Post on 02-Mar-2018
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
1/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 20046
A estrutura
do universo,a mecnica
quntica ea cosmologiamoderna
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
2/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 7
AELCIO ABDALLA
AS ORIGENS NAS PREOCUPAES
DO HOMEM
preocupao humana com o problema de nossas
origens provavelmente remonta ao incio das
preocupaes conscientes do homem, haja vista a enorme
quantidade de lendas acerca do fato em sociedades mais
primitivas, e sua presena em contedos mitolgicos de
vrias religies politestas, que culminam nas gneses
das religies monotestas. Como podemos apreciar, por
exemplo, nas pinturas da Capela Sistina, o problema da
criao passa pela arte de contedo religioso. Tambm
observamos a satisfao do pensamento na caracterstica
hierrquica da criao, como aps a separao entre a luz
e as trevas, onde temos a criao do Sol, e finalmente a
criao humana.
O ser humano, tornado consciente, passando a viver o
mito do heri e a planejar a compreenso da natureza,
almeja poder descrever a criao do mundo, suas leis e
conseqncias. A arte retrata muito bem essas passagens.Pode-se dizer que a mitologia tenha sido o incio da
cincia, como vemos nos pitagricos que foram o elo entre
o orfismo e uma protocincia. O orfismo, por sua vez, foi
um movimento de reforma dos mitos dionisacos. Pitgoras
fez uma ligao entre o mstico e o racional, dicotomia que
sempre permeou a histria do pensamento humano, no
tendo mais uma unio harmnica no Ocidente aps os gre-
gos. Na Grcia Antiga, os mitos anteriores acerca de deu-
ses e ritos menos civilizados foram transformados nos
ELCIO ABDALLA professor do Instituto deFsica da Universidade deSo Paulo.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
3/24
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
4/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 9
A descrio dos cus foi ficando mais
sofisticada. Os planetas passaram a se
mover em crculos em torno de outros cr-
culos em torno da Terra, os epiciclos e os
deferentes. Esse sistema deu origem ao que
podemos chamar de sistema ptolomaico de
descrio dos cus. Recebido pelos rabes,
os guardies da cincia e da filosofia du-
rante a Idade Mdia, o sistema foi aperfei-
oado a ponto de ter uma preciso de at 8
minutos de arco!
NOSSA POSIO DIANTE DO
UNIVERSOOs pensadores da Antigidade obser-
vavam com muita frequncia o seu
esplendoroso cu. Desde muito cedo sou-
beram da forma esfrica da Terra. Medin-
do o ngulo gerado pelos raios solares ao
meio-dia por uma vara vertical e compa-
rando-o com uma localidade onde o sol no
mesmo instante estava a pino, Eratstenes,
o bibliotecrio de Alexandria, foi capaz decalcular, aproximadamente, o raio da Ter-
ra por volta do terceiro sculo antes de
Cristo. Para isso ele precisou apenas man-
dar medir a distncia entre Alexandria e
uma outra localidade, distncia esta que se
constatou ser de 5.000 estdios, e compa-
rou, no mesmo dia, o sol a pino em Ale-
xandria com o ngulo de 73pt1/5ona outra
cidade. Isso levou a uma circunferncia da
Terra de 250.000 estdios, que segundo
estimativas estaria correto dentro de um
limite de 5% (no se tem certeza do valor
exato do estdio).
Como observadores perspicazes que
eram, os antigos elaboraram mapas para a
localizao dos astros celestes. Na teoria
de Ptolomeu, a Terra era o centro do uni-
verso. Ptolomeu viveu em Alexandria,
durante o segundo sculo depois de Cristo.
Sua teoria era bem aceita pela Igreja, j que
propunha que o homem era um ser privile-giado pela Divindade, no centro do univer-
so. Alm disso, pode-se imaginar que a
teoria alimentava o orgulho dos poderosos,
que no eram apenas os donos do poder do
lugar em que habitavam, mas do centro do
universo. Essa situao psicolgica ainda
persiste hoje, quando muitos acreditam que
haja vida em outros planetas, enquanto
outros insistem que isso seja impossvel,
novamente um teimoso antagonismo de
posies.
