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TERRITÓRIO DA SAÚDE: CONHECIMENTO, PERCEPÇÕES E ATITUDES EM RELAÇÃO À LEISHMANIOSE VISCERAL
BORJA-CABRERA, Gulnara Patricia, CASTRO, Josiane Márcia
Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de
dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4
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TERRITÓRIO DA SAÚDE: CONHECIMENTO, PERCEPÇÕES E ATITUDES
EM RELAÇÃO À LEISHMANIOSE VISCERAL
BORJA-CABRERA, Gulnara Patricia
Doutora, docente do mestrado em Gestão Integrada do Território/ UNIVALE/Minas Gerais
gulnara.borja@univale.br
CASTRO, Josiane Márcia
Mestranda de Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce/UNIVALE
josianecastro77@yahoo.com.br
RESUMO A saúde perpassa pela existência geográfica pois agrega fenômenos naturais e antrópicos, consequências dos
vários modelos do processo saúde – doença e suas territorialidades. Isto implica em desafios que proporcionem
controle as endemias, em especial a Leishmaniose Visceral Humana. Objetivou-se avaliar o conhecimento sobre o agravo e a percepção dos residentes sobre o reservatório canino para identificar os modelos predominantes do
processo saúde-doença e seus respectivos territórios. Tratou-se de um estudo observacional, descritivo, com
abordagem qualitativa no municipio de Governador Valadares, Minas Gerais. Para análise dos dados utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo de Bardin. O estudo revelou que a maioria dos entrevistados compreendem o
processo saúde-doença, através dos modelos biomédico e processual. A medida de controle através da
eliminação do reservatório, afeta o território simbólico que possivelmente possa estar contribuindo para
expansão da doença.
Palavras-chave: Territorio. Leishmaniose. Percepção
ABSTRACT Health permeates the geographical existence as it adds natural and man-made phenomena, consequences of the
various models of health - disease process and their territoriality. This implies challenges that provided a control to endemic diseases in particular human visceral leishmaniasis. This study aimed to assess the
knowledge of the grievance and the perception of residents over the canine reservoir to identify the prevailing
models of health-disease process and their respective territories. This was an observational, descriptive, qualitative approach in the municipality of Governor Valadares, Minas Gerais. For data analysis we used the
technique of Bardin Content Analysis. The study revealed that most respondents understand the health- disease
through biomedical and procedural models. The reservoir elimination measure affects the symbolic territory that could possibly be contributing to spread of the disease.
Key-words: Territory . Leishmaniasis .Perception
INTRODUÇÃO
Os fatores socioeconômicos fazem com que parte da população rural migre para a periferia dos
grandes centros, onde as condições sanitárias e de habitação na maioria das vezes são precárias,
favorecendo o aparecimento de doenças negligenciadas como a leishmaniose visceral (LV),
modificando a geografia da Saúde global. A LV, encontra-se entre as seis endemias consideradas
prioritárias no mundo (CARDOSO, 2010) . O Brasil enfrenta atualmente a expansão e urbanização da
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LV com casos humanos e caninos em vários territórios, apresentando surtos frequentes (BARBOSA,
2013). Em Minas Gerais, o agravo é considerada um problema de saúde pública, principalmente na
região leste,onde a macrorregião de Governador Valadares, possui diversos micro territórios com casos
de LV, considerados endêmicos, inclusive com ocorrência de óbitos. Tem sido sugerido na literatura,
que um dos principais determinantes para a LV humana é a presença canina e que pode anteceder a LV
humana. A ré emergência da LV Canina no município de Governador Valadares foi constatada através
de um inquérito sorológico realizado em 2006 (MALAQUIAS et al., 2007) antecedendo a LV humana,
que teve o primeiro caso notificado em junho de 2008. Portanto, considerando que o município de
Governador Valadares se encontra em situação de surto, com a presença do inseto vetor e grande
número de cães soro reagentes, principal reservatório urbano da LV (BARATA et al., 2013), faz-se
necessário um estudo nos múltiplos territórios onde se manifesta a doença é que tem permitido a
endemicidade, acentuada pelos aspectos epidemiológicos, conhecimento e percepção enquanto a seu
reservatório, no intuito de melhorar as estratégias do controle da doença.
1. ASPECTOS CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICOS QUE INFLUENCIAM A EVOLUÇÃO
DA LEISHMANIOSE VISCERAL EM GOVERNADOR VALADARES
A LV atinge principalmente as populações mais carentes, pois grande parte delas não tem
acesso a métodos de diagnósticos precozes e ao tratamento específico, o que eleva os índices de
mortalidade. A dinâmica da LV em um territorio é uma analise de múltiplas escalas e de inúmeros
processos que se interrelacionam singularmente, que vão de grandes centros urbanos até as periferias
com suas própias caractérísticas, como as condições socio demográficas, indicadores de saúde, fatores
de risco, infraestrutura dos serviços de saúde, diferenças ecossistêmicas, e as gestões das políticas
públicas (CATÃO e GUIMARÃES, 2009).
