Post on 16-Mar-2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - FAFICH
Omar Lucas Perrout Fortes de Sales
EVENTO ESTÉTICO EM GIANNI VATTIMO: A ARQUITETURA DA
ONTOLOGIA DA ATUALIDADE
Tese apresentada ao departamento de pós-
graduação em Filosofia da UFMG como requisito
necessário à obtenção do título de doutor em
filosofia.
Orientadora: Profa. Dra. Giorgia Cecchinato
Linha de pesquisa: Estética e filosofia da arte
Belo Horizonte
2017
100
S163e
2017
Sales, Omar Lucas Perrout Fortes de
Evento estético em Gianni Vattimo [manuscrito] : a
arquitetura da ontologia da atualidade / Omar Lucas Perrout
Fortes de Sales. - 2017.
142 f.
Orientador: Giorgia Cecchinato.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Inclui bibliografia
1.Filosofia – Teses. 2.Estética - Teses. 3. Metafísica -
Teses. 4.Niilismo - Teses. 5. Vattimo, Gianni, 1936-
I.Cecchinato, Giorgia. II. Universidade Federal de Minas
Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III.
Título.
Para Maria de Souza Salles, com carinho e saudades sem fim.
AGRADECIMENTOS
À Giorgia Cecchinato, pela paciente e disponível orientação.
Ao Santiago Zabala, pela acolhida e pelos caminhos e horizontes abertos.
A João Batista Libanio, presença na ausência.
A Juliana Hermon de Melo, pelo que não se mede.
“Eu quero viver nessa metamorfose ambulante do
que ter aquela velha opinião formada sobre tudo ...”
Raul Seixas
RESUMO
A filosofia debole de Gianni Vattimo assume positivamente o niilismo a entretecer
pensamento consciente de seus limites e atento ao destino de enfraquecimento dos valores
objetivos e normativos da metafísica. Desse modo, contempla tema genuíno da filosofia: o
problema do ser. O presente trabalho demonstra a tese segundo a qual as raízes do pensiero
debole se encontram imbricadas à reflexão estética de Vattimo. Reconhecer tal elo permite
situar o protagonismo da estética ontológica junto à hermenêutica filosófica desenvolvida pelo
filósofo como ontologia da atualidade. O arranjo inicialmente estabelecido entre estética,
ontologia e hermenêutica perpassa e engendra a produção posterior de Vattimo e articula-se,
como se propõe, à noção de evento estético – eixo arquitetônico privilegiado como via
interpretativa do pensamento do autor. Por fim, explicitam-se desdobramentos éticos e
políticos trazidos à tona pela ontologia da atualidade a traduzir o caráter práxico aberto pelo
evento estético e a compor filosofia comprometida com as demandas concretas do sujeito
histórico e com os problemas do seu tempo.
Palavras-chave: Gianni Vattimo; Evento estético; Pensiero debole; Ontologia da atualidade.
ABSTRACT
The debole philosophy from Gianni Vattimo assumes positively the nihilism on make visible
the conscious thinking from its limits and takes carefully the fate of weakening of the
objective and normative values from metaphysics. This work explores the thesis that the roots
of the pensiero debole meet place in the Vattimo’s esthetic reflection. To recognize this nexus
allow us to situate the protagonism from the ontological esthetic beside the philosophical
hermeneutics developed by the philosopher as the ontology of actuality. The arrangement
initially established between esthetics, ontology and hermeneutics goes through and
engenders the posterior production from Vattimo and articulates, as it proposes, with the
esthetic event – privileged way to interpret the thinking from the author. Lastly, it’s explicated
the esthetic and political development brought afloat by the ontology of actuality to translate
de practical character open by the esthetic event and to compose the philosophy committed
with the concrete demands from the historical subject and with the problems of your time.
Keywords: Gianni Vattimo; Esthetic event; Pensiero debole; Ontology of actuality.
RIASSUNTO
La filosofia debole di Gianni Vattimo, nell’intreciare il pensiero cosciente dei suoi limiti
all’attenzione al destino di indebolimento dei valori oggettivi della metafisica, assume
positivamente il nichilismo. In questo modo considera il tema genuino della filosofia: il
problema dell’essere. Questa tesi vuole dimostrare che le radici del pensiero debole si trovano
inscindibilmente unite alla riflessione estetica di Vattimo. Riconoscere questo legame
permette di situare la centralità dell’estetica ontologica unita all’ermeneutica filosofica che il
filosofo sviluppa come ontologia dell’attualità. La connessione inizialmente stabilita tra
estetica, ontologia e ermeneutica penetra e determina la produzione posteriore di Vattimo e si
articola, come si pretende dimostrare, attorno alla nozione di evento estetico, asse
architettonica privilegiata come via interpretativa al pensiero dell’autore. Come ultimo passo
si esplicitano gli sviluppi etici e politici messi in luce dall’ontologia dell’attualità per mezzo
della traduzione del carattere di prassi aperto dall’evento estético e della composizione della
filosofia, compromessa con le esigenze concrete del soggetto storico e con i problemi del suo
tempo.
Parole chiave: Gianni Vattimo; Evento estetico; Pensiero debole; Ontologia dell’attualità.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
CAPÍTULO I - STATUS QUAESTIONIS DA HERMENÊUTICA: GÊNESE E
PERCURSOS ..................................................................................................................... 25
1.1 Aproximação conceitual à noção de hermenêutica ....................................................... 25
1.2 A hermenêutica reconhecida como Koiné da filosofia e da cultura .............................. 31
1.3 A vocação niilista da hermenêutica filosófica ............................................................... 34
1.4 O pensiero debole como expressão da vocação niilista da hermenêutica filosófica ..... 38
1.5 A vocação niilista da hermenêutica filosófica radicada no processo da
secularização cristã .............................................................................................................. 43
1.6 Conclusão do capítulo I ................................................................................................. 48
CAPÍTULO II - O PROTAGONISMO DO EVENTO PARA A HERMENÊUTICA
ADVINDA DA ESTÉTICA ONTOLÓGICA ................................................................. 49
2.1 A eleição do termo EVENTO como fio condutor da tese ............................................. 50
2.2 O evento do ser como evento estético ........................................................................... 56
2.3 “Verdade” e nuances da recepção da hermenêutica filosófica a partir da
compreensão do ser como evento estético ........................................................................... 64
2.4 A estética ontológica como reproposição original do problema do ser e da
verdade da arte ..................................................................................................................... 72
2.5 Conclusão do Capítulo II ............................................................................................... 77
CAPÍTULO III - A ONTOLOGIA DA ATUALIDADE COMO HORIZONTE
HERMENÊUTICO ABERTO PELO EVENTO ESTÉTICO ...................................... 79
3.1 A estética ontológica e a reflexão filosófica acerca da relação entre arte e
ontologia da atualidade ........................................................................................................ 79
3.2 A revelação do evento estético perante a viralização memética da obra de arte ........... 87
3.3 Pensiero debole, ontologia da atualidade: repercussão e alcance político .................... 97
3.3.1 Três décadas do pensiero debole ................................................................................ 97
3.3.2 A filosofia debole se opõe ao atual processo de globalização .................................... 102
3.4 Do evento estético à tentação do realismo..................................................................... 107
3.4.1 Er-eigns, evento, evento estético ................................................................................ 107
3.4.2 O processo de globalização atual como via de compreensão da tentação do
realismo ............................................................................................................................... 110
3.4.3 A tentação do realismo, novo inimigo do pensiero debole ........................................ 112
3.5 Conclusão do capítulo III .............................................................................................. 115
CONCLUSÃO FINAL ...................................................................................................... 117
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 128
9
INTRODUÇÃO
Indicar e delimitar o objeto de investigação de um trabalho monográfico exige a
acuidade de simultaneamente se expor a problemática que o permeia e assertivamente
iluminar o trajeto proposto. A definição do tema em questão sucedeu a escolha do autor, o
filósofo italiano Gianni Vattimo. Eleição esta motivada pela afinidade com as ideias do
filósofo, fato a impor cuidado especial para que esta afinidade não emudeça possíveis críticas
ao pensamento do autor.
Gianni Vattimo (Torino, 1936- ) é um filósofo italiano mundialmente conhecido e um
dos mais importantes pensadores da contemporaneidade. Uma vez que há excelente material
biográfico e autobiográfico já publicado sobre o autor, opta-se aqui pelo apontamento das
principais fontes especializadas1. Ao longo da tese indicar-se-ão autores que o influenciaram,
o papel fundamental do percurso político e religioso a permear o pensar de Vattimo, bem
como demais questões referentes ao autor e relevantes para o presente trabalho.
A hipótese inicial a iluminar a elaboração do projeto de tese se assentava, já em 2011,
sobre a ideia segundo a qual o desenvolvimento do pensiero debole2 apregoado por Vattimo
encontra suas raízes junto à reflexão estética do autor, desenvolvida em maior medida ao
longo dos textos produzidos ao longo das décadas de 1960 e de 19703. O acesso posterior a
tais textos corroborou a hipótese inicial de trabalho e possibilitou a comprovação da relação
1 Considerar: ZABALA, S. Introducción – Gianni Vattimo y la filosofía debole. In: ZABALA, S. (Ed.).
Debilitando la filosofía: ensayos en honor a Gianni Vattimo. Anthropos: Barcelona, 2009. p. 11-48. Veja-se
também: VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio: un’autobiografia a quattro mani. Reggio Emilia:
Aliberti Editore, 2006. O Blog de Gianni Vattimo contém biografia acessível em alguns idiomas. Disponível
em: <http://giannivattimo.blogspot.com.br/p/chi-sono.html>. Acesso em: 16 dez. 2014. A bibliografia
completa de Vattimo até o ano de 2009 se encontra em: ZABALA, S. Bibliografía de Gianni Vattimo. In:
ZABALA, S. (Ed.). Debilitando la filosofía: ensayos en honor a Gianni Vattimo. Anthropos: Barcelona, 2009.
p. 477-496. Esclarecimento metodológico: as traduções de citações dos originais em castellano, italiano e
inglês, presentes ao longo do corpo do texto, são de responsabilidade do autor da investigação. Opta-se por
manter o idioma original nas citações inseridas nas notas de rodapé. Ao se citar traduções do texto original de
Vattimo para o português (seja de editoras brasileiras ou portuguesas), caso se discorde da tradução, inserir-se-
á nota explicativa quando tal enfoque não constar ao longo na redação do tópico onde se dá sua ocorrência. 2 No Brasil, Rossano Pecoraro traduz pensiero debole por pensamento fraco (PECORARO, R. Niilismo e
(pós)modernidade: introdução ao “pensamento fraco” de Gianni Vattimo. Rio de Janeiro: PUC Rio; São
Paulo: Loyola, 2005). Já Evilázio Teixeira privilegia realçar a expressão original (TEIXEIRA, E. B. A
fragilidade da razão: pensiero debole e niilismo hermenêutico em Gianni Vattimo. Porto Alegre: EDPUCRS,
2005). Entre os demais estudiosos, convencionou-se traduzir a expressão pensiero debole por pensamento
fraco. Para o presente trabalho opta-se por manter a expressão no original italiano para evitar o risco da
contraposição de uma razão forte da modernidade ao “pensamento fraco” pós-moderno. Isto porque não se
trata de afirmar a fraqueza ou debilidade do pensar, o que comprometeria as condições de possibilidade do
fazer filosófico, bem como as tentativas de desenvolvimento das ciências. 3 Muitos escritos de estética surgiram a partir de cursos preparados para os alunos da Universidade de Torino,
na qual Vattimo inicia a docência em 1964: “Nel 1964 Pareyson passa a Teoretica e io divento incaricato di
Estetica. A ventotto anni sono uno dei più giovani professori di tutta l’università italiana” (VATTIMO, G.;
PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit., p. 41).
10
intrínseca entre a estética ontológica proposta por Vattimo e a hermenêutica niilista (de cunho
debole) desenvolvida pelo filósofo. Mais: permitiu compreender que tal ligação se deve à
noção inerente ao termo evento (herdada da filosofia de Heidegger), ainda que da noção
heideggeriana se distancie. Tudo isso possibilitou a emergência de nova hipótese, a qual
constitui o núcleo duro e a originalidade desta tese: a presença do que aqui se denomina
evento estético enquanto eixo a engendrar a estética ontológica com a ontologia hermenêutica
e, desse modo, arquitetura a desenhar todo o pensamento de Vattimo a culminar na ontologia
da atualidade. Daí o título expressar tal imbricação ora proposta: “Evento estético em Gianni
Vattimo: a arquitetura da ontologia da atualidade”.
Cabe ressaltar o fato de Vattimo traduzir o termo alemão Ereignis utilizado por
Heidegger pela palavra italiana evento. Apesar de ampla tradição brasileira de se falar do
Ereignis do ser como acontecimento apropriativo, aqui se opta por caminhar nas pegadas do
evento (termo também presente na língua portuguesa) e, ademais, adjetivando-o como evento
estético. No horizonte do pensador italiano, sustenta-se a tese segundo a qual o evento estético
constitui a espinha dorsal sobre a qual se assenta a filosofia de Vattimo. Ao longo da redação
ficará claro porque a escolha/nomeação de evento estético. No que diz respeito a
acontecimento apropriativo, explica Marco Antônio Casanova ao preludiar o texto de
Heidegger:
A expressão ‘acontecimento apropriativo’ tem por correlato no original alemão o
termo Ereignis. Esse termo significa correntemente ‘acontecimento’, ‘evento’,
‘ocorrência’. No entanto, ele ganha no texto heideggeriano um sentido técnico.
Heidegger procura pensar o termo a partir da presença do radical eignen e äugen em
seu étimo: ‘próprio’ e ‘ver’. Assim, o que temos não é um acontecimento entre
outros, mas um acontecimento no interior do qual tem lugar uma dupla apropriação.
[...] ele aponta para o acontecimento de uma apropriação do homem por parte do ser,
apropriação essa em meio à qual o ente vem à tona como tal e o ser-aí conquista ao
mesmo tempo o próprio que é seu. Para acompanharmos o intuito heideggeriano,
optamos pela expressão ‘acontecimento apropriativo’.4
O termo Ereignis no alemão corrente significa “acontecimento” que é sinônimo de
‘evento’ (latim: eventu5, italiano: evento6; francês: evenement). Provavelmente do francês se
origina o neologismo, português e italiano, evento. Desse modo, a palavra ‘evento’ bem
traduz Ereignis de modo geral. Heidegger dá ao termo um significado especial a partir de sua
4 HEIDEGGER, M. O acontecimento apropriativo. Rio de Janeiro: Gen/Forense Universitária, 2013, p. 1,
grifo do autor. 5 FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 736.
Cf. DICCIONARIO latim-portuguez: etymologico, prosodico e orthographico. 12. ed. Rio de Janeiro/Lisboa:
Livraria Francisco Alves/Livraria Bertrand, [s.d.]. p. 303. 6 ZINGARELLI, N. Il nuovo Zingarelli minore: vocabolario della lingua italiana. 14. ed. Bologna: Zanichelli
Editore, 2008. p. 445.
11
suposta etimologia relacionada com ‘eignis’ = próprio. Heidegger utiliza o termo Ereignis
para significar o acontecimento originário da verdade como manifestação, des-ocultamento,
no qual o Ser se apropria do Dasein e vice-versa constituindo a sua essência (Da-sein)7.
Algumas categorias filosóficas apresentam imensa dificuldade de tradução, como por
exemplo logos, physis, polis8. Em mesma vertente situa-se, como aqui se compreende, a
palavra Ereignis e outros termos heideggerianos - como por exemplo Dasein. Uma vez
traduzido Ereignis em idioma neolatino como evento, termo a apresentar boas condições de
possibilidade de significação filosófica, opta-se por assumir tal tradução. Ao abordá-lo no
presente trabalho como evento estético, não se trata aqui de considerar evento de per si
categorização insuficiente, antes esforço de se acentuar e de se demonstrar como o
pensamento de Vattimo assume Ereignis e oportunamente o desenvolve em imbricação íntima
à reflexão estética a caracterizar o percurso inicial do professor e pensador Gianni Vattimo e a
compor posteriormente o DNA do pensiero debole, sobre o qual se assenta a hermenêutica
filosófica de Vattimo. A tais considerações acrescente-se o fato de se optar por
metodologicamente não traduzir expressões paradigmáticas utilizadas por Vattimo, tais como
pensiero debole e evento.
A expressão evento estético não ocorre nas obras de Vattimo, tampouco a ideia deste
evento como arquitetura de toda a filosofia do autor9. Tal formulação advém do processo
pessoal de apropriação, de interpretação e de elaboração da filosofia em questão. Assim
sendo, o desenvolvimento desta hipótese constitui a tarefa e a originalidade da tese. Até o
7 Apresenta-se tarefa difícil a de se traduzir precisamente o termo heideggeriano Ereignis. “Acontecimento
(evento/evenement) apropriativo” despontou como opção privilegiada em português. 8 “Si se tradujera logos, habría que traducirlo por una de las múltiples significaciones que esa palabra tiene en
griego, y con ello la palabra perdería su riqueza polisémica que es justamente lo que la hace tener un alto
valor en el lenguaje de los griegos” (CRUCHAGA, J. E. R. Notas del traductor. In: HEIDEGGER, M. Ser y
tiempo. 3. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2012. p. 452). 9 O termo evento apresenta grande ocorrência e centralidade desde os escritos iniciais de Vattimo e até o
presente momento tal conceito não foi devidamente situado como fio condutor da reflexão filosófica do
pensador turinense: “L’apertura entro cui gli essenti e l’esserci stesso vengono all’essere non è vista più come
un esistenziale, ma può esser colta nell’atto di accadere e di aprire un mondo storico: un tale accadere è
l’opera d’arte, che, come primo ente in cui una nuova verità storica si istituisce e prende consistenza,
rappresenta un evento dell’essere stesso” (VATTIMO, G. Essere, storia e linguaggio in Heidegger. 2. ed.
Genova: Marietti, 1989. p. 129-130). Em termos de centralidade filosófica, evento está para o pensar de
Vattimo, assim como Ereignis está para o pensar de Heidegger. No caso de Heidegger: “Evento (Ereignis) es
el concepto fundamental y decisivo en la filosofía de Martin Heidegger. En este concepto hay una evolución,
cuya última etapa comienza en el escrito Identidad y diferencia. Ser, tiempo, dioses, hombre y los demás
entes son dados en el evento y son constituidos en él en lo suyo propio. En el evento acaecen también la
apertura, la verdad y el lenguaje originario. Este concepto se convierte en la clave para interpretar todo el
camino del pensar de Heidegger” (BERCIANO, M. Ereignis: la clave del pensamiento de Heidegger.
Thémata: Revista de Filosofia, Sevilha, n. 28, p. 47-69, 2002. p. 47, grifo do autor. Disponível em:
<http://institucional.us.es/revistas/the mata/28/03%20berciano.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2017). Em se
tratando de Vattimo, propõe-se considerar o evento estético como categoria interpretativa e dilucidativa da
filosofia do autor.
12
presente momento a estética de Vattimo não foi abordada sobre este viés, tendo sido
privilegiadas as discussões sobre: arte e estetização; estética e hermenêutica do declínio; os
mass media e a questão do fim/morte da arte; niilismo, arte e pós-modernidade.
Demonstrar a centralidade do evento estético para a filosofia de Vattimo implica o
reconhecimento de tal evento como a espinha dorsal do pensamento do autor a desembocar na
recente reflexão política, caminho que se pretende oportunamente percorrer. Ainda que no
primeiro capítulo a questão estética possa parecer situada um tanto à margem da discussão,
dado o caráter do enfoque inicial privilegiado, o nexo presente entre estética e ontologia
hermenêutica (desenvolvida por Vattimo como ontologia da atualidade), garantirá a devida
centralidade da estética ao longo da exposição. As discussões de temas ligados à estética e já
mais difundidas, as quais foram apontadas há pouco, serão devidamente retomadas e
explicitadas. Por fim, será dada maior ênfase à questão política por se tratar de ponto ainda
não devidamente contemplado no tangente à sua imbricação ao problema estético10.
Cabe ressaltar que em sua reflexão sobre a arte, Vattimo conjuga estética e ontologia e
defende uma estética de cunho ontológico comprometida em não se esquecer da diferença
ontológica (na esteira da compreensão de Heidegger) e do caráter epocal do ser (ou seja, o
modo pelo qual o ser se dá historicamente na situação presente).
Ainda que a palavra arquitetura contenha em si a noção de um princípio como
fundamento (ἀρχή – arkhé)11, o qual sustenta, compõe e desenha o projeto em questão, a
filosofia de Vattimo não é a filosofia “do” fundamento absoluto ou “da” tentativa de
fundamentação. Embora possa parecer paradoxal a eleição na noção de arquitetura, em função
da força semântica do prefixo ἀρχή, com ela se pretende atentar o leitor para a tarefa
fundante/inaugurante do pensamento hermenêutico de Vattimo: “É na busca de outro modo de
se pensar o Ser onde amadurece a ideia de evento e se desenha a ontologia hermenêutica”12.
Deste modo, o segundo capítulo problematizará o conceito evento levando-se em conta a
10
No tocante à morte da arte se apresenta leitura indispensável: VATTIMO, G. O fim da modernidade: niilismo
e hermenêutica na cultura pós-moderna. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Capítulo 3 Morte ou ocaso
da arte, p. 39-55. Interessa sobretudo para o presente trabalho enquanto expressão constitutiva da época
inaugurada pelo fim da metafísica. 11
Cf. VV.AA. Vox diccionario manual griego-español. 10. ed. Barcelona: Biblograf S/A, 1978. p. 88. 12
VATTIMO, G. De la realidad: fines de la filosofía. Barcelona: Herder, 2013. p. 133. Para Vattimo: “Si la
hermenéutica, como teoría filosófica del carácter interpretativo de toda experiencia de la verdad, se piensa
coherentemente nada más que como una interpretación, ¿no se verá ineludiblemente atenazada por la lógica
nihilista característica de la hermenéutica de Nietzsche? [...] no parece posible ‘probar’ la verdad de la
hermenéutica si no es presentándola como respuesta a una historia del ser interpretada como acontecer del
nihilismo” (VATTIMO, G. Más allá de la interpretación. Barcelona/Buenos Aires/México: Paidós, 1995. p.
45).
13
matriz hermenêutica13 do pensamento de Vattimo. Por outro lado, trata-se de arquitetura de
um arranjo aberto que se encontra sempre por vir e não da realização de um sistema cujas
bases consolidam projeto já definitivo, uma vez que não se pode determinar o ponto de
chegada de um pensamento que se compreende histórico e sem pretensões de alcance da
universalidade.
Conceber o ser como evento implica reconhecer e demonstrar seu caráter filosófico
fundante/originante e não fundacional14. A hermenêutica vattimiana, proposta como ontologia
da atualidade, promove o enfraquecimento dos ideais fundacionais da metafísica, ou seja, leva
a cabo a dissolução da própria metafísica. A modernidade é o momento da crise do ideal
fundacional metafísico enquanto processo histórico de consumação, cujas bases se encontram
na secularização, o que será oportunamente demonstrado. Como se depreende, a história da
modernidade pode ser compreendida como história da dissolução das estruturas centrais e
fortes das instituições e regimes, assim como dissolução da pretensão universalizante do
discurso e enfraquecimento das ideologias totalizantes atreladas à objetividade15.
Aqui cabe estabelecer paralelo entre os pares: fundamentação (fundacional) versus
fundante (inaugurante/o que faz irromper); e origem (princípio) versus originariedade (a
capacidade de se situar como o ponto de partida de algo por vir).
Fundamentar implica lançar bases e propor fundamento, ou seja, pressupõe o
estabelecimento de estruturas determinadas e objetivas desde as quais a realidade deve ser
interpretada e compreendida. Fundante se vincula à noção do que traz algo novo à tona e
inaugura sem delimitar e cercear fundamento já dado, mas possíveis fundamentos
interpretativos a serem historicamente situados, questionados, construídos e ressignificados.
A origem remete à situação inicial de uma causa primeira ou princípio geracional a
assegurar a realidade e à qual esta deve se remeter ou se conformar como cenário advindo de
determinada fonte primeira ou manifestação de uma lógica ordenadora das coisas.
Originariedade, por sua vez, traduz aqui o espírito de abertura a algo novo que não se encerra
em si, mas continuamente permite o vir à tona de desdobramentos, tensões e interpretações
13
Assim Vattimo define a hermenêutica: “[...] l’attività che se dispiega nell’incontro con orizzonti
paradigmatici diversi che non si lasciano valutare in base a una qualche conformità (a regole o, da ultimo
caso, alla cosa), ma ci si danno come proposte ‘poetiche’ di mondi altri, di istituizione di regole nueve – entro
le quali vige un’altra ‘epistemologia’ ovviamente” (VATTIMO, G. La verità dell’ermeneutica. In:
VATTIMO, G. (Org.). Filosofia 88. Roma/Bari: Laterza, 1989. p. 231). 14
“Proprio nella koiné ermeneutica in cui converge quella (gran) parte della filosofia contemporanea che ha preso
atto della fine dell’ideale della fondazione (cioè della dissoluzione della metafisica), il rapporto del pensiero
con il passato diventa decisivo” (VATTIMO, G. (Org.). Filosofia 87. Roma/Bari: Laterza, 1988. p. IX). 15
Cf. VATTIMO, G. Postmodernità. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ppa2n6c7yKQ>.
Acesso em: 06 maio 2016.
14
realizadas desde a historicidade na qual se encontra imerso o sujeito e o mundo à sua volta. A
originariedade, como se propõe, expressa a dimensão fundante de horizontes garantidores da
constante irrupção de novos mundos e vias interpretativas.
No tangente ao par origem versus originariedade, a obra de arte não simplesmente
possui uma origem na perspectiva de ser criada ou gerada por um ato criador ou ação
inaugurante dada de uma vez por todas. Mais: a obra de arte é também originante, ou seja,
ponto de partida e fonte de irrupção de algo/rede de horizontes anteriormente não existente;
instaura uma rede de significados e cria um mundo. Isso porque, “na proximidade da obra
estivemos repentinamente em outro lugar diferente do que habitualmente costumamos
estar”16.
Nessa perspectiva, a possibilidade de originariedade da obra de arte não pode se
reduzir à simples origem desta, ainda que tal originariedade necessariamente esteja vinculada
à obra e à sua materialidade. A originariedade aberta pela obra de arte não pode se reduzir e
tampouco se confundir com a origem da mesma e de sua vinculação inicial ao artista. Após o
nascimento da obra de arte, esta adquire autonomia e força próprias a interpelar em cada
tempo seus interlocutores.
Cabe se perguntar pelas condições de possibilidade de a obra de arte abarcar a
dimensão de originariedade17. De fato a obra de arte abarca/contém tal originariedade, se
propicia a criação de uma rede interpelante de significados, se cria um mundo que provoca o
receptor a colocar a obra de arte e seus significados em questão desde o universo existencial e
interpretativo do ser humano em jogo. A obra de arte caracteriza-se por dizer algo novo que
desafia e solicita a compreensão e o colocar-se desta diante da obra corresponde ao situar-se
perante alteridade mais ampla e complexa do que uma mera coisa ou objeto do cotidiano18.
Valendo-se do paralelo da linguagem matemática do universo da proporção, o
16
HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte. São Paulo: Edições 70, 2010. p. 85. 17
Enquanto criação humana a obra de arte abre mundos e instaura o novo: “L’artista traspone in un’imaggine
quel che essenzialmente è invisibile e, se corrisponde all’essenza dell’arte, ogni volta fa vedere qualcosa que
non era stato ancora visto” (HEIDEGGER, M. Corpo e spazio: osservazioni su arte – scultura – spazio.
Genova: Il Melangolo, 2000. p. 35). 18
“L’incontro con l’opera è, per molti aspetti, analogo all’incontro con una persona: quello cui ci troviamo di
fronte non è una parte del mundo, ma un centro di diverso ordinamento di tutto il mundo, con cui quel centro,
quella prospettiva che siamo noi deve fare i conti, deve entrare in dialogo. Qualcosa del genere accade con
l’opera de arte; essa non appartiene semplicemente a una prospettiva; ne costituisce una, il fatto che l’opera ci
sia modifica tutto il mondo, perché appunto propone un nuovo modo di ordinare le cose” (VATTIMO, G.
Arte e verità nel pensiero di Martin Heidegger. Torino: G. Giappichelli, 1966. p. 67).
15
fundamento está para a origem, assim como a fundação está para a originariedade19. Como se
pode consequentemente depreender do já exposto, interessa aqui considerar exponencialmente
o protagonismo das dimensões advindas da fundação e da originariedade, em detrimento do
que pode se seguir do binômio fundamento e origem. Fundamento e origem encontram-se
atrelados ao universo da metafísica e de uma compreensão de cunho “tradicional” ou de
“direita” do ser, ou seja, uma compreensão ainda afeita à busca do fundamento e não
desvinculada do esquecimento da diferença ontológica como bem denunciou Heidegger.
Eleger metáfora alusiva à ideia de construção aberta (aqui tomada via a noção de
arranjo) para contemplar um pensamento caracterizado pela defesa do fim dos absolutos
metafísicos (a sugerir viés desconstrutivo) justifica-se pelo fato de se encontrar em cena
projeto hermenêutico atrelado à proposição de reflexão estética ontológica, a desembocar na
constatação da centralidade da hermenêutica como koiné da filosofia e da cultura ao longo dos
anos da década de 1980 e a convergir na demonstração da debilidade do pensamento como
destino da história do ser no Ocidente. Teses estas ancoradas na compreensão do ser como
evento marcado pela historicidade e pela epocalidade, conforme se discutirá oportunamente.
Donde a aparente ou por vezes considerada desconstrução alberga já em si, ainda que de
modo transitório e mutante, as nuances e provocações filosóficas para a proposição de uma
filosofia do reconhecimento da história do Ocidente como história do esquecimento do ser
(Heidegger) e da afirmação da “despedida da verdade” (Vattimo), haja vista a verdade ser um
fato interpretativo e a “realidade” se configurar como uma disputa de multiplicidade de vozes
interpretativas em constante conflito e não de um discurso único e inquestionável20.
Em síntese: paradoxalmente a desconstrução constitui o método (caminho) mediante o
qual se configura a filosofia de Vattimo a se orientar pelo rimettersi à metafísica como algo
que somente se pode “superar” voltando-se a ela. Vattimo emprega rimettersi enquanto
tradução do alemão Verwindung presente em Heidegger. O italiano recorre a tal noção para
aludir diretamente à via de superação da metafísica:
[...] Verwindung (refere-se a um ultrapassamento que tem em si as características da
aceitação e do aprofundamento), e que indica uma espécie de Überwindung
imprópria, de uma superação que não o é no sentido usual da palavra, nem no
sentido da Aufhebung dialética. Verwindung contém ainda dois outros sentidos: a da
convalescença (curar-se, recuperar-se de uma doença) e a da distorção, ligado ao
19
Cabe ressaltar o fato de ἀρχή significar ponto de partida e fundamento de um processo. “Aristóteles
acrescenta a esta lista: ‘Causa’ também tem os mesmos significados pois todas as causas são princípios. O
que todos os significados têm em comum é que, em todos, princípio é ponto de partida do ser, do devir ou do
conhecer’ (Met., V, 1, 1012 b 32-1013 a 19)” (ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p. 792). 20
Cf. VATTIMO, G. Addio alla verità. Roma: Meltemi, 2009. p. 18-29.
16
sentido de winden, como torcer, enrolar-se e também ao prefixo ver, que significa
entre outras coisas, alteração, desvio; não se trata apenas de uma doença, mas
também de uma perda ou dor.21
Desse modo, rimettersi tem o sentido de restabelecer-se, sarar de uma doença,
remeter-se a algo ou a alguém22. A via de superação da metafísica pressupõe o retorno a esta
como algo do qual não se pode “sair” sem a atitude de sobre ela se debruçar. Aqui se pode
pensar à luz da dinâmica presente na tensão entre o já e o ainda não. A já saída da metafísica
implica o ainda não rompimento com o pensar exaustivamente acerca desta, enquanto atitude
não de reafirmação ou de reapropriação, mas de aceitação, saída, ultrapassamento.
Assumir a arquitetura como categoria interpretativa e propositiva da filosofia de
Vattimo pressupõe, no presente caso, a busca de compreensão da “arquitetura” de tal filosofia,
consciente da ambiguidade que tal conceito comporta e da ambiguidade também presente no
pensamento do autor, o qual, como se advoga, caracteriza-se por originariamente propor uma
arquitetura da des-construção de ideias, pressupostos e fundamentos historicamente
legitimados e defendidos. Essa ambiguidade não enfraquece o teor filosófico do pensamento
de Vattimo, o qual inclusive não possui pretensões de força ou de coercitividade. A força do
pensar de Vattimo reside no reconhecimento do pensiero debole não como fraqueza ou
incapacidade cognitiva da atividade de pensar, mas como pensamento continuamente
receptivo e aberto às mudanças e às transformações em curso a se caracterizar pelo
enfraquecimento das certezas do espectador clássico, o qual observava o mar desde a “terra
firme”, segundo imagem proposta pelo filósofo alemão Hans Blumenberg no intuito de
ilustrar a situação vivenciada pelo sujeito contemporâneo23.
Para Blumenberg, o período clássico tem a marca da experiência humana dotada da
posse do porto seguro, do contato com a terra firme, a partir da qual se observa à distância as
inconstâncias do mar. A crise da modernidade gradativamente suprime a distância entre a
terra firme e o mar intempestivo. Inicia-se, desse modo, o processo de dissolução da
segurança de outrora a ceder espaço às incertezas da razão que se encontra às voltas com seus
próprios limites. Como golpe final, o reconhecimento da morte de Deus lança o sujeito em
alto mar, agora não mais como espectador distante, mas desafiado a exercer a tomada de
posicionamento crítico diante do naufrágio das certezas apregoadas durante o longo período
21
TEIXEIRA, E. B. A fragilidade da razão, op. cit., p. 25. 22
Cf. VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 27. 23
BLUMENBERG, H. Naufragio con spettatore: paradigma di una metafora dell’esistenza. Bologna: Il
Mulino, 1985. Acentua Vattimo: “La Storia dell’Essere è una storia de varie configurazioni di rapporti tra
l’uomo e il mondo, che può anche darsi che abbia un senso. E deviene Pensiero debole” (VATTIMO, G.
Heidegger. 2. ed. Milano: Book Time, 2013. p. 35).
17
de vigência da verdade dogmática e de paradigmas modelares.
A arquitetura fundante da atitude crítica de desfundamentação da objetividade e da
força coercitiva da metafísica como pensamento forte e totalitário transita nessa tensão da
propagação do distanciamento do sujeito da terra firme e do reconhecimento dos traços
herdados por essa habitação com a qual se há de confrontar. Manter presente tal ambiguidade
possibilita simultaneamente apontar para o horizonte teórico do qual se propõe distanciamento
e vislumbrar o caminho a ser percorrido para tanto – dentro do horizonte da dinâmica
proposta pelo rimettersi como movimento peculiar a residir no fato de a proposta de
superação ou de distanciamento da metafísica requerer constante retorno a ela, como já
explicitado. Ou seja, o caminho de desfundamentação hermenêutica ou da elucidação da
originariedade interpretativa pressupõe o constante confronto com o imaginário do
fundamento, com o princípio considerado algo com o qual a filosofia hermenêutica tem de se
haver.
Perseguir a arquitetura estética da ontologia da atualidade implica historicamente
traçar sua genealogia advinda da estética ontológica, a qual se opõe ao alcance da essência
pura do fenômeno (contra o primado da objetividade)24, bem como elucidar a original
“anarquia” de cunho não violento e instaurada pelo evento do ser25, o qual não se traduz em
programas histórico-políticos determinados, uma vez que “não há experiência da verdade,
senão como ato interpretativo”26. Vislumbra-se então, o horizonte do alcance ontológico da
arte enquanto esta pode tornar manifesto o ser, a suscitar uma questão trazida à baila por
Vattimo e com a qual a tese terá de se confrontar: em que medida a estética ontológica
24
Cf. VATTIMO, G. Poesía y ontología. València: Guada Litografía, 1993. p. 42. 25
Anarquia pensada como ausência do valor supremo, Grund (anarquia: falta de autoridade, de um “chefe” –
Cf. VV.AA. Vox diccionario manual griego-español, op. cit., p. 44). Como explica Santiago Zabala, não se
trata aqui da defesa de uma sociedade sem valores, mas uma sociedade sem valores supremos e exclusivos.
“Lembremos, primeiramente, que ‘Deus está morto!’ é um anúncio, não uma reivindicação. Ele não significa
que Deus não exista, mas que nossa experiência foi transformada de tal maneira que não concebemos mais
verdades últimas, e agora só respondemos a apelos, histórias ou até anúncios. Quando Nietzsche exige
múltiplos deuses, podemos entender isso como uma exigência de um politeísmo de valores” (ZABALA, S. O
pensamento fraco é a emancipação da autonomia. Revista do Instituto Humanitas UNISINOS, São Leopoldo,
n. 220, p. 46-51, 21 maio 2007. p. 49). Nas palavras de Vattimo: “El pensamiento débil es una anarquía no
sangrante. Es demasiado débil para organizar atentados. Se trata de propiciar áreas de libertad para los sujetos
débiles, de emancipar al hombre” (MARTÍN, C. Vattimo: “El pensamiento débil es una forma de anarquía
no sangrante”. Disponível em: <http://elpais.com/diario/1989/06/14/cultura/613778404_850215.html>.
Acesso em: 03 set. 2016). 26
VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 41. Ademais o autor insiste: “Hermenéutica es,
como se sabe, la filosofía que pone en su centro el fenómeno de la interpretación, es decir, una conciencia de
lo real que no se piensa como espejo objectivo de las cosas de ‘ahí afuera’, sino como una captación que
lleva en sí la impronta de aquel que ‘conoce’” (VATTIMO, G. La tentación del realismo. In: ALVAREZ, L.
(Org.). Hermenéutica y acción: crisis de la modernidad y nuevos caminos de la metafísica. Valladolid: Junta
de Castilla y Léon, 1999. p. 12).
18
permite a apreensão do ser?27 Donde facilmente se depreende que a arquitetura estética de
Vattimo compreende determinada anarquia pelo fato de pressupor e demonstrar o destino de
enfraquecimento constante da objetividade metafísica de outrora, daí o fato de se tratar de
uma anarquia não violenta.
O termo anarquia, aqui cuidadosamente compreendido, atenta não para uma mera
negação do percurso arquitetônico, mas para um retorno a este a fim de incutir-lhe caráter de
desfundamentação28. Trata-se não simplesmente da negação de um princípio de autoridade (o
que já seria a afirmação/instituição de outro princípio), mas da afirmação de multiplicidade de
horizontes interpretativos a compor um jogo aberto e nunca pré-determinado da hermenêutica
filosófica29. Desse modo, o título da tese “Evento estético em Gianni Vattimo: a arquitetura da
ontologia da atualidade”; pode ser também lido e interpretado à luz da adição de aposto não
simplesmente explicativo, mas de caráter inquietante e questionador – “Evento estético em
Gianni Vattimo: a arquitetura, anárquica e não violenta, da ontologia da atualidade”.
Cabe a pergunta: por que se opta por manter o título em sua formulação breve, embora o
importante aposto (como propõe o autor da tese) já aparece destacadamente delineado logo na
introdução do trabalho? A resposta a essa pergunta pode ser expressa numa frase a comportar
grande cautela diante do cenário filosófico contemporâneo: a fim de não causar estranhamento
inicial e resistência imediata àqueles e àquelas que seguem pensando o ser em termos estáveis e
objetivos. Ademais, ainda que de modo subliminar ou subjacente, tal aposto se encontra presente
como registro indicativo do posicionamento teórico e consequentemente prático aqui adotado.
Há inconteste cisão entre o que se convencionou denominar direita e esquerda heideggeriana,
aquela a pensar o ser de modo estático e determinado e esta a compreender historicamente o ser
como evento e possibilidade. A primeira corrente a por vezes considerar o pensiero debole de
Vattimo como a afirmação de fraqueza do pensamento o que denunciaria a própria incapacidade
ou impossibilidade do pensar. A segunda, por sua vez, a vislumbrar na hermenêutica debole de
27
Cf. VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 38. 28
Vattimo atenta para a dimensão de anarquia presente na hermenêutica: “Aunque estos movimientos siempre
son acusados de su carácter opresivo por el hecho de que traten de imponer sus propios programas, conviene
tener presente que existe una vena anárquica en la hermenéutica que, como explicó Reiner Schürmann, no
implica la ausencia de reglas, sino de la norma universal única” (VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo
hermenéutico: de Heidegger a Marx. Barcelona: Herder, 2012. p. 126). “[...] también denota la vena
anárquica del sistema, es decir, su oposición a cánones históricos establecidos” (VATTIMO, G.; ZABALA,
S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 128). 29
Uma tese doutoral “poderá ser de três tipos: 1) exegética ou hermenêutica (comentário de texto, seja um tema
em um autor, seja um tema em vários autores); 2) historiográfica (gênese de uma ideia ou doutrina; meio em
que o pensador viveu, influências recebidas); 3) doutrinal (uma ideia autoral, em discussão com a tradição ou
com um pensador)”. Disponível em: <http://filosofia.fafich.ufmg.br/posgraduacao/guia-do-aluno/>. Acesso
em: 10 ago. 2016. A tese em voga transita propositalmente entre as dimensões historiográfica (o horizonte de
nascimento do pensar de Vattimo) e doutrinal (no esforço de se propor, ainda que de modo inicial,
abordagem original sobre a temática).
19
Vattimo as condições de possibilidade de emancipação da autonomia e a via de acesso à
coexistência pacífica e garantidora da existência das diferenças.
A corrente hermenêutica à qual a presente tese se insere sofre grande guinada com
Heidegger e Gadamer, pois a partir destes autores a hermenêutica filosófica se reconhece e se
desenvolve como hermenêutica ontológica. O ser se apresenta como questão central da filosofia
não somente por conta da ontologia, mas também em função da ética e da política, centro de
convergência da tese. Como demonstração do alcance da hermenêutica, dentro do âmbito da
própria filosofia analítica Richard Rorty reconhece a relevância do pensar de Vattimo30.
Assumir posicionamento teórico e práxico da concepção do ser como evento expressa
fidelidade à arquitetura de cunho niilista proposta por Vattimo e sintonia com as proposições
hermenêuticas segundo as quais, a existência de cada vez mais proposições e interpretações
possibilita a apreensão de mundo mais amplo e diverso, o que obviamente há de ser
compreendido à luz de perspectiva muito mais ético-política do que necessariamente teórica.
O mundo situado pela metafísica agora carece de interpretação e para o pensamento
hermenêutico interessa a existência de multiplicidade de verdades e não apenas a irrupção de
uma única via.
Diante do exposto, apresenta-se de modo sintético o projeto redacional da tese
arquitetada em três capítulos. O primeiro capítulo, de caráter exploratório e situacional, lança
a devida compreensão acerca da hermenêutica e discute as provocações teóricas sobre as
quais se assentam a filosofia de Vattimo e desde as quais se estabelecem as interpelações e
conexões de sentido e de questionamentos a convergirem no que aqui se compreende como o
arranjo abre-alas da filosofia vattimiana. Os capítulos 2 e 3 constituem o cerne do projeto31
filosófico de Vattimo (respectivamente, o segundo e o terceiro arranjos de toda a rede ora
contemplada). O conjunto dos três arranjos compõe a rede filosófica tecida pelo evento
estético enquanto arquitetura original da ontologia da atualidade.
O primeiro capítulo (primeiro arranjo) aborda a gênese e os caminhos da
hermenêutica, seu papel para a filosofia a culminar na afirmação do lugar central a ela
atribuído por Vattimo e a compreensão da vocação niilista da hermenêutica filosófica. Tal
30
“Filósofos como Vattimo, Derrida y yo mismo hemos llegado a convencernos – algunos de nosotros leyendo
a Hegel y a Dewey, algunos leyendo a Heidegger, algunos leyendo a los tres – de que la filosofía ya no debe
aspirar a revelar el contexto último de la existencia humana – un contexto que, si no es meramente biológico,
es sin embargo transcultural e histórico” (RORTY, R. Heideggerianismo e política de izquierdas. In:
ZABALA, S. (Ed.). Debilitando la filosofía: ensayos en honor a Gianni Vattimo. Barcelona: Anthropos,
2009. p. 180). 31
Projeto aqui em consonância com o termo latino projecto no sentido de lançar adiante. Cf. DICCIONARIO
latim-portuguez , op. cit.
20
capítulo de cunho introdutório assenta as bases hermenêuticas da filosofia de Vattimo no
intuito de propiciar ao longo da tese maior compreensão da conexão dessas questões com a
reflexão estética proposta pelo autor, bem como a relação entre experiência estética e a
filosofia hermenêutica. Cabe ressaltar que a inspiração originária da hermenêutica de Vattimo
se encontra na meditação heideggeriana sobre a metafísica e seu destino, fato que será
oportunamente demonstrado32. Assim sendo, o primeiro capítulo situa o lugar da hermenêutica
nos anos 1980 como propõe Vattimo, ou seja, a hermenêutica compreendida como Koiné da
filosofia e da cultura33. Com isto objetiva-se oportunamente repensar as consequências da
afirmação da hermenêutica como caráter interpretativo da experiência da verdade em
oposição à redução da hermenêutica a mera ou simples teoria da interpretação de “cada”
experiência da verdade. A ideia segundo a qual o conhecimento da verdade ocorra por meio
da interpretação e seja a verdade mesma interpretação, expressa que não se pode conceber
uma verdade neutral. Pelo contrário, a verdade se encontra imbricada em relação a um
momento histórico determinado, cuja manifestação se dá de modo privilegiado por meio da
obra de arte. A coroar todo o percurso hermenêutico desenhado no primeiro capítulo importa
situar o pensiero debole como expressão da vocação niilista da hermenêutica, assim como
demonstrar a vocação niilista da hermenêutica radicada no processo da secularização cristã34.
Privilegiar tratar em primeiro plano a hermenêutica em detrimento da estética
ontológica implica assumir o devido distanciamento com a exposição tradicionalmente
cronológica da reflexão do filósofo italiano. Tal abordagem possibilita introduzir o leitor ao
mundo de Vattimo a partir dos conceitos mais difundidos pelo autor, além de
pedagogicamente facilitar a demonstração de todo o elo intrínseco considerado entre
hermenêutica (ontologia da atualidade) e estética ontológica.
O segundo arranjo (capítulo dois) dedica-se à exposição e à justificativa da eleição do
termo evento como espinha dorsal da tese e demarca a adjetivação desse evento como evento
estético. Nessa perspectiva, aborda a estética ontológica na sua especificidade de trazer à tona
32
Cf. VATTIMO, G. Ética de la interpretación. Barcelona/Buenos Aires/México: Paidós, 1991. p. 61. 33
Assim Vattimo afirma a hermenéutica como koiné: “¿Qué significa la tesis, que puede proponerse
razonablemente, según la cual la hermenéutica es la koiné de la filosofía, o en sentido más amplio, de la
cultura de los años ochenta? En términos de facto significa que si, por decirlo esquemáticamente, en los
decenios pasados se dio una hegemonía del marxismo (durante los años cincuenta y sesenta) y de del
estructuralismo (en los años setenta) hoy, del mismo modo, y si hubiera un idioma común dentro de la
filosofía y de la cultura, éste habría de localizarse en la hermenéutica” (VATTIMO, G. Ética de la
interpretación, op. cit., p. 51). 34
Para além das possíveis (des)crenças ou (des)pertenças religiosas e institucionais dos pesquisadores e
filósofos, a filosofia não pode passar à margem da discussão sobre o impacto da herança da tradição cristã
presente na cultura ocidental. Neste ponto, a reflexão de Vattimo se destaca por se comprometer com o
questionamento sobre em que medida a tradição cristã interpela, interage e marca presença junto ao fazer
filosófico e compõe a racionalidade em curso.
