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Universidade Estadual de Maringá 08 e 09 de Junho de 2009
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TURMA DA MÔNICA: O QUE PERMEIA A RELAÇÃO ENTRE CINEMA DE
ANIMAÇÃO E EDUCAÇÃO?
BENTO, Franciele (UEM)
NEVES, Fátima Maria (Orientadora/UEM)
Agência Financiadora – CAPES
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho está organizado no formato de ensaio para ser apresentado no Seminário
de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Maringá. É procedente de estudos desenvolvidos durante o mestrado vinculado a este
mesmo programa, na Linha de Pesquisa História e Historiografia da Educação, no
Grupo de Estudos História dos Campos Disciplinares, na temática História da
Educação, Cultura Escolar e Arte, sob a orientação da Profª Drª Fátima Maria Neves.
Trata-se da apresentação do que se foi produzido até o momento de um estudo que
envolve a Educação Escolar e o Cinema de Animação, cuja fonte se configura em um
desenho animado protagonizado pela Turma da Mônica, intitulado “Uma aventura no
tempo” (Brasil/2007)1.
Na atuação docente do Ensino Fundamental, foi possível vivenciar com os alunos uma
gama de percepções, sensações, identificações que os mesmos perpassam durante o ano
letivo. A partir de tal atuação como educadora das séries iniciais do Ensino
Fundamental, percebi que as crianças se identificam com filmes animados e estão
constantemente se reportando aos personagens dos mesmos. Dentre as identificações
1 O título Original do filme é “Turma da Mônica em Uma Aventura no Tempo”; dirigido por Maurício de Sousa, produzido no Brasil em 2007 por Diler & Associados / Maurício de Sousa Produções/ Miravista / Labo Cine; pertence ao gênero Animação com tempo de duração de 80 minutos.
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observadas, notei a presença da Turma da Mônica, criada pelo cartunista brasileiro
Maurício de Sousa2.
Tal constatação me instigou a pesquisar sobre a relação existente entre a Educação
Escolar e a Mídia, particularmente o Cinema de Animação3, destacando dentro deste
gênero cinematográfico, o desenho animado. Foi então que resolvi tentar a seleção para
o mestrado e hoje faço parte do conjunto de alunos regulares do Programa de Pós-
Graduação já mencionado no início deste texto.
Até o momento escrevi em primeira pessoa do singular, já que estava tratando de um
percurso pessoal, uma idealização particular. A partir de agora, passo a redigir no plural,
utilizando terminologias oriundas do pronome nós, pois, para que este estudo pudesse se
realizar, contei e conto com o apoio de minha orientadora, a qual participa efetivamente
dos estudos que desenvolvo durante o trajeto do mestrado.
Inicialmente visávamos desenvolver uma pesquisa cujo problema central estava
colocado no seguinte questionamento: qual a relação pedagógica que podemos abstrair
entre educação e cinema de animação nacional envolvendo a Turma da Mônica? Esta
problemática se alterou durante o primeiro ano de mestrado. Ao aprofundarmos nossas
pesquisas, nosso olhar foi se ampliando... Percebemos que a maior preocupação ao
explorar a relação mídia-educação, não se encontra na busca pela utilização pedagógica
adequada de um meio audiovisual como o cinema de animação, o foco de interesse, a
nosso ver, está no fato dos alunos já dominarem tal meio antes mesmo de frequentar a
2 Cartunista brasileiro, fundador dos estúdios Maurício de Sousa Produções e criador da Turma da Mônica. Nasceu em 1935 numa pequena cidade do estado de São Paulo, chamada Santa Isabel. Na juventude, trabalhou de repórter policial no jornal Folha da Manhã até conseguir se firmar como cartunista de histórias em quadrinhos. Também é empresário, proprietário da Maurício de Sousa Produções. 3 O cinema de animação é tão antigo quanto o cinema fotográfico. O que evidencia o seu caráter é o fato de não utilizar cenários e atores naturais, trata-se da arte do movimento desenhado. Diversas são as modalidades do cinema de animação, tais como: a animação stop motion, que faz uso de modelos tridimensionais; os desenhos animados e a animação digital (D’ÉLIA, 1996). Em nossa análise, o objeto de estudo faz parte da modalidade desenho animado.