Embora a interração das escalas seja difícil de prever, estima-se que até 2030, 5 bilhões de
pessoas viverão em áreas urbanas em todo o mundo, e essa intensificação do crescimento da população
urbana é susceptível de aumentar os surtos de doenças transmitidas por vetores, como a LV. Estima-se
que ocorra mais de 02 milhões de novos casos de leishmaniose todos os anos no planeta, e ainda que
350 milhões de pessoas vivam em territórios de risco da doença. Por tratar-se de doença que afeta
tipicamente populações pobres e até pouco tempo quase exclusiva do meio rural, a LV não tem
chamado a atenção das políticas governamentais de saúde, assim como dos programas de controle,
prevenção e de tratamento (BOELAERT et al., 2000).Atualmente a LV afeta 88 países, dos quais 72
são classificados como em desenvolvimento, incluindo 13 dos menos desenvolvidos, ocorrendo 90%
dos casos em apenas 05 países - Bangladesh, Brasil, Índia, Nepal, Afeganistão, (Figura 1).
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(PORTELLA et al., 2009).
Figura 1. Distribuição das áreas endêmicas de leishmaniose visceral, 2003.
Fonte: http www.google.com/imagens
A doença pode levar ao óbito em 95% dos casos não tratados e 10% quando não se institui o
tratamento adequado (GONTIJO e MELO, 2004). Segundo Leite e Araujo (2013), a gravidade das
manifestações clínicas da LV pode estar relacionada à idade, ao estado nutricional e às características
imunogenéticas dos indivíduos acometidos pela doença. Para Santos et al. (2010), a associação de co-
morbidades como a desnutrição, o diagnóstico tardio da doença e a presença de complicações, como as
infecções bacterianas e as hemorragias convergem para o aumento da letalidade por esse agravo.
De acordo com a distribuição espacial da doença no Brasil, os casos de LV estão distribuídos
em 22 unidades federadas atingindo as cinco regiões brasileiras como mostrado na Figura 2, que tem
sofrido modificações territoriais com inversão do perfil que era predominante na região nordeste com
mais do 80% dos casos, abaixando para 2013 a aproximadamente 60%, enquanto a região sudeste
apresentou um incremento significativo (DATASUS, 2015) consequente aos processos de urbanização
e migração modificando a geografia da doença.
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Figura 2. Casos confirmados de LV no Brasil, por região. 2000 a 2013
Fonte: Ministério da Saúde/SVS, DATASUS
Em Minas Gerais, observou-se no período de 2004 a 2008, um total de 2.374 casos de LV,
correspondendo a 68% dos casos registrados na região Sudeste e 14% do país. Minas Gerais é o
segundo estado com maior número de notificações para a doença, onde a letalidade neste período foi
de 8,9% (SNVS, 2009). Conforme análise dos dados disponíveis no Sistema Nacional de Agravos de
Notificação (SINAN), o Brasil registrou uma taxa de letalidade por LV de 6,52%, em média, no
período entre 2000 e 2009. No mesmo período, a taxa média em Minas Gerais atingiu uma media
acima da média nacional destacándo-se o ano de 2004 (Figura 3).
Figura 3. Taxa de letalidade nos estados da região sudeste entre os anos de 2000 e 2009.
Fonte: SINAN/GEPI/DVS/GV
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No ano 2008, o Município de Governador Valadares área silenciosa para LV, apresentou a
primeira notificação, necessitando de um conhecimento mais aprofundado sobre fatores clínico-
epidemiológicos, como a procura do diagnóstico, as evoluções clínica e laboratorial, a escolha do
tratamento e as co-morbidades. Nos últimos anos, o Ministério da Saúde tem investido em pesquisas
sobre diagnóstico laboratorial humano e canino, tratamento dos pacientes, avaliação da efetividade das
estratégias de controle, bem como de novas tecnologias que possam contribuir na implementação das
ações de vigilância e controle da LV no Brasil (MAIA-ELKHOURY et al., 2008).
Esse territorio constitui um polo econômico da mesorregião do Vale do Rio Doce e à
microrregião de mesmo nome, exercendo significativa influência sobre o leste e nordeste de Minas
Gerais e municípios do estado do Espírito Santo. Situa-se a 324 quilômetros de Belo Horizonte - MG.
