODUTORES INDEPENDENTES
(ISTO É, NÃO VERTICALIZADOS).
SE ASSIM É, UMA POLÍTICA ANTITRUSTE COERENTE É
AQUELA QUE REPRIME A INTEGRAÇÃO VERTICAL EM SUA
INCIPIÊNCIA, DESDE QUE NÃO EXISTAM JUSTIFICATIVAS
QUE PERMITAM ELIMINAR O EFEITO ANTICONCORRENCIAL
DA CONDUTA”.100 (grifo nosso)
100
SALOMÃO Filho, Calixto. Direito Concorrencial – As Condutas. 2 ed. Malheiros Editores: São Paulo,
2003, p. 252-257.
97
Uma vez iniciado o jogo estratégico de verticalização em função desta falha
regulatória, consoante nos ensina Salomão Filho ao aplicar a teoria dos jogos, a perspectiva é
que o mercado relevante envolvido seja paulatinamente verticalizado, levando a grandes
concentrações no mercado de provimento de acesso discado gratuito e não gratuito.
O desequilíbrio é agravado, ainda, pelo fato de que os usuários de Internet
costumam concentrar suas conexões nos horários em que o desbalanceamento entre a tarifa
sobre os pulsos e a tarifa de interconexão (TU-RL) é maior – durante a madrugada e fins de
semana, por exemplo. Ademais, o sentido unidirecional dessas ligações é ainda potencializado
em razão da duração dessas ligações costumar ser mais longa de que aquelas ligações
convencionais.
Nestes horários, o valor pago pelos usuários de Internet referente à
utilização do STFC é extremamente reduzido (durante os fins de semana, por exemplo, chega-
se a cobrar apenas um pulso por ligação local realizada), enquanto o valor da TU-RL pago
pela operadora de origem à operadora que termina o tráfego não se altera, sendo não por
pulso, mas por minutos. O desequilíbrio entre o que a empresa arrecada de seus usuários e o
que paga a outra operadora a título de TU-RL é, portanto, maior nestes períodos.
Tendo em vista que esta tarifa é calculada em função de minutos, sendo a
operadora devedora, contudo, remunerada pelos usuários do STFC em função dos pulsos
utilizados, esse tipo de ligação acaba gerando mais despesas do que receitas para estas
empresas (e, ao mesmo tempo, torna vantajoso que as operadoras de STFC local mantenham
esses “sumidouros” conectados às suas redes).
Em entrevista à Folha, o vice-presidente de estratégia corporativa e
regulatória da Telefônica, Eduardo Navarro, deu um exemplo de como funciona o sumidouro
98
de tráfego. Se uma pessoa usar a Internet por uma hora todas as madrugadas e duas horas
durante o final de semana, ela vai pagar R$ 2,70 à empresa de telefonia, no final do mês, por
38 horas de conexão -porque nesses dias e horários há desconto, isto é, cada ligação, não
importa quanto ela dure, é cobrada como um único pulso (em dias e horários normais, um
pulso tem quatro minutos).
Se o provedor de internet desse usuário estiver numa rede concorrente, a
companhia telefônica pagará R$ 51 pelo tráfego gerado por aquele internauta, porque conexão
entre as redes é faturada por minuto. Segundo Navarro, a Telemar, Telefônica e Brasil
Telecom podem perder R$ 1,3 bilhão de receita por ano nessa competição. Por isso, as três
empresas defendem oficialmente a mudança das regras101
.
Cumpre, para se ter uma real noção da distorção gerada por esta disposição
regulatória, analisar os estudos realizados pela Tendências Consultoria Integrada e pela
SEAE, respectivamente:
“A situação é agravada pela diferença nos sistemas de tarifação envolvidos
nessa operação, que é prejudicial à empresa de telefonia fixa que origina a
chamada. O valor recebido por esta operadora é de R$ 0,10257/pulso. Do
outro lado, esta operadora tem que arcar com um custo de interconexão de
R$ 0,05084/minuto [valores referentes às principais áreas de operação da
Telesp]. Assumindo que o sistema de tarifação do STFC local contra um
pulso ao completar a chamada do usuário e um pulso a cada 4 minutos de
duração da chamada, conclui-se que o resultado líquido (receita menos
custo) dessa operação para a operadora de SFTC que origina a chamada com
destino ao provedor de conexão à Internet é negativo para chamadas com
duração superior a 6 minutos. As ligações para um provedor superam os 6
minutos na maioria dos casos [estimativas dos provedores são de que uma
ligação típica tenha a duração de 50 minutos].
Esse cálculo poderia trazer resultados ainda mais negativos se fosse
considerado o fato de que a tarifação das chamadas de STFC aos domingos,
feriados, na madrugada (das 24:00 hs às 6:00 hs) e parte dos sábados é feita
por pulso único (ou seja, o usuário paga apenas o equivalente a um pulso à
operadora de STFC, independentemente da duração da chamada). Mais uma
vez, é importante notar que boa parte das chamadas dos internautas ocorre
nos finais de semana e durante as madrugadas”.
101
Disponível em:<http://noticias.uol.com.br/mundodigital/ultimas/ult1345u8.jhtm.>. Acesso em: 22.nov.04.
99
“Assim, tomando-se como exemplo a situação extrema de uma conexão
discada à Internet que tenha início no sábado, às 14:00, e termine na
segunda-feira , às 6:00, a operadora X poderá tarifar o usuário A em até R$
0,10 (aproximadamente), enquanto terá que pagar à operadora Y cerca de R$
120,00 em tarifa de interconexão”. 102
Ressalte-se que existe ainda um outro fator que intensifica o
desbalanceamento entre as operadoras, relacionado à dinâmica estabelecida pelo modelo de
privatização e concessão dos serviços de telecomunicações adotados.
Passado o período inicial de entrada das empresas espelho e, posteriormente,
as novas autorizadas que surgiram em cada região, verificou-se, que estas não foram capazes
de entrar satisfatoriamente no mercado de STFC local. Com isso, as concessionárias ainda
possuem a maior parcela de participação nos seus respectivos mercados de concessão, sendo,
portanto, responsáveis por originar a grande maioria das chamadas do público em geral.
Assim, a partir de 2002, quando algumas operadoras passaram a ter o direito
de atuar em outros setores além daqueles onde já detinham concessão ou autorização para
prestar serviços de telecomunicações, o problema do desbalanceamento em virtude dos
sumidouros de tráfego se acentuou.
Quando uma operadora passa a atuar em uma dada região, o risco de
desequilíbrio no tráfego trocado entre esta operadora e aquela que já atuava na localidade (a
concessionária original) é maior.
Este risco origina-se do fato de que a maior parte (senão a quase totalidade)
das linhas telefônicas em utilização pertencerá à operadora já instalada. Neste caso, supondo
que a empresa entrante naquela área conecte um ISP à sua rede, a grande parte das chamadas
100
para este ISP será originada na rede da empresa concessionária e terminada na rede da
empresa entrante.
A entrante terminará, neste caso, muito mais tráfego do que originará,
passando a receber o valor correspondente a este desequilíbrio - o valor da TU-RL vigente -
da operadora que já estava instalada na região.
Destarte, o desbalanceamento na troca de tráfego tende a beneficiar a
operadora com menor participação de mercado na localidade em questão, em prejuízo da
empresa cuja base de assinantes seja maior.
Entretanto, apesar do efeito ser maior em relação a uma delas, ambas sofrem
os efeitos decorrentes do sumidouro de tráfego (levando a uma disputa pelos provedores).
Além do que este benefício não pode ser concedido às custas de um serviço público, em
relação ao qual as concessionárias têm a obrigação de universalizar.
Por um lado, a empresa com menor participação têm o estímulo de se
integrar e celebrar contratos com exclusividade porque, proporcionalmente, tem maior
probabilidade de aferir receita. Por outro lado, as concessionárias têm o estímulo de se
integrarem para amenizar os efeitos do desbalanceamento, em razão da compensação que se
fará ao final, ou para eliminar a possibilidade de sua geração, já que, se estiverem a ela
integrados ou com ela contratado, esta distorção lhe trará prejuízos.
É importante observar, portanto, que a gravidade desta distorção dependerá
da quantidade de fluxo gerado por cada uma delas em razão do sumidouro de tráfego. Tendo
102 Ambos acostados nos autos do Pedido de Medida Preventiva Nº 08700.001639/2003-88, no Processo
Administrativo nº 53500.002336/2003, envolvendo a Requerente Telecomunicações de São Paulo (Telesp) e a
Requerida Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A (Embratel). Fls. 150 e 217, respectivamente.
101
em vista que se realiza a compensação entre os fluxos de ligações, há um permanente
estímulo a que gere este fluxo unilateral, ocasionando os efeitos deletérios, que já foram
elecandos, do ponto de vista estrutural, para que não se tenha que pagar a tarifa de
interconexão. Esta lógica poderia ter sentido em uma dinâmica de mercado em que a
compensação entre o tráfego era realizada entre ligações bidirecionais, de modo a amortizar
as barreiras à entrada das empresas de telefonia que não detêm a infra-estrutura original.
No entanto, esta nova dinâmica de mercado envolvendo os sumidouros de
tráfego permite uma fonte de receita que desestimula o investimento em infra-estrutura
(principalmente sob o aspecto de universalizá-la, já que nas regiões onde é necessária esta
universalização, em geral, não há um retorno econômico compensatório) por parte destas
empresas. É mais interessante, portanto, focar a estratégia empresarial em criar este fluxo
unidirecional, gerando receita a custos bem mais baixos (investimento em infra-estrutura de
acesso à Internet), do que promover investimentos em infra-estrutura em mercados que não
gerem significativo lucro e com rápido retorno de investimento, como os mercados não
corporativos.
A receita aferida a título de tarifa de interconexão pode constituir, ademais,
um desestímulo para que as operadoras entrantes invistam na expansão de suas redes locais e
procurem apenas atender clientes corporativos que prestem serviços que se caracterizam por
serem grandes receptores de tráfego telefônico, realizando, principalmente, contratos de
fomento de tráfego, além de buscar se integrar verticalmente com provedores de acesso
discado. Através dessas associações, as operadoras de STFC atraem para suas redes os
provedores de acesso discado à Internet, que, pelos motivos até aqui expostos, proporcionam
um aumento na receita das operadoras através do incremento de valores recebidos a título de
TU-RL, e assim compartilham essas receitas de interconexão com os provedores.
102
O estímulo ao compartilhamento de receitas, entretanto, não se limita ao
caso das conexões à Internet em que o tráfego se inicia em uma operadora e termina nas redes
de outra. Nas regiões em que uma mesma operadora é responsável tanto pela origem quanto
pela terminação do tráfego de Internet, não havendo pagamento de interconexão, também é
vantajoso para esta empresa ter provedores de acesso em sua rede, pois, quanto mais usuários
acessarem a Internet em suas redes, maior tráfego é garantido e, portanto, maior a receita
aferida pela empresa com a cobrança dos pulsos locais.
Sendo esta responsável tanto pela origem quanto pela terminação do tráfego,
não há pagamento de TU-RL desta a qualquer outra operadora, ficando a receita obtida
integralmente com a operadora em questão. Como se nota, há incentivos para a prática do
compartilhamento de receitas mesmo onde não há pagamento de tarifa de interconexão.
Embora nem sempre haja referência expressa ao compartilhamento da
receita nos documentos apresentados em anexo à notificação dessas associações ao Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC, é possível identificar certos casos em que ela é
feita. Efetivamente, no caso Telemar e IG e no caso Brasil Telecom e iBest há expressa
obrigação da operadora de STFC transferir ao provedor de acesso associado uma quantia
determinada.