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escola. Partindo desta ampliação de nosso olhar, a problemática norteadora surgiu:
como nós, profissionais da educação agimos diante do fato dos alunos virem para a
escola encharcados de cultura midiática? Será que temos conhecimento suficiente a
respeito de artefatos midiáticos como o desenho animado “Uma aventura no tempo”?
Quais as intenções de desenhos animados como os de Maurício de Sousa? Que efeitos
um desenho animado e sua produção surtem em uma criança?
Para tentar responder esta problemática, objetivamos estudar o que permeia a
relação entre Educação Escolar, especificamente as séries iniciais do Ensino
Fundamental, e o Cinema de Animação.
2 POR QUE ESTUDAR UM DESENHO ANIMADO PROTAGONIZADO PELA
TURMA DA MÔNICA?
O estudo proposto se justifica, primeiramente, porque se insere no campo pedagógico,
podendo contribuir para o desvendamento de questões que envolvem a prática docente.
Por estar norteado por uma inquietação, que é pesquisar sobre a relação entre cinema de
animação e educação, algo existente no espaço escolar, considerando que na sociedade
contemporânea, permeada pelas NTIC’s (Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação), a cultura midiática é muito presente e o cinema é destaque entre os
alunos.
Este plano de estudo também se justifica pela sua originalidade, já que se propõe
realizar uma investigação acerca da obra de Maurício de Sousa, com vistas para o
cinema de animação, direcionada para o cenário educacional e para o imaginário
infantil. Destacando o valor que a escola tem na infância e a relevância que o ambiente
escolar exerce sobre a vida da criança.
Ainda ao crivo de justificativa, ressaltamos, a partir da revisão de literatura realizada na
pesquisa em questão, que os estudos acadêmico/científicos envolvendo as Produções
Maurício de Sousa, até o momento, exploraram vários enfoques: os quadrinhos, a
imagem expressa também nos quadrinhos, o site na internet, a relação das histórias em
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quadrinhos com contos, e outras abordagens não referenciadas neste ensaio. Contudo, a
produção mauriciana atingiu o público infantil não apenas com os quadrinhos ou pela
sua página na internet, mas também por meio da tecnologia da imagem em movimento,
em outras palavras, pelo desenho animado. Vários títulos foram produzidos desde o
final da dédaca de 1970 e, atualmente, as produções cinematográficas da Turma da
Mônica são vendidas no âmbito nacional e internacional. Visualisando o que já foi
produzido sobre a obra em tela, percebe-se que quase não há estudos abordando a
Turma da Mônica sobre a ótica do cinema de animação. No entanto, nota-se a presença
marcante que os meios de comunicação, particularmente o cinema de animação, tem na
infância contemporânea e na educação escolar. Dessa forma, resolvemos pesquisar
sobre a produção de Maurício de Sousa pelo viés do cinema de animação. Para tal,
selecionamos o filme animado “Uma aventura no tempo” como fonte da nossa pesquisa
por ser o mais atual desenho animado elencado pela Turma da Mônica e também por se
tratar do primeiro longa metragem constituído por um único desenho animado.
3 O ANDAMENTO DA PESQUISA: QUESTÕES E HIPÓTESES
A primeira etapa do nosso trabalho foi realizar a decupagem do filme “Uma aventura no
tempo”. Observamos cada minuto deste filme, cada cena foi descrita e catalogada.
Durante esse processo, muitas questões dignas de análise surgiram, registramos todas,
algumas foram e estão sendo analisadas, conforme a pertinência e a relevância para com
a nossa problemática. Também buscamos informações sobre cada personagem,
produtores e demais agentes envolvidos no filme, realizando uma breve biografia de
cada um deles. Destacamos neste trabalho biográfico, a vida e a obra de Maurício de
Sousa, por ser o criador dos protagonistas do filme e diretor do mesmo. A descrição do
filme, o estudo sobre a vida e a obra de Mauricio de Sousa, a biografia de seus
personagens, juntamente com algumas considerações sobre o cenário e a linguagem
observados no filme “Uma aventura no tempo”, constituem a primeira seção de nossa
pesquisa.
