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P O N T I F C I A U N I V E R S I D A D E C A T L I C A D E S O P A U L O
PUC-SP
Maria Paula Salvador Wadt
Complexidade e auto-eco-organizao:
implicaes para o professor on-line
Doutorado em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem
So Paulo 2009
P O N T I F C I A U N I V E R S I D A D E C A T L I C A D E S O P A U L O PUC-SP
Maria Paula Salvador Wadt
Complexidade e auto-eco-organizao:
implicaes para o professor on-line
Tese apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Doutora em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem, sob orientao da Profa. Dra. Heloisa Collins.
Doutorado em Lingustica Aplicada e Estudos da Linguagem
So Paulo 2009
Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a
reproduo total ou parcial desta tese por procedimentos
fotocopiadores ou eletrnicos.
Assinatura: _________________________ Local e data: __________
Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
Profa. Dra. Heloisa Collins,
pela Fora de Unio.
[...] vis unitiva et vis concretiva.
(So Toms de Aquino)
Agradecimentos
Agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), pelo apoio financeiro. Mais do que agradecimentos, gostaria de expressar gratido a todos que, direta ou indiretamente, contriburam para a realizao deste trabalho. Agradeo especialmente Profa. Dra. Heloisa Collins, por ser uma voz sagrada em minha vida; Agradeo a todos os professores e integrantes do LAEL, por manterem a qualidade do programa, pelo carinho e ateno, especialmente aos professores Maria Antonieta Alba Celani, Leila Barbara, Maximina Freire, Rosinda Ramos e Tony Berber Sardinha; e Maria Lcia dos Reis e Mrcia Ferreira Martins; Ao Prof. Dr. Frei Gilberto Gorgulho, do Programa de Cincias da Religio, que me ajudou a pensar especialmente sobre o amor, pelos direcionamentos filosficos e por suas prprias aes; s Profas. Leila Barbara, Maria Cndida Moraes, Maximina Freire, Roberta Lombardi Martins, Tas Bressane e Terezinha Sprenger, por indicarem caminhos, por contriburem na lapidao de meus pensamentos e na ampliao de minha perspectiva sobre educao, e pelo apoio em tudo que precisei; Tatiana Higa, por ser um modelo de determinao aliada doura; s colegas e amigas Erisana Victoriano, Solange Gervai e Zlia Cardoso, pelo companheirismo e solidariedade; Aos colegas e amigos do grupo Edulang, do Teachers Links e das aulas com a Profa. Heloisa Collins, por tantas manifestaes de amizade e companheirismo; s amigas Shannon Svaldi e Riyadh Weyersbach, pelas vibraes positivas; Kika Coimbra, pela dedicao, confiana e amizade; e Profa. Dra. Lucila Pesce, pela leitura atenciosa do meu trabalho; Aos inmeros autores que li durante todo o tempo de estudo e que decisivamente contriburam para o direcionamento de minhas ideias; Aos amigos e companheiros que me trazem esperana, especialmente Avedis Simonian Neto, Mnica Wadt Griloni e Luiza Mendes Salvador.
Resumo
Este estudo situa-se na interface da Lingustica Aplicada e da Educao,
particularmente da Educao a Distncia, e pretende contribuir para a formao
de professores com perspectiva de atuao no ambiente digital. Para tanto,
investiga a experincia de alguns professores do curso Teachers Links, realizado
no mbito do Grupo de Pesquisa Edulang, a fim de descrever os procedimentos
que eles utilizam no gerenciamento, levando em conta as necessidades
emergentes. Isso poder oportunizar a professores em formao uma melhor
compreenso dos processos e aes presentes num ambiente on-line e uma
tomada de atitudes mais conscientes e adequadas ao ambiente no qual possam
vir a atuar. O foco da investigao est na compreenso do processo de
desenvolvimento e produo de textos para as pginas de entrada dos cursos
(Agendas), que constituem um espao de interao entre o professor e a sala de
aula virtual, a partir das quais se espera uma atitude responsiva ativa do aluno.
As pginas de entrada so tambm um espao de replanejamento, que trazem a
dinmica do processo de ensino-aprendizagem. Primeiramente so investigadas
as funcionalidades da Agenda e sua estruturao; em segundo lugar, so
analisadas as relaes que o professor estabelece entre o contedo das Agendas e
a dinmica processual do curso; e, finalmente, feito um levantamento do tipo
de influncia que as Agendas tm sobre o ensino e a aprendizagem. A
fundamentao terica provm da Teoria da Complexidade (MORIN, 1997/2005,
2005; HOLLAND, 1995), do Pensamento Eco-sistmico (MORAES, 2003a, 2004,
2005; MORAES e TORRE, 2004) e da Gramtica Sistmico-Funcional (HALLIDAY,
1978; HALLIDAY e MATTHIESSEN, 1999/2006, 2004). Trata-se de uma
pesquisa qualitativa etnogrfica de base interpretativa (MOITA LOPES, 1996;
ESTEBAN, 2003; NUNAN, 1992), orientada pelo paradigma emergente
(MORAES, 1997; GARCIA, 2003).
Palavras-chave: educao a distncia; formao de professores; auto-eco-organizao; metafunes da linguagem.
Abstract
This study is on the interface between Applied Linguistics and Education, more
specifically Distance Education, and has as its main goal offering contributions
to teacher development, specially to those who wish to work in digital learning
environments. To do so, it investigates the experience of four teachers in the
context of Teachers Links, an online course developed within the scope of the
Edulang research group. The investigation aims at describing the teachers
procedures concerning course management, considering the emergent needs.
Such description shall allow a better understanding of the dynamic processes
and actions that are present in an online teaching environment, and, therefore,
enable teachers to take proper and more conscious decisions in this context. The
focus of the investigation is the comprehension of the development and
production process of the online course entrance pages (Agendas). The Agendas
constitute an area of interaction between the teacher and the virtual classroom,
and are meant to foster an active response from the students. They are also
areas of re-planning which bring to light the dynamics of the teaching learning
process. First, this study investigates the functions of the Agenda as well as its
structure; then, it analyses the relations the teachers establish between the
content in the Agendas and the dynamic processes in the course; and finally, it
reveals the effects the Agendas have on teaching and learning. The study draws
on the Theory of Complexity (MORIN, 1997/2005, 2005; HOLLAND, 1995), the
Ecosystemic Thought (MORAES, 2003a, 2004, 2005; MORAES e TORRE, 2004) and
Functional Grammar (HALLIDAY, 1978; HALLIDAY e MATTHIESSEN,
1999/2006, 2004). Concerning the research paradigm, this is a qualitative
ethnographic interpretive investigation (MOITA LOPES, 1996; ESTEBAN, 2003;
NUNAN, 1992), supported by the emergent paradigm (MORAES, 1997;
GARCIA, 2003).
Keywords: distance education; teachers development; auto-eco-organization; language metafunctions.
Sumrio INTRODUO 15 1. FUNDAMENTAO TERICA 22 1.1 LINGUSTICA SISTMICO-FUNCIONAL 25 1.1.1 METAFUNES DA LINGUAGEM 27 1.1.2 PONTOS DE VISTA PARA A EXPLORAO DA GRAMTICA 29 1.1.3 AS TRS LINHAS DE SIGNIFICADO NA ORAO 31 1.1.3.1 Significado como troca 32 1.1.3.2 Significado como representao 36 1.1.3.3 Significado como mensagem 40 1.2 TEORIA DA COMPLEXIDADE 45 1.2.1 PERCURSO DAS IDEIAS QUE CONFIGURAM A TEORIA 46 1.2.2 OS SETE PRINCPIOS 64 1.2.3 PENSAMENTO ECO-SISTMICO 70 1.2.3.1 Organizao, Auto-organizao e Auto-eco-organizao 73 1.2.3.2 O amor como base para uma viso ecossistmica 77 1.2.4 SISTEMA ADAPTATIVO COMPLEXO 86 1.3 ARTICULAES TERICAS 90 2. METODOLOGIA DA PESQUISA 97 2.1 NATUREZA DA PESQUISA 101 2.2 PERGUNTAS DE PESQUISA 106 2.3 CONTEXTO DA PESQUISA 107 2.3.1 A FERRAMENTA DE AUTORIA NA QUAL O CURSO FOI ELABORADO 108 2.3.2 O CURSO TEACHERS LINKS 110 2.3.2.1 O mdulo O Desenvolvimento Profissional e a Sala de Aula 112 2.4 PARTICIPANTES DA PESQUISA 113 2.5 DADOS 115 2.6 PROCEDIMENTOS DE COLETA 118 2.7 PROCEDIMENTOS DE ANLISE 120 3. ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS 125 3.1 INCIO DO PERCURSO DO PROFESSOR 126 3.1.1 FUNES OBSERVADAS E SUAS ESTRUTURAS 132 3.1.2 LINGUAGEM DAS FUNES E DAS ESTRUTURAS 151 3.1.3 RELAES ENTRE AS AGENDAS INICIAIS E O CURSO 191 3.2 FINAL DO PERCURSO DO PROFESSOR 216 3.2.1 FUNES OBSERVADAS E SUAS ESTRUTURAS 224 3.2.2 LINGUAGEM DAS FUNES E DAS ESTRUTURAS 232 3.2.3 RELAES ENTRE AS AGENDAS FINAIS E O CURSO 235 3.3 ASSOCIAO DAS FASES INICIAIS E FINAIS DO PERCURSO DO PROFESSOR 247 CONSIDERAES FINAIS 257 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 262 ANEXOS 270 NDICE REMISSIVO 282
Lista de Figuras
Figura 1 - Holograma - propriedades divisveis____________________________________________50 Figura 2 - Trajetria do sistema de Lorenz (atrator estranho de Lorenz - 1963)___________________58 Figura 3 - Exemplo de fractal natural: brcolis ___________________________________________61 Figura 4 - Trs dimenses de um edifcio em uma planta de arquitetura_________________________94 Figura 5 - Diretrio das Agendas ______________________________________________________119 Figura 6 - Boas-vindas ao aluno na primeira Agenda ______________________________________133 Figura 7 - Primeiro contato do professor com os alunos ____________________________________134 Figura 8 - Explicitao de atraso de alguns alunos no acesso ao curso ________________________135 Figura 9 - Reforo de pedido para realizao de tarefa_____________________________________135 Figura 10 - Reforo para realizao de atividades anteriores ________________________________136 Figura 11 - Orientaes no sentido de minimizar problemas encontrados ______________________136 Figura 12 - "Dica" para acesso s Agendas anteriores _____________________________________136 Figura 13 - Extenso de tempo entre as 1, 2 e 3 Agendas __________________________________138 Figura 14 - Terceira Agenda da professora Sabrina _______________________________________139 Figura 15 - Terceira Agenda da professora Mnica, publicada 21 dias aps a segunda____________140 Figura 16 - Terceira Agenda da professora Patrcia _______________________________________141 Figura 17 - Terceira Agenda da