No caso Brasil Telecom e iBest o valor devido compõe-se por uma equação
em que são consideradas: (i) as receitas creditadas à Brasil Telecom em razão do aumento do
tráfego nos casos em que a chamada trafega unicamente por sua rede, mais (ii) o que ela afere
de TU-RL quando apenas termina chamada originadas na rede de concorrente no provedor
103
iBest, e ainda (iii) o que a Brasil Telecom deixa de gastar a título de TU-RL, que seria devido
caso o iBest estivesse instalado na rede de outra operadora de STFC local103
.
Igualmente a Embratel104
propõe-se a pagar às empresas que criem
determinado volume de tráfego à sua rede, ainda que não integradas a ela, por meio do
contrato de fomento de tráfego. Chega-se, portanto, ao absurdo de se pagar para que uma
empresa celebre contrato com a prestadora, caso alcançado o patamar de tráfego estipulado,
além da existência dos descontos progressivos.
Tendo em vista que na realidade quem presta o serviço ao provedor é a
empresa prestadora do serviço de acesso local, esta incide em custos. Se ao invés de cobrar
pela prestação do serviço, ela faz, ao contrário, remunerar a empresa contratante, fica evidente
que este serviço está sendo subsidiado. Subsidiado (explicitamente, na maioria dos casos,
como se observa da análise da natureza dos contratos analisados nos processos já citados) não
pela empresa contratada por meio de empréstimos ou lucros obtidos, mas, por empresa que
não possui qualquer relação contratual com o provedor, que é obrigada a pagar à outra
prestadora a TU-RL.
Observa-se, portanto, que a associação entre as operadoras de STFC e
provedores de acesso à Internet via linha discada tornou-se uma saída encontrada, em razão da
falha regulatória, pelas operadoras para se protegerem dos sumidouros de tráfego criados por
suas concorrentes. Ademais, mostra-se uma nova fonte de receita para os provedores de
103
De fato, além da previsão de pagamento ao iBest de R$ 0,0065 por minuto de tráfego gerado pelos seus
usuários na rede da Brasil Telecom (aí incluídos tanto o tráfego originado e terminado da rede da Brasil
Telecom, quanto aquele apenas terminado), há a previsão de que, caso haja alterações no critério de
remuneração de redes por interconexão local adotado pela ANATEL, a Brasil Telecom passará a repassar ao
iBest 30% do crédito pela remuneração devida por outras operadoras a título de tarifa de interconexão, e 30%
do pagamento evitado pela Brasil Telecom com despesas de remuneração de interconexão a outras redes,
calculado sobre a totalidade das chamadas originadas na rede da Brasil Telecom e geradas para a utilização dos
serviços de conexão à Internet do iBest.
104
acesso discado à Internet, permitindo até mesmo a recuperação financeira e a volta dos
provedores gratuitos, já que o enfoque passa a ser não a qualidade do serviço, mas a geração
de tráfego.
Em que pese a vantagem, ao menos aparente, gerada para os usuários finais
dos serviços de provimento de acesso à Internet, em razão da diminuição dos custos dos ISPs,
proporcionado em virtude do compartilhamento de receitas, é preciso verificar quais os reais
impactos desse modelo tanto no mercado de provimento de acesso, como no de STFC.
No presente caso, a integração vertical é verificada na medida em que as
operadoras de telefone fixo, com as quais os portais têm se associado, são fornecedoras da
infra-estrutura de telefonia fixa que conecta os usuários dos serviços de acesso discado à
Internet. Como referido, em geral, a principal fonte do faturamento dos ISPs é a remuneração
proveniente dos usuários pelo provimento de acesso discado à Internet.
Uma operação que envolva verticalização, entretanto, somente é passível de
causar problemas à concorrência quando pelo menos um dos mercados relevantes definidos
for altamente concentrado, havendo a possibilidade de exercício de poder de mercado. Apenas
nestes casos sugere-se que seja verificado se a integração pode gerar algum tipo de problema.
O mercado de acesso discado à Internet é pulverizado, entretanto, não é o
que se verifica no mercado de infra-estrutura para provimento deste acesso, já que é bastante
concentrado. Sua análise estará centrada em dois possíveis efeitos: i) no fechamento de
mercado ("foreclosure"); e (ii) extensão do poder monopólio.
104
Medida Preventiva Nº 08700.001639/2003-88 no Processo Administrativo nº 53500.002336/2003,
envolvendo a Requerente Telecomunicações de São Paulo – Telesp, Relator: Conselheiro Roberto Pffeifer.
105
O fechamento do mercado ocorre quando a integração vertical limita ou
impede que novas empresas entrem no mercado de insumos (upstream), ou no mercado final
(downstream). Isso acontece quando a demanda (ou oferta) residual for tão pequena que uma
firma, para entrar no mercado upstream (ou downstream) deverá considerar a entrada no
mercado downstream (ou upstream) também.
O fechamento de mercado pode resultar o aumento das barreiras à entrada, o
aumento dos custos dos rivais e a exclusão de empresas do mercado relevante, sendo que, em
todos os três casos apontados, resultará no aumento dos preços para o consumidor.
Para que uma operação que envolva uma integração vertical possa levar ao
fechamento de mercado e gerar problemas à concorrência, pelo menos três condições devem
ser satisfeitas: i) em primeiro lugar, o grau de integração entre os dois mercados foco da
análise deve ser de tal ordem que uma possível nova firma que queira entrar no mercado
primário tenha que entrar ao mesmo tempo no mercado secundário; ii) em segundo, a
necessidade da entrada no mercado secundário torne a entrada no mercado primário mais
difícil e menos provável de ocorrer em um prazo inferior a dois anos; e iii) em terceiro, as
características vigentes no mercado primário favoreçam a existência de condutas
anticompetitivas neste mercado. Verifique-se que a existência de parcela substancial de
mercado que não esteja integrada em cada um dos mercados a serem analisados torna
desnecessária a entrada simultânea nos dois mercados.
No que diz respeito ao possível fechamento do mercado downstream,
poderia se alegar que os provedores integrados que ofertam o serviço de provimento de acesso
discado não utilizam toda a infra-estrutura disponibilizada pelas operadoras locais, ou seja,
existe uma "oferta residual" bastante ampla. Como evidência, tem-se que há diversos outros
106
provedores que também adquirem serviços e infra-estrutura de uma mesma prestadora,
principalmente por meio dos contratos de fomento de tráfego.
Assim sendo, não haveria, em tese, evidências de que uma empresa, para
atuar no mercado de Internet, precisaria também entrar no mercado de telefonia fixa a fim de
ofertar infra-estrutura telefônica para sua eventual subsidiária. No entanto, alguns pontos
devem ser observados no que atine ao mercado de provedores de acesso de Internet.
Em primeiro lugar, a existência de disponibilidade de infra-estrutura, por si
só, não garante que esta seja ofertada de forma equânime para todos os provedores. Havendo,
portanto, o estímulo a que toda a capacidade ociosa seja aproveitada para gerar receita
proveniente do pagamento de tarifa de interconexão, a prestadora de acesso local tende a
compartilhar discriminadamente suas receitas com a empresa integrada, o que faria com que o
ISP integrado estivesse em vantagem em relação aos demais. Deste modo, o provedor poderia
realizar maiores investimentos, ou melhor, discriminar o compartilhamento de receitas, para,
por sua vez, gerar maiores fluxos de ligações à prestadora do serviço de STFC.
Em segundo lugar, há que se verificar que não há dados que confirmem que
há realmente disponibilidade de infra-estrutura de telefonia em todas as regiões referentes a
cada código geográfico, o que seria uma barreira à entrada em determinadas regiões.
Dada as grandes diferenças regionais do Brasil, não é possível obter
informações conclusivas a respeito de todos mercados relevantes geográficos, mas é certo que
nas cidades com baixo grau de desenvolvimento econômico a oferta, tanto de STFC como de
acesso à Internet, ainda é baixa ou inexistente. Assim, o fechamento de mercado nestas
regiões poderia implicar problemas de concorrência em mercados de provimento de acesso
107
discado à Internet com alto grau de concentração, onde as condições de mercado favorecem o
exercício do poder de mercado.
Em grandes mercados, o grau de concentração tende a ser menor e as
demais condições tendem a dificultar o exercício do poder de mercado. Assim sendo, não há
como garantir, a priori, que as integrações verticais ora analisadas poderão deixar de gerar
problemas de concorrência em algumas cidades menores. Frise-se, ademais, que como já
visto, não obstante o mercado de provedores seja relativamente pulverizado, aplicando-se a
teoria dos jogos, pode-se concluir que este mercado tende paulatinamente a se concentrar cada
vez mais.
Por outro lado, as condições ora destacadas são apenas necessárias, mas não
suficientes, para o favorecimento do exercício do poder de mercado. Existem outros fatores
que, como destacado mais adiante, poderiam determinar o comportamento anticompetitivo
por parte dos players.
Quanto ao fechamento do mercado upstream, é importante observar que, no
que diz respeito às condições de entrada, houve, a partir de 2002, abertura geral à
concorrência para novos entrantes, e a maior parte das empresas que já atuavam no mercado
já receberam autorização da ANATEL para atuarem em outras regiões, além daquelas para as
quais receberam concessão originariamente. Dadas as barreiras à entrada elevadas no mercado
de STFC, tem-se observado que têm entrado neste mercado, fundamentalmente, as empresas
que já atuam neste setor em outras regiões.
Desta forma, existe um nexo causal entre as operações de integração vertical
e a criação ainda maior de barreiras à entrada de novas prestadoras de STFC, levando à
dificuldade de que novas empresas entrem neste mercado. A solução encontrada pelas
108
entrantes é a atuação, fundamentalmente, em nichos específicos do mercado de STFC,
principalmente no que diz respeito à transmissão de dados corporativos.
Há que se destacar, ainda, que mesmo que a demanda dos provedores de
Internet por infra-estrutura telefônica possa representar uma parcela relativamente baixa do
faturamento total das empresas de telefonia, em relação à parcela de receita referente à tarifa
de interconexão, pode ser elevada. Nesse sentido, e dadas às características do mercado, não
se pode afirmar que a entrada no mercado de infra-estrutura de telefonia, não depende em
parte da demanda das empresas de provimento de acesso à Internet, já que a receita oriunda
desta distorção pode significar um importante diferencial competitivo.
As integrações verticais podem, freqüentemente, representar reações
eficientes às imperfeições de mercado, no entanto, há casos em que as concentrações verticais
podem suscitar preocupações de cunho concorrencial105
. Os principais efeitos deletérios são:
aumento dos custos dos rivais (o que pode ocorrer a médio e longo prazo), o fechamento de
mercado (que pode ocorrer quando houver o monopólio do mercado upstream, já que não
haveria competição) e a facilitação de condutas coordenadas entre concorrentes (hipótese que,
em princípio, não se aplica, tendo em vista que em ambos os mercados haverá disputa pela
dominação do mercado).
Viscusi, Vernon e Harrington Jr. (1997) afirmam que a possibilidade de
efeitos anticoncorrenciais está atrelada à existência de poder de mercado em algum dos elos
da cadeia106
. No que se refere à extensão do poder de monopólio, é necessário destacar que
105
CF. HAY, George A. An Economic Analysis of Vertical Integration. Industrial Organization Review, 1
(1973): 188-198.; SCHMALENSEE, Richard. A Note on the Theory of Vertical Integration. Journal of
Political Economy, 81 (March/April 1973): 442-449; SALOP, Steven and SCHEFFMAN, David. Raising
Rivals´ Cost. American Economic Review, 73 (May 1983): 267-271. SCHERER, F. M., The Economics of
Vertical Restraints. Antitrust Law Journal, 52 (1983): 687-707. 106
VISCUSI, W.K.; VERNON, J.M.; HARRINGTON JR.; J.E.; Economics of Regulation and Antitrust. 2ª
ed., MIT Press: Cambridge, 1997.
109
em determinadas circunstâncias, uma firma com poder de mercado em um dos níveis da
cadeia produtiva ou distributiva pode estender este poder para o mercado verticalmente
relacionado, reduzindo, assim, a competição.
