UnB - Gabriela N - Resenha - M.oustinoff

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Universidade de BrasíliaInstituto de Letras – ILPrograma de pós-graduação em tradução – POSTRAD

Resenha

OUSTINOFF, Michaël; tradução: MARCONILDO, Marcos. Tradução: História, teorias e métodos. São Paulo, Parábola Editorial, 2011.

O livro Tradução: História, teorias e métodos, de Michaël Oustinoff, compila vários

aspectos importantes para a compreensão da história da tradução, assim como as teorias que

surgiram ao longo dos anos e os métodos que foram sendo criados a partir da análise teórica e

prática da tradução. Os três primeiros capítulos serão o objeto de estudo desta resenha.

O capítulo primeiro, intitulado Diversidade das línguas, universalidade da tradução, é

dividido em três partes. A primeira parte, Babel e a diversidade das línguas, destina-se a

introduzir o mito de Babel com base em Gênesis 11,9 e a tradução bíblica que foi objeto de

estudo durante muito tempo. Ele cita a tradução da Bíblia para o grego pela colônia judaica de

Alexandria que resultou na Bíblia dos Setenta, também conhecida como a Septuaginta. Devido

à função comunicativa da tradução da Bíblia, há uma pluralidade de versões de um mesmo

texto. A tradução da Bíblia para o Latim, feita por São Jerônimo, a Vulgata, traz a passagem do

Salmo 23,4 como “às sombras da morte não temerei mal algum”, enquanto a Bíblia de Lutero

traduz como “pelo vale das trevas não temerei mal algum” e a Authorized Version traduz por

“no vale da sombra da morte, não terei medo do mal”. Oustinoff relata que o tradutor, ou os

estudiosos da tradução, podem adotar três posturas diferentes diante de várias versões para

um mesmo texto. São elas que há: “intraduzibilidade radical de toda língua por outra”,

“relativa intraduzibilidade das línguas” e que pode-se ver a diversidade das línguas como um

dado positivo, e não negativo.

Na segunda parte do primeiro capítulo – Línguas e visões do mundo, Oustinoff aponta

a questão da tradução como uma das contribuições para a legitimação de uma língua e de uma

literatura. A tradução da Bíblia para o escocês foi tardia, pois se ela tivesse sido feita antes

provavelmente esta língua não estaria na lista das cinquenta línguas que devem ser protegidas

dentro da União Europeia. O impacto da tradução pode ser um fator “salvador” e a ausência

da tradução em uma determinada língua pode significar que ela não se perpetuará.

As diferenças de imagens acústicas relatadas pelo autor acerca das cores demonstram

que “aquilo que se aplica ao léxico das cores aplica-se ao conjunto da língua” (p.19). A cor

“azul” em português corresponde ao “azul-claro” ou “azul-escuro” em russo (“goluboj” e

“sinij”) e nas línguas celtas há apenas um termo para “verde” e “azul” (“glas”). Um aspecto

muito interessante que o autor ressalta é sobre a tradução de “China”. Em chinês, o país se

chama “zhōngguó” que significa “país do Meio” e era conhecido na época imperial como “o

império do Meio”. Entretanto, o autor poderia ter explorado também o fato de que o

mandarim é uma língua que usa caracteres como forma de escrita, sendo a forma fonética e

romanizada a transcrição de “中国”. A tradução do nome do país para o português não evoca

nem o sentido que a palavra tem em chinês, muito menos a forma escrita.

A visão de mundo de uma determinada sociedade pode implicar no valor de uma

língua ou outra. Os gregos tiveram contato com outras culturas e outras línguas, mas

consideravam sua própria língua acima das outras. Por exemplo, na Grécia antiga,

essencialmente monolíngue, tinha o termo “bárbaro”, indicando que aqueles que não falavam

grego pronunciavam sons incompreensíveis em sua língua estrangeira.

Levando essas reflexões em consideração é possível chegar à conclusão de que “não

existe tradução ‘neutra’ ou ‘transparente’ através da qual o texto original apareceria

idealmente como em um espelho, identicamente” (p.22). Não é porque ela não é igual ao

texto fonte que ela deve ser desprezada, pois a tradução permite que haja uma interação

entre culturas e línguas que possivelmente deixaria de existir se não houvesse a prática

tradutória.

A terceira parte do primeiro capítulo, A tradução, operação fundamental da

linguagem, é iniciada com as três espécies de tradução de acordo com Jakobson. São elas a

“tradução intralingual”, a “tradução interlingual” e a “tradução intersemiótica”. Ao se traduzir

um texto não deve se reduzir as unidades de tradução somente ao nível das “palavras”. De

acordo com Oustinoff (p.26), “Em tradução, não se traduzem as palavras isoladamente umas

das outras: a tradução ‘palavra a palavra’ é muito frequentemente impossível”. A unidade de

tradução pode ser a unidade essencial, no nível dos significados e a unidade de pensamento,

no nível dos significantes. A unidade de tradução, para Vinay e Darbelnet, pode ser “o menor

segmento do enunciado”, desde que haja a coesão de signos em um determinado segmento

de tal modo que eles “não devem ser traduzidos separadamente”.