professora Natlia________________________________________142 Figura 18 - Objetivos do curso, apresentado na rea "Dinmica do Curso" _____________________144 Figura 19 - Aluno com dificuldade para encontrar a ferramenta Portflio de Grupos _____________148 Figura 20 - Mensagem indicando dificuldade no Portflio de Grupos__________________________148 Figura 21 - Mensagem indicando contribuio em espao inadequado_________________________149 Figura 22 - Trechos que ilustram a dimenso das relaes nas terceiras Agendas ________________150 Figura 23 - Processos materiais na primeira Agenda ______________________________________154 Figura 24 - Blocos de informao na segunda Agenda _____________________________________158 Figura 25 - Texto da Agenda anterior inalterado e novo texto marcado graficamente _____________163 Figura 26 - Uso de portugus na Agenda D ______________________________________________167 Figura 27 - Indicao para alunos checarem a Agenda anterior ______________________________168 Figura 28 - Indicao para incio das atividades do material nas segundas Agendas______________169 Figura 29 - Agenda fora do padro ____________________________________________________172 Figura 30 - Ttulos utilizados pela professora Natlia na terceira Agenda ______________________174 Figura 31 - Indicao de caminho para chegar ao lugar do tutorial ___________________________175 Figura 32 - Unidade 1 como lugar _____________________________________________________176 Figura 33 - Circunstncias de Locao, de lugar, nas Agendas da professora Natlia_____________177 Figura 34 - Circunstncias de tempo nas terceiras Agendas da professora Patrcia_______________177 Figura 35 - Informao abaixo do ttulo "This weekend" ____________________________________178
Figura 36 - Item sob o ttulo "Tasks for this week (our third week) ____________________________179 Figura 37 - Circunstncias de tempo nas terceiras Agendas da professora Sabrina _______________179 Figura 38 - Ttulos que enfocam o tempo ________________________________________________180 Figura 39 - Preocupao com descompasso devido a atrasos de alunos ________________________180 Figura 40 - Foco no tempo e no espao _________________________________________________181 Figura 41 - Calendrio ______________________________________________________________182 Figura 42 - Orao iniciada com elemento circunstancial de lugar ___________________________182 Figura 43 - Especificao do lugar do Portflio de Grupos__________________________________183 Figura 44 - Esclarecimento sobre o calendrio e prazos ____________________________________183 Figura 45 - Processos prioritariamente materiais (professoras Patrcia e Sabrina) _______________184 Figura 46 - Processos materiais, verbais e mentais ________________________________________185 Figura 47 - Processos materiais e mentais em oraes da professora Mnica ___________________187 Figura 48 - Propostas e proposies das professoras nas terceiras Agendas ____________________188 Figura 49 - Transio do portugus para o ingls na Unidade 1 ______________________________194 Figura 50 - Declarao de aluno, feita em portugus ______________________________________195 Figura 51 - Relao de antagonismo entre o grupo e cada aluno individualmente ________________197 Figura 52 - Colocao da professora sobre o Portflio de grupos ____________________________198 Figura 53 - Passo 9 da Unidade 1 _____________________________________________________199 Figura 54 - Primeiras mensagens de cada uma das professoras no frum inicial _________________205 Figura 55 - Terceira Agenda demonstrando incio das atividades _____________________________207 Figura 56 - Princpio retroativo na terceira Agenda _______________________________________212 Figura 57 - Princpio organizacional na terceira Agenda ___________________________________215 Figura 58 - Formao de grupos feita pela professora _____________________________________228 Figura 59 - Dimenso das mdias nas penltimas Agendas __________________________________229 Figura 60 - Dimenso conceitual nas penltimas Agendas __________________________________229 Figura 61 - Mensagens de alunos das quatro professoras analisadas __________________________231 Figura 62 - Oferecimento de informao nas Agendas finais_________________________________233 Figura 63 - Modalidade nas Agendas finais ______________________________________________234 Figura 64 - Sujeito "eu" nas Agendas finais ______________________________________________234 Figura 65 - Passo 3 da Unidade 3 _____________________________________________________239 Figura 66 - Portflio de grupos da primeira turma da professora Sabrina ______________________241 Figura 67 - Portflio de grupos da segunda turma da professora Sabrina ______________________242 Figura 68 - Mensagem inicial da professora nos grupos de sua segunda turma __________________243 Figura 69 - Mensagem da professora Mnica na fase final do curso___________________________246 Figura 70 - Mensagens de alunos sinalizando problemas ___________________________________250
Lista de Quadros
Quadro 1 - Nmero de turmas, fases e perodos___________________________________________120 Quadro 2 - Turmas analisadas, respectivas professoras e quantidade de Agendas ________________123 Quadro 3 - Sistematizao do incio do percurso do professor _______________________________131 Quadro 4 - Paralelismo entre as segundas Agendas________________________________________156 Quadro 5 - Frum inicial na primeira semana ____________________________________________202 Quadro 6 - Dados quantitativos do frum Sntese das estratgias de leitura _____________________207 Quadro 7 - Sistematizao do final do percurso do professor ________________________________223
Introduo
A expanso e a popularizao dos computadores pessoais e sua crescente
utilizao em ambientes educacionais colocam um novo desafio aos educadores
que se propem a trabalhar no contexto digital em cursos a distncia veiculados
pela Internet. Com a nova tecnologia surgem novas formas de comunicao e
de veiculao de informao que integram um conjunto de procedimentos que
o professor precisa dominar. Isto especialmente verdadeiro para o professor
que trabalha com mediao digital, pois sem uma viso adequada dos
procedimentos, ser difcil perceber os processos e aes presentes no contexto
on-line e tomar atitudes adequadas ao ambiente educacional em que atua.
Para que o professor possa fazer escolhas eficazes, importante que ele
observe elementos que vo alm do visvel e do concreto nas pginas do curso.
Professores-designers, ou professores acostumados a elaborar seus prprios
planos de curso, pela prpria natureza da atividade de design de cursos on-line,
so levados a se conscientizarem dos vrios aspectos envolvidos em um curso,
como objetivos de ensino, metas que se pretende alcanar, alm de uma viso
global sobre o mesmo; considerando que no momento de montar um curso os
objetivos devem estar muito claros e as providncias devem ser tomadas antes
de cada unidade do curso se iniciar (HIGA, 2008; COLLINS, 2003; VON STAA,
2003; WADT, 2002; entre outros).
Com a oferta cada vez maior de cursos on-line1, com o aumento do
nmero de vagas para cursos de graduao a distncia e com a proporo
crescente de candidatos inscritos em cursos a distncia, passamos a ter um
crescimento da demanda de novos professores on-line, que possivelmente, em
sua grande maioria, no sero necessariamente os designers dos cursos nos quais
1NaseoAnexos,disponibilizonotciasatuaisquecertificamessainformao,asaber:Atengenharia
jensinadaadistncia (FolhaOnlineem03mai.2008)Anexo1,UFSCareUnespvooferecergraduao a distncia em 2007 (Folha Online em 01 dez. 2006) Anexo 2, Censo aponta queeducaoadistnciacresceu571%noBrasil(FolhaOnlineem19dez.2007)Anexo3,Sem2005,321cursosforamabertosnopas(FolhaOnlineem01dez.2006)Anexo4.
16I N T R O D U O
iro atuar como professores. Por serem iniciantes nessa especialidade,
provavelmente ainda no tiveram a oportunidade de observar a complexidade
dos elementos de docncia on-line. Essa questo aponta para uma demanda na
formao de novos profissionais preparados para a atuao como docentes on-
line, como podemos confirmar em um estudo que discute a formao de
professores para ambientes digitais, que conclui que faz-se necessrio, em face
das demandas educacionais, que se conduza um maior nmero de trabalhos
descrevendo a atuao do professor on-line nos mais diversos contextos e sob as
mais diversas perspectivas (TAVARES, 2001, no paginado).
Um outro aspecto que aponta para a necessidade de maior preparao
dos futuros docentes on-line relaciona-se ao fato de que ainda h carncia de
orientaes especialmente elaboradas para os professores que atuam em cursos
a distncia. H tambm carncia de materiais especficos para atuao on-line e,
nos que esto disponveis, faltam instrues que levem em conta uma reflexo
sobre a dinmica processual do curso e sobre possveis resolues de
problemas. Mesmo orientaes que apresentam grande detalhamento do
material do curso, do uso das ferramentas e da avaliao pretendida, ainda
apontam para uma situao que se imagina prxima de um ideal, ou seja,
apresentam uma lista de regras a serem seguidas, que supostamente garantem
um resultado esperado, como se ao serem seguidas, todas as turmas reagissem
da mesma forma e consequentemente apresentassem o mesmo resultado,
considerado satisfatrio. Em estudo apresentado em congresso em abril de
20042, analisei cursos on-line em busca da presena desses materiais e de
elementos que apontassem para o apoio ao professor e observei que a figura do
professor era muito pouco contemplada nos materiais. Posteriormente, em um
2 Instrues para o professor: uma carncia em cursos via Internet. Apresentado no 14 InPLA
IntercmbiodePesquisasemLingusticaAplicada.SimpsioA inclusodeprofessoresealunosemambientesdeaprendizagemmediadospelocomputador,coordenadopelasProfas.Dras.MaximinaM.FreireeDeniseBertoliBraga.
http://www.pucsp.br/pos/lael/inpla/14/caderno/pdf/simposios/s_freire_braga.pdf
I N T R O D U O 17
estudo complementar realizado em 20083, verifiquei que a carncia de material
especfico para o professor ainda persiste.