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Concomitantemente com a exploração do filme em tela, buscamos as bibliografias para
apoiar e fundamentar a análise das questões levantadas. As pesquisas de cunho
bibliográfico nos permitiram organizar nosso referencial teórico, formado por teóricos
que ampliaram as possibilidades de estudos envolvendo o Conceito de Memória, a
Educação Escolar, a Mídia-Educação e a Educação do Olhar. O corpus teórico também
se pautou em autores que se inserem no campo da Cultura Escolar e da Construção
Corporativa da Infância.
3.1 A CULTURA INFANTIL E O DESENHO ANIMADO “UMA AVENTURA NO
TEMPO”
A partir da descrição e análise do filme “Uma aventura no tempo”, muitas questões nos
chamaram a atenção. Uma delas está relacionada à infância, já que o filme em questão é
direcionado ao público infantil. Há que se destacar também o fato das personagens
principais serem figuras estereotipadas de crianças. Diante desse fator, consideramos
relevante tratar da relação entre o desenho animado “Uma aventura no tempo” e a
cultura infantil na contemporaneidade.
Para explorar essa relação, respaldamo-nos em pressupostos teóricos que abordam a
Cultura Infantil e a Construção Corporativa da Infância, um deles é Henry Giroux4,
conceituado estudioso dos Estudos Culturais e da Pedagogia Crítica. Primeiramente
buscamos conceituar a infância na contemporaneidade, a partir do ideário de autores do
campo da Cultura Infantil, tais como as autoras Shirley R. Steinberg5 e Joe L.
Kincheloe6, as quais reafirmam que a infância contemporânea está em crise em relação
ao modelo anterior, em que surgiu a diferenciação significativa entre o mundo da
criança e o do adulto, situado na modernidade, período em que surge o conceito de
infância tradicional. 4 Nasceu em 18 de setembro de 1943 em Providence, Rhode ISland, E.U.A. Atulamente reside no Canadá e é professor na Universidade de MacMaster. Ele é pai solteiro de três filhos, motivo pelo qual o fez se voltar para estudos a respeito dos desenhos animados e sua ação sobre as crianças. A fonte utilizada por Giroux para desenvolver suas pesquisas é a produção da Disney Corporation (GIROUX in: STEINBERG; KINCHELOE, 2001). 5 Leciona na Adelphi University, localizada no E.U.A., é consultora educacional e diretora de teatro. 6 Ensina Estudos Culturais e Pedagogia na Penn State Univesity, também situada nos E.U.A.
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Contextualizada nesse paradigma, a infância, não no sentido biológico, é construída
culturalmente e é moldada por forças sociais, econômicas e políticas. Um dos aspectos
mais gritantes no que se refere às mudanças ocorridas na infância atual, está no acesso
que as crianças têm constantemente à informação e à tecnologia, por meio dos aparatos
tecnológicos e das NTIC’s – Novas Tecnologias da Informação e Comunicação. A
infância dominadora dos objetos culturais cria sua linguagem, esta que se tornou foco
do mercado globalizado.
Diante desse conglomerado de mudanças, a infância contemporânea começa a entrar em
crise e, nesse contexto, novos campos de estudos se instituíram, um deles, com o intuito
de investigar as corporações que assumiram o papel de educadores, produzindo cultura
infantil em diversas instâncias, que contribuem para uma nova formulação do conceito
de infância. Imersas nessas corporações estão aquelas organizações difusoras de cultura
popular, tais como: TV, jornais, vídeo-games, livros, esportes, propagandas, brinquedos
e cinema. Por meio delas, as experiências das crianças de hoje são produzidas, e o
aprendizado, adquirido no contato com tais corporações, é levado para a escola. Em
especial, podemos citar o cinema de animação como corporação presente e de destaque
no universo infantil.
O gênero cinema de animação, oriundo do cinema, possui a modalidade desenho
animado, da qual emerge o nosso objeto de estudo, o filme “Uma aventura no tempo”.
O desenho animado faz parte do rol das mídias, das corporações que vem contribuindo
para a construção de cultura infantil. Partindo do exposto questionamos: quais as
intenções dos produtores de desenhos animados como Maurício de Sousa? Que efeitos
um desenho animado e sua produção surtem em uma criança?
O cinema de animação inicialmente concebido como forma de entretenimento, ganhou
status de pedagogia cultural, que colabora para a “construção corporativa da infância”.