Isso ocorre por meio da discriminação das condições de acesso ao insumo
básico ou mesmo pela recusa em fornecê-lo107
. Como exemplo de discriminação, pode-se
citar estratégias de fixação de preços que possam implicar efeitos anticompetitivos, tais como
preço predatório, subsídio cruzado ou mesmo a compactação de preços/margens no mercado
downstream (price squeezing).
A estratégia de preço predatório consiste em, deliberadamente, cobrar
preços inferiores àqueles que vigorariam em mercados competitivos, incorrendo em perdas de
curto prazo, tendo por objetivo eliminar concorrentes do mercado e, assim, cobrar preços mais
elevados no futuro.
No caso em tela, não há uma busca, em uma perspectiva de curto prazo, pela
eliminação do concorrente do provedor que está integrado à prestadora de telecomunicações,
já que em razão de sua capacidade ociosa ocorre, na realidade, um disputa por estes
provedores, seja por integração vertical ou realização de contratos de fomento de tráfego. No
entanto, em uma perspectiva de médio ou longo prazo em que sua capacidade ociosa esteja
completamente utilizada e em um mercado que venha a ser concentrado, pode se verificar a
ocorrência de uma prática de preços predatórios, tendo em vista que se desejará que aquele
tráfego potencial seja capturado pela empresa que esteja integrada verticalmente com a
empresa upstream.
107
Estas questões são debatidas na Medida Preventiva nº 08700.001639/2003-88 no Processo Administrativo nº
53500.002336/2003, envolvendo a Representante Telefônca e a Representada Embratel.
110
O subsídio cruzado ocorre quando uma empresa usa a receita aferida
em um dos mercados em que atua para subsidiar suas vendas em outros mercados.
Quando uma empresa usa as receitas derivadas de um mercado em que ela tem posição
dominante, isto poderá eventualmente representar um problema de concorrência.
É justamente o que se verifica no caso em tela, já que um mercado, o STFC,
subsidia um outro mercado, provimento de acesso à Internet. Entretanto, esta prática é
realizada pela prestadora de telecomunicações com relação à empresa integrada e à não
integrada. Neste sentido, a prática se verificaria caso a empresa tenha posição dominante e
venha a realizar este subsídio de forma discriminatória.
A compactação de preços/margens ocorre quando uma empresa
verticalmente integrada, e dominante no mercado upstream, coloca as suas concorrentes no
mercado downstream em condições desvantajosas, através da compressão dos preços ou das
margens dos seus competidores.
Este efeito pode se dar através do aumento do custo do insumo principal ou
mesmo via redução do preço praticado por sua subsidiária no mercado downstream. Note-se
que, apesar da perspectiva de se incorrer em perdas no mercado downstream, existe a
possibilidade de que a receita total da firma verticalmente integrada não se altere ou mesmo
aumente.
No caso em tela, verifica-se que não há, a priori, aumento do custo nem do
provedor não integrado, tendo em vista que os contratos de fomento de tráfego chegam a
pagar a eles pela criação do tráfego. No entanto, como observado, caso este compartilhamento
seja realizado de forma discriminatória, haveria aumento dos custos na medida em que, como
estaria em posição competitiva desfavorável, incorreria em maiores gastos para acompanhar
111
os repasses do provedor integrado ao consumidor de acesso à Internet em termos, por
exemplo, de qualidade do serviço ou de inovação tecnológica.
O mesmo se dá quanto à redução do preço praticado pela subsidiária, já que
pode se observar que, em razão de um possível compartilhamento de receitas entre as
empresas integradas, maior do que o realizado entre a empresa upstream e a não integrada a
ela, a subsidiária seja favorecida no mercado de provedores de Internet. Ou seja, apesar de
ambos os provedores (integrados ou não) se beneficiarem desta distorção, o que estiver a ela
integrado pode ter uma vantagem competitiva em relação à outra.
Para que a estratégia de extensão do monopólio seja bem sucedida, e gere
problemas sob o ponto de vista da concorrência, duas condições devem ser satisfeitas: em
primeiro lugar, ela deve implicar aumento de lucros para a empresa verticalizada (o que se
pode verificar, caso haja tratamento discriminatório) e, em segundo, implicar "perda de
eficiência alocativa" para a sociedade e conseqüente redução do bem-estar econômico
(também verificável: após a concentração do mercado, quando consolidado os efeitos
previstos com escopo na teoria dos jogos, há possibilidade de diminuição da oferta, com o
aumento de preço; além da ocorrência de uma distribuição de renda às avessas)108
.
Há que se notar que a infra-estrutura telefônica é um dos principais insumos
para o provimento de acesso discado à Internet. Assim, a sua oferta em condições equânimes
é fator chave para se garantir o ambiente competitivo entre os provedores estabelecidos no
mercado (e também garantir a possibilidade de entrada).
A situação atual é a de que, em teoria, parece ser vantajoso que as
fornecedoras de infra-estrutura para provimento de acesso discado à Internet atraiam o maior
112
número possível de ISPs para suas redes, pois o aumento do tráfego na rede impulsionado
pelos usuários dos provedores de Internet resulta em tarifas de interconexão geradas quando
os usuários estão conectados à outra rede fixa local. Tendo em vista que tendem a ser uma
fonte adicional de receita para essas empresas, é pouco provável que essas empresas não
diferenciem qualidade entre provedores concorrentes aos seus associados, estratégia que
equivaleria a aumentar os custos dos rivais, em uma análise de médio e longo prazo.
Entretanto, havendo outras empresas que forneçam infra-estrutura telefônica
para provimento de acesso à Internet, não é razoável supor que uma fornecedora aumentaria,
de forma elevada, em uma estratégia de curto prazo, o custo de insumos a provedores rivais
ao seu, pois isso os incentivaria a migrar para outro fornecedor. Na realidade, como já
observado, no curto prazo pode-se verificar a existência de capacidade ociosa e um mercado
relativamente pulverizado, havendo, portanto, uma disputa por geração de tráfego.
No entanto, é possível que, ao subsidiar os custos do provedor integrado de
forma discriminatória (já que ambos acabam sendo subsidiados), este possa fazer mais
investimentos que o concorrente, que levem a um fluxo maior do que não adotando tal
estratégia. Isso porque, partindo de uma estratégia, que não a de curto prazo, poderia ser mais
vantajoso fomentar o crescimento do provedor verticalmente integrado, já que reverteria um
crescimento de fluxo de ligações que não estariam sujeitas a perda de tráfego em função, por
exemplo, de uma possível rescisão contratual ou qualquer outra situação em que o provedor
não integrado passasse a contratar os serviços de outra empresa de telecomunicações.
Ademais, passando o mercado a ser concentrado e não havendo capacidade ociosa, tender-se-
ia à prática de eliminação dos concorrentes do mercado.
108
A perda de eficiência alocativa, ou perda de peso morto, é representada pela redução da quantidade ofertada e
pelo aumento de preços dos serviços fornecidos para o consumidor.
113
A extensão do poder de monopólio pode permitir que uma empresa com
poder de mercado em um dos níveis da cadeia produtiva (ou distributiva), em determinadas
circunstâncias, possa estender este poder para o mercado verticalmente relacionado, seja
através do fechamento de mercado, seja pela discriminação das condições ao insumo básico
fornecido.
Neste sentido, a possibilidade de extensão de poder de mercado ao mercado
downstrem poderá ser verificada quando a empresa no mercado upstream for a monopolista
na prestação do insumo, que é a infra-estrutura de telecomunicações, já que, neste caso,
utilizada toda a capacidade ociosa, poder-se-ia verificar a prática de condutas anticompetitivas
como preços predatórios ou a elevação dos custos dos rivais, levando ao fechamento do
mercado, já que a empresa teria que entrar em ambos os mercado, e à discriminação das
condições ao insumo básico, levando à eliminação dos concorrentes do mercado de
provedores.
No presente caso, pode-se dizer que o aumento dos custos dos provedores
rivais aos coligados poderia se dar por meio de um subsídio discriminatório em relação aos
provedores não integrados, já que aquele estaria competitivamente em vantagem, tendo em
vista o incremento desigual nas receitas proporcionadas em função do aumento do tráfego na
rede da operadora.
Com efeito, a receita aferida com TU-RL gerada pelos ISPs conectados às
suas redes, reduz os custos incorridos pelas operadoras de STFC no fornecimento de infra-
estrutura para provimento de acesso à Internet, e, na medida que estes ganhos não são
repassados de maneira equânime a todos os provedores de acesso discado, pode-se afirmar
que há um aumento injustificado nos custos dos provedores preteridos.
114
A íntima relação entre a infra-estrutura para provedores de acesso à Internet
(doravante ISP) e as empresas de telefonia fixa também não passou desapercebida pelo
legislador, tanto que a Lei Geral de Telecomunicações em seu art. 61, § 2º, estabelece a
igualdade no compartilhamento da infra-estrutura da rede, enquanto o art. 3º, inciso III,
garante aos ISPs o direito de não serem discriminados no acesso e fruição do serviço prestado
pelas operadoras.
A propósito, faz-se importante notar que a ANATEL, com o intuito de
prevenir a possibilidade de vir a ocorrer tratamento desigual, editou a norma 004/95 que
regula o uso de meios da rede pública de telecomunicações para o provimento e utilização de
Serviços de Conexão à Internet. Este dispositivo legal versa em seu item 5.4:
“5.4. As Entidades Exploradoras de Serviços Públicos de Telecomunicações
não discriminarão os diversos PSCIs10 quando do provimento de meios da
Rede Pública de Telecomunicações para a prestação dos Serviços de
Conexão à Internet. Os prazos, padrões de qualidade e atendimento e, os
valores praticados serão os regularmente fixados na prestação do Serviço de
Telecomunicações utilizado”.
Considerando que esse mercado é alvo de constantes transformações
tecnológicas ou regulatórias109
, é necessário o efetivo acompanhamento das atividades dessas
empresas e a exigência do cumprimento do dispositivo legal acima transcrito.
109
Verifica-se que não há perspectivas concretas de se editar um novo regulamento para o “Uso De Serviços de
Redes de Telecomunicações no Acesso a Serviços Internet”, embora essa matéria tenha sido objeto da recente
Consulta Pública nº 417 daquela autarquia. Segundo o texto dessa consulta, as ligações a provedores de acesso
discado à internet se daria por meio de números de telefone com códigos não-geográficos (utilizável em todo
território nacional, sem diferenciar chamadas de longa distância nacional, e que identificariam condições
específicas de prestação de STFC), de forma que toda rede de STFC acessaria uma rede específica para esse
serviço, onde todos ISPs estariam conectados, sem necessidade de realizar interconexão com outras operadoras
de STFC. Contudo, verifica-se que há a indicações no sentido de que os contratos de
concessão/autorização para prestação do STFC celebrados a partir de 2006 não mais obrigarão as
operadoras a se remunerarem quando realizarem interconexão entre redes locais em uma mesma área
geográfica, independente do fluxo de chamadas originadas/terminadas. Esta nova diretiva, caso efetivamente
implementada, certamente representará um novo marco nas relações entre operadoras de STFC e os
provedores de acesso discado à internet.
115
Os artigos 106 e 107 da LGT admitem a possibilidade de desconto na tarifa
do serviço de telecomunicações desde que "se baseie em critério objetivo e favoreça
indistintamente todos os usuários, vedado o abuso do poder econômico". São, assim, lícitos
tais descontos "quando extensíveis a todos os usuários que se enquadrem nas condições,
precisas e isonômicas, para sua fruição". O problema é que isto é feito a custo de uma
distorção que está longe da razoabilidade.