Felizmente, a cincia no se desenvol-
ve baseada apenas em opinies, mas em
fatos. No sculo XV, o padre polons Ni-
colau Coprnico foi incumbido de uma re-
forma do calendrio pondo-se, portanto, a
fazer observaes astronmicas, j que as
antigas tabelas ptolomaicas haviam acumu-
lado muitos erros at aquela poca. Em par-
ticular, festas como a Pscoa estavam sen-do comemoradas em dias que no eram os
prescritos anteriormente. Coprnico des-
cobriu que as complicadas tabelas de
Ptolomeu ficavam muito mais simples se,
ao invs de a Terra ser considerada como
centro do universo, o Sol o fosse. Coprnico
no teve problemas com o clero, pois isso
foi considerado apenas como uma hiptese
de trabalho, e no como uma realidade.
Quando outros filsofos, como GiordanoBruno, tomaram as idias de Coprnico
como verdades cientficas, houve um in-
tensa reao Giordano Bruno foi consi-
derado herege e queimado vivo. Todavia,
com o tempo, os fatos impuseram-se. De
acordo com a teoria de Ptolomeu, segundo
a qual os planetas se movem em epiciclos
(crculos menores cujos centros estavam
por sua vez em crculos maiores em torno
da Terra), Vnus nunca poderia ter fases
como a Lua. Mas essas fases foram obser-
vadas com o advento do telescpio! Mais
que isso, as observaes mais modernas
foram dando corpo a uma nova teoria, muito
precisa, e com poder de previso. O astr-
nomo dinamarqus Tycho Brahe recebeu
do rei permisso para usar a Ilha de Hven
como observatrio. Ali ele fez um enorme
nmero de observaes. Por sua vez, o ale-
mo Johanes Kepler colocou essas obser-
vaes sob a forma de trs leis, conhecidascomo Leis de Kepler, que diziam que os
planetas se moviam em elipses, o Sol esta-
va num dos focos, a rea varrida por unida-
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
5/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200410
de de tempo era constante e o cubo do raio
da rbita proporcional ao quadrado do
perodo de revoluo. Essas leis, o ingls
Isaac Newton mostrou serem conseqn-
cia de outra mais simples ainda: em primei-
ro lugar h um conceito de fora agindo
sobre a acelerao dos corpos proporcio-
nalmente, com a constante de proporciona-
lidade igual massa do corpo. Alm disso,
h uma fora gravitacional entre os corpos
proporcional ao produto das massas e ao
inverso do quadrado da distncia. Assim
nascera a lei da gravitao universal de
Newton. O universo tem agora uma outra
aparncia, completamente diferente: no h
um centro, nem a Terra, nem o Sol, mas
uma infinidade de astros sujeitos ao deuma lei fundamental, universal, regendo
seus movimentos e suas trajetrias.
Aps Newton, vrios desenvolvimen-
tos seguiram-se dentro da fsica. Dois gran-
des campos afirmaram-se: por um lado, a
fsica do pequeno, com a hiptese atmi-
ca ganhando fora e finalmente se impon-
do; e de outro lado, a unio de dois tipos
de fora conhecidas milenarmente: o mag-
netismo (do antiqssimo m) e a eletri-cidade (do pr-histrico relmpago). Foi
com grande surpresa que se verificou no
sculo XIX que as leis que regem o eletro-
magnetismo pareciam diferentes das leis
que regem a mecnica dos corpos aquela
descoberta sculos antes por Isaac Newton.
Para acomodar esses dois tipos de leis foi
proposto que os fenmenos eletromagn-
ticos (e a luz um desses fenmenos) s
ocorreriam em um tipo de gelia universal
chamada ter, que preenche todo o espa-
o. Todavia foram vs as tentativas de se
medir o ter.