Tal construção pode ser vista por dois prismas, o primeiro se refere à colaboração do
cinema de animação para com a percepção humana, para estimular a criatividade e a
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imaginação da criança. O segundo está atrelado ao significado que o filme animado traz
explicita e implicitamente, envolvendo padrões ideológicos e de apelo ao consumo.
Consoante Giroux (2001), o significado do filme animado opera na infância de forma
persuasiva, desempenhando o papel de “máquinas de ensino”, exercendo a função de
produtores de cultura. As crianças têm acesso ao cinema de animação desde a mais
tenra infância, e se apropriam de ideologias e ensinamentos veiculados por esse gênero
cinematográfico que inspira “[...] autoridade e a legitimidade culturais para ensinar
papéis, valores e ideais específicos [...]” (GIROUX, 2001, p.89).
Além de “aprender” os ensinamentos, os significados, os gestos e os valores veiculados
pelos filmes animados, ou seja, pela mídia, o público infantil aprende o que é ser criança
e o que deve consumir para isso. É uma via de mão dupla, a criança aprende a cultura da
mídia e esta acaba por ditar o modo de ser da infância, propondo uma relação marcante
entre criança e consumo e caracterizando o universo infantil. Dessa forma, os artigos e
produções culturais criados para a infância tomaram uma expansiva proporção em nível
mundial, nesse contexto, o público infantil se tornou um importante alvo para o
comércio e, os desenhos animados, são estratégias mercadológicas.
De posse dessas informações sobre a relação infância-cinema de animação,
questionamos: como nós, profissionais da educação, agimos diante desse apelo ao
consumo e desse “poder” de persuasão do desenho animado? Algumas hipóteses foram
levantadas, primeiramente, devemos ter consciência de que a infância mudou, assim, as
formas de vê-la, de agir com ela e para ela também se encontram em processo de
mudança. Nos dias atuais, como já afirmamos, a maioria das crianças tem acesso às
diversas instâncias da mídia e constantemente aprendem por meio destas. Muito do que
a infância sabe culturalmente é resultado do contato com os artefatos midiáticos.
Nesse contexto, cabe a escola, dar subsídios aos alunos para criarem uma bagagem
cultural, assim, estará preparando os mesmos para a apropriação que realizam nas
relações com a mídia em seu cotidiano. No âmbito escolar, local em que os alunos já
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chegam encharcados de cultura e conhecimentos apropriados na relação com artefatos
midiáticos, encontra-se o cerne apropriado para desconstruir, desmitificar as ideologias
e conceitos veiculados pela mídia. Levando em conta que, o ambiente escolar é
considerado o mais adequado para as mediações entre o aluno e conhecimento. Os
alunos da atualidade aprendem por meio da mídia, em especial, dos desenhos animados,
sendo assim, pensando a partir da posição de educadores, é preciso dominar esse campo
capaz de colonizar o imaginário infantil. No cenário escolar, o professor, principal
mediador do processo ensino-aprendizagem, além de reconhecer o que pode haver de
pedagógico e criativo nos filmes animados, deve compreender “[...] que não se pode
perder de vista que o consumo está alimentando uma empresa que não poupa esforços
para transformar a infância em um público consumidor” (NEVES; MEN; BENTO,
2008, p.54). No entanto, o que se nota na prática docente é uma pedagogização dos
meios audiovisuais, caracterizada, por exemplo, pela redução do potencial imagético e
sensibilizador dos filmes animados a simples instrumentos didático-pedagógicos.
3.2 OS EQUÍVOCOS E INCOERÊNCIAS HISTÓRICAS IDENTIFICADOS NO
FILME “UMA AVENTURA NO TEMPO”
Outra questão digna de análises encontrada no filme “Uma aventura no tempo” está
atrelada ao conceito de história que ampara o desenho animado em questão, cujo
próprio título sugere uma viagem no tempo, portanto, aborda períodos históricos. O
aluno expectador pode se apropriar da compreensão de história que o filme propõe. O
profissional da educação, desconhecedor do filme, não tem como contribuir e apresentar
outra noção de tempo histórico ou de olhar para a história ao seu aluno. Para ter
condições de subsidiar o aluno, nós, profissionais da educação, além de conhecermos as
nuances de filmes e desenhos animados como “Uma aventura no tempo”, devemos
entender alguns conceitos do campo da história.