Dentro deste panorama mercadológico, verifica-se que, não obstante o
compartilhamento de receitas possa gerar discriminação de provedores de acesso,
teoricamente, esta falha regulatória provocada pela dinâmica da TU-RL poderia ser
neutralizada pela concorrência entre operadoras de STFC na busca pelo maior número de ISPs
conectados às suas redes, aos quais deveriam ser oferecidas as melhores condições como
atrativos. No entanto, esta neutralização levaria, como já observado, a uma elevada
concentração no mercado de provedores, já que, estrategicamente, o mais interessante para
ambas seria se integrar. Isso porque, a empresa que detém a infra-estrutura da STFC teria um
aumento no fluxo de recepção de chamadas e o provedor poderia se beneficiar em razão de
um tratamento discriminatório.
É importante destacar que, os ISPs, por sua vez, operando em um mercado
competitivamente desnivelado e visando atrair o maior número de usuários, seriam motivados
a repassar esse ganho para os consumidores de acesso à Internet, em detrimento, entretanto,
dos consumidores de STFC, já que estes estariam financiando este subsídio, o que não se pode
conceber.
Como já observado, verifica-se que esta realidade cria uma realidade
artificial prejudicial tanto ao mercado de provimento de acesso, principalmente quando há
116
discriminação, como ao de STFC. Além disso, como se demonstrará adiante, não há
razoabilidade e nem respaldo infralegal, legal e constitucional suficientes para impor que um
serviço público esteja subsidiando uma atividade econômica em sentido estrito.
3.4 Desconformidade da norma regulatória com o sistema legal
Com efeito, a distorção causada pela prática do sumidouro de tráfego enseja,
ainda, uma espécie de subsídio cruzado entre os usuários que utilizam a telefonia fixa (STFC)
apenas para transmissão de voz (ligações convencionais) e usuários de Internet. Estes, ao
utilizarem os provedores ditos gratuitos, ou qualquer outro que gere tarifa de interconexão,
não são sinalizados dos reais custos do serviço, pois estão sendo subsidiados pela tarifa de
interconexão paga de uma operadora a outra (empresa que não possui qualquer relação
contratual com o provedor).
Esta tarifa, por sua vez, tem que ser financiada de algum modo pela
operadora que a paga - e este modo só pode ser, naturalmente, a tarifação de seus usuários.
Como já observado, tendo em vista que a empresa prestadora do serviço de acesso local
incide em custos e, ao invés de cobrar pela prestação do serviço, ela remunera a empresa, fica
evidente que este serviço está sendo subsidiado. Subsídio este realizado explicitamente, na
maioria dos casos, como se observa da análise da natureza dos contratos analisados nos
processos já citados. Dessa forma, todos os usuários da operadora pagam por esta distorção,
inclusive aqueles que não navegam na Internet e acabam financiando os usuários de Internet
da operadora rival.
Ocorre, portanto, a democratização de uma atividade econômica em sentido
estrito em detrimento da democratização de um serviço público, com uma distribuição de
117
renda às avessas (já que, em geral, os usuários de internet são pessoas com poder aquisitivo
maior, em razão dos custos de se ter um computador e uma linha telefônica disponível para o
acesso) e com flagrante desrespeito à justiça social.
Assim, mesmo que o repasse da operadora aos provedores de acesso à
internet seja realizado de maneira isonômica, sendo até mesmo benéfica, no curto prazo, ao
mercado de provimento de acesso à Internet (na medida que reduz os custos dos provedores),
isto não seria suficiente para justificar este subsídio cruzado entre usuários de Internet e
usuários de STFC.
Essa assimetria é especialmente preocupante na medida em que, hoje, o
STFC apresenta custos muito elevados, o que impossibilita sua utilização por uma imensa
parcela da população. Este fato pode ser verificado, por exemplo, pela constatação de que
alguns consumidores têm migrado para a telefonia móvel pré-paga, no intuito de fugir dos
altos valores cobrados a título de assinatura mensal pelas prestadoras de STFC local. Serviço
aquele no qual não há a obrigação de universalização, sem a conseqüente democratização de
seu acesso, o que mais uma vez demonstra que a atual formatação regulatória tem levado
tanto os consumidores como as empresas a encontrarem mecanismos alternativos, em
detrimento do desenvolvimento do mercado de STFC.
Vê-se, portanto, que um serviço público está flagrantemente
subsidiando a prestação de uma atividade econômica em sentido estrito, o que afronta a
razoabilidade, bem como toda a lógica constitucional, legal e até infralegal que disciplina
a questão.
Cumpre iniciar a análise do problema sob perspectiva constitucional. Como
já visto, o inciso XI, do artigo 21, da Constituição de 1988 prevê que o serviço de
118
telecomunicações é um serviço público privativo, sendo que é de titularidade da União sua
prestação, podendo delegar ao ente privado sua prestação, nos termos da lei que cria e
disciplina a agência reguladora deste setor. Sendo um serviço público, seu tratamento é
diferenciado em relação à atividade econômica em sentido estrito, para que se alcance a
justiça social.
A Constituição Federal prevê em seu artigo 3º, incisos I e III, que
constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade
justa, solidária, além de erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades
sociais e regionais. O artigo 5º, desta Carta Magna, em seu inciso XXIII, estabelece que a
propriedade atenderá a sua função social. A função social da propriedade também é inserta no
artigo 170, inciso III, deste mesmo diploma, como instrumento para que se alcance a justiça
social. Deste modo, sendo o serviço de telecomunicações um serviço público, o legislador lhe
conferiu uma disciplina especial para que fosse, por meio da utilização social desta
propriedade, alcançada a justiça social.
Cumpre, portanto, ao Poder Público, que seja garantido a toda a população o
acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, bem como estimulando a expansão
das redes e serviços públicos, como o STFC, com base em conduções justas de competição,
atendendo à função social da propriedade e promovendo, assim, o desenvolvimento social do
país por meio da diminuição das desigualdades sociais. Esta sistemática pode ser observada
da leitura do artigo 2º, 5º e 6º,da LGT:
“Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e
preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações
pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;
119
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos
serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade
compatíveis com a exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento
tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico
com as metas de desenvolvimento social do País”.
“Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações
observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania
nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre
concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e
sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço
prestado no regime público”.
“Art. 6° Os serviços de telecomunicações serão organizados com base no
princípio da livre, ampla e justa competição entre todas as prestadoras,
devendo o Poder Público atuar para propiciá-la, bem como para corrigir os
efeitos da competição imperfeita e reprimir as infrações da ordem
econômica”.
Conforme estabelece o artigo 38 desta mesma Lei, a atividade da Agência
será juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade, finalidade,
razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, igualdade, devido processo legal,
publicidade e moralidade. No presente caso, tendo em vista o já exposto, verifica-se que
houve, por parte da agência flagrante violação ao princípio da finalidade, razoabilidade e
proporcionalidade, ao editar e não realizar a devida revisão da norma (dever expressamente
previsto em dispositivos já citados), na medida em que cria uma situação desarrazoada,
desproporcional e injusta, tendo em vista que afronta toda a lógica de utilização do serviço
público, prestado em regime público, que visa à diminuição das desigualdades sociais.
Dentre os serviços de telecomunicações, o que mereceu maior atenção e
disciplina legal diferenciada para que sua função social fosse alcançada foi o STFC, dando
amplo acesso deste serviço a toda a população brasileira. É o que dispõe a LGT ao estabelecer
120
que o serviço de STFC, sendo prestado em regime público, tem como obrigação sua
universalização, in verbis110
:
“Art. 63. Quanto ao regime jurídico de sua prestação, os serviços de
telecomunicações classificam-se em públicos e privados.
Parágrafo único. Serviço de telecomunicações em regime público é o
prestado mediante concessão ou permissão, com atribuição a sua prestadora
de obrigações de universalização e de continuidade.
Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço
de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e
continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.
Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço
telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público
em gera”.
Art. 65. Cada modalidade de serviço será destinada à prestação:
I - exclusivamente no regime público;
II - exclusivamente no regime privado; ou
III - concomitantemente nos regimes público e privado.
§ 1° Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as
modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam
sujeitas a deveres de universalização.
§ 2° A exclusividade ou concomitância a que se refere o caput poderá
ocorrer em âmbito nacional, regional, local ou em áreas determinadas.
Art. 66. Quando um serviço for, ao mesmo tempo, explorado nos regimes
público e privado, serão adotadas medidas que impeçam a inviabilidade
econômica de sua prestação no regime público.
Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de
continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.
§ 1° Obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o
acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de
telecomunicações, independentemente de sua localização e condição sócio-
econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das
telecomunicações em serviços essenciais de interesse público”.
Vê-se, portanto, que a LGT dá uma disciplinação especial e diferenciada ao
STFC, não permitindo que sua exploração se dê apenas no regime privado, além de não
110
Outros dispositivos atinentes à universalização:
Art. 18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de decreto:
(…)
III - aprovar o plano geral de metas para a progressiva universalização de serviço prestado no regime público;
Art. 48. A concessão, permissão ou autorização para a exploração de serviços de telecomunicações e de uso de
radiofreqüência, para qualquer serviço, será sempre feita a título oneroso, ficando autorizada a cobrança do
respectivo preço nas condições estabelecidas nesta Lei e na regulamentação, constituindo o produto da
arrecadação receita do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações - FISTEL.
(…)
§ 2º Após a criação do fundo de universalização dos serviços de telecomunicações mencionado no inciso II do
art. 81, parte do produto da arrecadação a que se refere o caput deste artigo será a ele destinada, nos termos da
lei correspondente.
121
permitir que este inviabilize a prestação no regime público, já que a própria União se
compromete a garantir a universalização do serviço.
Cumpre observar, portanto, que por um lado, a Constituição estabelece que
o serviço de telecomunicações é um serviço público, e, por outro lado, a LGT, estabelece que,
dentre os serviços de telecomunicações, o que merece uma disciplina mais cuidadosa é o
STFC, em função de sua relevância no papel de universalização. Esta universalização é
buscada para que seja alcançada a justiça social, prevista nos artigos 3º, inciso I e 170, caput,
de modo a concretizar os ditames previstos no artigo 3º, da Carta Magna, quais sejam a
erradicação da pobreza e da marginalização, e a redução das desigualdades sociais e regionais.
É importante também destacar que, em razão de suas especificidades, a
infra-estrutura necessária à promoção deste serviço deve ser compartilhada, o que dá ensejo à
tarifa de interconexão pela remuneração em razão do compartilhamento desta rede, com já
observado. Neste sentido, ganha significativo relevo que se observe o cumprimento da função
social desta infra-estrutura, ou melhor, desta propriedade.
Já foi observado que este é um dos princípios norteadores ou instrumentais
para que se promova a, permanentemente, almejada justiça social em todos os seus termos.
Convém que as autoridades mantenham um acompanhamento cuidadoso
desse mercado, verificando constantemente as estratégias que estão sendo adotadas por essas
empresas, e assim tenham condições de evitar a prática de condutas anticompetitivas.
A remuneração pelo provimento da interconexão deverá ser realizada em
termos não discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos
e justos, atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço, consoante dispõe o já
122
citado artigo 152 da LGT. Esta é igualmente a lógica utilizada nas normas infra-legais que
regem a matéria.
Assim dispõe o Regulamento Geral de Interconexão:
“Art.8º. Nas negociações destinadas a estabelecer os contratos de
interconexão são coibidos os comportamentos prejudiciais à livre, ampla
e justa competição entre prestadoras de serviço, no regime público e
privado, em especial:
I-prática de subsídios, para redução artificial de tarifas ou preços;
[...]
IV - exigência de condições abusivas para a celebração do contrato de
interconexão, tais como, cláusulas que impeçam, por confidencialidade, a
obtenção de informações solicitadas pela ANATEL ou que proíbam
revisões contratuais derivadas de alterações na regulamentação;
Art.9º. É vetada a utilização do contrato de interconexão com o objetivo
de alterar condições regulamentares de provimento de serviço de
telecomunicação.
