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Universidade de Brasília
Departamento de Processos Psicológicos Básicos
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento
O Reconhecimento de Tons Musicais Produzidos por Timbres Diferentes em
Pessoas com Ouvido Absoluto
Fabrízio Veloso Rodrigues
Brasília, D.F.
Julho de 2012
Universidade de Brasília
Instituto de Psicologia
Programa de Pós-graduação em Ciências do Comportamento
O Reconhecimento de Tons Musicais Produzidos por Timbres Diferentes em
Pessoas com Ouvido Absoluto
Fabrízio Veloso Rodrigues
Professora Orientadora: Maria Angela Guimarães Feitosa
Brasília – DF
2012
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências do Comportamento
como requisito parcial à obtenção do grau de
Mestre em Ciências do Comportamento.
O Reconhecimento de Tons Musicais Produzidos por Timbres Diferentes em Pessoas
com Ouvido Absoluto
Dissertação avaliada pela banca examinadora constituída por:
Profª. Drª. Maria Angela Guimarães Feitosa (Presidente)
Programa de Pós-graduação em Ciências do Comportamento
Universidade de Brasília (UnB)
Prof. Dr. Ronald Dennis Paul Kenneth Clive Ranvaud (Membro Titular)
Programas de Pós-graduação em Fisiologia Humana
Universidade de São Paulo (USP)
Prof. Dr. Gerson Américo Janczura (Membro Titular)
Programa de Pós-graduação em Ciências do Comportamento
Universidade de Brasília (UnB)
Prof. Dr. Sérgio Leme da Silva (Membro Suplente)
Programa de Pós-graduação em Ciências do Comportamento
Universidade de Brasília (UnB)
AGRADECIMENTOS
À professora Maria Angela Guimarães Feitosa, pela competência na orientação
dedicada e presente ao longo de todo o curso.
À colega Valéria Reis do Canto Pereira pelo apoio e capacitação no uso da
ferramenta E-Prime.
À colega Marta Rigueira Dias Prestes pelo apoio e capacitação no uso do
audiômetro AC40.
Às colegas de mestrado Keila e Luciana, pela disponibilidade no auxílio teórico
e prático para a implementação e finalização do trabalho presente.
Aos Drs. Raimundo Nonato e Sérgio Leme pela liberação e compreensão nos
momentos de ausência e diminuição no tempo de dedicação às atividades do
Hospital Universitário de Brasília.
À equipe técnica do Laboratório de Psicobiologia (Dona Neusa e George), pela
prontidão e auxílio na resolução de problemas emergenciais.
Aos colegas de trabalho, especialmente à equipe de neuropsicologia e neurologia
do Hospital Universitário de Brasília pelo apoio e carinho.
Aos colegas Max Sarmet e Danilo Assis Pereira pelo auxílio no tratamento
estatístico dos dados, pelas discussões teóricas e indicação de participantes
potenciais para a pesquisa.
Ao Alexandre Augusto Lima, pela indicação de participantes na pesquisa.
Ao Felipe Mendes, pela gravação e edição dos estímulos auditivos utilizados.
À minha família e Anne Tarine pelo apoio incondicional, carinho, compreensão,
companheirismo e respeito durante toda esta etapa.
A Deus por sua infinita Graça.
v
SUMÁRIO
1. Resumo ........................................................................................................... vi
2. Abstract ......................................................................................................... vii
3. Introdução ............................................................................................. ...........1
4. Método ............................................................................................................ 11
4.1.Procedimento ........................................................................................... 12
4.1.1. Verificação da condição de possuidor de Ouvido Absoluto com
nomeação de notas ................................................................................... 14
4.1.2. Verificação da condição de possuidor de Ouvido Absoluto com
equiparação de frequências .....................................................................15
4.1.3. Tarefa Experimental ......................................................................16
5. Resultados ......................................................................................................22
5.1.Teste de Ouvido Absoluto – nomeação de notas ....................................22
5.2.Teste de Ouvido Absoluto – equiparação de frequências....................... 24
5.3.Tarefa Experimental.................................................................................27
6. Discussão .......................................................................................................33
7. Conclusão........................................................................................................41
8. Referências .....................................................................................................42
vi
RESUMO
O Ouvido Absoluto é conhecido como a habilidade de nomear ou produzir um
tom musical sem qualquer tom de referência em seu auxílio. Pesquisas apontam que
o timbre é um atributo que pode influenciar no processamento da informação tonal.
O objetivo deste trabalho foi verificar as possíveis interferências do timbre na
resolução de informações tonais em pessoas com Ouvido Absoluto. Dezoito
participantes, divididos nos grupos “Ouvido Absoluto” (n=7) e “Não-Ouvido
Absoluto” (n=11), com idade e anos de estudo musical equivalentes, foram
selecionados para participação em um procedimento psicofísico “mesmo/diferente”
de pares de notas musicais com timbres de violão, voz, piano e flauta. Consideraram-
se as respostas de tempo de reação e julgamento corretos (acurácia) dos pares
apresentados para análise dos dados. Verificou-se que pessoas com Ouvido Absoluto
apresentaram tempo de reação maior para a execução da tarefa quando comparado
com pessoas sem Ouvido Absoluto. Não se encontrou um desempenho melhor para
este grupo em relação à acurácia nas respostas, medida em termos de julgamentos
corretos dos pares. Os resultados sugerem a participação de processos distintos na
resolução da informação em pessoas com Ouvido Absoluto. Propõe-se o
envolvimento de aspectos perceptuais e cognitivos no processamento da informação
auditiva em pessoas com Ouvido Absoluto e possíveis efeitos da variabilidade dos
dados encontrados.
Palavras-chave: Ouvido Absoluto, Percepção musical, Percepção de timbre, Tempo
de reação e Cognição musical.
vii
ABSTRACT
Absolute pitch is known as the ability to name or produce a musical tone without any
reference tone. Research indicates that pitch is an attribute that can influence the
processing of tonal information. The aim of this study was to assess the possible
interference of timbre in the resolution of tonal information in people with absolute
pitch. Eighteen persons were selected and divided into groups "Absolute Pitch" (n =
7) and "Non-Absolute Pitch" (n = 11), with equivalent age and years of musical
study, for participation in a "same / different " psychophysical procedure to judge
pairs of musical notes with guitar, voice, piano and flute timbres. Data coming from
the reaction time and correct judgment (accuracy) of the pairs presented were
analized. It was found that participants with absolute pitch showed slower reaction
time in the task, as compared to non-absolute pitch participants. The two groups did
not differ in accuracy of responses. Results suggest the involvement of different
processes in the resolution of information in people with absolute pitch. We propose
a differential involvement of perceptual and cognitive aspects in auditory
information processing in persons with absolute pitch and possible effects of the
variability of the data.
Keywords: Absolute pitch, Music perception, Timbre perception, Reaction time and
Music cognition.
1
INTRODUÇÃO
O Ouvido Absoluto é descrito como a capacidade de identificar, nomear ou
produzir a frequência de um estímulo tonal sem o auxílio de um tom de referência
(Deutsch, 2002; Ross, Olson & Gore, 2003; Ward, 1999). Associa-se a ele uma
capacidade diferenciada na codificação do croma, ou seja, a repetição cíclica de
intervalos em cada oitava (Roederer, 2002) e da altura tonal de um tom musical
(Bachem, 1937).
Sua ocorrência é rara, com prevalência estimada em 1 para cada 10.000 pessoas,
considerando-se a população da Europa e América do Norte, e é mais comumente
observada em músicos (cerca de 20%) com treinamento formal (Bachem, 1955; Profita
& Bidder, 1988). Isto se deve, basicamente, a dois fatores: a assunção recorrente de que
o Ouvido Absoluto se limita à capacidade de nomeação de uma nota musical (o que se
reflete na elaboração de testes que ratifiquem a existência desta capacidade) e no fato de
que, invariavelmente, não-músicos não são hábeis em reconhecer esta capacidade. Os
primeiros estudos sobre o Ouvido Absoluto contemplavam diferenças fundamentais na
definição do termo. Bachem (1937) chamava a atenção para subtipos: Ouvido Absoluto
genuíno, quase Ouvido Absoluto e pseudo Ouvido Absoluto, sendo que pessoas com
quase Ouvido Absoluto se difeririam pela interiorização de apenas uma frequência
específica que sirva como referência para o reconhecimento dos tons, como um Lá (440
Hz), ao passo que pessoas com pseudo Ouvido Absoluto seriam capazes apenas de fazer
uma estimativa acerca da frequência tocada, em detrimento da codificação tonal exata,
com base em treinamento musical prévio. Pesquisas recentes consideram que esta
habilidade se relaciona à capacidade de associar automaticamente uma frequência tonal
2
a um rótulo linguístico que a identifique enquanto uma nota musical (Levitin & Rogers,
2005; Schulze, Mueller & Koelsch, 2012), bem como a manutenção dessa informação
em um sistema de memória de longo prazo (Levitin, 1994). Nota-se que, comumente, o
fenômeno se refere ao conhecimento prévio das notas musicais, em acordo com a escala
temperada. Sendo assim, a aplicação do conceito de Ouvido Absoluto é
tradicionalmente condicionada ao conhecimento prévio em teoria musical.