Foi em 1905 que Albert Einstein, que
trabalhava no departamento de patentes em
Berna, na Sua, props que todas as leis
devem ter a mesma forma. No importava
de onde observssemos um fenmeno, seja
de um trem em movimento, seja parado ven-
do-o acontecer, tanto o fenmeno eletro-
magntico como o mecnico devem se com-portar da mesma maneira. Assim, ele mo-
dificou as Leis de Newton na verdade a
modificao era muito pequena, e com os
aparelhos da poca no podia ser observa-
da em fenmenos mecnicos, pois era da
ordem (tamanho) do quadrado da relao
entre a velocidade do objeto e a velocidade
da luz! Lembremos que a velocidade da luz
de 300.000 quilmetros por segundo!
Dessa maneira, a modificao em fenme-
nos do dia-a-dia (movimento de uma pes-
soa, por exemplo) no poderia ser notada.
No entanto, quando aplicada ao macro-
cosmo a teoria da relatividade traz vrias
conseqncias. Desse modo, a teoria da
gravitao de Newton tambm foi mudada
para ser relativstica, ou seja, obedecer
teoria da relatividade.
Einstein acreditava que o universo fos-
se esttico. Tentou resolver suas equaespara a relatividade geral (assim foi chama-
da a nova teoria da gravitao) para obter
um universo estacionrio e encontrou difi-
culdades, sendo possvel encontrar tal so-
luo apenas no caso de modificar as equa-
es com um termo chamado cosmolgi-
co. Outras solues existiam, que todavia
no eram estticas, e que sugeriam um uni-
verso em expanso.
Em 1926 o astrnomo Edwin Hubbleverificou que as estrelas distantes estavam
se afastando de ns, e que a velocidade de
afastamento era proporcional distncia
que estivssemos da estrela. Ora, se to-
marmos um elstico, pintarmos nele pon-
tos eqidistantes e comearmos a estic-
lo, vamos verificar que tambm a veloci-
dade relativa de um ponto a outro pro-
porcional distncia isso significa que
as observaes de Hubble implicam um
universo em expanso, de acordo com as
equaes originais da teoria da relativida-
de geral! E mais, se o universo est em
expanso, houve um dia em que tudo es-
tava comprimido numa regio do espao,
e de repente Bum! uma grande explo-
so deu origem a tudo!
Dessa maneira nos aproximamos da ori-
gem do nosso universo. No entanto, como
descrev-la em mais detalhe? Por que se
formaram as estrelas, os planetas, as mol-culas, os tomos, ou o que quer que exista de
menor? E por que as galxias, aglomerados
de galxias ou o que quer que exista de maior?
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
6/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 11
A resposta a essas questes merece um
estudo muito detalhado. E devemos retro-
ceder um pouco, para olhar para outras
descobertas, agora no mundo do muito pe-
queno.
O NASCIMENTO DA CINCIA
MODERNA
Em um estudo sobre o universo como
um todo, partimos agora da revoluo ci-
entfica de Galileu e Descartes. Com o
mtodo cientfico em mos, levando em
conta as observaes detalhadas anterioresao sculo XVII, foi possvel a Isaac Newton
realizar a grande revoluo cientfica den-
tro da cincia. O trabalho de Newton tor-
nou-se a base slida da fsica clssica. H
duas partes essenciais na equao de
Newton. Em primeiro lugar, fala-se do re-
sultado da fora: esta proporcional ace-
lerao do corpo a ela submetida. Sendo a
acelerao um objeto geomtrico obtido da
posio geomtrica do objeto como funodo parmetro absoluto chamado tempo, o
resultado da fora imediatamente conhe-
cido, uma vez que se saiba a constante de
proporcionalidade, chamada de massa. De
fato, podemos cham-la massa inercial. A
fora dever ser o produto da massa pela
acelerao. Por sua vez, para definirmos a
fsica do problema, devemos dizer quem
a fora. No caso da gravitao, Newton
postulou que ela fosse proporcional s
massas (aqui massas gravitacionais) dos
objetos que se atraem e inversamente pro-
porcional distncia que os separa.