Sob nossa ótica, Maurício de Sousa ao roteirizar, juntamente com outros roteiristas, o
filme “Uma aventura no tempo”, não se respaldou em nenhuma teoria para traçar seu
ideário de história, permaneceu nas idéias do senso comum. A linha histórica
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apresentada nesse filme é linear e evolutiva, inicia no presente, volta-se ao passado
remoto intitulado no enredo de pré-história, passa pelo século XVII, e realiza uma
perspectiva de futuro, representada no século XXX.
Durante o trajeto das personagens por essa linha do tempo, algumas incoerências,
denominadas por nós de “equívocos didáticos”, são perceptíveis. Levando em conta o
fato de Maurício de Sousa ter se apoiado na denominada “Licença Poética” 7,
poderíamos enxergar o filme apenas como ficção e entretenimento, no entanto, o mesmo
é consumido por crianças, alunos que chegam à escola com uma ideia errônea sobre
conceitos históricos, sobre o passado.
Nesse sentido, a nosso ver, o professor tem que estar preparado para o enfrentamento
dos condicionantes dados pelo filme, no sentido de subsidiar seus alunos para o
desvendamento dos equívocos imersos no enredo do desenho animado em questão.
Pelo exposto, questionamos: será que o professor tem a compreensão do que é história
para contribuir no esclarecimento de seus alunos? Que conceito de história ele possui? E
ainda, será que ele percebe os “equívocos didáticos” presentes no filme em tela? Essas e
outras questões surtidas durante a análise de nossa fonte estão norteando nosso estudo.
Para tentar responder, buscamos parâmetros em estudiosos que desenvolvem estudos no
terreno da História da Educação. A explicação sobre o que é história, tem como base, os
estudos dos historiadores Marc Bloch8 (1965) e Peter Burke9 (1992), bem como,
contempla pesquisas que tratam da origem da terminologia história e das ramificações
históricas contemporâneas.
7 Como o próprio nome já diz, a licença poética concede certa liberdade ao artista, não necessariamente um poeta, para se expressar criativamente, sem obediência rígida a regras e conceitos. Dados extraídos do site: http://www.infoescola.com/literatura/licenca-poetica/ (Acesso em 11 de janeiro de 2009). 8Nasceu em 1886 em Lyon na França. Foi historiador e participou da Primeira Guerra Mundial na infantaria. Durante a segunda Guerra Mundial, foi preso, torturado e morto pela Gestapo em Junho de 1944. Foi co-fundador da célebre revista Annales. Maiores informações no site: http://www.criticaliteraria.com/9728027281 (Acesso em 24 de fevereiro de 2009). 9 Desenvolve trabalhos envolvendo a história cultural na Universidade de Cambrige, Inglaterra (BURKE, 1992).
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A problemática envolvendo as incoerências e equívocos históricos identificados no
filme “Uma aventura no tempo” também faz parte de um dos blocos de estudos
desenvolvidos em nossa pesquisa. Um dos destaques, a esse respeito, é a linha evolutiva
de história que o filme propõe, composta por passado, presente e futuro. Ao apreciarem
um filme como esse, as crianças constroem em seu intelecto uma noção de
temporalidade, muitas vezes, distorcida. Cabe então aos profissionais da educação
demonstrar ao seu aluno que nem sempre o que um filme representa sobre questões
históricas e temporais é o correto.
Vários aspectos errôneos estão presentes no filme animado “Uma aventura no tempo”,
os quais, como já mencionamos, convencionamos denominar de “equívocos didáticos”.
No campo da história, existe um termo denominado Anacronismo, originário do grego
Ana, que significa contra e chronos que é tempo, que se aproxima do nosso proclamado
“equívoco didático”. O anacronismo do qual falamos é diferente do ato de olhar para o
passado com a concepção do presente. No ato de historicizar, voltamos os olhares para o
passado, no sentido de ressignificá-lo, por outro lado, cometer um anacronismo é, por
exemplo, colocar elementos do presente como se eles estivessem acontecido no
passado. Nesse sentido, quando se atribui características atuais a um passado remoto,
como no caso do filme “Uma aventura no tempo”, também se comete um anacronismo.