Art.19. A interconexão deve ser objeto de planejamento contínuo e
integrado entre as prestadoras envolvidas.
Art.28 As redes de telecomunicações, destinadas a dar suporte à prestação de
serviços de interesse coletivo, no regime público ou privado, devem ser
organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:
I – é obrigatória a interconexão entre redes;
III – o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever
de cumprimento de sua função social.
Art.31. É vetado o uso de rotas de interconexão para cursar tráfego
artificialmente gerado ou excedente de outras rotas internas às redes
interconectadas.
Art.40. No relacionamento entre prestadoras de serviços de interesse coletivo
deverá ser utilizada a exploração industrial de meios, que deve ser oferecida
em bases justas e não discriminatórias”. (grifo nosso)
Verifica-se, portanto, que igualmente a norma infra-legal que disciplina a
matéria estabelece que deve ser: atendida a função social da propriedade; oferecida em bases
justas e não discriminatórias; vedado o curso de tráfego artificialmente gerado; objeto de
contínuo planejamento; realizada as revisões contratuais cabíveis e coibida a prática de
subsídio.
Observa-se, portanto, que o §2º, do artigo 3º, do Regulamento de
Remuneração pelo Uso das Redes das Prestadoras do STFC, aprovado pela Resolução nº 33
123
da ANATEL, de 13 de julho de 1998, afronta flagrantemente os dispositivos infralegais,
legais e constitucionais que regem a matéria, tendo em vista a distorção provocada (a qual
prejudica a concorrência, afrontando o princípio constitucional – previsto no inciso IV, do
artigo 170, da Constituição Federal – e legal – previsto no caput do artigo 1º, da Lei nº
8.884/94 – da livre concorrência, cujos os efeitos deletérios já foram demonstrados, e afronta
a justiça social, ao fazer uma distribuição de renda às avessas em um mercado, que ao
contrário, tem por escopo promover esta justiça).
Outra não poderia ser a conclusão, já que se evidencia utilizando-se as
regras de hermenêutica histórica (o STFC, como serviço público, teve, historicamente,
disciplina legal diferenciada, em razão de sua natureza especial), teleológica (a finalidade
deste serviço ter um tratamento diferenciado se deve ao fato de atende um fim, que é a
diminuição das desigualdades sociais, para que se alcance a justiça social, o que não pode ser
deturpado) e literal e sistêmica (observa-se da simples leitura dos artigos supra-citados a
lógica que busca estabelecer o sistema legal vigente). Verifica-se, portanto, afronta também
aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Neste diapasão, questionamentos surgem quanto às possíveis soluções que
podem ser dadas pela autoridade antitruste, tendo em vista que a competência para regular
esta matéria, como já observado, é exclusiva do ente regulador deste setor, que tem se
mantido inerte frente a esta realidade flagrantemente distorcida. É o que se passa a fazer a
seguir.
3.5. Possíveis soluções
A regulação e a concorrência são esferas que se intercambiam, como já
observado. Isso pode ser facilmente depreendido ao se analisar a LGT, onde reiteradamente
124
dispõe que, não obstante a existência de uma regulamentação específica, deve ser sempre
observada e buscada a livre concorrência e a justa competição entre as empresas.
Desta forma, apesar da autoridade antitruste e o ente regulador terem
competências distintas, muitas vezes é tênue este limite. Não obstante a existência de uma
regulação no setor de telecomunicações, as competências do CADE não estão afastadas
quanto à observância do respeito à livre concorrência. É o que dispõe o já citado artigo 7º da
LGT. A autoridade antitruste não tem competência para regular, estabelecendo diretrizes
gerais aplicáveis a todas as empresas que nela se enquadrem, mas para adotar as medidas
cabíveis, no caso concreto, para que os efeitos deletérios à livre concorrência cessem. A
competência da autoridade antitruste, observada anteriormente, pode se dar preventivamente,
analisando-se as estruturas de mercado, ou coibindo as condutas anticompetitivas, analisando-
se os atos dos agentes se amoldam às infrações previstas em lei.
No caso de análise de ato de concentração envolvendo a aquisição de
provedor será, como já visto, exclusivamente de competência da ANATEL a instrução do
caso no que atine ao mercado de telecomunicações envolvido e da SDE e SEAE, quanto ao
mercado de provimento de acesso à Internet, já que não se trata de mercado de
telecomunicações, devendo estas secretarias fazer o cotejo entre aquele mercado de
telecomunicações e o mercado de provimento de acesso à Internet.
Após, deverá o ato de concentração ser encaminhado ao CADE, para que
este julgue se o caso tem condições de ser aprovado e, se necessário, imponha as restrições
cabíveis para a sua aprovação ou, se for necessário, sua reprovação.
125
A autoridade antitruste brasileira tem competência exclusiva para a
celebração de Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação, de Medida Cautelar111
ou de Termo de Compromisso de Desempenho (a competência para a celebração deste
instrumento já foi analisada supra).
Quaisquer um destas medidas podem ser adotadas, desde que respeitados os
limites da atuação da autoridade antitruste, como instrumentos para se acautelar (APRO e
medida cautelar) ou garantir o cumprimento das determinações impostas (o Termo de
Compromisso de Desempenho).
Sob o ponto de vista estrutural, como já analisado, a atual dinâmica do
mercado de provedores de acesso discado à Internet ainda é pulverizado, de modo que, apesar
de se poder inferir que este mercado tende a se concentrar, não há como a autoridade
antitruste impedir que uma operação de integração vertical (pelas diversas formatações
contratuais e societárias que se possa utilizar) entre as empresas prestadoras do serviço de
telecomunicações e o provedor venha a ocorrer, já que não ocasiona o fechamento de mercado
e extensão do poder de monopólio.
111
A Resolução do CADE nº 28/98 dispõe, a respeito do APRO e da medida cautelar, que:
Art. 8º. Até a decisão que conceder ou indeferir a medida cautelar, poderá ser celebrado Acordo de
Preservação de Reversibilidade da Operação (APRO).
§ 1º O acordo acima referido, que possui supedâneo legal nos artigos 55 e 83 da Lei 8884/94 e nos artigos 5o e
6º da Lei 7347/85, estabelecerá as medidas aptas a preservar as condições de mercado, prevenindo as
mudanças irreversíveis ou de difícil reparação que poderiam ocorrer na sua estrutura até o julgamento do
mérito do Ato de Concentração, evitando o risco de tornar ineficaz o resultado final do processo.
Art. 9º O APRO poderá ser celebrado por iniciativa do Conselheiro-Relator ou por requerimento das
partes envolvidas no ato de concentração.
§ 1º O requerimento de celebração do APRO não gera às requerentes direito subjetivo à sua celebração,
resguardando-se ao CADE o juízo sobre a conveniência de celebrá-lo.
§ 2º Nas hipóteses em que o CADE entender conveniente a celebração do APRO, serão efetivadas negociações
com as requerentes tendentes à elaboração de uma minuta, coordenadas preferencialmente pelo Conselheiro-
Relator.
Art. 1º A medida cautelar poderá ser deferida de ofício, pelo Relator ou pelo Plenário, ou em virtude de
requerimento escrito e fundamentado da SEAE, SDE, Procuradoria do CADE ou qualquer legítimo interessado
no ato de concentração analisado.
Parágrafo único. O CADE poderá, por provocação de qualquer dos membros do Plenário, convocar os
representantes legais de empresas que estejam realizando ou tenham realizado ato de concentração que possa
126
Não obstante, como já visto, desta operação não pode acarretar ao mercado
prejuízos anticompetitivos, resultantes do compartilhamento discriminatório de receitas entre
as prestadoras de serviço de telecomunicações e o provedor. Neste sentido, cabe à autoridade
antitruste realizar a aprovação do Ato de Concentração, desde que seja obedecida a restrição
de concessão de tratamento isonômico aos provedores de acesso à Internet.
Face à lacuna regulatória, torna-se necessária a imposição de condição que
neutralize a possibilidade de adoção de compartilhamentos de receita discriminatórios,
condicionando à disponibilização de tratamento isonômico no que diz respeito ao
fornecimento de infra-estrutura de telecomunicações, em todos os seus aspectos, inclusive no
que diz respeito ao compartilhamento de receita.
Neste sentido, pode a autoridade antitruste brasileira celebrar APRO e
determinar a adoção de medida cautelar nos termos referidos. Igualmente, com o fito de
assegurar a determinação constante na decisão de mérito, pode aprovar a operação,
condicionando-a à celebração de Termo de Compromisso de Desempenho, que assegure o
cumprimento desta determinação.
Somente com aumento de concentração neste mercado, o que tende a
ocorrer em uma análise de médio e longo prazo, a níveis que pudessem configurar o
fechamento de mercado e a extensão do poder de monopólio, poderia a autoridade antitruste
estabelecer outras restrições ou, até mesmo, decidir pela impossibilidade de sua
concretização.
Assim como na análise estrutural, no caso de processo administrativo
envolvendo o mercado de provedor de acesso discado à Internet e prestadora do serviço de
ensejar a adoção de medida cautelar prevista nesta resolução, tão logo tenha notícia da operação, para prestar
127
telecomunicações será, como já observado, exclusivamente de competência da ANATEL a
instrução do caso no que atine ao mercado de telecomunicações e da SDE e SEAE, quanto ao
mercado de provimento de acesso à Internet, devendo estas secretarias fazer o cotejo entre
aquele mercado de telecomunicações e o mercado de provimento de acesso à Internet.
Após, deverá o processo administrativo ser encaminhado ao Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, para que este julgue se houve a prática das condutas
investigadas e, caso necessário, imponha as penalidades cabíveis aos infratores.
Tanto a autoridade antitruste brasileira, como SDE, como a ANATEL, têm
competência para determinar uma medida preventiva (cujas competências para sua adoção já
foram estabelecidas supra), tendo em vista que o caso envolve tanto o mercado de
telecomunicações, como o mercado de provimento de acesso discado à Internet. Desta decisão
cabe Recurso Voluntário ao CADE.
A SDE e a ANATEL podem celebrar Termo de Compromisso de Cessação
de Prática (a competência para a celebração deste instrumento já foi analisada supra), ad
referendum do CADE ou pode este ser celebrado pelo próprio CADE. Quaisquer um destes
instrumentos podem ser celebrados, desde que respeitados os limites da atuação da autoridade
antitruste, como meios para se acautelar (medida preventiva) ou garantir o cumprimento das
determinações impostas (Termo de Compromisso de Cessação de Prática).
Na análise de condutas deve-se observar que a existência de dano ou
potencialidade de dano à concorrência é pressuposto para diversas decisões do órgão de
defesa da concorrência. Assim, a demonstração da existência, ou inexistência, de tais
elementos pode ser suficiente para determinar, ou não, a condenação de determinado agente
esclarecimentos, ou deles requisitar informações, documentos e manifestações. (grifo nosso)
128
às sanções estabelecidas pelo CADE. Se a potencialidade de dano ou a ocorrência de dano à
concorrência estiverem vinculadas à percepção de poder de mercado, tal verificação será o
fundamento de toda a análise antitruste.
No caso de mercados regulados, onde se verifica a existência de monopólios
naturais, observar-se-á, em geral, empresas com alto poder de mercado. A definição de
existência de poder de mercado está diretamente ligada à delimitação do mercado relevante,
que no caso envolve tanto o mercado de telecomunicações (infra-estrutura de provimento de
acesso à Internet), como o mercado de acesso à Internet. Entretanto, como se analisará a
seguir, estas condutas serão praticadas, em regra, no mercado upstream.