21
a preocupação com a reflexão do problema do ser e da verdade da arte, movimento anterior à
passagem da hermenêutica filosófica à ontologia da atualidade.
Vattimo privilegia a reflexão filosófica atenta ao que demanda e interpela a
contemporaneidade. Deste modo, ainda que o conceito de atualidade pareça um tanto vago,
como o próprio Vattimo admite, é a partir dele que o filósofo inicia a novidade que realiza na
hermenêutica.
Em consonância com a reflexão estética, Vattimo assume a hermenêutica ontológica
como ontologia da atualidade. Importa aqui iluminar o percurso de problematização da
estética ontológica imbricada à questão da apreensão da verdade da arte, a qual se encontra
atrelada às tramas da filosofia de Vattimo comprometida com o reconhecimento do destino de
enfraquecimento das estruturas sólidas e objetivas da metafísica. Por fim, a compor a rede
filosófica como consequência de todo o desenvolvimento do pensamento vattimiano, impõe-
se a reflexão política (de caráter ético e não simplesmente teórico) às voltas com a tentação do
realismo – ou seja, com a tentação da manutenção de uma realidade estruturada ainda sob a
racionalidade metafísica. Os três capítulos intitulam-se:
1- Status quaestionis da hermenêutica: gênese e percursos.
2- O protagonismo do evento para a hermenêutica advinda da estética ontológica.
3- A ontologia da atualidade como horizonte hermenêutico aberto pelo evento
estético.
Para além do já exposto, a presente tese objetiva trazer à tona junto ao cenário brasileiro
a grande contribuição do pensar de Vattimo para hermenêutica filosófica contemporânea a
partir de sistematização a privilegiar a reflexão estética do autor, esta comprometida com a
questão ontológica e a desaguar no reconhecimento do destino de secularização ou
enfraquecimento das instâncias antes totalitárias, dominantes e de caráter marcadamente
metafísico.
Posicionamento metodológico
O ser humano ainda não é pensado de maneira suficientemente histórica.35
A questão/problema do ser (de seu esquecimento36, de sua redução ao ente, do fim da
35
HEIDEGGER, M. O acontecimento apropriativo, p. 4.
22
metafísica37) e a reflexão da estética ontológica38 se encontram necessariamente imbricadas e
situadas no tempo39. Evidentemente aqui não se trata de tempo como um dado a priori (e de
per si inerente ao sujeito), tampouco de um princípio metafísico a reger as determinações e
possibilidades do modo do ser dos entes se darem ou manifestarem na constante tensão entre
abertura e ocultamento característica do jogo presente entre terra e mundo, Ereignis, ἀλήθεια,
como já foi elucidado ou ao menos indicado argumentativamente ao longo do percurso já
trilhado40.
Aqui não se pretende retomar/sintetizar/explicitar/exaurir o amplo conteúdo sobre a
temática, presente em ricas e reconhecidas obras de Heidegger. A tese em curso não tem por
objeto direto o pensar de Heidegger e apesar das críticas e ou sugestões já recebidas, insiste-se
em construir o arranjo atual de modo a se situar no limiar de certo distanciamento desse
grande pensador alemão. Obviamente faz-se presente, ora de modo direto, ora indiretamente,
o Heidegger de Vattimo41 ou, se se preferir, a leitura que Vattimo propõe de Heidegger,
considerando-se aqui já nova leitura: o Vattimo do autor da tese em foco. A liberdade de
proposição de novas re-interpretações vem garantida pelo próprio pensar hermenêutico. Desse
36
“Hemos mostrado al comienzo (§1) que la pregunta por el sentido del ser no sólo no ha sido resuelta ni
tampoco siquiera suficientemente planteada, sino que, pese a todo el interés por la ‘metafísica’, ella ha caído
en el olvido” (HEIDEGGER, M. Ser y tiempo. 3. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2012. p. 42). 37
A destruição/fim da metafísica, como propõe Heidegger, não diz respeito negativamente a um abandono da
tradição ontológica. Importa circunscrevê-la em seus limites e positivamente “desmontar” os elementos
fundamentais que a constituem (responsáveis pelo esquecimento do ser) e chegar até as intuições e elementos
fecundos que se encontram na base dessa construção tradicional. “La destrucción no pretende sepultar el
pasado en la nada; tiene un propósito positivo, su función negativa es sólo implícita e indirecta. En el marco
del presente tratado, cuya finalidad es la elaboración fundamental de la pregunta por el ser, la destrucción de
la historia de la ontología – destrucción que pertenece esencialmente al planteamiento de dicha pregunta, y
sólo es posible dentro de él – no puede llevarse a cabo sino en algunas de las etapas decisivas y
fundamentales de esa historia” (HEIDEGGER, M. Ser y tiempo, p. 43-44, grifo do autor). 38
Considerar capítulo I intitulado “Hacia una estética ontológica”. In: VATTIMO, G. Poesía y ontología, p.
25-46. 39
“[…] aquello desde donde el Dasein comprende e interpreta implícitamente eso que llamamos el ser, es el
tiempo. El tiempo deberá ser sacado a luz y deberá ser concebido genuinamente como el horizonte de toda
comprensión del ser y de todo modo de interpretarlo” (HEIDEGGER, M. Ser y tiempo, p. 38, grifo do autor). 40
“Na ἀλήθεια, a essência do helenismo é conservada. Como é que essa manutenção não deveria acontecer
apropriativamente na essência da verdade, que pôde (sic) ser experimentada por um tal povo?! A ἀλήθεια – o
desvelado – diz que o verdadeiro não é a verdade; a verdade como verdade também contém precisamente o
velado e, antes ainda, o encobrimento do velado, que só deixa emergir uma medida do desencobrimento
nesse encobrimento” (HEIDEGGER, M. O acontecimento apropriativo, p. 9). Ver também: “Todo sendo,
que vem ao encontro e nos acompanha, submete-se a este estranho antagonismo da presença, na medida em
que, ao mesmo tempo, sempre se mantém retraído num velamento. A clareira na qual o sendo se desvela é,
em-si e ao mesmo tempo, velamento. [...] O velamento como recusar não é somente e apenas o constante
limite do conhecimento, porém, o começo da clareira do clareado” (HEIDEGGER, M. A origem da obra de
arte, p. 133-135). Por fim: “A verdade é não-verdade na medida em que lhe pertence o âmbito da
proveniência do ainda-não-(do não-)revelado, no sentido do velamento. Ao mesmo tempo, no des-velamento
como verdade vige o outro ‘não’ de um duplo vedar” (HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, p. 153,
grifo do autor. Vedar no sentido de velar, conforme nota explicativa ao pé da referida página). 41
Vattimo possui ampla bibliografia sobre Heidegger. Para se conhecer o Heidegger de Vattimo ver
indicações nas referências no tópico: Obras de Gianni Vattimo.
23
modo, Heidegger tende a se situar um pouco mais distante, uma vez já desinstalado de seu
mundo42.
A pretensão de carregar amplamente Heidegger a tiracolo não pertence ao presente
trabalho. De outro modo, pretende-se desde o início trazer à baila o pensamento filosófico de
Vattimo ainda não muito difundido no Brasil. Acredita-se que, em muitos casos, a excessiva
menção a Heidegger por parte de pensadores brasileiros ao se defrontarem com Vattimo,
advém do pouco contato com Vattimo, ou até mesmo da forte tradição da academia brasileira
marcada por exaltar sobremaneira Heidegger, Hegel, Nietzsche, Adorno (em síntese a
filosofia alemã), em detrimento de pensadores classificados, em muitos casos, como
pertencentes ou relegados a esfera um tanto abaixo na hierarquia filosófica organizada pela
racionalidade vigente junto às cadeiras de filosofia dos programas de pós-graduação43.
Explicitamente, a presente tese sobre/a partir de Vattimo lança holofotes em Vattimo,
pensador em foco.
Tal posicionamento metodológico visa demarcar o lugar desde o qual o presente
trabalho vem sendo tramado e tecido. Em detrimento de outros caminhos que poderiam ser
trilhados, optou-se por este. Seguramente pesquisadores alhures percorreriam outras vias,
talvez não estudassem Vattimo, e sim, Heidegger. E claro, haveria e deve haver liberdade
intelectual para tanto.
A transparência desse posicionamento nasce como fruto consciente de um itinerário
intelectual já adquirido ao longo do percurso de doutoramento em Teologia e da tomada de
consciência da necessidade/fidelidade de se desenvolver e argumentar academicamente aquilo
que de fato se acredita. Para tanto, aqui se assume deliberada e responsavelmente o risco de se
enveredar por eleição metodológica pessoal, independente de esta ser ou não compartilhada
pelo modo de pensar dos futuros leitores do presente trabalho.
Considera-se oportuno o destaque desse posicionamento/esclarecimento metodológico
inserido no corpo do texto e não necessariamente em notas de rodapé ou na conclusão como
sendo os possíveis ou já consagrados lugares do posicionamento pessoal do autor. Não por
acaso se insiste na existência de possibilidades de outros modos de ser e de se compreender a
42
Assim como: “As esculturas ‘Éginas’ na coleção de Munique e a Antígona de Sófocles na melhor edição
crítica estão, como as obras que elas são, arrancadas do seu próprio espaço essencial. Ainda que sua posição
e sua força expressiva sejam tão grandes, sua conservação ainda tão boa e sua interpretação ainda tão segura,
a transferência para a coleção as retirou do seu mundo. [...] A perda e a destruição de mundo não se podem
mais reconstruir” (HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, p. 99, grifo do autor). 43
A própria filosofia latinoamericana enquanto pensamento de resistência e de afirmação da identidade e da
alteridade do colonizado não foi devidamente recepcionada no Brasil. Como representante dessa corrente
destaca-se o filósofo argentino: DUSSEL, E. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. 2.
ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
24
realidade histórica, uma vez que o ser humano não é ainda pensado suficientemente de
maneira histórica.
Paradoxalmente, para se justificar o distanciamento de Heidegger, intencionalmente
por meio da epígrafe retromencionada parece remeter-se diretamente a ele. Por um lado sim, e
por outro lado não; há de se preservar a ambiguidade da realidade, caso ainda se queira
romper com a lógica do pensamento único. Sim, pois a referência textual converge no autor
alemão; não, porque o importante, nesse caso, não é necessariamente o autor da fonte em si,
mas o conteúdo propositivo e instigante segundo o qual há defasagem interpretativa ao se
pensar a historicidade do ser humano. Intuição assumida por Vattimo e ora contemplada44.
Exemplo claro do distanciamento de Heidegger reside no fato de aqui se tratar da
questão da arte sob o enfoque de uma estética ontológica, haja vista o filósofo alemão não
utilizar o termo estética em seus escritos, por considerá-lo já imbuído de conceitos e
significados não apropriados para se abordar a questão do ser. O termo estética não presente
nos escritos heideggerianos, aparece elaborado por Vattimo, ao considerar uma estética
ontológica, como se explicita a seguir.
44
“L’esistenza se appropria, diventa autentica (eigen-tlich) solo nella misura in cui si lascia espropriare,
decidendosi per la morte, nell’evento (Er-eignis) espropriante e transpropriante (ent-eignend e uber-eignend)
che è l’essere stesso come Ueber-lieferung, tramandamento di tracce, messaggi, forme linguistiche in cui,
soltanto, la nostra esperienza del mondo è resa possibile, e in cui le cose vengono all1essere” (VATTIMO, G.
Etica dell’interpretazione, p. 90, grifo do autor).
25
CAPÍTULO I - STATUS QUAESTIONIS DA HERMENÊUTICA: GÊNESE E
PERCURSOS
Os que participam do debate filosófico coincidem hoje, pelo menos, em um ponto:
não admitem uma fundamentação única, última, normativa.45
1.1 Aproximação conceitual à noção de hermenêutica
Etimologicamente a palavra hermenêutica é um “termo que vem do nome grego do
deus Hermes, que depois no panteão latino se chamará Mercúrio”46. O deus Hermes é o
mensageiro e intérprete das mensagens ocultas presentes junto aos caminhos e encruzilhadas.
Mensagens dotadas de ambiguidade e carência de sentido claro para os transeuntes. Hermes é
o mensageiro das ideias e se situa justamente onde duelam falta de clareza e lucidez, em meio
às sendas marcadas pela ausência de direcionamento ordenado. Daí o fato de a hermenêutica
ser compreendida originalmente como arte da interpretação, arte de explicar, de traduzir ou de
interpretar textos, na busca pelo significado ou sentido oculto das palavras, dos percursos. A
Hermes também se atribui a origem da linguagem e da escrita, de íntima conexão com a
hermenêutica nascente47. Para além da mitologia, os pré-socráticos já exerciam o papel de
hermeneutas na interpretação da literatura homérica48.
Na esteira da concepção mítica de Hermes, os germes antecessores da hermenêutica
filosófica remetem à ideia e ao conceito derivado da interpretação dos textos clássicos
(hermenêutica literária); dos textos bíblicos (hermenêutica bíblica) e dos cânones e textos
45
VATTIMO, G.; ROVATTI, P. A. El pensamiento débil. 5. ed. Madrid: Cátedra, 2006. p. 11. Uma versão
inspiradora do presente capítulo, com maior ênfase para a relação entre hermenêutica e secularização cristã,
foi publicada como artigo original: SALES, O. L. P. F. A vocação niilista da hermenêutica filosófica de
Gianni Vattimo radicada no processo da secularização cristã. Revista Horizonte, Belo Horizonte, v. 13, n. 39,
p. 1.580-1.608, jul./set. 2015. O capítulo ora apresentado em boa medida retoma e oportunamente amplia e
aprofunda a reflexão anteriormente proposta, a qual já compunha o plano redacional da tese. 46
VATTIMO, G. Ermeneutica - Parte 1. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JWwdmOtL4X
Q>. Acesso em: 08 maio 2016. Considerar também: “Hermes è il dio greco a cui se faceva risalire, all’inizio
dell’età moderna, la paternità di una serie di scritti che elaboravano queste tematiche a cavallo tra filosofia,
magia, alchimia, che si ritrovano per esempio in autori come Giordano Bruno; Hermes è anche un dio
bambino, che porta i messaggi degli dei all’umanità, e che, nella traduzione latina, diventa Mercurio, con le
ali ai piedi e protettore dei ladri” (VATTIMO, G. Le mezze verità. Torino: La stampa, 1988. p. 90). 47
“Hermenéia significa ‘interpretazione’. Hermes era il messagero degli dei. Ermeneutica è ‘l’arte
dell’interpretazione’. L’ermeneutica é una filosofia che si organizza intorno all’idea che ogni rapporto col
mondo da parte dell’uomo è un’interpretazione” (VATTIMO, G. Heidegger, op. cit., p. 21-22). 48
Cf. BEUCHOT, M.; ARENAS-DOLZ, F. Hermenéutica de la encrucijada: analogía, retórica y filosofía.
Barcelona: Anthropos, 2008. p. 23. Entretanto, Platão não via com bons olhos os hermeneutas, pois
considerava relativista sua interpretação, assim como atribui tal adjetivo aos sofistas, aos quais dirige críticas.
Para se contextualizar a hermenêutica ao longo de seu desenvolvimento histórico inicial considerar:
BEUCHOT, M.; ARENAS-DOLZ, F. Hermenéutica de la encrucijada, op. cit., p. 21-30, capítulo I intitulado
Hermenéutica.
26
legislativos (hermenêutica jurídica). Donde se pode afirmar que embora o termo hermenêutica
tenha sido apropriado tardiamente pela filosofia, sua conceituação e uso apresentam raízes
remotas. Isto porque, especificamente o que se formula originariamente por hermenêutica
encontra-se atrelado à interpretação dos textos dessas três áreas que podem ser eventualmente
condensadas em duas, se se estabelece íntima conexão entre literatura e Bíblia.
A respeito da hermenêutica escreve Vattimo:
A tradição filosófica (sobretudo a partir de Schleiermacher, a quem se junta Dilthey)
utilizou este termo para designar a doutrina da interpretação, primeiramente só de
determinados ‘textos’ básicos (a Sagrada Escritura, as leis, a literatura clássica) e
depois, justamente a partir de Schleiermacher, de todo o discurso escrito ou falado,
de todo o produto linguístico.49
Esses foram os campos iniciais de atuação e difusão de modo específico de ler e
interpretar textos, na busca de legitimação da ação de se compreender e se apropriar, por meio
da linguagem, dos conteúdos expressos por autores clássicos e por textos caros à cultura e à
sociedade.
Segundo a clássica definição de Paul Ricoeur, a hermenêutica consiste na ciência e na
arte de interpretar textos50. O leitor desempenha o papel de hermeneuta diante do texto e da
intencionalidade do autor, de modo a realizar um movimento dialético entre as partes em jogo
a fim de obter o significado mais profundo do conteúdo em questão, num exercício de
superação dos dados aparentes e superficiais, o que converte a hermenêutica na arte de
garimpar e lapidar o(s) contexto(s), uma vez que considera o mundo do autor, o conjunto de
metáforas históricas utilizadas, o significado sintático, semântico e pragmático dos termos
49
VATTIMO, G. Introdução a Heidegger. 10. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 141. Em relação a
Heidegger considera Vattimo: “Como escuta da linguagem, o pensamento é hermenêutica. Este é um termo
que, embora Heidegger o empregue cada vez menos depois de Ser e tempo, se pode considerar como uma das
palavras-guia de todo o seu pensamento. O termo tem a ver com a origem teológica da especulação
heideggeriana, mas só com a manifestação do caráter linguístico do evento do ser a hermenêutica chega a
assumir sua vasta e originária significação ontológica” (VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p.
140-141). 50
Cf. RICOEUR, P. Teoría de la interpretación: discurso y excedente de sentido. México: Siglo XXI, 1995. p.
82ss. Os esforços hermenêuticos de Paul Ricoeur convergem na elaboração de um método de interpretação e
análise dos textos bíblicos a culminar na difundida teologia narrativa (RICOEUR, P. Vers une théologie
narrative: as necessite, sés ressources, sés difficultés. In: RICOEUR, P. L’herméneutique biblique. Paris: Du
Cerf, 2001. p. 326-342). Na perspectiva bíblica, foi Paul Ricoeur quem alertou para o “mundo do texto”.
Com isso, pretendia mostrar que a função da narrativa é a de construir um mundo que o leitor possa habitar.
Visto de perto, esse mundo de ficção que a narrativa propõe ao leitor é uma construção complexa. Ele se
compõe de um enredo, de personagens, de determinada concepção de tempo, espaço, sistema de valores, de
código de comunicação. A história contada/narrada pelo autor e a ser interpretada pelo leitor se tece por meio
de afirmações explícitas e implícitas, recursos de estilo e de linguagem, avança e retrocede. Assim sendo, a
teoria de Ricoeur se apresenta como divisor de águas para a arte de ler e interpretar os textos bíblicos a
desembocar na elaboração da teologia narrativa, tendo um de seus principais expoentes outro autor
continental de língua francesa, Daniel Marguerat. Destaque para a obra: MARGUERAT, D.; BOURQUIN,
Y. Cómo leer los relatos bíblicos: iniciación al análisis narrativo. Bilbao: Editorial Sal Terrae, 2000.
27
intencionalmente escolhidos pelo autor bíblico, levando-se em conta o problema das
traduções, bem como a presença de elementos implícitos e explícitos a permear o texto. Cabe
ressaltar a influência fenomenológica de Husserl no pensamento de Ricoeur, mesma
influência a marcar o pensamento heideggeriano, no qual se situa os germes do que
posteriormente se desenvolverá como hermenêutica filosófica propriamente dita.
Ainda que a hermenêutica ganhe vigor como interpretação dos textos clássicos,
enquanto hermenêutica filosófica é com “Verdade e método” de Hans-Georg Gadamer que se
tem o ponto de partida incontestável desta corrente de pensamento. Por ocasião dessa
publicação (1960), a hermenêutica ainda era um termo específico que designava a
interpretação de textos e carecia de formulação teórica no plano estritamente filosófico. Em
consonância com o pensamento de Heidegger, Gadamer realiza tal empreitada. Segundo
conhecida tese de Habermas, Gadamer urbaniza o pensamento de Heidegger, ou seja, o torna
transitável, abre vias pelas quais se podem chegar mais facilmente até ele e transitar por suas
ideias51.
Não obstante a contribuição de Gadamer, Vattimo faz uma ressalva: “Na urbanização
à qual [...] Gadamer submeteu o heideggerianismo, perdeu-se (ou de qualquer forma ficou em
segundo plano) uma parte essencial: a concepção heideggeriana da metafísica como história
do ser”52. Ademais, Gadamer não compartilha da crítica de Heidegger à metafísica grega;
antes desfere crítica à redução da verdade ao campo do método científico-positivo, redução
presente ao longo dos séculos XVIII e XIX53. Desse modo, para o filósofo italiano, “Verdade
e método” propõe conclusões pouco radicais no tangente à concepção da situação da
civilização tecno-científica moderna54.
Para Vattimo, os intérpretes e os seguidores de Heidegger não desenvolveram
51
Para Habermas: “Heidegger era de esa clase de pensadores radicales, que abren en torno a sí, un abismo. La
gran aportación filosófica de Gadamer estriba, a mi entender, en haber tendido un puente sobre ese abismo.
Mas la imagen del puente sugiere falsas connotaciones. Suscita la impresión de que alguien se limitara aquí a
prestarnos auxilio pedagógico en nuestras tentativas de acercarnos a un lugar inaccesible. No es eso lo que
quiero decir. Por eso sería mejor formularlo de esta otra manera: Gadamer urbaniza la provincia
heideggeriana. Y téngase en cuenta que, sobre todo en alemán, con el término ‘provincia’ no solamente
asociamos lo limitativo, sino también lo terco y duro de mollera y lo primitivo” (HABERMAS, J. Hans
Georg Gadamer. In: HABERMAS, J. Perfiles filosófico-políticos. Madrid: Taurus, 1984. p. 347). 52
VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 68. 53
Aqui se situa grande crítica ao kantismo, ao qual se atribui ter desempenhado papel decisivo para tal redução. 54
“[...] es verdad que desde el punto de vista ético-político Gadamer reivindica la necesidad de reconducir los
especialismos y la finalidad sectorial a la conciencia común y a su continuidad con la tradición que habita en
la lengua, pero esta misma tradición corre el riesgo de presentarse, demasiado estilizada humanísticamente,
como un (por muy respetable que sea) ‘consuelo del alma’” (VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op.
cit., p. 69). Sobre sua relação com Gadamer, Vattimo relata: “Gadamer – insieme a Pareyson – è stato il mio
altro grande maestro. E um amico, anche se ironico e in qualque modo sempre attento a tenere le distanze”
(VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit., p. 38-39).
28
suficientemente sequer os primeiros elementos para uma ontologia do declínio (uma ontologia
do reconhecimento de que não se pode mais pensar o ser por meio de estruturas fortes do
pensamento ou como fundamento). Para além da crítica de Vattimo a Gadamer, o filósofo
italiano exalta que a exceção a essa afirmação recai sobre alguns aspectos da hermenêutica
gadameriana por meio da difundida tese segundo a qual o ser que pode ser compreendido é
linguagem55. De modo geral, a ausência da ontologia do declínio na escola heideggeriana se deve
provavelmente ao fato de ainda se insistir pensar o ser em termos de fundação e objetividade.
Elucidar o que Vattimo compreende por hermenêutica permite melhor situar a crítica a
Gadamer, bem como vislumbrar o percurso que se abre a partir de tal compreensão. Para
Vattimo pode se considerar duplo sentido de hermenêutica:
1- Arte de interpretar textos. Sentido mais tradicional decorrente da ideia de uma
correta interpretação dos textos e, desse modo, a apresentar dimensão considerada
prática.
2- Linha de pensamento que se desenvolve a partir da segunda metade do século XX
na Europa Continental, a partir de Heidegger, como uma forma de se compreender
a filosofia e a realidade.
Importa aqui a segunda definição, a qual comporta implicitamente a necessidade de se
manter a fidelidade a Heidegger no tangente à compreensão da história do Ocidente como
história da metafísica, esta devidamente situada como história do esquecimento do ser56.
Enquanto linha de pensamento nomeada hermenêutica filosófica, cabe ainda
55
Tese a exaltar a abertura histórica do ser. Oportunamente se discutirá a reflexão de Vattimo sobre este ponto.
De Gadamer também Vattimo aprende que toda experiência de verdade é uma experiência interpretativa: “È
da Gadamer infatti che avevo imparato come ogni esperienza di verità fosse esperienza interpretativa, un
tema sviluppato più dal mio maestro Pareyson che da Gadamer stesso” (VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non
essere Dio, op. cit., p. 126). Ademais, o filósofo italiano exalta que as teses defendidas por Gadamer se
desenvolvem em três direções: “[...] a) la de la elaboración de una concepción del ser (y de la verdad) que lo
defina en base a caracteres ‘débiles’, ya que sólo un ser así pensado permite concebir la historia, como quiere
la hermenéutica, como transmisión de mensajes lingüísticos en los que el ser ‘acontece’, crece, deviene,
según una perspectiva ya ejemplarmente presente en el pensamiento ‘genealógico’ de Nietzsche; b) la de una
definición del hombre en términos de ‘mortalidad’: sólo la finitud temporal de la existencia, el efectivo
sucederse de las generaciones y por tanto la muerte entendida no sólo ‘ontológicamente’, sino también
‘ónticamente’ (en la terminología de Heidegger), funda la posibilidad de la historia como trans-misión de
mensajes, como acontecimiento no accidental, sino ontológicamente relevante, de la alternancia de las
interpretaciones; c) la de una ética que se deberá situar bajo el signo de la pietas para el ser vivo y para sus
huellas, más que bajo el signo de la acción ‘realizadora de valores’” (VATTIMO, G. Más allá de la
interpretación, op. cit., p. 8). 56
“Hemos mostrado al comienzo que la pregunta por el sentido del ser no sólo no ha sido resuelta, ni tampoco
siquiera suficientemente planteada, sino que, pese a todo el interés por la ‘metafísica’, ella ha caído en el
olvido” (HEIDEGGER, M. Ser y tiempo, p. 42).
29
aprofundar uma distinção para que não se caia na malha de equívocos. A hermenêutica
filosófica pode significar a arte de interpretar textos filosóficos (assim como a hermenêutica
bíblica ou jurídica), ou ainda teoria filosófica da interpretação. Aquela remete a conjunto de
regras e práticas de interpretação no sentido aristotélico de téchne; esta remete à análise
filosófica da questão da interpretação57.
Em síntese, pode se afirmar a hermenêutica como filosofia desenvolvida desde o eixo
Heidegger e Gadamer. Nasce como esforço de responder à crise do pensamento europeu e à
crise da própria razão, decorrentes da experiência do pós-guerra. O golpe desferido à primazia
da razão pelos chamados mestres da suspeita também compõe este cenário. A filosofia
hermenêutica intenta responder a tal crise por meio da afirmação da possibilidade da verdade
advinda da experiência de outras instâncias, como da obra de arte e da historicidade58. Aqui se
situa o desafio de a hermenêutica se autocompreender como a teoria da estrutura interpretativa
57
Cf. VATTIMO, G. Schleiermacher: filosofo dell’interpretazione. 2. ed. Milano: Mursia, 1986. p. 6ss. (a
primeira edição data de 1968). Vattimo intitula a introdução desta obra dedicada a Schleiermacher:
“Atualidade do problema hermenêutico como problema filosófico”. Nesta introdução, Vattimo destaca o
reconhecimento da estrutura interpretativa de toda a existência humana como um dos maiores resultados
obtidos pela filosofia contemporânea (e não apenas pelo existencialismo). Sobre Schleiermacher escreve
Gibelini: “O filósofo e o teólogo protestante Friederich Schleiermacher (1768-1834) é considerado o
fundador da hermenêutica moderna, porque nele já se encontram os germes dos desdobramentos posteriores”
(GIBELLINI, R. A teologia do século XX. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002. p. 58). A reflexão hermenêutica de
Schleiermacher inspirará os estudos de Dilthey. Cronologicamente em seguida aflora o pensar de Heidegger.
Para este trabalho, consideram-se como principais representantes da filosofia hermenêutica: Gadamer,
Ricoeur e Pareyson; como seguidores destes autores – Habermas, Vattimo e Rorty. Sobre a demarcação dos
autores, Vattimo se manifesta: “[...] en la cultura americana de los últimos años, por hermenéutica se
entiende más o menos toda la filosofía europeo-continental contemporánea, es decir: lo que antes, y en el
mismo ámbito cultural, se ponía bajo el rótulo de fenomenología o de existencialismo [...] así son
hermeneutas no sólo Gadamer o Ricoeur, sino también Derrida y Foucault, por ejemplo, o Apel y Habermas
[...])” (VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 57). Rorty é considerado por Vattimo o primeiro
filósofo pós-analítico. Ambos se tornaram amigos e encontraram afinidades entre si, a ponto de Rorty se
autodefinir num encontro em Londres como um “pensador débil”. Escreve Vattimo: “Rorty è uno che
sostiene – è questo che mi impressiona molto – che i più grandi filosofi del Novecento sono John Dewey,
Ludwing Wittgenstein e Martin Heidegger. Nessuno li aveva mai messi insieme prima, è una idea
rivoluzionaria, ghiotta. Quello è stato un momento importante perché ho cominciato a sentirmi non un
italianuzzo legato solo alla situazione italiana, ma – come si direbbe – proiettato su scala mondiale. Se anche
negli Stati Uniti c’è uno che dice queste cose [...]” (VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit.,
p. 120-121). A Vattimo coube a tarefa de “latinizar” a hermenêutica e desenvolvê-la para além da raiz
linguística anglo-saxônica, bem como formular originalmente a hermenêutica a partir da estética ontológica. 58
“[...] la problemática identificación entre ser y pensar, que la hermenéutica toma de Heidegger, no ha de
concebirse como un medio para encontrar de nuevo el ser originario y verdadero que la metafísica ha
olvidado al transformarse en cientificismo y tecnología, sino como una vía para volver a hallar el ser
entendido como huella, como recuerdo: un ser consumido y debilitado [...] y sólo por ello digno de atención”
(VATTIMO, G.; ROVATTI, P. A. El pensamiento débil, op. cit., p. 15). Cf. VATTIMO, G. Más allá de la
interpretación, op. cit., p. 38. Outros movimentos filosóficos, cada qual a seu modo, intentam confrontar tal
crise: o estruturalismo, a teoria crítica e a filosofia analítica. Para Vattimo: “I due significati, che abbiamo
convenuto de chiamare tecnico e filosófico, dell’ermeneutica, non si svolgono parallelamente e
indipendentemente nella storia del pensiero, ma sono anzi due momenti di uno unico processo de sviluppo.
Schleiermacher rappresenta proprio uno dei momenti capitali del passaggio dalla concezione puramente
tecnica alla concezione filosofica dell’ermeneutica” (VATTIMO, G. Schleiermacher: filosofo
dell’interpretazione, op. cit., p. 9).
30
da existência humana. Nessa perspectiva, se insere o esforço de “Verdade e método” ao
afirmar a legitimidade da experiência extra-científica, extra-metódica e, desse modo, a
questionar o cientificismo59.
Na dinâmica heideggeriana, a hermenêutica advém do posicionamento antimetafísico
de se contrapor à verdade objetiva e à existência do fundamento, a afirmação da historicidade
e a dimensão de abertura característica do ser humano enquanto sujeito cuja compreensão de
si e do mundo é o próprio modo de ser do ser humano60. Ou seja, o homem em seu ser-no-
mundo é constitutivamente compreensão da existência. Ao contrário do ser humano, as coisas
dispostas no mundo não compreendem sua existencialidade, tampouco a sua (im)possibilidade
de vir-a-ser. A dimensão de projetualidade é própria do ser humano, como expressa a analítica
existencial de Heidegger e bem desenvolve a fenomenologia hermenêutica. Assim sendo,
ilumina-se a conclusão segundo a qual a hermenêutica não se condensa em mera explicação
de textos, antes contempla o modo de se dar a relação do ser humano com o mundo. Por isso,
como se tem insistido, se relaciona com a história e também com a obra de arte enquanto
criação de um mundo e lugar de manifestação da verdade – o que será tratado no segundo
capítulo.
Nessa perspectiva é que Vattimo propõe uma interpretação do significado filosófico da
hermenêutica e atesta o lugar central por ela ocupado, como se desenvolve a seguir61.
59
“Il fatto che in un’opera d’arte viene sperimentata una verità che non è raggiungibile per nessuna altra via è
quello che costituisce il significato filosofico dell’arte, che se fa valere contro ogni capziosa argomentazione.
Così l’esperienza dell’arte costituisce, insieme alla esperienza della filosofia, il più pressante ammonimento
rivolto alla coscienza scientifica perché essa ammetta e riconosca i propi limiti” (GADAMER, H-G. Verità e
metodo. Milano: Bompiani, 2012. p. 21. Edição bilíngue. Tradução de Gianni Vattimo, com introdução
escrita pelo filósofo italiano). Desse modo, a primeira parte de Verdade e método se dedica à crítica da
consciência estética no intuito de defender a experiência da verdade comunicada pela obra de arte, em
oposição a uma possível teoria estética que se deixa enfraquecer ou mesmo perder sua legitimidade pelo
embate com o conceito de verdade advindo da ciência. Sobre a proposta de Gadamer escreve Vattimo: “Para
el Gadamer de Verdad y método se trataba de reivindicar la legitimidad de una experiencia ‘extrametódica’
de la verdade: la verdad del arte, de la historia, de la ‘tradición’ que vive en la lengua [...]” (VATTIMO, G.
Ética de la interpretación, op. cit., p. 65-66). 60
Postura antimetafísica adotada por autores como Emmanuel Lévinas, influenciado por Heidegger, para o qual
importa superar a ordem da metafísica tradicional a partir da alteridade a romper a violência totalitária dos
sistemas dominantes. Trata-se de nova ordem “metafísica” protagonizada pelo advento da alteridade e do
clamor expresso no olhar do outro. Lévinas Veja-se LÉVINAS, E. Totalidade e infinito. Lisboa: Ed. 70,
2000. 61
“L’interpretazione dunque non è altro che l’esplicitazione di una comprensione entro la quale l’esserci già
sempre si trova” (VATTIMO, G. Arte e verità nel pensiero di Martin Heidegger, op. cit., p. 19).
31
1.2 A hermenêutica reconhecida como Koiné da filosofia e da cultura
[...] a hermenêutica se compromete historicamente e compreende seu próprio
objetivo em termos radicalmente não transcendentais.62
Ao se debruçar sobre o fenômeno da difusão da hermenêutica, Vattimo a afirma como
koiné da filosofia e da cultura dos anos 198063. Tal constatação se converte no ponto de
partida para se questionar o significado da hermenêutica para a filosofia. A tese do autor
sustenta que se os anos 1950 e 1960 foram marcados pela hegemonia do marxismo e os 1970
pelo estruturalismo, nos anos 1980 se existe um “idioma” comum dentro da filosofia e da
cultura, este idioma é a hermenêutica64.
Com isto, Vattimo apregoa que depois da hegemonia estruturalista a hermenêutica
melhor responde à exigência historicista advinda da crise do estruturalismo, bem como às
demandas da crise da metafísica65. Um dos fatores a propiciar o estruturalismo atingir seu
esgotamento, situa-se no fato de este não mais corresponder à necessidade de diálogo da
cultura ocidental (leia-se eurocentrismo) com outras culturas. Em contrapartida, a
hermenêutica assume o lugar central por melhor contestar aos problemas contemporâneos66.
A afirmação de Vattimo leva em conta os horizontes abertos também por Nietzsche:
62
VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 70. Aqui se trata de crítica direta ao kantismo. Nesse
contexto, pode-se perguntar pela pertinência da afirmação da existência de uma dimensão transcendental da
hermenêutica para além dos horizontes transcendentais encampados pelos conhecimentos “a proiri”. Uma
filosofia inserida no âmbito do anúncio/constatação da superação da metafísica e a valorar positivamente a
multiplicidade de interpretações, ainda que conflitivas e desde os múltiplos contextos nos quais tais
interpretações se encontram inseridas, pugna por apresentar caráter crítico-interpretativo a conferir-lhe
dimensão transcendental. Esta assim considerada no sentido de propiciar o ultrapassamento do mero dado
objetivo da realidade ao contemplar o papel exercido pela historicidade, em sua dimensão ambígua e
adveniente, sobre as condições de possibilidade de leitura da realidade em perspectiva dinâmica e aberta. 63
Cf. VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 201 (primeira edição de 1989). 64
Cf. VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 57. 65
No tangente à relevância da hermenêutica frente ao estruturalismo Vattimo pondera: “Ahora bien, ¿cómo
responde mejor la hermenéutica que el estructuralismo, a la exigencia de conferir esencialidad a los
contenidos y a la de tematizar la posición histórica del observador? [...] En general, que el pensamiento se
vuelva a la hermenéutica para reencontrar la historicidad y esencialidad de los contenidos que el
estructuralismo había olvidado, se explica por el peso determinante que la teoría de la interpretación, desde
su clásica formulación en Gadamer, confiere a la Wirkungsgeschichte y al wirkungsgeschichtliches
Bewusstsein, la interpretación no es ninguna descripción por parte de un observador ‘neutral’ sino un evento
dialógico en el cual los interlocutores se ponen en juego por igual y del cual salen modificados; se
comprenden en la medida en que son comprendidos dentro de un horizonte tercero, del cual no disponen,
sino en el cual y por el cual son dispuestos” (VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 61-62).
Nessa perspectiva, a hermenêutica retoma e desenvolve a crítica existencialista ao racionalismo metafísico e
ao cientificismo positivista, os quais ainda se fazem notar presentes junto ao estruturalismo. 66
VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 55-56: “Decir que la hermenéutica sea tal koiné sostiene
solo, desde el punto de vista de la descripción factual, que así como en el pasado gran parte de las discusiones
filosóficas, o de crítica literaria, o de metodología de las ciencias humanas, tenían que rendir cuentas al
marxismo o al estructuralismo, sin que por ello tuvieran que aceptar sus tesis, como sucedía a menudo, así
hoy la hermenéutica parece haber asumido esa misma posición central”.
32
“não existem fatos, somente interpretações”67, bem como o anúncio da “morte de Deus”.
Afirmar com Nietzsche que não existem fatos, somente interpretações expressa a íntima
tensão entre a dimensão objetiva e o caráter interpretativo da experiência. Tais
anúncios/formulações abriram veredas para a assunção de novas e não metafísicas formas de
pensar, como a hermenêutica, assim como para sua consolidação e pertinência como
linguagem comum.
A morte de Deus, por sua vez, não pode ter sido proferida por Nietzsche enquanto a
mera não existência de Deus. Isso porque, tal afirmação implicaria a imposição de outra
verdade absoluta: Deus não existe. Assim sendo, ainda significaria oferecer algum
fundamento à realidade, o que se resolveria na inversão do polo de tensão. O reconhecimento
da morte de Deus demanda a afirmação da ausência de fundamento único a nortear a
realidade. Ao explicitar o significado da morte de Deus, Vattimo esclarece:
Em tantos sentidos que não podem ser com facilidade reunidos em um conjunto
sistemático, mas que, creio eu, estão bem claros, é exatamente este o mundo no qual
o ‘Deus moral’, isto é, o fundamento da metafísica morreu e foi enterrado. Todavia,
este é justamente aquele que Pascal chamava de Deus dos filósofos e, de fato,
muitos são os sinais que parecem indicar que foi a própria morte deste Deus o que
abriu caminho para uma vitalidade renovada da religião.68
A hermenêutica filosófica, ancorada na despedida ou no adeus às estruturas fortes do
ser, contempla a busca da emancipação da autonomia do sujeito. Se por um lado esta é a
tarefa da filosofia, por outro, há de ser também a tarefa da hermenêutica que, ao se converter
em koiné da filosofia e da cultura há de retomar a inspiração originária presente na meditação
heideggeriana sobre a metafísica e seu destino. Duas décadas depois, logo no início dos anos
2000, Vattimo ainda alude à relevância da hermenêutica como koiné:
67
Vattimo esclarece: “Si admitimos también, como buenos hermeneutas, que no hay hechos sino sólo
interpretaciones, entonces la que proponemos será por de pronto una interpretación del significado filosófico
de la hermenéutica [...]” (VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 38). E acrescenta: “No hay
hechos, solo interpretaciones. Esta frase de Nietzsche puede ser asumida como lema de la ontología
hermenéutica, si bien con alguna cautela porque podría sonar a una enésima afirmación metafísica, es
también la que censuran en sus polémicas quienes ceden cada vez con más frecuencia en estos últimos
tiempos a lo que propongo llamar ‘la tentanción del realismo’” (VATTIMO, G. La tentación del realismo. In:
ALVAREZ, L. (Org.). Hermenéutica y acción, op. cit., p. 9). 68
VATTIMO, G. Depois da cristandade: por um cristianismo não religioso. Rio de Janeiro: Record, 2004. p.
24. Nietzsche e Heidegger foram decisivos para os passos iniciais da filosofia hermenêutica, pois “[...] antes
de Heidegger, e de Nietzsche, a história do pensamento oferece somente outro exemplo decisivo, de uma
teorização da fundamentação hermenêutica. Tal exemplo é a dedução kantiana dos juízos de gosto presente
na Crítica do juízo” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto: Nietzsche, Heidegger y la hermenéutica. Barcelona:
Paidós, 1989. p. 59).
33
Propus falar, a propósito da cultura – não só filosófica – do mundo ocidental, tardo-
industrial, pós-moderno, que é o nosso, de uma koiné hermenêutica. Como todas as
pré-compreensões hermenêuticas, também esta é uma imagem vaga, que parece
muito marcada por uma espécie de impressionismo filosófico-sociológico; para
muitos parece, com alguma razão, uma generalização ambiciosa em demasia, que
unifica uma multiplicidade de fenômenos totalmente heterogêneos. Todavia, assumir
o risco de concentrar a atenção sobre a koiné hermenêutica como característica
global, e vaga, da nossa cultura atual é indispensável para qualquer compreensão
teórica não superficial da mesma, capaz de alcançar um fio condutor interpretativo.69
Uma vez que a pós-modernidade tem a marca de rápidas e constantes transformações,
ao longo da tese intentar-se-á responder em que medida segue a hermenêutica como koiné da
filosofia e da cultura contemporânea, bem como quais nuances e desdobramentos perfazem o
trajeto de compreensão e alcance da hermenêutica ao longo das últimas duas décadas. Apesar
do termo pós-modernidade ter perdido grande parte de sua popularidade e condensar
paradoxos quanto à tentativa de sua conceituação, ainda retém denso e preciso significado
filosófico, o que o torna decisivo para a compreensão dos traços da existência e da
experiência da arte na situação atual70. No tocante à estética, Vattimo ressalta o fato de a
hermenêutica significar a recuperação da atenção pela arte como expressão de verdade71.
Trata-se aqui “de se abrir para uma concepção não metafísica da verdade, que a interprete não
tanto a partir do modelo positivista do saber científico, quanto, por exemplo (segundo a
proposta característica da hermenêutica), a partir da experiência da arte e do modelo da
retórica”72.
A hermenêutica desenvolvida por Vattimo apresenta a peculiaridade do acento niilista
que a caracteriza e constitui a original contribuição do autor para o debate contemporâneo73.
Da constatação desta “vocação” niilista emerge o pensiero debole advogado por Vattimo,
como se explicita na sequência. Por tratar-se de tema a ser devidamente situado no primeiro
capítulo da tese, oportunamente será considerada a estética ontológica como mola propulsora
69
VATTIMO, G. A tentação do realismo. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001. p. 22-23. Este livro reproduz em
sua totalidade a conferência proferida por Vattimo junto ao Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro em
28 de agosto de 2000, grifo do autor. 70
Cf. VATTIMO, G. El museo y la experiencia del arte en la postmodernidad. In: RAVERA, R. M. (Comp.).
Estética y crítica: los signos del arte - 1er Coloquio latinoamericano de estética y crítica. Buenos Aires:
Eudeba, 1998. p. 99. Para Vattimo, grande parte da sensação de crise que nos dias de hoje perpassa o mundo
da arte advém do fenômeno da estetização. 71
Cf. VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 105. 72
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. XVIII-XIX. 73
Conforme acentua Antônio Glaudenir: “Como posição filosófica, a hermenêutica é provavelmente aquela que
reflete mais fielmente o pluralismo da sociedade que, sobre o plano político, exprime-se na democracia. Tudo
isso contra toda autoridade do fundamento último da Metafísica, ou seja, abandona uma sociedade autoritária
em favor da prática do consenso e do debate público [...]” (MAIA, A. G. B. Do ocaso do Ocidente ao
comunismo ideal: aspectos ético-políticos do pensamento de Gianni Vattimo. In: ASSAI, J. H. S.; SILVA, R.
G. de A.; MAIA, A. G. B. (Org.). Filosofia política: emancipação e espaço público. Curitiba: Juruá Editora,
2013. p. 123.
34
para a formulação do pensiero debole. De início, importa considerar a vertente niilista da
hermenêutica filosófica.
1.3 A vocação niilista da hermenêutica filosófica
No intuito de abordar a relação entre o niilismo e a hermenêutica, compete de antemão
delimitar o que Vattimo denomina niilismo. Pelo fato de tal termo comportar ambiguidades e
apresentar variantes quanto à sua interpretação pela tradição filosófica, cabe ressaltar como o
filósofo compreende e emprega tal termo. Vattimo situa o niilismo no “sentido assinalado de
modo inaugural por Nietzsche: a dissolução de cada fundamento último, a consciência de que,
na história da filosofia, e da cultura ocidental de modo geral, ‘Deus morreu’ e ‘o mundo
verdadeiro tornou-se fábula’”74. Desse modo, a raiz do niilismo reside na superfluidez dos
valores últimos abordada por Nietzsche mediante a afirmação da morte de Deus e por
Heidegger, em sentido aproximado, como o esquecimento do ser e sua redução a valor de
troca75. Ambos os autores convergem, na compreensão de Vattimo, ao afirmar não o
desaparecimento dos valores tout court, mas dos valores supremos, resumidos precisamente
no valor absoluto Deus76.
Inicialmente, morte de Deus, fim da metafísica e niilismo poderiam sugerir três
grandes questões ou problemas com os quais o presente trabalho teria de se haver. Entretanto,
a dinâmica da reflexão proposta por Vattimo considera a convergência relacional desses três
grandes “rios” a afluir no “mar” da pós-modernidade. A morte de Deus (Nietzsche) possibilita
e compõe o cenário do fim da metafísica (Heidegger) e ambos favorecem a emergência do
niilismo na cultura ocidental, interpretado por Vattimo sob o crivo hermenêutico do pensiero
debole.