O segundo capítulo, intitulado de História da tradução, é apresentado de forma

sucinta em três partes. A primeira parte é O espírito e a letras, a segunda, As belas infiéis, e por

último, A época contemporânea.

Não traduzir “verbum pro verbum”, “palavra por palavra” é uma antiga advertência

feita por Cícero que inicia a primeira parte do capítulo dois. São Jerônimo, expoente da

tradução bíblica, relata que quando traduzia os gregos, traduzia uma ideia por outra, e não

palavra por palavra. A tradução de textos religiosos é frequentemente tida como uma prática

que não deve ser longe do original, ou seja, deve-se preservar a letra, e traduzir de forma

literal. São Jerônimo trata a tradução de textos laicos diferente da tradução de texto religiosos.

Acreditava-se que a tradução literal não trairia os textos religiosos. Cícero tem uma postura

diferente de são Jerônimo, pois ele acreditava que as palavras não deveriam ser vertidas todas

umas pelas outras, mas sim priorizar a conservação do valor delas. Oferecendo, assim, o

mesmo peso das palavras e não a mesma quantidade de palavras.

As noções de autor e tradutor, obra original e traduzida eram bem diferentes das de

hoje. O termo “plágio”, por exemplo, só é considerado pejorativo a partir do século XVIII, uma

vez que o original é valorizado. A “infidelidade” é uma noção relativa que deve ser observada

conforme a época dentro da história da tradução.

A tradução da Bíblia feita por Lutero para o alemão marca o nascimento da língua

alemã. O alemão é consolidado durante a tradução de Lutero. Diferentemente de Wyclif,

Tyndale traduz a Bíblia para o inglês a partir de consultas aos textos originais e não da versão

traduzida para o latim. Assim como a Bíblia alemã foi um marco, a versão da Bíblia autorizada

pelo Rei James I é considerada como um monumento da língua inglesa.

As Belas Infiéis marcaram a história da tradução. O francês era amplamente

prestigiado e a tradução para o francês legitimava a literatura. Era muito comum nesta época

traduzir uma obra que já tinha sido traduzido para outra língua, ou seja, traduzia-se um texto a

partir de uma tradução do original. A tradução, muitas vezes, servia como o texto original. O

francês fazia o papel de “avenida”, o que tornou possível que os clássicos entrassem na língua

e na literatura da Inglaterra. Nos séculos XVII e XVIII as estéticas no campo da tradução eram

extremamente priorizadas. A ideia de fidelidade e literalidade para Lemaistre na tradução

girava em torno de que se um determinado autor falasse o francês ele teria falado como na

tradução feita durante o período das Belas Infiéis. Tanto a fidelidade como a literalidade

estavam sujeitas ao estilo da língua clássica.

É possível ver em diferentes épocas e de acordo com diferentes autores que a

tradução é analisada por outros pontos de vista. Dryden difunde a tradução em três vertentes:

tradução literal, tradução propriamente dita (inicialmente chamada de paráfrase) e imitação

(posteriormente chamada de paráfrase). A tradução literal era considerada a melhor maneira

de traduzir, a segunda se preocupava mais com o sentido do que com as palavras e a imitação

era a liberdade de substituir o original por algo novo, em outras palavras, criar um novo texto

na língua de chegada. Essas três postulações indicavam o fim das Belas Infiéis. A valorização

da individualidade e da originalidade indicava o fim do século XVIII. A imitação, para

Montesquieu, era símbolo de má qualidade e de fragilidade, menos valorizadas do que o

original.

Goethe destrinchou a tradução em três ciclos: trasladar o texto fonte como se

encontra na língua de partida para a língua de chegada, traduzir de forma como se parecesse

ter sido escrita na língua de chegada, e a síntese desses dois ciclos, tertium quid. Por ser a

síntese dos dois primeiros ciclos, essa modalidade de tradução seria a melhor de acordo com

Goethe. Na época do Renascimento a tradução “literal” era considerada uma maneira de

enriquecer a língua de chegada. A tradução como forma de “recriação” literária teve como

alguns adeptos Ezra Pound, Octavio Paz, Haroldo de Campos e Efim Etkind.

O capítulo três, Teorias da tradução, é dividido em quatro partes a fim de situar o

leitor sobre as diferentes teorias de um ponto de vista temático. A primeira parte deste

capítulo é a diferença entre “língua-fonte” ou “língua de partida” e “língua-alvo” ou “língua de

chegada”. A segunda parte destina-se a esclarecer a relação entre o campo da linguística e a

tradução. A terceira se preocupa em apresentar a poética da tradução, herança da linguística e

filosofia da linguagem. A última parte deste capítulo discute o papel das críticas de tradução,

levando em conta alguns aspectos importantes sobre o tipo de tradução que seria adequado

conforme o “projeto de tradução” e o “horizonte do tradutor”.