No entanto, o Ouvido Absoluto também tem sido associado à codificação de
frequências de sinais acústicos distintos de estímulos musicais (Ross, Gore & Marks,
2005). Em pesquisas prévias, verificou-se que tanto músicos sem treinamento musical
formal podem apresentar desempenho equivalente ao de músicos com Ouvido Absoluto
(Ross, Olson, Marks & Gore, 2004) quanto adultos não-músicos podem ser capazes de
codificar adequadamente a frequência de estímulos musicais em tarefa de identificação
de frequência tonal (Ross et al., 2003). Pessoas sem Ouvido Absoluto também possuem
a capacidade de identificar mudanças no nível de altura dos tons que compõem trechos
de músicas conhecidas por eles (Deutsch, 2002; Halpern, 1989; Schellenberg & Trehub,
2003), sugerindo a retenção da informação acústica. Da mesma forma, músicos sem
Ouvido Absoluto podem reter uma informação tonal na memória de longo prazo em
tarefa de reconhecimento de melodias (Creel & Tumlin, 2012) e julgamento de
frequência correta do tom de telefone (Smith & Schmukler, 2004), bem como na
identificação da tonalidade correta em músicas conhecidas (Terhardt & Seewann, 1983).
A exclusão de pessoas sem treinamento musical ou sem Ouvido Absoluto para o estudo
do tema pode traduzir, portanto, uma limitação importante para a melhor compreensão
do fenômeno.
Além dos aspectos relacionados à definição do Ouvido Absoluto, outra questão
central refere-se ao papel do início dos estudos formais em música (da aprendizagem) e
3
da hereditariedade no seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, pesquisas vêm
demonstrando a influência do treinamento musical formal, considerando-se a existência
de um período sensível para o desenvolvimento da habilidade (Miyazaki, 1988;
Takeushi & Hulse, 1993), associado ao desenvolvimento da linguagem (Deutsch, 2002).
Parece haver convergência entre os estudos ao se verificar que pessoas que iniciaram
estudos musicais em idade inferior a seis anos têm maior propensão a desenvolver
Ouvido Absoluto do que aquelas que iniciaram os estudos em período posterior. Em
estudo conduzido por Baharloo et al. (1998), com músicos de orquestra, conservatórios
e programas de treinamento musical, verificou-se que cerca de 40% (n=72) possuíam
Ouvido Absoluto e iniciaram seus estudos antes dos 4 anos de idade. Em contrapartida,
apenas 4% dos que iniciaram treinamento musical após 9 anos de idade, relatavam ser
possuidores de Ouvido Absoluto. Outro estudo (Deutsch, Dooley, Henthorn & Head,
2009) observou que pessoas com início do treinamento musical formal entre 2 e 5 anos
obtiveram maior percentual de respostas corretas em teste de nomeação de notas
musicais, sugerindo a influência do treino precoce na prevalência da habilidade.
Efetivamente, sugere-se que o período de 2 a 5 anos de idade facilitaria a associação
existente entre a representação absoluta de uma frequência tonal e a rotulação verbal
desta frequência no sistema de memória de longo prazo (Levitin & Rogers, 2005;
Zatorre & Beckett, 1989). Em conjunto, estes achados reforçam a influência ambiental
na aquisição do Ouvido Absoluto.
Entretanto, uma explicação constitucional também tem sido adotada. Há
evidências de maior prevalência de Ouvido Absoluto em populações asiáticas, como a
japonesa, coreana e chinesa (Gregersen, Kowalski, Kohn & Marvin, 2000),
independentemente do início precoce em estudo musical e de serem países com
linguagens tonais, bem como taxa elevada de concordância para a ocorrência da
4
habilidade em gêmeos monozigóticos (78,6%), em comparação a gêmeos dizigóticos
(45,2%) (Theusch & Gitschier, 2011). Outro dado aponta uma prevalência quatro vezes
maior desta habilidade em famílias de entrevistados com Ouvido Absoluto, em
comparação com pessoas sem Ouvido Absoluto (Baharloo et al., 1998). Ainda,
Baharloo et al. verificaram em seus estudos que a maioria dos participantes pesquisados
e que relataram treinamento musical formal iniciado com 6 anos ou menos não
possuíam Ouvido Absoluto, sugerindo, portanto, que o treinamento musical precoce não
consegue explicar, por si, a ocorrência da habilidade. Adicionalmente, sugeriu-se a
influência de componente genético ao se verificar que os participantes com Ouvido
Absoluto relataram a ocorrência de outros possuidores da habilidade em sua família em
uma proporção quatro vezes maior do que aqueles sem Ouvido Absoluto.
Em uma perspectiva integrativa e com base em estudos de neuroimagem
funcional e estrutural, bem como em pesquisas de base genética, Zatorre (2003) defende
a influência conjunta de fatores estruturais, funcionais, cognitivos e desenvolvimentais
do cérebro humano. Segundo o autor, há padrões específicos da atividade neuronal
relacionados ao Ouvido Absoluto que o caracterizam como único, tais quais a assimetria
estrutural para o processamento auditivo e características morfológicas do cérebro de
pessoas com essa habilidade. A ativação mais proeminente de regiões frontais
(dorsolateral posterior) em músicos com Ouvido Absoluto em tarefa de escuta de tons
musicais, quando comparada com músicos sem Ouvido Absoluto (Zatorre, Perry,
Beckett, Westbury & Evans, 1998) é tratada como evidência para a participação de um
tipo de memória específica nessa população. Ainda, os achados referentes à associação
entre a maior ocorrência de Ouvido Absoluto em irmãos e a maior prevalência da
habilidade em populações asiáticas, independente da linguagem tonal associada e do
início da exposição aos estudos musicais, são ponderações cruciais para se considerar
5
um componente genético relacionado. Sendo assim, tanto componentes constitucionais
quanto ambientais se refletiriam nestas propriedades neurais específicas do fenômeno.
Ainda, em favor de uma convergência de fatores ambientais e genéticos, Wilson,
Lusher, Martin, Rayner & McLachlan (2012) destacam a interseção histórico familiar
de possuidores de Ouvido Absoluto e início do treinamento formal com sistema de “dó
fixo”, ou seja, a designação de uma sílaba (nome da nota) ao tom tocado, como
prevalentes entre os participantes com Ouvido Absoluto (n=43).
Alguns estudos sugerem que crianças com menos de 1 ano de idade tendem a
detectar o padrão de frequência tonal absoluta em sequências de tons contínuos
(Saffran & Griepentrog, 2001), sobressaltando um caráter perceptual em detrimento de
aspectos mnemônicos associados (Ross & Marks, 2009). Em contrapartida, observa-se
que adultos tendem a detectar um padrão de frequência somente quando uma estrutura
tonal é utilizada como referência, enquanto padrões de frequências relativas são
controladas, independentemente da tonalidade apresentada (Saffran, 2003). Portanto,
considerando-se estas assertivas, pontua-se uma tendência de codificação de frequências
tonais em pessoas com Ouvido Absoluto tal qual ocorre nos primeiros anos de vida. Em
pessoas sem Ouvido Absoluto, esta tendência se modifica com o passar dos anos,
priorizando-se o processamento da informação como padrões de ouvido relativo, a fim
de facilitar a generalização das informações auditivas disponíveis no ambiente.
Embora o Ouvido Absoluto seja caracterizado pelo reconhecimento de padrões
tonais diretamente relacionados à retenção da informação acústica em termos de
frequência, sabe-se que informações como tonalidade, relação entre notas, consonância,
ritmo e timbre também podem influenciar a sua percepção. De acordo McDermott &
Oxenham (2009), por exemplo, certas combinações de tons tocados podem soar mais
agradáveis (consonantes) ou desagradáveis (dissonantes) e podem se dever tanto a
6
aspectos ambientais, onde a cultura musical influenciaria o julgamento, quanto a fatores
inatos. Em um estudo sobre ritmo (Jones, Moynihan, MacKenzie & Puente, 2002) com
uso de tons sequenciais, verificou-se que a regularidade do ritmo e a frequência
característica do estímulo contribuem, conjuntamente, para a formação da percepção
musical. No entanto, o papel de cada um destes aspectos na resolução perceptual da
informação auditiva ainda não é bem estabelecido.
Da mesma forma, o timbre também parece exercer um papel importante no
processo de percepção tonal, embora sua definição exponha uma dependência de outros
atributos auditivos para sua melhor compreensão. O timbre é definido como uma
propriedade acústica que permite um ouvinte identificar dois estímulos com mesma
altura, duração e intensidade como sendo diferentes entre si (American National
Stantards Institute, 1973). No entanto, a falta de uma conceituação própria e
independente não impede que algumas conclusões possam ser feitas a seu respeito. Em
primeiro lugar, a produção de um timbre depende, invariavelmente, de um processo
físico envolvendo uma fonte geradora de um modo de vibração específico e um filtro
modulador da amplitude dos componentes desta fonte, a fim de gerar um padrão
específico de um som produzido e percebido (Handel, 1995). Além disso, estudos
enfatizam a influência do caráter complexo do timbre para a percepção adequada do
estímulo advindo de um instrumento ou da voz humana. Pontua-se o ataque da nota,
tempo de decaimento, estrutura dos formantes e espectro característico do instrumento
como aspectos influentes na percepção do som ouvido (Loureiro & Paula, 2006; Risset
& Wessel, 1999), afora a experiência prévia com aquele timbre (Handel, 1955).
O estudo acerca do timbre tem se mostrado um tópico relevante para o
entendimento da percepção musical. Sabe-se que a informação de timbre produz uma
ativação cortical distinta, quando comparados a instrumentos musicais e tons senoidais
7
em músicos. Em exames de imagem, verificou-se o aumento da representação
subcortical auditiva, especialmente no tronco cerebral (Kraus, Skoe, Parbery-Clark &
Ashley, 2009), nos participantes com experiência musical, em resposta a tons musicais
consonantes apresentados. O mesmo se observa em relação à representação cortical
auditiva associada a tons de timbres de maior familiaridade (Pantev, Roberts, Schulz,
Engelien & Ross, 2001), com maior ativação de áreas secundárias do córtex auditivo,
diferentemente de pessoas sem conhecimento musical. As diferenças também se tornam
evidentes quando músicos com Ouvido Absoluto são comparados com músicos sem
Ouvido Absoluto. Em estudo de discriminação de timbres diferentes (Crummer,
Walton, Wayman, Hantz & Frisina, 1994), músicos com e sem ouvido absoluto, bem
como não-músicos, foram instruídos a identificar os timbres característicos dos
estímulos apresentados (instrumentos de corda da mesma família, flautas de materiais
distintos e instrumentos de tamanhos diferentes). Por meio de um estudo com potencial
evocado, verificou-se uma latência média mais curta e amplitude menor do sinal no
grupo “Ouvido Absoluto” para os timbres apresentados, indicando uma atividade
cerebral distinta no processamento da informação auditiva.