Assim sendo, Vattimo define explicitamente o niilismo:
Niilismo significa, aqui, o mesmo que significa para Nietzsche na nota que se
encontra no início da velha edição da Wille zur Macht: a situação em que o homem
rola do centro para X. Mas niilismo, nessa acepção, também é idêntico ao definido
por Heidegger: o processo em que, no fim, do ser como tal ‘nada mais há’.77
74
VATTIMO, G. Nichilismo ed emancipazione: etica, politica, diritto. Varese: Garzanti, 2003. p. 5. 75
Cf. VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 4-5. 76
Cf. VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 6. Assim escreve Nietzsche: “Nihilismo, falta de
finalidad, falta la respuesta al ‘¿Por qué?’; ¿qué significa nihilismo? – que los valores supremos se
desvalorizan” (NIETZSCHE, F. El nihilismo europeo. Fragmentos póstumos (Otoño, 1887). Madrid:
Biblioteca Nueva, 2006, p. 63. 77
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 3-4.
35
A metáfora “rolar do centro para X” implica o “desnorteamento” do referencial, o
deslocamento do eixo central agora transferido para o periférico e o marginal. Nessa
perspectiva, o niilismo advém do processo de transição do centro à periferia, da atribuição de
protagonismo às aparências e da destituição do valor do ser. Daí, Deus morre quando o saber
não tem mais necessidade de chegar às causas últimas e se arrefece a crença em uma alma
imortal, no céu, no inferno, numa ordem objetiva e definitiva a significar e garantir toda a
realidade. “O niilismo é, portanto, a situação de desorientamento que emerge uma vez que
diminuem as referências tradicionais, isto é, os ideais e os valores que respondiam à pergunta
ao ‘por quê’ e que como tais, iluminavam o agir do homem”78.
Em linhas gerais, Vattimo distingue duas posturas fundamentais relativas ao modo
pelo qual o ser humano e a sociedade/cultura se posicionam perante o niilismo: negação ou o
reconhecimento positivo do niilismo como oportunidade, o que caracteriza respectivamente o
niilismo reativo e o niilismo consumado.
O niilismo reativo indica a atitude de nostalgia, paralisia e ressentimento em face dos
ideais da razão forte da modernidade. Tem a marca do profundo saudosismo da verdade
absoluta. Qualifica o posicionamento de governos e instituições atrelados à defesa e à busca
do retorno do poder de outrora. Paralisa a reflexão, justamente por se alimentar da negação da
memória enfraquecida/desfalecida do ser que já não se dá historicamente como antes, quando
se ancorava, no caso da religião, a uma ordem dita natural do mundo. Compõe o cenário de
crise enquanto lhe falta qualquer base possível de retomada dos fundamentos e liga-se
negativamente à morte de Deus e ao fim da metafísica79.
Por sua vez, o niilismo consumado expressa a assunção positiva do fim dos valores
supremos 80. Imagem frequente nos textos de Nietzsche compreende o niilismo como a única
chance, pois o niilismo é tudo o que se pode alcançar. Vattimo se posiciona em sintonia com
esta última concepção e constata o fato de a pós-modernidade favorecer a emergência de
niilistas consumados81, uma vez que a cultura do século XX caracteriza-se pelo fim dos
projetos de reapropriação. Ao reconhecer a relevância da crítica de Nietzsche e de Heidegger,
Vattimo advoga o niilismo consumado, configurado pela atitude de aceitação positiva do fim
78
VOLPI, F. Il nichilismo. 3.ed. Roma/Bari: Laterza, 2006. p. 4. 79
“[...] i discorsi italiani sulla crisi della ragione hanno ancora troppa nostalgia per la metafisica. E non portano
fino in fondo l’esperienza dell’oblio dell’Essere, o della ‘morte di Dio’, che sopratutto Heidegger e Nietzsche
hanno annunciato alla nostra cultura” (VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit., p. 107). 80
“Nichilismo compiuto” (niilismo consumado) nos textos originais de Vattimo. O verbo italiano compiere
utilizado pelo autor procede do latim complere (preencher, completar, cumprir a promessa) e significa
positivamente realizar, alcançar o fim, atingir o termo. 81
Cf. VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 3-4.
36
dos valores supremos, no intuito de daí se extrair os pressupostos necessários ao
distanciamento crítico do que tem sido o pensamento ocidental desde a aurora da filosofia -
pensamento do fundamento82.
No tangente à pós-modernidade, Vattimo esclarece:
O pós de pós-moderno indica, com efeito, uma despedida da modernidade, que, na
medida em que quer fugir das suas lógicas de desenvolvimento, ou seja, sobretudo
da ideia da ‘superação’ crítica em direção a uma nova fundação, busca precisamente
o que Nietzsche e Heidegger procuraram em sua peculiar relação ‘crítica’ com o
pensamento ocidental.83
Nessa perspectiva, o filósofo qualifica a pós-modernidade como a constatação da
dissolução dos projetos da modernidade. Vattimo considera o “pós” de pós-moderno no
sentido de despedida e não continuação ou exacerbação da modernidade. Assim sendo,
distancia-se de Gilles Lipovetsky, o qual define a época atual a partir da noção de
hipermodernidade:
A expressão ‘pós-moderno’ é ambígua, inapropriada e, para dizer a verdade, errada.
Para ser claro, não há sociedade pós-moderna, assim como não há indivíduos pós-
modernos. Presenciamos o advento de uma sociedade e de um indivíduo
hipermodernos. Não estamos depois da modernidade, estamos numa segunda
modernidade, e vivemos uma nova revolução moderna que traz uma nova aventura
da autonomia dos indivíduos.84
Já em 1979 Jean François Lyotard publica “A condição pós-moderna”, na qual
apresenta o pós-moderno como “a incredulidade em relação aos metarrelatos”85. Ainda que
tenha influenciado sobremaneira toda a tradição posterior a refletir sobre a pós-modernidade,
a afirmação expressa da perda dos metarrelatos conduz necessariamente a outra ordem
metafísica: a inexistência dos grandes relatos. Justamente por isto Vattimo prefere conceber
essa “perda” não como algo concluído, instaurado, mas como processo contínuo de
enfraquecimento e de debilitação das estruturas fortes do ser: “O que significa afirmar que os
‘metarrelatos’ foram invalidados senão propor novamente um ‘metarrelato’”86?
O niilismo como única chance não defende o “fim da filosofia”, antes traduz
oportunidade de reconstrução filosófica e de questionamento da lógica do desenvolvimento e
82
Cf. VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. V-VI. 83
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. VII. 84
LIPOVETSKY, G. Futuro da autonomia e sociedade do indivíduo. In: NEUTZLING, I.; BINGEMER, M. C.;
YUNES, E. (Org.). O futuro da autonomia: uma sociedade de indivíduos? São Leopoldo: UNISINOS; /Rio
de Janeiro: PUC Rio, 2009. p. 59. 85
LYOTARD, J-F. A condição pós-moderna. 12. ed. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 2010. p. XVI. 86
VATTIMO, G. Ética de la interpretación, op. cit., p. 18.
37
da busca do sempre novo, próprias da concepção moderna e agora “dissolvida” pela pós-
modernidade87. Configura-se mediante o apelo ao abandono do porto seguro. Na contramão
desta vertente, o niilismo reativo nega qualquer valoração positiva do niilismo e considera tal
negação extremamente positiva.
Vattimo, por sua vez, defende o niilismo consumado: o reconhecimento e a afirmação
da positividade presente no niilismo. Nessa perspectiva, tal niilismo emerge como última
chance, a única possibilidade88. De modo conclusivo, diante da fragmentação da verdade, ao
final, só nos resta o niilismo89.
Em consonância com a valoração positiva do niilismo se insere a expressão pensiero
debole como “encarnação” mais fiel da hermenêutica filosófica de cunho niilista. A ideia
central da obra de Vattimo reside na constatação de que a continuidade da filosofia encontra-
se atrelada ao pensiero debole90, bem como à concepção hermenêutica da qual provém, como
se explicita a seguir.
87
Se se pode dizer de um fim da história e de um fim da filosofia decorrentes da pós-modernidade, tal fim não
possui sentido de morte, extermínio ou assassinato da história e da filosofia. Trata-se aqui da ação de se
repensar e de se repropor o problema da historicidade e a questão central da filosofia (ser) numa perspectiva
de enfraquecimento, consciente de suas possibilidades, finalidades e destino. Sobre o termo dissolução,
considerar: “Dissolução, decerto, significa, antes de tudo, ruptura de unidade, e não fim puro e simples da
história” (VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. XIV). 88
O niilista reativo ou passivo, como se pode constatar, se recusa a tomar conhecimento do aniquilamento dos
valores objetivos e utiliza ideologias culturais, políticas, religiosas e estéticas para tentar sanar e recuperar o
fundamento perdido: “A ligação entre passividade e reatividade mostra-se, assim, clara: a reação, ou seja, a
invenção de todo tipo de disfarces, de máscaras ideológicas, é um aspecto da atitude que se recusa a
reconhecer que não existem significados e valores objetivos, estruturas dadas do ser, e que por isso seria
preciso criá-los ativamente. O niilista passivo passa à margem dessa tarefa aqui considerada criativa, e reage
usando disfarces e máscaras que devem preencher o vazio das estruturas objetivas dadas” (VATTIMO, G.
Diálogo com Nietzsche: ensaios 1961-2000. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 242-243, grifo do autor).
Desse modo, o niilista reativo atribui ao mundo verdadeiro o caráter de fábula (em sintonia com a crítica
nietzschiana) e a esta concede a antiga dignidade metafísica. Vattimo se opõe a essa perspectiva e
especificamente nesse ponto, o niilismo aparece como sendo a “única” chance, por isso sintetiza: “o que
acontece hoje em relação ao niilismo é o seguinte: começamos a ser, a poder ser, niilistas consumados”
(VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 3). 89
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 3. E acrescenta: “O niilismo consumado, como o Ab-grund
heideggeriano, chama-nos a uma experiência fabulizada da realidade, que é, também, nossa única
possibilidade de liberdade (VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 16, grifo do autor). Como se
pode perceber, compreender o niilismo como única chance implica considerar a morte de Deus e a perda da
verdade absoluta, como características positivas constitutivas da cultura ocidental. 90
RISSER, J. Sobre la continuación de la filosofía: la hermenéutica como convalecencia. In: ZABALA, S.
(Ed.). Debilitando la filosofía: ensayos en honor a Gianni Vattimo. Barcelona: Anthropos, 2009. p. 217.
38
1.4 O pensiero debole como expressão da vocação niilista da hermenêutica filosófica
Se disséssemos que o limite entre ‘o que vale’ e o que não vale nestas experiências
está marcado por sua maior ou menor fidelidade ao fio condutor do niilismo
(redução da violência, enfraquecimento das identidades fortes e agressivas, aceitação
do outro), não interpretaríamos fielmente o sentido da vocação niilista da
hermenêutica?91
Para aludir ao “desaparecimento” ou à redução dos valores absolutos, a partir de
Nietzsche e de Heidegger, Vattimo utiliza a expressão “pensiero debole”. Carlo Augusto
Viano foi o primeiro a utilizar a expressão “ragione debole”, da qual Vattimo quase copiou
pensiero debole, conforme explicita em sua autobiografia92. Vattimo emprega a expressão
pela primeira vez durante o outono de 1979 em conferência proferida numa pequena galeria
de arte de Salerno. Tal conferência foi publicada em 1983 como primeiro ensaio do livro
intitulado “Il pensiero debole”, escrito em parceria com Pier Aldo Rovatti93.
O pensiero debole propõe o reconhecimento da transitoriedade, da impermanência,
dos fluxos constantes de ideias e interpretações, assim como das aventuras do pensamento
vividas às voltas com a realidade que se dá historicamente e caracterizada por Nietzsche e
Heidegger respectivamente como morte de Deus e fim da metafísica. Para Vattimo, a
possibilidade da continuação da filosofia, a partir do fim da metafísica, implica o
reconhecimento do pensiero debole marcado pelo dúplice crivo da abertura histórica e pela
91
VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 120. “Nestas experiências” Vattimo se refere ao
conjunto de fenômenos de identificação e pertença a comunidade, este presente em determinadas formas de
arte jovem, como concertos de rock e presentes entre seguidores do mesmo tipo de música, como o punk. 92
VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit., p. 115. Ademais, esclarece Vattimo: “Il Pensiero
debole è una mistura di Nietzsche e Heidegger (uno parla del Nichilismo, l’altro della Storia dell’Essere)”
(VATTIMO, G. Heidegger, op. cit., p. 35). 93
“‘Pensiero debole’ è allora certamente una metafora, e in certo modo un paradosso. Non potrà comunque
diventare la sigla di qualque nuova filosofia. È un modo di dire provvisorio, forse anche contradditorio. Ma
segna un percorso, indica un senso di percorrenza: è una via che si biforca rispetto alla ragione-dominio
comunque ritradotta e camuffa, dalla quale, tuttavia, sappiamo che un congedo definitivo è altrettanto
impossibile. Una via che dovrà continuare a biforcarsi” (VATTIMO, G.; ROVATTI, P. A. (Org.). Il pensiero
debole. 4. ed. Milão: Feltrinelli, 1986. p. 10). Acerca do pensiero debole escreve Dario Antiseri: “...
l’‘ofuscamento’ della nozione di verità; la devastazione del mito dell’evidenza; la presa de congedo dalla
categoria del progresso e del superamento, e quindi la fine della modernità; la dissoluzione della filosofia
fondazionale, dell’idea cioè chi si dia una fondazione unica, ultima e normativa... questi sono alcuni dei tratti
del pensiero debole” (ANTISERI, D. Il ‘pensiero debole’ contro le pretese di una ‘ragione onnipotente’. In:
VATTIMO, G.; ANTISERI, D. Ragione filosofica e fede religiosa nell’era postmoderna. Rubbettino:
Soveria Manelli, 2008. p. 21, grifo do autor).
39
não violência advinda da não afirmação de uma verdade única e objetiva94.
Uma distinção faz-se necessária: niilismo, morte de Deus e fim da metafísica, são
termos advindos de Nietzsche e de Heidegger. Já pensiero debole, é uma noção específica de
Vattimo, ou seja, a valoração positiva do niilismo e, portanto, uma proposta com a qual nem
Nietzsche nem Heidegger seguramente concordariam, já que ambos, de maneiras diversas,
auguram uma superação do niilismo (não apenas o reativo). No caso de Heidegger, em
particular, pode-se dizer certamente que toda experiência é interpretativa. Heidegger não
encara esse fato como Vattimo, antes ao contrário. Quer dizer, para Vattimo nenhuma
interpretação detém a verdade, ao passo que para Heidegger, segundo sua ideia de
fenomenologia hermenêutica, de certo modo, toda interpretação é verdadeira. Por sua vez,
Vattimo compartilha da tese de Heidegger, segundo a qual se estabelece crítica à noção da
verdade como adequação ou conformidade da proposição às coisas95.
Os princípios filosóficos sobre os quais se assenta a ontologia hermenêutica de Gianni
Vattimo têm na formulação do pensiero debole, enquanto horizonte de compreensão da pós-
modernidade, a fonte de inspiração mais original do pensamento do autor. Aqui reside a maior
contribuição de Vattimo para a filosofia contemporânea, bem como para as ciências humanas
de modo geral.
O pensiero debole caracteriza-se por exaltar a multiplicidade de interpretações acerca
da realidade, os diversos relatos que se opõem à violência da objetividade metafísica, bem
como a fragmentação da verdade, traços característicos da pós-modernidade. Por isso, aqui se
compreende que antes de impossibilitar a acolhida do novo, o pensiero debole a preconiza e a
promove. “Dessa forma, o pensamento fraco é a emancipação da autonomia, porque nos ajuda
a compreender ou, ao menos, duvidar de nossas próprias instituições. Mas, contrariamente a
94
Vattimo “[...] nos dice, de forma absolutamente empática, que no se trata de un debilitamiento del
pensamiento en el que la filosofía ya no sea capaz de dar directrices sobre las preocupaciones de la vida; más
bien, se trata simplemente del modo en que la filosofía toma en cuenta su papel por medio del cual adopta un
pensamiento del debilitamiento del peso de las estructuras objetivas y, en última instancia, del debilitamiento
del ser mismo” (RISSER, J. Sobre la continuación de la filosofía: la hermenéutica como convalecencia. In:
ZABALA, S. (Ed.). Debilitando la filosofía, op. cit., p. 218, grifo do autor). 95
“[...] es que no se puede permanecer en la concepción de la verdad como conformidad puesto que implica
una concepción del ser como Grund, como primer principio más allá del cual no se puede ir, y que acalla
todo preguntar; mientras que, precisamente, la meditación sobre la insuficiencia de la idea de verdad como
conformidad del juicio a la cosa nos ha puesto en el camino del ser como evento. Sin duda, también decir que
el ‘ser es evento’ – cosa que Heidegger, si se sopesa la situación de manera adecuada, no ha dicho nunca,
pero como uno casi se ve empujado a decir si se quiere hablar de él y de su filosofía, en la relación inevitable,
ambigua y distorsionadora con el lenguaje de la metafísica, que fue la causa de su interrupción de Ser y
tiempo, y que empero de algún modo Heidegger acepta, comenzando de nuevo a hablar, despúes de la Kehre,
precisamente en los términos de la metafísica, únicamente ejerciendo sobre ellos la reseñada distorsión de la
Verwindung – es aparentemente una proposición descriptiva que pretende ser ‘adecuada’” (VATTIMO, G.
Más allá de la interpretación, op. cit., p. 124-125, grifos do autor).
40
outras filosofias, ele faz isso sem violência”96. Desse modo, a autonomia só pode irromper
depois da desconstrução da metafísica e com a emergência da filosofia hermenêutica a
expandir o horizonte de possibilidades da liberdade humana.
Segundo Vattimo tal pensamento corresponde, na perspectiva religiosa, ao fenômeno
da secularização enquanto dessacralização da cultura ocidental, não restrita apenas ao solo
europeu. Desse modo, “[...] pensamento mais consciente dos limites, que abandona as
pretensões das grandes visões metafísicas globais, etc; mas sobretudo teoria do
enfraquecimento como característica constitutiva do ser na época do fim da metafísica”97. Tal
pensamento expressa, na filosofia de Vattimo, o fim da metafísica e a constatação de que ao
final, positivamente o que nos resta é o niilismo. Liga-se, portanto, intrinsecamente à morte de
Deus, à perda da verdade, à secularização, como se pode depreender ao longo do presente
percurso98.
A filosofia de Gianni Vattimo caracteriza-se por filosofia interpretativa da cultura
ocidental sob o crivo do enfraquecimento (indebolimento) das estruturas estáveis do ser,
traduzida numa ontologia débil ou ontologia do declínio99, segundo a qual o período pós-
moderno corresponde positivamente ao momento em que de modo contraditório e ambíguo se
aborda o ser debilitado enquanto evento, acontecimento efêmero, essência imersa na
temporalidade. Tal ontologia culmina na ontologia da atualidade, compreendida como
96
ZABALA, S. O pensamento fraco é a emancipação da autonomia. Revista do Instituto Humanitas
UNISINOS, op. cit., p. 48. 97
VATTIMO, G. Credere di credere: è possibile essere cristiani nonostante la Chiesa? 2. ed. Roma: Garzanti,
1999. p. 25-26. O autor também explicita: “La debolezza del pensiero nei confronti del mondo, è dunque
anche della società, è probabilmente solo un aspetto della impasse in cui il pensiero si è venuto a trovare alla
fine della sua avventura metafisica” (VATTIMO, G.; ROVATTI, P. A. (Org.). Il pensiero debole, p. 10).
Acerca do pensiero debole escreve Carmelo Dotolo: “Se ontologia dice presenza dell’essere, declino indica
un essere depotenziato, dove alla fondazione metafisica subentra una fondazione ermeneutica, il cui sfondo è
la storicità e la finitezza. In tale contesto, il pensiero debole è risposta ontologica alla attualità, perché
costituisce il tentativo di ricercare un tertium tra la visione totalizzante della ragione metafisica (sia essa
mitologica o teologico/filosofica) e la visione puramente strumentale, tra l’affermazione di un senso assoluto
e la negazione di qualsiasi senso” (DOTOLO, C. La teologia fondamentale davanti alle sfide del “pensiero
debole” di G. Vattimo. Roma: Ateneo Salesiano, 1999. p. 32). 98
Conforme esclarece Vattimo: “A palavra-chave que comecei a empregar depois de ter lido Girard é
precisamente secularização, como efetiva realização do cristianismo como religião não sacrifical. E nessa
direção eu avanço, vendo como positivos muitos fenômenos aparentemente escandalosos e ‘dissolutos’ da
modernidade. A secularização não seria o abandono do sagrado, mas a integral aplicação da tradição sacra a
determinados fenômenos humanos. O exemplo que me vem à mente é o de Max Weber, que vê a sociedade
capitalista como filha legítima do espírito protestante” (VATTIMO, G.; GIRARD, R. Cristianismo e
relativismo: verdade ou fé frágil? São Paulo: Santuário, 2010. p. 28, grifo do autor). 99
Para Vattimo, “A ontologia nada mais é que interpretação da nossa condição ou situação, já que o ser não é
nada fora do seu ‘evento’, que acontece no seu e nosso historicizar-se” (VATTIMO, G. O fim da
modernidade, op. cit., p. VIII).
41
discurso que busca esclarecer o significado do ser na situação presente100. Daí a grande
característica do pensiero debole, a estremecer as grandes instituições e hierarquias
governamentais, residir na falta de fundamento e de verdades absolutas. Pensamento aberto à
heterogeneidade de racionalidades e propício ao diálogo com o mundo contemporâneo.
Assim Santiago Zabala, discípulo de Vattimo, classifica o pensiero debole:
O pensamento fraco não é outra coisa do que o conhecimento, a aceitação e o
reconhecimento de que a filosofia, após a desconstrução da metafísica, não pode
apreender a essência última de seus objetos, mas precisa aquiescer a uma
multiplicidade de interpretações.101
Desse modo, na perspectiva pós-metafísica o pensiero debole se empenha na
superação da verdade única, mediante a distorção/enfraquecimento das categorias objetivantes
da metafísica. Daí o pensiero debole se demonstrar tanto menos violento e mais tolerante que
a metafísica tradicional, por proclamar como “verdade objetiva”, a diversidade de
interpretações da realidade. Para os niilistas reativos, pensamento qualificado como fomento
ao relativismo, ao subjetivismo e ao individualismo. Para os niilistas consumados,
pensamento aberto à relatividade, afinado com a hermenêutica gadameriana e propício à
irrupção de uma sociedade mais propensa ao diálogo e favorável à emancipação das minorias.
Constatar em Vattimo o pensiero debole como núcleo constitutivo da ontologia da
atualidade ou via privilegiada de interpretação da cultura contemporânea implica ir além da
100
VATTIMO, G. Nichilismo ed emancipazione, op. cit., p. 15. Cabe esclarecer o que Vattimo denomina por
ontologia da atualidade: “Quanto all’attualità, il senso in cui la intendo è quello che si referisce alla
condizione comune della nostra vita attuale, e che risuona sopratutto nell’uso del termine da parte delle
lingue neolatine: attualità, ‘actualité’, ‘actualidad’. Come si vede, è un termine molto più vago e difficile da
definire. Ha la stessa generalità e vaghezza di parole come ‘modernità’, postmodernità, e simili. Ma faccio
notare che anche quando gli empiristi parlano di ‘esperienza’ non usano la parola in un senso molto più
preciso” (VATTIMO, G. Addio alla verità, op. cit., p. 37). Ao afirmar a ontologia da atualidade Vattimo usa
a expressão do Foucault de “O que são as luzes”. Na mesma obra à p. 45 acrescenta: “[...] duplice senso
dell’ontologia dell’atualità: rendersi conto del paradigma in cui siamo gettati, e sospenderne la pretesa de
validità in favore de un ascolto dell’essere in quanto non detto”. Aqui, à luz de Benjamim, Vattimo identifica
a escuta do ser como atenção à voz dos perdidos da história. Tal princípio anárquico se concretiza mediante a
interpelação das vanguardas artísticas enquanto também manifestação dos ideais de resistência e de luta
contra os princípios dominantes. 101
ZABALA, S. Ser fraco: a constituição autônoma do Übermensch. In: NEUTZLING, I.; BINGEMER, M. C.;
YUNES, E. (Org.). O futuro da autonomia: uma sociedade de indivíduos? Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São
Leopoldo: Unisinos, 2009. p. 121. O próprio Vattimo define: “Che il mondo vero sia diventato favola può
essere anche espresso nei termini del nichilismo di Nietzsche. Si è consumata (fortunadamente) l’oggettività
del mondo a favore di una sempre crescente trasformazione soggettiva non individuale ma delle comunità,
delle culture, delle scienze, dei linguaggi. Questo è quelo che io teorizzo col pensiero debole” (VATTIMO,
G. Per un cristianesimo non religioso. In: FILORAMO, G.; GENTILE, E.; VATTIMO, G. Cos’è la religione
oggi? Pisa: ETS, 2005. p. 55).
42
simples afirmação do fim da metafísica e do advento do niilismo102. Evoca considerar a
história do Ocidente, desde os primórdios da filosofia grega, como história do esquecimento
do ser. Positivamente, sob certo aspecto, história da passagem das pretensões absolutas à
situação onde a possibilidade de existência da verdade sugere dinamismo consensual. Por isso
sobre o conceito de interpretação, Vattimo esclarece: “[...] não há experiência da verdade que
não seja interpretativa, eu não conheço nada se não me interessa, mas se me interessa é
evidente que não o considero de modo desinteressado”103.
A fundamentação teórica do pensiero debole entrelaça-se à constatação do processo de
secularização ocorrido sobretudo ao longo dos séculos XVIII e XIX. Tal tendência
secularizante faz-se presente na cultura ocidental e não se restringe unicamente ao universo
europeu104. Na perspectiva filosófica, esse processo culmina na perda da ideia da filosofia
como racionalidade fundacional. Afirmar o pensiero debole como grande marco filosófico de
Vattimo, implica reconhecer que sua elaboração teórica se dá a partir do reconhecimento do
processo de secularização em marcha, este advindo da herança judaico-cristã105.
Acerca da atualidade de tal pensamento, na tarefa de interpretar e traduzir a realidade
da cultura contemporânea, Vattimo atesta:
102
É a partir do estudo de Gadamer que Vattimo apreende cada experiência da verdade como experiência
interpretativa, um tema desenvolvido mais por seu mestre Luigi Pareyson que pelo próprio Gadamer. Sobre
Pareyson e a experiência vivida junto à universidade, Vattimo escreve: “Il mio grande maestro all’università
è stato Luigi Pareyson. Maestro, e poi amico per tutta la vita. Negli anni dell’università ancora no sapevo
bene cosa pensare. Traccheggiavo con il tomismo di Caramello e con la filosofia di Pareyson, leggevo
Emmanuel Mounier e Jacques Maritain. Li leggevo come molti cattolici di sinistra di quegli anni, alla ricerca
di una strada che mi sottraesse alla morsa tra liberalismo capitalista e comunismo burocratizzato dell’Unione
Sovietica. Insomma, non volevo essere confuso né con un liberale né con un marxista. E – come a Maritain –
mi interessava, questo sì, criticare i dogmi della modernità” (VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere
Dio, op. cit., p. 24). 103
VATTIMO, G. Addio alla verità, op. cit., p. 73. 104
ROMANO, R. Niilismo e mercadejo ético brasileiro. Revista do Instituto Humanitas UNISINOS, São
Leopoldo, ano X, v. 354, p. 13-17, 20 dez. 2010. p. 13. Para o filósofo Roberto Romano a corrosão “de alto a
baixo” no caráter de indivíduos e grupos, bem como a supervalorização do mercado são traços peculiares do
niilismo em terras brasileiras. 105
O termo secularização apresenta dois sentidos: jurídico (passagem de pessoas do estado clerical para o
secular, ou a passagem de bens eclesiásticos a propriedade secular) e cultural. “O significado cultural do
conceito é mais tardio e só se forma por volta do final do século XX, para indicar o processo de emancipação
da vida cultural (política, ciência, economia, literatura, filosofia, arte e costumes) da tutela eclesiástica [...].
Nesta acepção cultural, o termo ‘secularização’ indica, de um lado, o processo de emancipação do mundo
moderno da tutela do cristianismo e da Igreja (momento de descontinuidade); mas de outro lado, remete à
contribuição do cristianismo para a formação do mundo moderno e à permanência de impulsos cristãos na
sociedade moderna (momento de continuidade)” (GIBELLINI, R. A teologia do século XX, op. cit., p. 123,
grifo nosso). Vattimo compreende a secularização como a “perda da autoridade temporal por parte da Igreja,
conquista da autonomia da razão humana frente a dependência de um Deus absoluto, juiz ameaçador e [...]
efeito positivo do ensinamento de Jesus... O sentido ‘positivo’ de secularização, isto é, a ideia que a
modernidade laica se constitui também e sobretudo como interpretação dessacralizante da mensagem bíblica
[...]” (VATTIMO, G. Credere di credere, op. cit., p. 34). O filósofo pensa a secularização a partir da leitura
de Joaquim de Fiore (a concepção de uma história em curso, aberta e não determinada), Heidegger e de René
Girard. Cf. VATTIMO, G. Depois da cristandade, op. cit., p. 53.
43
E, porém, uma das provas de que o pensamento fraco ainda está vivo pode ser vista
exatamente no fato de que a exigência de ‘pensamento forte’ ainda vem sendo
continuamente reivindicada por setores mais diversos, usualmente por pessoas ou
grupos que sentem a necessidade de alguma ‘restauração’: da autoridade da Igreja,
por exemplo [...].106
Para além das contradições constitutivas do pensiero debole, bem como das acusações
a ele desferidas, prevalece a instigante proposta hermenêutica vattimiana, nesse percurso
compreendida positivamente como limite às pretensões violentas do pensamento forte
(objetivo e universal) e ocular filosófica capaz de questionar o status quo da cultura
dominante e promover a coexistência pacífica em meio à diversidade. O sujeito debilitado é
mais tolerante, aberto aos outros107. Por sua vez, coexiste o risco da afirmação de novo
absoluto negativo: o niilismo. Para fugir das malhas desse perigo Vattimo adverte que
compete ao pensiero debole garantir a contínua abertura histórica e não a legitimação de nova
ordem metafísica. Por isso, a grande “verdade” do pensiero debole não pode ser expressa na
ideia da não existência da verdade. Antes, deve ser pensada mediante a afirmação de seu
constante enfraquecimento. Por sua vez, a afirmação do enfraquecimento da verdade acarreta
o risco da perda do sentido do real e do acirramento das crises existenciais, já tão em voga no
período atual. Em perspectiva mais ampla, alimenta a crise presente no modo do ser humano
se relacionar com o mundo no campo das artes, da política, da tecnologia, das religiões ...,
uma vez que a ausência do fundamento incide diretamente sobre o valor atribuído às
vivências cotidianas.
Tal dimensão niilista presente na hermenêutica filosófica proposta por Vattimo
encontra seus germes no legado da secularização cristã a tecer a cultura ocidental.
1.5 A vocação niilista da hermenêutica filosófica radicada no processo da secularização
cristã
Todos os fenômenos de secularização da modernidade enquanto dessacralização do
sagrado, são herança do cristianismo.108
O pensar de Vattimo apresenta conexão intrínseca com a experiência cristã católica
106
VATTIMO, G. O que está vivo e o que está morto no pensamento fraco. In: PECORARO, R. (Org.).
Filosofia contemporânea: niilismo, política, estética. São Paulo: Loyola, 2008. p. 10. No mesmo artigo à p.
16 o autor enaltece o destino de enfraquecimento do pensamento e pondera: “Visando o próprio
enfraquecimento, o pensamento tem ainda muito caminho a percorrer e nesse sentido continua a ser de plena
atualidade”. 107
VATTIMO, G. Morte de Deus e o fim da metafísica: a luta contra os absolutos. Revista do Instituto
Humanitas UNISINOS, São Leopoldo, ano X, n. 354, p. 5-7, 20 dez. 2010. p. 6. 108
VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit., p. 182.
44
vivida pelo autor. A pergunta acerca dos traços constitutivos da herança cristã a desenharem a
cultura ocidental acompanhará a obra do filósofo e constituirá fio condutor para se
compreender o discurso proposto. A adesão de Vattimo ao cristianismo remete à sua
frequência constante à paróquia, durante a infância, bem como à educação marcada pelo
acento cristão católico. Os valores cristãos compuseram o horizonte modelar de atitudes e
grande fomento ao interesse social que marcaram o período de formação do jovem Vattimo. A
geografia italiana, significativamente regida sob a égide da moralidade do báculo do sumo
pontífice, afetou existencialmente a compreensão de Vattimo acerca das relações sociais,
políticas e humanas. Desde jovem o autor relata ter sofrido o peso da moralidade católica
cristã, em função de sua homossexualidade. Fato que o motivou a divergir não da
racionalidade da mensagem cristã (da qual se considera devedor), mas do conteúdo da
moralidade defendida pela estrutura da hierarquia eclesiástica.
Na afirmação do próprio autor, a dedicação ao estudo da filosofia se dá no intuito de
se
contribuir para a formação de um novo humanismo cristão, livre tanto do
individualismo liberal, quanto do coletivismo e do determinismo marxista. Foi na
época em que nós, jovens católicos, estudávamos as obras de Jacques Maritain [...]
De Maritain herdei a desconfiança em relação a certos dogmas da modernidade
[...].109
Na busca de estabelecer o diálogo provocativo entre cristianismo e filosofia alguns
temas se encontram mais presentes nos escritos do autor, dentre os quais sobressaem a
herança cristã do niilismo e a encarnação do Verbo versus secularização. O declínio da
metafísica enquadra-se nessa perspectiva, pois quanto mais secularizado o mundo se encontra,
tanto menos há necessidade de se perguntar por uma vida após a morte ou pela finalidade
última da vida, ou seja, por uma instância transcendente a garantir a ordem natural do mundo.
O destino de enfraquecimento do ser, pensado filosoficamente como ontologia do declínio,
encontra suas raízes últimas na constatação do cristianismo como mensagem a difundir a
secularização como destino.
A secularização, por sua vez, remete ao conceito kênosis extraído da tradição bíblica.
O célebre hino presente na carta que teria sido endereçada por Paulo aos Filipenses, atesta a
atitude de auto-enfraquecimento do Deus cristão: “Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a
109
VATTIMO, G. Depois da cristandade, op. cit., p. 8-9.
45
condição de servo, tomando a semelhança humana”110. Nesse horizonte, a perspectiva adotada
por Vattimo propõe a kênosis como evento não violento da ação de Deus, em oposição à
violência característica da metafísica. Assim destaca o filósofo:
É a encarnação do Filho de Deus que nos libertou do poder da ‘verdade’ em nome
da qual se pode perseguir, condenar à fogueira, promover guerras de religião e
cruzadas. É verossímil que o pensamento fraco declare que a verdade é Jesus Cristo
e só ele? É, enquanto o que Jesus Cristo prega é o abandono dos ídolos – começando
por aqueles que a ‘razão’ descobriria como seus inegáveis fundamentos – em prol de
uma relação pessoal com o outro.111
A kênosis iniciada com a encarnação de Cristo continua a realizar-se em termos
sempre mais claros, prosseguindo a obra de educação do ser humano à superação da originária
essência violenta do sagrado e da mesma vida social. Tais considerações iluminam a
compreensão da positividade conferida por Vattimo à secularização:
Secularização como fato positivo significa que a dissolução das estruturas sacrais da
sociedade cristã, a passagem a uma ética da autonomia, à laicidade do estado, a uma
menos rígida literalidade na interpretação dos dogmas e dos preceitos, não
corresponde à despedida do cristianismo, mas a mais plena realização da sua
verdade que é, recordemos, a kênosis, o abaixamento de Deus, a negação dos traços
‘naturais’ da divindade.112
O retrair-se de Deus traduz a atitude inaugurante da relativização, o enfraquecimento
da ordem natural pré-estabelecida em detrimento da valorização do mundo. Daí:
110
Epístola aos Filipenses 2,7. Tradução utilizada: BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. 1995. A Bíblia de
Jerusalém. 7. ed. São Paulo: Paulus, 1995. 111
VATTIMO, G. O que está vivo e o que está morto no pensamento fraco. In: PECORARO, R. (Org.).
Filosofia contemporânea, op. cit., p. 14. Considerar também: “[...] llama la atención sobre la relación más
intrínseca que une hermenéutica con la tradición cristiana: el nihilismo ‘se parece’ demasiado a la kénosis
porque sólo se puede ver en tal semejanza una coincidencia, una asociación de ideas. La hipótesis en la que
desembocamos es la de que la hermenéutica misma, como filosofía que lleva consigo ciertas tesis
ontológicas, es fruto de la secularización como continuación, prosecución, ‘aplicación’, interpretación, de los
contenidos de la revelación cristiana, y antes que cualquier otro, del dogma de la encarnación de Dios”
(VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 97, grifo do autor). Também merece destaque o
trecho a seguir: “[...] o enfraquecimento do Ser como seu único modo de manifestar-se além do esquecimento
metafísico é análogo à dissolução da violência do sagrado, que, para Girard, é o significado das Escrituras
judaico-cristãs. Provavelmente, kênosis é a palavra mais adequada para associar esses dois pensamentos
aparentemente tão diversos. Seja para Girard, seja para Heidegger, o sentido emancipador da história – a
salvação também incluída nisso – está ligado ao fim da violência que caracteriza a religião natural, ou, em
Heidegger, o esquecimento metafísico do ser” (VATTIMO, G.; GIRARD, R. Cristianismo e relativismo, op.
cit., p. 91, grifo do autor). 112
VATTIMO, G. Credere di credere, op. cit., p. 40, grifo do autor. Credere di credere estabelece o pertinente
nexo entre a corrente hermenêutica niilista e a tradição cristã da caridade, humildade e kênosis. De modo que
a hermenêutica e o niilismo se convertem em opções éticas, ao invés de desempenharem o papel de inimigos
morais (Cf. GRONDIN, J. La latinización de la hermenéutica de Vattimo: ¿por qué Gadamer resistió al
postmodernismo? In: ZABALA, S. (Ed.). Debilitando la filosofía: ensayos en honor a Gianni Vattimo.
Barcelona: Anthropos, 2009. p. 240).
46
A ontologia hermenêutica (que tematiza explicitamente a produtividade da
interpretação) e o fim da metafísica da presença como êxito da ciência técnica
moderna resultaram da ação da mensagem cristã na história da civilização ocidental;
são interpretações secularizantes dessa mensagem, mas em um sentido positivo-
construtivo do termo. Seria necessário acrescentarmos aqui que a secularização não
é um termo que se choque com a essência da mensagem e sim um aspecto
constitutivo: como evento salvífico e hermenêutico, a encarnação de Jesus (a
kênosis, o rebaixamento de Deus) é ela mesma, acima de tudo, um fato arquetípico
da secularização.113
Vattimo reflete positivamente a secularização como herança do cristianismo, a
difundir seus veios pela cultura ocidental. A noção de uma história aberta e não “já dada”,
inspira o percurso vattimiano de compreensão da realidade como lugar das possibilidades do
evento do ser e consequentemente avalia de modo positivo também o niilismo. Esta
convergência entre filosofia e cristianismo reflete uma apropriação filosófica da verdade da
religião a traduzir os veios kenóticos cristãos a escoar pela cultura ocidental por meio da
secularização:
Se contudo, a secularização é o modo pelo qual se atua o enfraquecimento do ser, ou
seja, a kénosis de Deus, que é o cerne da história da salvação, ela não deverá ser
mais pensada como fenômeno de abandono da religião, e sim como atuação, ainda
que paradoxal, da sua íntima vocação.114
Deste cenário deriva o que se compreende por ontologia niilista enquanto herdeira do
mito cristão da encarnação de Deus, a qual se dá plenamente na história e tem na própria
113
VATTIMO, G. Depois da cristandade, op. cit., p. 85-86. Do já exposto, pode se deduzir a “vertente cristã” a
perpassar a formulação do pensiero debole. O teólogo italiano Bruno Forte desfere crítica a Vattimo, ao
compreender que o pensiero debole caracteriza longo adeus ao ser e ao fundamento, permanente precipitação
do nada: “O pensamento fraco deduz o futuro do presente e de modo igualmente totalitário como o faz o
pensamento forte da identidade de real e ideal; ele é incapaz de admiração e de acolhida do novo na mesma
medida em que o era a presunção totalizadora da razão ideológica” (FORTE, B. Trindade para ateus. São
Paulo: Paulinas, 1999. p. 137). Evidentemente a crítica de Bruno Forte se situa desde o horizonte de sentido
teológico (outra totalidade ideológica) a buscar salvaguardar os fundamentos sobre os quais se ancora a
crença cristã. Para Vattimo, declaradamente católico, o pensiero debole não exclui ou se opõe à tradição
cristã, antes o considera expressão da realização desta tradição. 114
VATTIMO, G. Depois da cristandade, op. cit., p. 35, grifo do autor. Para o filósofo, “[...] la kenosis,
cominciata con l’incarnazione di Cristo – e già prima con il patto tra Dio e il ‘suo’ popolo – continua a
realizzarsi in termini sempre più netti, proseguendo l’opera di educazione del’uomo al superamento della
originaria essenza violenta del sacro e della stessa vita sociale” (VATTIMO, G. Credere di credere, op. cit.,
p. 42). Em outra passagem define: “[...] la kenosis che è il senso stesso del cristianismo significa che la
salvezza consiste anzitutto nel rompere l’identità tra Dio e l’ordine del mondo reale; in definitiva, nel
distinguere Dio dall’essere (metafisico) inteso come oggetività, razionalità necessaria, fondamento”
(VATTIMO, G. Addio alla verità, op. cit., p. 65).
47
história a condição de possibilidade de sua realização115. Nessa perspectiva, Vattimo considera
a novidade do pensamento do século XX, e sobretudo de Heidegger, a constatação de que as
estruturas que Kant considerava iguais para a razão em todos os tempos e lugares, são elas
mesmas eventos histórico-destinais116.
Heidegger, pelo contrário, reclama a necessidade de ‘se esquecer do ser como
fundamento’ se queremos alcançar o pensamento rememorador [...]. Já em Ser e
tempo, o ser é ‘esquecido como fundamento’; no lugar do ser capaz de funcionar
como Grund se percebe – precisamente na centralidade que assume a analítica
existencial e a elucidação do nexo com o tempo – um ‘ser’ que, constitutivamente,
não é capaz de fundar, um ser débil e despotenciado.117
Tanto o pensamento de Nietzsche, quanto o de Heidegger transitam dentro dos
horizontes do niilismo e oferecem as bases para a fundação de uma hermenêutica sem
pretensões de alcance de um fundamento ou de uma verdade118. Ainda que se possa afirmar a
partir da leitura de Nietzsche e de Heidegger que pensar significa fundamentar, tal
“fundamentação” neste caso deve ser considerada em sentido hermenêutico enquanto
possibilidade de fundação (e não de fundamentação) de uma ontologia do declínio e da
ruptura com as estruturas fortes do ser, como se buscou demonstrar.
115
Segundo Vattimo, Hegel anuncia, Nietzsche vive e Heidegger registra o fim da metafísica (Cf. VATTIMO, G.
O fim da modernidade, op. cit., p. 40). Cabe aqui a pergunta, o que então realiza o filósofo italiano? A
contribuição de Vattimo reside no fato de elaborar originalmente a conexão entre o niilismo e a morte de Deus
com a herança da tradição cristã. Ainda que tenha como ponto de partida Nietzsche e Heidegger, Vattimo se
distancia desses autores ao problematizar e demonstrar satisfatoriamente a relação entre o niilismo e o
cristianismo e explicitar filosoficamente tal conexão por meio do pensiero debole. Embora para tratar da
secularização Vattimo tome como paradigmático o texto de Filipenses a evocar a imagem quenótica do Deus
que se recolhe, tal imagem já se faz presente de modo implícito no livro de Gênesis 1,1-2: “No princípio, Deus
criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo, e um vento de Deus pairava
sobre as águas”. O caos cósmico retratado estava tomado pela “presença” do sopro de Deus, o qual se retrai
para que a criação seja. A “contração” do Infinito permite que haja o outro. Filosoficamente o ser se retrai e
garante a possibilidade de história, de futuro. Para a antropologia teológica, a kênosis divina a se dar na
criação antecede a kênosis do Segundo Testamento a configurar a encarnação divina. Tal nuance o
pensamento de Vattimo não contempla. Ainda que o processo de secularização alcance culminância no evento
da encarnação, originalmente se radica e é inaugurado já no relato cristão da criação divina. 116
Cf. VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 18. Sobre a reflexão de Heidegger referente ao
esquecimento do ser como fundamento, Vattimo remete a: HEIDEGGER, M. Zur Sache des Denkens.
Niemeyer: Tubinga, 1969. p. 5-6. Em outro escrito pontua Vattimo: “Heidegger è uno che pensa la ragione
humana kantiana no più como qualcosa di eterno e com la ‘R’ maiuscola, ma come qualcosa di
historicamente dato. Gli apriori di Kant ci sono dati nel linguagio storico che parliamo. [...] Succede dunque
no che Heidegger è più inteligente di Kant, ma che lui viene centoventi anni dopo Kant” (VATTIMO, G.;
PATERLINI, P. Non essere Dio, op. cit., p. 131-132). 117
VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 50-51. 118
“Antes de Heidegger, y de Nietzsche, la historia del pensamiento ofrece sólo otro ejemplo, decisivo, de una
teorización de la fundamentación hermenéutica, y es la deducción kantiana de los juicios de gusto en la
Crítica del juicio. También allí, la fundamentación (en el caso específico, la peculiar universalidad de los
juicios sobre lo bello), se resuelve en la remisión a una pertenencia del sujeto a la humanidad, pertenencia
que es problemática y siempre en vías de hacerse es la ‘humanidad’ que está unida por el sensus communis al
que el juicio de gusto se reclama” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op. cit., p. 59, grifo do autor).
48
1.6 Conclusão do capítulo I
O percurso de elucidação das raízes da hermenêutica à emergência da hermenêutica
propriamente filosófica, bem como a demonstração do vínculo existente entre hermenêutica,
niilismo e secularização cristã possibilitou aproximação conceitual à questão da dissolução
dos absolutos metafísicos e abriu alas para se adentrar na discussão hermenêutica tal como
Vattimo a compreende e desenvolve.
A relevância dada à secularização cristã enquanto matriz constitutiva da cultura
Ocidental objetivou tanto situar o lugar desde qual Vattimo propõe sua reflexão quanto trazer
ao centro discussão por vezes marginalizada pela reflexão filosófica contemporânea. Tal tema
não será retomado sistematicamente no decorrer da tese, uma vez que nesse primeiro capítulo
já se encontra suficientemente contemplado. Por sua vez, a consideração da hermenêutica
filosófica como koiné da filosofia e da cultura ao longo do século XX será retomada e
contextualizada, agora já passadas três décadas dessa nuclear afirmação vattimiana.
Interessa agora adentrar paulatinamente na reflexão estética a partir do passo
precedente da exposição da vinculação empreendida por Vattimo entre os termos evento e
estética a culminar na hermenêutica subsequente enquanto fruto da reproposição do problema
do ser desde o horizonte da obra de arte.