Devido a essa escassez de orientao e ao fato de que ainda h lacuna em
cursos de graduao para formao de professores on-line, a formao
especfica para o ensino on-line geralmente acaba sendo iniciada mais
tardiamente, na ps-graduao. Pode-se pressupor que o professor on-line
ainda seja considerado, a priori, um profissional que necessita apenas transpor
seus conhecimentos e experincias do ensino face-a-face para o ambiente on-
line. Salvo por alguns aspectos representativos de uma atuao eficaz em
qualquer contexto, e no apenas no on-line, por exemplo, sucesso nas
aprendizagens, bons relacionamentos entre professores e alunos,
desenvolvimento da autonomia intelectual (TOSCHI , 2004, p.90), essa ideia de
transposio, infelizmente, no pode ser eficiente. Pesquisas na rea de
formao de professor on-line (GERALDINI, 2003; SPRENGER, 2004;
CARNEIRO, 2005; GERVAI, 2007; entre outras) nos mostram que existe
necessidade de preparao altamente especializada para a formao desse
profissional. Ramos e Freire (2001, no paginado), em um estudo sobre a
passagem do contexto presencial para o virtual, concluem que essa passagem
pode causar repercusses de vrias naturezas que sinalizam para a
necessidade de um programa de formao que capacite profissionais a atuar,
com segurana e de forma eficiente, na nova ambientao.
Nesta pesquisa, parto de um olhar em consonncia com as teorias de
apoio, que me levam a enxergar o curso como um sistema vivo, associado a
diferentes dimenses da vida dos participantes, e que tem um importante
significado social. O curso on-line visto como um sistema do qual fazem parte
professores que transitam pelas prticas discursivas do mundo educacional, da
cultura e da educao. Nesse sentido, se insere num contexto de vida, de
formao e de ao. Para uma melhor compreenso da multidimensionalidade
dos fenmenos e das situaes associadas ao ensino no contexto on-line,
3ManuscritoemAnexo5.
18I N T R O D U O
importante que o professor possa se conscientizar da dinmica processual do
curso, que revela ora as partes e ora o todo, e pode possibilitar um melhor
entendimento das relaes estabelecidas e do processo de construo do
conhecimento no qual se retomam os objetivos, as estratgias, as relaes, as
limitaes e as avaliaes.
Com o intuito de observar esses elementos, para este trabalho elegi como
objeto de estudo as pginas de entrada (denominadas Agendas) do mdulo O
Desenvolvimento Profissional e a Sala de Aula, do curso Teachers Links, pois se
caracterizam como um instrumento de altssimo poder para o professor, j que
um espao no qual apenas o professor edita textos e imposto ao aluno,
considerando que a primeira coisa que aparece na entrada do curso e todos
tm que necessariamente passar por ela. A Agenda foi criada para ser um espao
de interao entre professor e classe, considerando que toda comunicao entre
professor e aluno comea na Agenda e essa uma regra fixa do ambiente de
aprendizagem no qual o curso foi implementado, o TelEduc. No entanto, a
Agenda construda no processo e neste sentido o professor deve levar em conta
inmeros elementos que influenciam suas aes e as aes dos alunos no
momento de sua elaborao, o que a evidencia como um espao complexo que
integra a multidimensionalidade presente no curso on-line. As aes
observadas nesta pesquisa originam-se do discurso do professor, constitudo na
linguagem verbal.
Este trabalho, portanto, pretende possibilitar um estudo sobre o
professor e para o professor, focalizando aspectos da complexidade que
envolvem as aes do professor em cursos on-line.
Consideremos primeiro, a importncia do professor manter clareza sobre
os objetivos do curso e as metas intermedirias, ao longo de um processo no
qual, a cada momento, as informaes aumentam e se desenvolvem de maneira
interativa e recursiva. O professor deve saber operacionalizar esses objetivos e
metas que geralmente so descritos em termos abstratos.
I N T R O D U O 19
H uma tendncia natural em se perder a noo do contexto mais amplo
quando estamos nos concentrando nas pequenas partes, porm essa
operacionalizao possvel de ser realizada em cada unidade de trabalho, por
meio de um planejamento que remeta compreenso das diferentes
ferramentas, dos materiais, dos conceitos veiculados, dos limites e necessidades
impostos pelas relaes sociais e da integrao entre todos os elementos que
do a dimenso mais ampla do sistema de negociao.
Esse quadro de necessidades aponta para a importncia de se tentar
formular orientaes de ao docente que considerem cuidadosamente a
necessidade de uma organizao de aes em meio imprevisibilidade inerente
a sistemas complexos durante o processo de docncia on-line.
Outro aspecto que justifica este trabalho a combinao terica que uso,
que configura-se como algo novo. Trabalhos de pesquisadores especialmente
que lidam com formao de educadores e integrao de mdias para contextos
on-line ou semi-presenciais, com enfoque na rea da Educao (VALENTE,
ALMEIDA, 2007), com formao de educadores e processos de interao e
mediao (HESSEL, PESCE, ALLEGRETTI, 2009; ARAJO, BIASI-
RODRIGUES, 2005), com experincias de aprendizagem de ensino de lnguas
na Internet (COLLINS e FERREIRA, 2004; ARAJO, 2007); entre outros, trazem
contribuies em diversos mbitos e aspectos da educao on-line, porm h
carncia de trabalhos que combinem as teorias que associo nesta pesquisa, a
Teoria da Complexidade e a Lingustica Sistmico-Funcional.
Pesquisas que contribuem para a formao de professores a distncia
que utilizam a Teoria da Complexidade na Educao so discutidas por Edgard
Carvalho, Lucila Pesce, Maximina Freire, Pedro Demo, Ricardo Tescarolo.
Pesquisas que envolvem a Teoria da Complexidade e o Ensino de lnguas so
discutidas por Vera Menezes, Vilson Leffa. Pesquisas que associam a
Lingustica Sistmico-Funcional e a Educao on-line so discutidas por
Caroline Coffin, Heloisa Collins. Quanto associao entre a Lingustica
Sistmico-Funcional e a Teoria da Complexidade, Matthiessen (2006) apresenta
20I N T R O D U O
um trabalho no qual observa a linguagem como um sistema adaptativo
complexo; no entanto, no associa com a Educao a Distncia.
O trabalho apresentado nesta pesquisa, portanto, se justifica tambm em
termos tericos, pois construdo a partir de uma viso de cursos on-line como
sistema adaptativo complexo, sob o ponto de vista da Complexidade com
enfoque no Pensamento Eco-Sistmico e interpretado a partir da Lingustica
Sistmico Funcional.
Esta pesquisa visa a refletir sobre aes organizacionais, a partir da
forma como elas podem aparecer nas pginas de entrada de um curso, e
pretende trazer tona quais so os aspectos do curso nos quais o professor
pode se apoiar para poder resolver problemas de imprevisibilidade, que sero
expressados na Agenda. Nesse sentido, os objetivos da pesquisa so:
Descrever e analisar a funo das Agendas no desenvolvimento das aes organizacionais do curso, ou seja, no gerenciamento
feito por professores atuando em um curso de formao
continuada e na atualizao do planejamento docente decorrente
das necessidades emergentes; e, luz desses resultados,
Sugerir orientaes de ao docente que possam beneficiar o professor no planejamento de suas aes durante o processo de
docncia on-line, propondo orientaes que contemplem a
imprevisibilidade inerente a sistemas complexos.
Os resultados da pesquisa pretendem ser uma contribuio para
processos de formao de professor. Para isso, o trabalho ser conduzido a
partir das seguintes perguntas de pesquisa:
1. Que funes podem ser observadas nas Agendas analisadas?
2. Como essas funes se estruturam nessas Agendas?
3. Qual a linguagem que materializa essas funes e essa estrutura?
4. Qual a relao entre o que est dito nas Agendas e o que acontece
no curso?
I N T R O D U O 21
Com vistas a atingir os objetivos propostos, o trabalho apresentado e
organizado em trs captulos: 1. Fundamentao terica; 2. Metodologia e 3.
Anlise e discusso dos resultados, seguidos de algumas consideraes finais.
O captulo da fundamentao terica subdividido em trs partes, sendo
as duas primeiras partes dedicadas s teorias fundantes do trabalho, a
Lingustica Sistmico-Funcional e a Teoria da Complexidade, e a terceira parte
dedicada articulao das linhas tericas.
No captulo da metodologia apresento uma descrio do contexto geral
da pesquisa e tambm descrevo o curso on-line e o mdulo de onde foram
colhidos os dados, incluindo a ferramenta de autoria utilizada na concepo do
curso e os objetivos e princpios orientadores do curso. Em seguida, descrevo os
dados, os procedimentos de coleta e de anlise.
No terceiro captulo apresento a anlise e a discusso dos resultados,
seguidos de consideraes finais, onde apresento algumas contribuies
geradas para processos de formao de professor, surgidas luz dos resultados
obtidos na anlise.
Passemos, ento, aos suportes tericos que fundamentam esta pesquisa.
1. Fundamentao terica
A fim de interpretar e refletir sobre os elementos que envolvem o foco
desta pesquisa, ou seja, as pginas de entrada (Agendas) de um curso on-line
que se insere num contexto de vida, de formao e de ao dos participantes,
busquei suporte em teorias interdisciplinares que pudessem dar sustentao
minha viso de linguagem, de educao e de formao de professor, e que
pudessem me oferecer ferramentas para conduzir a anlise. O domnio terico
se encontra em bases sistmicas, composto por quatro teorias principais: a
Lingustica Sistmico-Funcional (HALLIDAY 1978, 1994; HALLIDAY e HASAN,
1989/1994; HALLIDAY e MATHIESSEN, 1999/2006, 2004), a Teoria da
Complexidade (MORIN, 1990/2005, 1996, 1997/2005, 1999, 2002a, 2002b, 2004,
2005; MORIN e LE MOIGNE, 2000; MORIN, CIURANA e MOTTA, 2003), o
Pensamento Eco-Sistmico (MORAES, 1997, 2003a, 2003b, 2004, 2005; MORAES e
TORRE, 2004, 2006) e o Sistema Adaptativo Complexo (HOLLAND, 1992/1995,
1995, 1997).