O problema do enquadramento da conduta do agente econômico, no caso do
sumidouro de tráfego, surge do fato deste, em tese, estar amparado por uma norma regulatória
contrária ao direito concorrencial, que não encontra fundamento jurídico ou econômico para,
validamente, afastar a aplicação deste direito. Faraco apresenta a solução para o problema:
“Se houver a clara e efetiva imposição de uma obrigação (ainda que
ilegítima) à empresa regulada por parte de uma autoridade pública, a qual
não lhe deixa outra alternativa, sob pena de vir a ser sancionada por agir de
forma diversa, seria desarrazoado pretender lhe imputar o cometimento de
uma infração contra a ordem econômica. Quaisquer medidas nesse sentido
deveriam ser tomadas diretamente contra a autoridade pública envolvida,
inclusive por iniciativa dos outros agentes econômicos que estivessem sendo
prejudicados.
AGORA, SE A REGULAÇÃO ILEGÍTIMA NÃO TEM ESSE
CARÁTER TAXATIVO, EXISTINDO ALGUMA MARGEM DE
ESCOLHA À EMPRESA REGULADA, A SOLUÇÃO NÃO PODE
SER A MESMA. SE ELA PODERIA AGIR CONFORME O DIREITO
CONCORRENCIAL E NÃO O FEZ INVOCANDO UMA
REGULAÇÃO QUE NÃO PDOERIA SER TIDA COMO VÁLIDA,
ESTARÁ INFRINGINDO A ORDEM ECONÔMICA. RETOMA-SE
AQUI O CRITÉRIO REFERIDO NO TÓPICO ANTERIOR. COMO A
REGULAÇÃO NÃO ESTÁ OBSTANDO O EXERCÍCIO DO PODER
ECONÔMICO (IMPONDO UMA CONDUTA COMO NECESSÁRIA),
O AGENTE DEVE RESPONDER PELAS OPÇÕES QUE FIZER NO
DESENVOLVIMENTO DE SUA ATIVIDADE.”.112
(grifo nosso)
112
FARACO, Alexandre Ditzel. op. cit. p. 234
129
Tendo em vista todo o exposto acima, evidencia-se a afronta da norma aos
ditames constitucionais, legais e até infra-legais, com violação ao direito da concorrência, o
que foi demonstrado, sob os aspectos jurídico e econômico. Cumpre verificar, portanto, se
havia liberdade à conduta dos agente ou se estes estavam obrigados a aplicar o dispositivo que
afronta toda esta lógica (§ 2º, do artigo 3º, da Resolução nº 33/98 da ANATEL).
É importante destacar que a LGT, em seu artigo 155, e o Regulamento Geral
de Interconexão, em seus artigos 7º e 8º, atribuem ao agente econômico a liberdade de
contratação, restando homologado pelo ente regulador o contrato fixado pelas partes. Veja-se,
respectivamente:
“Art. 153. As condições para a interconexão de redes serão objeto de livre
negociação entre os interessados, mediante acordo, observado o disposto
nesta Lei e nos termos da regulamentação.
§ 1° O acordo será formalizado por contrato, cuja eficácia dependerá de
homologação pela Agência, arquivando-se uma de suas vias na Biblioteca
para consulta por qualquer interessado.
§ 2° Não havendo acordo entre os interessados, a Agência, por provocação
de um deles, arbitrará as condições para a interconexão”.
“Art.7º. As condições para interconexão de redes são objeto de livre
negociação entre os interessados observado o disposto na Lei n.º. 9.472, de
1997, o presente Regulamento e a regulamentação própria de cada
modalidade de serviço.
Art.8º. Nas negociações destinadas a estabelecer os contratos de
interconexão são coibidos os comportamentos prejudiciais à livre, ampla e
justa competição entre prestadoras de serviço, no regime público e privado,
em especial:
I- prática de subsídios, para redução artificial de tarifas ou preços”.
Deste modo verifica-se que, sendo de livre acordo das partes e sendo esta
uma norma sabidamente ilegal, também pelo seu aspecto anticoncorrencial, caso a
prestadora se recuse a contratar em condições justas e razoáveis, esta estará incorrendo
em conduta anticompetitiva. Neste caso, portanto, está presente a competência da
autoridade antitruste para aplicar as sanções cabíveis a esta infração à ordem
econômica. É justamente o que ocorre no caso do sumidouro de tráfego.
130
No que atine ao enquadramento de possíveis condutas (principalmente
recusa de contratar em condições justas, tratamento discriminatório e prática de preços
predatórios, dentre outros), o caso em tela pode ser enquadrável, o que dependerá da análise
do caso concreto, nos incisos I, II, III e IV do artigo 20 da Lei Antitruste Brasileira. Veja-se:
“Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de
culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou
possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a
livre iniciativa;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros;
IV - exercer de forma abusiva posição dominante”.
Observa-se, portanto, da leitura dos dispositivos acima elencados, que
constituem infração contra a ordem econômica, independentemente de culpa, os atos que
possam produzir, ainda que não sejam alcançados, o exercício abusivo de posição dominante.
Face aos efeitos deletérios que a inclusão no contrato do tráfego gerado por provedor pode
ocasionar, pode-se inferir que se estará limitando, falseando ou prejudicando, tanto o mercado
downstream, como upstream.
Os efeitos do inciso II também podem ser verificados, caso se observe no
caso em que se analisar, que a conduta da Representada teve por objeto dominar mercado
relevante de bens ou serviços, na medida em que a prática de incluir no contrato o tráfego
gerado pelo acesso à Internet poderia levar à exclusão do concorrente do mercado de STFC,
com a conseqüente dominação deste.
A hipótese do inciso III, aumento arbitrário dos lucros, pode ser verificada
na medida em que a inclusão deste tráfego no contrato venha aumentar arbitrariamente os
lucros em razão de aferir elevada receita de interconexão por possuir quantidade superior de
contratos de fomento de tráfego e/ou esteja integrado verticalmente a uma quantidade também
131
superior, o que levaria a um tráfego superior ao da outra prestadora. Observe-se, ainda, que a
existência de posição dominante não enseja per se a condenação do Representado, devendo-se
demonstrar, pela regra da razão, que houve o abuso desta posição dominante.
Ora, havendo tal comprovação (existência de posição dominante e do abuso
desta condição), tem a Representada o ônus de demonstrar que existem eficiências para o
mercado suficientes a afastar os efeitos deletérios de sua conduta. Isto, igualmente, não resta
verificado no caso do sumidouro. Tanto a inclusão no contrato não apresenta qualquer
eficiência como ela não é exigida, como se demonstrou.
No caso em tela, ao se incluir no contrato cláusula que inclua o tráfego
gerado pelos provedores de acesso à Internet, verifica-se, independentemente de seu
enquadramento nos incisos II, III ou IV, do artigo 20, da Lei de Defesa da Concorrência, o seu
enquadramento no inciso I do referido dispositivo, já que limitou, falseou e prejudicou a livre
concorrência e a livre iniciativa, criando barreiras artificiais à entrada.
3.6. Da análise dos casos concretos
3.6.1. Análise de estrutura
Cumpre observar o que foi decido na Medida Cautelar n.
08700.002729/2002-13, no Ato de Concentração n. 08012.000257/2001-23, envolvendo a
Requerente ABRANET – Associação Brasileira dos Provedores de Acesso, Serviços e
Informações de Rede Internet/SP e as Requeridas Tele Norte Leste Participações S/A e
Internet Group do Brasil, cujo Relator foi o Conselheiro Roberto Castellanos Pfeiffer.
132
Cuida a medida cautelar em análise, apresentada pela Associação Brasileira
dos Provedores de Acesso, Serviços e Informações de Rede Internet/SP (Abranet), em face do
ato de concentração n. 08012.00257/2001-23, realizado pelas empresas Tele Norte Leste
Participações S.A (Telemar) e Internet Group do Brasil Ltda (IG).
A requerente do pedido de medida cautelar alegava que estavam, as
empresas requeridas, empreendendo um negócio envolvendo compartilhamento de receita
oriunda de serviços de telefonia e assunção pela Telemar de custos com infra-estrutura de
rede de acesso discado e backbone IP, incorridos pelo IG na prestação dos serviços de acesso
à Internet.
A Secretaria de Direito Econômico exarou parecer entendendo estar
presente o fumus boni iuris, mormente a alta concentração do mercado de infra-estrutura de
telecomunicação para provedores de internet e a grande possibilidade de que, uma vez
diminuídos os custos do IG, este incorresse em risco de eliminação da concorrência pelo
incremento da qualidade em seus serviços. Entendeu, entretanto, não estar configurado o
periculum in mora.
A Secretaria de Acompanhamento Econômico manifestou-se por meio do
parecer que instruiu o ato de concentração a que se refere esta medida cautelar, o qual sugeriu
a aprovação da operação, ressalvando, contudo, a necessidade da Telemar promover
tratamento isonômico no fornecimento de infra-estrutura "em todos os seus aspectos,
inclusive no que diz respeito ao compartilhamento de receita".
No que atine ao fumus boni iuris, o Conselheiro-Relator entendeu que a
disputa das operadoras, manejada através de seus provedores gratuitos, pode vir a debilitar o
mercado de provimento de acesso pago à Internet e conseqüentemente inibir a expansão do
133
mercado de Internet como um todo no país, uma vez que tiraria o foco da qualidade do
serviço prestado para a busca de tráfego no STFC.
Quanto ao periculum in mora entendeu restar evidenciado, sobretudo a
partir do momento em que se tornou iminente a atuação da Telemar e da Telefônica em áreas
estranhas ao âmbito da concessão original, tornando assim concretas todas as questões
relacionadas com a geração de receitas de interconexão.
No entanto, em 05 de fevereiro de 2003, as requeridas apresentaram um
termo de distrato, com previsão de indenização por parte da Telemar, referente ao contrato de
fornecimento e expansão regional da infra-estrutura do IG que deu causa à interposição da
cautelar.
Restou, portanto, prejudicado o pedido de medida cautelar, em virtude da
aludida rescisão contratual. Contudo, o Conselheiro-Relator entendeu que os indícios
suscitados, no despacho proferido na medida cautelar, autorizavam a investigação a respeito
de possível cometimento de infração à ordem econômica em razão do teor do contrato
rescindido e da multa estipulada. Desta forma, determinou a remessa do despacho à SDE, para
ser efetivada a abertura de averiguações preliminares ou a instauração de processo
administrativo, caso se entendesse presentes os indícios necessários.
O Ato de Concentração ao qual se refere esta Medida Cautelar foi arquivado
por perda de objeto, tendo em vista o distrato do contrato que deu ensejo à apresentação do
Ato. Tendo havido o arquivamento deste caso, em razão da perda de objeto, nada poderia
fazer o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Neste sentido, é importante destacar,
que, não obstante o arquivamento do caso, o Conselheiro-Relator acertadamente analisou as
134
alegações de indícios de prática anticompetitiva, determinando a remessa da decisão para a
averiguação de sua procedência.
Recentemente o Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem
entendido que, pelas razões expostas no presente trabalho, deve a autoridade determinar
condições à aprovação, no sentido de estabelecer o tratamento isonômico do
compartilhamento de receitas.
O Ato de Concentração n.º 08012.006253/99-46 envolvendo as Requerentes
Telefônica Interactiva S.A. e RBS Administração e Cobrança Ltda, trata da aquisição, pela
Telefônica Interactiva S.A. (Telefônica), da empresa NUTEC Informática S.A. (NUTEC),
anteriormente pertencente à RBS Administração e Cobrança Ltda. (RBS).
A Telefônica, antiga denominação da Terra Networks S.A., atua no
provimento de acesso à Internet por meio da conexão via linha discada. A Telecomunicações
de São Paulo S.A. (TELESP), concessionária do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC)
no Estado de São Paulo, pertence ao grupo Telefônica, que atua na área de telecomunicações
e infra-estrutura, oferecendo diversos serviços como telefonia fixa e móvel, acesso à Internet,
serviços de teleatendimento (call centers), rede de transporte de telecomunicações, entre
outros.