Segundo contagem do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, possuem 260.396
habitantes e que se encontram distribuídos em bairros da região urbana e distritos em áreas da zona
rural (IBGE 2010). Segundo a Gerência de Epidemiologia de GV, a taxa de letalidade no município no
período de junho de 2008 a junho de 2010 atingiu um índice elevado de 18,03%, medindo desta forma
a patogenicidade doença (GEPI/SMS-GV, 2010). Após levantamento de dados primários e
secundarios, por Costa et al. (2015) (Figura 4), observou-se que entre os anos 2009 a 2015 foram
notificados 119 casos com uma prevalência de 45,1/100.000hab, e um maior número de casos no ano
2011 com 44 notificações (37%) e incidência de 16,7/100.000hb, valores considerados elevados da
média nacional, contribuyendo para el aumento de notificaciones regionais o que determinó as
condicições para um surto da doença com a necesidade imediata de implementação de políticas
públicas de controle como a eutanacia de cães soropositivos.
Figura 4. Leishmaniose Visceral em governador Valadares no período de 2009 a 2015
Fonte: SINAN/GEPI/DVS/GV
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Observou-se também (COSTA et al., 2015), uma expansão com predomínio na área urbana
(Figura 5), com distribuição em 52 bairros, da área urbana e somente em 02 da área rural (Pontal e
Baguari) mostrando o processo de urbanização da doença na cidade que vai desde o Centro (11 casos)
até os bairros periféricos, destacândose o bairro Altinôpolis com 17 casos.
Figura 5. Distribuição por microteritórios da LV, Governador Valadares, 2008- 2009
Fonte: SINAN/GEPI/DVS/SMS/GV
Foi também observada uma prevalência no gênero masculino de 69,5/100.000hab., e
21,7/100.000hab no feminino. A distribuição das notificações foi em todas as faixas etárias, sendo a
mais atingida a de 40 a 59 anos (27,7%) com uma prevalência de 53,2/100.000hab. (COSTA et al.,
2015).
No período estudado, foram observados 10 óbitos com um coeficiente de mortalidade de
3,8/100.000 e de letalidade de 8,4%. Evidenciando que o territorio de Governador Valadares continua
sendo uma área endêmica para a doença, atinge o gênero masculino maioritariamente em todas as
idades, com predomínio nas faixas etárias economicamente ativas (COSTA et al., 2015).
Sobre o tema distribuição espacial da LV, há um grande número de trabalhos, tanto de
geógrafos como de outros profissionais da área de saúde, contudo, existe uma predominância de
estudos de casos, principalmente tomando como escala de análise a local, privilegiando o intra-urbano
e/ou alguns bairros, o que faz com se perca a noção mais ampla que esse fenômeno tem.
Os objetivos do estudo foram analisar o conhecimento e percepção sobre o reservatório canino
que contribuem para endemicidade da LV humana no município de Governador Valadares, além de
identificar os modelos do processo Saúde doença presentes no território da Leishmaniose e identificar
as concepções de Território que subsidiam a discussão sobre a expansão desse agravo no município.
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1.1 Caminho metodológico
Esta pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa onde será utilizada a metodologia
de analise de Conteúdo de Bardin . Para a análise, foram agrupados os dados em categorias, dentro dos
temas identificados. Os textos não sofreram correções linguísticas, preservando o caráter espontâneo
das falas. Esta técnica de análise consiste em um processo sistemático de avaliação de mensagens, que
objetiva a descrição do conteúdo e inferências de conhecimentos sobre a produção e recepção dessas
mensagens. Tal processo seguiu os seguintes passos: os discursos foram coletados inicialmente,
transcritos mantendo-se a forma original de expressão dos respondentes; pré-análise, na qual se fez
uma leitura flutuante, a partir da qual emergeram impressões e orientações, de forma a identificar as
grandes categorias discursivas abordadas pelos respondentes; leituras dos conteúdos, para a
organização e sistematização, permitiram o agrupamento em categorias, identificando unidades de
significados, estabelecendo subcategorias que possibilitaram a descrição dos resultados e percepções
dos conteúdos que consolidaram o tema (BARDIN, 2009).