A ordenao das escolhas tericas est atrelada a uma orientao de
sentido para a pesquisa. Inicio a apresentao das teorias pela Lingustica
Sistmico-Funcional devido ao fato de que meu ponto de partida, do ponto de
vista terico, a lingustica, j que parto da materialidade do texto, que me traz
subsdios que me permitem avanar para um olhar mais abstrato. A lingustica
tem significado fundamental nesta pesquisa, tambm, por se tratar de uma
pesquisa realizada em um contexto que se constitui e se concretiza pela
linguagem e por ela, como o caso de um curso on-line, e que tem como base a
investigao lingustica, considerando que se apia no estudo da linguagem
apresentada nas pginas de entrada das turmas analisadas. No mbito da
lingustica, elegi a Gramtica Sistmico-Funcional (HALLIDAY 1978, 1994;
HALLIDAY e HASAN, 1989/1994; HALLIDAY e MATHIESSEN, 1999/2006,
2004), por me permitir analisar porque a linguagem est sendo usada da forma
em que est sendo materializada e tambm, com seus instrumentos de anlise,
F U N D A M E N T A O T E R I C A 23
me permitir avaliar a adequao da linguagem. Esta gramtica concebe a
linguagem como um sistema, discute o papel central da linguagem atrelada a
um fluxo de conhecimento e pode explic-la nos contextos local e cultural
especficos com os quais estou lidando de um ponto de vista humano e
antropolgico. Devido ao fato de que, nesta viso de linguagem, o aprendizado
interpretado como um processo lingustico (HALLIDAY e HASAN,
1989/1994, p. 49), e ao fato de que esta pesquisa se prope a contribuir para a
rea de formao de professores on-line, a explorao dos valores e do papel
crtico da linguagem na educao on-line tem lugar privilegiado na pesquisa.
Neste sentido, a teoria de linguagem adotada torna-se uma ferramenta de
anlise de primordial importncia para que meus objetivos sejam alcanados.
Alm disso, a Gramtica Sistmico-Funcional oferece um detalhamento que
permite um trabalho sistmico e, portanto, d suporte para analisar a
linguagem nesse nicho especfico de gerenciamento do curso que a Agenda.
Paralelamente, o estudo relaciona os significados encontrados com as
teorias do conhecimento. Apio-me na Teoria da Complexidade (MORIN,
1990/2005, 1996, 1997/2005, 1999, 2002a, 2002b, 2004, 2005; MORIN e LE
MOIGNE, 2000; MORIN, CIURANA e MOTTA, 2003), por ser uma teoria que
levanta questes na esfera do conhecimento, abrangendo aspectos da formao,
da construo e da difuso do conhecimento. A Teoria da Complexidade se
prope a interpretar como um sistema de comportamento complexo, criativo,
imprevisvel e adaptativo pode surgir da interao de agentes que atuam
segundo regras relativamente simples e estveis, como o caso de um curso on-
line.
Seguindo a Teoria da Complexidade, fui ao encontro do Pensamento Eco-
sistmico (MORAES, 1997, 2003a, 2003b, 2004, 2005; MORAES e TORRE, 2004,
2006), uma abordagem do conhecimento, com enfoque em educao, e que
tambm trabalha com conceitos advindos de teorias sistmicas. uma
abordagem que busca um pensamento orientado para a integrao da
complexidade, da indeterminao, da diversidade, da criatividade, da incerteza
conjugados com os processos de auto-organizao e de emergncia presentes
24F U N D A M E N T A O T E R I C A
nos percursos de construo do conhecimento e da aprendizagem. Alm disso,
decorre da Teoria da Complexidade e aborda questes diretamente ligadas
Educao a Distncia, contexto de meu estudo.
Para entender a possibilidade de regularidade e coerncia em padres
determinados por constante modificao, dificultados por complexidade e
incerteza, e que agregam auto-organizao em suas estruturas, como o caso
do processo de andamento de um curso on-line, busquei suporte na teoria do
Sistema Adaptativo Complexo (HOLLAND, 1992/1995, 1995, 1997). Esta teoria
teve papel importante para que eu pudesse refletir sobre os elementos presentes
no sistema e em sua rede de interaes que se mantivessem persistentes em face
s mudanas e, consequentemente, pudessem servir de pontos de apoio para o
professor on-line.
Neste percurso, encaminho uma reflexo sobre as teorias mencionadas
anteriormente, relacionando-as entre si e com a pesquisa, o que emerge na
possibilidade de delinear caractersticas comuns entre cursos on-line e propor
parmetros orientadores que auxiliem o professor em sua ao organizacional,
apoiando-o em seu planejamento docente.
Assim, neste captulo apresento uma resenha crtica dos fundantes
principais das teorias de suporte deste trabalho e trago tambm uma
caracterizao do meu contexto de estudo mais amplo para dentro desta
apresentao, com o intuito de facilitar a compreenso do meu objeto de estudo
precocemente, de propiciar uma compreenso mais aprofundada do que
pretendo no trabalho e de deixar mais claro o motivo pelo qual adoto tais
teorias. Na seo que se refere reflexo sobre as teorias e a pesquisa e na seo
de anlise e discusso dos dados estabeleo dilogo com obras de outros
estudiosos, pertinentes pesquisa.
F U N D A M E N T A O T E R I C A 25
1.1 Lingustica Sistmico-Funcional
A linguagem altamente complexa (HALLIDAY, 2003, p. 118), e
HALLIDAY trouxe tona a complexidade da linguagem. Segundo Christie e
Unsworth (2005: 219), os trabalhos iniciais de Halliday (1973, 1975) sobre o
desenvolvimento da linguagem foram marcados tanto por sua orientao
funcional quanto por sua insistncia em que a linguagem um sistema
semitico com o qual produzimos sentido. Esse sistema semitico construdo
e reconstrudo a cada vez que acessado, conferindo linguagem um carter
dinmico.
A linguagem vista como um recurso para dar significado s coisas, est
centralmente envolvida nos processos pelos quais os seres humanos negociam,
constroem e modificam a natureza da experincia social (HALLIDAY e
HASAN, 1989/1994, p. vi). Por ser carregada de significado, a linguagem
incorpora ideologias, valores e diferenas culturais dentro de uma determinada
sociedade (HALLIDAY e HASAN, 1989/1994), sendo assim de base social.
Por ser um sistema que expressa significados, a linguagem se estabelece
em torno de uma rede sistmica que se organiza e se inter-relaciona no s em
torno de seu sistema lingustico, mas tambm em torno do seu sistema de dados
do contexto social. Os significados esto atrelados tanto ao contexto de situao
como ao contexto de cultura no qual um evento comunicativo se desenvolve. O
contexto de situao o ambiente imediato no qual o evento comunicativo ocorre,
no entanto toda situao se insere em um contexto mais amplo, abstrato,
relacionado cultura qual o evento pertence ou est inserido. O contexto de
cultura pode ser descrito como um corpo integrado ao conjunto total de
significados disponveis a uma comunidade, ou seja, o potencial semitico, que
inclui maneiras de fazer, maneiras de ser e maneiras de dizer, ou seja, o que
determina coletivamente como um texto4 deve ser interpretado naquele
4Textorefereseaqualquermanifestaodalinguagem,emqualquermeio,quefaasentidoaalgum
queconheaalngua(HallidayeMatthiessen,2004,p.3).
26F U N D A M E N T A O T E R I C A
determinado contexto de situao (HALLIDAY e HASAN, 1989/1994, p. 46 /
99). As situaes no so aculturais (HALLIDAY e HASAN, 1989/1994, p. 99)
e os significados, portanto, so definidos pela relao entre contexto de situao
e contexto de cultura.
Segundo Halliday e Hasan (1989/1994, p. 47), o contexto da situao e o
contexto mais amplo da cultura delineam o ambiente no-verbal de um texto,
sendo que ambos determinam o texto e colocam em evidncia a previsibilidade
do texto. Porm, de fato, de acordo com os autores, a relao entre texto e
contexto dialgica: o texto cria o contexto tanto quanto o contexto cria o texto,
e o significado surge da frico entre os dois. Sendo assim, os significados
provm da relao entre texto e contexto, o que implica que o ambiente no qual
qualquer texto produzido tambm se configura a partir de uma srie de textos
prvios, os quais so reconhecidos e incorporados na compreenso do evento
lingustico, e relacionados ao fator cultural. Um texto est, portanto,
intimamente relacionado ao contexto social e seu significado vai variar
dependendo do contexto. Segundo Halliday (1978, p. 136), um texto um
produto do ambiente e mantm com este uma relao de interdependncia.
O estudo da linguagem nesta viso considera a capacidade humana de se
expressar, no de forma idealizada, mas levando em conta a linguagem em uso,
partindo do princpio de que a funo da lngua criar sentidos e que os
sentidos so influenciados pelo contexto social e cultural no qual se d a
interao. Nesse sentido, salienta-se a perspectiva funcional da linguagem, por
meio da qual podemos enfatizar o uso da linguagem de forma apropriada
situao e ao contexto social, o que indica que a linguagem no pode ser
universal, pois no neutra, e por isso deve ser estudada dentro do contexto de
sua produo. Da podemos dizer que a linguagem seja funcional.
Paralelo a esta perspectiva, quando produzimos um texto,
constantemente fazemos escolhas que consideramos adequadas para aquela
produo especfica. Podemos fazer escolhas porque reconhecemos e podemos
predizer os contextos de cultura e de situao nos quais o texto ser produzido,
F U N D A M E N T A O T E R I C A 27
portanto nossas escolhas no so aleatrias, mas carregadas de significados
culturais. H um conjunto de escolhas que podem ser feitas dentro de
determinado contexto e estas escolhas se organizam em mltiplos planos, por
meio dos quais a linguagem se organiza. Neste sentido, podemos dizer que a
linguagem seja sistmica. Uma escolha num plano sistmico implica um mbito
menor de escolhas no plano seguinte, e assim sucessivamente, cada vez que se
faz uma escolha, determina-se a escolha seguinte. Dentro de determinado
contexto, h, por exemplo, escolhas de ordem lexical, de ordem das intenes
do falante, da colocao do eu na fala, etc.
Quando realizamos estas escolhas, estamos ativando metafunes de
linguagem, exploradas a seguir.
1.1.1 Metafunes da linguagem
Na relao entre cultura e estrutura da linguagem, por entender que toda
linguagem se organiza em torno de um propsito (de uma funo), so
consideradas duas funes bsicas da linguagem:
1. dar significado s nossas experincias; e
2. atuar em nossos relacionamentos sociais.