Finalmente, as foras devem obedecer
aoprincpio de ao e reao. Com as Leis
de Newton, puderam-se confirmar as Leis
de Kepler de modo dedutivo. Esse foi o
grande sucesso de Newton. O universo
newtoniano, todavia, era pobre, por vrias
razes. Em primeiro lugar, a lei de Newton
da gravitao era postulada no havendoqualquer razo fundamental para a mesma.
No entanto, para a poca, este no era real-
mente um problema. Havia dificuldades
decorrentes do fato de tal universo ser infi-
nito. Poderia haver colapsos de propores
gigantescas no universo! Alm disso, ha-
via o paradoxo de Olbers conforme vemos
na Figura 1.
Suponhamos que o universo seja for-
mado por estrelas ou aglomerados unifor-
memente distribudos. Nesse caso, se olhar-
mos para uma dada direo no cus, sem-
pre veremos algum ponto luminoso vindo
de uma estrela (ou aglomerado). O fluxo de
energia dali proveniente inversamente
proporcional ao quadrado da distncia, por-
tanto, a energia que obtida multiplican-
do-se pela rea de transmisso proporcio-
nal apenas ao ngulo slido usado na ob-servao. A constante de proporcionalida-
de s depende do fluxo de energia transmi-
tida pela estrela ou aglomerado, que supo-
mos constante pelo universo. Portanto, se
olhssemos para qualquer parte do cu,
durante o dia ou noite, veramos a mesma
claridade que observamos para o Sol! Este
o paradoxo de Olbers. Finalmente, com o
tempo absoluto tal como definido pela fsi-
ca clssica, no h um incio, e no se po-dem compreender problemas relacionados
com a formao csmica.
NOVOS VENTOS NA CINCIA
O prximo desenvolvimento cientfico
de relevncia o eletromagnetismo (1). As
equaes de Maxwell descrevendo o ele-
tromagnetismo so de natureza diferente
das equaes de Newton. Elas descrevem a
fonte da fora que se juntaria fora
gravitacional para dar origem ao sistema
de foras que alavancam o movimento ho-
rrio atravs das equaes de movimento.
Todavia ocorre que a simetria fundamental
das equaes de Maxwell tal que no h
um tempo absoluto parametrizando as trs
dimenses espaciais euclidianas, mas, sim,
um conjunto de quatro parmetros que en-volvem de modo quase democrtico as trs
dimenses espaciais e o tempo. Desse
modo, as equaes de Newton no seriam
1 De fato, a formulao do para-doxo de Olbers s se faz apso desenvolvimento do eletro-magnetismo.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
7/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200412
as mesmas para observadores diferentes, o
que lhes retiraria o carter universal e faria
com que a fsica fosse diferente para dife-
rentes observadores. Esta foi uma questo
fundamental ao final do sculo XIX, que
culminou, no incio do sculo XX, mais
exatamente em 1905, com o advento da
teoria da relatividade especial.
A reinterpretao da mecnica clssica
em termos da teoria da relatividade especi-al requereu novos conceitos e interpreta-
es, mas a parte formal da teoria pode ser
revista em pouco tempo. Desse modo, a
cinemtica relativstica passa a ser simples.
Por outro lado, um grande passo seria a
reinterpretao de outro pilar da fsica cls-
sica, a teoria da gravitao de Newton.
Como a fora newtoniana tinha uma ex-
presso que no fora deduzida de preceitos
gerais, mas postulada de modo a poder
explicar uma srie de leis, seria natural
obter-se a fora gravitacional de equaes
de campo similares s equaes deMaxwell. Tais equaes foram propostas
por Einstein como conseqncia do princ-
pio de equivalncia e atravs de uma for-
O paradoxo de Olbers. Qualquer que seja a direo em que olharmos o
universo, atravs de um ngulo slido W, encontraremos uma fonte
luminosa, que emitir energia de fluxo proporcional a 1r2 com rea total
Wr2; portanto o produto ser constante, qualquer que seja a distncia
necessria para encontrarmos a fonte luminosa. Isso acarreta o fato de
esperarmos, em um universo infinito e homogneo, uma luminosidade
constante no cu, como se todas as estrelas estivessem arbitrariamente
prximas.