Em conjunto, estes achados são convergentes com a ideia de que a aprendizagem
prévia também possa influenciar a categorização da informação em nível perceptual.
Sloboda (2008) ressalta este aspecto, ao afirmar que a identificação de uma nota musical
é determinada por um padrão sonoro característico, influenciado por variáveis como a
fonte geradora do estímulo, frequência característica da nota e a sua duração. No
entanto, a exposição prévia aos estímulos também é condição essencial para o seu
reconhecimento. Desta forma, a geração de um determinado tom advindo de um
instrumento musical obedece a regras semelhantes àquelas expostas na percepção
categorial da fala, por meio da extração de suas características “fonêmicas” e culturais.
8
Em outro estudo, Miyazaki (1988) recrutou pessoas com e sem Ouvido Absoluto
para uma tarefa de categorização de tons musicais. Seu objetivo era verificar a acurácia
(taxa de acerto) e a velocidade da resposta dos participantes na execução da tarefa.
Como resultado, verificou-se desempenho melhor em termos de acurácia e tempo de
reação menor para categorização de notas musicais no grupo Ouvido Absoluto.
Em pessoas sem Ouvido Absoluto, nota-se que aquelas com treinamento musical
têm desempenho melhor em tarefa de discriminação de timbre, tanto de voz quanto de
instrumentos musicais, do que pessoas sem treinamento musical (Chartrand & Belin,
2006). Neste estudo, comparou-se o tempo de reação e taxa de acerto (acurácia) no
julgamento de notas apresentadas em pares. O objetivo dos participantes era indicar se
as notas apresentadas advinham do mesmo instrumento. Estes resultados sugerem que o
timbre exerce um efeito importante na tarefa de reconhecimento de notas musicais,
complementarmente à mera relação da rotulação verbal a uma frequência tonal.
Embora timbre seja uma variável reconhecida como importante, encontraram-se
poucos estudos delineados com objetivo de entender de maneira clara a contribuição
desta informação para a condição de Ouvido Absoluto. Sabe-se, por exemplo, que o
processamento de timbres de voz humana apresenta atividade cerebral peculiar. De
acordo com pesquisas, as regiões cerebrais ativadas para a voz humana se diferenciam
das regiões vinculadas ao reconhecimento de faces e de outros estímulos acústicos
complexos (Levy, Granot & Bentin, 2001). Em estudos de imagem cerebral, encontrou-
se uma atividade acentuada em regiões do córtex auditivo primário (sulco temporal
superior), quando ouvintes eram expostos a sons de voz humana (Belin, Zatorre,
Lafeille, Ahad & Pike, 2000). A mesma ativação não foi verificada quando os sons
ouvidos eram oriundos de outras fontes sonoras, tal qual sons da natureza, de animais,
máquinas e instrumentos musicais. A fala e a música apresentam diferenças quanto à
9
natureza acústica do som (instrumento de produção, complexidade acústica, duração do
estímulo e contorno melódico), ao substrato neural (ativação cortical, organização
hierárquica e assimetria cerebral) e quanto aos mecanismos cognitivos (Hauser &
McDermott, 2003; Koelsch, Kasper, Sammler, Schulze, Gunter & Friederici, 2004;
Schellenberg, 2005) envolvidos em ambas as atividades (Belin & Bédard, 2004; Nikjeh,
Lister & Frisch, 2009; Zatorre, Belin & Penhume, 2002). Da mesma forma, a música
per se parece influenciar o processo de desenvolvimento da fala, principalmente no que
se refere à percepção do contorno de frequências (Schön, Magne & Besson, 2004).
Sendo assim, é razoável pressupor que pessoas com Ouvido Absoluto também
sofram efeitos na resolução da informação acústica em função do timbre de voz
humana, embora haja poucos estudos nessa área. Vanzella & Schellenberg (2010)
verificaram que pessoas com Ouvido Absoluto apresentaram maior dificuldade na
identificação de tons musicais oriundos de timbre de voz humana, quando comparados a
tons senoidais e timbre de piano, sugerindo a interferência de circuitos neurais
associados à codificação da informação linguística e paralinguística na resolução da
informação tonal destes participantes (Belin, Zatorre & Ahad, 2002).
Embora uma primeira análise proponha a influência de aspectos neurais nessa
variação de resposta e no desempenho em tarefas de reconhecimento de estímulos
musicais (Miyazaki & Rakowski, 2002), não se sabe se a velocidade no processamento
da informação também reflete as peculiaridades ligadas ao timbre encontradas nestes
estudos. Uma das abordagens utilizadas para este fim é a aferição do tempo de reação.
Comumente, utiliza-se tal medida como variável alternativa em estudos de audição,
como opção às técnicas tais quais de imageamento cerebral (Sarter, Hasselmo, Bruno &
Givens, 2005). Justifica-se tal adoção por se tratar de um procedimento onde o principal
objetivo é fazer inferências acerca dos mecanismos neurais envolvidos no
10
processamento dessa informação, em função de um estímulo auditivo associado e do
comportamento motor observado (Luce, 1986). Sendo assim, alguns delineamentos
usam esta mesma medida para o estudo de Ouvido Absoluto (Brancucci, Nuzzo &
Tommasi, 2009; Schlemmer, Kulke, Kuchinke & Meer, 2005), pela influência da
natureza da atividade auditiva no tempo de resposta motora indicativo de diferenças
proeminentes no processamento da informação requerida para essa população,
sinalizando uma adequação do procedimento ao seu estudo.
Apesar dos avanços obtidos nesta área de pesquisa, ainda não se sabe, de fato,
quais os efeitos e implicações do timbre na percepção de tons musicais, especialmente
os oriundos de voz humana, nem como o processamento desta informação ocorre em
pessoas com Ouvido Absoluto. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo verificar
se o uso de timbre oriundo da voz humana em comparação com timbres de instrumentos
musicais distintos interfere no tempo de reação em tarefas de reconhecimento de tons
para pessoas possuidoras de Ouvido Absoluto com ou sem treinamento musical formal.
Complementarmente, propôs-se analisar a especificidade do Ouvido Absoluto com a
capacidade de nomear notas, em detrimento de uma capacidade perceptual diferenciada.
Com base nos dados oferecidos pela literatura, adotou-se como hipótese que os
tempos de reação para estímulos com timbre de voz humana são maiores quando
comparados aos demais timbres. Ainda, que há maior acurácia (acerto de julgamento)
dos participantes com Ouvido Absoluto em um procedimento psicofísico de
discriminação de tons, independentemente dos timbres utilizados. Da mesma forma,
espera-se que pessoas com Ouvido Absoluto apresentem tempos de reação menores do
que pessoas sem Ouvido Absoluto para a tarefa de julgamento de tons,
independentemente do timbre.
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MÉTODO
PARTICIPANTES
Foram selecionadas 18 pessoas de ambos os sexos, com faixa etária entre 18 e 54
anos de idade e convidados em cursos de música de nível técnico e superior em
instituições públicas e particulares de Brasília, tanto por convite oral como por correio
eletrônico disponibilizado pelas secretarias dos respectivos cursos e por cartazes
impressos e fixados nos murais e informativos das escolas pesquisadas. Os participantes
foram distribuídos em 2 grupos, compostos por 9 participantes cada. O primeiro grupo
“Ouvido Absoluto” foi composto por músicos profissionais em canto ou instrumentos
musicais (violão, voz, baixo e violoncelo), com idade entre 23 e 46 anos, bem como
estudos formais em música entre 18 e 32 anos, com Ouvido Absoluto. O grupo “Não-
Ouvido Absoluto” formou-se de músicos cantores ou instrumentistas (violino, violão,
piano, flauta e cavaquinho), com idade entre 18 e 48 anos, bem como estudos formais
em música entre 9 e 31 anos, sem Ouvido Absoluto. Inicialmente, foi previsto um
terceiro grupo composto de pessoas com Ouvido Absoluto sem treinamento formal
prévio em música ou com treinamento formal inferior a três anos, mas não se obtiveram
participantes com o perfil planejado e este grupo não foi viabilizado. O projeto foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde da
Universidade de Brasília (CEP/FS) sob protocolo número 121/11 e todos os
participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido em acordo com
as normas apresentadas na Resolução 196/96 do CNS.
MATERIAIS E EQUIPAMENTOS
Para a tarefa psicofísica e testagem da condição de Ouvido Absoluto, utilizou-se
um PC de marca Syntax com processador modelo Intel 1.60 GHz, 2 GB de memória
12
RAM, Sistema Operacional Windows XP Professional e placa de som Realtek High
Definition Audio, fone de ouvido Stereo Cyber Pro, modelo CD-6611MV, um mouse
para ajuste de freqüência e registro do tempo de reação. Foram utilizado os softwares
livres Audacity 2.0.0 e Realtime Analyzer, versão 5.1.0.10 para a geração de tons
senoidais dos testes de Ouvido Absoluto e ruído branco, e o software E-Prime, versão
2.0, para programação da tarefa experimental, apresentação da tarefa e registro de
respostas dos participantes. Para a audiometria, foi utilizado o audiômetro clínico de
dois canais modelo AC40, marca Interacoustics, com pera de resposta e fone TDH 39.