Pretende-se correlacionar os diferentes tipos de processo de saúde doença, a fim de identificar o
tipo imperante no território estudado e propor medidas que visam substituir a perspectiva unicausal e
determinística ambiental da origem dos problemas dos agravos, pela perspectiva multicausal. Nesta
abordagem, identificar os múltiplos territórios, como bairros, ESF, condições culturais e simbólicas
que quase nunca ocupam a mesma dimensão, mais são decisivas para a manutenção do agravo. Como
fonte dados primários utilizaremos um questionário semiestruturado previamente validado, contendo
perguntas para análises qualitativas, adotou-se questoes que permitiram analisar a percepção,
conhecimento e atitudes dos indivíduos com respeito a doença, focalizando a relação existente com o
hospedeiro canino, o que permitiu entender territorialidade existente entre esses atores, com o intuito
de melhorar o controle da doença. Para registro das respostas foi utilizado como recurso um gravador
digital buscando uma fidelidade quanto à fala do entrevistado e viabilizando o retorno ao material
sempre que se fizer necessário. Em todas as entrevistas foi mantido um caráter informal, a fim de que o
indivíduo se sinta à vontade para relatar suas impressões sobre a LV. Essas entrevistas forão transcritas
imediatamente pelo pesquisador.
Para a análise de Conteúdo de Bardin (2009), foram agrupados os dados em categorias, dentro
dos temas identificados. Os textos não sofreram correções linguísticas, preservando o caráter
espontâneo das falas. Esta técnica de análise consiste em um processo sistemático de avaliação de
mensagens, que objetiva a descrição do conteúdo e inferências de conhecimentos sobre a produção e
recepção dessas mensagens. Tal processo seguiu os seguintes passos: os discursos foram coletados
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inicialmente, transcritos mantendo-se a forma original de expressão dos respondentes; pré-análise, na
qual se fez uma leitura flutuante, a partir da qual emergeram impressões e orientações, de forma a
identificar as grandes categorias discursivas abordadas pelos respondentes; leituras dos conteúdos, para
a organização e sistematização, permitiram o agrupamento em categorias, identificando unidades de
significados, estabelecendo subcategorias que possibilitaram a descrição dos resultados e percepções
dos conteúdos que consolidaram o tema.
A coleta foi realizada nos domicílios dos participantes, após ser identificado um ambiente
tranquilo e confortável que garantiu maior privacidade e sigilo e terem assinado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Vale do Rio Doce/MG, parecer No 916721 e foram observadas todas as
recomendações da Resolução 466/12 do CNS e legislações complementares referentes a ética
envolvendo a pesquisa com seres humanos, no qual o estudo em questão esta inserido
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O SUS, por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), deveria possuir autonomia para
gerenciar integralmente o seu território, representa um avanço no fortalecimento da gestão municipal,
com a identificação e resolução de problemas de saúde no território.Esses avanços foram
consequências de experiências vividas dos vários modelos do processo saúde – doença. No modelo
médico assistencial (biomédico), a saúde é vista como ausência de doença e é dada ênfase à assistência
médico-hospitalar enquanto que no modelo assistencial sanitarista (processual), o foco são as
campanhas, programas especiais e ações de vigilância epidemiológica e sanitária, com atuação sobre o
risco. No modelo sistêmico, a saúde decorre de várias causas (fatores intrínsecos e extrínsecos), e o
todo deveria ser considerado (célula, órgão, indivíduo, família e sociedade) (TEIXEIRA; PAIM;2000).
Baseado nesse modelo, o SUS, por meio da ESF, organiza a gestão dos serviços de saúde,
partir de uma delimitação espacial previamente determinada. Este espaço político-administrativo
comporta uma dinâmica de interação entre uma população específica, que vive um determinado tempo
e espaço, com suas particularidades de conhecimentos, práticas e percepções. Cada território é
composto por problemas de saúde específicos, e traçar seu perfil epidemiológico é fundamental para a
caracterização da população e de seus problemas de saúde, bem como para a avaliação do impacto dos
serviços sobre os níveis de saúde dessa população (MONKEN; BARCELLOS, 2005).
Dentre todas as doenças vetoriais do mundo a LVH se destaca como sendo uma das mais
importantes, tanto por sua abrangência e extensão geográfica como pela dificuldade de controle e
erradicação. Muitos pesquisadores, de diversas áreas do conhecimento, tentam compreender esse
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fenômeno pelos aspectos particulares de cada ciência. A geografia tem contribuído com a análise dos
condicionantes e os determinantes espaciais, procurando compreender a dinâmica e a distribuição
dessa doença no mundo.
Portanto, o aspecto geografio sera delimitado pela ação do homem dentro de uma realidade
historicamente construída pelos sujeitos que se envolvem direta ou indiretamente com a relação saúde
e doenca.
Para Schneider e Tartaruga (2004) o território é entendido a partir das relações de poder que
são projetadas no espaço pelas pessoas que apesar do conhecimento da causa das doenças insistem na
relação de territorialidade ajudando na endemicidade do agravo. Raffestin (1993) afirmou que o
território se forma quando um indivíduo se apropria de um espaço concreta ou abstratamente (por
exemplo, pela representação e percepção).