Estas funes, ou tipos de significados, so definidos por Halliday e
Hasan (1989/1994, p. 44) como metafunes5. De acordo com Halliday e
Matthiessen (2004, p. 29), a linguagem constri a experincia humana
5DeacordocomHallidayeMatthiessen(2004,p.3031),aoinvsdotermometafuno,poderiater
sido escolhido o termo funo simplesmente; porm h uma longa tradio que se refere sfunesdalinguagememcontextosondefunosignificasimplesmentepropsitooumaneiradese usar a linguagem, e no tem nenhum significado referente anlise da linguagem em si (cf.HALLIDAYeHASAN,1985:Captulo1;MARTIN,1990;apudHALLIDAYeMATTHIESSEN,2004,p.31).Noentanto,aanlisesistmicamostraquea funcionalidade intrnseca linguagem, isto,todaarquiteturada linguagemestruturadaao longodesuas linhas funcionais.A linguagemcomopor causa das funes que ela tem evoludo nas espcies humanas. O termo metafuno foiadotadocomointuitodesugerirquefunofosseumcomponenteintegraldentrodateoriacomoumtodo.
28F U N D A M E N T A O T E R I C A
nomeando coisas, categorizando-as, relacionando-as ao tempo, s causas e
assim por diante. No h nenhuma faceta da experincia humana que no possa
ser transformada em significados; sendo assim, a linguagem fornece uma teoria
da experincia humana, que chamada de metafuno ideacional, que se
distingue em dois componentes: experiencial e lgico.
Ao mesmo tempo, sempre que estamos usando a linguagem, estamos
tambm nos relacionando com outras pessoas. Usando a linguagem, no apenas
representamos processos de fazer, acontecer, dizer ou sentir, ser ou ter com
seus vrios participantes e circunstncias (metafuno ideacional), mas tambm
fazemos proposies, ou propostas, nas quais informamos ou questionamos
algo, damos ordem ou oferecemos algo, ou expressamos apreciao de uma
atitude em relao pessoa com quem estamos falando ou em relao ao que
estamos falando. Este tipo de significado chamado de metafuno interpessoal,
que sugere ser tanto interativa como pessoal (HALLIDAY e MATTHIESSEN,
2004, p. 29-30).
Segundo Halliday e Matthiessen (2004, p. 30), a metafuno interpessoal
mais ativa do que a ideacional, considerando que a interpessoal relaciona-se
linguagem como ao, enquanto a ideacional relaciona-se linguagem como
reflexo. Essa distino entre os dois tipos de significado revela duas redes
distintas do sistema (HALLIDAY, 1969, cf. MARTIN, 1990, apud HALLIDAY e
MATTHIESSEN, 2004, p. 30), que significa que (1) toda mensagem tanto sobre
alguma coisa como endereada a algum, e (2) estes dois pontos no aparecem
isoladamente, mas ocorrem simultaneamente na construo do texto. A
linguagem, portanto, organizada de uma forma na qual toda produo
apresenta componentes tanto da metafuno ideacional como da metafuno
interpessoal.
A gramtica, no entanto, revela um terceiro componente, um outro tipo
de significado que se relaciona construo do texto, chamado de metafuno
textual. A metafuno textual pode ser entendida como uma funo facilitadora,
considerando que as duas outras metafunes dependem de serem construdas
F U N D A M E N T A O T E R I C A 29
em sequncias do discurso, de serem organizadas no fluxo discursivo e da
criao de coeso e continuidade conforme elas se desenvolvem.
Pela compreenso da organizao funcional da linguagem, somos
capazes de explicar o uso da linguagem em situaes de aprendizagem e em
outras situaes, observando como a linguagem est sendo usada, para quem,
com qual inteno, com quais representaes da realidade, alm de podermos
tambm explicar falhas e sucessos em eventos comunicativos, observando onde
ocorreu quebra, porque ocorreu, e como solucionar e prevenir que ocorra
novamente.
A fim de explicarmos o uso da linguagem, portanto, partimos para a
explorao da gramtica. Neste trabalho, no entanto, me detenho apenas aos
pontos de especial relevncia para a pesquisa, como aponto a seguir.
1.1.2 Pontos de vista para a explorao da gramtica
Segundo Halliday e Matthiessen (2004, p. 3-4), a linguagem pode ser
explorada sob muitos pontos de vista, porm podemos distinguir dois ngulos
principais de viso:
1. enfocando o texto como um objeto sob o qual observa-se porque
um determinado texto tem o significado que tem e porque
valorizado daquela forma;
2. enfocando o texto como um instrumento que nos ajuda a
descobrir algo sob o qual observa-se o que o texto revela sobre o
sistema de linguagem no qual est inserido.
De acordo com os autores, essas duas perspectivas so claramente
complementares: no podemos explicar porque um texto significa o que
significa, com todas as vrias leituras e valores que podem ser dados a ele, se
no o relacionarmos ao sistema lingustico como um todo; e igualmente, no
30F U N D A M E N T A O T E R I C A
podemos us-lo como uma janela do sistema a menos que consigamos
compreender o que ele significa e porque foi atribudo a ele aquele significado.
No entanto, em cada um dos casos, o texto tem um status diferente: ou ele
visto como artefato, ou visto como espcie.
Textos so vistos como espcie quando o observador se interessa em
explicar a gramtica da lngua, utilizando vrias caractersticas gramaticais, em
contextos funcionais significativos, nos quais todos esses elementos devem ser
igualmente levados em conta. Por outro lado, textos vistos como artefatos so
abordados considerando o aspecto cultural simblico, concebidos como
autnomos. Aqui tambm h complementaridade, considerando que um texto
tem um determinado valor porque entendemos outros textos, e isso se d
devido ao fato de que so selecionados a partir dos mesmos recursos. O que os
distingue, porm, a maneira como estes recursos so desdobrados.
Nesta pesquisa, analiso os textos tanto sob o ponto de vista de espcie
como de artefato, partindo da configurao funcional da gramtica e,
considerando o recorte delineado pelos meus objetivos, assim como a limitao
dos meus conhecimentos.
Partindo da configurao funcional, a anlise da linguagem pode ser
feita por trs linhas de significado (usando como unidade de anlise a orao,
devido ao fato de que a maioria dos elementos de uma estrutura frasal contm
mais do que uma funo na orao):
a orao como mensagem;
a orao como troca;
a orao como representao.
A seguir, me detenho no detalhamento das linhas de significado.
F U N D A M E N T A O T E R I C A 31
1.1.3 As trs linhas de significado na orao
As trs linhas de significado na orao, orao como mensagem, orao
como troca e orao como representao referem-se a trs tipos distintos de
significados que esto embutidos na estrutura de uma orao.
Uma orao tem significado como mensagem, quantia de informao,
quando um Tema o ponto de partida da orao, considerando que o Tema o
elemento que o falante seleciona como apoio para o que ele tem a dizer.
Uma orao tem significado como troca, transao entre falante e
ouvinte, quando um Sujeito a garantia da troca, considerando que o Sujeito o
elemento que o falante coloca como responsvel pela validade do que ele est
dizendo.
Uma orao tem significado como representao de alguns processos na
experincia humana quando um Ator o participante ativo em tal processo. O
Ator o elemento que o falante retrata como aquele que faz a ao.
As trs linhas de significado da orao no so simplesmente
caractersticas da orao, mas da linguagem como um todo e determinam a
forma como a linguagem se desdobra. Em termos sistmicos, referem-se s
metafunes.
A seguir, apresento um detalhamento de cada linha de significado,
apontando para elementos relevantes pesquisa. Inicio pela linha de
significado como troca, em seguida a linha de significado como representao, e
finalmente a linha de significado como mensagem. Optei por deixar a linha de
significado como mensagem para ser apresentada posteriormente s outras pois
nesta h referncia a elementos apresentados nas anteriores.
32F U N D A M E N T A O T E R I C A
1.1.3.1 Significado como troca
O plano de significado da orao como troca relaciona-se metafuno
interpessoal, ligado funo do fazer. Neste aspecto do significado, o ponto de
vista o da organizao da orao como um evento interativo, envolvendo
falante, ou escritor, e a audincia. No ato de falar (ou escrever), o falante adota
para si um determinado papel de fala, e fazendo isso, atribui ao ouvinte um
papel complementar que deseja adotar em seu turno. Por exemplo, ao fazer
uma pergunta na qual o falante busca uma informao, ele adota o papel de
quem busca a informao e ao mesmo tempo, atribui ao ouvinte o papel de
fornecedor da informao solicitada. Os interlocutores mudam de turno no
processo interativo, cada vez adotando um papel de fala e atribuindo um papel
complementar ao outro, estabelecendo uma troca.
O ato de fala uma troca, que pode ser tanto de papis de fala, como da
natureza daquilo que objeto da troca. Os papis de fala fundamentais so os
de oferecer e pedir. Ou o falante est oferecendo algo ao ouvinte (alguma
informao, por exemplo), ou ele est pedindo algo. Estas duas categorias
envolvem noes complexas: oferecer significa convidar a receber, e pedir
significa convidar a dar. O falante no est apenas fazendo algo, mas est
tambm solicitando algo do ouvinte. Assim, um ato de falar algo que
poderia ser mais propriamente chamado de interao: uma troca, na qual dar
implica receber e pedir implica dar em resposta.
Uma outra distino, igualmente fundamental, se relaciona natureza
daquilo que objeto da troca, podendo ser tanto de bens e servios como de
informao. Em uma troca de bens e servios, o falante pode dizer alguma coisa
com o objetivo de que o ouvinte faa algo para ele, como envie o documento
para mim ou vamos tomar um caf?, na qual o objeto da troca estritamente
no-verbal: o que est sendo pedido um objeto ou uma ao, e a linguagem
vem ajudar no desenvolvimento do processo. Na troca de informao, o falante
diz algo com o objetivo de fazer com que o outro diga alguma coisa, como por
F U N D A M E N T A O T E R I C A 33
exemplo que horas so? ou no acredito que voc tenha escolhido viver em
um lugar to agitado!, na qual o que est sendo pedido informao: a
linguagem o fim, assim como o meio, e a nica resposta esperada verbal.
Essas duas variveis, quando juntas, definem as quatro funes primrias de
fala: oferecimento e ordem (para bens e servios), declarao e interrogao
(para informao). Respectivamente, estas funes de fala esto ligadas a um
grupo de respostas desejadas: aceitar a oferta, cumprir a ordem, concordar da
declarao e responder pergunta. Dessas respostas, somente a ltima
essencialmente verbal, as outras podem ser todas no-verbais. Porm,
tipicamente, todas so verbalizadas, com ou sem algum acompanhamento de
ao no-verbal.