AMBIENTE EXPERIMENTAL
A pesquisa foi realizada no Laboratório de Psicobiologia, do Departamento de
Processos Psicológicos Básicos, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
A aplicação dos testes de avaliação da condição de Ouvido Absoluto e a tarefa
experimental foram feitas em uma cabine de isolamento acústico da Industrial Acoustics
Company, com dimensões internas de 1,40 m de comprimento x 1,20 m de largura x
2,20 m de altura. Nela, alocaram-se monitor, mouse, uma mesa e uma cadeira para
acomodação do participante.
PROCEDIMENTO
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO EXPERIMENTO. Todos os participantes
submeteram-se a um procedimento psicofísico em que o objetivo era a discriminação de
tons musicais com timbres diferentes. A realização deste experimento se deu em dois
encontros, para cada voluntário. O primeiro encontro objetivou a constituição do grupo
“Ouvido Absoluto” e “Não-Ouvido Absoluto” e constou de: (a) assinatura do termo de
consentimento e explanação geral acerca do experimento; (b) preenchimento do
13
questionário demográfico; (c) Realização de audiometria, a fim de certificar a boa
capacidade auditiva para participação no experimento; (d) Verificação da condição de
possuidor de Ouvido Absoluto. No segundo encontro, aplicou-se a tarefa experimental
de discriminação de tons. Aferiu-se, nesta tarefa, o tempo de reação para os estímulos
apresentados.
ASSINATURA DO TERMO DE CONSENTIMENTO E APRESENTAÇÃO DO
PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL. Nesta fase, as condições gerais do experimento
foram explicitadas e assinou-se o termo de consentimento livre e esclarecido. Ainda, foi
respondido um questionário demográfico, considerando-se os seguintes aspectos: nome,
sexo, local de nascimento, idade, idiomas principais, local em que desenvolveu
habilidade musical para verificação da influência de escalas com padrões diferentes da
escala ocidental; idade de início dos estudos musicais, a fim de se verificar a relação
entre a aprendizagem musical e o Ouvido Absoluto; instrumento musical no qual
desenvolveu a habilidade musical. Foram consideradas as mesmas variáveis em caso de
desenvolvimento musical em canto.
AUDIOMETRIA. Para a aferição do limiar tonal, o participante foi posicionado na
cabine acústica, munido de fone de ouvido e pera de resposta. Foram, então,
apresentadas individualmente as frequência de 250 Hz, 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz,
4000, Hz, 6000 Hz e 8000 Hz, ambas com intensidade inicial de 25 dB e
monoauralmente. Para cada frequência apresentada, solicitava-se ao participante que
pressionasse a pera de resposta todas as vezes em que escutasse o tom testado. À
medida que cada resposta era efetuada, apresentava-se a mesma frequência, porém, com
intensidade decrescida em 5 dB. Caso o participante não efetivasse resposta ao estímulo,
reapresentava-se a última intensidade respondida. Se a resposta fosse efetivada, então,
ratificava-se aquele como sendo o limiar de escuta do paciente para a frequência testada.
14
O mesmo procedimento foi adotado para as demais frequências tonais testadas.
Participantes com limiar tonal superior a 25 dB para qualquer frequência testada foram
excluídos das fases posteriores. Com base nestes critérios, um voluntário, do sexo
masculino, com idade de 54 anos e com limiar auditivo de 40 dB para a frequência de
6000 Hz, foi excluído da pesquisa.
VERIFICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE POSSUIDOR DE OUVIDO ABSOLUTO.
Adotaram-se dois procedimentos distintos a todos os participantes, sendo que o
primeiro foi um teste de nomeação de notas e, portanto, relacionado ao conhecimento
teórico em música. O objetivo deste procedimento foi verificar a acurácia na nomeação
correta dos tons. Com o segundo procedimento, buscou-se identificar pessoas com
Ouvido Absoluto sem a necessidade de nomeação de notas musicais. Pediu-se a cada
participante que ajustasse um tom contínuo (1000Hz) a um tom de referência
previamente apresentado, com auxílio de um mouse. O objetivo deste procedimento foi
verificar a acurácia do participante no ajuste das frequências sem a necessidade de
nomear o tom ouvido, priorizando a natureza perceptual do estímulo. Nesta etapa, a
cabine acústica estava munida de uma cadeira, mesa, fone de ouvido e um mouse.
Ambos foram aplicados conforme se segue:
TESTE DE OUVIDO ABSOLUTO COM NOMEAÇÃO DE NOTAS. Foram gerados, com
auxílio do software Audacity (versão 2.0.0), 48 tons puros em formato Wave (.wav),
com duração de 450 ms e intensidade de 65dB. Os estímulos foram apresentados
binauralmente, variando entre C2(Dó2) = 65,4 Hz e B5(Si5) = 987,8 Hz, tomando-se
como referência valores de frequência baseados na escala temperada com o tom Lá=
440Hz, em ordem pseudorrandômica, de maneira que notas consecutivas da escala
musical não fossem tocadas sequencialmente, a fim de evitar a referência do tom
apresentado para a nomeação do tom seguinte. Após a apresentação individual de cada
15
tom, ele deveria nomeá-la, oralmente, de acordo com seu referencial musical teórico. A
instrução dada ao participante foi a seguinte:
“Você ouvirá uma série de notas musicais. Após a apresentação de cada nota,
você irá me dizer o nome dela. Tente responder com exatidão. Portanto, sustenidos e
bemóis também serão considerados. Assim que você der sua resposta, passaremos para
a nota seguinte. Caso você não saiba a resposta, sinalize e passaremos para a próxima
tentativa.”
Não foi adotado um tempo limite para a efetivação da resposta. Foram
considerados como possuidores de Ouvido Absoluto, os participantes que obtiveram um
índice de acerto igual ou superior a 80% na nomeação correta dos tons apresentados.
TESTE DE OUVIDO ABSOLUTO COM EQUIPARAÇÃO DE FREQUÊNCIA. Foram
gerados, com auxílio do software Audacity (versão 2.0.0), 48 tons puros em formato
Wave (.wav), com duração de 450 ms e intensidade de 65 dB e ruído branco com
duração de 16 segundos e intensidade de 65 dB. O tempo de 16 segundos foi adotado a
fim de replicar experimento prévio (Ross et al., 2004) para identificação de pessoas com
Ouvido Absoluto sem nomeação de tons musicais, bem como garantir que as respostas
obtidas estivessem sob efeito de aspectos perceptuais dos tons, minimizando a
utilização de estratégias de memória de curto prazo para as respostas obtidas. As
frequências apresentadas foram variadas, baseadas na escala temperada com referência
no tom Lá= 440 Hz, pertencentes aos intervalos de C2 e B5. Os tons foram apresentados
binauralmente e individualmente. Após a apresentação de cada tom, seguiu-se a
apresentação de ruído branco. Em seguida, um tom contínuo com freqüência inicial de
1000 Hz e gerado por meio do Gerador de Sinal do software Realtime Analyzer (versão
5.1.0.10) era apresentado. Então, solicitou-se ao participante que ajustasse este segundo
tom ao primeiro apresentado antes do ruído branco, para torná-lo o mais semelhante
16
possível, com auxílio do dial de um mouse. Orientou-se a cada participante que
priorizasse o ajuste de acordo com a nota ouvida, em detrimento da oitava a qual a nota
pertencia. A seguinte instrução foi apresentada a cada participante:
“Você ouvirá uma série de notas musicais. Após ouvir cada nota, você ouvirá
um chiado. Logo em seguida, um tom contínuo será apresentado. Seu objetivo é ajustar
esse tom contínuo àquela nota que você ouviu antes do chiado. Você não precisa
alcançar a nota na oitava exata da nota apresentada, ou seja, você pode encontrar a
mesma nota em oitavas diferentes. Esta resposta será válida. Para isso, você vai usar o
mouse. No momento em que você julgar que o tom que você está ouvindo é igual ao tom
que você ouviu antes do chiado, você deverá sinalizar, para que possa ser apresentada
a próxima tentativa.”
Sendo assim, os ajustes das frequências priorizaram a nota correta relacionada
ao tom apresentado, independentemente da oitava à qual ela pertencia. A cada tentativa
finalizada, o Gerador de Sinal era reajustado à frequência de 1000 Hz. As respostas
obtidas foram comparadas entre os grupos, considerando-se a distância dos tons
ajustados em comparação com os tons de referência, quantificados em semitons.
Posteriormente, observou-se a distribuição dos dados para verificar o perfil
característico de cada grupo, em relação à discriminabilidade dos estímulos,
considerando-se um estudo de simetria e curtose. Para esta análise, foi utilizado o
programa SPSS (18.0). Assim, a condição de Ouvido Absoluto foi avaliada para a
alocação dos participantes nos grupos pesquisados.
TAREFA EXPERIMENTAL
OS ESTÍMULOS AUDITIVOS. Para o procedimento experimental, elegeram-se os
timbres de flauta transversal, piano, violão e voz humana. A escolha destes estímulos se
17
deveu ao fato de apresentarem a possibilidade da utilização de uma mesma tonalidade
para as notas apresentadas, minimizando a variação de frequências.
Todos os timbres foram gravados e editados em estúdio profissional com
tratamento acústico, e formatados com duração de 450 ms, intensidade de 65 dB e
tempo de decaimento de 100 ms. Mantiveram-se as características de tempo de ataque
para cada tom gerado, a fim de preservar os aspectos de timbre inerentes a cada
instrumento, bem como na voz humana. Todos os estímulos foram editados com a
utilização do software Nuendo (versão 3.2), tendo sido utilizados um compressor, a fim
de estabelecer um limite de intensidade para os tons gravados (65dB) e regular tempo de
decaimento dos estímulo. Ainda, fez-se uso de equalizadores para controle do sinal
acústico e estabelecimento de parâmetro das frequências utilizadas.