A primeira vista, esse erro pode parecer corriqueiro, sem importância, no entanto, ele
pode interferir no ideal de história que formamos em nosso intelecto e, especialmente,
no dos alunos.
Durante nosso trabalho vamos apresentando tais equívocos, sempre com o apoio da
cena em que ele aparece no filme. Paralelamente, buscamos referências que nos apóiam
para analisá-los, algumas, oriundas de campos e saberes distintos, como arquitetura,
paleontologia, história do vestuário, história da escrita. Para uma melhor visualização,
faremos uma breve descrição dos elementos equivocados que verificamos. O primeiro
deles ocorre nas cenas desenvolvidas na pré-história, quando se apresentam dinossauros
convivendo com seres humanos. Sabemos que cientificamente esse encontro não
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ocorreu, no entanto, os alunos das séries iniciais, muitas vezes, não têm esse
conhecimento. Outro equívoco, também imerso no ambiente representativo da pré-
história, é o fato dos moradores residirem em casas de pedras, caracterizadas com
portas, janelas, escadas para subirem no segundo andar, ou seja, arquiteturas criadas
muitos séculos depois da existência dos homens primitivos, estes que moravam em
cavernas, ou em cabanas feitas de ossos e peles de animais. As roupas dos personagens
primitivos do filme “Uma aventura no tempo” também são equivocadas, eles se vestem
com roupas coloridas e estampadas, representando um período cujas vestes eram feitas
apenas com peles de animais e ainda, possuem penteados contemporâneos. Vestígios
dos homens primitivos comprovam que os caçadores pré-históricos usavam suas roupas
“confeccionadas” em pele de urso para a proteção contra o frio ou possivelmente para
passar a imagem de mais fortes e mais bravos. E ainda, outro aspecto merecedor de
destaque se refere à escrita alfabética colocada em tempos remotos, no qual se tem
apenas vestígios de mensagens imagéticas. Especificamente, a escrita foi identificada no
filme em uma placa de nominação da aldeia onde reside o personagem Piteco. No
período dos homens primitivos, a escrita, a grafia alfabética, ainda são existia, surgiu
muitos anos depois, sendo assim, Maurício de Sousa mais uma vez comete um
“equívoco didático”.
Apresentados os “equívocos didáticos” ou anacronismos encontrados no filme “Uma
aventura no tempo”, passamos então a compreender um questionamento importante no
cerne dessas discussões: a ênfase na imaginação que desenhos animados podem criar
vale em detrimento da construção do conhecimento? Será que tantos equívocos não são
prejudiciais para a constituição do saber, da memória dos alunos?
Para tentar refletir sobre esses questionamentos, tomamos por estudo os escritos do
historiador de ofício, o francês Jacques Le Goff10 (1924-), nos quais deparamos com um
conceito chave para compreendermos a questão proposta: o conceito de Memória.
10 Jacques Le Goff é um historiador medievalista considerado um dos principais expoentes da denominada “história das mentalidades”. Nascido na França em 1924, formou-se em história e logo se integrou à escola dita das (a palavra é feminina) Annales, revista da qual é atualmente co-diretor. Maiores informações no site: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/89.pdf (Acesso em 14 de janeiro de 2009).
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Problematizando a memória, conceituada no arcabouço teórico de Le Goff (1994),
percebemos que esta se constitui no campo biológico e cultural, é um elemento social,
construído a partir da vivência e do acúmulo de experiências. Para contribuir no
entendimento do conceito de memória, outros autores também complementaram nosso
estudo, como a historiadora brasileira Denice Barbara Catani11 (1998) e o teórico
Theodor W. Adorno12 (1903-1969), ainda que amparado em um pressuposto teórico
divergente de Le Goff, se aproxima deste ao tratar do tema relacionado à elaboração do
passado.