Muitas expressões usadas hoje para denominar o par linguístico de uma determinada

tradução surgiram no século XX, tais como “língua-fonte” ou “língua de partida” (LP) e “língua-

alvo” ou “língua de chegada” (LC). Mesmo com novos termos para cada língua envolvida no

processo tradutório, algumas oposições permaneceram, como uma tradução “pró-fonte” e

outra “pró-alvo” mostram que a discussão entre privilegiar letra ou espírito continua.

Surgiu uma vertente que acreditava que qualquer traço da língua de partida seria uma

demonstração de que o texto não foi bem traduzido e de que o tradutor não conhece bem a

língua do texto de partida a fim de traduzi-lo de forma apropriada. As “interferências”,

segundo Oustinoff, muitas vezes são reprimidas pelo professor de tradução, sinalizando que

uma tradução fluida, transparente deveria ser o objetivo.

No entanto, entende-se que “a depender da natureza do texto a ser traduzido, o

tradutor atuará ‘pró-fonte’ ou ‘pró-alvo’” (p.55). Oustinoff ressalta que a tradução não é uma

atividade estática e sim dinâmica. Eugene Nida, um dos expoentes da tradução “pró-alvo”,

distingue duas formas de equivalência: equivalência formal e equivalência dinâmica. A

equivalência formal se preocupa em traduzir uma unidade de tradução conforme a forma do

texto fonte e a equivalência dinâmica com a maneira de produzir o mesmo efeito na língua-

alvo. Essas duas equivalências são ligadas a teoria de Nida, uma vez que o seu propósito era a

tradução da Bíblia.

A linguagem está presente nos estudos da tradução. John Catford considerou isso

como um motivo para colocar a tradução como um objeto de pesquisa da linguística. Nida

escreveu sob a ótica da tradução como uma ciência. Por ainda não ser denominada

completamente como ciência ou arte alguns teóricos buscaram de sua própria forma teorizar a

tradução, como A. Fedorov em sua Introdução à teoria da tradução. A discussão se a tradução

pertencia à linguística ou a literatura surgiu quando foi contestada pelos tradutores,

principalmente os que traduziam textos literários. Edmond Cary contrapunha-se a essa noção

e advogava que a tradução é uma operação literária e não linguística. Já Georges Mounin

entendeu que a tradução não se limitava a uma área somente e que na verdade é nada mais

que “uma operação linguística, mas também uma operação literária”.

A teoria da tradução não é foco somente da linguística, mas um campo novo dentro da

literatura para Meschonnic, o qual afirma a existência da poética da tradução. A tradução foi

amplamente criticada por não ser igual ao original, levando Antoine Berman a dizer que o

maior defeito de uma tradução é a “secundidade” dela, pois a tradução seria algo menor do

que o texto fonte. Para Mounin, os problemas em volta da tradução se resumem ao fato de

que ela não é o original. A tradução de um texto sem nenhuma modificação do original resulta

em um texto intraduzível, pois os sistemas culturais e linguísticos não serão os mesmos.

O conceito de que uma tradução adequada é aquela que tem que ser lida facilmente é

confrontado por Nabokov quando ele traduziu Um herói de nosso tempo para o inglês.

Segundo ele, o leitor deve estar ciente de estar lendo um autor e que este tem sua própria

forma de escrever. O tradutor deve respeitar essas questões para que o leitor conheça não

somente a obra, mas o estilo do autor. Isso pode implicar na noção de que a leitura será

repleta de repetições e frases longas, porém será conforme o original. A dicotomia entre letra

e espírito, ou forma e conteúdo, estilo e sentido nada mais são do que dois aspectos

indissociáveis. Uma não deve sobrepor à outra.

A teoria da tradução não existiria sem as diferentes teorias da tradução ao longo dos

anos. Devem-se olhar as teorias da tradução não como boas ou ruins, mas sim dentro do

contexto espacial e temporal em que estavam inseridas. Para Goethe a Weltliteratur era

destinada a um número reduzido de línguas, diferente do cenário atual. As análises de

tradução podem ser feitas a partir de um contingente de informações, como com auxílio de

prefácios, posfácios, artigos e entrevistas. Dependendo da posição tradutória que o tradutor

adota ele vai se tornar mais ou menos visível, levando em conta o seu projeto de tradução.

Os três primeiros capítulos que foram analisados aqui proporcionam uma visão geral

acerca da teoria da tradução e como ela se desenvolveu em diferentes lugares e épocas. É

possível entender diferentes abordagens devido ao contexto em que cada teórico estava

inserido. Além disso, as diferentes posições adotadas ao longo da história da tradução

permitem que o tradutor e os alunos de tradução adotem uma determinada maneira de

encarar o texto a ser traduzido e que seja de acordo com o projeto de tradução escolhido.