Complementarmente, para timbres de violão e voz humana, aplicou-se tratamento com
o software Melodyne (versão 1.0) para editar os tons gravados. Nesta etapa, cada nota
tocada foi corrigida para a frequência desejada, considerando-se a distribuição espectral
dos estímulos, a fim de ajustá-la e afiná-la. Por fim, cada tom foi transformado para o
formato Wave (.wav).
Os timbres de voz e violão foram gerados e tratados no próprio estúdio. Utilizou-
se um microfone MXL (Marshall Electronics) para captação do som. Para a produção
dos timbres de voz humana, um cantor profissional, do sexo masculino e 27 anos de
idade cantou todas as notas, individualmente, utilizando-se dos tons gerados pelo
software Pianissimo para entoar as notas pretendidas. Para a produção dos timbres de
piano, foi utilizado o software Pianissimo (versão 1.0). Os timbres de flauta foram
gerados pelo software Garritan Personal Orchestra (versão 1.0). Para a geração do ruído
branco, com duração de 16 segundos e intensidade de 65 dB, utilizou-se o software
Audacity (versão 2.0.0).
18
As notas tocadas compreenderam os tons referentes à escala cromática (12
semitons), variando do Dó2 ao Si3, conforme a seguinte especificação:
Dó2= 65,41Hz Fa#2= 92,50Hz Dó3= 130,80Hz Fa#3= 185,00Hz
Dó#2= 69,30Hz Sol2= 98,00Hz Dó#3= 138,60Hz Sol3= 196,00Hz
Ré2= 73,42Hz Sol#2= 103,80Hz Ré3= 146,80Hz Sol#3= 207,70Hz
Ré#2= 77,78Hz Lá2= 110,00Hz Ré#3= 155,60Hz Lá3= 220,00Hz
Mi2= 82,41Hz Lá#2= 116,50Hz Mi3= 164,80Hz Lá#3= 233,10Hz
Fá2= 87,31Hz Si2= 123,50Hz Fá3= 174,60Hz Si3= 246,90Hz
PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL. Seguiu-se a tarefa experimental de julgamento
de tons musicais, adotando-se o procedimento psicofísico de discriminação “Mesmo-
Diferente”. O participante deveria comparar e julgar se uma nota apresentada (estímulo-
alvo) era igual ou diferente de outra previamente apresentada como tom de referência.
Uma vez alocado na cabine acústica, devidamente posicionado e munido de fone de
ouvido e mouse, uma tela de boas-vindas foi apresentada, contendo a seguinte instrução,
no monitor localizado à frente do participante:
“Seja bem-vindo! Este é um teste de comparação de notas musicais. Uma nota
será tocada. Depois você ouvirá um chiado. Ao fim do chiado você ouvirá uma outra
nota. Você deverá julgar, com maior rapidez e precisão possível, se esta nota é igual ou
diferente da primeira. Caso sejam iguais, aperte a tecla ‘1’. Se forem diferentes, aperte
a tecla ‘2’. E aguarde uma nova tentativa. Clique em ‘espaço’ para começar”.
Após o clique na tecla “espaço”, uma tela azul, com duração de 2 segundos era
apresentada, indicando o início da primeira tentativa. Em seguida, um estímulo (tom de
referência) era apresentado em um dos timbres específicos, com duração de 450 ms e
19
intensidade de 65 dB. Apresentado o primeiro estímulo, seguia-se um intervalo de 16s,
preenchido com ruído branco. Após o intervalo, um segundo estímulo (tom-alvo) era
apresentado, com as mesmas características de timbre, duração e intensidade do tom de
referência, mas diferindo do primeiro estímulo somente em frequência. Formaram-se os
pares de uma mesma tentativa de maneira que a distância entre eles se deu sem
diferença ou com diferenças entre o intervalo de 1 ou 2 semitons, tanto abaixo quanto
acima da nota apresentada, caracterizando uma amostra pseudo-randomizada, a fim de
evitar a apresentação de notas consecutivas sequencialmente, dentro de uma escala.
Sendo assim, cada timbre apresentou 10 pares de notas iguais, 10 pares de notas com
diferenças de um semitom abaixo ou acima, sendo cinco pares para cada uma destas
condições e 10 pares de notas com diferenças de dois semitons abaixo ou acima, sendo
cinco pares para cada uma destas condições.
Uma vez apresentado o tom-alvo, o participante realizava a resposta de
julgamento. O tempo máximo para emissão de uma resposta foi estipulado em cinco
segundos. Após esse período, ou imediatamente após uma resposta executada, uma tela
preta com duração de um segundo era apresentada, indicando o final da tentativa. Se o
participante ultrapassasse o tempo limite para julgamento, a tentativa se encerrava e sua
resposta era computada como “omissão”. Feito isso, procedia-se ao próximo
julgamento, com um intervalo de 2s entre tentativas.
As tentativas foram organizadas em três blocos, com 40 tentativas para cada
bloco, com intervalo de 30 segundos de descanso entre os blocos. Neste intervalo a tela
do monitor apresentava um texto indicando que o participante aguardasse uma nova
tentativa, até que a mensagem desaparecesse do monitor e a tela azul reaparecesse,
indicando o início do próximo bloco de tentativas. Ao total, foram apresentados 120
pares de estímulos para a tarefa de discriminação, sendo 30 pares para cada timbre. O
20
tempo médio de aplicação do procedimento foi de 42 minutos. Ao término do bloco
final de tentativas, a sessão se encerrava, com a indicação do fim do experimento ao
participante, constando mensagem de agradecimento na tela do monitor:
“Fim do experimento! Obrigado por sua participação!”
Não foi dado feedback sobre desempenho de qualquer tentativa, ou seja, em
momento algum o participante foi informado se a resposta que ele efetuou estava certa
ou errada. Dos resultados obtidos, foi gerado relatório para análise dos dados.
Foram mensurados os tempos de reação para cada condição experimental, a fim
de verificar o efeito da variável “timbre”, bem como para a variação de semitons
apresentada em cada tentativa. As respostas dadas pelos participantes foram comparadas
e analisadas em termos de acurácia, ou seja, o percentual de respostas corretas para cada
timbre, considerando-se o efeito de timbre e da condição experimental na qual os
participantes foram classificados.
ANÁLISE DE DADOS DA TAREFA EXPERIMENTAL
Foram comparados os tempos de reação intra-grupos e inter-grupos,
considerando-se o tempo de estudo musical formal e idade dos participantes, bem como
o desempenho inter-grupos em termos de acurácia de respostas, considerando as
condições experimentais previamente explicitadas.
A adoção do procedimento psicofísico “mesmo-diferente” (AX), onde um
estímulo de referência (A) é apresentado e seguido por outro estímulo (X) para que o
participante julgue se o estímulo X é igual ou diferente ao tom previamente apresentado
permitiu que, pudessem ser identificadas as respostas corretas para os itens propostos,
obedecendo-se ao seguinte critério: (a) Respostas corretas – se “A” e “X” são julgados
como iguais, sendo eles estímulos idênticos, ou seja, acerto; se “A” e “X” são julgados
21
como estímulos diferentes, sendo eles diferentes entre si, ou seja, rejeição correta; (b)
Falso alarme – se “A” e “X” são julgados como iguais, sendo eles estímulos diferentes;
se “A” e “X” são julgados como estímulos diferentes, sendo eles iguais.
Sendo assim, para cada item de discriminação julgado, a frequência de
alternativas de respostas gerou uma matriz 2x2, sendo duas respostas possíveis
consideradas como acerto e 2 consideradas como falso-alarme. Cada tentativa do
participante, portanto, foi contabilizada separadamente e, ao final, uma análise de
desempenho para cada condição experimental (timbres) foi computada por meio do
registro do escore de respostas corretas (acerto e rejeição correta) e de falso-alarme, a
fim de se verificar o padrão de desempenho de cada participante nas condições
propostas.
Plotaram-se e analisaram-se os dados utilizando-se o software SPSS, versão 18.0.
Foi realizada uma ANOVA para o desempenho dos participantes, considerando-se as
diferenças inter-grupos para os timbre utilizados, acurácia na resposta e as variáveis
demográficas propostas (anos de estudo formal e início de estudo formal em música).
Ainda, realizou-se uma MANOVA para comparação do desempenho entre os grupos,
considerando-se cada um dos timbres utilizados.
Como hipótese, esperava-se que os tempos de reação para estímulos com timbre
de voz humana fossem maiores em comparação com os demais timbres e que o grupo
“Ouvido Absoluto” apresentasse menor tempo de reação e maior acurácia (respostas
corretas) na tarefa e julgamento.
22
RESULTADOS
Para a composição dos grupos, consideraram-se os dois testes de Ouvido
Absoluto. O primeiro teste (nomeação de notas) definiu a composição inicial dos grupos
“Ouvido Absoluto” e “Não-Ouvido Absoluto”. Por meio do autorrelato, nove
participantes afirmaram possuir Ouvido Absoluto. A fim de confirmar a existência de
Ouvido Absoluto verbalizada pelos participantes, procedeu-se a apresentação dos tons a
serem nomeados. O segundo teste (equiparação de frequências) confirmou a condição
dos participantes para composição de cada grupo, previamente analisada por meio do
teste de nomeação, apontando um perfil de distribuição dos dados obtidos em cada
grupo, em termos de frequência de respostas.