49
CAPÍTULO II - O PROTAGONISMO DO EVENTO PARA A HERMENÊUTICA
ADVINDA DA ESTÉTICA ONTOLÓGICA
Fundação e desfundamento estão na base da noção de Ereignis, o evento do ser
[...].119
A hipótese filosófica a sustentar a problemática presente junto ao segundo arranjo da
rede a ser vislumbrada reside em se considerar a noção de evento como o aporte condutor a
possibilitar Vattimo desenhar a estética como estética ontológica, ponto desde o qual, ainda
que mantenha certa fidelidade ao pensamento de Heidegger, simultaneamente deste se
distancia. Para tanto, implica abordar a estética ontológica como proposta a comportar
subjacente à sua formulação as implicações presentes na eventualidade do ser, as quais
configuram a perspectiva um tanto “anárquica” da hermenêutica niilista defendida por
Vattimo. Por anarquia não violenta aqui se compreende a ausência de princípios objetivos
legitimadores da existência de uma verdade única, constatação a abrir espaço para a
possibilidade e emergência de diversas interpretações possíveis da “realidade” (agora
considerada desde outro ponto de vista) a favorecer a irrupção do caminho de redução da
violência metafísica desde sempre em voga. A vocação anárquica da hermenêutica não se
adapta a confinar-se em programas histórico-políticos já determinados. Neste cenário, a
estética ontológica tem por tarefa evidenciar as sendas abertas pela filosofia hermenêutica, por
meio das quais se pode chegar até a verdade epocal/histórica do ser e confrontar-se
positivamente com seu destino de enfraquecimento.
O presente capítulo objetiva inicialmente elucidar o significado e a centralidade da
categoria evento (Ereignis) junto à filosofia de Vattimo mediante a análise da abordagem
realizada pelo autor, no intuito de se depreender os desdobramentos hermenêuticos advindos a
partir do emprego vattimiano de tal termo120. Em seguida propõe-se considerar o evento do ser
como evento caracterizadamente estético e a relação dessa compreensão com a noção da
119
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 114. 120
Assim como Dasein, o termo Ereignis apresenta-se de difícil tradução (Cf. CASTRO, M. A. de; Notas de
tradução. In: HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, p. 231-232, grifos do autor: “O sentido
dicionarizado de Dasein é existência. Mas não é esse o sentido que aparece no todo da obra de Heidegger.
[...] Por isso no próprio decorrer do percurso do seu pensamento passa a fazer um maior uso da palavra,
igualmente difícil de traduzir, Ereignis”. Sobre o termo Ereignis, Vattimo esclarece: “Este es otro término-
clave del pensamiento del Heidegger tardío, que literalmente significa evento, pero que es usado por
Heidegger con explícito reclamo al término eigen, propio al que se conecta. Er-eignis es así el evento en que
cada ente es ‘apropriado’, y por tanto aparece como aquello que es, en cuanto está también,
inseparablemente, implicado en un movimiento de transpropiación” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op.
cit., p. 60). Segundo o filósofo italiano, a noção de evento não havia sido coerentemente assumida por
Heidegger, o qual denunciava o esquecimento do ser. Para Vattimo se trata, sobretudo, de analisar a
dissolução do ser mesmo.
50
verdade que daí se segue. Junto a essa dúplice perspectiva, propõe-se breve abordagem sobre
a recepção da hermenêutica filosófica em via negativa (pela ciência) e em via positiva (pela
teologia). Aqui não se pretende exaurir a discussão da recepção da hermenêutica, mas
iluminar ligeira (porém importante) compreensão dos efeitos da hermenêutica hipotetizando a
assunção da perspectiva do evento por outras áreas, ainda que tal termo não venha explicitado
pelas ciências a estabelecer tal interlocução.
Por fim, pós-proposição da adjetivação do evento do ser como evento marcadamente
estético, considerar-se-á a estética ontológica desenvolvida por Vattimo em seu íntimo
entroncamento e imbricação à reproposição do problema do ser, via originária dos esforços
teóricos e da contribuição de Vattimo à reflexão hermenêutica contemporânea.
2.1 A eleição do termo EVENTO como fio condutor da tese
O conceito evento (derivado do termo Ereignis no sentido atribuído por Heidegger) é
central no pensamento do filósofo italiano Gianni Vattimo, não como mera repetição das
ideias do pensador alemão, mas sobretudo como reapropriação original do termo
heideggeriano e desde o qual Vattimo propõe a aproximação, a análise e a crítica do que
denomina ontologia da atualidade (como ampliação e desenvolvimento do conceito de
hermenêutica filosófica), considerando a perspectiva estética em jogo.
O que Heidegger chama de evento do Ser não é o acontecer de um experimento
realizado pela ‘ciência normal’, segundo o paradigma vigente; mas sim a revolução
paradigmática, a instituição de um horizonte novo, o verdadeiro e próprio
nascimento de um novo ‘mundo’.121
Vattimo assegura e desenvolve a ambiguidade já presente no termo Ereignis ao longo
dos escritos de Heidegger, ou seja, a noção de fundação e de desfundamento a qual se
encontra simultaneamente atrelada à concepção de Ereignis como compreende o filósofo
italiano ao recepcionar o filósofo alemão: o evento do ser ou propriamente o ser como evento.
Na obra Brief über den humanismus Heidegger utiliza o verbo ereignen: acontecer,
121
VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 136. Sobre o termo Ereignis, Vattimo esclarece: “Este es otro
término-clave del pensamiento del Heidegger tardío, que literalmente significa evento, pero que es usado por
Heidegger con explícito reclamo al término eigen, propio al que se conecta. Er-eignis es así el evento en que
cada ente es ‘apropriado’, y por tanto aparece como aquello que es, en cuanto está también,
inseparablemente, implicado en un movimiento de transpropiación” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op.
cit., p. 60). Segundo o filósofo italiano, a noção de evento não havia sido coerentemente assumida por
Heidegger, o qual denunciava o esquecimento do ser. Para Vattimo se trata, sobretudo, de analisar a
dissolução do ser mesmo.
51
ocorrer; ou transitivamente fazer, ocorrer, instituir. Tal verbo se tornará basilar para descrever
a relação entre o ser e o homem: ereignen - acontecer; Ereignis - evento122. A grande novidade
instituída pode ser constatada no fato de se substituir a concepção clássica do ser como
objetividade e presencialidade estável e determinada por uma visão do ser compreendido
como abertura, possibilidade e devir.
Segundo pontua Vattimo:
Heidegger escolhe a palavra Ereigns porque, devido à sua raiz, o vocábulo permite
conceber a relação entre o homem e o ser como apropriação recíproca (Eigen =
próprio) [...] O evento é esta relação de recíproco, Uebereignem, de expropriação-
apropriação. A palavra Ereigns, usada neste sentido completo, é tão fundamental e
determinante na nossa época da história do ser como é, para os gregos, o termo
λόγος ou, para os chineses, o Tao. O mundo do Ereigns é o mundo do fim da
metafísica: quando o ser já não se pode pensar como simples presença, só pode
aparecer como evento.123
Tal interpretação do dar-se do ser como evento traz ao centro o papel desempenhado
pelo homem por meio do qual o ser não mais deve ser pensado metafisicamente como o “já
dado”, ou como um acontecer objetivo, arbitrário e isolado. O evento do ser acontece
historicamente no homem e pelo homem, ainda que este não diponha do ser. Antes o ser
dispõe do homem, uma vez a eventualidade devidamente compreendida como o iluminar das
aberturas histórico-destinais a tecer as sendas e caminhos por meio dos quais o ser e os entes
estabelecem relação. Relação esta não mais objetividade estática e válida de uma vez por
todas, pois o “ser nunca é outra coisa senão o seu modo de se dar histórico aos homens de
uma determinada época, os quais estão determinados por este seu dar-se na sua própria
122
Cf. VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 113ss. 123
VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 115-116, grifo do autor. Em outra passagem, Vattimo
destaca o percurso de compreensão do termo metafísica na perspectiva de Heidegger. A metafísica, “[...]
(pelo menos até ao escrito sobre a verdade de 1930), continua ainda a indicar em geral o pensamento que põe
o problema do ser mais além (meta) do ente enquanto tal. [...] A partir do escrito Introdução à Metafísica de
1935, o termo metafísica assume assim em Heidegger uma conotação decisivamente negativa: metafísica é
todo o pensamento ocidental que não soube manter-se ao nível da transcendência constitutiva do Dasein, ao
colocar o ser no mesmo plano do ente” (VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 67-68, grifo do
autor). Daí Vattimo assumir essa compreensão heideggeriana e considerar a metafísica como terra do ocaso,
do crepúsculo do ser (VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 92). Desta concepção irrompe o
grande desafio de se pensar as condições de possibilidade de uma compreensão não metafísica do ser.
52
essência, entendida como o projecto que os constitui”124.
O caráter de historicidade evidenciado pela concepção do ser como evento e não como
abertura transcendental aponta para a possibilidade do ser humano trazer à tona a
manifestação do ser, uma vez que o ser dispõe do homem, e, inversamente o homem também
dispõe do ser125. Essa co-pertença recíproca e assimétrica (o ente não é o ser) transborda-se e
se concretiza na manifestação histórica do ser por meio da linguagem a interpretar os fatos e
decisões do homem; linguagem esta não como instrumento por meio do qual o homem
“domina” o ser, mas evento que dispõe das condições de possibilidade do ser do homem e
meio pelo qual o ser do ente se revela126. Conforme se propõe, a linguagem constitui a via de
manifestação e de compreensão do dar-se do ser em cada época e contingencialidade histórica
e concomitante mediania da apropriação humana da abertura do ser que, via a linguagem não
se aprisiona no universo de determinações objetivas e transcendentes (aqui uma crítica direta
124
VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 117-118, grifo nosso. “Essência” agora compreendida
como projeto, contínuo lançar-se. Ainda que Vattimo não se refira aqui a Giambattista Vico (filósofo
napolitano nascido em 1668, primeiro pensador a definir a história como ciência - Cf. VICO, G. A ciência
nova. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 5-12) importa atentar para o conceito de história desenvolvido por
este: a compreensão da história não como um círculo encerrado em si mesmo e fechado à possibilidade de
mudança, mas como um círculo aberto ou mesmo rompido, em função da “verdade” incontestável da história
caracterizada pelo ato de seu vir-a-ser, de seu fazer-se e justamente por isso nunca concluída ou
compreendida em esquemas determinados ou em eixo interpretativo universal e exclusivo. Em outra obra,
Vattimo reconhece a importância de Vico: “Chi si rifiuta di liquidare con formule piuttosto semplicistiche il
pensiero di Heidegger dopo Sein und Zeit, rinunciando a una troppo facile ironia sulle sue etimologie
cervellotiche (che ha illustri precedenti in Platone e in Vico) e sul misticismo del suo richiamo all’essere che
non si riduce ad alcuno degli essenti [...]” (VATTIMO, G. Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit.
p. 13). Vattimo defende a compreensão da dissolução da história como ruptura do processo unitário e, na
perspectiva de Nicola Tranfaglia (1938 - , historiador e político também napolitano), da emergência de novos
“centros” da história advindos da disseminação da mídia pelo planeta e pela difusão de “[...] potências
capazes de recolher e transmitir as informações com base numa visão unitária, que também é sempre o
resultado de opções políticas” (VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. XVI). Ainda sobre Vico,
escreve Vattimo: “Il rapporto tra arte e storia ha anche altri livelli, alli origine dell’umanità poesia e storia’
coincidono, perchè è nella poesia che l’umanità primitiva si tramanda la propria storia; in tal modo, però, la
poesia viene ad assumere una connotazione storica che apre la via a considerare in termini di esperienza
storica anche la lettura e la fruizione che ne facciamo; leggere poesia è incentrare la coscienza di sé di una
certa umanità storica che in essa si ‘tramanda’, a se stessa e a noi” (VATTIMO, G. Introduzione all’estetica.
Firenze: ETS, 2010. p. 49). 125
Segundo Vattimo: “La analítica existencial es la base sobre la cual se desarrolla la noción de Ser como
evento. Las cosas son en cuanto se dan dentro del proyecto arrojado que se despliega en el lenguaje histórico
de una comunidad humana. En el lenguaje que hablamos y que ‘nos’ habla están ya dados los paradigmas en
cuyo marco se nos hace comprensible el mundo y nosotros mismos nos entendemos. […] Lo que Heidegger
llama evento del Ser no es el acontecer de un experimento logrado de ‘ciencia normal’, según el paradigma
vigente; es sobre todo la revolución paradigmática, la institución de un horizonte histórico nuevo, el
verdadero y propio nacimiento de un ‘mundo’” (VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 136). 126
“[...] Er-eignis. Este es otro término clave del pensamiento del Heidegger tardío, que literalmente significa
evento, pero que es usado por Heidegger con explícito reclamo al término eigen, propio, al que se conecta.
Er-eignis es así el evento en que cada ente es ‘propriado’, y por tanto aparece como aquello que es, en cuanto
está también, inseparablemente, implicado en un movimiento de trans-propiación. El movimiento de trans-
propiación concierne, antes que a las cosas, al hombre y al ser. En el Er-eignis, en efecto, en el cual los entes
vienen al ser, sucede que el hombre es ver-eignet (apropriado) al ser, y el ser es zugeeig-net (entregado) al
hombre” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op. cit., 60, grifo do autor).
53
ao kantismo127), pelo fato de ser a linguagem humana mesma configurada como estrutura
dinâmica, mutante e manter em movimento a possibilidade de interação entre os atores em
jogo. Nessa perspectiva, Vattimo sintetiza: “A linguagem é a sede do evento do ser”128. O
artigo definido singular delimita e reconhece a linguagem como “o” lugar privilegiado por
meio do qual o ser se dá como evento. Aqui se registra grande sintonia dessa afirmação com a
clássica proposição gadameriana, exposta na obra “Verdade e método”, segundo a qual o ser
que pode ser compreendido é linguagem.
A partir da afirmação do ser como evento, Vattimo se repropõe a pergunta
fundamental da metafísica. Na esteira da indagação de Heidegger a questionar: o que passa
com o ser?, Vattimo se pergunta: o que significa pensar o ser em nossa situação presente?
Pensar o ser na situação presente pressupõe a constatação do destino ou vocação de
enfraquecimento do ser, traduzido em Vattimo mediante a difusão do pensiero debole como
chave interpretativa do problema do ser na contemporaneidade. Às considerações explicitadas
no primeiro capítulo, no item 4 intitulado: “O pensiero debole como expressão da vocação
niilista da hermenêutica”, há de se acrescentar o fato de o Ereignis do ser albergar “o anúncio
de uma época de ‘debilidade’ do ser, em que a ‘propriação’ dos entes é explicitamente dada
com transpropriação”129. Aqui se concretiza, segundo a presente interpretação, o maior
distanciamento de Vattimo ao se apropriar na noção de Ereignis difundida por Heidegger. O
Ereignis do ser situa-se na imbricação do anúncio de uma época de processo contínuo de
debilidade do ser, debilidade esta a ser lida sob a ótica da dinâmica da secularização cristã a
convergir na comprovação do caráter niilista da hermenêutica.
A proposição do elo intrínseco entre Ereignis, secularização, pensiero debole e
niilismo expressa o fato de o ser dever ser tomado como o que se apropria do homem,
127
Os caminhos histórico-linguísticos em que convergem para Heidegger os a priori kantianos devem ser
pensados como evento. O próprio universo das manifestações artísticas exemplifica o processo constante de
abertura e de mudança: “L’Espressionismo è una ribelione alle cose come erano stato date, trasmesse; si
vuole esprimere ciò che si ha dentro (e allora Kandinskij, Klee, ecc.)” (VATTIMO, G. Heidegger, op. cit., p.
18, grifo do autor). 128
VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 134, grifo do autor. 129
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 14. Assim como há uma dimensão de relacionalidade entre
pensiero debole e secularização, o mesmo ocorre entre secularização e evento: “Quella eventualità radicale
dell’essere che il pensiero post-metafísico incontra nel suo sforzo di liberarsi dalla cogenza del
semplicemente-presente non si lascia comprendere solo alla luce della creaturalità, che resta nell’horizonte di
una religiosità ‘naturale’, sttruturale, pensata in termini essenzialistici. Solo alla lude della dottrina cristiana
dell’incarnazione del figlio di Dio sembra possibile, per la filosofia, concepirse come lettura dei segni dei
tempi senza che ciò si riduca a una pura registrazione passiva del corso dei tempi. ‘Alla luce’
dell’incarnazione è di nuovo un’espressione che cerca de cogliere un rapporto la cui irrisolta problematicità
costituisce il nocciolo stesso dell’esperienza dell’eventualità: l’incarnazione di Dio di cui qui si tratta non è
solo un modo di sprimere miticamente ciò che la filosofia finalmente scopre in conclusione di una ricerca
razionale” (VATTIMO, G. La traccia della traccia. In: VATTIMO, G.; DERRIDA, J. La religione: annuario
filosofico europeo. Roma/Bari: Laterza, 1995. p. 88).
54
remetendo-se a este e às circunstâncias histórico-existenciais nas quais o homem se encontra
imerso: “O ser, que já não é pensado metafisicamente como presença, deve entender-se como
iluminação; tal iluminação acontece apenas no homem e pelo homem, o qual, todavia, não
dispõe dela, porque é a iluminação que dispõe dele”130. Como se tem insistido ao longo da
exposição, na época do ocaso da metafísica, o ser já não pode ser concebido como simples
presença e deve ser pensado como Ereignis, o dar-se do ser como evento131. Haja vista o
homem depender da linguagem como sede e lugar das aberturas históricas a reger o seu ser no
mundo, a linguagem não é mera instrumentalização da realidade, mas “um evento que dispõe
da suprema possibilidade do ser do homem”132. Isso porque, a linguagem é a sede da
eventualidade do ser enquanto a via do tornar e do manter “aberta” a rede de sentido em que
se encontra lançado o Ser e por este também instituída. Em síntese, a linguagem é o modo de
acontecer do evento e como tal requer não simplesmente ser recepcionada ou lida, mas
interpretada.
Considerar o vínculo entre Ereignis e a secularização/pensiero debole traz ao centro o
papel exercido pela racionalidade cristã junto à formação do que se compreende como cultura
Ocidental, dentro da qual o fazer filosófico se situa e se concretiza. Adicione-se a esse
conjunto o niilismo consumado (compiuto), a saber: o niilismo enquanto única chance,
apregoado por Vattimo, no qual reside a aceitação da superfluidade dos valores últimos como
inevitável destino. Uma vez que o Ereignis é a vinheta a anunciar a época de debilidade ou
melhor, do processo de debilitação do ser, o niilismo consumado deve ser compreendido
como única chance em dúplice sentido:
Antes de mais nada, num sentido efeitual, político: a massificação e a ‘midiatização’
–, e, também, secularização, desarraigamento, etc. – da existência moderna tardia é
acentuação da alienação, expropriação no sentido da sociedade da organização total.
A ‘desrealização’ do mundo pode não caminhar apenas na direção da rigidez do
imaginário, do estabelecimento de novos ‘valores supremos’, mas dirigir-se, ao
contrário, para a mobilidade do simbólico. Essa chance também depende – e esse é o
segundo sentido do termo – do modo como sabemos vivê-la, individual e
coletivamente. A recaída na contrafinalidade está ligada à tendência permanente a
viver a ‘desrealização’ em termos de reapropriação. A emancipação do homem
130
VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 117. 131
Em perspectiva a ampliar a reflexão sobre a compreensão do ser como Ereignis, Vattimo acentua: “No termo
da época da metafísica, o ser só pode pensar-se como aquilo que se apropria do homem, remetendo-se a ele.
Esta é uma tese que resume toda a trajetória efectuada por Heidegger desde Ser e Tempo até Nietzsche e
Carta sobre o Humanismo. O que agora é acentuado, de maneira nova, com o termo Uebereignen é o facto
de que não só o homem nunca existe sem o ser, mas também o ser nunca existe sem o homem [...] O ser
relaciona-se com o homem enquanto tem necessidade deste para acontecer; e o acontecer não é um acidente
ou uma propriedade do ser, mas é o próprio ser. Nem o homem nem o ser podem conceber-se como em ‘si’,
que depois se encontram em relação” (VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 116, grifo do
autor). 132
VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 132.
55
também consiste, decerto, como quer Sartre, na reapropriação do sentido da história
por aqueles que a fazem concretamente. Mas essa reapropriação é uma “dissolução”:
Sartre escreve que o sentido da história deve ‘dissolver-se’ nos homens concretos,
que, juntos, a constroem. Essa dissolução deve ser entendida num sentido muito
mais literal do que Sartre a entende. Reapropriamo-nos do sentido da história
contanto que aceitemos que ela não tem um sentido de peso e peremptoriedade
metafísica e teleológica.133
Santiago Zabala sugere que esta caracterização da debilidade da razão propõe a
interpretação como um “vírus” que penetra os conceitos objetivos da metafísica e
progressivamente os enfraquece134. Na perspectiva de Vattimo, importa que tal “vírus”
mantenha continuamente sua tarefa de indebolimento (enfraquecimento) e deste modo, como
se propõe, siga sua vocação um tanto “anárquica”. Assim sendo, a hermenêutica de cunho
debole pode ser considerada resposta atual aos problemas circundantes tais como
totalitarismos, intolerâncias, fundamentalismo religioso, xenofobia e outras formas
socialmente legitimadas de negação da alteridade. A estes problemas ainda presentes (ou
crescente, como é o caso da xenofobia135), a concepção do ser como fundamento, a noção de
uma verdade única, de princípios e valores absolutos não responde de modo satisfatório, por
nutrir e ou acirrar disputas e tensões em torno da afirmação da lógica afirmativa de um único
modo legítimo de ser e de pensar/conceber o princípio regente da “realidade”, a qual será
oportunamente problematizada no terceiro capítulo.
Nesse horizonte proposto, a constatação do caráter eventual do ser corresponde a
tarefa não apenas teórica, mas também ética e política a oferecer chave hermenêutica capaz de
assegurar a possibilidade de coexistência da multiplicidade de aberturas históricas e da
interpelação de sendas e veredas existenciais por meio das quais se concretiza o processo de
redução da violência metafísica de outrora.
Uma vez circunscrita a perspectiva desde a qual se toma o termo evento como espinha
dorsal do pensar de Vattimo, cabe delimitar em que medida se propõe a compreensão deste
mesmo evento como evento estético.
133
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 14-15. A reflexão sobre a secularização perpassa os
escritos de Vattimo e permite melhor compreensão também de outras categorias: “[...] deve seguire quella
strada Verwindung, della accettazione-distorsione, che esce dalla metafisica solo per la via di una sua
prosecuzione secolarizzante” (VATTIMO, G. Metafisica, violenza, secolarizzazione. In: VATTIMO, G.
(Org.). Filosofia 86. Roma/Bari: Laterza, 1987. p. 75). 134
ZABALA, S. Curso de hermenéutica. Barcelona: Universitat de Barcelona, mar. 2014. (Master en Derechos
Humanos). 135
Cf: CARTA, G. A xenofobia cresce na Europa. Carta Capital, São Paulo, 21 dez. 2014. Disponível em:
<http://www.cartacapital.com.br/revista/831/a-xenofobia-em-fermento-4240.html>. Acesso em 19 ago. 2016.
56
2.2 O evento do ser como evento estético
O ser não é outra coisa que sua história, sua época. [...] O ser não é senão a
iluminação do âmbito por meio do qual os entes aparecem.136
O caráter eventual do ser encontra-se plasmado à paradoxal situação de ambiguidade a
caracterizar a constatação do fim da metafísica e da inevitável saída definitiva desta,
albergada pelas fendas abertas mediante a compreensão expressa e subjacente ao teor
propositivo encampado pelo rimettersi:
Dizer que o ser é evento significa em todo caso pronunciar, ainda em linguagem
metafísica, conscientemente e verwunden, a última proposição da metafísica (esta,
por fim, se cumpre e se conclui, culmina, no niilismo, o qual apresenta esta mesma
proposição); em outros termos, é o mesmo processo de desfundamento por meio da
extremização da lógica da fundação, que Nietzsche descreve com a proposição
‘Deus morreu’.137
Ademais, o ser como evento comporta também a assunção do niilismo compiuto como
única chance e com o qual o sujeito pós-moderno inevitavelmente precisa se haver, caso ouse
positivamente romper com as malhas sedutoras do niilismo reativo orquestrado
saudosisticamente sob o crivo da busca constante de reafirmação dos valores sólidos do
passado.
A filosofia de Vattimo apresenta arquitetura extremamente bem articulada e dinâmica,
a permitir arranjos e rearranjos diversos e (des)contínuos, de acordo com a perspectiva
privilegiada. As dimensões de continuidade e de descontinuidade entre os elementos
constitutivos do pensar de Vattimo podem ser expressas conforme uma lógica segundo a qual
o filósofo italiano sempre preserva a ambiguidade inerente às coisas (conceitos, horizontes,
chaves interpretativas, proposições, etc.). Igualmente o filósofo se previne do risco da
afirmação de nova totalização enquanto edito unívoco da predominância da mera
ambiguidade dialética como critério hermenêutico para a filosofia contemporânea.
Como Vattimo rompe com o risco da proposição de novo absoluto? O filósofo aponta,
em termos de anúncio/constatação (fim da metafísica) e em termos de profecia (niilismo como
única chance), para o processo de enfraquecimento das próprias estruturas constitutivas dos
pilares a compor a arquitetura filosófica em jogo, a saber: tanto das estruturas guias dos
pilares garantidores do dado metafísico (a VERDADE, a objetividade, a norma absoluta, o
136
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 39. 137
VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 125.
57
pensamento único); quanto das estruturas chave dos pilares responsáveis pela difusão dos
veios mensageiros da emergência de dissolução da coercitividade e da violência dos absolutos
anteriormente vigentes.
A arquitetura a desenhar o pensar de Vattimo pode ser melhor compreendida e
exemplificada à luz de imagem possibilitada pelo brinquedo LEGO138, mediante o qual as
peças ou tijolos permitem a criação e a recriação de múltiplas combinações, sobreposições,
encaixes e disposições tanto ordenadas quanto aleatórias. LEGO trata-se de jogo criativo e
dinâmico cujas peças condensam em si rico universo de possibilidades e são passíveis de
reorganizações e sempre horizonte de novas descobertas. O justo e ou devido encaixe entre as
peças não limita o universo de possibilidades combinatórias, antes o maximiza e garante
maior interação criativa com os sujeitos operantes da lógica arquitetônica em jogo.
Paralelamente, as “peças” teóricas a comporem a arquitetura do pensamento filosófico de
Vattimo também possuem tal versatilidade de manejo interpretativo e riqueza de horizontes a
indicar sempre novas possibilidades de realização. Não ingenuamente optou-se por se discutir
a temática da secularização (capítulo I) antes de se adentrar no seio da questão do ser como
evento (capítulo II), uma vez que a compreensão proposta deste implica a lucidez das
implicações presentes no capítulo I139.
O processo cultural e religioso de secularização presente no Ocidente enquanto
herança da racionalidade judaico-cristã, a nutrir e a difundir a vocação debole do pensamento,
culmina por favorecer a compreensão fenomenológica-filosófica do ser como evento. Na
perspectiva da filosofia da religião, a noção de secularização cristã adquire centralidade para
se pensar o destino do cristianismo; em termos ontológicos, evento emerge como vínculo
fulcral entre o ser e o seu (des)velamento histórico. Como se propõe, há um paralelo entre
138
Para melhor conhecer o jogo LEGO visite a página web: <https://www.lego.com/es-es>. Lançado em meados
da década de 1950, o brinquedo LEGO originariamente apresentava peças passíveis de múltiplas
combinações e recombinações a possibilitarem a criação de vários arranjos arquitetônicos. Uma versão
contemporânea de tal edição se encontra à venda nos dias de hoje com o nome de LEGO Classic,
recomendada para as pessoas com idade entre 4 a 99 anos. Tal versão apresenta peças dinâmicas a permitir
multiplicidade de encaixes e de combinações. A pós-modernidade, por sua vez, assiste à crescente oferta de
LEGOS temáticos (LEGO City, LEGO Pokemón, LEGO Super Herois, LEGO Star Wars, etc) a melhor
atenderem a lógica lucrativa do mercado. Estes estimulam sobremaneira o consumo, pois a finalidade das
peças reside na efetivação de um encaixe único pré-determinado por roteiro/manual de montagem, como
revés saudosista de uma experiência objetiva e normativa da realidade. A diversão prometida consiste no
mero encaixar as peças segundo um arranjo pré-estabelecido e daí se colecionar as estruturas montadas. Ao
se referir por analogia ao universo do LEGO, a presente tese considera de modo exclusivo a versão Classic
do brinquedo, pois esta apresenta perspectiva indeterminada, plural e dinâmica, evocadora da liberdade
criativa do sujeito, assim como os horizontes abertos pelo ser como evento estético. 139
Eleger metáfora oriunda da construção para se referir à desconstrução metafísica atende às demandas
filosóficas em voga uma vez que só se pode sair da metafísica remetendo-se a ela (Verwindung) e a
representação aqui lançada pelo Lego remete imageticamente a uma construção a possibilitar novos arranjos,
agora abertos e dessa forma desprovidos da violência do pensamento único.
58
secularização e evento, e simultaneamente a compreensão de um possibilita melhor
compreensão do outro. O divórcio por vezes estabelecido entre secularização e evento, assim
como entre kênosis cristã e pensiero debole, culmina por promover visão claudicante do
pensar de Vattimo140.
A representação trazida à baila por meio da alusão às caleidoscópicas interações e
aberturas possíveis a partir da comunicação das peças do brinquedo LEGO, permanece ainda
no plano do palpável e sensível, ainda que as combinações seguintes não necessariamente
dependam do encaixe real e já comportem o vislumbre de algo possível como projectualidade.
Richard Rorty atenta para imagem de cunho mais virtual indicada por Vattimo ao considerar
que a possibilidade de superação da metafísica se abre quando a tecnologia socialmente
hegemônica deixa de ser simplesmente mecânica e se converte em tecnologia da informação e
da comunicação141. Os meios de comunicação foram decisivos junto ao processo de dissolução
das grandes narrativas e no consequente processo de secularização em marcha.
Anterior à propagação da internet Vattimo já aludia sistematicamente ao poder dos
mass media junto à reconfiguração da realidade, uma vez que “a rádio, a televisão, os jornais
se tornaram elementos de uma grande explosão e multiplicação de Weltanschauungen, de
140
No Brasil, alguns programas de pós-graduação em Filosofia apresentam certa resistência a Vattimo por
considerarem erroneamente seu pensamento mera extensão do pensar de Heidegger/Nietzsche ou por
subqualificarem o horizonte filosófico do autor em função de seu trânsito pela discussão religiosa cristã.
Desse modo, os discentes desses programas tendem a negligenciar a produção vattimiana a refletir questões
do universo do Cristianismo, ainda que tal abordagem se dê sempre sob a óptica filosófica e cultural – como
o próprio Vattimo registra e demonstra. Inversamente, os discentes dos programas de pós-graduação em
Teologia e em Ciências da Religião frequentemente passam à margem de textos acentuadamente filosóficos
do autor. No tangente à minha experiência pessoal na interlocução com professores de Filosofia de
universidades brasileiras, sempre me foi sugerido estudar Heidegger e não Vattimo. O próprio programa de
pós-graduação por meio do qual ora se propõe este trabalho apresentou certa “resistência” ao autor e
simultaneamente destacou a dificuldade de se ter na casa professor para orientar a execução da tese. A
recepção de Vattimo no Brasil deu-se de modo privilegiado pela via da discussão religiosa cristã e a
consequente tradução e publicação de obras sobre a temática. Inclusive tive meu primeiro contato com o
autor via um programa de pós-graduação em Teologia (FAJE) durante os créditos cursados para a obtenção
do título de mestre em Teologia. Durante minha estância em Barcelona (2013-2014) pude constatar a grande
difusão do pensar filosófico de Vattimo pela Europa, sobretudo na Espanha. Durante a participação em
eventos de Filosofia em Buenos Aires (Argentina) pude constatar a grande receptividade do pensamento do
autor junto à Universidad de Buenos Aires (UBA) não necessariamente pela via da reflexão sobre a religião
cristã. Inclusive o Editorial FEDUN (Buenos Aires) lançou, em 2014, coleção intitulada Biblioteca Gianni
Vattimo a reunir palestras do autor em três títulos já publicados: De la realidad a la verdad; Esperando a los
bárbaros; Dios es comunista (ver referências ao final). 141
Cf. RORTY, R. Heideggerianismo e política de izquierdas. In: ZABALA, S. (Ed.). Debilitando la filosofía,
op. cit., p. 185. Sobre Vattimo, escreve Rorty: “Una de sus contribuiciones más destacadas al pensamiento
filosófico es la sugerencia de que Internet proporciona un modelo para las cosas en general – que el
pensamiento sobre la ‘World Wide Web’ nos ayuda a salirnos del esencialismo platónico, la búsqueda de
naturalezas subyacentes, ayudándonos a ver todo como una red de relaciones constantemente cambiantes.
Nas palabras do próprio Vattimo: “La tecnologia che di fatto lascia intravedere la possibilità di una
dissoluzione della rigida contrapposizione tra soggetto e oggetto non è la tecnologia meccanica del motore,
con il suo movimiento unidirezionale dal centro alla periferia, ma potrebbe ben essere, invece, la tecnologia
della comunicazione, la tecnica di raccolta, ordinamento e distribuizione delle informazioni” (VATTIMO, G.
Nichilismo ed emancipazione, op. cit., p. 26).
59
visões do mundo”142. A multiplicidade de visões de mundo torna impensável a concepção da
história segundo pontos de vista unitários. Paradoxalmente, as bases para a emancipação do
sujeito se encontram nessa mesma história caracterizada por diversidade muitas vezes
saudosista da visão unitária. Evidentemente os mass media também podem direcionar seus
esforços para a manutenção do status quo metafísico.
Obviamente quando Heidegger propõe a compreensão do ser como evento a sociedade
ainda não dispunha das bases técnicas que permitem a Vattimo conjecturar a possibilidade de
superação da metafísica por meio da passagem da tecnologia à comunicação elucidada por
Rorty a partir do modelo da internet. Nessa perspectiva, historicamente situado o LEGO
permite aproximação à noção de evento como abertura e possibilidade a ter seus horizontes
epocais transmutados e ampliados a partir das condições a comporem as circunstâncias do
evento do ser na situação presente.
Ao se adjetivar o termo evento e ao tomá-lo como evento estético intenta-se em via
tríplice repropor e demonstrar:
1- Em que medida a obra de arte emerge como via privilegiada do evento do
ser/acontecimento da verdade;
2- A centralidade da reflexão estética junto à arquitetura143 do pensar hermenêutico de
Vattimo compreendido como ontologia da atualidade144;
3- A importância da reflexão filosófica sobre a arte para a elucidação da questão
principal da filosofia – a ontologia, o problema do ser. Ou, de outro modo, o
problema ocidental do esquecimento do ser e de sua consequente e indevida
redução ao ente145.
Perseguir o percurso do evento estético subjacente ao papel por este desempenhado
142
VATTIMO, G. A sociedade transparente. Lisboa: Relógio d’água, 1992. p. 11, grifo do autor. 143
Como se tem insistido, anárquica e não violenta. 144
De modo provisório, Vattimo define a estética logo no início de sua obra Poesia e ontologia: “[...]
entendemos por estética lo que, históricamente, lleva ese nombre, es decir, un conjunto de reflexiones sobre
la estructura y el valor, en relación con la vida del hombre, de esa experiencia que nos pone en contacto con
la ‘obra de arte’ o con lo bello” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 28). 145
Ou seja, assumir como tema central o problema da diferença ontológica, a qual pode ser compreendida nos
mesmos termos da epoché heideggeriana: “La epoché heideggeriana es aquel carácter del ser por el cual el
ser se da y se oculta al mismo tiempo en el aparecer de los entes (es decir, de las cosas y de las personas que
pueblan el mundo). El ser, en efecto, se da en cuanto que es la luz dentro de la cual los entes aparecen; y por
otra parte, precisamente para que los entes puedan aparecer, subsistir de algún modo en el horizonte que él
instituye, el ser mismo como tal se sustrae” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 26, grifo do autor). O
fundamental da noção heideggeriana de epoché reside na tônica dada à diferença entre o ser e os entes. De
outro modo, o reconhecimento de que o ser, por meio do qual os entes são, não pode ser confundido com os
entes ou mesmo pensado como um ente, nem mesmo como um ente supremo entre os entes (Cf. VATTIMO,
G. Poesía y ontología, p. 27ss.).
60
junto à hermenêutica desenvolvida por Vattimo implica metodologicamente problematizar sua
genealogia presente na estética ontológica e elucidar a original anarquia não violenta
instaurada pelo evento do ser, o qual não se traduz em programas histórico-políticos
determinados nem tampouco se expressa em uma verdade objetiva146, uma vez que “não há
experiência da verdade senão como ato interpretativo”147, o que configura por si só também
uma interpretação, pois caso contrário poderia se converter em nova tese metafísica.
Justamente nesse cenário impõe-se o conceito chave evento, aqui tomado como evento
estético, uma vez que o ser é evento hermenêutico, ou seja, um acontecimento marcado por
horizontes históricos e linguísticos, por meio dos quais se pode falar de sua historicidade e
contingencialidade - sobretudo a partir da tensão velar e desvelar presente na obra de arte.
Aqui não se trata de historicismo objetivo e previsível, pois o viés argumentativo oferecido
pela hermenêutica em prol da sustentação da legitimidade da interpretação (pensada no plural)
têm consciência de que são somente interpretações, uma vez que até isso mesmo já é também
uma interpretação.
A partir da compreensão do ser como evento estético, em sintonia com a exigência da
destruição heideggeriana da metafísica, a verdade já não pode ser concebida como
conformidade das proposições à evidência ou estado das coisas. Pelo contrário, a verdade se
expressa como abertura porque consiste em um contínuo colocar em discussão nossos
horizontes históricos e nossos juízos já pré-estabelecidos. Por conseguinte, importa não
simplesmente propor descrição mais adequada da verdade, senão investigar o sentido do ser
como evento, uma vez que o evento do ser é o acontecer da verdade, não como adequacio148,
evidência, mas como o dar-se histórico diante do qual nós nos situamos lançados como
intérpretes. “Como intérpretes partícipes não podemos senão viver o evento em termos de
conflito. A verdade faz-nos livres e nos redime [...] somente enquanto participamos
146
Segundo Nietzsche: “El ser humano proyecta en un cierto sentido fuera de sí su impulso a la verdad, su ‘fin’,
a modo de mundo de lo que es, a modo de mundo metafísico, a modo de ‘cosa en sí’, a modo de mundo ya
existente (NIETZSCHE, F. El nihilismo europeo, p. 97). 147
VATTIMO, G. Más allá de la interpretación, op. cit., p. 41. Vattimo insiste: “Hermenéutica es, como se
sabe, la filosofía que pone en su centro el fenómeno de la interpretación, es decir, una conciencia de lo real
que no se piensa como espejo objectivo de las cosas de ‘ahí afuera’, sino como una captación que lleva en sí
la impronta de aquel que ‘conoce’” (VATTIMO, G. La tentación del realismo. In: ALVAREZ, L. (Org.).
Hermenéutica y acción, op. cit., p. 12). 148
A crítica de Heidegger à verdade como adequacio encontra-se formulada no parágrafo 44 de Ser e tempo:
“Que el enunciado sea verdadero significa que descubre al ente en sí mismo. Enuncia, muestra, ‘hace ver’
(ἀόςal ente en su estar al descubierto. El ser-verdadero (verdad) del enunciado debe entenderse
como un ser-descubridor. La verdad no tiene, pues en absoluto, la estructura de una concordancia entre
conocer y objeto, en el sentido de una adecuación de un ente (sujeto) a otro (objeto)” (HEIDEGGER, M. Ser
y tiempo, p. 235, grifo do autor).
61
ativamente em seu evento comprometendo-nos com o conflito”149.
Afirmar a verdade como abertura implica considerar que da verdade se faz experiência
hermenêutica e, como se propõe, em termos que se podem dizer estéticos150. Isto porque, em
se tratando de hermenêutica comprometida com a ontologia, o modelo estético é o modelo
privilegiado sobre cuja base se pensa a experiência da verdade. Não por acaso, a estética é
“[...] desde o ponto de vista ontológico, tudo aquilo que concerne ao significado do fenômeno
da arte, desde a descrição ‘transcendental’ da experiência estética até a definição do
significado que tem, para a época do ser, uma determinada obra de arte”151. A estética
ontológica se opõe às pretensões de alcance da essência pura do fenômeno, ainda que tal
essência seja considerada acessível via estruturas culturais cunhadas e garantidas pela
tradição. A possibilidade de acesso ao fenômeno realiza-se mediante o seu dar-se histórico
inerente à realização das maneiras do homem a este referir-se, munido do conjunto de
significados de determinada tradição cultural e de seus horizontes outros de mundo. A
filosofia hermenêutica em sintonia com a estética ontológica reconhece que a “essência” do
fenômeno só pode ser compreendida como evento e ademais como evento do ser mesmo.
Nesse contexto, a dimensão extrametódica152 da verdade defendida por Gadamer, é
para Vattimo expressão perfeita do conceito evento,
uma vez que a ‘verdade da hermenêutica’ como teoria alternativa frente a outras
(sobretudo frente ao conceito de verdade como ‘reflexo’ dos ‘fatos’) não pode
legitimar-se pretendendo valer como a descrição adequada de um estado de coisas
metafisicamente fixo (não existem fatos, somente interpretações), senão que deve
149
VATTIMO, G. De la realidad: fines de la filosofía, op. cit., p. 141. Acerca da interpretação, escreve Vattimo:
“La hermenéutica no es más, por tanto, ya en Schleimarcher, disciplina reservada a los problemas de la
explicación de textos particularmente remotos, o difíciles, o decisivos (como son los textos particularmente
remotos, o difíciles, o decisivos (como son los textos clásicos, los textos jurídicos, la Biblia), sino que se
aplica a cualquier tipo de mensaje, ya sea escrito u oral” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op. cit., p. 86). 150
Cabe ressaltar que Gadamer não inicia fortuitamente a discussão de sua obra “Verdade e método” com a
reivindicação da verdade da arte. O filósofo alemão se opõe à hegemonia do método científico ao afirmar a
possibilidade da experiência extrametódica da verdade presente além dos conceitos já estabelecidos: “Non
c’è nell’esperienza dell’arte una rivindicazione di verità, diversa certo da quella della scienza, ma altrettanto
certamente non subordinabile ad essa? E il compito dell’estética non è proprio quello di fondare teoricamente
il fatto che l’esperienza dell’arte è un modo di conoscenza sui generis, diversa beninteso da quella
conoscenza sensibile che fornisce alla scienza i datti sula cui base essa costruisce la conoscenza della natura,
diversa altresì da ogni conoscenza morale della ragione e in generale da ogni conoscenza concettuale, ma
tuttavia pur sempre conoscenza, cioè partecipazione di verità”? (GADAMER, H-G. Verità e metodo, op. cit.,
p. 219). 151
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 44. 152
Dimensão extrametódica da verdade no sentido de esta não se deixar circunscrever e ou se delimitar pelo
ordenamento lógico a reger a ciência enquanto proposição de hipóteses, realização de testes de verificação e,
a partir da análise de casos particulares, formulação de teorias a serem aplicadas com pretensão de
universalidade. De outro modo, a afirmação da dimensão extrametódica da verdade se opõe à “[...] reducción
de la verdad al ámbito del método científico-positivo, reducción que ha tenido lugar a lo largo de los siglos
XVIII y XIX (y en la cual el katismo ha desempeñado um papel decisivo” (VATTIMO, G. Ética de la
interpretación, op. cit., p. 68).
62
reconhecer-se também ela como uma interpretação, sua única possibilidade é
argumentar-se como tal, isto é, como uma ‘descrição’ interna ou leitura sui generis
da condição histórica em que há sido lançada, e que decide orientar para uma
direção determinada para a qual não dispõe de outros critérios que aqueles que
herda, interpretando, desta mesma proveniência.153
Em síntese, elege-se como fio condutor da tese a noção de evento estético, a qual se
encontra subjacente à gênese e à composição da arquitetura estética da ontologia da atualidade
(a proposta hermenêutica de Vattimo). Arquitetura que se desenvolve como estética
ontológica, a qual possibilita e ilumina a formulação posterior e a compreensão da ontologia
da atualidade. Esta última, por sua vez, a comportar a novidade hermenêutica constitutiva da
filosofia de Vattimo, como se verá no próximo capítulo.
A noção vattimiana de evento permite situar, compreender e difundir as implicações
estéticas da ontologia da atualidade levada a cabo como pensamento pós-metafísico. Para
demonstrar tais hipóteses, é importante elucidar como se relacionam evento e estética
ontológica e em que medida a estética ontológica possui relevância para a compreensão do
termo evento e a centralidade deste junto à ontologia da atualidade. Advoga-se a existência de
circularidade hermenêutica entre estética ontológica e evento estético a traçar o cenário de
interdependência e de chave interpretativa recíproca entre as “partes” a serem devidamente
tomadas em sua intrínseca unidade, vínculo relacional e morada historicamente provisória e
situada no hoje da manifestação do ser (enquanto convergência de horizontes ontológicos e
rede de significado e de significações entrelaçadas e comprometidas com a não redução do ser
ao ente); e em seu extrínseco modo de se dar historicamente em perspectiva futura
(caracterizado pela abertura adveniente a garantir o processo de não apreensão absoluta do
fenômeno e de seu não esgotamento no presente, bem como possível de ser contextualizado
em cada época).
Considerar a estética ontológica implica necessariamente o trazer ao presente o evento
do ser enquanto fenômeno e, portanto, pensar tal conceito sempre em dinâmica relacional.
Interessa elucidar como se dá e o que se passa com esta circularidade de crivo aberto. Da
mesma maneira intentar-se-á, a partir de tal circularidade, compreender o ser e o que ainda
153
VATTIMO, G. De la realidad: fines de la filosofía, op. cit., p. 96-97.
63
resta dele na atualidade154. Cabe ressaltar que ao propor a ontologia da atualidade como via
privilegiada de se avançar para além da interpretação, Vattimo busca salvaguardar a
perspectiva hermenêutica com sua pluralidade histórico-destinal irredutível à tentação do
realismo155, bem como às determinações objetivas, uma vez que tal discurso é marcado pelo
acento aberto à historicidade.
A estética ontológica, por sua vez, deve assumir desde o princípio o problema do ser
(e de seu esquecimento) como questão autêntica da filosofia. Enquanto estética, não somente
situe no centro a reflexão sobre a arte, mas também enquanto estética filosófica (e filosofia
propriamente dita) tenha diante de si a problemática central da metafísica de herança
heideggeriana: a relação e afirmação da diferença entre o ser e os entes a ser garantida por
uma estética ontológica que leve a cabo a centralidade dessa diferença ontológica para a
reflexão sobre a obra de arte e a devida reproposição do problema do ser na
contemporaneidade.
Justamente no esforço atual de se buscar outro modo de se pensar o que se passa com
o ser ganha corpo a noção de evento estético e se desenha a ontologia hermenêutica
estritamente atenta às reflexões propostas por Heidegger, das quais derivam a noção do ser
como evento (Ereignis, aqui adjetivado como evento estético). Ainda que o termo evento
pudesse vir adjetivado como político, religioso, existencial, humano, crítico, hermenêutico,
etc., compreende-se que da verdade se faz experiência interpretativa e que tal experiência
abarca dimensão estética. Estético, de evento estético, justamente a já condensar os termos
anteriormente mencionados, uma vez que por si só implica a historicidade, a dimensão
154
Para Santiago Zabala, depois da destruição da metafísica a filosofia ainda deve se propor a pergunta sobre o
significado da própria metafísica, bem como repensar o lugar da ontologia no tangente ao destino do ser.