O Grupo Telefônica não atuava no mercado brasileiro de serviços
relacionados à Internet antes da aquisição da NUTEC. No entanto, atuava no País no mercado
de telefonia. Deste modo, apesar de inexistir concentração horizontal em virtude da operação,
ocorreu, no caso, uma integração vertical, na medida em que a TELESP, pertencente ao grupo
Telefônica, passou a ser a fornecedora de infra-estrutura de telefonia fixa que conecta os
usuários da NUTEC no Estado de São Paulo.
135
Verifica-se reduzida a probabilidade de fechamento de mercado, uma vez
que existe a possibilidade de outras empresas ingressarem no mercado de infra-estrutura de
telecomunicações e que existem diversos outros provedores que contratam os serviços da
TELESP, além da NUTEC, gerando receita para aquela empresa. Todavia, devido ao fato da
TELESP concentrar praticamente toda a infra-estrutura de telecomunicações para provedores
de acesso à Internet no Estado de São Paulo, ela poderia praticar preços diferenciados,
discriminando qualidade ou mesmo condições de pagamento entre provedores concorrentes
da NUTEC.
Entretanto, em tese, é vantajoso para uma companhia telefônica competir
por um maior número de provedores (mesmo que rivais da empresa adquirida) que utilizem
sua infra-estrutura, pois o aumento do tráfego na rede gerado pelos usuários dos provedores
de Internet tende a ser uma fonte adicional de receita para essas empresas.
A SEAE fez recomendação no sentido de que a aprovação do ato estar
condicionada ao compromisso do Grupo Telefônica manter um tratamento isonômico em
relação ao fornecimento da infra-estrutura de telecomunicações, em todos os seus aspectos,
inclusive no que diz respeito ao compartilhamento de receita.
O Conselheiro Roberto Pfeiffer, em voto prolatado em pedido de vista,
entendeu que a operação, apesar de apresentar integração vertical, não possuía o condão de
ocasionar o fechamento de mercado, extensão do poder de monopólio e a facilitação do
comportamento colusivo das empresas integradas.
No entanto, face à lacuna regulatória, entendeu ser necessária a imposição
de condição à aprovação da operação, no sentido de determinar que o Grupo Telefônica
disponibilizasse tratamento isonômico no que diz respeito ao fornecimento de infra-estrutura
136
de telecomunicações, em todos os seus aspectos, inclusive no que diz respeito ao
compartilhamento de receita, aos concorrentes da NUTEC.
O Conselheiro Pfeiffer foi vencido quanto a esta recomendação, tendo sido
o Ato de Concentração aprovado sem a imposição de quaisquer restrições. No entanto, tal
resultado modificou-se nos dois últimos julgados do CADE sobre esta matéria.
O Ato de Concentração nº. 08012.006688/2001-01 envolvendo as
Requerentes CTBC Celular S/A e Net Site S/A, trata da aquisição, pela CTBC Celular S/A
(CTBC Celular), de 56% das ações ordinárias na empresa Net Site S/A (Net Site).
Cerca de 86,8% das ações ordinárias da CTBC Celular113
são detidas pelo
Grupo Algar, que, por meio desta subsidiária, fornece serviço de infra-estrutura para
telecomunicações em determinados municípios dos estados de São Paulo, Minas Gerais,
Goiás e Mato Grosso do Sul. A Net Site, por sua vez, tem como principal atividade o serviço
de conexão à Internet via linha discada.
A operação gerou uma concentração horizontal, entretanto, esta não
apresenta danos à concorrência. Também foi verificada a constituição de uma relação vertical
entre a Net Site (empresa adquirida) e o Grupo Algar (grupo adquirente), na medida em que a
CTBC Telecom – empresa pertencente ao Grupo Algar –, é a fornecedora de infra-estrutura
de telefonia fixa que conecta os usuários da Net Site.
O Conselheiro Cleveland Prates, em voto de vista, verificou que a
probabilidade de fechamento de mercado é reduzida, tendo em vista que a demanda potencial
113
A CTBC Telecom é a Empresa Concessionária Independente na prestação de Serviço Telefônico Fixo
Comutado (STFC) nos setores de concessão no 3, 22, 35, 33, conforme definidos no Plano Geral de Outorgas
(PGO) aprovado pelo decreto no 2534/98.
137
da Net Site é substancialmente inferior à capacidade de oferta de linhas fixas pela CTBC
Telecom. Assim, qualquer restrição da oferta de STFC pela CTBC Telecom poderia
representar perdas de receita, tornando irracional a adoção de tal prática.
Quanto à possibilidade extensão do poder de monopólio, tendo em vista ser
a CTBC o único fornecedor no mercado de fornecimento de infra-estrutura telefônica para
provimento de acesso discado à Internet nas cidades de Uberaba e Uberlândia, esta poderia
diferenciar em preços, qualidade ou condições de pagamento e serviços prestados aos
provedores concorrentes da Net Site. Além disso, uma prática que tem se verificado em
operações envolvendo prestadoras de telefonia fixa e provedores de acesso à Internet, é o
chamado compartilhamento de receitas114
.
Entendeu-se que, se, por um lado a CTBC Telecom não teria incentivos a
compartilhar as receitas com os provedores de Internet, mesmo estes sendo os responsáveis
pela geração do recurso, por outro poderia ser interessante para a operadora repartir essas
receitas apenas com o seu provedor, criando uma nítida desvantagem para os demais
competidores, já que uma empresa do seu grupo tinha mais recursos para investir em
estratégias mais agressivas e ficar em melhor condição de competição no mercado.
Apesar da legislação hoje vigente (LGT e a norma 04/95, entre outras) que
proíbe a discriminação pelos ofertantes do uso das redes públicas de telecomunicações, a
norma 04/95 apenas estabelece genericamente a necessidade de critérios isonômicos no
fornecimento de serviços prestados, não sendo específica quanto às possibilidades de
tratamento diferenciado em relação a associados e concorrentes, no que diz respeito ao
compartilhamento de receitas geradas pelo uso da linha telefônica para o acesso à Internet.
138
Neste sentido, concluiu o voto do Conselheiro Cleveland Prates, condutor
do acórdão, nos seguintes termos:
“Pelo exposto, aprovo a presente operação com o compromisso por parte da
CTBC de manter um tratamento isonômico com relação ao
compartilhamento de receita aos concorrentes da Net Site no mercado
relevante definido. Tal compromisso deverá ser estabelecido através de TCD
(Termo de Compromisso de Desempenho), contendo critérios objetivos,
adotados de maneira transparente, e que tenham um efeito neutro sobre a
concorrência. O compromisso deverá ser mantido enquanto as atuais
condições de mercado forem vigentes, estando sujeito a alterações na
ocorrência de um dos seguintes fatos: (i) forem apresentadas por alguma das
partes comprovações de que as atuais condições competitivas do mercado
mudaram significativamente ou; (ii) edição por parte da Anatel de uma
Norma que determine critérios específicos com relação ao compartilhamento
de receitas. Além disso, determino que, na medida em que forem firmados
ou renovados contratos com os concorrentes da Net Site, sejam estes
apresentados à CAD/CADE para a verificação das condições estabelecida”.
O Ato de Concentração nº. 08012.004818/2000-82 envolvendo as
Requerentes Terra Networks Brasil S/A e Internet Digital Boulevard S/C Ltda, por sua vez,
trata da aquisição, pela Terra Networks Brasil S/A, da carteira de clientes do serviço de acesso
à Internet, hospedagem de páginas, registro de domínio e equipamentos da Internet Digital
Boulevard S/C Ltda.
A operação em comento, assim como a acima analisada, apresentou
aumento de concentração horizontal, entretanto, apesar disso, constatou-se que a
probabilidade de exercício de poder de mercado seria pequena.
Os efeitos verticais foram os mesmos verificados nos dois casos acima
analisados, de modo que foi verificada a constituição de uma relação vertical entre a
Boulevard (empresa adquirida) e o Grupo Telefônica (grupo adquirente), na medida em que a
114
CF. Despacho proferido na Medida Cautelar n° 08700.002779/2002-13, envolvendo a Requerente
ABRANET – Associação Brasileira dos provedores de Acesso, Serviços e Informações de Rede Internet/SP e as
Requeridas Tele Norte Leste Participações S/A e Internet Group do Brasil.
139
Teslep – empresa pertencente ao Grupo Telefônica –, é a fornecedora de infra-estrutura de
telefonia fixa que conecta os usuários da Boulevard.
A conclusão sobre a possibilidade de fechamento de mercado e extensão de
poder de monopólio foram os mesmos do caso acima, tendo sido, portanto, estabelecidas as
mesmas determinações constantes na conclusão do caso acima analisado, nos termos do voto
do Conselheiro Cleveland Prates, também condutor deste acórdão.
Observou-se, que do ponto de vista estrutural, o Conselho, nestas duas
últimas decisões, chegou à conclusão mais adequada, no sentido de utilizar o instrumento do
Termo de Compromisso de Desempenho, com o escopo de assegurar o cumprimento da
determinação realizada, no que se refere ao tratamento isonômico aos provedores de acesso.
Caso não verificado o cumprimento deste tratamento isonômico, são cabíveis as penalidades
por descumprimento da decisão e pela prática de atos anticoncorrenciais.
É importante destacar que a prática de descontos a provedores não é, em
princípio, uma prática anticoncorrencial. Não obstante, práticas anticompetitivas podem estar
revestidas de descontos, como no caso em que as empresas telefônicas não realizem este
desconto em termos isonômicos, consistindo em discriminação, prática realizada por
operadoras detentoras da infra-estrutura de telecomunicações contra provedores de acesso à
Internet.
3.6.2. Análise de conduta
No que tange às condutas, é interessante o caso que ainda em sede de
Medida Preventiva Nº 08700.001639/2003-88, no Processo Administrativo nº
140
53500.002336/2003, envolvendo a Requerente Telecomunicações de São Paulo (Telesp) e a
Requerida Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A (Embratel), cujo Relator é o
Conselheiro Roberto Pffeifer.
Alega a Telesp ser necessária a adoção de medida preventiva para que se
evite a ocorrência de lesão irreparável no mercado de serviços de telecomunicações de suporte
ao provimento de acesso discado à Internet, causada pelas condutas da Embratel, contrárias à
regulação específica do setor de telecomunicações, as quais configuram infração à ordem
econômica.
A Requerente alega que: a ANATEL omitiu-se na adoção de providências
contra a Representada para se evitar os efeitos deletérios do sumidouro de tráfego,
principalmente após o despacho em que esta autarquia determinou-lhe a implementação da
fixação das condições comerciais necessárias, ignorando a divergência contratual entre a
Requerente e a Requerida para a pactuação dessa interconexão de redes e o pedido de
arbitragem formalmente postulado pela Requerente; a Embratel tem, em razão da inércia da
ANATEL, focado seus negócios principalmente na busca do sumidouro de tráfego; tem
ocorrido prejuízo ao mercado de infra-estrutura de telecomunicações para o acesso à Internet;
tal situação tem compelido as concessionárias de STFC a criarem seus próprios provedores
gratuito; que o precedente firmado no julgamento da Medida Cautelar requerida pela
ABRANET (acima analisado) constatou a existência de indícios de prejuízos tanto aos
princípios isonômicos regedores do sistema de telecomunicações, com da concorrência no
mercado de provimento de acesso discado à Internet; a existência de um subsídio que gera
distribuição de renda às avessas.