Posteriormente, seguiu-se a análise dos dados obtidos no procedimento
psicofísico, considerando-se os tempos de reação e julgamento dos timbres utilizados.
Em conjunto, estas informações serviram como base para a análise dos efeitos de timbre
no reconhecimento de tons musicais dos grupos estudados. Dos sete participantes
iniciais que compuseram o grupo “Ouvido Absoluto”, apenas seis compareceram a esta
etapa. Portanto, somente estes dados foram considerados para análise.
TESTE DE OUVIDO ABSOLUTO – NOMEAÇÃO DE TONS
Para a análise dos resultados, aplicou-se o protocolo proposto por Baharloo et al.
(1998): para a nomeação correta de cada um dos 48 tons apresentados, atribuiu-se um
ponto; caso a nomeação diferisse em meio tom de distância, tanto abaixo ou acima, do
tom de referência, atribuiu-se ¾ de ponto; nenhum ponto foi atribuído para qualquer
outra resposta, tomando-se o tom apresentado como referência,. A adoção destes
critérios se baseia no fato de que estudos prévios sugerem que pessoas com Ouvido
23
Absoluto podem apresentar erros em nomeação de notas com variação de um semitom
(Miyazaki, 1988).
Os resultados obtidos e codificados como acima descrito indicaram que dos nove
participantes que se auto avaliaram como possuidores de Ouvido Absoluto, sete
obtiveram pontuação superior a 80% do escore total (38,4 pontos). Desta forma, a
distribuição dos participantes entre os grupos para a pesquisa foi composta de 11
participantes no grupo “Não-Ouvido Absoluto”, sendo 5 homens e 6 mulheres, com
idade média de 31,2 anos (dp=10,0), média de 18,4 anos de estudo musical formal
(dp=7,91) e pontuação média de 19,1 (dp=10,0). O grupo “Ouvido Absoluto” foi
composto de 7 participantes, sendo 5 homens e 2 mulheres, com idade média de 31,9
anos (dp=7,98), média de 22,7 anos de estudo musical formal (dp=4,78) e pontuação
média de 42,0 (dp=3,34).
Uma ANOVA revelou diferença significativa entre os grupos [F (1, 16) = 33,351;
p<0,001] considerando-se o desempenho na tarefa de nomeação de tons. Não se
verificaram diferenças significativas entre os grupos no que tange à idade [F (1, 16) =
0,023; p=0,883] e aos anos de estudo [F (1, 16) = 1,696; p=0,211], indicando
equivalência entre os grupos estudados quanto à idade e tempo de formação musical. O
desempenho de ambos os grupos na tarefa de nomeação de tons é apresentado na Figura
1 e indica maior pontuação obtida pelo grupo “Ouvido Absoluto” em comparação com
o grupo “Não-Ouvido Absoluto”, considerando-se intervalo de confiança de 95%.
24
Fig.1 - Desempenho no teste de nomeação de notas dos grupos Não-Ouvido
Absoluto (NaoOA) e Ouvido Absoluto (OA) em relação à pontuação obtida,
com intervalo de confiança de 95%, considerando-se média e erro padrão.
TESTE DE OUVIDO ABSOLUTO – EQUIPARAÇÃO DE FREQUÊNCIAS
Sempre que necessário, foi transposto o tom de referência à oitava relativa ao
tom de resposta que o participante efetuou. Esta transposição foi feita aplicando-se
a lei de Weber para cada resposta realizada, a fim de se obter um indicador de
discriminabilidade, ou seja, um valor para comparação entre a frequência padrão
utilizada e a frequência produzida pelo participante em relação a esta frequência
padrão, para cada estímulo apresentado. Por meio dela, pode-se inferir acerca da
diferença entre o valor padrão do estímulo e o valor discriminado (Feitosa, 1996),
em termos comparáveis para os diferentes estímulos, participantes e grupos:
25
D = (Fprod-Fpadrão)/Fpadrão,
em que “D” representa a discriminabilidade das frequências, “Fpadrão” corresponde
ao valor de frequência do estímulo padrão apresentado e “Fprod” refere-se ao valor
de frequência do estímulo produzido pelo participante e percebido como
equivalente ao estímulo padrão. Desta forma, o índice obtido foi usado para
descrever a distância relativa entre o valor de frequência ajustado e o tom de
referência para cada estímulo.
O desempenho de cada grupo foi mensurado obtendo-se a média das
respostas em cada frequência apresentada. Posteriormente, as médias para cada tom
foram comparadas entre os grupos. Observou-se uma distribuição de valores que
variaram no grupo “Não-Ouvido Asboluto” (-0,11 ≤ D ≤+0,11) e no grupo “Ouvido
Absoluto” (-0,03 ≤ D ≤ +0,07). Nesta forma de apresentação dos dados, os valores
mais próximos de zero traduziram maior acurácia no ajuste do tom apresentado.
Quanto mais distante de zero, menor a acurácia para discriminação do tom. Sendo
assim, pode-se notar o melhor desempenho, em termos de ajuste de frequência, do
grupo “Ouvido Absoluto” na tarefa de equiparação de frequências (Figura 2), para
o qual as distâncias entre os tons padrão e ajustado são menores. A análise de
distribuição dos dados apontou curtose de -0,697 e simetria de 0,144, para o grupo
“Não-Ouvido Absoluto”, indicando distribuição negativamente assimétrica e menos
centrada. Já a distribuição dos dados do grupo “Ouvido Absoluto” apresentou
curtose de 0,251 e simetria de 0,723 característicos de distribuição assimétrica
positiva e mais centrada.
26
Fig. 2- Desempenho do grupo “Não-Ouvido Absoluto” na tarefa de ajuste de
tons, considerando-se o índice D de discriminabilidade em termos de
distribuição das respostas dos participantes, para todos os tons testados.
Fig. 3- Desempenho do grupo “Ouvido Absoluto” na tarefa de ajuste de tons,
considerando-se o índice D de discriminabilidade em termos de distribuição
das respostas dos participantes, para todos os tons testados.
27
Portanto, observou-se desempenho distinto para os grupos estudados,
indicando a adequação do procedimento para a separação dos participantes em
ambos os grupos testados. Seguiu-se, assim, à análise dos dados obtidos na tarefa
de julgamento.
TAREFA EXPERIMENTAL
Analisados os resultados obtidos na tarefa psicofísica, verificou-se que os tempos
de reação variaram de 379 ms a 4060 ms. Uma primeira situação considerada para esta
análise foi a de que tempos de reação muito baixos podem ser característicos de
antecipação de resposta e, portanto, deveriam ser descartados. Igualmente, tempos de
reação altos podem sugerir que a resposta efetuada não estava sob controle do estímulo.
Dessa forma, estes dados foram excluídos para análise posterior. Buscou-se, portanto,
verificar quais os tempos de reação deveriam ser considerados, descartando-se os
outliers. Por meio de uma análise de resíduos (diagrama Q-Q), pode-se considerar que
os tempos de reação entre 379 ms e 2000 ms apresentaram-se adequados, partindo-se do
pressuposto de que os erros aleatórios distribuídos ao longo da reta obedeciam critérios
de normalidade (Figura 4). Tempos de reação superiores a 2000 ms não foram
considerados. Portanto, com base nestes critérios, 13 respostas de três participantes do
grupo Ouvido Absoluto e 14 respostas de seis participantes do grupo Não-Ouvido
Absoluto foram descartadas.
28
Fig. 4 – Diagrama de resíduos (Q-Q) referente à distribuição dos
tempos de reação obtidos, considerando-se o escore Z, para os grupos
“Não-Ouvido Absoluto” e “Ouvido Absoluto”.
Ainda, considerando-se a tarefa psicofísica “mesmo/diferente”, somente os
julgamentos corretos foram analisados, ou seja, se os pares foram julgados iguais, sendo
eles iguais, ou se julgados diferentes, sendo eles diferentes. Sendo assim, das 2040
respostas obtidas 56 foram tratadas como falso alarme e, portanto, descartadas. Destas,
19 foram realizadas pelos participantes do grupo “Ouvido Absoluto” e 37 do grupo
“Não-Ouvido Absoluto”. Uma ANOVA de um fator não revelou diferença significativa
-3 -2 -1 0 1 2 3
50
0
10
00
15
00
20
00
Escore Z
Te
mp
o d
e R
eaç
ão
(m
s)
29
no número de julgamentos errados na tarefa experimental [F (1, 15) = 0,002; p=0,96],
sugerindo nível de dificuldade equivalente para ambos os grupos na execução da tarefa.
Não foram verificadas omissões de respostas em ambos os grupos.
Para as respostas corretas, os grupos foram comparados por meio de um teste-t
para amostras independentes, considerando-se as médias do tempo de reação (grupo
“Não-Ouvido Absoluto” = 924,22 ms; grupo “Ouvido Absoluto” = 1015,77 ms). Os
resultados (Figura 5) revelaram diferença significativa entre os grupos “Ouvido
Absoluto” e “Não-Ouvido Absoluto” [F (1, 1957) = 41,985; p<0,001]. No entanto, não
se encontrou efeito dos timbres no tempo de reação tanto para o grupo “Ouvido
Absoluto” [F (3, 684) = 0,048; p=0,986], quanto para o grupo “Não-Ouvido Absoluto”
[F (3, 1266) = 0,372; p=0,773]. Complementarmente, utilizou-se uma MANOVA para
comparar desempenho entre os grupos, considerando-se os quatro timbres estudados,
com índice de significância inferior ao intervalo de confiança estipulado (p<0,01). Nesta
condição, também não se obteve efeito significativo [F (3, 1955) = 0,160; p>0,90],
refutando a hipótese inicial de que timbres de voz humana propiciariam um tempo de
reação maior.