Numa interao, as respostas esperadas nem sempre sero as recebidas.
O ouvinte, no papel de falante, pode responder uma pergunta ou cumprir uma
ordem de diversas maneiras diferentes, pode recusar-se a responder uma
pergunta, etc. Em retorno, o falante, em seu turno, pode reiterar sua inteno
sinalizando seu desejo usando a linguagem de forma a limitar as opes de
resposta do ouvinte, como por exemplo, usando uma pergunta no final de sua
fala que pea uma resposta sim ou no. Enquanto a troca se refere a bens e
servios, as escolhas do ouvinte so relativamente limitadas; porm, quando se
trata de troca de informao, a gama de opes do ouvinte muito maior, pois
torna-se uma proposio e neste caso pode ser discutida, com afirmaes,
negaes, colocao de dvidas, contradies, insistncias, pode ser aceita com
reservas, etc. No eixo de bens e servios, as propostas so definidas pelo sistema
de modulao e no eixo da informao, as proposies so definidas pelo
sistema de modalizao. Estes dois eixos analisados conjuntamente formam o
sistema de modalidade, o principal sistema gramatical deste aspecto de
significado da orao, o de troca.
O sistema de modalidade constri a regio de incerteza entre o sim e o
no, porm o espao entre o sim e o no tem significado diferente para
proposies e para propostas. Em uma proposio, o significado do plo
positivo e negativo afirmar ou negar, ou seja, dizer assim para o plo
34F U N D A M E N T A O T E R I C A
positivo ou no assim para o plo negativo. H dois tipos de possibilidades
intermedirias: (i) graus de probabilidade (possibly, probably, certainly); e (ii)
graus de usualidade (sometimes, usually, always). Os primeiros so equivalentes a
sim ou no, isto , talvez sim, talvez no, com diferentes graus de
possibilidade. Os ltimos so equivalentes a sim e no, isto , s vezes sim, s
vezes no, com diferentes graus de continuidade. Estas escalas de
probabilidade e usualidade referem-se modalizao no sistema de
modalidade.
Quanto s propostas, o significado dos plos positivo e negativo
prescritivo e proscritivo, ou seja faa isso para o plo positivo e no faa
isso para o plo negativo. Aqui tambm h dois tipos de possibilidades
intermedirias, que neste caso dependem dos papis de fala, ou seja, pedido ou
oferta. (i) Em um pedido, os pontos intermedirios representam graus de
obrigao, como allowed to, supposed to, required to; (ii) em uma oferta, os
pontos intermedirios representam graus de inclinao, como willing to,
anxious to, determined to. As escalas de obrigao e inclinao referem-se
modulao.
O sistema de modalidade composto pelos elementos principais modo +
resduo. O elemento modo o elemento que realiza a modalidade e consiste de
duas partes: sujeito, que o grupo nominal, e finito operador, que parte do
grupo verbal. O restante da orao o resduo.
O elemento finito tem a funo de fazer as proposies finitas, ou seja, ele
as circunscreve, ele concretiza a proposio, de uma forma que ela seja algo
sobre o qual se possa discutir. Uma boa forma de tornar algo discutvel
embutir um ponto de referncia no aqui e agora; e isso o que faz o finito. O
finito relaciona a proposio ao seu contexto no evento comunicativo, e isso
pode ser feito de duas maneiras: uma fazendo referncia ao tempo de fala
(para proposies apenas, j que no h referncia ao tempo para propostas) e a
outra fazendo referncia ao julgamento do falante.
F U N D A M E N T A O T E R I C A 35
Em relao ao tempo de fala (tempo primrio), o falante refere-se ao
passado, presente ou futuro no momento da fala, sendo assim o tempo relativo
ao agora, o que torna uma proposio discutvel por estar sendo localizada
no tempo, tendo como referncia o evento da fala. Este recurso se realiza com o
uso de operadores temporais, como did, was, had, used to, does, is, have, will, shall,
would, should6 e suas formas negativas.
Em relao a fazer referncia ao julgamento do falante, isso indica
modalidade, e modalidade significa probabilidade ou usualidade (se forem
proposies), obrigao ou inclinao (se forem propostas). Assim, uma
proposio ou uma proposta pode se tornar discutvel se estiver apresentada
em termos de graus de probabilidade ou obrigao associados a ela. Este
recurso se realiza com o uso de operadores modais, como can, may, could, might,
will, would, should, is/was to, must, ought to, need, has/had to e suas formas
negativas.
Quanto ao elemento sujeito, este especifica a entidade responsvel pelo
sucesso ou fracasso da proposio ou pela validade da informao. Assim, o
elemento sujeito colocado como responsvel pelo funcionamento da orao
como um evento interativo.
Fica mais fcil ver este princpio da responsabilidade em uma proposta
(orao de bens e servios, por exemplo), na qual o sujeito especifica o
responsvel por realizar a oferta ou o comando. Por exemplo, em Posso abrir a
porta? (oferta), abrir a porta depende de mim; em Fale mais alto! (comando),
quem deve reagir obedecendo ou no ao comando a pessoa que est no papel
de voc. Assim, o sujeito tpico de uma oferta o falante e, de um pedido, a
pessoa a quem o falante est se dirigindo.
No caso de uma proposio, como por exemplo Serei guiado pelas suas
orientaes, o sujeito (eu), que diferente do ator (suas orientaes) ver
detalhes sobre o elemento ator no subitem significado como representao
6Utilizoexemplosem inglsconsiderandoquemeucorpusdeanliseconsistede textosescritosem
ingls.
36F U N D A M E N T A O T E R I C A
nesta orao, pode ser reconhecido por ser aquele que sustenta a validade da
informao.
Nem sempre o mesmo item na orao vai funcionar tanto como Tema
ver detalhes sobre o elemento tema no subitem significado como mensagem
e como Sujeito ao mesmo tempo. Em Aquele vaso foi meu tio que deu para a
minha tia, o sujeito (meu tio) no funciona como tema (aquele vaso), porm
podemos reconhecer o sujeito por ser o elemento responsvel pela validade da
afirmao.
O sujeito pode ser o mesmo item que funciona como ator ou tema, porm
so elementos distintos funcionalmente. A identidade do sujeito pode ser
estabelecida sob trs pontos de vista, ou seja, por um lado, um elemento
nominal; por outro lado, o elemento que combina com o finito (operador); e
por outro lado, o elemento que carrega a responsabilidade modal, ou seja, a
responsabilidade pela validade do que est sendo predicado. A noo de
validade relaciona-se discusso do caso, se for uma proposio, ou
efetivao da proposta.
A segunda parte da orao, alm do Modo (formado por sujeito + finito),
denominada Resduo, consiste de elementos funcionais de trs tipos:
predicador, complemento e adjunto.
1.1.3.2 Significado como representao
Este aspecto do significado da orao relaciona-se metafuno ideacional.
Segundo Halliday e Matthiessen (1999/2006, p. 511), a gramtica,
ideacionalmente, uma teoria da experincia humana, a nossa interpretao
de tudo que acontece nossa volta, e tambm dentro de ns mesmos. A
metafuno ideacional tem as funes do aprendizado e do pensamento, e est
dividida em dois componentes: experiencial e lgico.
F U N D A M E N T A O T E R I C A 37
O componente experiencial interpreta a compreenso dos processos aos
quais o texto se refere, dos participantes nestes processos, e das circunstncias
(tempo, causa, etc.) associadas a eles, ou seja, a compreenso de como as
entidades so nomeadas, como agem e como se relacionam. O componente
lgico se refere compreenso da relao entre um processo e outro, ou um
participante e outro, que dividem a mesma posio no texto (HALLIDAY e
HASAN, 1989/1994, p. 45).
O significado como representao refere-se linha experiencial de
organizao. A impresso mais poderosa que temos da experincia a
percepo da mudana, ou seja, a percepo de que a experincia consiste de
um fluxo de eventos, ou de acontecimentos, que mudam de um estado para
outro. Essa percepo da mudana se projeta em nossa conscincia como uma
imagem, ou seja, como uma pequena pea de teatro, incluindo atores e
acessrios, que se desenrola ao longo do tempo. Esta imagem modelada por
uma representao dos eventos, classificada como imagens da conscincia
(envolvendo o sentir e o dizer), imagens do mundo material (envolvendo o
fazer e o acontecer), e imagens das relaes lgicas (envolvendo o ser e o ter).
Todas as representaes consistem de um processo desdobrado ao longo
do tempo e dos participantes de alguma forma diretamente envolvidos neste
processo, e somado a isso, pode haver circunstncias de tempo, espao, causa,
maneira, ou de alguns outros tipos. As circunstncias no esto diretamente
envolvidas no processo, no entanto elas trazem subsdios ao processo. Todas
estas imagens esto presentes na orao; assim, a orao, alm de ser um modo
de ao, de oferecer e pedir bens e servios e informao, como vimos no item
significado como troca, tambm um modo de reflexo, de impor uma
ordem na variao e no fluxo infinitos dos eventos.
O sistema gramatical pelo qual alcanamos esta representao o da
transitividade, que interpreta o mundo da experincia em grupos de tipos de
processos. Cada tipo de processo fornece seu prprio modelo ou esquema para
interpretar um determinado domnio da experincia, como uma imagem de um
38F U N D A M E N T A O T E R I C A
certo tipo. Por exemplo, podemos falar sobre experincias internas ou externas,
ou seja, o que experienciamos no mundo de nossa prpria conscincia
(incluindo percepo, emoo e imaginao) e o que experienciamos fora de ns
mesmos, no mundo nossa volta.
A forma prototpica de experincias externas a das aes e eventos:
coisas acontecem, e pessoas ou outros atores fazem as coisas, ou fazem com que
elas aconteam. A experincia interna em parte um tipo de repetio das
externas, recordando-as, reagindo a elas, refletindo sobre elas, e de certa forma
tambm uma percepo parte de ns mesmos.
A gramtica distingue claramente a experincia externa, os processos do
mundo externo; e a experincia interna, os processos de conscincia. Esta
distino se d pelas categorias de processos materiais e processos mentais.
Alm dos aspectos externos e internos de nossa experincia, h um terceiro
componente, que diz respeito nossa capacidade de generalizar, de relacionar
fragmentos de uma experincia com outra, reconhecida pela gramtica como
um terceiro tipo de processo, relacionado identificao e classificao, o
processo relacional.