Neste caso, a questão se refere ao que passa com o ser depois do fim da metafísica. Para aclarar o que
significa pensar o ser em nossa situação presente, ou de outro modo, o que passa com o ser ou mais
precisamente com os restos que se tem dele, Santiago Zabala propõe a “ontología de los restos del ser”. O
filósofo reconhece que aquilo que denomina ontologia dos restos, Vattimo há nomeado de ontologia da
atualidade: “y su cuestión fundamental es muy parecida a la mía. ‘Ontología de la actualidad’, explicó
Vattimo en Nihilismo y emancipación, ‘significa aquí un discurso que intenta aclarar qué significa el ser en la
situación presente’. Su respuesta a esta pregunta es el ‘acontecimiento de la debilidad’, el cual halla también
un espacio productivo en la pregunta ‘Qué pasa con el ser?’” (ZABALA, S. Los remanentes del ser:
ontología hermenéutica después de la metafísica. Barcelona: Edicions Bellaterra, 2010. p. 97). Considerar
uma ontologia dos restos implica a busca pelo que ainda resta do ser. Aquilo que Derrida chama de pegadas
(la trace), Santiago Zabala desenvolve em sua reflexão como os restos do ser. 155
A temática da tentação do realismo se encontra presente em muitos momentos da obra de Vattimo. A título
de ilustração: VATTIMO, G. A tentação do realismo, op. cit., 2001. Recentemente escreveu obra na qual
amplia a questão: VATTIMO, G. La tentación del realismo. In: ALVAREZ, L. (Org.). Hermenéutica y
acción, op. cit., p. 91-104 (publicada em italiano no ano de 2012). Por tentação do realismo Vattimo
compreende a tentação advinda da ideologia autoritária a compor o cenário de uma “ditadura” apregoada pela
realidade enquanto instrumento de imposição do conformismo e de aceitação de uma suposta ordem vigente
a garantir o status quo da “realidade” objetiva, avessa à constante prática da interpretação tão cara à
hermenêutica, esta enquanto instrumento cognitivo capaz de superar a ditadura do presente.
64
política da obra de arte, a dimensão humana do interlocutor, do artista, da sociedade em que
se encontra inserida, assim como circunscreve as perspectivas existencial e crítica do ser
humano.
2.3 “Verdade” e nuances da recepção da hermenêutica filosófica a partir da
compreensão do ser como evento estético
A existência do homem no mundo pode ser compreendida como projeto, uma vez que
a realidade não é algo à qual o ser humano simplesmente se adéqua ou assiste passivamente
desde um camarote pré-determinado, como por exemplo, ao desfile sinestésico de uma escola
de samba cuja composição organizacional obedece a regras previamente instituídas por uma
entidade agremiativa e deve necessariamente conter comissão de frente, carro abre-alas,
samba-enredo, alegorias, fantasias, casal de mestre sala e porta-bandeira e etc.
O modo de ser do ser humano no mundo é sempre aquele do projetar-se e do
confrontar-se com os horizontes abertos mediante rede entrelaçada de significados e de
possibilidades de escolhas a constituir esse ser do homem no mundo156. Rede esta a se
reconfigurar de acordo com os contextos históricos e existenciais implicados.
Consequentemente, o exercício do entendimento humano não obedece a nenhum a priori
transcendental ou a esquemas metafísicos a ainda reativamente considerar o ser como algo
forte, já dado e revelado de uma vez por todas. Pelo contrário, o entendimento humano
encontra-se em grande medida “refém” da linguagem e se subordina impreterivelmente a
variantes interpretativas, conceituais (com a própria questão da limitação dos conceitos e da
linguagem), históricas (inclusive nas quais a linguagem se insere e se manifesta). Donde se
depreende a não universalidade da apreensão e a não uniformidade da interpretação do dar-se
histórico do ser como evento. Do já exposto, constata-se a impossibilidade de se reproduzir o
evento do ser de modo igual para todos (como se fosse uma experiência de laboratório ou se
tratasse da aplicação de fórmulas matemáticas) e se reafirma o seu caráter histórico, originário
de novas visões e de interpretações imbricadas à dimensão conflitiva do mundo enquanto
abertura à verdade, considerando-se esta a excluir uma concepção a comportar a apreensão de
objeto ou dado como algo passível de um conhecimento geral e universal.
156
Nessa perspectiva: “[...] il mondo si rivela non solo come il panorama spettacolare della verità come
proposizione conforme al reale, ma come campo di scelte, luogo di errore, scontro di prospettive diverse,
proprio per questo non si potrà pensare la verità come apertura trascendentale di una coscienza in generale, di
una ragione sempre uguale a se stessa e uguale in tutti gli uomini, ma invece come prospettiva via via
determinata in cui l’esserci si trova gettato” (VATTIMO, G. Arte e verità nel pensiero di Martin Heidegger,
op. cit., p. 96-97).
65
Se se considera a dimensão aberta de acolhida e de experiência do caráter eventual do
ser, a própria noção de verdade (amplamente plasmada à discussão da ontologia), há de se
evidenciar a via também conflitiva das próprias condições de possibilidade de acontecimento
da verdade. O evento do ser como via de possibilidade do acontecimento da verdade
coimplica dúplice sentido da categoria verdade, a saber:
1- Verdade como ἀλήθεια (alétheia), explicitada por Heidegger em “Ser e tempo”– o
dar-se histórico do acontecimento que pelo fato de não se traduzir numa estrutura
eterna do ser metafísico deve forçosamente ser pensada como evento157;
2- Verdade como proposição passível de verificação de acordo com os critérios ou
paradigmas pré-estabelecidos pela ciência158.
A verdade como ἀλήθεια apresenta grande paralelo à compreensão do ser como
evento. O prefixo grego α (a) frequentemente indica a negação do conceito que se segue
imediatamente após sua utilização. Nesse caso, a negação da ocultação do que se encontrava
esquecido: des-ocultamento; re-velação; um trazer à luz a realizar a “iluminação” do que se
encontrava originariamente obscuro e velado.
Por sua vez, o mesmo prefixo “a” atenta para o fato de a verdade implicar o
reconhecimento da existência de uma não verdade manifesta a qual também conserva em si a
própria verdade. Aqui pode se pensar imageticamente num véu a sutilmente cobrir o corpo de
uma dançarina. Véu a se deslocar mediante os passos da dança em sincronicidade (ou não)
com a música a reger os movimentos, estes simultaneamente a revelar e a ocultar algo desse
corpo que de modo constante e dinâmico realiza o jogo mútuo e provocativo da revelação e
do ocultamento de si. E o corpo fala, expressa uma linguagem a ser lida, interpretada e situada
de acordo com o contexto histórico e por que não político e social no qual se encontra inserido
e no qual a música também se situa e se manifesta. A própria interpretação de uma partitura
157
Também em “A origem da obra de arte”, Heidegger problematiza a verdade como ἀλήθεια e seu
entroncamento com a obra de arte. A obra de arte constitui via privilegiada do acontecimento da verdade.
Nesse ensaio o filósofo alemão indica outras situações mediante as quais acontece a verdade como abertura
de um novo mundo, tais como a emergência de uma grande experiência moral ou do pensamento, ou da
criação de um partido político ou o sacrifício essencial (Cf. HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, op.
cit., p. 157). Entretanto, estas menções permanecem obscuras. No que tange à questão política, a adesão
frustrada de Heidegger ao nazismo pode ter emudecido a atenção filosófica para tal tema. “Sul piano
filosofico, la voce più autorevole della rivendicazione della ‘serietà’ esistenziale e storica dell’arte è quella de
Martin Heidegger. In due saggi risalenti alla metà degli anni Trenta, Hölderlin e l’essenza della poesia e
L’origine dell’opera de arte” (VATTIMO, G. Introduzione all’estetica, op. cit., p. 78-79, grifo do autor). 158
Aqui no sentido desenvolvido por Thomas Kuhn. Cf. VATTIMO, G. De la realidad: fines de la filosofía, op.
cit., p. 136ss.
66
musical varia de execução para execução, intérprete para intérprete, orquestra para orquestra e
cada auditório também se apropria de modo original da música e da dança a partir de suas
circunstâncias existenciais e de sua visão de mundo159. Ou seja, o dar-se da verdade não pode
ser considerado completa e nítida iluminação diante do sujeito como a apresentação de um
corpo de baile, mas o constante jogo, interlocução e articulação de vias e veredas
marcadamente desenhadas pela palheta de cores do conflito e da imprevisibilidade. Aqui se
situa a crítica heideggeriana à verdade como adequação (ou conformidade) da proposição a
um estado de coisas. A verdade como conformidade (adequatio) não ocorre no âmbito de uma
verdade devidamente compreendida como ἀλήθεια160.
Pode-se ainda estabelecer paralelo entre ἀλήθεια (Grego) e revelatio (Latim). A
palavra latina revelatio implica simultâneo velar e desvelar e foi assumida pela tradição cristã
como esforço de se compreender a revelação de Deus na história, ainda que tal revelação
historicamente não se esgote e sempre mantenha horizonte de “reserva de sentido”. Em
sintonia com a noção imbricada ao termo revelatio, o teólogo Bruno Forte posiciona-se
contrário à ideia hegeliana de Offenbarung161, segundo a qual a revelação implica o trazer à
tona o antes oculto, num total desvelamento. No contexto hegeliano predomina, segundo
Bruno Forte, a concepção de revelação como atitude de “retirada do véu” e correspondência
entre forma e conteúdo da revelação a expressar a correspondência e identidade entre o ser de
159
Nas palavras de Vattimo: “È a questo carattere che allude il termine greco alétheia, verità, che Heidegger
interpreta etimologicamente come non-nascondimento, svelatezza. La parola greca richiama un carattere
della verità che noi abbiamo sempre più dimenticato, cioè il suo essere un illuminarsi, un venire in luce
dell’ente, appunto uno scoprimento che, come Heidegger accentuerà sempre più nelle opere posteriori,
supone un’originario nascondimento” (VATTIMO, G. Arte e verità nel pensiero di Martin Heidegger, op.
cit., p. 39-40, grifo do autor). Como se depreende, Vattimo esclarece a compreensão da verdade como
iluminação, como abertura por meio da qual o ente aparece. Desse modo, a verdade acontece ao abrir
historicamente um horizonte de significação dentro do qual os entes se dispõem, se dão a conhecer, ainda que
permaneça no horizonte do ainda não, do que se pode compreender como uma reserva de sentido. A verdade
porta em si uma não verdade, oculta/esconde algo, o que caracteriza o caráter conflitual da verdade: “Il
concetto di verità come conflitto originário, come Ur-streit, è già implícito nel richiamo di Sein und Zeit
all’antico concetto di verità come ἀ-λήθεια, come non-nascondimento che suppone dunque sempre un
nascondimento più originario – richiamo che costituisce uno dei motivi più costanti e fecondi di tutta la
speculazione heideggeriana. Il suo senso è la messa in luce del carattere eventuale dela verità, la quale non è
mai un darsi accidentale di ciò che peraltro è già lì come semplice-presenza, ma lo schiudersi di una totalità
di rapporti che si istituiscono mentre si aprono” (VATTIMO, G. Essere, storia e linguaggio in Heidegger,
op. cit., p. 117, grifo do autor). 160
HEIDEGGER, M. Ser y tiempo, p. 239: “El resultado de la interpretación ontológico-existencial del
fenómeno de la verdad ha sido el siguiente: 1. Verdad, en el sentido más originário, es la aperturidad del
Dasein, aperturidad a la que pertenece también el estar al descubierto de los entes intramundanos. 2. El
Dasein está cooriginariamente en la verdad y en la no-verdad”. Segundo Vattimo: “È noto che Sein und Zeit
aveva opposto, alla nozione metafisica de verità come adeguazione della proposizione allo stato di cose,
un’idea di verità come progetto esistenziale [...]” (VATTIMO, G. Etica dell’interpretazione. Torino:
Rosemberg & Sellier, 1989. p. 111, grifo do autor). 161
Etimologicamernte, Offenbarung significa “gestação” e “abertura do aberto”. FORTE, B. A essência do
cristianismo. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 53.
67
Deus em si mesmo e o seu revelar-se na história162.
Paralelamente à revelatio (atribuída à revelação cristã), ἀλήθεια (em perspectiva
ontológica) apresenta o dar-se e o reservar-se do ser por meio do evento e no jogo do
revelando-se velar-se (ou calar-se) a partir não do modo de ser dos entes, mas das próprias
condições e limitações da linguagem e circunstâncias humanas no desafio de interpretar o dar-
se do ser como evento.
Heidegger também alude ao fato de já no pensamento grego a relação intrínseca e
originária entre revelação e ocultamento ter sido esquecida em detrimento do distanciamento
da noção da não-verdade subjacente à verdade como ἀλήθεια:
A essência da verdade como ἀλήθεια permanece impensada no pensamento dos
gregos e com maior razão na filosofia posterior [...]. Para nós, a essência da verdade
corriqueira, a correção do representar, surge e desaparece frente à verdade como
desvelamento do sendo.163
Por sua vez, a filosofia desde sempre associou a verdade ao ser164.
Se por um lado não existem critérios últimos e dogmáticos a determinar e a validar o
que seja a verdade; por outro, inversamente não se pode afirmar a não existência de critérios
ou critério norteador do vislumbre e do iluminar de um horizonte possível de reconhecimento
da existência da verdade como ἀλήθεια. O critério “forte” de apreensão da verdade exprime-
se aqui na constatação do ser como evento. E sua força expressa mediante o destino de
enfraquecimento dos pilares inquestionáveis de outrora reside justamente na historicidade, na
vocação à epocalidade, na abertura de horizontes, como se tem insistido ao longo da redação.
Evidentemente não se trata aqui da afirmação de relativismo conceitual (na perspectiva
teórica), tampouco de relativismo de valores (na perspectiva ética). Encontra-se em jogo e aqui
se defende, segundo a apropriação realizada do pensar de Vattimo, a relatividade das relações
interpretativo-conjecturais a engendrar teórica e eticamente uma arquitetura pulsantemente
anárquica a sustentar a admissibilidade do pensiero debole como viés não totalizante, não
162
Bruno Forte retoma a etimologia da categoria revelação, presente no termo latino revelatio. Nesse contexto,
apresenta duplo significado: refere-se ao que simultaneamente revela e oculta. Tal dialética de abertura e de
ocultamento, indicada “[...] na etimologia da palavra latina ‘revelatio’ (como também na da palavra grega
apokalipsis: o prefixo ‘re-’ nas palavras compostas, tanto tem o sentido de repetição de algo idêntico [...],
quanto o de passagem para situação oposta [...] ‘Re-velar’ quer, portanto, dizer o ato da passagem do oculto
para o manifesto [...], mas nunca exclui totalmente uma reduplicação, um permanecer do véu, até mesmo um
colocar do véu mediante a repetição, justamente no ato em que parece ter sido ele retirado [...]” (FORTE, B.
Teologia da história: ensaio sobre a revelação, o início e a consumação. São Paulo: Paulus, 1995. p. 56). 163
HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, op. cit., p. 127-129. Segundo explicita Vattimo: “Em Platão, o
verdadeiro é a ἰδέα, ou seja, o ente visível ao intelecto, o ente enquanto inteligível. Aqui o que conta na
verdade é o revelar-se, o aparecer na presença, e esquece-se o obscuro e o oculto, donde procede o
manifestar-se” (VATTIMO, G. Introdução a Heidegger, op. cit., p. 92-93). 164
HEIDEGGER, M. Ser y tiempo, p. 229: “La filosofía ha asociado desde antaño la verdad con el ser”.
68
violento e não determinante da realidade. O pensiero debole expressa o índice de
indeterminação e de não enclausuramento do ser devidamente compreendido como evento. Tal
reivindicação não tolhe, tampouco castra a capacidade fundante do pensamento de propor e
repropor indefinidamente interpretação ou dinâmica interpretativa acerca das circunstâncias
perante as quais o ser aí se encontra e se dá a conhecer ainda que de modo provisoriamente
situado. A dimensão de existencialidade presente na concepção do ser como evento e da
verdade como passível de contextualização perante o mundo no qual se dá a acontecer não
destitui o ser de sentido, tampouco estabelece relação de subserviência do ser ao homem. Ainda
que comumente se atribua o protagonismo do evento ao ser, cabe ao ser do homem ler e
interpretar aquilo que se dá. A dinâmica da arquitetura e da veia anárquica aqui preludiada e
defendida concebe o evento do ser (ainda que não se possa pensar o evento do ser de modo
unitário) como um vir-a-ser relacional a encampar o homem, a linguagem, a historicidade, o
jogo aberto pelas interpretações em constante impermanência e por isso mesmo caracterizadas
pelo conflito a nutrir as condições de possibilidade de ruptura da compreensão unívoca da
história.
Diante do exposto, por que então tomar tal evento como evento estético? Pelo fato de
o modelo de experiência advindo da fruição estética melhor caracterizar a apreensão/recepção
que se pode fazer do ser como evento. A obra de arte para além da materialidade que a
constitui e da vinculação inicial a um criador ou artista (ou gênio) a concebê-la, apresenta
“autonomia relacional e dialógica” perante a situação geográfica, humana, existencial e
afetivo-psíquica em que se encontra continuamente acolhida e recepcionada. A pintura de
Goya a evocar os fuzilamentos de 13 de maio de 1808 permanece no Museo del Prado em
Madrid, apesar do fim da batalha, da morte de Goya e da inserção da tela num mundo para o
qual não foi concebida ou idealizada. Entretanto, não há necessidade de conhecimento da
biografia do pintor espanhol, tampouco do contexto histórico do ocorrido em Madrid por
ocasião do início do século XIX, para deixar-se habitar pela interpelação da obra. O tempo
pode inclusive tornar opacas as cores a expressar a visão ou intenção inicial do artista, bem
como a técnica empregada na realização da pintura. O olhar que se lança sobre a tela
pressupõe o horizonte existencial, circunstancial e simbólico do observador atual e de seu
universo de vivências. E por isso continuamente a obra de arte origina mundos e cria
simulacros de sentido e comunica algo e permanece abertura aberta a proporcionar a contínua
irrupção de novas arquiteturas interpretativas desde os múltiplos horizontes de sentido
considerados a partir das mais distintas épocas e dos diversos sujeitos implicados.
A experiência estética não pode ser confundida ou parametrizada à experiência
69
científica ou religiosa. Aquela se dá mediante caleidoscópica matiz de cores diversas e de
arranjos multidimensionais sempre capazes de trazer à tona o novum, daí o caráter originante
da obra de arte. A experiência científica propõe verdade provisória passível de ser
abandonada perante avanços técnico-científicos e ousa dogmaticamente (ainda que por tempo
determinado) a partir de um número x de observações e de experimentações tomar algo como
universal e válido para todos os demais casos. Nessa perspectiva, a ciência apresenta-se (sob
determinada analogia) tão dogmática quanto a religião, esta a sustentar e a se ancorar em
verdades perenes. Verdades provisórias (da ciência) ou verdades perenes (da religião), ambas
apresentam pretensão de totalidade. Por sua vez, a verdade da arte e o evento do ser como
evento estético não comportam pretensão de universalidade, de validade unívoca e abre
caminhos para a redução da violência subjacente à ideológica afirmação de um único modo de
ser e de se interpretar o mundo. Decerto há também ideologia presente na concepção do ser
como evento e na consideração de tal evento como evento estético. Por sua vez, a ideologia
aqui se presta a romper visões unívocas e totalizantes e a garantir a passagem a outras
margens, configuradas pelo ultrapassamento do universo metafísico e, nas pegadas de
Heidegger e de Vattimo, a se comprometer com o não esquecimento da diferença entre ser e
ente. A obra de arte não contém o ser em si e tampouco é o ser; entretanto, constitui via por
meio da qual o ser possa acontecer e dar-se como evento165.
Ademais a obra de arte não se confunde com os outros objetos e
utensílios/instrumentos. A obra de arte se distingue destes pelo fato de ela mesma conter
peculiar caráter de novidade e dimensão fundante e de originariedade a lançá-la além da mera
finalidade para a qual os objetos e instrumentos foram confeccionados e se encontram à
disposição do ser do homem no mundo. A obra de arte dispõe do homem tanto quanto o
homem dispõe da obra de arte numa reciprocidade a estabelecer mútuo pertencimento e
relação de dependência (ainda que assimétrica), pois:
1- Não há a obra de arte sem o homem;
2- Não há interpretação da obra de arte se não houver o sujeito intérprete;
3- O homem sem a obra de arte padece a redução da ampliação de suas possibilidades
de criação e recriação de mundos e de redes de significados histórico-existenciais.
165
“Si è visto che la verità viene dall’oscuro solo nel senso che è evento, che non è già sempre lì, come uno
spettacolo da andare a vedere. Ancora una volta il conflitto ci raporta al carattere eventuale della verità”
(VATTIMO, G. Arte e verità nel pensiero di Martin Heidegger, op. cit., p. 103).
70
Na relacionalidade, arte e ser humano se abrem a um terceiro, à alteridade advinda do
encontro e da apropriação mútua e aberta à irrupção do Ereignis, do ser como evento. O ser
humano se apropria da obra como rede interpelante a ser decifrada e habitada; por sua vez, a
obra dele se apropria ao irromper em seu existir (ex-sistere = o que enquanto existente se
lança para fora) e a possibilitar a criação de novos mundos e novas arquiteturas simbólicas,
narrativas e existenciais. E onde se situa a verdade? A pertença mútua entre obra de arte e
homem fecunda e gesta166 o dar-se do ser e o acontecer da verdade como evento167.
A relação entre Ereigns e alethéia propicia o desenvolvimento e a compreensão da
hermenêutica em termos não metafísicos168, ainda que por esta derivação sobre a hermenêutica
recaia a acusação de esta não apresentar cientificidade ou faltar-lhe pilares sólidos sobre os
quais possam se alicerçar as múltiplas verdades interpretativas.
A ciência a contestar a hermenêutica é a mesma ciência a se fundamentar em verdades
166
Ainda que Gianni Vattimo não utilize as palavras italianas seno e grembro, estas se apresentam eficazes para
se pensar a relação de apropriação e de pertença entre obra de arte e homem e o que daí se origina. Il seno (o
seio) indica relação de intimidade e de profundidade aqui consideradas ainda um tanto superficial. Il grembo
(como ventre, como interioridade originante e relacional a lançar o novo desde que de antemão se realize um
encontro). Assim sendo, il grembo remete de modo mais inequívoco à relação entre obra de arte e homem.
Por si só a obra de arte não cria nem funda um mundo, nem dá a conhecer a verdade. Desde il grembo da
reciprocidade alterativa entre obra de arte e homem, concretiza-se o dar-se do ser como evento
historicamente contextualizado. Qualquer mensagem apresenta-se vazia de sentido se não houver quem a
recepcione e o interlocutor nada depreende sem uma alteridade perante a qual se situar. Considere-se aqui a
tão conhecida concepção heideggeriana da obra de arte como um colocar-se ou pôr-se em obra da verdade
(mettere in ópera della verità). “Questa vocazione della verità ad accadere in un’opera creata dall’uomo è
quella che Heidegger chiama ‘la tendenza della verità ed essere in opera’. La verità, come ormai sappiamo, è
l’apertura dentro cui gli enti appaiono o si nascondono” (VATTIMO, G. Arte e verità nel pensiero di Martin
Heidegger, op. cit., p. 107). Tal dado configura o caráter original e de presencialidade da obra de arte como
criação e não simplesmente produção de algo, como é o caso dos objetos. Toda a discussão sobre a
materialidade da obra, a dimensão de utilidade do objeto ou das coisas fabricadas, a questão da técnica, da
forma e etc, já se encontra amplamente tratada pela tradição filosófica ocidental e não constitui objeto da
presente tese. 167
“‘L’Ereignis è l’intrecciarsi di questo duplice movimento in cui essere e uomo sono reciprocamente
übereignet, appropriati ciascuno a sé e insieme assegnati all’altro’. [...] Anche se l’Übereignen che costituice la
struttura dell’evento si può cogliere tra gli enti in generale e l’essere, gli enti come tale non hanno un rapporto
‘immediato’ con l’essere. Chi apre il mondo dentro cui gli enti vengono all’essere è l’uomo; il reciproco
Übereignen tra essere ed enti avviene nell’apertura aperta dall’esserci” (VATTIMO, G. Essere, storia e
linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 164-165, grifos do autor). Evidentemente há pertencimento mútuo entre,
por exemplo, homem e ciência. Neste caso tal relação de reciprocidade implica estruturas já determinadas e
também dogmáticas dentre as quais a ciência se desenvolve e difunde a pretensão de universalidade (Cf.
ALVES, R. Filosofia da ciência: introdução ao jogo e as suas regras. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2007. p. 97-
105). 168
“Heidegger ci ha insegnato che la verità di una proposizione qualunque si prova solo all’interno di un
paradigma storico, il quale non è semplicemente l’articolarsi di una strtttura eterna (natura dell’uomo, primi
principi ecc.) ma accade, nasce, ha un’origine, il cui modelo egli vede nella nascita dell’opera d’arte. La
quale è un luogo di accadere della verità in quanto (pensiamo a Dante, alla Bibbia, a Shakespeare) è
l’apertura di un orizzonte storico, la nascita di un linguaggo e di una nuova visione del mondo. E quel che
costituisce la base della forza inaugurale dell’opera d’arte, dice Heidegger, è il fatto che essa mantiene aperto
il conflitto tra ‘mondo’ e ‘terra’” (VATTIMO, G. La verità e l’evento: dal dialogo al conflitto. L'ultima
lezione del filosofo che lascia l'Università. La Stampa, Torino, 14 out. 2008. Disponível em:
<http://www.filosofia.it/images/ download/argomenti/Vattimo_ultimalezione.pdf>. Acesso em: 06 maio
2016).
71
dogmáticas assim como dogmática é para a ciência a religião. Os pressupostos científicos
partem da crença na existência de uma determinada ordem, da previsibilidade de arranjos, da
capacidade de se apreender e determinar tais variantes, assim como de descrever/apreender a
essência dos fenômenos. Ao se dar conta da mudança da “ordem” e a configuração de novos
rearranjos, a ciência propõe novas teorias e divulga ter realizado avanços (ditos científicos) no
seu esforço de continuamente adequar suas proposições à realidade “objetiva” das coisas. A
racionalidade técnico-científica confere valor metafísico à verdade da ciência ao investi-la da
pretensão de legitimidade e de primazia sobre outras racionalidades.
A hermenêutica de Vattimo, por sua vez, não advoga tal primado para si; antes
anuncia e propõe o destino de enfraquecimento dos discursos únicos, totalitários e
objetivantes. Vattimo frequentemente retoma como refrão a frase nietzschiana segundo a qual
não existem fatos e sim interpretações – o que já configura de per si uma interpretação.
Evidenciar o caráter interpretativo subjacente à própria interpretação afasta o risco de a
hermenêutica apresentar-se como nova totalidade a excluir ou a hierarquizar outros discursos,
como, por exemplo, o discurso da própria ciência ou mesmo da religião. Enquanto filósofo,
Vattimo reconhece o papel da religião judaico-cristã junto ao processo de formação do modo
de ser ocidental e problematiza filosoficamente a entrada da racionalidade cristã na
constituição da cultura. E não há necessidade de crença ou de pertença religiosa para se ler e
se interpretar veios – sejam estes niilistas, religiosos, metafísicos, científicos, políticos – a
tecerem as tramas das lógicas a comporem o modo de ser de uma sociedade ou de uma
cultura. Indevidamente a filosofia padece o risco de marginalizar o discurso religioso e
mesmo de discriminar a produção de pensadores (e de pensadoras) que dele se ocupam.
De diversas áreas do saber emergem esforços de se ler e de se interpretar a realidade
de modo mais aberto, eventual, ainda que o termo evento (como Ereignis) não se encontre
explicitamente presente, mas internamente como germe a proporcionar o questionamento dos
paradigmas e o ultrapassamento da compreensão da verdade como objetividade. Nesse
sentido, pode-se retomar e situar a afirmação de Vattimo acerca da hermenêutica como Koiné
da filosofia e da cultura ao longo da década de 1980.
A seu modo, a teologia cristã acolheu positivamente os resultados da hermenêutica
filosófica, aplicando-a na especificidade de sua tarefa interpretativa de textos:
A teologia compreendida como hermenêutica leva em consideração a ruptura com o
pensamento metafísico como pensamento da representação, mas não renuncia à
dimensão ontológica dos enunciados teológicos. Quando afirmo que o próprio
objeto da teologia compreendida como hermenêutica é um texto, isto que dizer que o
objeto imediato do ato teológico não é uma série de enunciados dogmáticos cuja
72
compreensão estou buscando, mas é o conjunto de textos compreendidos no campo
hermenêutico aberto pela revelação.169
Mediante a recepção da hermenêutica filosófica, a própria teologia repensa e
problematiza a sua utilização da hermenêutica no sentido clássico de interpretação dos textos
bíblicos e reconhece a emergência interna de uma hermenêutica de cunho crítico-político
verificada a partir dos anos 1960 com a guinada política na teologia (leia-se, por exemplo, a
Teologia da Libertação Latino-americana).
Em outra área do conhecimento, o geógrafo brasileiro Milton Santos propõe análise da
globalização desde a crítica ao pensamento único, à unicidade da técnica e à existência de um
motor único da história. Inclusive defende a passagem da globalização como fábula (tal como
o sistema nos faz crer que ela seja), a outra globalização (à globalização como possibilidade,
como poder vir-a-ser)170.
A reflexão hermenêutica interpela a filosofia contemporânea para a necessidade de
esta se abrir ao revelar-se do ser como evento, no intuito de manter viva e dinâmica a
conversação com o sujeito de hoje e assim também provocar criticamente a sociedade.
2.4 A estética ontológica como reproposição original do problema do ser e da verdade
da arte
Concomitantemente a outras questões heideggerianas acerca da arte, em sua obra
“Poesia e ontologia” Vattimo questiona o que significa propor (ou ainda repropor)
ontologicamente o problema da arte. A primeira edição, composta de oito capítulos, data de
1967- período anterior à formulação do pensiero debole o qual torna Vatttimo
internacionalmente conhecido171. Em tal obra já se pode notar as intuições que possibilitarão o
desenvolvimento dos posicionamentos “debilistas” assumidos posteriormente pelo filósofo. A
169
GEFFRÉ, C. Crer e interpretar: a virada hermenêutica na teologia. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 37-38. A
edição francesa data de 2001. Rosino Gibellini dedica ampla explanação sobre o tema: GIBELLINI, R. A
teologia do século XX, op. cit., p. 57-81 (Capítulo III intitulado Teologia hermenêutica). Neste capítulo
Gibellini contextualiza a hermenêutica filosófica de Schleiermacher a Heidegger, aborda a penetração da
hermenêutica filosófica no horizonte teológico e ressalta a dimensão existencial do ser humano: “O homem
pertence à história e é determinado pela história. A historicidade caracteriza o sujeito que compreende, o
objeto compreendido e o próprio processo de compreender. É esse o sentido do princípio, formulado por
Gadamer, da ‘história dos efeitos’ (Wirkungsgeschichte)” (GIBELLINI, R. A teologia do século XX, op. cit.,
p. 63, grifo do autor). 170
Cf. SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2004. p. 17-31. 171
“[...] y a pesar de que Poesía e ontología pertenece a un período anterior al pensamiento débil propugnado
por Vattimo, busca identificar las claves que en su interior ya lo anuncian” (CABRERA, A. Introducción. In:
VATTIMO, G. Poesía y ontología. València: Guada Litografía, 1993. p. 9).
73
segunda edição de 1985 traz como adendo novo capítulo intitulado “Estética e hermenêutica”,
a contemplar o alcance da “recuperação” da verdade da arte, conforme expressão
gadameriana172. Organizada por Santiago Zabala, em 2010 a obra ganha nova versão a qual,
para além de difundir a obra junto ao público de língua inglesa, apresenta o acréscimo de dois
capítulos173.
A questão da relação arte e verdade manteve-se presente na hermenêutica de cunho
heideggeriano e foi introduzida na Itália pelo filósofo da interpretação Luigi Pareyson, mestre
e amigo de Vattimo174. Tomar a obra de arte como um pôr-se em obra da verdade (messa in
opera della verità) constitui afirmação a abarcar não somente a dimensão específica da arte,
mas o problema da irrupção da verdade não concebida como algo já dado e de rede de sentido
de antemão pré-definida e imutável. No tocante à ampliação dos horizontes da reflexão sobre
a arte, tampouco pode se resumir e ou reduzir a obra de arte a mera cópia ou representação de
algo existente na natureza. Tal fato, em perspectiva platônica, enclausuraria a obra de arte a
simples representação de uma cópia já imperfeita a remeter àquela perfeição a residir
magistralmente no mundo das ideias. Tal perspectiva dualista a conjugar perfeição versus
imperfeição, sombra versus luz, alcança via de ruptura mediante a concepção da obra de arte
como manifestação do ser que não é outra coisa senão o evento do ente, ou seja, o modo do
revelar-se do ente por meio da abertura possibilitada pela iluminação histórico-geográfico-
existencial-linguística a implicar as circunstâncias do ser humano como parte integrante e
necessária desse movimento do acontecer do ser como evento. Como se pode depreender,
trata-se da verdade em sua dimensão eventual a engendrar a arquitetura “anárquica” da
hermenêutica filosófica desenvolvida por Vattimo como ontologia da atualidade. Na relação
172
Cf. VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 189. 173
Os dois capítulos são intitulados: “The work of art as the setting to work of truth” e “The truth that hurts” na
obra VATTIMO, G. Art's claim to truth. Edited by Santiago Zabala. New York: Columbia University Press,
2010. Capítulo 10 The work of art as the setting to work of truth, p. 151-158; Capítulo 11 The truth that
hurts, p. 161-165. Santiago Zabala esclarece: “The recent publication of Weakening Philosophy: Essays in
Honour of Gianni Vattimo has induced us to traslate and publish this early book of Vattimo’s because the
festschrift confirms not only that the Italian intellectual is on of the most important living philosophers but
also that his early works deserve to be presented to Anglo-Saxon readers as much his lates ones. [...] Just like
Dialogue with Nietzsche, Art’s Claim to Truth is not simply a translation of the second edition of Gianni
Vattimo’s Poesia e ontologia of 1967, but a new edition, with two news chapters and a new order given to the
original contentes” (ZABALA, S. Introduction: the hermeneutic consequence of art’s ontological bearing. In:
VATTIMO, G. Art's claim to truth, op. cit., p. xi-xii, grifo do autor). 174
“Il tema che allora aveva sorretto sia la stesura dell’introduzione sia la scelta dei brani antologizzati (che ora
vengono ristampati, ma a cui si può ovviamente risalire) era quelo del rapporto arte-verità, che già allora mi
appariva profondamente segnato dall’ermeneutica di origine heideggeriana. Era un tema giustamente posto al
centro della propria riflessione dai teorici dell’interpretazione – non solo, emblematicamente, da Gadamer in
Verità e metodo, ma anche da Luigi Pareyson, che sulla base di una riflessione più legata alla storia
dell’idealismo tedesco e poi a Jaspers aveva per primo in Italia costruito la propria teoria estetica proprio
sulla base della centralità dell’interpretazione per tutta l’esistenza” (VATTIMO, G. Introduzione all’estetica,
op. cit., p. 85, grifo do autor).
74
entre arte e verdade, a obra de arte origina experiência inaugurante de choque a subverter a
ordem natural das coisas e, desse modo, a suspender a suposta obviedade do mundo e a
possibilitar a compreensão aberta e dinâmica do ser como evento.
Duas perguntas devem ser devidamente situadas, no intuito de se orientar e se
delimitar a presente reflexão:
1- Por que o evento estético tomado como espinha dorsal do pensamento de Vattimo,
possibilita ou mesmo sugere a adjetivação de Ereignis considerado enquanto evento
privilegiadamente de caráter estético?
2- Como se pode compreender a dimensão ontológica subjacente e simultaneamente
advinda da reflexão estética proposta por Vattimo?
O evento do ser, apregoado como evento estético, apresenta-se como espinha dorsal do
pensamento de Vattimo por trazer ao centro a questão central da filosofia: o problema do ser.
Dizer estética ontológica implica o reconhecimento da importância da obra de arte e da reflexão
estética para o aprofundamento da tensão aproximação/distanciamento do dar-se do ser que ao
se revelar se esconde; e inversamente ao se esconder se revela – revela sua reserva de sentido e
seu não esgotamento na linguagem disposta pelo ser humano na tentativa de dizer o ser, a
linguagem mesma a constituir possibilidade e limite de compreensão do ser como evento.
A estética ontológica reconhece como centro de sua reflexão o problema do ser175. Ou
ainda de outro modo, o protagonismo da reflexão levada a cabo pela estética ontológica recai
sobre o ser e não necessariamente sobre a obra de arte, uma vez que esta se encontra a serviço
da manifestação e da compreensão do ser do ente cuja experiência estética por excelência o
possibilita e o situa de modo sempre novo perante as aberturas epocais fundadas pela obra de
arte (enquanto dimensão fundante e não como fundamento), a qual extrapola os arranjos e
manifestações possibilitadas pelas coisas dispostas no mundo como meros utensílios ou
instrumentos176. Discutir a obra de arte se faz necessário como via de se ascender ao ser. De
outro modo, importa desenvolver estética ontológica comprometida com a reproposição do
problema do ser no Ocidente, a assegurar o horizonte deveras esquecido da diferença
175
“Bajo la expresión fundación ontológica, que hasta ahora no he definido, entiendo provisionalmente todo
esfuerzo por reconocer las relaciones del arte con el ser; es decir, no sólo con la conciencia del hombre, sino
con lo que trasciende la conciencia y el hombre mismo y funda auténticamente su posibilidad” (VATTIMO,
G. Poesía y ontología, p. 90). 176
“Dicho de outro modo, y más radicalmente: la obra de arte es verdadera obra de arte, es decir, es bella y
esteticamente válida, sólo en la medida que es un origen, la apertura de un mundo” (VATTIMO, G. Poesía y
ontología, p. 97).
75
ontológica entre ser e ente, com a qual o pensar de Vattimo se compromete.
O caráter ontológico da estética reside no fato de a obra de arte possibilitar o
desenvolvimento de arquitetura hermenêutica a entretecer a dimensão de evento histórico
fundante da abertura do ente e o dar-se da verdade do ser177. Como a verdade acontece,
necessita de um ente que realize o abrir-se (revelar-se) da abertura e desse modo exclui um
dar-se transcendental sempre do mesmo modo ou, por assim dizer, repetidamente igual a si. O
que Vattimo entende como objetivo da estética ontológica pode ser assim resumido e
considerado como dupla hélice constitutiva do DNA da obra de arte: “[...] enquanto estética,
situe no centro de sua consideração o problema da arte, senão que, enquanto estética
filosófica, enquanto filosofia, tenha presente seu problema central, a relação-diferença entre o
ser e os entes”178. A dupla hélice a alinhavar estética e ontologia garante a difusão da verdade
do ser como evento situando-o de maneira sempre original no corpo histórico que o
recepciona e possibilita a transmissão e recepção do código genético da hermenêutica de
cunho debole e não violento; de caráter epocal e não objetivo. A “essência” do DNA
hermenêutico a enredar arte e ontologia configura-se pelo reconhecimento ontológico da
abertura de novos mundos históricos por parte da obra de arte a desaguar na irrupção de
outras possíveis formas de vivência da sociabilidade e de arranjos de compreensão da verdade
combinadas pelas dimensões ontológicas de criatividade e de liberdade possibilitadas pela
obra de arte: “Nesse sentido, a ontologia da arte exerce sobre os ‘sistemas’ estéticos uma
função de colocar em crise o seu caráter fechado e sistemático”179.
A estética ontológica apresenta por tarefa evidenciar as sendas abertas pela filosofia
hermenêutica, por meio das quais se pode chegar à verdade epocal do ser e assim trazer à tona
de maneira clara, seu evento aqui considerado especificamente enquanto evento estético.
Atrelar a verdade como evento à proposição do pensiero debole como reconhecimento do
destino de enfraquecimento das verdades objetivas não significa afirmar a inexistência de
critérios tangíveis da verdade. Diante do reconhecimento do êxito niilista da hermenêutica
filosófica, assumido seriamente em sua dimensão ontológica, apreende-se a proposição
segundo a qual os critérios indicativos da verdade agora são transitoriamente históricos e não
mais metafísicos. Tal tese inicial de Vattimo preludia “profeticamente”, como um anúncio
177
“L’ontologia è possibile proprio come elucidazione dell’apertura in cui l’esserci già sempre si trova. In
questo senso, e per ora solo in questo – in quanto cioè è elucidazione di una prospettiva già sempre aperta –
l’ontologia è, in senso lato, ermeneutica, interpretazione, chiarimento dall’interno di tale prospettiva”
(VATTIMO, G. Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 97). 178
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 37. 179
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 44-45.
76
antecipado, o título provocativo de obra recente do autor, a saber: Addio alla verità180:
Esta obra representa, nas palavras do autor, o esforço de exprimir a situação
paradoxal na qual se encontra nossa cultura atual. De um lado, instituições [...]
saudosistas do passado regido por uma verdade única e objetiva; de outro, a
crescente constatação de que o sujeito pós-moderno não admite a existência da
verdade absoluta. A clássica concepção grega da existência da verdade única e
objetiva se apresenta cada vez mais distante e inviável. Tal concepção constitui
justificativa política de totalitarismos. Em face do cenário cada vez mais pluralista
da pós-modernidade, urge conceber a verdade como possibilidade e abertura ao
novo na história. Os chamados mestres da suspeita já nos remetiam a essa questão,
ao dirigirem críticas à pretensão da verdade absoluta. A crise da verdade na
metafísica se desenvolve em conexão com a queda das condições políticas de um
pensamento universal. O ser revelado de uma vez por todas impede a possibilidade
de abertura e de liberdade na história. Por isso, a metafísica deve ser superada.181
A partir de tal indagação e levando-se em conta o fato de a estética de Vattimo já
preparar o caminho para a irrupção do pensiero debole, o 2º arranjo da tese persegue o
problema que contém tal pergunta, ou seja, a pertinência dos pressupostos para a elaboração e
proposição da estética ontológica do autor. Esta estética ontológica deve ser entendida como
experiência estética comprometida com o não esquecimento da diferença ontológica182. Isto
compreende duas implicações importantes: a necessidade de repensar a concepção essencial
do ser, típica da metafísica tradicional, considerando agora uma noção do ser como evento
(que a essência seja vista como evento); e ademais, que este evento seja considerado evento
marcado pela historicidade. Em contraposição à noção de ser forte e eterno, desde sempre
preferido pela metafísica, Vattimo sustenta a ideia do ser sempre em vias de debilitação.
Ao se sustentar a compreensão e a possibilidade da verdade como verdade debilitada,
advinda do processo natural inaugurado pela secularização e a perpassar toda a história do ser,
Vattimo repropõe o clássico problema da relação entre a arte e a verdade. Além disso,
reivindica a arte como verdade, da maneira como o autor compreende o acontecer mesmo da
verdade, ou seja, em termos de evento. Aqui se nota a mudança de compreensão do próprio
conceito de verdade devido à noção de eventualidade histórica da verdade já não mais
objetiva, universal ou descrita como fundamento. A compreensão do ser como evento
modifica a compreensão do que se entende por verdade e, do mesmo modo, impulsiona a
180
VATTIMO, G. Addio alla verità, op. cit., 2009. 181
SALES, O. L. P. F. Addio alla verità (Recensão). Disponível em: <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=3218&secao=329>. Acesso em: 20 set. 2016. 182
Diferença ontológica a ser pensada em perspectiva tanto negativa quanto positiva: “[...] la diferencia
ontológica no significa sólo, de forma negativa, que el ser no es el ente, sino, positivamente, que la verdad
del ente se da en su relación con otro, en su apertura hacia lo radicalmente otro de sí. Que esta segunda
formulación de la diferencia ontológica sea, al menos en cierto sentido, positiva, quiere decir simplemente
que si la verdad del ente consiste en la apertura hacia lo radicalmente otro, tal apertura pertenece, sin
embargo, al ente” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 39).
77
mudança na maneira como Vattimo concebe o papel que exerce a arte como via privilegiada
do acontecimento da verdade. A estética ontológica se caracteriza por situar no centro de suas
considerações não somente o problema da arte, mas também a questão do ser e a
relação/diferença entre o ser e os entes. Diferença esta a tratar, de forma negativa, que o ser
não é o ente; e, de modo positivo, a verdade do ente implica abertura a outro183. Ademais, “o
conhecimento da época, e consequentemente do ente, é a única via de acesso ao ser, e é a
autêntica via de acesso na medida em que o ser, sem se reduzir ao ente, não é algo à margem
ou acima de sua época”184.
Quando Gadamer escreveu a primeira parte de sua obra magistral “Wahrheit und
methode” (publicada em 1960) intitulada “Freilegung der Wahrheitsfrage an der Erfahrung
der Kunst”, enfatizou a necessidade de a filosofia afirmar a possibilidade da verdade presente
não somente na ciência ou à periferia de sua urbe, porém fora mesmo dela. Até o início dos
anos 1960, a tarefa da hermenêutica filosófica era afirmar o valor da verdade da arte contra as
pretensões exclusivas da ciência, fato logrado primeiro por Heidegger em Der Ursprung des
Kunstwerkes, nos anos 1930. Quando Vattimo escreve Poesia e ontologia (1967), a
hermenêutica se encontra diante da necessidade de defender a concretização da experiência
histórica das diversas culturas contra a pretensão da afirmação de uma verdade absoluta que
se imponha como única e capaz de garantir a convivência pacífica. Tampouco supõe obter
uma verdade melhor ou universal, o que implicaria uma vez mais cair nas malhas das redes da
metafísica. A hermenêutica não aspira proporcionar uma descrição dos estados das coisas
mais confiáveis que as asseguradas pelas ciências, posto que pressupõe a crítica da teoria da
verdade como adequação e correspondência da proposição às coisas. Isto tem muito claro a
estética ontológica do autor e, por conseguinte, o trabalho hermenêutico desenvolvido por
Vattimo até a configuração de sua ontologia da atualidade. Nesta ontologia, hermenêutica e
niilismo possuem a característica comum de não serem pensados em termos teóricos, senão
como evento da história e destino do ser no Ocidente.
2.5 Conclusão do Capítulo II
A metáfora da arquitetura inicialmente adotada desenvolveu seus primeiros contornos
e traçou suas linhas embrionárias no decorrer do presente capítulo. Ao longo da redação
objetivou-se explicitar a questão do ser como evento, que herdada de Heidegger, possui
183
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 38-39. 184
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 39.
78
original formulação e centralidade no pensar hermenêutico de Vattimo – o que se intentou
evidenciar. Donde se depreende o fato de a filosofia de Vattimo não se tratar de mera leitura
ou simples apropriação de pensadores como Nietzsche e, no caso específico, de Heidegger.
As ideias autorais expostas ao longo desse arranjo são fruto de esforçadas e exaustivas
reflexões e inflexões sobre o pensar de Vattimo e sobre a tradição filosófica ora pincelada. As
proposições defendidas não almejam a obtenção de consenso, tampouco o endosso da
academia. Trata-se de exercício filosófico de se defender argumentativamente simulacros ou
conexões interpretativas desde as nuances existenciais, acadêmicas e porque não ideológicas a
permear os horizontes de sentido a conduzir o exercício do pensar enquanto ponte para o
acesso à conquista da autonomia intelectual e da formação da consciência crítica. Nas pegadas
de Nietzsche e de Vattimo, o reconhecimento de que não existem fatos, mas sim
interpretações, encoraja a ousadia de se esboçar períodos marcados por certa licença poética
em relação ao já tratado pelos renomados filósofos.