Uma das principais diferenças entre espaço e território, apresentada por (Monken et al., 2008),
é de que o espaço não faz referência a limites e ao acesso, enquanto o território recorda os limites e as
restrições ao acesso dos que a ele não pertence. Tais limites territoriais são utilizados na área da saúde
como estratégia para a coleta de organização de dados, porém, os processos sociais e ambientais
transcenderiam esses limites.
A implantação do SUS seria um exemplo de reformulação territorial na saúde, com
movimentos de fixos e fluxos, atendendo os movimentos de urbanização, mudança climática e
comércio e deslocamento humano, poluição, uso do solo, armazenamento de água e irrigação dentro de
um território são aspectos da mudança global que podem influenciar a incidência e distribuição global
de doenças transmitidas por vetores (SANTOS e SILVEIRA, 2001).
No Brasil, como uma manifestação do Poder estatal (RAFESTIN, 1993) na tentativa de
controle da LV implantou-se um programa de combate para mapear a distribuição geográfica da
doença, identificar as áreas de transmissão ou de risco e propor ações de vigilância para os municípios
considerados silenciosos (MS, 2004).
Recentemente BARATA et al., (2013) mostraram que GV e o território da leishmaniose. O
grupo fez um inquérito epidemiológico em 4992 cães, mostrando 30,2% de positividade de LV
Canina, observaram um incremento nos bairros onde era maior a densidade do vetor como no
Altinópolis, Nossa Senhora da Graças, Mãe de Deus e Santa Helena, reforçando estes dados a
importância das medidas de controle que foram adotadas no município.
O cão é considerado o principal reservatório domiciliar e peridoméstico da L. (L.) infantum. A
OMS como ferramentas de controle preconiza três medidas principais como: destruição do inseto
vetor, tratamento dos casos humanos e eliminação dos reservatórios. No Brasil anualmente se
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eliminam até 23.000 cães por ano, medida que tem afetado a relação homem-cachorro num território
simbólico, evidenciando pertencimento e aumentando o risco de transmissão da zoonose (BRASIL,
2006).
Neste contexto, a LV está imerso em um ambiente biologico, social, nas suas esferas política,
territorial, administrativa e simbólica. Há necessidade de uma postura interdisciplinar, que não pode
ser alcançada por posições extremas e pelo diálogo rarefeito do radicalismo. Representa um espaço
público de socialização e articulação. Os profissionais voltados para os aspectos biologicos não podem
restringir seus estudos apenas com a análise da superfície abstrata da doença, porém podem ser
definidos pelas formas em que os indivíduos se relacionam com a ela (CLAVAL, 2001). A relação
entre os seres humanos e o seu território se concretiza através dos costumes, dos valores afetivos de
uma cultura profundamente enraizada. Tem assim uma identidade profunda entre o sangue (o
parentesco) e a terra (território), com os fundamentos bastante fortes da ideologia territorial. Esta
articulação com a terra que fixa a cultura e os seres humanos é um ‘território mágico’,tem repercussões
sociais importantes.
Isso se dá porque, sobretudo, se lembrarmos que estamos lidando com os casos brasileiros e
latino americanos, a nossa propria historicidade nos remete a uma consciência permeada por elementos
da religiosidade cristã ou das culturas dos povos ancestrais. Ou seja, a racionalidade asséptica
marcante das sociedades modernas convive com o mundo de encantamento das eras anteriores
perfazendo essa territorialidade proria da nossa realidade historica. No episodio da revolta da vacina,
em 19..., o antagonismo entre esses dois elemento s ficaram muito evidentes. Por um lado, a logica do
estado, por outro, a visao da populacao pobre que entendeu a politica publica como mais uma maldicao
que se abatera sobre aquelas pessoas vitima de um destino cruel.
A apropriação do território nesse caso, o vinculo entre o homem e o cão de diferentes especies,
representa mais que a propriedade materialista, vinculada ao mundo capitalistas e as relações de
consumo, pura coisa, objeto de transação e circulação de mercadorias num determinado mercado, a
identificação entre os seres humanos com esse ser, por uma questão afetiva (BONNEMAISON, 1980)
que somente a abordagem territorial simbólica, ou seja, o cão passa de produto a ser dotado de
personalidade, sujeito que interage e confere sentido ao ser humano na medida em que enfatiza
sentimentos, afetos, memorias e percepções do mundo.