Figura 1
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
8/24
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
9/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200414
meira teoria de Einstein (de 1905). Depois,
tentar incorporar a relatividade geral, isto
, a gravitao. Esses processos envolvem
problemas enormes que no foram ainda
completamente resolvidos, sendo que para
o segundo problema, qual seja, uma teoria
quntica da gravitao, ainda no h uma
teoria completamente desenvolvida, mas
vrias tentativas em estudo, como a teoria
de cordas, atualmente.
Paul A. M. Dirac props, em 1928, uma
equao hoje chamada equao de Dirac
que descreve objetos na teoria quntica
relativstica. Mais uma vez a teoria trouxe
novas e fantsticas descobertas. Na teoria
da relatividade, uma certa quantidade de
matria-massa tem um equivalente em ener-gia, dada pela equaoE=mc2. Assim, ener-
gia e massa so equivalentes. Dentro da
teoria quntica, essa relao adquire novas
dimenses, pelo seguinte: a equao de
Dirac, alm de descrever o eltron, que tem
carga negativa, descreve tambm uma ou-
tra partcula de carga oposta e mesma mas-
sa, a qual chamou-se de psitron. Quando
o eltron e o psitron se encontram eles se
aniquilam, e as suas massas transformam-se em energia pura na forma de radiao
eletromagntica! Alm disso, a reao
oposta perfeitamente possvel, e quando
h quantidade suficiente de energia, e con-
dies apropriadas, como no choque de par-
tculas de altssima energia, pode-se for-
mar um par eltron-psitron (ou ee+). De
fato, poucos anos mais tarde o psitron foi
encontrado.
No princpio, chegou-se a pensar que o
psitron pudesse ser nosso conhecido, o
prton, idia que se configurou errada. O
psitron era uma nova partcula, um exem-
plo de antimatria: ele o antieltron.
A introduo da teoria da relatividade na
mecnica quntica tornou-se ento uma nova
rea, agora conhecida como teoria de cam-
pos. Esta teoria trata da descrio das partcu-
las elementares como o eltron, o psitron,
o prton e outras que seriam descobertas no
contexto da mecnica quntica relativstica.Mas outras descobertas excitantes estariam
ainda por aparecer na dcada de 30.
O decaimentopara substncias radia-
tivas era conhecido. Verificava-se que o
nutron decaa em um prton e um eltron,
mas havia algo de errado, pois a quantida-
de de movimento e a energia aparentemen-
te no se conservavam. Alm disso, todas
as partculas tinham spin 1/2 (2), de manei-
ra que o momento angular tambm no
podia ser conservado. Em 1930, Wolfgang
Pauli postulou a existncia de uma nova
partcula, o neutrino. Em 1934, Enrico
Fermi formulou a teoria das interaes fra-
cas, responsvel pelo decaimento , usan-
do esta nova partcula o neutrino expli-
cando as experincias at ento. Posterior-
mente, em 1955, o neutrino foi de fato detec-
tado numa reao inversa.
Outro problema que se fazia presenteera como o ncleo atmico podia ser est-
vel se ele formado por partculas com
carga positiva (prtons) e partculas sem
carga (nutrons). Deveria, portanto, haver
uma outra fora agregando tais partculas,
j que um clculo rpido mostra que a atra-
o gravitacional no pode junt-los, pois
ela fraca demais. A nova fora foi chama-
da forte pois deveria sobrepujar a fora
de repulso eletromagntica para conferirestabilidade ao ncleo atmico.
Assim como os ftons so os mediado-
res da interao eletromagntica, pensou-
se que deveria haver um mediador da inte-
rao forte, que foi chamado de pon. Os
pons foram de fato descobertos. No entan-
to, descobriu-se bem mais tarde que prtons
e nutrons no so partculas fundamen-
tais, mas compostas de outras mais sim-
ples, os quarks. E ainda os mediadores no
so os pons (apesar de estes existirem),
mas outras partculas chamadas glons.
Como se pode bem perceber, a imagem do
universo das partculas elementares vai fi-
cando cada vez mais complexa!