Os principais tipos de processos no sistema de transitividade so o
material, o mental e o relacional, mas entre estes trs tipos, h os intermedirios,
como os processos comportamentais (entre material e mental) que
representam as manifestaes externas de trabalhos internos, as aes de
processos da conscincia (eles esto rindo) e de estados fisiolgicos (eles
esto dormindo) , os processos verbais (entre mental e relacional)
relacionamentos simblicos construdos na conscincia humana exteriorizados
na forma de linguagem, como dizer e significar ; e os processos existenciais
(entre relacional e material), pelos quais qualquer tipo de fenmeno
reconhecido como ser, no sentido de haver ou acontecer, como em hoje h
missa na catedral.
O processo o elemento central na configurao da orao sob o ponto
de vista experiencial, os participantes esto prximos ao centro, diretamente
F U N D A M E N T A O T E R I C A 39
envolvidos no processo, trazendo tona sua ocorrncia ou sendo afetados por
ela de alguma forma. Os participantes so inerentes ao processo, considerando
que todo tipo de orao experiencial tem pelo menos um participante (com
exceo de alguns processos meteorolgicos, como est chovendo).
As unidades que realizam os elementos referentes aos processos, aos
participantes e s circunstncias das oraes trazem contribuies distintas para
a representao da experincia. Os elementos centrais, isto , os processos e os
participantes envolvidos, constroem facetas complementares da imagem
representada pela experincia. Estas duas facetas so chamadas transincia e
permanncia.
Os processos, construdos por um grupo verbal, realizam a transincia,
ou seja, os processos so localizados no tempo. Assim, o grupo verbal que
realiza um processo constri um momento no tempo comeando com o agora
(o tempo da fala) e conduzindo para uma categorizao do evento.
Enquanto os processos so localizados no tempo, os participantes
envolvidos so localizados num espao referencial (concreto ou abstrato),
realizando a permanncia. Os grupos nominais so relativamente estveis ao
longo do tempo, e podem fazer parte de muitos processos. Por exemplo, um
participante pode ser representado inicialmente por um nome prprio e ao
longo do texto, se mantm como participante, fazendo parte de vrios
processos, porm passa a ser representado por nomes comuns, como ele.
Em contraste a isso, os processos so efmeros, considerando que cada
ocorrncia nica.
A natureza dos participantes vai variar de acordo com o tipo de
processo, como por exemplo, para o processo material o participante
denominado ator. Assim, a configurao de processo + participante constitui o
centro experiencial da orao.
Em contrapartida, o componente circunstancial consta de elementos
quase sempre opcionais. Os elementos circunstanciais estendem o centro
experiencial da orao de alguma forma temporal, espacial, causal, e assim
40F U N D A M E N T A O T E R I C A
por diante, mas seu status na configurao mais perifrico e diferentemente
dos participantes, no esto diretamente envolvidos no processo.
As circunstncias desempenham papis circunstanciais nas imagens. H
duas distines simultneas de circunstncias, uma se refere ao tipo de relao
circunstancial construda e a outra se refere complexidade experiencial da
circunstncia. Quanto ao tipo de relao circunstancial construda, contrastam-
se as circunstncias de projeo e as circunstncias de expanso, sendo que a
ltima se distingue entre elaborao, extenso e aprimoramento (enhancing).
Quanto complexidade experiencial da circunstncia, as circunstncias
podem ser simples ou macro, sendo que as simples se assemelham mais a
elementos, enquanto as macro se assemelham mais a imagens.
Entre as simples, as mais comuns so as circunstncias de tempo, lugar,
maneira-qualidade e intensidade, as quais so todas de aprimoramento. As
circunstncias macro so as construdas por um tipo especial de imagem, tendo
um outro participante dentro dela. Tipicamente, todas as circunstncias
ocorrem livremente em todos os tipos de processos, e essencialmente com o
mesmo significado onde quer que elas ocorram.
1.1.3.3 Significado como mensagem
A estrutura temtica, ou seja, a estrutura que d orao o carter de
mensagem, relaciona-se metafuno textual. Em ingls (Halliday usa a lngua
inglesa como referncia), assim como em muitas outras lnguas, a orao
organizada em duas partes: Tema e Rema. O tema a primeira unidade (grupo
nominal, verbal ou preposicional) que tem alguma funo na estrutura
experiencial da orao, o primeiro elemento que aparece na orao e serve
como ponto de partida da mensagem. Consiste em apenas um elemento
estrutural, representado por somente uma unidade um grupo nominal, um
grupo adverbial ou um grupo preposicional, o qual posiciona e orienta a orao
F U N D A M E N T A O T E R I C A 41
dentro daquele contexto. indicado pela posio inicial na orao, portanto,
para sinalizar que um item tem status temtico, basta coloc-lo primeiro. O
restante da orao, chamado de Rema, a parte na qual o tema desenvolvido.
As duas partes juntas, isto , Tema e Rema, constituem uma mensagem.
O princpio guia da estrutura temtica que o tema contm um, e
somente um dos elementos experienciais, que pode ser ou o participante, ou a
circunstncia (como tempo, maneira ou causa) ou o processo, o que significa
que o tema de uma orao termina com o primeiro constituinte destes
elementos, considerado tema topical.
Os temas podem ser simples, de estrutura complexa ou equativos. O
tema simples composto de apenas um grupo nominal, adverbial ou
preposicional; o tema composto formado por dois ou mais grupos chamado
de tema de estrutura complexa; e o tema equativo aquele no qual todos os
elementos da orao so organizados em dois constituintes, ligados por uma
relao de identidade, expressada por alguma forma do verbo to be, como se
pudesse ser representado por um sinal de igual onde Tema = Rema, como por
exemplo the one who gave my aunt that teapot was the duke, onde the one who gave
my aunt that teapot o Tema e was the duke o Rema.
A ordem dos elementos na orao pode ser considerada tpica ou atpica.
A orao formada pela ordem tpica leva a noo de tema no-marcado. Uma
alternativa marcada, em contraste, reverte a ordem considerada tpica e
consequentemente, reverte a relao daquilo que o falante / escritor quer
considerar como proeminente, deixando clara a inteno de se expressar
enfatizando o elemento com o qual ele inicia a orao, portanto, marcando sua
inteno.
O que define a ordem como tpica a escolha do Modo, isto , se o falante
/ escritor optou pela forma declarativa, interrogativa ou imperativa, e como ele
posiciona os elementos da orao dentro destas formas. Em oraes
declarativas, em conversas do cotidiano, o item mais frequente que funciona
como tpico, ou seja, no-marcado, o pronome de primeira pessoa, j que a
42F U N D A M E N T A O T E R I C A
maioria da nossa fala consiste em mensagens relacionadas a ns mesmos e
especialmente ao que pensamos e sentimos. Depois, vm os outros pronomes
pessoais (you, we, he, she, it, they) e os pronomes impessoais (it e there). Em
seguida, vm outros grupos nominais com nomes prprios ou nominalizaes.
Desde que estes temas estejam funcionando como Sujeito, sero uma escolha
no-marcada em oraes declarativas.
Na forma interrogativa, h dois tipos principais de perguntas: um no
qual o que o falante quer saber a Polaridade yes ou no? (operador verbal
finito), podendo ser positivas ou negativas, como is, isnt, do, dont, can, cant,,
etc.; e o outro no qual o que o falante quer saber a identidade de algum
elemento no contedo, como perguntas com WH: where, who, when, what,
how, etc. Nos dois casos, em temas no-marcados, a palavra que indica o que o
falante quer saber vem primeiro.
Em oraes imperativas, a base da mensagem eu quero que voc faa
alguma coisa ou eu quero que faamos (eu e voc/s) alguma coisa. O
segundo tipo geralmente comea com lets, que claramente uma escolha
no-marcada do tema. Porm, no primeiro tipo, a forma tpica com o verbo na
posio temtica, sendo assim o Predicador (um dos elementos funcionais do
Resduo ver significado como troca) o tema no-marcado.
A noo de marcado e no-marcado tambm se refere ao tema topical (o
primeiro constituinte experiencial do tema) e unidade de informao
dado+novo, conforme mencionado a seguir.
Quanto ao tema topical, este pode vir precedido de outros elementos
com funes textuais ou interpessoais (que no desempenham nenhum papel
no significado experiencial da orao). Estes elementos podem ser tipicamente:
Com funes textuais o Continuativo uma entre um pequeno grupo de palavras
que sinalize um movimento no discurso: uma resposta, em
dilogo, ou um novo movimento para o prximo ponto,
caso o mesmo falante esteja dando continuidade.
F U N D A M E N T A O T E R I C A 43
o Conjuno (tema estrutural) uma palavra ou grupo que faa ligao ou junte a orao outra que tem papel
estrutural.
o Adjunto conjuntivo grupos adverbiais ou preposicionais que relacionam a orao ao texto precedente (ocupam o
mesmo espao semntico que as conjunes).
Com funo interpessoal o Vocativo qualquer item, tipicamente (mas no
necessariamente) um nome pessoal, sendo usado para
chamar.
o Adjunto de comentrio modal expressam julgamento do falante ou escritor ou atitude em relao ao contedo da
mensagem.
o Operador verbal finito pequenos grupos de verbos auxiliares finitos indicando tempo ou modalidade (so o
tema no-marcado nas interrogativas yes/no).
Estes elementos so todos considerados temas naturais (no-marcados),
j que se o falante, ou escritor, estiver explicitando a maneira como a orao se
relaciona com o discurso ao seu redor (textual), ou projetando seu prprio
ngulo no valor do que a orao est dizendo (interpessoal), natural
posicionar tais expresses como ponto de partida.
Ao mesmo tempo, porm, considerando que estes temas sejam temticos
por padro, quando um deles est presente ele no determina o potencial
temtico da orao na qual ocorre, j que o que segue tambm ter status
temtico; no entanto no com tanta proeminncia como quando nada o precede,
assim como explicitado acima no que se refere escolha do Modo (se o falante /
escritor optou pela forma declarativa, interrogativa ou imperativa).