Entretanto, novos paradigmas devem estar conectados com a relação homem natureza e
homem-meio, uma vez que a Geografia da Saúde debate a relação homem doença-meio-sociedade,
ressaltando que a doença (associada a determinantes e condicionantes, vetores e formas de contágio)
perfaz uma interação diretamente com o produto do meio; e alguns agravos são causados pela relação
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homem-sociedade (o estresse urbano, a violência intra-familiar, o uso de drogas, o vinculo afetivo
com o reservatório.) o que caracteriza as endemias modernas ligadas ao caos urbano na nova
sociedade. Porém, se faz necessário ampliar os debates sobre o embasamento epistemológico,
questionar novos paradigmas, teorias e filosofias norteadoras que supram a necessidade desta corrente
de pensamento geográfico, visto que a mesma é multidisciplinar.
3. RESULTADOS ALCANÇADOS
A partir da categorização dos temas e respectivas questões inseridas na entrevista identificou-se
02 categorias: Conhecimento e Sentimento (cão recolhido).
3.1 Categoria Conhecimento
Quando perguntado a respeito do seu conhecimento sobre a LV, a maioria dos entrevistados
demonstraram desconhecer o agravo, o que pode ser justificado pelo fato que as ações de comunicação
e educação, podem estar priorizando somente informações simplistas ou de difícil entendimento
(RANGEL, 2008), como mostram as falas:
“Ao certo não” ( Entrevistado 3). “Não! Sei Não “(Entrevistado 5). “Ah eu vejo falar
disso daí huum mal provocado pelos animais né?”(Entrevistado 1)“Ó visceral que... prejudica fígado, rins, prejudica tudo, os órgãos internos todos né? Igual fiquei passei
um sufuco, ofender demais o meu fígado entendeu? Graças a Deus fui atendido a
tempo ainda e deu pra pra mim recuperar bem Graças a Deus se não não tava aqui
pra contar história” (Entrevistado 2) “Não faço a mínima ideia” (Entrevistado 13) “Ah eles fala que é do cachorro, qualquer uma criação que tiver doente e você ficar
mexendo com aquela criação é perigoso né!” (Entrevistado 9)
Pode-se evidenciar que a educação deve ser mais do que transmissão de conhecimento e que
informações não são suficientes para promover mudanças de comportamento nos indivíduos.Para Sales
(2008), os conteúdos divulgados pelos meios de comunicação, por vezes, repassam informações
imprecisas, podendo trazer confundimento à população. Este fato pode contribuir, portanto, para que
parte da população não confie nas informações repassadas por este meio. Em relação às informações
fornecidas por profissionais de saúde, afirma que, estes podem perder credibilidade em suas falas,
quando as informações que repassam desconsideram os interesses e os saberes da população. Assim, as
informações repassadas seriam incapazes de gerar uma mudança de comportamento proporcionando
um sentimento de negatividade, desgaste e falta de credibilidade.
Para Lenzi et al. (2000) o acesso à educação, entre outros fatores, colabora para a melhoria do
nível de saúde da população. A efetiva participação dependeria de um maior grau de compreensão e de
interpretação das informações relacionadas à LV.
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Na perspectiva do território, cabe reconhecer os processos produtivos nele instalados, bem
como os que se situam em seu entorno, ou mesmo remotamente, e identificar suas relações com o
ambiente e com a saúde dos moradores. A territorialização é um processo de “habitar um território”
(KASTRUP, 2001). O ato de habitar traz como resultado a corporificação de saberes e práticas. Para
habitar um território é necessário explorá-lo, entendê-lo, conhecê-lo em suas varias formas, torná-lo
seu, empoderar, ser sensível às suas questões, ser capaz de movimentar-se, detectando as alterações de
comportamento e colocando em relação fluxos diversos - não só cognitivos, não só técnicos, não só
racionais - mas políticos, comunicativos, educacionais, afetivos e interativos no sentido concreto,
detectável na realidade (CECCIM, 2005).
O quadro se vê agravado pela dificuldade para a Epidemiologia superar uma abordagem descri-
tiva e reducionista, influenciada por certo positivismo herdado do século XIX, que a torna bastante
debilitada para fazer relações importantes na explicação do fenômeno biológico. Citam-se, por
exemplo, as questões paradigmáticas e ainda não resolvidas da relação entre o individual e o coletivo,
o biológico e o social ou entre a sociedade e a natureza (FARIA e BORTOLOZZI, 2009).
Vê-se que uma compreensão ampliada do conceito de saude é semelhante a abordagem
ampliada de território, ambos são fundamentais para abranger, abordar e planejar ações assistenciais
envolvendo a LV. Convém salientar que BARCELOS et al. (2002) afirmam que quanto maior a
identidade entre a população e seu território, mais facilmente podem ser elaborados os diagnósticos e
planejadas as ações de saúde. A situação de saúde não é um atributo dos grupos sociais nem das
unidades espaciais em si. Ela é o resultado da relação de grupos sociais com seu território.