TEORIA MODERNA DAS
PARTCULAS ELEMENTARESA meta das teorias fsicas, de uma ma-
neira geral, unificar. Isso significa dar pou-
2 O spin mede a rotao intrnse-ca de uma partcula, e s temsentido de fato em uma teoriaquntica, podendo assumirapenas valores inteiros ou semi-inteiros. Os primeiros so cha-mados bsons, e os outros sofrmions. As propriedades debsons e frmions so muitodiferentes.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
10/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 15
cas e simples explicaes para uma gama
variada de fenmenos. Este era o grande
sonho de Einstein: unificar as interaes
conhecidas, eletromagnetismo e gravitao
(posteriomente as interaes fraca e forte),
em um esquema amplo, assim como eletri-
cidade e magnetismo haviam sido unifica-
dos no eletromagnetismo. Era um sonho
alto. Muitas foram as tentativas.
Usando a idia de quebra de simetria,
os professores Abdus Salam e Steven
Weinberg propuseram uma teoria que uni-
ficava as interaes eletromagntica e fra-
ca, na dcada de 60. Foi o primeiro avano
real no sentido da unificao das interaes.
A idia era introduzir quatro partculas,
chamadas campos de calibre, que so an-logas a ftons de luz, principalmente quan-
do a temperatura for muito alta. No entan-
to, quando a temperatura decresce o sufi-
ciente, trs dessas partculas ficam pesa-
das, e uma, o fton que conhecemos, con-
tinua sem massa. O processo guarda analo-
gia com o congelamento da matria. Isso
porque, quando a matria congelada, a
simetria menor. Expliquemos melhor.
Considere um chapu mexicano de abasmuito altas, e bolinhas movendo-se em seu
interior. Quando a temperatura muito alta,
isto , quando as bolinhas movem-se muito
rpido, elas vo a qualquer ponto do cha-
pu, no se importando com o cume no
centro. No entanto, quando elas esto va-
garosas, s podem dar a volta no cume,
perdendo uma direo de movimento. Essa
perda de uma direo de movimento a
quebra de simetria e leva ao ganho de mas-
sa dos trs irmos do fton de luz. tam-
bm o que acontece quando congelamos
um material cristalino: antes, todas as dire-
es do cristal eram equivalentes; depois,
devido formao da estrutura cristalina,
onde os tomos se justapem em direes
definidas, algumas direes ficam diferen-
tes de outras, e a simetria diminui.
A quebra de simetria tornou-se uma pe-
dra angular na construo das teorias
unificadas. Notemos ainda que um outroconceito, a temperatura, entrou agora em
questo, e ser muito importante na descri-
o do universo primordial, j que, no in-
cio, a temperatura era muito alta. Vemos,
ento, que j h um ponto de contato entre
o infinitamente pequeno as partculas
elementares e o infinitamente grande o
macrocosmo.
Mas voltemos teoria de Weinberg-
Salam. Medimos uma simetria atravs de
um conceito matemtico chamado grupo.