141
Por todo o exposto, a Telesp requer a concessão da medida preventiva para
que a Embratel fique impedida de: (i) incluir as chamadas destinadas a provedores de acesso à
Internet trocadas entre os usuários das redes da Requerente e da Requerida nos documentos de
apuração de tráfego (Detraf) ou que, por qualquer medida ou artifício, sejam consideradas
para a aplicação da regra do art. 3º, § 2º, da Resolução ANATEL nº 33 e cumulativamente:
(ii) compelir a Requerida Embratel a se omitir de cobrar ou de compensar, com eventuais
créditos existentes, quaisquer valores relativos à tarifa de uso de rede local (TU-RL) apurados
em função de desequilíbrio de tráfego destinado a provedores de acesso à Internet; e (iii)
compelir a Requerida Embratel a se omitir de oferecer aos provedores de acesso à Internet
quaisquer descontos, bonificações, repasses ou transferências de receitas para que venham a
se conectar à sua rede de suporte ao STFC prestado em regime privado; ou alternativamente:
(iv) obrigar a Requerida Embratel a praticar, na contratação com provedores interessados na
utilização de sua rede do STFC para receber chamadas destinadas ao acesso à Internet, preços
compatíveis com os custos de mercado sem qualquer hipótese de compartilhamento das
receitas advindas da remuneração pelo uso de redes locais do STFC pelo tráfego gerado.
A SEAE manifestou-se no sentido de haver pleno fundamento nas alegações
da Representante quanto à conduta da Representada, constituindo infração enquadrável no
inciso I, do artigo 20 e nos inciso V e XIV, do artigo 21, todos da Lei nº 8.884/94.
Observou a Secretaria que as práticas de sumidouro de tráfego têm sido
comuns entre as operadoras telefônicas e os provedores de acesso à Internet. Prova da
existência desta prática encontra-se configurada pela afirmação pública do Sr. Roberto
Durães, gerente geral de serviços locais da Embratel, a qual alude ao desejo desta empresa em
compartilhar receita de interconexão com os provedores que desejarem associar-se a ela. Este
fato também foi destacado no parecer da Tendências Consultoria Integrada, que salientou que
142
quanto maior o tráfego gerado pelo provedor nas redes da Embratel, mais elevada será a
receita de interconexão compartilhada ao provedor, motivando-o a maximizar o tempo de
navegação na Internet dos usuários.
Desta forma manifestou-se favoravelmente à concessão parcial da Medida
Preventiva, quanto aos pedidos (i) e (ii) acima elencados. Quanto aos itens (ii) e (iv) observa
que adotadas as solicitações constantes nos itens (i) e (ii), cessa o incentivo principal da
Representada para compartilhar receitas com provedores de acesso.
Recomendou, ademais, a SEAE, que os itens (i) e (ii) sejam aplicados
também à Representante, ou seja, que esta seja igualmente impedida, para todos os efeitos, de
incluir as chamadas destinadas a provedores de acesso no cálculo dos valores de interconexão
a ela devidos pela Embratel. Tal recomendação teve por base o fato de haver provedores
atualmente instalados na rede da Telesp, especialmente o iTelefônica, lançado em 2002 com o
objetivo declarado de contrabalançar as despesas com pagamento de TU-RL a outras
prestadoras.
A Embratel alega: que realiza pagamento de TU-RL com base na regra
45/55 quando utiliza o serviço de STFC local; serem expressivos os pagamentos relativos à
tarifa de interconexão feitos à Telefônica, o que constitui barreira à entrada de novo entrante;
ser matéria de direito privado; não haver subsídio cruzado ou preço predatório; não haver
fumus boni iuris e nem periculum in mora.
A SDE entendeu ser improcedente o pedido de Medida Preventiva, por não
ter sido demonstrado pela Telesp o fumus boni iuris e o periculum in mora, não obstante tenha
ressalvado que, embora seja relevante a questão relativa ao desequilíbrio entre as tarifas de
público e de interconexão em horários específicos, a Representante não demonstrou a
143
proporção do volume de tráfego na Internet nos horários em relação ao tráfego total em sua
rede e a existência de ilegalidade da conduta atribuída à Embratel, sendo que eventuais danos
poderão ser reparados.
A Procuradoria do CADE manifestou-se pela concessão parcial da Medida
Preventiva nos mesmos termos da SEAE, apenas quanto aos itens (i) e (ii) do pedido,
entendendo haver geração artificial de tráfego pela empresa entrante, possuidora de menor
quantidade de assinantes que, para compensar o desequilíbrio no tráfego de chamadas com as
operadoras concessionárias, estimula a instalação de provedores de acesso à Internet em suas
redes, compensando a TU-RL com as operadoras locais, desequilibrando a relação, porquanto
a duração das chamadas feitas pelos usuários da Internet (transmissão da dados) são
superiores às realizadas para conversação (transmissão de voz).
A Procuradoria do CADE entendeu haver a existência do fumus boni iuris,
em razão de se verificar a existência de subsídios cruzados entre os valores dos serviços dos
usuários de telefonia fixa e os de Internet, principalmente quando se trata do uso da Internet
gratuita. O periculum in mora reside na necessidade de garantir-se o resultado útil do processo
administrativo em análise
O Ministério Público Federal entendeu, preliminarmente, pela
incompetência do CADE para a análise da medida preventiva. No mérito, manifestou-se pelo
indeferimento do pedido, por entender que depende de prova a ser feita durante a instrução do
Processo Administrativo, não se evidenciando os requisitos de fumus boni iuris e periculum in
mora.
O caso encontra-se concluso, aguardando a apreciação do Conselheiro-
Relator.
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Tendo em vista toda a análise desenvolvida no presente trabalho, seria o
mais razoável, com base nos elementos constantes nos autos, a adoção de medida preventiva
neste caso, nos termos expostos nos pareceres da SEAE e da Procuradoria do CADE. Os
pedidos (iii) e (iv), sendo atendidos os dois primeiros pedidos, não seriam capazes de causar
dano ao mercado. Isso porque o problema não reside no fato de se conceder descontos aos
provedores de acesso, mas destes descontos serem realizados com base em um subsídio
cruzado. Cessando a distorção que enseja tal subsídio, passa-se a uma questão de estratégia
empresarial, respeitados os limites legais que regem a concorrência.
Quanto à existência de condutas, estas devem ser comprovadas nos autos.
Não obstante, pelos elementos até então existentes, pode-se concluir que, como já tratado
acima, houve a liberalidade da empresa em incluir no contrato de interconexão esta flagrante
distorção, de forma consciente, consoante se observou da declaração pública do gerente geral
de serviços locais.
Frise-se que, caso verificado tratamento discriminatório entre os provedores
integrados à empresa telefônica e os não integrados, igualmente é possível o enquadramento
deste ato como sendo uma conduta anticompetitiva.
Cabe, por fim, ressaltar que conforme sugerido pelo Conselheiro Roberto
Pfeiffer, no despacho referente ao pedido de medida cautelar realizado pela ABRANET, o
ideal seria a instauração de um processo administrativo. Entende-se que este processo
administrativo deveria ser instaurado contra todas as prestadoras de STFC, por cautela, para
que se verificasse quais delas poderiam estar praticando condutas anticompetitivas, em
relação ao sumidouro de tráfego.
145
CONCLUSÃO
A evolução legislativa referente ao direito concorrencial tem ocorrido de
forma espantosamente rápida nos últimos anos. Isto implica o surgimento de novas questões e
indecisões acerca desta parte do sistema jurídico. O presente trabalho teve por escopo buscar
elucidar especificamente uma questão: o sumidouro de tráfego. Face à disciplina especial do
setor de telecomunicações, em contraposição ao regime geral aplicável à concorrência,
buscou-se delimitar as competências definidas por um e pelo outro, bem como quais as
possíveis soluções que a autoridade antitruste pode dar, enquanto não haja uma modificação
na norma regulatória.
Da interpretação do conjunto de regras da LGT, deduz-se que o legislador
outorgou à ANATEL competência exclusiva para a regulação do setor de telecomunicações,
bem como para a tarefa de realizar a análise instrutórias de condutas e de estruturas. Isto
significou que se excluiu a competência da SDE e da SEAE, para a análise do mercado de
telecomunicações. Tendo em vista, entretanto, que o problema do sumidouro de tráfego
envolve não apenas o mercado de telecomunicações, a instrução deve ser feita por estes três
órgãos, no que diz respeito às suas competências.
Tal conclusão pôde ser alcançada através de uma análise dos métodos
tradicionais de hermenêutica jurídica (a interpretação literal da norma, a interpretação
histórica, a interpretação teleológica e a interpretação sistemática), que foram analisados sob
uma perspectiva de complementaridade e interdependência.
146
Partindo-se da concepção sistêmica do direito, tais regras de hermenêutica
foram ainda cotejadas com os princípios constitucionais (proporcionalidade e eficiência) e
administrativos (razoabilidade, economia processual, celeridade e especialidade).
Face à patente incoerência e incompatibilidade surgidas, pode-se dizer que
houve derrogação da Lei nº 8.884/94, no que tange à competência instrutória da SDE e da
SEAE, quanto ao que diz respeito à análise concorrencial no mercado de telecomunicações.
Frise-se que para a configuração de incidência da competência para a
análise de atos ou condutas, não é condição o fato de uma das empresas envolvidas no ato ser
prestadora de tal serviço, devendo estar envolvido na operação o mercado relevante de
telecomunicações.
Ocorrendo a hipótese de, o caso concreto analisado, envolver tanto o
mercado relevante de telecomunicações, como outro qualquer, deveria a ANATEL
pronunciar-se sobre a matéria de sua competência e, após, a SDE e a SEAE, quanto aos
demais aspectos, remetendo, por fim, ao julgamento do CADE.
Conclui-se, ademais, que a norma atual que rege a compensação no mercado
de STFC para a definição da tarifa de interconexão que será devida à empresa que ultrapasse
em 55% o uso da rede da outra é flagrantemente contrária a toda a lógica do sistema jurídico
brasileiro, seja do ponto de vista constitucional, legal ou infralegal.
Não é possível de se admitir que um serviço público, constitucionalmente
previsto como tal, com o dever inclusive de universalização, para que se promova uma
política distributiva em respeito à justiça social, subsidie uma atividade econômica em sentido
estrito, com inclusive uma distribuição de renda às avessas.
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Falta, portanto, a adequação da relação de equivalência entre as regras de
tarifação do usuário pela utilização da rede local de STFC, em especial daqueles que a
utilizam para conectarem-se à Internet por meio de acesso discado, e as regras de
compensação mútua operadora/operadora nas interconexões de redes locais. Isso porque, o
assinante de um telefone fixo utiliza o provedor localizado em uma rede rival, gerando tráfego
excedente, sem que seja sinalizado corretamente do custo efetivo do serviço utilizado.
Urge, portanto, que seja elaborado um novo marco regulatório para
disciplinar a remuneração pela utilização das redes de telefone locais, diversa da atual TU-RL.
Acrescente-se que, embora as autoridades de defesa da concorrência possam garantir que não
haja efeitos adversos, especificamente no que tange à nivelação dos competidores no mercado
de provimento de acesso discado, fazendo cumprir a obrigatoriedade de tratamento isonômico
que deva ser dado pelas operadoras de STFC a todos os provedores de acesso à Internet via
linha discada, o cerne da questão continuará inalterado, posto que os usuários finais
continuarão a ser erroneamente sinalizados com relação aos reais custos da utilização do
STFC.
A competência da autoridade antitruste só surtirá efeito quanto à aplicação
de determinações e/ou limitações, do ponto de vista estrutural, ou determinações e/ou
condenações de prática anticoncorrencial, quando provocada para a análise de um caso
concreto. O que não seria suficiente para afastar os efeitos deletérios, desta norma regulatória
atentatória a toda o sistema legal brasileiro, ao mercado como um todo, mas somente para
afastar estes efeitos nas relações entres as partes envolvidas na análise do caso concreto.
O ideal seria, portanto, a instauração de um processo administrativo
instaurado contra todas as prestadoras de STFC, por cautela, para que se verificasse quais
148
delas poderiam estar praticando condutas anticompetitivas, em relação ao sumidouro de
tráfego.
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