79
CAPÍTULO III - A ONTOLOGIA DA ATUALIDADE COMO HORIZONTE
HERMENÊUTICO ABERTO PELO EVENTO ESTÉTICO
A experiência estética faz-lhe viver outros mundos possíveis, e mostra-lhe assim
também a contingência, a relatividade, o carácter não definitivo do mundo ‘real’ no
qual se encerra.185
O evento estético é o fio condutor da presente tese. Obviamente, em algumas
circunstâncias, o leitor poderá se perguntar qual trama ou quais tramas esse fio está a tecer. O
evento estético aqui considerado vem à tona não simplesmente como categoria hermenêutica,
mas como racionalidade a nortear o modo mediante o qual o pensar de Vattimo se
desenvolve. O texto trata do percurso da hermenêutica filosófica, do pensiero debole, da
ontologia da atualidade, das questões pertinentes ao problema da verdade e da metafísica,
dentre outras. Subjacente a todas essas noções que tecem o pensar de Vattimo, encontra-se
imbricado o evento estético como arquitetura de uma construção aberta, não absoluta e não
absolutizadora. Desse modo, mesmo quando a expressão evento estético não aparece
explicitamente escrita e ou determinada (descrever e determinar são postura demasiadamente
metafísicas), implicitamente constitui a plasticidade fértil a gestar, a perpassar e a iluminar a
ontologia da atualidade.
3.1 A estética ontológica e a reflexão filosófica acerca da relação entre arte e ontologia
da atualidade
A estética ontológica é, [..], todo o oposto a uma pretensão de alcançar de algum
modo a essência pura do fenômeno, suspendendo cartesianamente todo preconceito
cultural sobre sua estrutura.186
A estética ontológica problematizada por Vattimo assume em perspectiva filosófica a
pergunta sobre o significado de se considerar ontologicamente o problema da arte e de se
expor em termos estéticos as exigências ontológicas já não mais ancoradas no modelo
kantiano da fundamentação, segundo o qual pensar ainda é fundamentar; e, claramente
distante do modelo de verdade proposto pela ciência. Nesse horizonte, a estética ontológica
deve situar no centro de seu interesse a esquecida questão do ser e sua redução ao ente. Para
tanto, a estética ontológica há de partir, a fim de configurar-se como tal, dessa radical e
185
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 16. 186
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 42.
80
vilipendiada diferença entre o ser e os entes, a saber, deverá assegurar a não inclusão do ser
no conjunto dos entes e considerar a arte como lugar privilegiado de manifestação da
verdade187. Se a arte possui um alcance ontológico, como Vattimo apregoa, isto é, se porta a
capacidade de tornar manifesto o ser, significa que instaura um tempo novo, abre épocas.
Afirmar o caráter epocal da obra de arte corresponde a constatar que a obra propõe
uma relação original com e entre os entes. Tomar o ser como evento e, portanto, não mais
algo oculto pelos entes, como uma “coisa” misteriosa e ou divina, senão como a garantia da
própria possibilidade dos entes, implica afirmar que o ser é epocalidade, ou seja, abertura à
historicidade, rede onde os entes se arranjam e se revelam ao serem iluminados por um clarão
que os torna presentes. E tal luminosidade não incide sobre os entes sempre do mesmo modo
e, por conseguinte, os entes não são ou significam sempre a mesma coisa. Em cada distinta
maneira de iluminação dos entes aflora uma época do ser, um evento do ser. Donde, por fim,
o ser não é outra coisa senão as suas épocas e a sua capacidade de abertura e de instalação de
novas épocas, criação de um mundo.
Aqui claramente pode-se trazer presente o pensar de Heidegger. O ser-utensílio do
utensílio foi encontrado, não através de uma descrição ou comentário de um utensílio-sapato
realmente existente; não através de um relato sobre o processo da fabricação de sapatos;
também não através da observação de uma real utilização do utensílio sapato que aconteceu
aqui e lá, mas, sim, somente através do fato de que nos colocamos diante do quadro de Van
Gogh. “Na proximidade da obra estivemos repentinamente em outro lugar diferente do que
habitualmente costumamos estar”188. A obra de arte dá a conhecer aquilo que o sapato
utensílio é em verdade. Seria enganoso creditar na elaboração e na descrição subjetiva a
capacidade de ilustrar a verdade da obra como proposição externa inserida no quadro. Se
assim o fosse, caberia aqui a crítica heideggeriana da compreensão da verdade como
adequação da proposição à coisa. A verdade se dá como desvelamento do sendo: “Na obra
está em obra um acontecer da verdade, se aqui acontece uma abertura inaugurante do sendo
naquilo que ele é e no como ele é”189. Daí o caráter essencial da obra de arte como colocar ou
pôr-se em obra da verdade do sendo. Consequentemente há de se ir além da concepção da arte
como mera cópia ou representação do real, uma vez que esta não se presta à reprodução de
187
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 90: “Bajo la expresión fundación ontológica, que hasta ahora no he
definido, entiendo provisionalmente todo esfuerzo por reconocer las relaciones del arte con el ser; es decir,
no sólo con la conciencia del hombre, sino con lo que trasciende la conciencia y el hombre mismo y funda
auténticamente su posibilidad”. 188
HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, p. 85. 189
HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, p. 87.
81
cada singularidade existente; antes reproduz a essência geral das coisas190.
A epocalidade do ser vem à tona de modo ímpar mediante a obra de arte e o evento a
portá-la e a revelá-la é um evento marcadamente estético. Nesse contexto, a obra de arte
conserva em si a capacidade de atualizar a abertura histórica do ser, justamente por não se
deixar aprisionar ou se delimitar por uma verdade absoluta e inconteste que violentamente a
defina dentro de padrões e estruturas normativas da metafísica. A verdade manifesta pelo
evento estético do ser apresenta-se passível de sempre outras interpretações e capaz de ser
atualizada/recepcionada em cada situação histórica à qual se vincula. Daí não se tratar de uma
Verdade dada objetivamente por definitivo, mas de verdade situada historicamente dentro de
horizontes culturais, políticos, econômicos e existenciais. Ademais, o fato de a verdade
protagonizada por uma época poder apresentar-se de modo diferente da verdade anunciada
por outra, não institui hierarquia entre verdades, tampouco nega ou exclui a verdade
precedente. A verdade ou relato epocal apresenta pertinência junto ao universo circunstancial
dentro do qual se encontra inserido. E como os contextos são passíveis de mudança, tal
verdade não permanece a mesma ao longo dos tempos e exige acuidade hermenêutica para ser
devidamente situada, recepcionada e vivenciada.
A verdade de uma época corresponde aos apelos da atualidade perante a qual a obra de
arte se situa e por meio da qual é concebida e interpretada. Nesse sentido, a ontologia da
atualidade sintetiza e encarna o esforço interpretativo de não se esquecer da diferença
ontológica presente entre ser e ente e situar tal problema do ser na situação presente. Diante
do exposto pode-se compreender, em Vattimo, a passagem da proposição inicial de seus
escritos de uma ontologia hermenêutica à afirmação inequívoca da ontologia da atualidade191.
O autor turinense parte da constatação da necessidade de se ir para além da vinculação
praticamente intrínseca entre pensar e fundamentar e da proposição unívoca de significados e
190
Cf. HEIDEGGER, M. A origem da obra de arte, p. 89. 191
Segundo atesta Vattimo: “Ontologia dell’attualità, come si è detto, è un’espressione del tardo Foucault, che
opponeva questo modo ‘storico’ di filosofare a quella che chiamava invece ‘analitica della verità’. Grosso
modo, con quest’ultimo temine egli indicava il pensiero interessato a definire le condizioni e i contenuti di
una verità non soggetta al mutare delle condizioni storiche, quella verità che nella tradizione filosofica, al
meno fino a Kant, ha sempre voluto essere un’istanza critica che la ragione potesse far valere nei confronti
anche della storia. Poiché Foucault no ha ulteriormente chiarito il senso dei due termini, e anzi la stessa
ontologia del’attualità è divenuta per lui ontologia storica, siamo qui autorizzati a trattare i termini con una
certa libertà. Non solo quello di ‘attualità’ ma anche quello di ‘ontologia’, che certamente Foucault non
intendeva nel senso che è venuto imponendosi in tante forme di neorealismo e di filosofia postanalitica di
oggi. [...] Quanto all’attualità, il senso in cui la intendo è quello che si riferisce alla condizione comune della
nostra vita attuale, e che risuona soprattuto nell’uso del termine da parte delle lingue neolatine: attualità,
‘actualitè’, ‘actualidad’. Ha la stessa generalità e vaghezza di parole come ‘modernità’ postmodernità e
simili’”. (VATTIMO, G. Addio alla verità, p. 37).
82
conceitos acerca da obra de arte192. A reflexão ontológica sobre a estética evidencia o esforço
de Vattimo em situar a obra de arte no centro da reflexão acerca do ser. Ou seja, a estética
ontológica privilegia reflexão sobre a arte focalizada no problema do acontecimento do ser e
de sua revelação mediante a obra de arte imbuída de um espírito de originariedade. A obra de
arte não somente possui uma origem, no sentido restrito de situar-se engendrada por uma ação
criadora, mas ambiguamente é origem e constitui o ponto de partida e rede a gestar algo antes
não existente. Aqui há de se distinguir a categoria originariedade do termo originalidade; este
presente em diversas obras sustentadas por conteúdos pouco ou mesmo não utilizados, uma
vez carecerem de força fundante própria da obra de arte “autêntica”. Uma vez desprovida de
caráter fundante, a obra de arte pode inclusive ser reduzida a mero objeto de jogo dos
interesses de pessoas, instituições, governos e racionalidades. Inversamente, a obra de arte
possui originariedade, contém uma origem, inaugura sistema reticular de significados desde
os quais possa se dar a abertura de um mundo perante o qual seus interlocutores são lançados
e tomados por um espírito desconcertante193. Isso porque, tal mundo originado provoca o
questionamento e a suspensão de valores até então legitimados194.
A dimensão de originariedade da obra de arte pressupõe necessariamente que a obra seja
portadora de uma novidade. Na obra não residem apenas a materialidade da matéria empregada e
o trabalho executado pelo artista; há algo que escapa ao controle da matéria e do artista, cuja
hegemonia transcende a obra realizada. Na novidade trazida à baila pela obra encontra-se a
trama da inesgotabilidade característica do que se pode considerar autêntica obra de arte. Se a
obra pudesse ser compreendida e determinada por uma lei a governá-la, ou se fosse limitada pelo
toque final dado pelo artista, enclausuraria a possibilidade de funda um mundo uma
historicidade. O caráter fundante, a novidade da obra, ancora-se sobre a não submissão da obra
tanto a uma lei, quanto ao artista. O artista cria originalidade de recursos técnicos, materiais
192
“[...] la ontología del arte ejerce sobre los ‘sistemas’ estéticos una función de puesta en crisis de su carácter
cerrado y sistemático. Sin embargo, no sólo sobre los sistemas estéticos, sino también y, por esto decía a todos los
niveles, sobre los modos de lectura crítica de las obras, por ejemplo” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 44-
45). 193
Vattimo atenta para o encontro entre leitor e obra já exposto por Heidegger: “Por eso, si hay un término que
puede definir el encuentro del lector con la obra, este término es para Heidegger el de Stoss, el de shock o
choque: la obra de arte produce en el lector una suspensión de todas las relaciones normales, convierte en
extraño todo cuanto hasta aquel momento aparecía como obvio y habitual. Es evidente, según esta sumaria
descripción del problema en los cuales está expuesto por Heidegger” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p.
126-127, grifo do autor). 194
Cf. VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 79-80, grifo do autor – “[...] alcance ontológico del arte significa
esencialmente cosmicidad o, más profundamente aún, en el sentido kandinskiano, profeticidad [...]. Una
orientación valiosísima sobre el camino a seguir para elaborar una teoría de la lectura y de la interpretación
que haga justicia al carácter ontológico de la obra nos ofrece de nuevo Kandinsky en el famoso ensayo Der
Wert eines Werkes der Konkreten Kunst (1938): valorar una obra de arte significa decidir se esa obra hace
presente un mundo, si tiene o no un alcance profético”.
83
empregados, combinação de elementos, porém não a novidade originante da obra. Esta inclusive
extrapola o contexto histórico vivenciado pelo artista. Nesse sentido, a obra de arte possui
autonomia diante de sua materialidade e diante do artista por meio do qual foi gestada a
possibilitar a abertura de rede de significados advinda do novo mundo criado. Se a obra se
reduzisse à matéria, à consciência do artista ou ao contexto no qual surgiu não seria
autenticamente algo novo. A autenticidade na novidade originante e presente na obra de arte é o
próprio ser a abrir a dinâmica detonadora mediante a qual os significados propostos pela obra
culminam por conectarem-se em redes a estabelecer o mundo que se vislumbra a partir da obra
de arte.
A obra inacessível ao público não pode dizer nada, pois carece dar-se a conhecer e ser
interpretada. O arranjo da estética ontológica apresentada por Vattimo preserva e garante o
diálogo e a pertença do interlocutor à obra, ambos reciprocamente implicados. Ao nos
situarmos perante a obra e esta nos propor um mundo novo, irrompe uma rede de significados
a questionar e reivindicar respostas no intuito de se compreender o mundo distinto que se tem
diante de si. O diálogo inicial (διάλογος) enquanto discurso racional e reticularmente
sistematizado apresenta-se condição de possibilidade da concretização do mundo e de sua
compreensão.
Tal compreensão não possui e nem culmina num encerramento/fim, uma vez que a
obra de arte é abertura, não fechamento; e o diálogo com ela possibilita o lançar-se para fora
do desdobramento do ser, de sua profeticidade por meio da manifestação do mundo originante
que a obra funda195.
Vale ressaltar o fato de o caráter ontológico do acontecimento do ser não se revelar de
modo privilegiado no discurso estritamente filosófico. Desse modo, a ontologia da arte pode
devidamente dar-se tanto por meio do discurso filosófico quanto no âmago da reflexão sobre
uma obra singular. Isto porque, considerar que o lugar de realização da ontologia da arte seja
a filosofia em sentido histórico e estrito, hierarquiza e engessa as possibilidades de
manifestação do ente. A filosofia hermenêutica reconhece a possibilidade e a validade de
outros horizontes interpretativos. Enquanto o debate americano considerava a hermenêutica o
195
Para Vattimo: “Si el mundo, y aquí nos servimos todavía de los resultados de la analítica trascendental
heideggeriana, no es sino un sistema de significados dentro del cual estamos siempre inmersos, la obra de
arte funda un mundo en cuanto que funda un nuevo sistema de significados; el encuentro con ella es como el
encuentro con una persona, en el sentido de que no se inserta simplemente en el mundo tal cual es, sino que
representa una propuesta de nueva y distinta sistematización del mundo, es decir, una Weltanschaung; pero,
puesto que el mundo no existe independientemente como objeto de Auschauungen, sino que reduce al
sistema de significados, existe en su totalidad en él, la obra es tout court un Welt, un mundo (VATTIMO, G.
Poesía y ontología, p. 80, grifo do autor).
84
nome de toda a filosofia continental, Vattimo a pensa como koiné, idioma comum da de
grande parte da filosofia contemporânea ao longo dos anos 1980196.
Há de se ultrapassar a visão da ontologia como filosofia primeira, para compreendê-la
como “a pergunta sobre o que tem a ver com o ser, como revela a abertura do ser, um
determinado ente ou uma região do ente; a pergunta sobre sua essência, no sentido eventual do
termo”197.
A estética ontológica198 se vale de uma ontologia que não pensa o ser como estrutura
fechada e acabada, mas como acontecimento em vias de dar-se continuamente a acontecer.
Trata-se aqui de se considerar uma ontologia da atualidade, a saber: ontologia situada desde
os horizontes históricos e existenciais constantemente em vias de mudança e, por sua vez,
contextualizada nas demandas e dilemas interpostos pela situação presente. A arte possibilita
e mesmo requer interpretação ontológica capaz de tornar manifesta as aberturas históricas por
meio das quais o ser se revela e se dá a acontecer. Uma vez que a ulterioridade do sentido do
ser não pode ser alcançada plenamente e não se esgota nos fenômenos, permanece na filosofia
condição apofática de dizer o ser mediante aquilo que ele não é. O ser não é o ente, afirmação
simultaneamente a apontar para a relação entre ser e ente e a garantir a reserva de sentido do
ser em detrimento do ente. Por sua vez, as situações humanas se revelam como vias de
acercamento da compreensão do ser, dentre as quais a arte se apresenta uma dessas vias de
aproximação199. A obra de arte não deve simplesmente condensar em si finalidade hedonista e
tampouco auto-centrada de consumo exacerbado ou destinação limitada à contemplação da
beleza; antes importa constituir ponto de partida para a (re)criação e transformação de um
mundo. Artistas originais criam obras capazes de revelar novos eixos interpretativos da
realidade e a exigir intervenção ativa e prática perante os dilemas de seu tempo. Em
contraposição a filosofias anteriores, perguntar o que é um ente significa perguntar o que este
ente tem a ver com o ser200.
A possibilidade de ruptura com métricas rigorosas, com a perfeição da norma e com
um discurso meramente centrado na técnica é um fenômeno tipicamente romântico. A partir
196
“Anni fa, anche in base all’esperienza di dibattiti americani dove l’ermeneutica era diventata semplicemente
il nome di tutta la filosofia «continentale» (da Habermas a Foucault a Derrida e Deleuze) sostituendo
esistenzialismo e fenomenologia, avevo proposto di parlare di ermeneutica come nuova koiné, nuovo idioma
comune di larga parte della filosofia contemporanea” (VATTIMO, G. La verità e l’evento, op. cit.). 197
VATTIMO, G. Poesía y ontologia, p. 45. 198
“Estética es, en suma, desde el punto de vista ontológico, todo aquello que concierne al significado del
fenómeno del arte, desde la descripción ‘trascendental’ de la experiencia estética hasta la definición del
significado que tiene, para la época del ser, una determinada obra de arte” (VATTIMO, G. Poesía y
ontología, p. 44). 199
Cf. VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 44-46. 200
Cf. VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 40-41.
85
das contestações trazidas à baila pelos representantes dessa corrente, amplia-se o universo de
perspectivas desde as quais o evento do ser pode se dar. Com isso não se menospreza aqui a
importância das poéticas enquanto reivindicação da existência da arte contra as pretensões das
filosofias racionalistas201.
O evento estético expressa o âmbito mediante o qual o homem e o ser se alcançam,
despindo-se das determinações que foram atribuídas pela metafísica ao se abrir caleidoscópio
de cores e nuances interpretativas capazes de trazer à tona novas redes de abertura e de
questionamento de mundos. O conceito de rede aqui utilizado no sentido de se considerar o
dado social:
Mas o que é uma rede? As definições e conceituações se multiplicam, mas pode-se
admitir que se enquadram em duas grandes matrizes: a que apenas considera seu
aspecto, a sua realidade material, e uma outra, onde é também levado em conta o
dado social [...]. Mas a rede é também social e política, pelas pessoas, mensagens,
valores que a frequentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se impõe
aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração.202
Nessa perspectiva considerada a noção de rede dilata a compreensão da diversidade,
dadas as novas possibilidades de fluidez de ideias e de conceitos. Essas, por sua vez,
encontram-se na base da expansão das interações, da transação e do intercâmbio de
(ir)racionalidades a ampliar o número de conexões estabelecidas. A hermenêutica tomada por
Vattimo como koiné da filosofia e da cultura (década de 1980) segue sendo, como aqui se
considera, koiné da filosofia e da cultura contemporânea marcada por sistema reticular virtual
e aberto, às voltas com a rapidez da interconectividade e fluxo de informações e por espaço e
tempo contraídos, uma vez que partes distintas do globo podem ter acesso em tempo real ao
acontecer do outro. O acesso recíproco e imediato ao universo do outro culmina na
convergência de momentos distintos a instaurar possibilidades de comunicação antes
imaginadas e a difundir novos dilemas éticos e políticos. No tangente à hermenêutica, a
pluralidade de vozes agregada à divergência dos discursos conflitivos conduz ao
questionamento e à contestação dos sistemas totalitários, ditatoriais e difunde os veios de
racionalidade a permitir a irrupção de relatos múltiplos e abertos a compor o pensiero debole
enquanto condição de possibilidade de uma existência mais dialógica e mais tolerante.
201
“Las poéticas no son sólo un modo de reivindicar el derecho a la existencia del arte contra las pretensiones de
las filosofías racionalistas, sino, más concretamente, formas mediante las cuales los artistas, enfrentados a
una posición social nueva y nunca experimentada antes, buscan dar significado a esa situación y darse en ella
un significado a sí mismos” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 52). 202
SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2008. p.
262.
86
Pensar o evento estético à luz da concepção de rede no sentido social ora proposto,
possibilita a convergência da presente reflexão na questão política a ser contemplada. O
alcance ontológico possibilitado pelo evento estético na tensão dialógica entre homem e ser,
situa o homem diante de si no encontro-confronto não somente com o novo mundo que se
abre diante de si, mas com o reconhecimento da própria imbricação no processo de vir-a-ser
de algo originário e interpelante. Aqui reside o caráter originário da obra de arte ao romper os
limites materiais, temporais e espaciais da existência cotidiana ao fundar o extraordinário no
ordinário da vida. Nesse caso, não se trata de transcendência em perspectiva metafísica ou
religiosa, mas sim originário no sentido de algo capaz de romper a própria dimensão de peso,
altura, tonalidade, forma, espaço físico e tempo cronológico restrito a determinado período ou
época. Capaz também de não se render ao esforço objetivo de delimitação conceitual e de
determinações ideológicas, ainda que estas persistam no intento de se servirem da obra de arte
a fim de difundir racionalidades e modus vivendi do pensamento dominante. Tal dimensão de
originariedade ora proposta não se relaciona com a filosofia transcendental kantiana, nem com
a investigação acerca das condições de possibilidade de algo, ainda que se mantenha a
fidelidade à crítica do pensar metafísico. A propósito, tal originariedade garante a autonomia
da obra em relação ao mundo mediante o estar situada num mundo, sem necessariamente
pertencer a ele e na capacidade de abrir novos mundos. Imlica horizonte dialógico a encampar
a relacionalidade com o homem, a partir da qual tal encontro se abre a um terceiro único e
irrepetível, pois ainda que a obra permaneça a “mesma”, inversamente isso não acontece com
seu interlocutor e com as circunstâncias existenciais e históricas em jogo. E ao proferir uma
“verdade” epocalmente originária e não absoluta, mantém-se o alcance profético enredado
pela obra de arte203.
As novas redes de sentido e arranjos inaugurados pela obra de arte também
apresentam dimensão de transcendência por não se apresentarem quantificáveis ou
mensuráveis. Inclusive se diferenciam de conexões virtuais, pois estas ainda apresentam
alcance passível de representação via dados de visualizações, acesso a páginas e posts,
comentários, compartilhamentos e etc. E tais números estatísticos permitem a criação de
gráficos sobre o universo de pessoas envolvidas e a possível eficácia das mensagens, estas
muitas vezes orientadas à criação de necessidades destinadas a estimular o consumo e ou
203
Biblicamente o profeta é aquele que denuncia as injustiças e atrocidades a afligir um povo e simultaneamente
anuncia o caminho de libertação das amarras dominadoras impostas pelos opressores. Anuncia também a
mensagem de boa nova transmitida pela divindade. Retirada a dimensão religiosa do termo profeta, a obra de
arte também exerce dúplice papel de denunciar sistemas, valores, discursos dominadores, e anunciar por
meio da crítica novidade ontológica a via de passagem do estático e do “mesmo” a novas redes de sentido e
de interconectividade aberta e dinâmica.
87
ideologias a orientar a escolha política e ética de indivíduos e coletividades. Por sua vez, as
redes e os entrelaçamentos trazidos à luz, revelados e alimentados pela obra de arte
extrapolam semanticamente as tentativas de apreensão e a estética ontológica advoga a
dimensão de abertura do(s) mundo(s) aberto(s) pelo dar-se do ser via a obra e mediante a sua
interlocução em questão.
3.2 A revelação do evento estético perante a viralização memética da obra de arte
[...] a obra de arte funda um mundo enquanto funda um novo sistema de significados
[...].204
A apropriação humana da manifestação ontológica dada pela obra de arte passa por
instâncias hermenêuticas em constante processo de interação com a historicidade; e não por
determinações legais, econômicas, ou ainda por dados estatisticamente representados e
demonstrados. Os meios de comunicação midiática atuam, de modo geral, em prol da
afirmação de narrativas as quais atualmente se encontram aliadas à lógica do livre mercado, à
transformação das desigualdades em diferenças, à demarcação de fronteiras geográficas e
culturais e à legitimação de estamentos a classificar hierarquicamente os indivíduos de acordo
com seu grau de obediência à lógica veiculada pelos sistemas dominantes e por seu poder de
consumo. Para além dessa dissimulação da realidade, a obra de arte reclama autonomia frente
às tentativas de instrumentalização de sua originariedade e de sua utilização em prol da
propagação de ideologias e ou a serviço do mercado.
A crescente difusão da cultura de massas tende a aproximar a arte do cotidiano das
pessoas mediante sua utilização em estampas de roupas, em utensílios variados, em colagens e
bricolagens, por meio da popularização de célebres composições musicais e da apropriação
pictórica para se representar e se identificar a marca de determinado produto, um conceito,
marginais à dimensão originária e fundante da obra de arte. Recentemente tal apropriação tem
sido exacerbada nos memes em formato de “posts” a circularem viralmente pelas redes
sociais.
Em 1976, o biólogo evolutivo Richard Dawkins publicou o livro O gene egoísta, a
conter um capítulo intitulado “Memes: os novos replicadores”205. O autor sustenta a tese
segundo a qual assim como no universo da biologia há os genes a transmitir informações e
204
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 80. 205
DAWKINS, R. Memes: los nuevos replicadores. In: DAWKINS, R. El gen egoísta: las bases biológicas de
nuestra conducta. Barcelona: Salvat Editores, 1993. p. 215-233.
88
dados a serem preservados e a garantir a continuidade da vida, na sociedade há um novo tipo
de replicador denominado meme206. Atrelado ao universo da Biologia, tal replicador recebe
formulação teórica paralela às ideias darwinianas de seleção natural e de evolucionismo. Em
termos “práticos” o meme favorece a “evolução” cultural capaz de se propagar mediante a
difusão das replicações do conteúdo de DNA ideológico transmitido pelo meme. A cultura
pode ser considerada um dos traços mais singulares da espécie humana. Assim como muitos
aspectos da evolução biológica se aplicam desde o ponto de vista do gene, a cultura sofre
transformações por meio dos memes, nova classe de replicadores sujeita a variações e à
seleção natural características dos genes no âmbito biológico.
Enquanto tal, o meme pode ser tomado como um conceito, uma ideia ou outra
informação dotada da capacidade de se alastrar rapidamente por meio de músicas, de imagens,
de textos escritos, de instalações, de anedotas, de ditos populares, etc. Com a expansão e a
popularização da internet e das redes sociais, os memes maximizaram exponencialmente as
possibilidades de alcance e de replicação. Na perspectiva virtual meme configura-se como
toda ideia/ideologia/conceito a replicar seu conteúdo/imaginário via páginas web e redes
sociais207. Uma das aplicações dos memes encontra-se na divulgação interessada de marcas ou
serviços, pois devido a seu quase instantâneo crescimento, torna-se alvo de estudo das
indústrias interessadas em vender seus produtos. Os memes são utilizados comercialmente
para espalhar o denominado marketing virtual e viral.
Como se pode intuir do já exposto, as noções de meme remetem ao radical
etimológico do termo. A palavra “meme” advém do grego μίμἐμα, cuja tradução é imitação,
imagem, cópia, representação208.
Meme radica-se a μίμησις – reprodução, representação, retrato. O termo μίμησις
exerceu um papel central na explicação formulada por Platão e Aristóteles daquilo
que hoje chamaríamos de belas-artes. O poeta, o dramaturgo, o pintor, o músico, o
escultor, todos compõem uma mimese da realidade. Ainda que Platão, na sua
explicação da pintura, tivesse definitivamente em mente que o pintor imita a
206
Para se distanciar dos genes, Dawkins se pergunta se há algo no planeta a se copiar: meme, o que é imitado.
“De la misma manera que hemos considerado conveniente imaginar a los genes como agentes activos,
trabajando intencionadamente por su propia supervivencia, quizá sea conveniente imaginar a los memes de
igual forma” (DAWKINS, R. Memes: los nuevos replicadores, p. 227). Para o autor: “Necesitamos un
nombre para el nuevo replicador, un sustantivo que conlleve la idea de una unidad de transmisión cultural, o
una unidad de imitación. «Mímeme» se deriva de una apropiada raíz griega, pero deseo un monosílabo que
suene algo parecido a «gen». Espero que mis amigos clasicistas me perdonen si abrevío mímeme y lo dejo en
meme” (DAWKINS, R. Memes: los nuevos replicadores, p. 218). 207
“Meme /mi:m/ noun (biology) a type of behaviour that is passed from one member of a group to another, not
in the GENES but by another means such as people copying it” (OXFORD ADVANCED LEARNER’S
DICTIONARY. 7. th.
New York: Orford, 2005. Grifo do autor). 208
MONTANARI, F. Vocabolario della língua greca. Torino: Loescher Editore, 2000. p. 1290.
89
realidade física, o conceito geral de mimese usado por Platão e Aristóteles é
geralmente melhor traduzido por ‘representação’ que por ‘imitação’: faz parte da
obra de arte representar, re-presentar, a realidade.209
Daí o paralelo estabelecido por Dawkins entre o meme e a teoria evolucionista de
Darwin, para a qual há genes capazes de serem transmitidos e preservados, em detrimento de
outros genes que não obtêm tanto êxito. No caso dos memes, a transmissão cultural é análoga
à genética: há memes com maior ou com menor poder de expressividade na tarefa de difundir
suas informações210. Um paralelo: os memes são aqui pensados aos moldes dos genes. Estes
tendem a se recombinarem entre si em sucessivos rearranjos dos genitores; aqueles, por meio
da cultura, também podem estabelecer novas conexões e se instalarem na vida social e do
indivíduo211.
O período de vida de um meme na internet pode ser duradouro ou efêmero, bem como
o seu conteúdo encontra-se sujeito a mudanças ao longo do tempo. Isso porque, uma vez
postado na rede virtual a informação se sujeita a comentários, críticas, sujeição a efeitos
negativos/positivos e outros tipos de receptividades, intervenções e reações. A possibilidade
de ser recriado a qualquer momento caracteriza o meme212.
Dentre os instrumentos utilizados pelos memes como veículos de replicação, merece
destaque a obra de arte. Pressupõe-se a razão de tal escolha ancorada no apelo de se valer de
universo já conhecido pelo público (e igualmente imbuído de certo mistério), do já
consolidado culturalmente, no intuito de se disseminarem os veios propostos a partir de
horizonte comum de comunicação capaz de criar conexão mais “imediata” entre
coletividades. Assim sendo, os memes tendem a se valerem de obras já amplamente familiares
ao grande público, fato a facilitar a transmissão das ideias e dos conceitos em jogo. Por que os
memes buscam células hospedeiras na obra de arte? Seria no intuito de se conferir caráter cult
209
AUDI, R. Dicionário de filosofia de Cambridge. São Paulo: Paulus, 2006. p. 635. Como breve definição
contemporânea de meme tem-se: “Pero bien, ¿qué es un meme? Es un acto cultural que es tomado por los
usuarios de Internet y replicado de distintas maneras: desde la imitación del fenómeno a el uso de ese hecho
en sí en distintos escenarios y circunstancias”. Disponível em:
<http://www.infotechnology.com/culturageek/Que -es-un-meme-y-cual-es-su-origen-20131111-0002.html>. 210
Cf. DAWKINS, R. Memes, los nuevos replicadores, p. 215. 211
Cf. DAWKINS, R. Memes, los nuevos replicadores, p. 231. 212
Para Vattimo: “Los massmedia, que dominan tanto nuestra experiencia de la ‘realidad’, no han creado la
temida homologación totalitaria de nuestra visión del mundo; todo lo contrario, han hecho explotar el
pluralismo de las interpretaciones. No sólo las élites cultas son conscientes de los condicionamientos
políticos, económicos, sociales, que pesan en los media. Todos saben que ‘la TV miente’. Esto, me parece,
significa que el sistema de los media desarrolla, desde su interior, y por su misma lógica, una tendencia a la
autodesmitificación: o sea, se revela, por sí mismo, no como una descripción objetiva del mundo sino como
una multiplicidad de agencias interpretativas. Todo esto, junto A disolución de la fe en la historia, tiene el
efecto de un general debilitamiento del sentido de la realidad” (VATTIMO, G. El museo y la experiencia del
arte en la postmodernidad, p. 100-101, grifo do autor).
90
e com ares de sofisticação e de refinamento ao conteúdo a ser replicado? Ou ainda pela vasta
rede de possibilidades de utilização de linguagem já reconhecida e enraizada no imaginário
coletivo a constituir base arquetípica para se lançar adiante outras interpelações? Em ambos
os casos se sim, conforme ora se propõe, nota-se esforço de apreensão e de
redimensionamento dos horizontes abertos pela obra de arte a fim de convergirem na tarefa de
apresentação do conteúdo memético travestido da roupagem da obra de arte. Ou seja, não
importa para o meme a obra de arte em si ou o seu valor econômico de mercado; interessa o
uso da plasticidade da obra de arte na missão de garantir a infiltração e a permanência dos
conteúdos meméticos na cultura.
A obra de arte padece tentativa ou consolidação de esquecimento de seu caráter
originante intrínseco durante o processo de hospedagem e de favorecimento da replicação do
meme? Ou ainda tem sua dimensão originária posta a serviço do meme, embora a este não se
reduza? O vírus se hospeda na célula e utiliza os recursos da estrutura invadida no intuito de
se replicar e assim garantir a sua continuidade. Como o vírus depende da célula, o meme
depende da obra de arte numa equação cuja recíproca não é verdadeira, a saber, a obra de arte
mantém seu caráter de originariedade e de abertura epocal apesar de portar o meme. Mesmo
ao transladá-lo e ao inseri-lo na corrente social o novum aberto pelo evento estético não se
perde.
O que garante essa primazia do evento estético sobre os esforços de objetivação e de
cerceamento de seus veios, ou seja, da utilização seu caráter “subversivo” e “anárquico”? O
meme possui conteúdo passível de ser recepcionado e de transmitir algo se situado no
contexto social, histórico e geográfico em meio ao qual ocasionalmente se desenvolve. Além
de se apresentar dependente de agente transmissor de seus dados, o meme igualmente se situa
subordinado ao grupo detentor de mecanismos interpretativos comuns necessários à
replicação de conteúdo já bem cerceado e a priori condicionado por determinações. Em
circunstâncias variadas o meme poderá despertar outras interpretações, porém intimamente
vinculadas ao vírus subjacente à pretensão de replicação de conteúdo marcadamente unívoco.
Em se tratando do meme, a diversidade de interpretações se dá ainda em referência à
unicidade do conteúdo viral. Isso não se passa com a obra de arte cujo evento estético da
manifestação e da proposição de mundos encontra-se para além de circunstâncias históricas,
políticas e sociais e como tal, funda-se no conflito da verdade como alethéia, na insuperável
tensão entre revelar e ocultar. O evento estético não se restringe à abertura e à replicação de
uma totalidade única de sentido, antes se desdobra caleidoscopicamente em múltiplas redes
91
interpretativas alheias à lógica da progressão aritmética213. Daí o caráter epocal do evento
estético instaurado pela obra de arte a possibilitar e a nutrir a arquitetura não violenta da
ontologia da atualidade – donde se fundam (e não “se fundamentam”) as condições de
possibilidade de re-velação do ser.
Vattimo atenta para o fato de, com o avanço da industrialização, o artista surgir
integrado com a indústria cultural, agora como funcionário das grandes instituições da
comunicação de massas. A própria vanguarda pode desempenhar tal papel a desembocar num
tecnicismo vazio em seus programas. Nessa esteira, o desgaste e o consumo das linguagens
artísticas são o verdadeiro fenômeno da crise214. Positivamente, o meme pode reconfigurar o
lugar/espaço e o modo de manifestação da linguagem artística e, a seu modo, favorecer o
acesso ao universo da arte ao “retirá-la” de seu aprisionamento junto aos museus. Sobretudo
se o meme não se destina ao estímulo do consumismo, à reprodução dos ideais capitalistas e
da proliferação de intolerâncias e de preconceitos.
A fim de se trazer à tona a relação presente entre a obra de arte e o meme toma-se
como exemplo a célebre Mona Lisa, pintura de Leonardo da Vinci.
Figura 1: Mona Lisa (La Gioconda)
Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=mona+lisa&rlz=1C1ASUT_pt-BRBR521BR521&
source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwiH0JDT3pjUAhWMMSYKHRauDpkQ_AUICigB&biw=1366
&bih=638#tbm=isch&q=mona+lisa+original&imgrc=zQUu3ew3orOsXM>.
213
Pertencente ao universo matemático, a progressão aritmética (P.A) constitui sequência numérica onde cada
termo, a partir do segundo, coincide com o resultado da soma do termo anterior com uma constante. E tal
constante, fixa e determinável, rege previsivelmente as sequências vindouras. 214
VATTIMO, G. Poesia e ontologia, p. 52-53.
92
Figura 2: Mona Lisa respeito à diversidade
Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=mona+lisa+meme&rlz=1C1ASUT_pt-
BRBR521B
R521&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwikjf7Fqr7UAhXRqZAKHYLdBfwQ_AUICigB&biw=1
366&bih=638#imgrc=ssEJN9hu7sKMWM>.
Figura 3: Monday Lisa
Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=memes+mona+lisa&rlz=1C1ASUT_pt-BRBR521
BR521&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjzqoW-z9TUAhWDvZAKHVkVAAEQ_AUICigB&bi
w=1366&bih=638#tbm=isch&q=mona+lisa+memes&imgrc=lCTAqTay2Ei7dM>.
Figura 4: Mona Lisa verão
Fonte: Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=memes+mona+lisa&rlz=1C1ASUT_pt-BRBR521
BR521&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwi2rszSqJjUAhWDZiYKHTxeA9EQ_AUICigB&biw=1
366&bih=638#imgrc=mCr2togfw0UkxM>.
93
Figura 5: Mona Lisa cannabis
Fonte: Disponível em: < http://maryjuana.com.br/2012/06/momento420-bonglisa/>.
As figuras 2, 3, 4 e 5 apresentam-se como transposições meméticas ou simplesmente
memes desenvolvidos a partir da penetração de conteúdo externo junto à estrutura celular da
obra de Leonardo da Vinci. Por sua vez, em nenhum dos casos a intenção memética sobrepõe-
se, como aqui se defende, à originariedade da obra. O meme interpela o intérprete. Este
estabelece conexão com o meme via os próprios horizontes históricos. A intencionalidade do
meme não se configura algo passível de circunscrição objetiva, uma vez pertencer ao universo
hermenêutico das interpretações. Esclarecido este ponto sobre a intencionalidade, considere-
se a figura 4. Os possíveis discursos meméticos podem ser situados desde a simples
constatação e elucidação do calor típico dos dias de verão até o questionamento de ordem
ambiental e política às voltas com o problema do aquecimento global. Ou ainda pode se
considerar alusão à cultura do culto ao corpo. À luz desses registros, no primeiro caso tem-se
em maior relevo a informação descritiva; nos outros dois, sobressai crítica social, cultural,
política, dentre outras. Nessas variantes, há relação direta com o vírus memético a ser
replicado: o clima quente do verão, informação presente em duplicidade por meio da
linguagem escrita e pictórica. No intuito de se replicar mais velozmente o meme apresenta-se
autoexplicativo, até mesmo ingênuo na sua formulação. Estrutura simples como o vírus,
porém eficaz na capacidade de difundir ideias.
Importa pensar o que se apresenta como fio condutor a tecer rede de contato nesses
exemplos propostos e passível de aplicação análoga a outras obras a hospedar memes. Meme
também no sentido de ideias processadas e replicadas acerca do que seja a obra de arte, sua
teleologia. Muito comumente pessoas dizem na tentativa de justificarem a existência da arte:
“A obra de arte serve para expressar sentimentos”. Tal afirmação constitui já um meme,
transmitido e consolidado antes mesmo da emergência das redes sociais.
A plasticidade interpretativa a possibilitar a irrupção de ampla rede de significados não
reside no arranjo memético sobreposto/incorporado à obra. Antes, o meme se serve tanto do
94
caráter fundante da obra de arte quanto do evento estético por ela possibilitado e instaurado a
fim de replicar e de multiplicar redes de significados. Nesse viés, ao contrário do vírus que
produz, a partir das células, cópias idênticas a si mesmo (por isso replicação viral); o meme a
partir da obra de arte multiplica veredas e caminhos (uma vez não se tratar de abertura de via
única) e replica horizontes e conteúdos recepcionados a partir da historicidade do sujeito
social.
Historicidade aberta, como adverte Vattimo:
[...] a impossibilidade de pensar a história como um curso unitário, impossibilidade
que, segundo a tese aqui sustentada, dá lugar ao fim da modernidade, não surge
apenas da crise do colonialismo e do imperialismo europeu é também, e talvez mais,
o resultado do nascimento dos meios de comunicação de massa. Estes meios –
jornais, rádio, televisão [...], foram determinantes no processo de dissolução dos
pontos de vista centrais, daqueles que um filósofo francês, Jean François Lyotard,
designa como as grandes narrativas.215
Do já exposto depreende-se que a viralização do meme, via obra de arte, diferencia-se
da viralização mediante outras formas de expressão comunicativa216. Apresenta-se única, pois
apesar de hospedar e difundir o meme, a obra de arte não perde a originariedade e o evento
estético segue o serviço de abertura de mundos antes não habitados. Vattimo propõe a
reflexão dessa questão a implicar a estética contemporânea:
A nossa terminologia estética, os conceitos de que dispomos para falar de arte – quer
enquanto produção quer enquanto função – e que aparecem sempre de novo, sob
formas diversas, na nossa reflexão, serão adequadas para pensar a experiência
estética como desenraizamento, oscilação, perda de fundamento, shock? Um sinal de
que não o são poderia ver-se no facto da teoria estética não ter ainda feito justiça aos
mass media e às possibilidades que eles oferecem. Isto é, continua a parecer que se
trata de ‘salvar’ uma essência da arte (criatividade, originalidade, fruição da forma,
conciliação, etc) das ameaças que as novas condições de existência da civilização de
massa representam não só para a arte, digamos, mas para a própria essência do
homem [...].217
A eventualidade do ser dá-se na experiência estética inclusive no protagonismo da
apropriação do meme histórico a se imbricar intencionalmente junto à obra de arte. A partir de
tal apropriação, os horizontes interpretativos indeterminam-se e escapam à possível tentativa
de objetivação memética; pelo contrário: os memes contribuem para o processo de estetização
215
VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 11. 216
Ejemplos de meme son: tonadas o sones, ideas, consignas, modas en cuanto a vestimenta, formas de fabricar
vasijas o de construir arcos. Al igual que los genes se propagan en un acervo génico al saltar de un cuerpo a
otro mediante los espermatozoides o los óvulos, así los memes se propagan en el acervo de memes a saltar de
un cerebro a otro mediante un proceso que, considerado en su sentido más amplio, puede llamarse de
imitación” (DAWKINS, R. Memes: los nuevos replicadores, p. 218-219). 217
VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 62-63.
95
da existência218.
Cabe aqui a pergunta: uma vez que o meme pode se apropriar e se replicar mediante
tantos outros canais, a obra de arte poderia ser, anterior a incorporação explícita sofrida por
um meme, já um próprio meme? Se a resposta for sim, culminar-se-ia por reduzir a obra de
arte a simples cópia ou representação de elementos ou ideias presentes junto à realidade e ao
imaginário circundante. Se se considera, no rastro de Platão, que a perfeição pertence ao
mundo das ideias e o que se tem no mundo sensível é a cópia daquilo que se encontra
magistralmente no mundo supra sensível, a obra de arte como meme será a cópia ou ainda
utilização quando muito transliterada da cópia ou mesmo um meme do meme219. No caso de
resposta negativa, preserva-se a integridade de possível autonomia da obra de arte perante a
tentativa de sua sujeição aos esforços de aniquilamento ou negação da originariedade a
distinguir a obra de arte? Na reciprocidade do encontro e da apropriação mútua entre obra de
arte e meme instaura-se limite tênue e conflitivo entre ambos. Há relação de dependência do
meme em detrimento da obra, a qual em certa medida aquele instrumentaliza; e resistência da
obra perante o meme, no esforço de aquela não se deixar apreender por este. Em outros
termos, pode-se assim situar dialeticamente a questão: a obra de arte é travestida pelo
universo dos memes ao incorporá-lo e ou se reproduz por ele ao consequentemente propagá-
lo220?
218
Por estetização da existência pós-moderna compreende-se: “És este, esencialmente, el significado de lo que
algunos autores han llamado la característica estetización de la existencia postmoderna; el debilitamiento de
la realidad tiene, en su misma base, el explícito pluralismo de interpretaciones. […] Lo que aquí importa es
llamar la atención sobre el hecho de que el uso del término ‘estetización’, para describir la disolussión del
moderno ‘sentido de la realidad’ remite al nexo entre experiencia estética y pluralidad” (VATTIMO, G. El
museo y la experiencia del arte en la postmodernidad, p. 101, grifo do autor). 219
Sobre o problema do caráter representativo da obra de arte diz Vattimo: “Hemos comprobado que, con
respecto a este problema, el marco se puede subdividir, de forma general, en tres grandes grupos: poéticas
todavía fundamentalmente miméticas, en el sentido de que no ponen en duda que la tarea del arte sea
representar la realidad, y sólo eventualmente proponen nuevos lenguajes y nuevos modos de representación;
tales poéticas, obviamente, ni siquiera consideran el problema de la existencia del artista en el mundo, ni el
de la fruición estética, y eso confirma, a nuestro parecer, su carácter sustancialmente ‘tradicional’. Un
segundo grupo comprende aquellas poéticas que ya preparan la recuperación del alcance ontológico del arte,
bien porque subrayan fuertemente su carácter instituyente, y por tanto no imitativo; o bien porque reivindican
manteniéndose en esto, sin embargo, en un marco de polémicas de origen romántico y hegeliano, una función
cognoscitiva privilegiada del arte con respecto al conocimiento discursivo; o bien porque, como es el caso,
del dadá y del surrealismo, ponen violentamente en crisis la conciencia estética tradicional desde la vertiente
de la fruición y de la lectura de la obra” (VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 78). 220
Vattimo formula a questão da reprodução da obra de arte nos seguintes termos: “Leonardo Da Vinci no fue
un genio solamente porque pintó la Mona Lisa, pero el tener la habilidade para poder realizar esa pintura ya
era bastante para su época, pero ¿qué sucede cuando la Mona Lisa se puede reproducir en mil copias
perfectas e idénticas? Sin duda esta posibilidad modifica la idea de qué es arte y su estructura. En la era
tecnológica no sólo se puede reproducir la Mona Lisa, sino que se puede hacer un arte tecnológico como el
cine en el que no existe la idea de ‘el original’y ni siquiera hay un solo autor porque el cine es un trabajo
colectivo, donde si bien hay un director, es necesario que se articulen una serie de roles y de personas”
(VATTIMO, G. Esperando a los bárbaros. Buenos Aires: Editorial FEDUN, 2014. p. 32-33).