A Figura 6 apresenta, em primeiro lugar, a comparação dos tempos de reação
entre os grupos, considerando-se a variação em semitons. Os resultados apontaram
efeito entre grupos [F (1, 1948) = 41,970; p<0,001]. No entanto, não se verificou efeito
significativo da variação de semitons dentro do grupo “Ouvido Absoluto” [F (4, 683) =
0,601; p=0,662]. Vale ressaltar um nível de significância limítrofe para o grupo “Não-
Ouvido Absoluto” [F (4, 1265) = 2,323; p=0,06), tanto para as condições de um (1)
semitom abaixo, quanto um (1) semitom acima.
30
Fig. 5 – Médias e erro padrão das médias para o Tempo de Reação dos
grupos “Ouvido Absoluto” e “Não-Ouvido Absoluto”, para os diferentes
timbres apresentados.
Timbres
Méd
ia d
e T
em
po
de
Reaç
ão
(m
s)
900
950
1000
Flauta Piano Violao Voz
Grupos
NaoOA OA
31
Fig. 6 – Médias e erro padrão das médias para os Tempos de Reação entre
os grupos “Não-Ouvido Absoluto” e “Ouvido Absoluto”, considerando-se a
distância (variação de semitons) entre as notas apresentadas para
julgamento: mesma nota apresentada (MN), 1 semitom abaixo (STB), 1
semitom acima (STA), 1 tom abaixo (TB) e 1 tom acima (TA).
O padrão de resultados apresentados evidenciou, inicialmente, uma
diferença significativa no tempo de reação entre grupos estudados. Pessoas com
Ouvido Absoluto apresentaram tempo de reação maior para a tarefa de julgamento
Variação de Semitons
Tem
po
de R
eação
(m
s)
900
950
1000
1050
MN STA TA
Grupos
NaoOA OA
STB TB
32
de tons musicais. Este resultado não pode ser atribuído à dificuldade da tarefa,
uma vez que não houve diferença significativa entre os grupos no número de erros
de julgamento apresentados (p=0,96). Da mesma forma, esta diferença não pode
ser atribuída aos fatores “idade” ou “anos de estudo em música” porque não se
encontraram diferença significativa entre os grupos em relação a estas variáveis.
Ainda, não se encontraram diferenças significativas de tempo de reação para
diferentes timbres utilizados intra grupos. O mesmo pode ser observado em
relação aos tempos de reação considerando as distâncias entre as notas de
referência e seus pares, na tarefa de julgamento, onde não se observaram valores
estatísticos significativos em relação a estes itens.
33
DISCUSSÃO
O primeiro aspecto a ser considerado diz respeito à composição dos grupos. A
ausência de voluntários com Ouvido Absoluto e sem treinamento musical não permitiu
um estudo acerca das possíveis interferências do treinamento musical no
desenvolvimento da habilidade. Este aspecto implicaria em possíveis contribuições
sobre os mecanismos perceptuais, cognitivos e desenvolvimento do Ouvido Absoluto,
uma vez que o estudo da resposta motora na tarefa de discriminação poderia traduzir
diferenças relativas ao processamento da informação auditiva nestes grupos.
Dois fatores podem ser associados à ausência de participantes com Ouvido
Absoluto: o primeiro refere-se ao desconhecimento da população de não-músicos ou de
músicos iniciantes em relação à habilidade de Ouvido Absoluto. Os chamados para a
pesquisa, junto aos espaços públicos utilizados, privilegiaram o contato com músicos
com conhecimento acerca do objeto de estudo. Um segundo fator refere-se à ideia
corrente de que a habilidade limita-se a músicos com treinamento formal, refletindo
uma característica encontrada nos próprios estudos sobre o tema (Bachem, 1955; Profita
& Bider, 1988; Schulze et al., 2012). As indicações de voluntários para a pesquisa
foram em sua maioria feitas por professores de escolas de música e, neste caso, somente
alunos com maior tempo de estudo ou outros professores foram indicados. Por si, isto
reflete a vinculação direta da condição de Ouvido Absoluto à capacidade de se associar
um determinado tom a um rótulo verbal que o identifique (Levitin & Rogers, 2005),
bem como a ausência ou limitação de ferramentas capazes de identificar esta habilidade
em pessoas que não se enquadram neste contexto específico. Em conjunto, estas
assertivas trazem à tona a problemática referente à limitação do estudo do tema dentro
de um nicho específico (Ross et al, 2005), dificultando ou minimizando a melhor
34
compreensão do Ouvido Absoluto, seja pelo desconhecimento da população não-música
da habilidade ou pela aplicação estrita do conceito na população de músicos.
Considerando-se a tarefa experimental, os resultados obtidos mostraram a
ausência de efeito do timbre no tempo de reação dos participantes, não somente quando
comparadas as médias do grupo “Ouvido Absoluto”, mas, também, quando analisado o
padrão de resposta obtido no grupo “Não-Ouvido Absoluto”. A rejeição da hipótese
inicialmente adotada, de um maior tempo de reação para o timbre de voz humana, pode
ser compreendida como possível efeito da característica dos estímulos no estudo. O
timbre pode ser descrito como um atributo de um som específico que depende de
aspectos multidimensionais que possibilitem sua distinção de outro som, ainda que a
altura e frequência sejam a mesma (Risset & Wessel, 1999). Da mesma forma, a fonte
(processo físico gerador de energia) e o filtro (componente por onde a energia gerada é
propagada) são fundamentais para a manutenção ou caracterização de um dado timbre
(Handel, 1995). Aspectos como intensidade percebida, envelope de amplitude, espectro
e flutuações de altura e intensidade também podem afetar diretamente a sua percepção.
No caso da percepção de voz humana, a estrutura dos formantes parece assumir um
papel também preponderante (Loureiro & Paula, 2006; Risset & Wessel, 1999),
influenciando na caracterização da onda sonora gerada pelo estímulo.
Com base nessas informações, há de se considerar o fato de que os estímulos
utilizados neste trabalho sofreram alterações ao longo do processo de gravação. Em
primeiro lugar, fez-se uso de compressores, um filtro comum em processos de
masterização de som. O principal objetivo desse filtro é estabelecer limites de
intensidade como parâmetro para todos os estímulos gravados. Desta forma, os sinais
acústicos são captados e transformados para o nível de sinal pré-estabelecido, a fim de
35
ajustar o tom ao que se pretende. Outra função do compressor é a regulação do fade in
(ataque) e fade out (decaimento) característico do som.
Além do uso de compressores, um software (Melodyne) foi utilizado para o
processo de ajuste (correção) e afinação da voz e violão para as frequências desejadas.
O objetivo foi garantir que o tom representasse exatamente a nota desejada, a fim de
facilitar a sua identificação para os participantes da pesquisa. No entanto, o uso da
ferramenta tem, como característica, a extração de frequências de afinação e sua
transformação em um sinal acústico dentro da faixa exata de frequência desejada. Em
outras palavras, esta transformação interfere, diretamente, na forma de onda gerada para
a frequência tocada, um aspecto essencial para a identificação de timbre. Como
consequência, para estes estímulos, as características de timbre podem ter sofrido efeito
do processo e, por conseguinte, modificado a característica natural do tom gravado,
assemelhando-os a um estímulo sintetizado.
Por fim, equalizadores também foram usados, com a função de manter parâmetros
de frequência para todos os timbres estudados, controlando o ganho e atenuação do sinal
acústico, além de possíveis distorções derivadas do ambiente ou dos aparelhos
utilizados para a gravação. Desta forma, a alteração na característica original do timbre
de voz humana e violão pode ter interferido no tempo de reação a estes estímulos.
Sugere-se, em um estudo posterior, a utilização de estímulos de voz humana e dos
demais timbres sem o processo de masterização, a fim de verificar se, nestas condições,
há mudança no padrão de resposta de pessoas com Ouvido Absoluto, haja vista a
interferência de modificações da natureza do estímulo tonal no tempo de reação de
pessoas com conhecimento musical (Agus, Suied, Thorpe & Pressnitzer, 2012).
36
Ao contrário do que se previa, pessoas com Ouvido Absoluto apresentaram tempo
de reação significativamente maior do que pessoas sem Ouvido Absoluto. Ao mesmo
tempo, os dados obtidos sugerem um mesmo nível de dificuldade para ambos os grupos,
tomando-se como base a ausência de diferença significativa no número de erros
apresentados. A diferença encontrada em tempo de reação pode sugerir um
processamento diferenciado da informação acústica para pessoas com Ouvido Absoluto.
Estudos prévios sugerem maior acurácia e mais rapidez para resolução de tarefas de
identificação de timbres e nomeação de notas em pessoas com Ouvido Absoluto
(Crummer et al., 1994; Miyazaki, 1988; Vanzella & Schellenberg, 2010). À luz destas
pesquisas, portanto, os resultados obtidos apresentam divergência.