Lançando luz à concepção de memória, percebemos que, um filme como “Uma
aventura no tempo” pode criar uma memória na população infantil que gera uma noção
errônea e sem respaldo teórico de história. A nosso ver, cabe a escola, a nós,
profissionais da educação, não pedagogizar um desenho animado como este, ou seja,
não utilizá-lo para ilustrar conteúdos curriculares, mas sim, desmitificá-lo, explorá-lo no
sentido de apontar seus equívocos, suas intenções. Trabalhando com essa visão
esclarecedora, o professor pode impedir, dessa forma, a construção de uma memória
contaminada, equivocada, por parte dos alunos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ultimamos este ensaio esclarecendo que não temos a intenção de oferecer alguma
resposta pronta e acabada, talvez sugerir alguns apontamentos. O que almejamos com as
análises desenvolvidas neste estudo é alertar, instigar e acima de tudo, inquietar e gerar
dúvidas nos leitores, em especial nos educadores, já que, assim como declama o
educador e poeta Rubem Alves13, “a arte de pensar é a arte de fazer perguntas
inteligentes. As perguntas que fazemos revelam o ribeirão onde queremos ir beber”
(ALVES, 2008, p.11). As perguntas remetem a curiosidade, e esta, pode gerar
11 Profª Drª da Universidade de São Paulo – USP, atuando no Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada. 12 Estudioso de origem judaica, considerado um dos expoentes da denominada Escola de Frankfurt. Maiores informações no site: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u266.jhtm (Acesso em 17 de fevereiro de 2009). 13 Nasceu em Minas Gerais no ano de 1933. É doutor em Filosofia e Professor Emérito da Unicamp.
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inquietações e a busca por percepções. Conforme salienta o educador Paulo Freire14
(1996, p.85) “a construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o
exercício da curiosidade”.
7 REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. 4.ed. Tradução: Wolfgang Leo Maar. SP: Paz e Terra, 2006. ALVES, Rubem. Educação dos sentidos e mais...Campinas, SP: Versus Editora, 2005. ALVES, Rubem. O melhor de Rubem Alves. In: LAGO, Samuel Ramos. (org). Curitiba: Editora Nossa Cultura, 2008. BLOCH, Marc. Introdução à História. Tradução: Maria Manuel Miguel e Rui Grácio. Publicações Europa América, 1965. BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. Peter Burke (org); tradução de Magda Lopes. – São Paulo: Editora UNESP, 1992. CATANI, Denice Barbara. A Memória como questão no campo da produção educacional: uma reflexão. In: História da Educação/ASPHE (Associação Sul-rio-grandense de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. N.4 (set. 1998) – Pelotas: Editora da UFPel – Semestre. D’ÉLIA, Céu. Animação, Técnica e Expressão. In: Coletânea lições com cinema: animação/ Antônio Rebouças Falcão...[et al.]; Cristina Bruzzo, coordenadora. – São Paulo: FDE, Diretoria de Projetos Especiais/Diretoria Técnica, 1996. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 45. ed. São Paulo: Cortez, 2003. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GIROUX, Henry. Ensinando o cultural com a Disney. In: GIROUX, Henry (Org): Atos Impuros: a prática Política dos Estudos Culturais. Porto Algre: Artmed, 2003. 14 Paulo Reglus Neves Freire (1921 - 1997) – estudioso brasileiro com formação inicial em Direito e com títulação de doutor em Filosofia e História da Educação ao que se somaram quarenta e três títulos de Doutor Honoris Causa. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial.
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GIROUX, Henry. Os filmes da Disney são bons para seus filhos? In: STEINBERG, Shirley; BINCHEOLE, Joe. Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. RJ: Civilização Brasileira, 2001. LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3.ed. SP: Editora da UNICAMP, 1994. NEVES, Fátima Maria; MEN, Liliana Men; BENTO, Franciele. O Desenho animado na escola: A BELA E A FERA. In: RODRIGUÊS, Elaine; ROSIN, Sheila Maria. (Org) Pesquisa em Educação: A Diversidade do Campo. Curitiba: Juruá, 2008. NEVES, Fátima Maria. Filmes e desenhos animados para o Ensino Fundamental: Kiriku e a Feiticeira. In: RODRIGUÊS, Elaine; ROSIN, Sheila Maria. (Org) Infância e Práticas Educativas. Maringá: Eduem, 2007. STEINBERG, Shirley; BINCHEOLE, Joe. Cultura Infantil: a construção corporativa da infância. RJ: Civilização Brasileira, 2001.