Quanto unidade de informao dado+novo, este um recurso do
texto que se refere a uma estrutura semntica coesiva que gerencia o fluxo do
44F U N D A M E N T A O T E R I C A
discurso criando ligaes dentro ou atravs das sentenas, alm de indicar o
foco da informao. A gramtica gerencia o fluxo do discurso por meios
estruturais e h dois sistemas que funcionam paralelamente, um o sistema da
orao, constitudo por Tema e Rema; e o outro o sistema da informao,
constitudo pelos elementos Dado e Novo.
A unidade de informao, no sentido tcnico gramatical, a tenso entre
o que j conhecido ou previsvel e o que novo ou imprevisvel. Esta ideia
diferente do conceito matemtico de informao, no qual informao refere-se
medida da imprevisibilidade. No sentido lingustico, informao a influncia
mtua do novo e do que no novo que gera informao. Assim, a unidade de
informao uma estrutura derivada de duas funes, o Novo e o Dado.
O termo dado refere-se informao apresentada pelo falante como
recupervel; e o termo novo refere-se informao apresentada como no-
recupervel para o ouvinte. O que tratado como recupervel o que j foi
mencionado antes, apesar de que esta no a nica possibilidade, pois pode ser
tambm algo que o falante queira apresentar como dado com propsitos
retricos, significando que isso no novidade. Da mesma forma, o que
tratado como no recupervel pode ser algo que no tenha sido mencionado,
mas tambm pode ser algo inesperado, independentemente de ter sido
mencionado antes ou no. O significado seria preste ateno a isso; isso
novidade.
Idealmente, cada unidade de informao consiste de um elemento Dado
acompanhado por um elemento Novo; porm pode haver unidades que
contenham apenas o elemento Novo. No entanto, estruturalmente, uma unidade
de informao consiste de um elemento obrigatrio Novo mais um elemento
opcional Dado.
Na forma natural desta estrutura se realizar, o elemento Dado
tipicamente precede o Novo e o elemento Novo que carrega o foco da
informao ocorre no final da unidade de informao, sendo proeminente. A
F U N D A M E N T A O T E R I C A 45
posio contrria, portanto, indica que o foco da informao, alm de j ser
proeminente, ainda est sendo marcado.
H uma relao semntica prxima entre o sistema de informao e o
sistema de tema entre a estrutura de informao e a estrutura temtica , que
refletida nas relaes no-marcadas, nas quais a unidade de informao
coextensiva com a orao, o Tema se identifica com o Dado e o Rema se identifica
com o Novo. Porm, embora estejam relacionados, Dado + Novo e Tema + Rema
no so a mesma coisa. O Tema o que o falante escolhe como ponto de partida
de seu discurso. O Dado o que o ouvinte j sabe ou tem acesso. Tema + Rema
so orientados pelo falante e Dado + Novo so orientados pelo ouvinte; no
entanto, ambos so selecionados pelo falante. Em qualquer ponto do processo
do discurso, haver um rico ambiente verbal e no verbal para o que quer que
se siga. As escolhas do falante so feitas de acordo com o background, ou seja,
com o contexto e com os significados referentes ao que j foi dito e ao que
aconteceu antes. O ambiente ir frequentemente criar condies locais que
sobrepem o padro global no-marcado de Tema com Dado e Novo com Rema.
A seguir, apresento aspectos da Teoria da Complexidade.
1.2 Teoria da Complexidade
A Teoria da Complexidade uma teoria universal, muito vasta e, por sua
natureza, se estende por diversas reas do conhecimento humano. No entanto,
aqui apresento uma resenha apenas de alguns aspectos que me ajudam a olhar
este trabalho e exploro os conceitos que so pertinentes, os quais se centralizam
na proposta de Edgar Morin (MORIN, 1990/2005, 1996, 1997/2005, 1999, 2002a,
2002b, 2004, 2005; MORIN e LE MOIGNE, 2000; MORIN, CIURANA e MOTTA,
2003), especialmente o conceito de unio, juntamente com a noo de integrao
e do carter multidimensional da realidade, representados pelos sete princpios
guias que nos ajudam a compreender a complexidade do real: o princpio
46F U N D A M E N T A O T E R I C A
sistmico ou organizacional, o operador hologramtico, o princpio do crculo
retroativo, o operador do crculo recursivo, o princpio da auto-eco-organizao:
autonomia e dependncia, o operador dialgico e o princpio da reintroduo do
sujeito cognoscente; detalhados nesta seo.
Segundo Morin (1977/2005), a Teoria da Complexidade uma macro
teoria que vai lidar com a atividade humana na natureza complexa das coisas
que o ser humano produz.
De acordo com Petraglia (2005, p. 40),
a estrutura do pensamento moriniano pautada numa epistemologia da complexidade que compreende quantidades de unidades, interaes diversas e adversas, incertezas, indeterminaes e fenmenos aleatrios [...] A complexidade, cerne do pensamento de Morin, traz em seu bojo a tarefa de ligar tudo que est disjunto.
A complexidade pressupe a integrao transdisciplinar e o carter
multidimensional de qualquer realidade e o pensamento complexo prega que
no se pode isolar os objetos uns dos outros.
Considero importante explorar o percurso das ideias que serviram de
base para a configurao da teoria a fim de que possamos compreender melhor
seus conceitos, apresentados a seguir.
1.2.1 Percurso das ideias que configuram a teoria
O paradigma da complexidade se inspira no paradigma da simplicidade
(MORIN, 2005) advindo do problema dos preceitos metodolgicos da cincia
determinista postulados por Descartes em seu Discurso sobre o Mtodo, que
levam aos conceitos de disjuno, reduo e unidimensionalizao. Esses conceitos
se edificaram sobre trs pilares: a ordem, a separabilidade e a razo (MORIN e
LE MOIGNE, 2000).
F U N D A M E N T A O T E R I C A 47
A noo da ordem se refere ao conceito de disjuno no sentido de
separar o que est ligado, na busca de ideias claras e distintas. A disjuno
refere-se noo de ordem universal: Qualquer desordem aparente era
considerada como fruto da nossa ignorncia provisria, sendo assim, atrs da
desordem aparente existia uma ordem a ser descoberta (MORIN e LE
MOIGNE, 2000, p. 199).
A noo de separabilidade se refere ao conceito de reduo no sentido de
coordenar as ideias em uma construo que recria o complexo a partir do
simples, como por exemplo, o ser humano:
esse [ser humano] tanto biolgico quanto cultural, porm o paradigma da simplicidade obriga-nos a separar estas duas dimenses (cincias biolgicas e cincias humanas) disjuno. A nica possibilidade de unificao admitir que a dimenso social se reduz a fenmenos biolgicos reduo7. (MORIN, 2005)
Isso corresponde ao postulado cartesiano segundo o qual, para estudar
um fenmeno ou resolver um problema, preciso decomp-lo em elementos
simples. Esse operador se traduziu cientificamente, de um lado pela
especializao, depois pela hiperespecializao disciplinar, e de outro, pela
ideia de que a realidade objetiva possa ser considerada sem levar em conta seu
observador (Morin, 2005).
J a noo da lgica indutivo-dedutivo-identitria, identificada com a
Razo absoluta, refere-se ao conceito de unidimensionalizao, da prova absoluta,
da certeza e da rejeio da contradio. Observe-se que, na viso de Descartes, a
incerteza seria um sinal de erro no raciocnio que levaria o cientista a retroceder
e rever seus postulados.
Levando em conta os limites da lgica clssica, Morin integra seus
conceitos, sem abandon-los, a novos conceitos e instrumentos tericos que
substituem o paradigma da disjuno/reduo/unidimensionalizao por um
paradigma de distino/conjuno/multidimensionalizao. Essa substituio,
7TambmcitadoemINCIOJRetal,[200].
48F U N D A M E N T A O T E R I C A
conforme aponta Morin (2005), permite distinguir sem separar, associar sem
identificar ou reduzir.
Morin elenca trs operadores, considerados como fundamentos, pontos
de partida e tambm diretrizes metodolgicas, elaborados para uma abordagem
da complexidade do real:
Dialgico; Crculo de recursividade; Hologramtico. O operador dialgico envolve o entrelaar coisas que aparentemente esto
separadas, como por exemplo a razo e a emoo, o real e o imaginrio, a razo
e os mitos, pois tudo consiste o dialogizar. Em operador dialgico subentende-se
unir as noes antagnicas para pensar os processos organizadores,
produtivos e criadores do mundo complexo da vida e da histria humana
(MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 2048). Segundo esse operador, num sistema
complexo, h a coexistncia de conceitos antagnicos, conforme registra Leffa
(2006, no paginado):
A noo de indivduo, por exemplo, s faz sentido na medida em que tivermos a noo de coletividade; para entender o que autonomia, precisamos entender o que dependncia; no podemos saber o que democracia se no sabemos o que ditadura, s podemos conhecer o Brasil se conhecermos outros pases; e assim por diante.
Esse operador se confronta com a noo de ordem depreendida da
concepo determinista e mecnica do mundo e, longe de substituir a ideia de
desordem por aquela de ordem, visa colocar em dialgica a ordem, a desordem
e a organizao (MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 199).
O operador do crculo de recursividade um crculo gerador no qual os
produtos e os efeitos so eles prprios produtores e causadores daquilo que os
8AresenhaelaboradaporCelsoCndidotambmcontribuiunaelaboraodasideiasextradasdolivro
A inteligncia da complexidade. Disponvel em: .Acessoem:16set.2008.
F U N D A M E N T A O T E R I C A 49
produz. (MORIN e LE MOIGNE, 2000, p. 204-5). Morin (2002a, p. 210) utiliza
como exemplos o indivduo e a sociedade. A sociedade o resultado das
interaes humanas, mas ela mesma age sobre os elementos que a produziram
(indivduos, instituies, etc.), alterando-os e, assim, alterando-se a si prpria.
Assim, o indivduo produz a sociedade e por ela produzido. Segundo Morin
(2002a, p. 211), ns, indivduos, somos os produtos de um sistema de
reproduo proveniente de vrias eras, mas esse sistema s pode reproduzir-se
se ns prprios nos tornamos os produtores nos acoplando. Dessa forma, esse
operador coloca em questo a ideia linear de causa efeito, uma vez que o efeito retorna sobre a causa em um ciclo auto-organizador e produtor. Seria
mais adequada a esquematizao causa ' efeito, de acordo com Incio Jnior e Alves [200-].
Esse operador se confronta com a noo de separabilidade, sem,
contudo, substitu-la pela de inseparabilidade: ele convoca uma dialgica