96
A obra de arte, apesar de se vincular a elementos da vida cotidiana, tanto históricos
quanto existenciais, não pode ser confundida ou classificada estritamente como um meme. Há
algo sui generis na obra de arte a impossibilitar o cerceamento da habilidade de transformar
em extraordinário a ordinariedade do cotidiano. A novidade autêntica da obra se manifesta
mediante a sua não redução, por não se deixar ser apropriada objetivamente pelo mundo.
E nisto não há nada de místico ou espiritual. A partir de elementos, formas e matérias
comuns (ordinários), utilizando-se de formas ainda circunscritas a leis e princípios físicos,
químicos, temporais..., a obra de arte faz irromper o inusitado, o novum. A obra de arte
comunica ao ser humano via linguagem múltiplice e a sua vez, performativa em cada nuance
de expressão. Tais nuances revelam o caráter não violento do evento estético jamais dado
absolutamente e tampouco apreendido de uma vez por todas.
Ao contrário de possíveis indevidas acusações a recair sobre o esforço de apropriação
memética da obra de arte, o meme não retira da obra a sua capacidade de abrir mundos, seu
caráter de originariedade; antes se vale justamente de tal possibilidade para “viralizar”,
ampliar o lastro de alcance de suas (ir)racionalidades. Dado o caráter não absoluto do meme,
este transporta em suas replicações os veios pelos quais podem circular e adentrar na cultura a
lógica do pensiero debole enquanto pensamento democrático, emancipativo e assegurador do
processo/destino de enfraquecimento das grandes verdades metafísicas. Nesse sentido,
converge também a estética ontológica enquanto estética da afirmação epocal do dar-se do ser
mediante as redes lançadas pela obra de arte.
Positivamente conclui-se: há necessidade de se lançar outro olhar sobre a obra de arte
no intuito de recuperar a seriedade da arte em oposição a concepções a considerá-la como
algo supérfluo e inessencial. Em outros termos: importa a recuperação ou reafirmação do
alcance ontológico da arte em detrimento de uma visão da arte apenas como dado sentimental
ou gratuito de atividade humana desinteressada. Aqui se situa a urgência de conceber a arte
como via de alcance ontológico, como forma de conhecimento da realidade histórica em que
se situa inserida e se manifesta. No momento atual os memes lançam luzes sobre o caráter
originário das células a desenharem o corpo contestador da obra de arte.
A hermenêutica como ontologia da atualidade, filosofia do presente, abre horizontes
para novas e não metafísicas formas de pensar. Como tal, consagra a realidade fática do
niilismo e ilumina o encontro com a obra de arte como encontro com outra visão de mundo.
Converge na elaboração de uma concepção do ser e da “verdade” que os defina em termos
característicos de constante processo de enfraquecimento (pensiero debole) das estruturas
objetivas. No caso da ontologia estética, a ontologia da arte tem por tarefa evidenciar as
97
brechas por meio das quais o evento do ser se dá historicamente. Nessa perspectiva, a estética
como ontologia da arte se converte em uma filosofia da história. A história é possível porque
o ser está sempre por vir221 e dado o comprometimento da ontologia da atualidade com as
questões do tempo presente e o viés emancipador do pensiero debole, o pensamento
hermenêutico de Vattimo apresenta implicações políticas, conforme se explicita a seguir.
3.3 Pensiero debole, ontologia da atualidade: repercussão e alcance político
Se os filósofos marxistas não lograram até o momento transformar o mundo, isto
não significa que seu enfoque político seja errôneo, senão que este se encontrava
situado dentro da tradição metafísica.222
3.3.1 Três décadas do pensiero debole
[... Torna-se cada vez mais evidente a contradição entre os valores da verdade
‘objetiva’ e a consciência de que aquilo que chamamos realidade é um jogo de
interpretações em conflito.223
Trinta e quatro anos após a publicação da obra “Il pensiero debole”224, Gianni Vattimo
e Santiago Zabala expõem as implicações da hermenêutica como pensiero debole no tópico
intitulado “La hermenéutica como pensamiento débil”225. Os autores esclarecem o fato de se
tratar de abordagem mais radical da hermenêutica e explicitam a não vinculação desta a
matrizes teóricas; mas sim, a motivações históricas como resposta interpretativa ao final da
metafísica226. Decorrido este tempo o pensiero debole apresenta agora formulação claramente
mais elaborada e sistemática em relação ao clássico ensaio de 1983227.
Ao longo de seus escritos Vattimo insiste em acentuar a tarefa filosófica de debruçar-
se sobre a hermenêutica do reconhecimento da perda constante e gradativa das verdades
221
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 27-28: “Las épocas de la historia se han hecho posibles gracias al
carácter epocal del ser. Hay auténticamente historia, es decir, posibilidad, futuro, etc., sólo porque él se
retrae”. 222
VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 12. 223
VATTIMO, G. Addio alla verità, p. 26. 224
VATTIMO, G.; ROVATTI, P. A. (Org.). Il pensiero debole. 225
VATTIMO, G.; ZABALA, S. La hermenéutica como pensamiento débil. In: VATTIMO, G.; ZABALA, S.
Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 144-157. “La filosofía italiana reciente llama a esta forma de vincular
la hermenéutica con el nihilismo y con el final de la metafísica ‘pensamiento débil’. En un principio, ‘débil’
denotaba ante todo el abandono de las pretensiones de los absolutos que habían caracterizado a las
tradiciones metafísicas. […] El pensamiento débil únicamente puede ser el de los débiles, sin duda no el de
las clases dominantes, que siempre han obrado para mantener y no poner en cuestión el orden establecido del
mundo” (VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 145-146). 226
Cf. VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 144-145. 227
VATTIMO, G. Dialettica, diferenza, pensiero debole. In: VATTIMO, G.; ROVATTI, P. A. (Org.). Il
pensiero debole, p. 12-28.
98
absolutas228. O caráter radical da hermenêutica advém de sua vinculação intrínseca ao niilismo
e ao fim da metafísica, formulada pela filosofia italiana como pensiero debole229, por meio do
qual a hermenêutica se compromete com a história do enfraquecimento dos absolutos
metafísicos e, desse modo, com a própria história do ser. Nessa perspectiva, o pensiero debole
converte-se no eixo interpretativo do enfraquecimento do sentido pós-metafísico da história.
Como se explicita ao longo da tese, os germes constitutivos do pensiero debole já se
encontram latentes na reflexão estética de Vattimo, esses a possibilitarem o desenvolvimento
da hermenêutica de Vattimo como ontologia da atualidade. A essa interpenetração ou vínculo
recíproco entre estética ontológica e pensiero debole denomina-se o evento estético a
engendrar, como se propõe, a arquitetura desconcertante e anárquica da ontologia da
atualidade. Neste horizonte, a anarquia não configura o projeto final da hermenêutica, mas
sim o seu começo230
.
Ainda que nos escritos recentes de Vattimo o termo estética se faça presente de
maneira mais discreta e deveras indireta, este se encontra vivo e atuante de modo subjacente
ao modus operandi da lógica da ontologia da atualidade. Isso porque, o modelo paradigmático
de compreensão da história do ser como horizonte aberto e jamais dado de uma vez por todas
e a possibilitar a formulação do pensiero debole, é o modelo da experiência estética e mais, de
uma estética comprometida com a história do esquecimento do ser – daí a ideia do declínio ou
ocaso do ser no Ocidente.
No prólogo de sua obra “Oltre l’interpretazione” Vattimo reitera a afirmação da
hermenêutica como koiné da filosofia e da cultura231. A obra também se ocupa de esclarecer
possíveis equívocos presentes junto ao significado e conteúdo filosófico do termo debole -
228
Vattimo assume em sua autobiografia (2006) a necessidade de se tratar do pensiero debole no contexto pós-
moderno mais recente: “Il mio nuovo libro sarà sulla realtà, e sarà un manifesto aggiornato del pensiero
debole. Sulla realtà e sul futuro. [...] Dimostro che la stessa nozione di realtà è violenta. [...] Il punto di
partenza è un altro concetto cui sono arrivato da tempo e cioè che il mio relativismo non è assoluto. Tutto il
mio pensiero e tutta la mia vita sono contro ogni assoluto, contro ogni pretesa d’assolutezza, che poi si
traducono in oppressione politica e oppressione delle coscienze, figuriamoci se posso assolutizzare qualcosa,
sia pure il relativismo” (VATTIMO, G. Non essere Dio, p. 183-184). 229
Cf. VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 146. 230
Outra característica de tal anarquia: “[...] la vena anárquica de la hermenêutica no supone la ausência de todas
las reglas, sino de un regla única que pueda guiar todas las prácticas. Es por ello que, ante la falta de
principios metafísicos últimos, únicamente podemos vivir por medio de la adquisición de una disposición
existencia anárquica particular: solo al ‘desacostumbrarse’ a vivir conforme a legitimaciones y valores
básicos se puede ejercer el pensamiento en un mundo posmetafísico o, como Lyotard lo llama,
‘posmoderno’” (VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 149-150). 231
“L’ipotesi, proposta a metà degli anni ottanta, che l’ermeneutica fosse diventata una sorta di koiné, di idioma
comune, della cultura occidentale, non solo filosofica, non sembra sia stata ancora smentita” (VATTIMO, G.
Oltre l’interpretazione: il significato dell’ermenetica per la filosofia. Roma/Bari: Editori Laterza, 2002. p. 3,
grifo do autor. Ano da primeira edição: 1994).
99
enfraquecimento232.
Formas metafísicas de conceber a realidade insistem em afirmar o pensamento como
algo “forte” e dotado de um logos garantidor de objetividade e de primazia da razão descritiva
e normativa em detrimento da constatação do destino de abertura histórica da “verdade” do
ser. Os representantes dessa vertente acusam o pensiero debole de equivocadamente legitimar
o “ser fraco” – uma “concepção distorcida”, o que impossibilitaria o conhecimento/apreensão
do mundo e o próprio exercício do fazer filosófico. Falta-lhes aqui reconhecer a “força”
presente no pensiero debole, a saber, sua capacidade de romper barreiras totalitárias e de
ultrapassar a violência instaurada pela ditadura do uno – vias de obtenção do exercício da
autonomia e de emancipação do sujeito. Paradoxalmente, quanto mais enfraquecido o
pensiero debole se apresenta, tanto mais “forte” se revela no cumprimento de sua vocação de
enfraquecimento das estruturas objetivas do ser233. Assim sendo, não cabe estabelecer
paralelismo conflitivo entre “pensamento fraco” e “pensamento forte”; aquele não sobrepuja
este no intuito de tomar-lhe o lugar. Tampouco pode se considerar que a debilidade em
questão signifique o fracasso ou a insuficiência do pensamento, mas sim, sua própria condição
após o fim da metafísica. A realização do pensiero debole permanece processo constante e
aberto em vias de dar-se a acontecer historicamente sem a pretensão de lançar-se como novo
fundamento234.
Em 2007 a filosofia debole de Gianni Vattimo recebe enfoque especial de destacados
filósofos e teólogos na obra publicada originalmente em inglês por ocasião da homenagem
aos setenta anos de vida do autor italiano235. Dentre os muitos aspectos abordados nos ensaios
232
“Le riflessioni che ora presento dovrebbero servire anche – in attesa di un lavoro più ampio (già variamente
annunciato con il titolo prima di Il gioco dell’interpretazione e poi con quello, che per ora considero
definitivo, di Ontologia dell’attualità) – a dissipare vari equivoci che si sono accumulati sul significato di
quella proposta teorica, soprattutto per il fato che si è presa in un senso troppo ristretto e letterale la nozione
de debolezza” (VATTIMO, G. Oltre l’interpretazione, op. cit., p. IX, grifo do autor). 233
Sobre tal questão escreve James Risser, ao lançar o pensiero debole na discussão: “Sin embargo, ¿cómo hay
que entender esta emancipación en la tarea de la filosofía? Pareciera que sin una lógica de demostración y sin
una conexión con una historia de la verdad, se ha eviscerado a la filosofía y ya no es capaz de tenderle la
mano a ninguna emancipación que pudiera tener sustancia real. El propio Vattimo da credibilidad a esta idea
pues mantiene que la filosofía puede continuar sólo en relación con el ‘pensamiento débil’ (pensiero debole)”
(RISSER, J. Sobre la continuación de la filosofía: la hermenéutica como convalecencia. In: ZABALA, S.
Debilitando la filosofía, p. 218, grifos do autor). 234
“En resumidas cuentas, la debilidad del ‘pensamiento débil’ no habría de interpretarse por oposición al
‘pensamiento fuerte’ o como el resultado de un descubrimiento (que no existe ninguna descripción objetiva
de la verdad), sino como una concienciación de nuestra condición postmoderna” (VATTIMO, G.; ZABALA,
S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 147). “El pensamiento débil no se torna fuerte al debilitar las
estructuras de la metafísica, puesto que siempre habrá más estructuras por debilitar, igual que siempre habrá
sujetos por psicoanalizar, creencias por secularizar o gobiernos por democratizar” (VATTIMO, G.;
ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 147). 235
ZABALA, S. (Ed.). Debilitando la filosofía: ensayos en honor a Gianni Vattimo, 2009. Título original da
obra: Weakening philosophy: essays in honour of Gianni Vattimo, 2007).
100
a compor a obra destaca-se o problema acerca das condições de possibilidade de continuidade
do pensar filosófico ou inversamente, de um possível e eminente fim da filosofia haja vista a
queda da metafísica. Tomando-se a constatação de Lyotard sobre o fim dos metarrelatos, há
espaço para a filosofia na pós-modernidade desde que esta não apresente cunho metafísico e,
portanto, não contenha pretensões totalitárias ainda que em via negativa por meio da plena
negação dos absolutos.
A preservação e a atualidade da filosofia ratificam-se mediante o comprometimento do
fazer filosófico com a garantia da existência da multiplicidade de interpretações e de
posicionamentos diversos (una filosofia debole), em detrimento do retorno da objetividade
metafísica encarnada na existência de valores absolutos. À atualidade da filosofia convergem
as questões tangentes à tarefa e ao sentido do pensamento filosófico na contemporaneidade a
apontar para a vocação política da ontologia da atualidade. A ausência do fundamento revela-se
positiva na medida em que evoca nossa própria liberdade e responsabilidade não mais
garantidas por nenhum porto seguro. A hermenêutica do presente não pode se esquivar de
oferecer horizontes críticos-interpretativos das questões políticas a permearem o cenário
contemporâneo.
A dimensão política da hermenêutica vem em certa medida radicalizada na obra
Comunismo hermenêutico: de Heidegger a Marx236
. O subtítulo provocativo, “de Heidegger a
Marx”, não significa um erro cronológico, pois se trata de posicionamento teórico-
filosófico237
dos autores da obra a se reconhecerem comunistas hermenêuticos238
.
236
VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenêutico, op. cit. Edição original: VATTIMO, G.; ZABALA,
S. Hermeneutic communism: from Heidegger to Marx. New York: Columbia University Press, 2011. A
publicação de obras de Gianno Vattimo e de Santiago Zabala pela Columbia University Press demonstra o
avanço da penetração do pensiero debole junto a outros rincões do globo. Para além da filosofia continental,
o pensamento de Vattimo apresenta grande difusão junto à América Latina, fato demonstrado não somente
pelas traduções de obras de Vattimo e pelas teses defendidas sobre o pensamento do autor, como também
pela presença expressiva do próprio Vattimo junto a eventos e conferências latino-americanas. 237
Em 2006 já esclarecia Vattimo em sua autobiografia: “Per quanto possa sembrare incredibile, proprio
affronttare Heidegger se può corrispondere all’alienazione di Marx e alla reificazione de Lukács. Almeno
sotto due aspetti: non puoi cambiare tu da solo, per mettere a posto le cose bisogna fare la rivoluzione; l’oblio
dell’Essere come lo pensa Heidegger è ciò che il marxismo spiegherebbe con la divisione del lavoro: tu non
godi tutti i frutti del tuo lavoro e si costruisce una società nella quale tutto viene mercificato, compreso te in
quanto lavoratore” (VATTIMO, G.; PATERLINI, P. Non essere Dio, p. 75. Relação paralela Vattimo
estabelece entre Nietzsche e Heidegger: “Desenvolve-se assim, em boa parte da filosofia europeia recente,
um movimento de ir e vir entre Heidegger e Nietzsche que – e esta será propriamente a minha tese – não se
limita a tentar compreender Nietzsche servindo-se dos resultados do trabalho interpretativo de Heidegger,
como seria de esperar. Há também um movimento oposto: bem além das teses explícitas propostas por
Heidegger em sua interpretação de Nietzsche, o próprio significado da filosofia heideggeriana tende a ser
apreendido e compreendido por meio de Nietzsche. Pode-se falar assim não apenas de um Heidegger
intérprete de Nietzsche, mas também de um Nietzsche intérprete de Heidegger [...]” (VATTIMO, G. Diálogo
com Nietzsche: ensaios 1961-2000, p. 325).
101
Comunismo e hermenêutica se encontram na similaridade de sua verdade
marcadamente histórica, ou seja, não se apresentam como produto de descoberta teórica e sim
como resultado e consequência do final da metafísica. Ambos convergem no projeto de
emancipação da autonomia dos que se encontram situados à margem da história239
e
interagem entre si no intuito de possibilitar a crítica, por exemplo, ao capitalismo em
expansão. “A alternativa latino-americana” é o tema do último tópico do livro Comunismo
hermenêutico. Os autores exaltam o que consideram a experiência exitosa de governos eleitos
democraticamente e que se apresentam como resistência à lógica do capital e dos grandes
bancos internacionais. Obviamente a tese sustentada por Gianni Vattimo e por Santiago
Zabala não constitui um fato (dado objetivo), mas uma interpretação perante outras possíveis
interpretações: não existem fatos, mas interpretações. Prevalece o problema do exercício da
cidadania, pois no Brasil: “[...] jamais houve a figura do cidadão. As classes chamadas
superiores [...], jamais quiseram ser cidadãs; os pobres jamais puderam ser cidadãos. As
classes médias foram condicionadas a apenas querer privilégios e não direitos”240. O próprio
conceito de pobreza merece compreensão dilatada: “[...] ser pobre não é apenas ganhar menos
do que uma soma arbitrariamente fixada; ser pobre é participar de uma situação estrutural,
com uma posição relativa inferior dentro da sociedade como um todo”241
.
Segundo propõe Vattimo, a América Latina condensa grande capacidade de se
apresentar como resistência e limite ao imperialismo dos Estados Unidos. Ainda que tal
consideração possa parecer um pouco mítica, como adverte o filósofo, tomar essa parte do
globo como referência implica valorizar a transformação socialista presente na América
Latina242
. Diante do exposto consideram-se pertinentes as iniciativas de resistência e de luta
emergentes na América Latina enquanto horizonte de possibilidades oriundas da periferia do
238
Segundo os autores: “Al contrario de numerosos intérpretes de Marx que se presentan como ‘socialistas
científicos’, este libro es obra de dos ‘comunistas hermenéuticos’, es decir, de quienes creen que la política
no puede estar basada en fundamentos científicos y racionales, sino únicamente en la interpretación, la
historia y el acontecimiento” (VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 13). E
acrescentam: “[…] en este libro no nos referimos no nos al comunismo histórico soviético ni al modelo
contemporáneo chino, sino a los gobiernos comunistas (democráticamente electos) sudamericanos, los cuales
están decididos a defender los intereses de sus ciudadanos más débiles. Nosotros creemos que esa es la región
del mundo que representa mejor el comunismo del siglo XXI […]” (VATTIMO, G.; ZABALA, S.
Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 16). 239
Considerar: VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 14-15. Para a devida
compreensão da proposta inerente ao comunismo hermenêutico, considerar: VATTIMO, G.; ZABALA, S.
Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 165-ss. Em seu livro Ecce Comu: cómo se llega a ser ló que se era
(2007), Vattimo já apresenta os germes das ideias retomadas e desenvolvidas em Comunismo hermenêutico
(2011). 240
SANTOS, M. Por uma outra globalização, op. cit., p. 49-50. 241
SANTOS, M. Por uma outra globalização, op. cit., p. 59. 242
Cf. VATTIMO, G. Filosofía TV. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-8X527N5HMw>.
Acesso em: 17 jul. 2017.
102
mundo situada à margem dos ditos bens capitalistas. Entretanto, da utopia da possibilidade à
configuração de alternativa, há longo e sinuoso caminho a ser percorrido.
3.3.2 A filosofia debole se opõe ao atual processo de globalização
A globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo, como
modo de produção e processo civilizatório de alcance mundial.243
A dimensão prática da ontologia da atualidade impõe a realização de abordagem
filosófica a contemplar a possibilidade crítico-efetiva de aplicação e ou intervenção da
filosofia debole junto a dilemas contemporâneos a se nutrirem dos veios metafísicos, como é
o caso do processo de globalização atual. Assim sendo, trazer à tona a questão da globalização
possibilita a demonstração dos resultados da estética ontológica empreendida por Vattimo.
Consequentemente, lança-se luz sobre reflexão estética comprometida com o problema do ser
em detrimento de temas de cunho estritamente teórico. Caso a ontologia da atualidade queira
situar-se de modo pertinente perante o sujeito contemporâneo há de favorecer a abertura de
novos horizontes humano-existenciais não aos moldes do caráter empírico da ciência, mas a
partir de sua vocação interpelante, interpretativa e anárquica244
.
O atual processo de globalização em marcha viraliza como verdade um conjunto de
ideias e distorsões políticas, sociais e econômicas a se fortalecerem mediante a repetição
midiática a conferir-lhe aparente roupagem sólida e segura. Alguns motes ideológicos
garantem a continuidade do sistema em marcha e configuram a face perversa da realidade em
curso:
Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de
notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento das
distâncias – para aqueles que realmente podem viajar – também se difunde a noção
de tempo e de espaço contraídos. É como se o mundo se houvesse tornado, para
todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como
capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são
243
IANNI, O. A era do globalismo. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 11. 244
Nessa perspectiva, considere-se a presente crítica: “[…] las filosofías analíticas y continentales
contemporáneas han retrocedido al ‘realismo’, esto es, al simple análisis y conservación de los hechos con
objeto de ayudar al desarrollo de las disciplinas científicas, algo que ya constituía la preocupación principal
de la Ilustración. Sin embargo, al hacer eso, la filosofía elude la que ha sido una de sus tareas más
importantes: sugerir posibilidades alternativas, distintas o innovadoras. La filosofía no es una recepción
desapegada, contemplativa o neutral de objetos, sino más bien la práctica de una posibilidad interesada,
proyectada y activa. En esta vuelta a la ‘realidad’, a través de la plena neutralización de las diferencias, la
filosofía se torna solo conservadora, sino, además, servidora del poder político más fuerte […]” (VATTIMO,
G. ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 28-29, grifo do autor).
103
aprofundadas.245
Por se tratar de realidade ambígua e complexa, o processo civilizatório de expansão do
capitalismo acarreta a globalização de questões humanas:
O mesmo processo de amplas proporções que expressa a globalização do
capitalismo expressa inclusive a globalização da questão social. É claro que os
problemas sociais continuam e continuarão a manifestar-se em formas locais,
provincianas, nacionais e regionais. Mas também é evidente que se manifestam em
escala mundial.246
A globalização expande o capitalismo; o capitalismo difunde a globalização. Na
mesma medida globalizam-se intolerâncias religiosas, xenofobia, preconceitos, medo e
aversão ao outro e as diferenças são transfiguradas em desigualdades. Reconfiguram-se as
divisões de trabalho, a ocupação e o uso do espaço, as relações financeiras e os mercados
internacionais. A perversidade desse sistema cria novas vítimas de um modo de ser
hegemônico regido pelo capitalismo comprometido com a obtenção de lucro. O global incide
sobre o local mediante a busca da difusão e homogeneização dos valores capitalistas versus o
modo de ser local.
Nessa tensão, estratégias de luta e de resistência nascem no local como limite aos
ditames advindos do global no intuito de homogeneizar valores e ideais. Dos esforços da
resistência local ao global surgem iniciativas como economia solidária, o Fórum Social
Mundial, educação inclusiva e etc. À globalização do capitalismo opõe-se a globalização da
solidariedade e se fortalece gradativamente o slogan a impulsionar a mudança: “Outro mundo
é possível”.
Diante desse contexto evocador de horizonte ético-crítico se insere a noção do ser
como evento, sem a qual a ontologia da atualidade não poderia ser pensada historicamente
como projeto interpelante não objetivo, mas já nutrido de rede de possibilidades
interpretativas e a evocar sempre nova interpretação247. Obviamente tal hermenêutica não se
245
SANTOS, M. Por uma outra globalização, op. cit., p. 18-19. 246
IANNI, O. A era do globalismo, p. 134. 247
Há de se ter sempre em mente a frase de Nietzsche, “Não existem fatos, mas interpretações...”, texto este a
figurar quase como um mantra nos escritos de Vattimo e legitimador da vocação niilista da hermenêutica.
Segundo o próprio filósofo italiano advoga: “Pero, ante todo: ¿por qué, y en qué sentido, la hermenéutica
debe desembocar en una ontología explícitamente nihilista? Es lo exigido, de un modo algo paradójico, por la
contradicción que Nietzsche mismo anota en un famoso fragmento de sus apuntes póstumos: ‘No hay hechos,
solo hay interpretaciones’. Y añade: ‘Y también esto es una interpretación’. Si la hermenéutica actual no
acaba en una explícita ontología nihilista, se olvida justamente esta conclusión decisiva y se expone a la justa
acusación de autocontradicción performativa con la que los realistas han creído siempre poder liquidar el
nihilismo […]” (VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 28).
104
trata de proposição ou teoria metafísica, destinada a descrever e a apreender as estruturas
estáveis do ser.
Nós não consideramos uma coincidência que o problema radical da oposição entre a
metafísica e a hermenêutica se apresente justamente onde situamos o problema
ético-político da emancipação. É sobretudo nas esferas ético-políticas onde a
insustentabilidade da metafísica se torna evidente.248
A hermenêutica como ontologia da atualidade dispõe de situações e de motivações
históricas contingentes enquanto veículo de transmissão não de conteúdos comprovados
cientificamente, de uma descoberta teórica, mas de interpretação da história – a qual já se nos
apresenta como interpretação transmitida, integrada, reconhecida por uma coletividade como
“verdade”249 a abarcar em si o jogo de interpretações por vezes conflitivas. Daí a experiência
estética bem configurar e bem servir de paradigma para a experiência hermenêutica. A
“verdade” da obra de arte não é uma verdade imposta limitada ao universo objetivo de
demonstrações nutridas do ideal absoluto de universalidade. Para além das tentativas de
cerceamento de sua capacidade de abrir horizontes de significados e redes de sentidos, a obra
de arte de arte mantém-se emancipada das tentativas de sua subsunção, bem como via de
emancipação de seus interlocutores – tarefa a ser assumida pela filosofia250. A ontologia da
atualidade convida à emancipação do sujeito via o protagonismo do exercício étrico-crítico de
não simplesmente descrever a realidade, mas de interpretá-la. A violência metafísica sempre
tratou de delimitar, de nomear, de determinar o mundo. Tal discurso não encontra mais
pertinência no período histórico atual. A hermenêutica não se dá a conhecer via uma
descoberta teórica ou metarrelato, mas emerge como resposta ao fim da metafísica. “Chegou o
momento de interpretar o mundo” (frase final do livro Comunismo hermenêutico)251.
A realidade contemporânea apresenta como traço constitutivo o processo de
globalização como processo totalitário e totalizador a difundir os valores metafísicos de
determinação e de objetivação do lugar. Para além do aspecto econômico, a globalização
248
VATTIMO, G. ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 143. 249
Verdade sempre pensada na dinâmica aberta pela noção de alétheia e relacionada sempre ao ser: “La filosofia
ha asociado desde antaño la verdad com el ser. [...] si la verdad está con pleno derecho en una conexión
originaria con el ser, entonces el fenómeno de la verdad entra en el ámbito de la problemática de la ontología
fundamental” (HEIDEGGER, M. Ser y tiempo, p. 229-230, grifo do autor). 250
“La vocazione a fare politica da filosofo, a perseguire l’emancipazione come filosofo e non fare come politico
specialista e professionale, significava per me fare una scelta in qualque senso più universale, cioè più
indirettamente coinvolta, con meno risultati immediati di carattere politico, legislativo ecc. ecc., ma più
educativa. Nella scelta di fare politica come filosofo c’entra molto la pedagogia, l’idea di educare l’umanità,
di promuovere la trasformazione dell’uomo prima della trasformazione delle struture” (VATTIMO, G.
Vocazione e responsabilità del filosofo, p. 117). 251
VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 198.
105
tende a universalizar comportamentos, cultura, arte e os valores da racionalidade dominante.
Por apresentar roupagem legitimada pela ideologia do progresso e via de acesso aos bens do
capitalismo, a globalização encontra solo receptivo para se desenvolver. Os meios de
comunicação possibilitam acesso “imediato” ao acontecer do outro e favorecem a propagação
dos ideais capitalistas, para os quais a mais-valia funda-se sobre a menos-vida das classes
trabalhadoras e o fortalecimento dos mercados globais sobrepuja a satisfação das necessidades
humanas de coletividades.
A possibilidade de outra globalização, humana e solidária, implica a postura ativa de
interpretar o mundo e evidencia o papel político exercido pela hermenêutica:
A breve incursão na hermenêutica de Nietzsche e de Heidegger nos permite
confirmar a importância política da hermenêutica como uma concepção do ser que
não se oferece a descrições, e sim que nos implica desde o primeiro momento como
intérpretes. À margem do preconceito do conhecimento como o espelho da natureza,
já não procede imaginar um mundo dado objetivamente, senão somente dado por
meio da participação de alguém.252
Nessa perspectiva, os caminhos de dissolução da metafísica garantidos pelo pensiero
debole – como chave interpretativa da história do enfraquecimento do ser no Ocidente –
mantêm em movimento o eixo niilista da ontologia da atualidade em prol da ruptura de
absolutismos e de totalitarismos de governos, empresas e instituições. Configura-se assim a
dimensão política do pensiero debole a outorgar-lhe caráter prático e não meramente teórico.
Mais que um percurso propositivo de leitura e de interpretação histórica do momento
presente, a filosofia debole de Gianni Vattimo garante a ruptura da violência de pensamentos
únicos e abre espaço para a irrupção de uma consciência ampliada acerca da diversidade.
Filosofia da tolerância, da escuta de outras vozes e da coexistência de verdades conflitivas e
garantidoras da não instauração da ditadura da objetividade253.
Politicamente tem-se com o pensiero debole, horizonte crítico propulsor da ontologia
da atualidade, o convite a se colocar em suspensão juízos pré-determinados ancorados numa
dita ordem natural do mundo. Determinismos e fundamentalismos encontram limite ético-
político derivado da ontologia da atualidade gestada à luz do evento estético. Da arte à
252
VATTIMO, G.; ZABALA. S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 142. Considerar também: “[...] me
parece que la hermenéutica es la única filosofía capaz de oponerse al mundo globalizado, tecnificado y
dominado por la pretensión de objetividad de la comunidad científica, que cree poseer un ojo puro que devela
la única verdad, como creen tal vez los políticos que se inspiran en la economía capitalista” (VATTIMO, G.
De la realidad, op. cit., p. 46-47). 253
“Come posizione filosofica, l’ermeneutica è probabilmente quella che riflette più fedelmente il pluralismo
delle società moderne che, sul piano politico, si esprime nella democrazia” (VATTIMO, G. Nichilismo ed
emancipazione, op. cit., p. 97).
106
política; da estética à ética; do fundamento objetivo à diversidade de interpretações – o
pensiero debole mantém aberta a conversação. Para além do fim da metafísica, sua linguagem
e terminologia se encontram ainda entranhadas em nossa cultura e no modo de expressão
comunicativa. Ainda que pareça postura filosófica incipiente, insiste-se em privilegiar termos
distantes do universo metafísico. Diálogo (διάλογος) carrega ainda a tradição do logos grego
(palavra, verbo, razão, sentido, linguagem); conversação apresenta-se mais dinâmica e
“aberta”. A “ação de versar” implica maior liberdade dos sujeitos e convida à escuta e à
interação do diverso e do múltiplo. A conversação garante a pluralidade dos jogos de
linguagem e substitui a proclamação da verdade pela afirmação das diferenças.
Garantida a afirmação e o reconhecimento de subjetividades não unívocas, têm-se
lançadas as bases sobre as quais se podem assentar autonomia e emancipação como
características políticas e não violentas da hermenêutica como ontologia da atualidade254. Em
contrapartida, a violência caracteriza-se como significado e consequência política da verdade
dita metafisicamente.
O projeto político da hermenêutica não se encontra devidamente explorado e
encarnado na cultura e pensar o ser na situação presente implica assumir as consequências
políticas da hermenêutica em prol da interpretação do mundo255. Onde se lê globalização,
pode-se também ler xenofobia, fundamentalismo, mercado único, mais-valia, intolerância
religiosa, ditadura, heteronormatividade. A globalização aqui abordada pode ser
compreendida como metáfora de todas essas nuances elencadas e traz à tona a necessidade de
se ir além do pensamento único mediante a garantia da manifestação de vários modos de ser e
o posicionamento perante a sociedade e o exercício das subjetividades (estas não classificadas
como espectadoras de um filme de antemão projetado, mas configuradas como intérpretes de
254
“Mientras que estas filosofías descriptivas siempre se han interesado por regular los procesos de
objetificación con el fin de imponerlos, a la hermenéutica en cambio la impulsa una techné activa, es decir, lo
opuesto a la theoria como conservación, neutralización y violencia. Más que filosofías descriptivas, la
interpretación supone a menudo un llamamiento en favor de la emancipación, lo cual es políticamente
revolucionario; en otras palabras, se opone al estado de cosas objetivo. Por eso la hermenéutica ha sido
siempre la espina dorsal latente de las revoluciones culturales contra quienes poseen el poder, es decir, de los
movimientos más fecundos contra la verdad impuesta” (Comunismo hermenéutico, p. 126, grifo do autor.). 255
São recentes os desdobramentos políticos da hermenêutica: “Mientras que la interpretación se convirtió en un
problema central de la filosofía, la psicología y la ciencia a comienzos del siglo XX, solo en época reciente
han comenzado a emerger las consecuencias políticas de la hermenéutica” (Comunismo hermenéutico, p.
123).
107
realidade em constante mutação)256. O mundo da hermenêutica não é um objeto a ser
observado e determinado desde diversos pontos de vista, uma vez que se trata de mundo em
constante revolução257.
3.4 Do evento estético à tentação do realismo
O fio condutor da presente exposição elege, como se tem insistido, o evento como eixo
arquitetônico a engendrar originariamente a ontologia da atualidade de Gianni Vattimo.
Assim sendo, circunscrever acerca do pensiero debole só tem “razão de ser” à luz do evento
estético, como se propõe. Igualmente acontece, ao se circunscrever acerca da verdade, da obra
de arte, da hermenêutica e até mesmo acerca da globalização, haja vista esta incidir local e
globalmente sobre a vida, a cultura, o modo de ser e os (re)arranjos sócio-político-econômicos
em escala outrora não vista. Consequentemente, os desdobramentos e nuances dos temas
pertinentes ao evento estético a este se vinculam de modo reticular - conforme conceito de
rede anteriormente proposto, e devem ser interpretados à luz da constatação do fim da
metafísica.
3.4.1 Er-eigns, evento, evento estético
A pertença recíproca entre objeto e sujeito é fundamental para reconhecer que nunca
observamos o mundo com olhos neutros [...].258
O ensaio “A origem da obra de arte” elabora conceitualmente o evento do ser, pensado
como liberdade, novidade e projeto, em oposição ao desenvolvimento de uma essência
256
Segundo atestam os comunistas hermenêuticos: “Pero ¿por qué esta política de la interpretación, es decir, el
proyecto político de la hermenéutica no ha sido explorada de forma sistemática hasta el momento? La
primera explicación es histórico-social: los maestros modernos de la hermenéutica, Nietzsche, Heidegger y
Gadamer, eran tradicional, cultural y políticamente conservadores. Y el hecho que la dimensión ontológica
de la hermenéutica fuese investigada de forma sistemática por vez primera por Heidegger, que había sido
miembro del régimen nazi. […] sí nos gustaría señalar que, mientras la hermenéutica como disciplina
filosófica no hubiese sido posible sin ellos, ninguno de los tres desarrolló las dimensiones políticas de la
misma, lo que nosotros preferimos denominar el ‘proyecto político’ de la hermenéutica” (VATTIMO, G.;
ZABALA, S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 124-125). 257
Subjacente à ontologia da atualidade se encontra o horizonte ético do pensiero debole: “Il pensiero debole –
liberato da ogni interdetto – è un ‘pensiero postivo’ che propone la pratica di un’etica minima: una linea de
resistenza contro ogni genere di nuova barbarie, sulla quale attestarsi per non cedere sul diritto di essere
cittadini. [...] Ed è a loro che il pensiero debole si rivolge chiedendo che ciascuno si faccia carico della
propria supposta ‘impotenza’, non affidandosi alle ideologie ma praticando, giorno per giorno, una
valorizzazione e una socializzazione dei propri bisogni” (ROVATTI, P. A. Inattualità del pensiero debole, p.
30-31). 258
VATTIMO, G. De la realidad a la verdad, p. 49.
108
metafísica dada de uma vez por todas259. Em virtude do âmbito originante de abertura, de
desconstrução e de questionamento, o evento do ser apresenta caráter mais conflitivo do que
simplesmente dialógico260, assim como acontece com a obra de arte. A obra de arte emerge
sempre, e nesse sentido também a poesia, como algo transcendente e mais rico em
sentido/significação, justamente por não se deixar esgotar e ou engessar numa tentativa
objetiva de apreensão e de objetivação261.
A obra de arte mantém reserva de sentido em aberto via o conflito do velar e do
desvelar, tematizado por Heidegger por meio da tensão entre terra e mundo. A força inaugural
da obra de arte reside no fato de a obra manter aberto o conflito entre terra e mundo. A
história do ser é possível porque há a terra:
Todavia, aquilo que importa mais a Heidegger, e que se manifesta em muitas
páginas do ensaio de 1936, como nas suas leituras dos poetas, não é a definição
positiva do mundo que a poesia abre e funda, mas sim a determinação do alcance de
‘desfundamento’ que a poesia, inseparavelmente, sempre tem. Fundação e
‘desfundamento’ são o sentido dos dois aspectos que Heidegger indica como
constitutivos da obra de arte, isto é, a exposição (Auf-stellung) do mundo e pro-
dução (Her-stellung) da ‘terra’. O mundo exposto pela obra é o sistema de
significados que ela inaugura; a terra é produzida pela obra quando é apresentada,
mostrada como o fim obscuro, nunca totalmente consumável em enunciados
explícitos, sobre a qual o mundo da obra se radica. Se, como se viu, o
desenraizamento é o elemento essencial e não provisório da experiência estética,
deste desenraizamento é responsável muito mais a terra do que o mundo; só porque
o mundo de significados alargado à obra surge como obscuramente radicado
(portanto, logicamente, não ‘fundado’) na terra, a obra produz um efeito de
desenraizamento: a terra não é o mundo, não é sistema de relações significativas, é o
outro, o nada, a geral gratuidade e insignificância. [...] A obra de arte nunca é
tranquilizante, ‘bela’ no sentido da perfeita conciliação de interior e exterior,
essência e existência, etc.262
259
Diante do exposto, o ser não dever mais ser pensado como “estrutura forte”, “[...] ma evento, che non si dà
più come principio e fondamento, ma come annuncio e ‘racconto’), che sembra il senso stesso
dell’alleggerimento della realtà che accade nelle nuove condizioni di esistenza determinate dalle
trasformazioni della tecnologia, e che globalmente si possono indicare come caratteristiche della post-
modernità” (VATTIMO, G. Etica dell’interpretazione, p. 80). Sobre o ensaio “A origem da obra de arte”
escreve Vattimo: “El evento del Ser es el acontecer de la verdad, en los dos sentidos que el término verdad
tiene para Heidegger. Verdad como alétheia es el darse histórico del paradigma, que, al no ser estructura
eterna de un Ser metafísico y parmenídeo ha de pensarse como evento. Pero verdad es también la proposición
verificada según los criterios propios del paradigma, la ciencia normal, por tanto, en el sentido de Kuhn. Si el
ensayo sobre ‘El origen de la obra de arte’ (1936) dice que la obra es ‘puesta en obra de la verdad’ el sentido
del término verdad debe entenderse según la primera acepción: la obra de arte es fundación de un mundo, la
experiencia que de él hagamos, piensa Heidegger, cambia las coordenadas en las que se nos aparece el
mundo. […] Aunque no veamos nunca el ‘nacimiento’ de un nuevo mundo, solo podemos pensar el Ser así,
se no queremos recaer en la metafísica objetivista que hace impensable nuestra historicidad existencial”
(VATTIMO, G. De la realidad a la verdad, p. 136-137, grifo do autor). 260
Cf. VATTIMO, G.; ZABALA. S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 245-246. 261
No caso da poesia, por também comportar a linguagem palavra traduzida como linguagem poética a também
explicitamente congregar palavras. A poesia coloca em discussão a linguagem das outras artes (Cf.
VATTIMO, G. Poesía y ontología, p. 57). 262 VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 58-59, grifo do autor.
109
Como se tem evidenciado, a superação da metafísica (no sentido atribuído por
Heidegger) implica o constante retorno a ela (Verwindung) via meandros de torsão, de
distorção, descontinuidade e de assunção opositiva do que se pretende sanar263. Pensamentos e
posicionamentos unívocos, objetivos e totalitários alternam-se historicamente a serviço da
racionalidade dominante. Os ideais globalizantes presentes na justificativa das grandes
navegações (expansão de territorialidades e colonização) estendem seu lastro até a
globalização atual configurada a serviço dos anseios capitalistas (desterritorialização do
modus vivendi local e implementação de ditames globais). Oponentes metafísicos se
contrapõem à racionalidade inerente ao evento estético e apresentam-se restritivos à
propagação da emancipação do sujeito e da irrupção de vários modos de ser, de agir e de se
situar perante o mundo.
Antes de se percorrer a tessitura inimiga do pensiero debole, produzida pelo tear do
que Vattimo denomina tentação do realismo, permita-se retomar a concepção de evento
presente, ainda que de modo por vezes subjacente, junto a todo itinerário aqui proposto:
Er-eignis, à letra ‘evento’, é o termo com que Heidegger fala do ser, nas suas obras
mais tardias; escrito com hífen, como Heidegger faz frequentemente, ele alude a um
evento em que o que acontece é um jogo de ‘propriação’ (eigen = próprio): no
Ereignis, o homem é apropriado (vereignet) ao ser, o ser é consignado (Zugeeignet)
ao homem (cf. D, 23-25). [...] o Ereignis é único. É a transpropriação recíproca do
homem e do ser, esta transpropriação acontece no Ge-Stell e não noutro lugar.264
Esse acontecimento de propriação e de apropriação entre o homem e o ser coimplica o
que hora se propõe denominar confiabilidade. O homem se apresenta na confiabilidade ao ser
pelo qual é apropriado (por exemplo, ao situar-se perante a obra de arte); e é pelo ser
inversamente consignado na mesma confiabilidade e na declaração (consignar é declarar) e
escondimento de sua verdade epocal. A consignação do ser ao homem ocorre mediante
“entrega” do ser à limitação da linguagem e da capacidade de apreensão do humano. Dessa
mútua confiabilidade, simétrica e assimétrica, dá-se a transpropriação a coimplicar o ser e o
263
No tangente à superação da metafísica, Vattimo pontua logo no início dessa primeira década do século XXI:
“Salir de la metafísica objetivista quiere decir también hallarse en la situación de tener que construir una
racionalidad totalmente histórica – en el fondo, por esto, más humana, una vez más finita y, por tanto,
siempre situada y nunca neutral, orientada en un sentido que depende de una decisión – del individuo y/o de
toda una cultura” (VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 50-51). Ademais: “Aqui se insere a lógica do
termo heideggeriano Verwindung a significar: “[...] sanar de una enfermedad conservando las huellas de la
misma, resignarse a algo de lo que uno no puede liberarse del todo; y también, a mi parecer, distorsión,
torsión. Respecto del lenguaje de la metafísica realista de donde pretendemos salir, solo nos queda la
posibilidad de una Verwindung, no podemos realmente superarlo (Überwindung), porque esto implicaría la
adopción de una metafísica alternativa que nos remitiría a la situación ‘realista’ de la que queremos salir”
(VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 123). 264
VATTIMO, G. As aventuras da diferença, p. 172-173, grifo do autor.
110
homem enquanto o ser não se reduz à apreensão humana e o homem não abarca a totalidade
do ser. A aparente negatividade presente no dado do homem não abarcar a totalidade do ser
converte-se em positividade, por não metafisicamente manter aberto o curso da história e
garantir não tangencialmente as possibilidades interpretativas do ser e a dimensão projetual da
existência265. Confiabilidade simétrica, uma vez que o dar-se do ser ao homem e do homem ao
ser ocorre de modo simultâneo e recíproco num duplo pertencimento a encampar o horizonte
circunstancial (histórico, cultural, vivencial, etc) inerente ao homem. De outro modo,
confiabilidade assimétrica por re-velar o não esgotamento da apreensão e da compreensão do
ser pelo homem. Justamente esse jogo garantido pela noção de verdade como alétheia a reger
conflitivamente o revelar se ocultando, e o se ocultar revelando do ser; é que ganha vigor e
que pode se apregoar como filosofia do presente a ontologia da atualidade enquanto ontologia
debole e não violenta afinada com as demandas dos marginalizados (i deboli266) da história,
aos quais interessa interpretações desconcertantes do status quo e questionadoras da ordem
dominadora vigente.
3.4.2 O processo de globalização atual como via de compreensão da tentação do realismo
A ordem global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os
lugares respondem ao Mundo segundo os diversos modos de sua própria
racionalidade.267
Em sentido lato, as origens da globalização atual antecedem a existência do
capitalismo como forma de organização sócio-econômica e do liberalismo e neoliberalismo
como estruturas políticas e econômicas. Pode-se compreender que a globalização está
intimamente inserida na cultura ocidental, na tradição greco-judaico-cristã, na vocação para o
universal e o global. Para ela, apontam o conceito e a busca pela verdade dos filósofos gregos;
e, como explicita o teólogo João Batista Libanio, “os textos tardios, especialmente do dêutero
e do trito-Isaías, revelam lentamente uma mentalidade universalista”268.
265
Como explicita Vattimo: “A experiência estética faz-lhe viver outros mundos possíveis e mostra-lhe assim
também a contingência, a relatividade, o carácter não definitivo do mundo ‘real’ no qual se encerra”
(VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 16). 266
“[...] los débiles son los perdedores de la historia. Son quienes, en vez de estar emplazados dentro de la
organización político-científica de todos los entes (realismo o, lo que es lo mismo, el sistema neoliberal),
quedan apartados en sus márgenes” (VATTIMO, G.; ZABALA. S. Comunismo hermenéutico, op. cit., p. 90). 267
SANTOS, M. A natureza do espaço, op. cit., p. 338. 268
LIBANIO, J. B. Olhando para o futuro. São Paulo: Loyola, 2003. p. 148.