No entanto, pesquisas sobre Ouvido Absoluto utilizam-se, frequentemente, do
emparelhamento de uma informação acústica com um timbre específico a uma rotulação
linguística, ou seja, procedimentos em que a tarefa é de nomeação de uma nota
apresentada ou identificação do timbre apresentado, bem como a mera discriminação de
timbres. O delineamento do presente trabalho envolveu, sim, a utilização de timbres
distintos. No entanto, o uso dos timbres esteve vinculado a uma tarefa de julgamento de
pares de notas, ou seja, uma tarefa envolvendo um componente de identificação de
timbre e um planejamento de uma ação motora para a classificação dos estímulos
apresentados, em função de sua discriminabilidade. Considerando-se essa característica,
é de se esperar que a natureza intrínseca à resolução da tarefa apresentada aos
participantes no presente trabalho pressupõe uma atividade cognitiva mais complexa
para pessoas com Ouvido Absoluto, aliando-se um processo senso-perceptual a um
componente linguístico (semântico), um componente de memória de longo prazo e um
último de tomada de decisão para a efetivação de uma resposta motora. Portanto, a
estratégia cognitiva utilizada pode ser diferenciada em ambos os grupos, traduzindo em
37
um tempo maior para a execução da tarefa. Este resultado encontra respaldo na
literatura, ao se verificar maior tempo na resolução de tarefa de discriminação de
timbres de instrumentos musicais e voz humana (Chartrand & Belin, 2006). O oposto
pode ser verificado em pessoas sem Ouvido Absoluto. A informação processada para a
efetivação de uma resposta motora encontra argumentos na literatura para que seja
entendida como um efeito mais proeminente da mera resolução da informação em nível
perceptual, aliada à memória de curto prazo, sem a participação de um componente
linguístico (Levitin & Rogers, 2005; Ross et al, 2004). Desta forma, verifica-se um
processamento de caráter mais primitivo, menos complexo, do ponto de vista de
operações participativas no processo, resultando no menor tempo de reação.
Ainda, deve-se considerar o efeito de expertise. A natureza da tarefa psicofísica
proposta sugere um julgamento sobre a comparabilidade de dois estímulos apresentados
sequencialmente. Estudos prévios indicam que o desempenho otimizado em uma
determinada tarefa está diretamente vinculado a uma fase de aprendizagem, ou seja, à
exposição contínua relacionada à natureza da tarefa, até que se alcance um nível de
automatização da resposta para aquela habilidade (Ericsson, Krampe, & Tesch-Romer,
1993). Ainda, estudos apontam efeitos da representação mental da atividade realizada
como um aspecto essencial para o melhor desempenho, utilizando-se dos modelos
aprendidos previamente como um facilitador do planejamento e avaliação da melhor
ação a ser efetivada (Ericsson & Lehmann, 1996). No entanto, esta facilidade tende a
diminuir consideravelmente, quando uma determinada situação apresentada difere dos
modelos previamente armazenados na memória de longo prazo (Ericsson, 2006).
Aplicando-se estas assertivas à tarefa proposta neste experimento, pode-se supor
que o maior tempo de reação em pessoas com Ouvido Absoluto pode ser justificada
pela ausência de um modelo prévio na execução de julgamentos de pares de tons
38
musicais. Em outras palavras, a expertise não exerceria efeito no desempenho dos
participantes desta pesquisa, ainda que a habilidade estudada seja um aspecto diferencial
entre os grupos pesquisados. Esta afirmação vai de encontro com a prática das
atividades propostas em escolas musicais. Nestas, as provas comumente se limitam à
associação de um tom específico a um rótulo verbal, o que, por si, modifica a natureza e
o processamento da informação em nível perceptual e cognitivo. Aliado a estes
aspectos, deve-se considerar que todos os estímulos utilizados podem ser caracterizados
como tons sintetizados. Desta forma, as características destes estímulos também podem
diferir dos estímulos originais de cada um destes instrumentos musicais, por não serem
os sons originais que compõem a prática diária de cada um dos participantes. Portanto,
deve-se questionar a perícia e os efeitos destes aspectos em pessoas com Ouvido
Absoluto na resolução de uma tarefa que se diferencie tanto em relação à natureza da
tarefa quanto à natureza dos estímulos.
Os testes de Ouvido Absoluto utilizados também se mostraram importantes no
trabalho, uma vez que corroboram a ideia de que testes de Ouvido Absoluto podem ser
aplicados independentemente de um treinamento musical formal. O teste de ajuste de
tons mostrou, claramente, uma diferença proeminente na distribuição das respostas de
ambos os grupos. Esta diferença indica que a habilidade na identificação mais precisa de
frequências auditivas, característica de pessoas com Ouvido Absoluto, independe da
capacidade de nomeá-la de maneira adequada. Parece, portanto, um argumento a favor
de um processamento diferenciado da informação em nível perceptual (Ross et al.,
2003; Ross et al., 2004) nessa população específica e que, no entanto, pode não
explicar, por si, o fenômeno por completo. Esta afirmativa se pauta nas diferenças
características desse grupo em tarefa que demande participação de processamento da
39
informação em níveis superiores do cérebro, como no tempo de reação verificado neste
trabalho, em função do julgamento de notas musicais.
É interessante notar, nesta mesma tarefa, que os valores obtidos pelo grupo
Ouvido Absoluto apresentaram um pequeno desvio à direita do valor exato da
frequência (zero), sugerindo a produção de uma frequência mais alta que a referência.
Uma possível explanação acerca deste dado é o fato de que a percepção da frequência
pode ter sofrido efeito de dois fatores. O primeiro se refere ao intervalo inter-estímulos,
preenchido com ruído branco. Este período pode ter interferido na representação
absoluta da frequência, em nível perceptual, modificando a característica do tom
percebido alocado em um sistema de memória de curto prazo que sirva como referência
para a resposta. O segundo diz respeito ao tom contínuo de 1000 Hz utilizado em cada
tentativa. A existência deste estímulo constante, por si, pode ter alterado a representação
da frequência previamente ouvida pelo participante, gerando o desvio observado.
Deve-se considerar, para os resultados alcançados, o número de participantes da
pesquisa. Efetivamente, a quantidade restrita de voluntários e o número reduzido de
participantes que compuseram o grupo “Ouvido Absoluto” devem ser apontados como
um possível fator influente nos resultados obtidos em relação aos tempos de reação.
Embora se tenham encontrado diferenças significativas entre os grupos estudados, em
relação ao tempo de reação, o número reduzido de participantes pode limitar afirmações
relativas à magnitude do efeito observado, bem como na sua relação com a frequência
em que o fenômeno pode ser verificado, considerando-se mais casos de pessoas com
Ouvido Absoluto. Portanto, uma amostra maior poderia influenciar diretamente nos
resultados obtidos pelo experimento. É interessante notar, nesse sentido, que
inicialmente este grupo era composto por um número maior de participantes. No
entanto, com a aplicação do teste de nomeação de notas, alguns voluntários não
40
alcançaram escores que os habilitassem a compor o grupo “Ouvido Absoluto”. Isto
reflete um aspecto curioso em relação à testagem desta condição nas escolas de música.
De acordo com os dados obtidos pelo questionário demográfico, apenas dois
participantes relataram ter participado de testes formais em relação à sua condição de
Ouvido Absoluto. Os demais participantes que o afirmaram, disseram nunca ter
recorrido a testagem formal prévia, revelando certa fragilidade no uso do conceito por
parte da população de músicos. Esta é uma informação relevante, uma vez que tanto o
conceito inerente ao termo quanto o estudo de sua prevalência e aplicações
experimentais podem sofrer influências da forma como esta identificação é realizada.
Por fim, deve-se destacar a variabilidade em tempo de reação para ambos os
grupos estudados. Dentro do mesmo grupo, verificaram-se tempos distintos para os
participantes. Esta variabilidade pode ter influenciado os resultados obtidos, ao se
pontuar que em alguns casos, os padrões de respostas mostraram-se bastante distintos
do restante do grupo. O estabelecimento de uma linha de base para os tempos de reação
de cada participante, previamente à apresentação do procedimento psicofísico,
estipularia um tempo de reação esperado. Posteriormente, este tempo de reação poderia
ser comparado com os tempos de reação obtidos após a tarefa experimental, a fim de
estabelecer um valor médio para o tempo de reação de cada grupo e estudar o efeito da
tarefa nessa variável. Outra tentativa de minimizar os possíveis efeitos da variabilidade
encontrada seria a adoção de um treinamento prévio para a tarefa. A familiarização
preliminar poderia resultar em uma maior equiparação entre os grupos, em relação ao
tempo utilizado para a execução da tarefa. Ainda, o uso de interfaces alternativas para
captação do tempo de reação, como joystick, poderia aumentar a precisão no registro do
tempo de reação, minimizando os efeitos da variabilidade encontrada e pontuando-se a
interferência do procedimento no padrão de resposta apresentado por cada indivíduo.
41
CONCLUSÃO
A partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que:
Músicos com Ouvido Absoluto apresentam maior acurácia em tarefa de nomeação
de notas musicais do que músicos sem Ouvido Absoluto. Ainda, músicos com Ouvido
Absoluto processam a informação tonal de maneira distinta de músicos sem Ouvido
Absoluto, considerando-se o tempo de reação lentificado para a resolução da tarefa de
discriminação de estímulos musicais. Embora uma das justificativas para esta
ocorrência resida no fato de que pessoas com Ouvido Absoluto possam demandar maior
tempo para a resolução da tarefa em virtude da associação de conteúdo tonal ao
linguístico para a efetivação de uma resposta, esta diferença, pode não ser devida
exclusivamente à associação desses fatores. Esta assertiva pode encontrar respaldo na
distribuição diferenciada dos resultados referentes ao teste de ajuste de tons. A
distribuição das respostas mais centradas em zero dos participantes com Ouvido
Absoluto sugere um desempenho diferenciado da tarefa em nível perceptual,
independentemente da capacidade de nomear a nota tocada, ou seja, independentemente
de um caráter simbólico associado à tarefa.
Considerando-se os timbres utilizados, não se verificaram diferenças relativas ao
tempo de reação dos dois grupos, indicando a ausência de efeito desta variável no
processamento da informação. No entanto, este resultado pode ser reflexo do tratamento
acústico aplicado aos estímulos vocais em seu processo de gravação em estúdio,
gerando alterações na composição espectral. O uso de estímulos de voz humana sem
utilização de softwares de afinação ou processos de gravação que não afetem as
características originais do timbre podem compor elementos que contribuam para a
melhor compreensão do fenômeno estudado.
42
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