O território da saúde coletiva para MONKEN et al. (2008) seria:
“onde se desenvolvem ações de saúde pública, são produções coletivas, com materialidade histórica e social e configurações espaciais singulares compatíveis com
a organização político-administrativa e instituciional do setor. O objetivo é prevenir
riscos e evitar danos à saúde, a partir de um diagnóstico da situação de saúde e das condições de vida de populações em áreas delimitadas.” (p.16)
Reconhecer o território e as características sociais e de saúde da população é um importante
ponto de avaliação do impacto de serviços sobre os níveis de atenção. Tal reconhecimento permite
também o desenvolvimento de um vínculo entre os serviços de saúde e a população, mediante práticas
de saúde orientadas por categorias de análise de cunho geográfico (MONKEN, BARCELLOS, 2005).
Fica claro nas falas acimas que o modelo predominante do processo saude –doença é
biomédico, entendido como a crescente e elevada dependência dos indivíduos e da sociedade para com
a oferta de serviços e bens de ordem médico-assistencial e seu consumo cada vez mais intensivo. Essa
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pratica insessante da tecnologia médica passa a considerar como doença todos os problemas, dos mais
diversos (situações fisiológicas, problemas cuja determinação são, em última análise,
fundamentalmente, de natureza econômico-social), como tal demandando, para sua solução,
procedimentos médicos.
3.2 Categoria Sentimento
Na categoria sentimento ao ter seu cão recolhido, identificou-se o alivio e tristeza como
mostram as falas:
“Foi de alívio, por que todo mundo dentro de casa tava correndo o risco de se
contaminá”. (Entrevistado 4) “Uai a gente fica chatiado mas não tem jeito entendeu?
Ai teria que sacrificar né?(Entrevistado). “Ah eu eu procuraria um método de tratar, eu talvez tenha algum tratamento por cachorro, não deixar matar de primeira”.(
Entrevistado 14)“Ficaria com dó mais tinha que levar né! ”( Entrevistado
15)“Deixaria levar , uma doença assim que, no meu ver não tem solução né!”
(Emtrvistado 12)Aceitar né! Ah eu ia fica muito triste né, já perdir um por causa disso, teve um aqui que teve, perdi ela fiquei muito sentido com isso( Entrevistado 16).
Aqui o sentimento de identidade está sendo tomado no seu sentido mais superficial. Isto é, a
representação que uma pessoa adquire ao longo da vida. “O elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou
ambiente físico, ou um objeto, ou um ser (cão)” (TUAN, 1980, p.106).
O estreitamento no relacionamento homem-animal, e das novas dimensões que ela
tomou, onde o cão passa a ocupar um papel de destaque na sociedade e em casos extremos é considerado um membro da família, os estudos buscam respostas para os
fenômenos causadores dessa aproximação geradora de novas formas comunicacionais,
bem como suas causas e efeitos (BUENO,2009, p.).
A relação entre os seres humanos e o seu território faz dos costumes ou usos tradicionais de
uma cultura profundamente enraizada no solo. Tem assim uma identidade profunda entre o homem (a
doença) e o cachorro (território), e deste modo, com os fundamentos bastante fortes da ideologia
territorial. Esta articulação com o reservatorio canino que fixa o sentimento e os seres humanos é um
‘território mágico’, tem repercussões sociais importantes. A apropriação desse território nesse caso,
representa mais que a propriedade, ou mais exatamente, a identificação entre os seres humanos com
esse espaço, faz com que os indivíduos, tenham uma ligação afetiva com esse ser vivo que não é o seu
pelo sangue (BONNEMAISON, 1980).
O territorio torna-se simbólico no momento em que deixa de ser simples espaço de acomodação
de conceitos racionais dentro das noções acadêmicas de saúde clinica e geografica para se transformar
numa manifestação que contempla a relação de intersubjetidade entre o ser humano e o cão. Esse
substrado de território não pode ser medido em metros e dados rigorozos de controle de agravos de
endemicidade. Como parte da saúde de indivíduo e de uma coletividae, o território é vetor de análise e
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de ação dentro da noção de política pública que assume a humanização como elemento de prevenção e
cura, posto que se entende a afetividade oriunda do convívio com o cão como um elemento que
impulsiona a qualidade de vida dessas populações.