111
O geógrafo Milton Santos propõe via tríplice interpretativa do cenário atual marcado
sob a égide da globalização, ambos a evocar e a permitir situar criticamente a reflexão
vattimiana, a saber269:
a) O mundo tal como nos fazem crer que ele seja – a globalização como fábula: tal
simulacro funda como verdade grande número de fantasias e idealizações que pela
força da repetição e da constante mimetização acabam por se tornar base
aparentemente sólida de sustentação de uma realidade objetiva e determinada270
.
Tais fantasias destinam-se à manutenção do status quo e à garantia do poder das
classes dominantes comprometidas com a ordem metafísica, esta sempre aliada dos
detentores do poder271
.
b) O mundo tal como é – a perversidade: ao contrário das benesses anunciadas e
prometidas pelo capitalismo, para grande parte da humanidade a globalização se
apresenta como fábrica de perversidades. Desemprego, baixos salários e perda de
direitos trabalhistas vêm se configurando como mal crônico em escala global.
Empresas deslocam-se rapidamente por países e continentes em busca de mão-de-
obra barata e de incentivos fiscais. A mais-valia personifica exponencialmente a
menos vida das classes trabalhadoras. A realidade atual como se nos apresenta
(perversidade) difere do mundo idealizadamente promissor (fábula) e personifica a
violência metafísica de sistemas, governos e instituições totalitárias272
.
c) O mundo como possibilidade – uma outra globalização: as bases técnicas
existentes, o conhecimento acumulado pela ciência e o “encurtamento” das
distâncias podem ser utilizados como via de difusão de uma globalização centrada
na promoção da vida em todas as suas formas de expressão. Globalização
comprometida com a superação das desigualdades sociais, dos preconceitos, das
guerras e alheia à lógica do sistema capitalista. Trata-se, neste caso, do mundo
269
Cf. SANTOS, M. Por uma outra globalização, op. cit., p. 18s. 270
Onde se lê “realidade objetiva e determinada” leia-se pensamento único. Para Vattimo, o pensamento único
também pode ser chamado de Washington consensus, fora do qual existe somente terrorismo e suas
derivações: “El pensamiento único en el que estamos inmersos tiene el mérito de habernos hecho entender –
en muchos sentidos, sobre nuestra propia piel – que el objetivismo metafísico, que hoy se explicita sobre todo
como el poder de la ciencia y de la tecnología, no es sino la forma más actualizada (y más evasiva) del
dominio de clases, grupos e individuos” (VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 243-244). 271
“Realiza-se talvez, no mundo, no mundo dos mass media, uma profecia de Nietzsche: no fim, o mundo
verdadeiro transforma-se em fábula” (VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 13, grifo do autor). 272
“De facto, Nietzsche mostrou que a imagem de uma realidade ordenada racionalmente com base num
fundamento (a imagem que a metafísica teve sempre do mundo) é apenas um mito ‘tranquilizador’ próprio de
uma humanidade ainda primitiva e bárbara: a metafísica é ainda uma forma violenta de reagir a uma situação
de perigo e de violência [...]” (VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 13-14).
112
como pode vir-a-ser, marcado pela abertura e pela dimensão projetual inerentes ao
evento estético273
. Globalização capaz de romper com a lógica da tentação do
realismo.
A breve síntese dessa didática análise proposta por Milton Santos favorece a inserção
e a compreensão do que Vattimo denomina na contemporaneidade como tentação do
realismo. Ademais, elucida o caráter prático e não simplesmente teórico da filosofia debole de
Gianni Vattimo, a possibilitar em perspectiva dúplice:
1- Pertinente crítica ao sistema;
2- Abertura hermenêutica para o ultrapassamento da violência metafísica.
Na sequência explicita-se o que Vattimo compreende por tentação do realismo e sua
imbricação junto ao pensiero debole. Optar por se delinear a tentação do realismo
posteriormente à exposição já empreendida nesse tópico justifica-se por metodologicamente
se considerar oportuna tal formulação a favorecer o passo ora a ser dado. Por sua vez, a
abordagem do pensiero debole, como se propõe, implica orientar-se pela compreensão do
evento estético. Dada a alta interconectividade e a grande plasticidade inerentes aos conceitos
presentes no pensamento de Vattimo (também a congregar o pensamento de outros autores –
Nietzsche, Heidegger, Gadamer, Pareyson) utilizou-se para se recriar imageticamente a
filosofia debole a ideia de um pensar em rede aos moldes do LEGO. Tal eleição justifica-se
no intuito de bem se demarcar a ausência de fundamento objetivo e a impossibilidade da
apreensão de uma verdade última, características de tal filosofia.
3.4.3 A tentação do realismo, novo inimigo do pensiero debole
A realidade em si mesma não fala por si só, possui necessidade de porta-voz, isto é,
justamente de intérpretes motivados, os quais decidem como representar em um
mapa um território ao qual tiveram acesso por meio de outros mapas mais antigos.274
Por tentação do realismo compreende-se o constante esforço de difusão e de
273
Nessa perspectiva aberta e adveniente, escreve Vattimo: “Filósofos niilistas como Nietzsche e Heidegger
(mas também pragmatistas como Dewey ou Wittgenstein), ao mostrarem que o ser não coincide
necessariamente com aquilo que é estável, fixo, permanente, mas tem antes a ver com o acontecimento, o
consenso, o diálogo, a interpretação, esforçam-se por nos tornar capazes de alcançar esta experiência de
oscilação do mundo pós-moderno como chance de um novo modo de ser (talvez: finalmente) humanos”
(VATTIMO, G. A sociedade transparente, p. 17, grifo do autor). 274
VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 104.
113
intensificação da afirmação da existência de um princípio-realidade, de uma objetividade
unívoca a legitimar a ordem do “real” no qual a historicidade atual se encontra imersa275. Tal
princípio, afinado com o discurso metafísico e das classes dominantes, cria e recria
arbitrariamente um emaranhado de valores e ideais capazes de justificar o status quo da
ordem vigente a assegurar a manutenção e a continuidade da realidade em curso a fim de
perpetuar o modo como esta se encontra. Tal princípio-realidade pode apresentar-se como
conjunto ou emaranhado de múltiplos pequenos relatos a se validarem mutuamente e a
convergirem na justificação de uma racionalidade totalitária e unificante. No caso da
globalização atual, “a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade
do planeta e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia
globalizada276” compõem o arsenal ideológico a impor, para além de comprovação empírica e
à margem da admissão da existência e outras possíveis interpretações, a racionalidade unívoca
e universalizante da globalização.
Assim como se abordou a globalização como perversidade (o mundo tal qual nos
fazem crer que ele seja), a defesa de um princípio orientador da realidade apresenta-se
perverso e violento ao aclamar como verdade a realidade moldada e adequada à verdade pré-
concebida e, consequentemente, pré-determinada. Trata-se, nesse caso, de novo retorno
(atualização de uma tentação a gerar novo realismo) à noção da verdade como adequação da
proposição à coisa. Noção essa rechaçada por Heidegger e por Vattimo, como já exposto.
Agregue-se a ambos os filósofos o perspectivismo de Nietzsche277 a não permitir a adoção de
princípio unificante, tampouco a redução da realidade (ambígua, complexa e conflitiva) a
mero “realismo” garantido e apreendido mediante a crença doutrinária do reinado de um valor
absoluto e globalizante278.
Séculos se passaram e mantém-se atual e questionadora a metáfora da condição
275
Sobre o termo tentação Vattimo afirma: “Hablo de la tentación del realismo porque, igual que las auténticas
tentaciones, es algo que va y vuelve, y nos atormenta. Si queremos ser verdaderamente ‘realistas’, por así
decir, debemos tener presente la realidad de esta permanente tentación” (VATTIMO, G. De la realidad, op.
cit., p. 91). Tal tentação se refere à constante ameaça de retorno e de expansão do pensamento único: “El
rasgo más interesante de esta vuelta al realismo no es solo su expresión del miedo (y en consecuencia su
demanda de seguridad), sino también la naturaleza conservadora que manifiesta a través del deseo de una
unificación global” (VATTIMO, G. Comunismo hermenéutico, p. 42). Daí se justificar a abordagem acerca
da globalização atual como via de difusão da tentação do realismo. 276
SANTOS, M. Por uma outra globalização, op. cit., p. 24. 277
Cf. VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 32. 278
“El rasgo más interesante de esta vuelta al realismo no es solo su expresión del miedo (y en consecuencia su
demanda de seguridad), sino también la naturaleza conservadora que manifiesta a través del deseo de una
unificación global” (VATTIMO, G. Comunismo hermenéutico, p. 42).
114
humana retratada por Platão na alegoria da caverna279.
Historicamente o princípio de realidade apresenta-se justificado por meio de
afirmações tais como: a necessidade de se evangelizar todos os povos sob o mesmo báculo
doutrinário; o domínio de determinada etnia tida como superior; a importância do ser
moderno em detrimento da negação do “antigo” e do “ultrapassado”; o alcance de um estado
de bem-estar social garantido via a propagação das benesses do progresso; etc.
Em tempos recentes o princípio-realidade a encarnar a tentação do realismo transita no
horizonte imposto pelos ideais inerentes ao binarismo retroalimentavivo e hegemônico
fundado pela aliança estabelecida entre capitalismo e globalização. O novo realismo pode ser
caracterizado pelo termo heideggeriano Notlosigkeit, traduzido livremente por Vattimo como
falta de urgência a significar: “[…] falta de liberdade, identificação do Ser com a ordem atual
dos entes, e do pensamento como espelho do mundo tal como é”280. Manter aberta a dimensão
conflitiva do evento estético possibilita a não perda e não objetivação do ser mediante o
esquecimento metafísico. Nesse horizonte interpretativo, a ausência da emergência em grande
medida configura a maior expressão do esquecimento do ser, tão característico da
racionalidade metafísica.
Ao apresentar bloco absoluto e totalizante a difundir os mecanismos de realização da
“vontade de poder” do dominador, a tentação do realismo apresenta-se como inimiga do
pensiero debole a propor a abertura à diversidade de interpretações. Recorde-se aqui o
imaginário cristão subjacente à formulação do pensiero debole, este a encontrar junto ao
processo de secularização cristã via de difusão não violenta da perda da força coercitiva da
metafísica.
A rede de possibilidades vislumbrada pelo pensiero debole desconcerta os temerosos
da instauração de extremo relativismo, justamente por não compreenderem que a filosofia
debole não propõe a irrupção de nova verdade objetiva (o relativismo absoluto), mas sim a
abertura à coexistência da relatividade dialógica e conversacional das relações interpretativas,
279
Gianni Vattimo e Santiago Zabala propõem retorno e crítica a Platão ao relacionar a alegoria da caverna com
os marginalizados/fragilizados: “Los esclavos en la alegoría platónica de la caverna podrían ser representados
hoy en día por los débiles, es decir, por aquellas culturas, ciudadanos y Estados oprimidos a quienes se apela
una y otra vez para que se unan a la civilización occidental […]” (VATTIMO, G.; ZABALA, S. Comunismo
hermenéutico, op. cit., p. 38). 280
VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 139-140.
115
por mais problemática que possa parecer tal koiné hermenêutica281.
A constatação nietzschiana (não existem fatos, mas interpretações) não pode ser
tomada como nova tese metafísica descritiva da ordem das coisas e da realidade. Tal risco
ronda até mesmo os adeptos da filosofia hermenêutica e atesta a dificuldade do pensamento
em trilhar um caminho para além do objetivismo metafísico. E o adendo “inclusive isto é uma
interpretação” atenta para o caráter contingente, arriscado e historicamente situado da
interpretação.
Só ocorre a abertura do ser via o nascimento de nova interpretação. Como atitude
reativa ao pensiero debole, nutre-se a necessidade do realismo, a qual segundo o pensamento
antirrealista de Vattimo surge mais em detrimento de um mal-estar psicológico do que em
uma exigência estrita de cunho racional, cognitivo282.
A redução da violência metafísica a fundar entes absolutizados e o reconhecimento da
diferença entre ser e ente, de modo que o ente não seja elevado ao ser, constituem tarefa do
pensiero debole em prol da dissolução dos absolutos permeados pela tentação do realismo.
Tal vocação niilista do ser, abraçada como niilismo consumado, compõe dissolução ética que
não se completa e não deriva de uma elucidação teórica do mundo dito “real”. A ausência de
valores absolutos aos quais se referir não converge em fraqueza da filosofia debole, esta um
programa hermenêutico ético-político desafiador.
3.5 Conclusão do capítulo III
Para a filosofia hermenêutica importa que existam muitas “verdades” e não apenas a
281
“No ‘existe’ la ausencia de fundamento; acontece una ‘desvalorización’ y Nietzsche con este término alude a
un proceso y no a un dato estable. Así, Heidegger no puede decir que el Ser no es fundamento, sino que es
evento. Un evento no es, acontece. Y puesto que es evento del Ser, nosotros que hablamos del Ser estamos
implicados en ese evento”. […] El Ser, para el pensamiento débil que se considera en esto fiel a Heidegger,
es evento de la diferencia ontológica en acto: el Ser se da como distanciamiento respecto del ente en cuanto
datidad objetiva. El retorno del Ser – la rememoración de lo mismo a la que nos invita Heidegger – consiste
en el debilitamiento progresivo de lo que se da como estable, valor, principio, dato ineludible (VATTIMO,
G. De la realidad, op. cit., p. 148, grifo do autor). Aqui se tem explicitamente o Heidegger de Vattimo, este
a compreender a filosofia do pensador alemão como via do pensiero debole, ou seja, empenho teórico
voltado para o rechaço dos absolutos tanto teóricos (os primeiros princípios, as pretensões metafísicas),
quanto práticos (a natureza das leis, a fundamentação da economia política). 282
“En el sentido de que, en lo que he pretendido llamar la ‘koiné hermenéutica’ del pensamiento actual – sea, el
casi general acuerdo sobre el carácter interpretativo de la experiencia (y) de la verdad – no se va por lo
general más allá de las conclusiones problemáticas de Nietzsche: el conocimiento no es más que
interpretación; y también esto es una interpretación, pero esta conclusión no da lugar, excepto en Heidegger,
a los desarrollos que merecería. La ontología nihilista que se anuncia en Nietzsche, en estas condiciones,
apenas és poco más que un nihilismo implícito, dando lugar a actitudes relativistas e irracionalistas que, por
reacción, estimulan la necesidad - que llamaría neurótica – de una vuelta al ‘realismo’” (VATTIMO, G. De
la realidad, op. cit., p. 33, grifo nosso). Para além da questão terminológica, Vattimo utiliza o termo
neurótico sem nenhuma pretensão de rigor e de modo deveras impreciso.
116
Verdade. Daí a importância da abertura do diálogo à conversação. A conversação difere do
diálogo. Neste sempre se sabe ou já se tem delimitado o horizonte no qual desembocará. E
pode-se chegar ainda à postura mais radical e segura das próprias convicções iniciais. Por sua
vez, a conversação garante a possibilidade de irrupção da novidade e porta reserva de sentido
a manter abertas as vias pelas quais se pode trilhar sem definição prévia e ou antecipada de
onde se poderá chegar.
Como ontologia da atualidade, a hermenêutica indaga acerca do valor da verdade
extracientífica ao considerar paradigmática a experiência da obra de arte. Os filósofos
hermeneutas intentam responder à crise da razão por meio da experiência extracientífica da
arte e da história. Consciente de suas limitações, a hermenêutica se reconhece refém da
linguagem e sua subordinação a determinadas nuances, tais como: interpretação; limitação
conceitual; horizonte histórico de inserção da linguagem (texto, contexto e variantes).
A filosofia hermenêutica, como se propõe, é uma resposta aos problemas de nosso
tempo. A vinculação ética e política da hermenêutica se justifica em função de não ser hoje a
metafísica a decidir a verdade; mas sim, o realismo liberal econômico a se valer da lógica da
racionalidade metafísica283.
283
Como palavra final desse capítulo, registre-se a provocação de Vattimo: “[...] me siento comprometido con la
hermenéutica, con esta filosofía que insiste sobre la idea de que todo conocimiento es interpretación y que la
interpretación significa pertenecer a un cuerpo social histórico, a una clase también. Yo no me escandalizo
con esto, los que se escandalizan con son aquellos que pretenden que el conocimiento es objetivo. Es por esto
que el pensamiento débil puede solamente ser el pensamiento de los débiles, o tiene que ser el pensamiento
de los débiles, porque son ellos que no están interesados en la objetividad de las cosas como están”
(VATTIMO, G. De la realidad a la verdad, p. 48).
117
CONCLUSÃO FINAL
O que busco incansavelmente demonstrar é que recordar o Ser significa pensá-lo
radicalmente como evento, com um acontecimento que não olhamos desde um
observatório ‘neutral’, mas como algo do qual participamos ativamente como
intérpretes.284
Debruçar-se sobre o pensamento filosófico ou enveredar-se pelo esforço intelectivo de
se produzir tal pensamento, conduz ao inquietante questionamento sobre a pertinência e ou
sobre a utilidade da filosofia hoje. Num mundo marcado pelo domínio da técnica e pela
demasiada crença na infalibilidade da ciência e na exatidão dos testes de verificação, parece
haver pouco espaço para reflexão cujo caráter “prático” apresenta credibilidade questionável
perante a racionalidade científica vigente. A natureza aberta do estatuto epistemológico da
filosofia, enquanto ciência do espírito humano, não pode se deixar reduzir pelas malhas
objetivas da realidade. Consciente dessa vocação o filósofo persegue o saber e a possibilidade
da verdade desde instâncias a extrapolar qualquer horizonte que se pretenda ou se arrogue
absoluto. Em contraposição a tal cenário, importa tomar como questão filosófica a obra de
arte e os horizontes interpretativos e históricos abertos por esta.
Afirmar com Vattimo e com Nietzsche a inexistência de fatos e sim, a existência de
interpretações, implica o reconhecimento da hipótese segundo a qual a realidade não pode ser
apreendida em sua totalidade pelo ser humano; e sim, interpretada não objetivamente
mediante diversidade de proposições interpelantes, conflitivas e mesmo desconcertantes.
Apesar das limitações humanas prevalece a inquietante vocação filosófica de não
simplesmente oferecer respostas, mas de lançar perguntas a tecer redes de questionamentos a
manter aberta a possibilidade da busca, da conversação, tão caras à filosofia hermenêutica
tratada ao longo da presente tese. Como se possibilitou depreender, a vocação constitutiva da
hermenêutica reside em colocar em crise a própria noção de fundamentação285.
O nexo demonstrado entre pensiero debole e estética ontológica impôs-se como
necessário ao se buscar estabelecer a arquitetura a projetar a hermenêutica de Gianni Vattimo
configurada ao longo de seu percurso como ontologia da atualidade. E a cada página redigida
foi-se tecendo argumentação, segundo a interpretação proposta, acerca da necessidade do
abandono dos absolutos metafísicos e das verdades objetivas em prol de uma sociedade mais
autônoma, mais democrática e mais consciente de seu protagonismo pessoal e coletivo
284
VATTIMO, G. De la realidad, p. 141. 285
Cf. VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op. cit., p. 88.
118
(também local e global) perante a historicidade presente. Ou seja, foram apregoadas
positivamente as consequências hermenêuticas da assunção de postura ética capaz de reduzir
violências políticas, econômicas, sociais e religiosas. Dimensão ética a emergir como
desdobramento do colocar-se em foco o problema da arte, assumido por Vattimo mediante a
estética ontológica a encampar a questão maior da filosofia: o problema do ser.
As vanguardas artísticas, ao contestarem/problematizarem o próprio estatuto da arte e
ao expandirem os espaços tradicionais a abrigar a obra de arte (como o museu),
simetricamente inspiram a filosofia a também colocar em “suspensão” os estatutos
metafísicos consolidados, tais como pensar é fundamentar e a verdade se diz objetivamente.
“A prática das artes, a começar pelas vanguardas históricas do início do século, mostra um
fenômeno geral de ‘explosão’ da estética fora dos limites institucionais que lhe eram
estabelecidos pela tradição”286. A estética ontológica assume como tarefa a retirada do ser do
esquecimento, empreitada a coimplicar o desafio de não se pensar metafisicamente o ser,
ainda que por mais paradoxal que seja, da metafísica não se pode sair sem um retorno
(Verwindung, rimettersi) a esta.
A obra de arte não surge simplesmente de uma exigência filosófica. Esta emerge da
necessidade humana de narrar, rememorar, transmitir, indagar, registrar, representar, idealizar,
celebrar, desconcertar, realizar catarse... a entretecer a vida e suas circunstâncias e
contingencialidades. Dado o seu caráter originário e “revelador” de mundos, a obra de arte
transcende exponencialmente o universo semântico contido nos verbos retromencionados e
culmina por ser tomada como objeto a ser investigado. Nessa perspectiva, poder-se-ia ter
adotado ao longo da redação argumentação apologética a justificar e a endossar a validade e a
relevância da reflexão estética enquanto filosofia da arte. Outrossim, optou-se por assumir
formulação afirmativa acerca da dimensão ontológica presente junto à obra de arte,
justamente por esta permitir a abordagem de tema central da filosofia - o problema do ser (e
de seu esquecimento e de sua redução ao ente).
Na trajetória a conjugar arte e verdade, ou a verdade da arte, a experiência da verdade
– para além da crítica à dimensão subjetiva da consciência estética, da qual deve ser retirada –
afirma-se como experiência de cunho niilista em constante processo de debilitação das
pretensões de objetividade metafísica. O encontro com a obra de arte não é o encontro com
286
VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 41. Na sequência: “Essa explosão se torna, por exemplo,
negação dos lugares tradicionalmente eleitos para a experiência estética: a sala de concerto, o teatro, a
galeria, o museu, o livro. Realiza-se, assim, uma série de operações - como a land art, a body art, o teatro de
rua [...] que, em comparação com as ambições metafísicas revolucionárias das vanguardas históricas, se
revela mais limitada, mas também ao alcance mais concreto da experiência atual” (VATTIMO, G. O fim da
modernidade, op. cit., p. 41-42).
119
uma verdade determinada; o colocar-se do homem perante o mundo, as coisas e as pessoas
também não possibilita a apreensão da verdade única. À luz da experiência estética e da
verdade da arte daí advinda, repensa-se historicamente o dar-se, já em simultânea retirada, do
ser. E o ser de dá em constante processo de enfraquecimento e de despojamento da
indumentária objetiva utilizada para garantir a ordem “natural” das coisas e para justificar o
poder de instituições e de classes. Desse modo, abrem-se as brechas a gestar a tomada de
consciência da recepção do ser como evento e, pelo já exposto sobre a obra de arte, como
evento estético.
Do percurso empreendido da estética ontológica à hermenêutica filosófica, irradiada
como ontologia da atualidade, demonstrou-se:
1- O comprometimento ontológico da reflexão estética de Vattimo, sua ressonância
junto à formulação do pensiero debole e a imbricação reticular dos resultados da
estética levada a cabo pelo filósofo italiano junto a toda arquitetura filosófica do
pensamento em questão.
2- O desenvolvimento da ontologia da atualidade não como nomenclatura específica
de uma corrente filosófica desenvolvida em determinado lugar e compreendida em
tempo delimitado; mas como via privilegiada de se posicionar filosófica e, por
conseguinte, criticamente perante os problemas de nosso tempo.
A ontologia da atualidade expressa resposta filosófica não violenta às questões e
problemas que temos, enquanto apelo à abertura da coexistência de visões, de interpretações e
de interlocuções múltiplas e mesmo conflitivas. Tal postura configura-se “anárquica” para os
ideais metafísicos fundamentados na ordem, na objetividade, na verdade única, no
continuismo do status quo e na manutenção da tradição a assegurar a lei natural das coisas. O
projeto hermenêutico de Vattimo apresenta proposta e intuições utopicamente factíveis a se
depararem frontalmente com a tentação do realismo enquanto discurso a incorporar lampejos
ainda metafísicos. A metafísica resiste e o rimettersi a ela como algo do que se pretende e não
se pode desgarrar segue o fluxo das mutações e das transmutações dialéticas tão caras ao
pensamento Ocidental.
Vattimo não compõe o rol dos pensadores consagrados como deuses e semideuses
junto ao panteão reconhecido pelos programas de pós-graduação em filosofia no Brasil.
Trazer à tona a filosofia debole possibilita lançar luzes sobre o pensar italiano, por vezes um
tanto esquecido ou mesmo marginalizado. Já no século XVIII o também filósofo italiano
120
Giambattista Vico propunha se pensar a história em perspectiva aberta uma vez o mundo
humano poder ser considerado como produto da atividade criativa a romper a circularidade
emergente da correspondência entre verdade e fato. Enquanto aberta a historicidade
apresenta-se sempre por vir, o que favorece a possibilidade de concepção do novo. A
pertinência de tal pensamento presente em ambos os autores expressa o vigor e o
comprometimento efetivo de uma filosofia a problematizar o cotidiano concreto da existência
humana.
Gradativamente rompe-se e dissolve-se assim a ideia da história como processo
unitário a abrir sendas pelas quais podem passar os questionamentos da verdade metafísica e
da visão objetiva da realidade. Instala-se a noção de modernidade caracterizada pela busca
exacerbada do novo, pela constatação do fim da historicidade centrada na distinção entre uma
história como processo objetivo dentro do qual estamos inseridos e a historicidade como um
modo de termos consciência dessa inserção e de nossa privilegiada atuação no mundo. A
ruptura da visão unitária da história importante perpassa o pensamento de filósofos como
Nietzsche, Heidegger, Gamamer, Lyotard, autores com os quais Vattimo conversa. Um dos
desdobramentos dessa ruptura pode ser constatado na passagem da hermenêutica como
interpretação de textos à filosofia da interpretação e, como ontologia hermenêutica, filosofia
da interpretação do ser na situação presente. Há de se ter em conta a hermenêutica apresentar-
se como consequência da modernidade e não como via reativa de refutação desta287.
Em nome dos valores ditos naturais direitos humanos são minimizados e ou negados,
minorias massacradas e preconceitos legitimados. A título de ilustração pode-se mencionar no
caso brasileiro o retorno de uma onda conservadora contrária à extensão e ao reconhecimento
de direitos ao coletivo LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais). Afinal,
o “natural” é se homem ou mulher e a ordem da racionalidade tradicional converge na união
de ambos. Outros arranjos sexuais são considerados contra natura e por isso rechaçados.
No campo da política brasileira, vigora lúdico imaginário do bem-estar social
estendido aos “cidadãos” pertencentes ao Estado democrático de direito. Nessa democracia
prolifera-se o discurso da igualdade étnica, embora os inúmeros casos de injúria racial e de
episódios de racismo demonstrem o contrário; apregoa-se a ascensão social via meritocracia
num sistema de governo movido por apadrinhamentos e interesses pessoais; na mesma
medida difunde-se fabulização da imparcialidade da Lei e da Justiça propagada pelo bordão
populista “ninguém se encontra acima da Lei”.
287
VATTIMO, G. La reconstrucción de la racionalidad. In: ALVAREZ, L. (Org.). Hermenéutica y acción: crisis
de la modernidad y nuevos caminos de la metafísica. Valladolid: Junta de Castilla y Léon, 1999. p. 159.
121
O Estado laico apregoado pela Constituição Brasileira re-inventa e re-cria leis a partir
de decisões ditas democráticas ancoradas em ideologias religiosas das mais diversas
denominações a se congregarem de modo uníssono em prol da defesa da moral e dos bons
costumes. Hermeneuticamente a Bíblia aberta divide as diversas Igrejas e crenças em
diversidade de interpretações por vezes paradoxais. Metafisicamente a mesma Bíblia, agora
fechada, torna-se instrumento de dominação coletiva e de propagação de valores absolutos,
sobretudo no tocante ao universo da moral. Na esquizofrenia dessas cisões se insere a crítica e
a recusa da metafísica a se dar não meramente por razões teóricas, mas sobretudo por
motivações éticas e políticas. Ademais, globalizam-se problemas sociais e ambientais em
detrimento da expansão do sistema capitalista.
Essa breve interpretação, não desinteressada, do cotidiano circundante vislumbra
cenário mediante o qual há de se situar a ontologia da atualidade como filosofia da práxis a
iluminar vias alternativas de crítica e de resistência ao sistema totalitário e totalizador.
Consequentemente, as condições de possibilidade do fazer filosófico hoje implicam a tomada
de posicionamento perante a “realidade” permeada por apelos metafísicos; pelo processo de
globalização atual; e pelos anseios do capitalismo econômico. Situar-se diante da realidade no
intuito de lê-la e de apreender as suas verdades. O mundo está dado, “gostemos” dele ou não.
Esse dilema não se reduz a simples questão de gosto e tampouco se deixa determinar pela
conformidade/adequação do homem à realidade ou vice-versa. O homem se encontra
implicado perante o mundo e compete-lhe agora, após o fim da metafísica, interpretá-lo não
violentamente. Para tanto, as interpelações da ontologia da atualidade se encontram lançadas e
dispostas a tecer as malhas do projeto hermenêutico ora privilegiado desde Vattimo. Tal
projeto não se encontra acabado; ao se nutrir dos veios niilistas do pensiero debole, tem por
destino o processo contínuo de enfraquecimento das instâncias metafísicas288. Nesse jogo
interpretativo irrompe a noção do ser como evento estético inclusive a garantir a abertura do
projeto hermenêutico como um lançar-se cada vez mais adiante consciente de suas limitações
(históricas, linguísticas, interpretativas, existenciais). Evento estético a garantir a dimensão de
abertura/ocultamento do ser em seu dar-se historicamente e ao se re-velar aos moldes da
experiência estética, nutrida pelos veios da verdade como ἀλήθεια, a oferecer horizontes
desde os quais se pode desenvolver se a filosofia debole também a reivindicar verdades extra-
científicas. Importa descobrir e mesmo garantir a possibilidade da existência de verdades para
288
Na década de 1980 Vattimo considerava: “No creo que los intérpretes y seguidores de Heidegger hayan
desarrollado hasta hoy ni siquiera los primeros elementos para una ontología del declinar, salvo, en ciertos
aspectos, la hermenéutica gadameriana, con la conocida tesis según la cual ‘el ser que puede ser comprendido
es lenguaje’ […]” (VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op. cit., p. 49).
122
além do universo da ciência e fora de contextos metódicos e metafísicos.
O presente trabalho não pretendeu esgotar as temáticas implicadas. Tratou-se de
limitadamente lançar provocações para, na escuta de Vattimo, manter acesa a chama a
denunciar o esquecimento do ser e de sua redução ao ente. Positivamente, evitou-se
abordagem manualística nada sedutora ao sujeito pós-moderno; paradoxalmente (não
negativamente) recorreu-se à etimologia de alguns termos cuja compreensão apresentou-se
importante para o manejo e interpretação das fontes. Ademais, assumiu-se reflexão racional à
qual foram integrados temas correlatos de interesse do autor da tese.
Dentre tantas questões que poderiam se nos apresentar a evocar uma palavra a mais
(de modo algum uma palavra última), propõe-se a abordagem de duas perguntas consideradas
nucleares em função da abrangência e da relevância do universo filosófico nelas implicados:
1- Segue sendo a hermenêutica a koiné da filosofia e da cultura contemporânea?
2- O que se passa com o ser na situação presente?
Ambas as perguntas suscitam provisoriamente algumas considerações e apontamentos,
na lucidez da necessidade de se evitar a tentação do alcance de proposições determinadas e
descritivas, como se explicita a seguir.
a- A hermenêutica, ainda koiné da filosofia e da cultura contemporânea?
A pergunta explicitada no título do tópico acima pode se apresentar à primeira vista
um tanto retórica, o que em nada diminui ou exclui sua pertinência. Diante de todo o exposto
ao longo da tese o mais óbvio seria simplesmente dizer um sonoro SIM a reafirmar a
proposição de Vattimo a ressoar pelos idos da década de 1980 a respeito da koiné
hermenêutica. A constituição arquitetônica do texto culmina por afirmar esse “lugar comum”
da hermenêutica junto à filosofia e à cultura contemporânea ainda nos dias de hoje. Por sua
vez, a mesma arquitetura apresenta arranjo reticular a garantir a plasticidade não do discurso,
mas dos horizontes interpretativos abertos pela afirmação do múltiplo e do diverso.
Cabe distinguir: o que significa em pleno século XX tomar, no sentido já explicitado, a
hermenêutica como koiné; e o que pressupõe tal constatação hoje. Singularmente
desenvolveu-se e consolidou-se compreensão da hermenêutica à luz da vocação niilista
123
implicada289. E se na década de 1980 o pensiero debole surgia de modo embrionário, hoje tal
pensamento apresenta-se mais consciente de seus alcances e limites290, de suas implicações
éticas e de sua inserção junto ao jovem projeto hermenêutico configurado pela difusão do
processo de redução da violência metafísica e pela extensão da possibilidade e da afirmação
de interpretações outras enquanto dimensão humanista da hermenêutica291. Importa dar voz a
decodificações não hegemônicas e não arbitrárias, mas lançadas desde a fome das minorias,
dos oprimidos e dos vitimizados pelo discurso e pela prática totalitária do colonizador, do
missionário, do dominador, do capitalismo e de tantos artífices cujas nomeações
historicamente serviram para travestir de bondade a crueldade da negação das alteridades. Em
todos os casos há de se manter clara a concepção da hermenêutica como a filosofia a situar no
centro de seu interesse o fenômeno da interpretação, ou seja, do conhecimento do real que não
pode ser concebido como mero espelho objetivo das coisas. De antemão, o fenômeno da
interpretação implica o horizonte existencial constitutivo de quem se dispõe a estabelecer
interlocução com o seu “tempo” e a se apropriar (deixando-se apropriar) pelos apelos
históricos da atualidade.
A hermenêutica filosófica, em sua nascente como koiné, não possuía tal tomada de
consciência a incutir-lhe explicitamente dimensão ética comprometida com a garantia da
diversidade de relatos e de possível escuta dos outros. Antes, encontrava-se às voltas com a
difusão de redes propositivas acerca da discussão da noção de verdade, do fim da metafísica e
com a própria explicitação teórica da trama de especificidades características da hermenêutica
filosófica. Contemporaneamente o eixo pende inclusivamente para o amadurecimento do
projeto hermenêutico a encampar tarefa política.
289
Para Vattimo: “Una hermenéutica radicalmente pensada no puede ser más que nihilista, es decir, pensamiento
débil, ejercicio de interpretación legitimado por el ‘hecho’ de que el Ser no se da (ya) como objetividad”
(VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 18). Nas páginas seguintes continua: “No creo que las
conclusiones nihilistas de la hermenéutica sean simplemente un malentendido que haya que disipar. Más bien
tengo la convicción de que, precisamente por estar orientada a estas conclusiones, la hermenéutica es la
filosofía de nuestra época, en el doble sentido, subjetivo y objetivo, del genitivo” (VATTIMO, G. De la
realidad, op. cit., p. 26). 290
Em termos de limites: “[...] en la base de la verdad como evento [...] está la pluralidad de los intérpretes y su
acuerdo o desacuerdo. Aquí encuentro de nuevo uno de los aspectos de las enseñanzas de Luigi Pareyson, a
saber, la idea de que la interpretación puede fracasar. Esta idea me ha impedido siempre hasta cierto punto
compartir la teoría de la ‘fusión de horizontes’ de Gadamer y en general del diálogo hermenéutico”
(VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 242). 291
“Un humanismo hermenéutico, como el que se nos propone que preparemos, debe construirse en el
Gespräch, según la expresión de Hölderlin tantas veces repetida por Heidegger. Pero el diálogo, la
conversación entre los humanos en la que, únicamente, acontece el Ser, exige escuchar el silencio – el
silencio de ese Ser que la metafísica y la sociedad del dominio siempre han ocultado y hecho callar -, o sea,
la voz sometida de los excluidos, de los vencidos de la historia. Nada parecido a un escuchar pasivo, como
puede verse. Un humanismo hermenéutico no puede ser al final más que un humanismo revolucionario”
(VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 191).
124
Ao assumir a vocação niilista, a hermenêutica segue a tarefa desfundante de romper a
ordem imposta pelo fundamento e pela objetividade metafísica. Por destituir de seu trono a
verdade objetiva e por possibilitar a irrupção de interpretações diversas e de outros modos de
expressão da existência, apresenta-se tanto mais democrática e a serviço da emancipação do
sujeito perante a força coercitiva da tentação do realismo.
O processo de enfraquecimento dos fundamentos metafísicos e a difusão explícita do
pluralismo de interpretações deságuam na chamada estetização da existência pós-moderna.
Usa-se a noção de estetização da existência para se referir à pluralização e da multiplicação de
estilos não apenas restrita ao campo das artes, mas a contemplar também a vida a ampliar as
possibilidades de configuração da existência292. A expansão da multiplicidade de horizontes
de significação e de proposição de apreensão interpretativa da realidade, de per si valida e
demanda a hermenêutica ainda como koiné nos dias de hoje. Em outra perspectiva, a tentação
do realismo e o retorno de visões e de posturas fundamentalistas a fortalecer preconceitos e
xenofobias evocam a ontologia da atualidade enquanto hermenêutica comprometida com as
questões de nosso tempo.
A mimetização da obra de arte pode ser compreendida como exemplo de estetização
da existência pós-moderna ao expandir os veios de penetração da arte no cotidiano humano e
ao implicar abertura hermenêutica como propõe Vattimo, no sentido objetivo e subjetivo do
genitivo. A obra de arte comporta determinada objetividade: autoria, datação de criação,
contexto histórico no qual irrompeu e público alvo original. Subjetivamente a recepção da
obra por outros autores redesenha o cenário objetivo já conhecido. E a multiplicidade de
subjetividades expande as possibilidades de fruição da obra. No caso da mimetização da arte
institui-se outra instância entre a obra e seu mundo originário e a obra e o mundo atual a
recepcioná-la. A reprodução imagética e a mimetização da arte retira o caráter deveras
“místico” e inacessível da obra e a situa de modo interpelante junto ao sujeito contemporâneo.
Donde se pode dizer de uma estetização da existência a partir da mimetização da arte
difundida cada vez mais via redes sociais virtuais e os mass media293 a ampliarem os espaços
de penetração da representação da obra de arte a conduzir a novos horizontes
292
Cf. VATTIMO, G. El museo y la experiencia del arte en la postmodernidad, p. 101. E acrescenta o filósofo:
“Gran parte del malestar y de la sensación de crisis que, creo, se advierten en el mundo del arte, parece estar
ligada justamente a este fenómeno de la estetización. Habiendo perdido sus límites – que las confinaban en el
mundo de las puras imágenes, sin relación alguna con lo ‘real’ – el arte y la experiencia estética han perdido,
también, su ‘definición’” (VATTIMO, G. El museo y la experiencia del arte en la postmodernidad, p. 102). 293
“Los massmedia, que dominan tanto nuestra experiencia de la ‘realidad’ no han creado la temida
homologación totalitaria de nuestra visión del mundo; todo lo contrario, han hecho explotar el pluralismo de
interpretaciones” (VATTIMO, G. El museo y la experiencia del arte en la postmodernidad, p. 100-101).
125
interpretativos294.
Para além da imagem da hermenêutica considerada como koiné da filosofia e da
cultura apresentar-se passível de ser acusada de vaga e ou de ambiciosa, tal noção tem o
mérito de unificar na mesma rede interpretativa e de significação uma multiplicidade de
fenômenos diversamente heterogêneos. Persiste a hermenêutica não necessariamente como
corrente filosófica, estatuto não ambicionado, mas como espírito do nosso tempo.
b- Por fim, o que se passa com o ser na situação presente?
[...] a metafísica não pode ser abandonada, porque constitui nossa compreensão do
ser, o qual não podemos evitar, por ser parte do que há formado nossa tradição,
nossa humanidade e nosso destino.295
Para os opositores do niilismo (niilistas reativos), Vattimo emite desconcertante
proposição ao afirmar o niilismo como única via possível da ontologia (niilismo
consumado)296. Para aqueles que assumem o destino da história do ser no Ocidente
configurado como constante desgastar-se e ou despojar-se das estruturas fortes da metafísica,
tal declaração apresenta-se formulação necessária. Recepcionar o niilismo consumado
implica, além da retirada do ser da situação de esquecimento na qual se encontra “lançado”, a
assunção da rememoração do ser à luz da constatação de sua vocação ao declínio, ao ocaso,
ao processo constante de debilitação (indebolimento) da objetividade sem necessariamente
chegar-se ao extremo oposto da desintegração, obliteração ou anulação absoluta do ser. A
superação da metafísica implica constante retorno a esta e não se resolve na proposição de
outra tese metafísica a propor o nada. Ademais, há de se manter vivo o horizonte da
eventualidade do ser, como propõe Vattimo e como se defendeu ao longo do presente
294
Questões essas a remeter indicativamente ao problema da morte da arte: “[...] a morte da arte significa duas
coisas: em sentido forte, e utópico, o fim da arte como fato específico e separado do resto da experiência,
numa existência resgatada e reintegrada; em sentido fraco, ou real, a estetização como extensão do domínio
dos mass-media” (VATTIMO, G. O fim da modernidade, op. cit., p. 45, grifo do autor). Ou, como no caso da
mimetização exposta, uma morte a carregar em si o retorno à obra de arte, ainda que via sua reprodução e
apropriação. Acrescente-se: “[…] se ha muerto el arte de la obra de arte. Esto se puede entender de diferentes
maneras: una de ellas es a través del hecho de que los artistas producen cada vez más instalaciones – o
acontecimientos del arte – y menos objetos que se pueden coleccionar, lo que es un efecto del devenir interior
del campo del arte, de la filosofía y de la sociedad” (VATTIMO, G. Esperando a los bárbaros, p. 22). Além
disso: “Esta capacidad de distinguirse, de crear algo distinto, es fundamental para luchar contra la tecnología
capitalista que busca uniformar e imponer. Esta es la responsabilidad que me interesaba destacar a partir del
título de la ponencia, como también visibilizar el hecho de que en nuestra sociedad ya no nos interesa
producir artísticamente objetos de colección, sino algo diferente ya sea en términos políticos o proféticos”
(VATTIMO, G. Esperando a los bárbaros, p. 43). O título da exposição é: “A morte da arte das obras de
arte”, em referência a uma frase de Nietzsche (Cf. VATTIMO. G. Esperando a los bárbaros, p. 21). 295
ZABALA, S. Los remanentes del ser, op. cit., p. 17. 296
Cf. VATTIMO, G. Más allá del sujeto, op. cit., p. 52.
126
trabalho. Permita-se retomar de modo estendido a citação de abertura da presente conclusão:
[…] o que significa então ‘recordar o ser’, sair do seu esquecimento? O que busco
exaustivamente demonstrar é que recordar o Ser significa pensá-lo radicalmente
como evento, como um acontecimento que não olhamos desde um observatório
‘neutro’, senão como algo desde o qual participamos ativamente como intérpretes.
Como intérpretes participantes não podemos senão viver o evento em termos de
conflito. A verdade nos faz livres e nos redime – com isto volto a meu ponto de
partida – somente enquanto – participamos ativamente em seu evento
comprometendo-nos com o conflito. […]. A verdade, isto é, o novo mundo
instituído, como na arte, abrindo novos paradigmas, não acontece por um processo
natural, como o do crescimento.297
Ainda que aqui se recepcione positivamente o anúncio do fim da metafísica e a
concepção do ser como evento estético, a metafísica constitui compreensão do ser a seguir
ainda fascinante para os espíritos afeitos à garantia da manutenção do status quo da ordem
natural e da lógica objetiva a assegurar e a justificar dominações e a garantia de poder. A obra
de arte, por sua vez, extrapola a possibilidade de realização fechada da verdade dita natural e
da verdade descrita pelas ciências experimentais. Dada a dimensão criativa, aberta e
originante de mundos a serem interpretados e habitados, a obra de arte oferece arquitetura
dinâmica a sugerir a pertinência da compreensão do ser como evento.
A situação de enfraquecimento ou de debilidade do ser não constitui uma dimensão
negativa deste, tampouco como prelúdio do anúncio de sua morte definitiva, mas um novo
despertar e começo. De outro modo: trazer à tona o problema do ser desde sua destruição ou
esvaziamento, abre sendas por meio das quais se podem aproximar (e não superar298) da
metafísica a partir daquilo que ainda se tem, do que “sobrou” do ser, de seus restos299. A
ontologia dos restos, apregoada por Santiago Zabala, pressupõe o retorno à metafísica via a
interpretação a trazer à tona o ente mediante a consideração dos “remanescentes do ser” (los
remanentes del ser), ou seja, via aquilo que do ser restou após sua destruição, uma ontologia
dos “restos” do ser300. A compreensão do dar-se histórico do ser pressupõe a receptividade de
seu evento via a interpretação protagonizada pelo homem.
A filosofia sempre terá como tarefa a reproposição da pergunta acerca do ser. Como
apregoado ao longo da tese, o evento do ser se dá continuamente no horizonte temporal de
nossa historicidade e, por conseguinte, tal concretude histórica permanece em suas
297
VATTIMO, G. De la realidad, op. cit., p. 141. 298
“[...] la metafísica no es algo que podamos superar, sino algo que únicamente podemos aceptar como un resto
del que tenemos que hacernos a la idea” (ZABALA, S. Los remanentes del ser, op. cit., p. 25, grifo do autor). 299
“La tesis de este libro sostiene que desde Platón la filosofía ha sido no sólo un ‘olvido del ser’, como Martin
Heidegger explicó en Ser y tiempo, sino una expresión de los restos del ser, es decir, los remanentes del ser”
(ZABALA, S. Los remanentes del ser, op. cit., p. 15, grifo do autor). 300
Cf. ZABALA, S. Los remanentes del ser, op. cit., p. 16-ss.
127
mutabilidades circunstanciais; situa-se no tempo e no espaço não objetivos desde os quais a
pergunta pelo ser é novamente lançada não de modo retórico, mas desde a perspectiva
hermenêutica a compreender o ser do ente e a interação do homem com abra de arte a
possibilitar o dar-se do ser como evento estético. Em última instância a pergunta sobre o ser
implica e pressupõe a pergunta pelo modo mediante o qual o homem se relaciona com o ser e
se situa como via hermenêutica por meio da qual o evento do ser se deixa apropriar já
simultaneamente se apropriando de seu intérprete e interlocutor301.
A discussão acerca da reformulação da pergunta sobre o ser não constitui objeto da
presente pesquisa e apenas provocativamente se traz tal questão à tona, uma vez a temática
apresentar-se pertinente à tese defendida a considerar o evento estético como arquitetura da
ontologia da atualidade. Em se tratando do ser, importa manter aberta a conversação, a busca,
a tensão do desvelar velando-se e do velando-se se desvelar em prol da garantia da dimensão
de epocalidade em jogo. A tarefa hermenêutica da ontologia da atualidade segue a provocar o
posicionamento crítico e a proposta de outras ontologias ou de outras abordagens filosóficas
que mantenham, para além de divergências e de distanciamentos, a centralidade da questão do
ser e do que dele ainda se tem, tema este a ser oportunamente contemplado em outra
empreitada filosófica.
301
Santiago Zabala aponta a necessidade de se reformular a pergunta fundamental acerca do ser: “Como la
filosofía, hasta ahora, ha dado por buena la ontología tradicional de la presencia , la nueva tarea de los
filósofos, tras recuperar y volver a formular la pregunta por el ser, es destruir esa misma tradición con objeto
de plantear una pregunta original adaptada al estado del ser en la actualidad” (ZABALA, S. Los remanentes
del ser, op. cit., p. 55).
128
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