No decreto do Senado Federal Brasileiro nº 51.838, datado de 14 de março de 1963, que rege o
controle da doença considerada uma endemia rural, destaca-se o artigo 10, que esclarece que o
combate às leishmoneses tem por objetivo a interrupção da transmissão da doença do animal ao
homem, e/ou inter-humana, e os artigos 30 e 90, que determinam o sacrifício dos animais domésticos
doentes. No contexto de legislações estaduais e municipais definiu-se que além dos animais doentes,
os soropositivos também devem ser sacrificados (PEREIRA, 2010).
Entretanto, em função da urbanização da doença e a humanização no trato com os animais de
estimação, a questão surge como um grave problema de saúde pública e impasse jurídico, tendo em
vista que o possível, porém, ilegal, tratamento de animais doentes tem motivado muitos proprietários a
remover seus animais para outros ambientes, às vezes, não endêmicos para a doença, além, do grande
volume de ações judiciais em prol da da preservação e tratamento de animais infectados(FEIJÃO et
al.,2001). Somam-se a esta problemática o reconhecimento da OMS acerca das limitações da prática
da eutanásia de animais de alto valor afetivo e econômico, além, da contribuição de estudos de
modelagem matemática que indicam que a eutanásia de cães soropositivos, em escala de importância,
deveria ser a terceira medida a ser adotada ( BONAMAISON,1980; HASBAERT, 2004) .
Estudos de campo tem demostrado que estratégias como o controle de vetores, com o uso de
coleiras repelentes e letais para os flebótomos, bem como a imunização de animais sadios, se adotadas
de maneira sistemática, ou seja, com adequada cobertura da população canina suscetível, podem
interromper a transmissão da doença (BORJA-CABRERA et al., 2002). A base dessa discussão está
subsidiada na questão da interdisciplinaridade do conhecimento, envolvendo questões que permeiam
os campos da pesquisa, da política e planejamento em saúde pública e das relações humanas no
contexto da ética pessoal, profissional e legislação. Neste sentido, percebe-se que a efetividade do
controle da Leishmaniose,no Brasil, só será possível se os diversos atores envolvidos buscarem
entrosamento.
Cabe destacar, em particular, a importância do papel desempenhado pelo poder do Estado(
RAFFESTIN, 1993), que ao legislar, elaborar e executar ações de controle de doenças tenham em
mente a necessidade e obrigatoriedade de se alinharem aos contínuos avanços nos campos do
conhecimento e desenvovlimento de novas praticas e atitudes.
É notório que animais em companhia do homem proporcionam significativa melhoria na
qualidade de vida das pessoas, aumentando estados de felicidade, reduzindo sentimentos de solidão e
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melhorando as funções físicas e a saúde emocional. Como a vida das pessoas é freqüentemente
turbulenta, marcadas por perdas e mudanças, os animais domésticos podem aliviar os efeitos das
perdas e trazer conforto nos momentos estressantes. Além disso, animais de estimação podem
funcionar como um “lubrificante social”, pois sua presença acaba funcionando como estímulo à
conversa com outras pessoas. Assim, a ligação com animais de estimação influencia, positivamente, a
saúde das pessoas (COSTA, 2006).
A abordagem do território da saude nessa perspectiva da LV permite estabelecer as relações
entre as diferentes territorialidades. Assim, é possível transitar entre as escalas territoriais locais
(acesso aos serviços, qualidade de vida, moradia, educação, etc.) e sua relação com os mecanismos
territoriais globais (políticas públicas, infraestrutura, economia, etc.) e, a partir daí, estabelecer a
relação com os processos sociais como saúde, educação, renda, etc. e esses com processos afetivos. O
território vivido aflora e conduz aos clichês do cão ser o melhor amigo do homem/ o cão ser melhor do
que o ser humano/ O cão ser fiel. Pode-se aqui usar do termo multiterritorialidade para “condensar” o
sentimento dos atores sociais entrevistados.
CONCLUSÕES
Contudo, a identificação do conhecimento, percepções sobre a LV torna-se uma ferramenta
importante para o controle da doença. Assim, o planejamento das ações de saude em território, implica
em considerar essas territorialidades de forma efetiva para o alcance de mudanças de atitudes e adoção
de práticas saudáveis. O sentimento do homen em relação ao cão é essencial para compreensão das
interlocuções entre o homem e a patologia. Através da topofilia, os laços afetivos adquiridos com o
passar do tempo a um ser de estimação representam, de forma simbólica, a permanência e a
dificuldade de ruptura dos processos de saude – doença. Porém, se faz necessário ampliar os debates
sobre o embasamento epistemológico na geografia da saude, para suprir a necessidade desta corrente,
visto que a mesma é multidisciplinar. Entende-se, no entanto que a endemia de leishmaniose em
Governador Valadares requer além de estudos, cuidados com/na convivência com animais de
estimação um dos transmissores da doença.
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