A teoria prediz a existncia das correntes
neutras que foram posteriormente consta-
tadas em experimentos. Tambm prediz a
existncia dos companheiros massivos do
fton, chamados W+,WeZ0, que foram
descobertas no CERN, em Genebra, em
1983 pelo grupo do prof. Carlo Rubbia. Os
professores Steven Weinberg e Abdus
Salam receberam juntamente com o prof.Sheldon Glashow o prmio Nobel de Fsi-
ca pelos seus trabalhos em teorias unifi-
cadas. Posteriormente, pelo trabalho expe-
rimental, o prof. Rubbia dividiu o prmio
Nobel de Fsica de 1984 com o engenheiro
Van der Meer, que inventou o processo do
esfriamento estocstico, que permite a acu-
mulao de antiprtons necessrios para a
experincia que visa identificao dos
bsons mediadores W+
, W
eZ0
. Alm dateoria da interao eletrofraca, acima des-
crita, procurou-se compreender o papel da
interao forte, que descrita por 8 compa-
nheiros do fton os glons e por com-
panheiros anlogos do eltron, os quarks,
que formam o prton e o nutron. Vrias
formulaes tm sido propostas para a gran-
de unificao, no havendo resposta defi-
nitiva. Mas o que certo que, havendo
uma teoria unificada com maior simetria e
temperaturas mais altas ainda, existem
outros companheiros do fton, e estes ou-
tros companheiros os campos de calibre
X , devido grande simetria, vo tornar
possvel o decaimento do prton. Isso im-
plica que, em temperaturas altssimas, o
prton evapora, transformando-se em
psitrons e outras partculas. E o que acon-
tece com a teoria da gravitao, at agora
completamente fora desse esquema, e que
teria sido o objeto da idia de Einstein deuma unificao das interaes? O fato
que a gravitao, sob o ponto de vista da
mecnica quntica, a mais complicada
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
11/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200416
das teorias. Tecnicamente falando, a teoria
da gravitao no renormalizvel, fazen-
do com que haja um nmero infinitamente
grande de ambigidades na definio da
teoria. A idia mais atraente hoje que
existe um outro tipo de simetria, chamada
de supersimetria, que liga bsons e
frmions, embebida em uma teoria com
objetos extensos, a Teoria das Cordas.
SUPERSIMETRIA BSONS E
FRMIONS
H duas grandes classes de partculas,cujo comportamento muito diferente: os
bsons so partculas de spin inteiro. O spin
uma quantidade que aparece em mecni-
ca quntica anloga ao movimento de rota-
o dos corpos; seu valor fixo para cada
tipo de partcula, contrastando, nesse pon-
to, com a rotao clssica; os frmions pos-
suem spin semi-inteiro (1/2, 3/2, 5/2, etc.).
Esse nmero muito simples implica dife-
renas fundamentais dentro da teoria qun-tica. Um exemplo dessas diferenas dado
pelo gs helio a temperaturas muito baixas.
OHe3(hlio-3) um frmion, e apresenta
o fenmeno da superfluidez. Ele um flui-
do perfeito. OHe4(hlio-4) difere do ante-
rior basicamente pelo spin: um bson.
At h 30 anos no se conhecia nenhum
tipo de relao de simetria entre bsons e
frmions. Pensava-se que fossem partcu-
las de caractersticas distintas, criadas sem
qualquer conexo entre si. Todavia, a idia
de unificao dentro da fsica tem sido muito
frutfera, e acreditamos que uma viso fun-
damental dos fenmenos da natureza deve
tratar de uma maneira nica todos os fen-
menos, e as partculas elementares devero
ter sido criadas por um mecanismo comum.
No entanto vrias dificuldades so encon-
tradas para tornar realizvel tal programa.
Do ponto de vista tcnico, as teorias su-
persimtricas possuem propriedades mui-to interessantes, havendo possibilidade de
soluo de vrios problemas, como a ob-
teno de resultados finitos na teoria qun-
tica da gravitao, ou ainda a explicao da
existncia de partculas cujas massas dife-
rem em vrias ordens de magnitude.
TEORIAS DE CORDAS E OUTRASDIMENSES
A idia de supersimetria tem como con-
seqncia natural a introduo de novas
dimenses no espao. Para concretizar com-
pletamente as idias apresentadas, precisa-
mos de uma mxima supersimetria cha-
mada supersimetria estendida , precisa-
mos definir a teoria em 10 ou 11 dimensesde espao-tempo, e depois tornar as 6 ou 7
dimenses extras muito pequenas.
Uma maneira alternativa para o proce-
dimento acima a idia de cordas as par-
tculas elementares seriam pequenas estru-
turas alongadas movimentando-se no es-
pao-tempo. Para as cordas supersimtricas
s existe uma dimenso onde as quantida-
des fsicas so consistentes: 10 dimenses
sendo 9 de espao e 1 de tempo.
A CINCIA DOS DIAS DE HOJE
As equaes de Einstein podem ser resol-
vidas para certas situaes fsicas particula-
res da gravitao. Para um centro atrator com
simetria esfrica, acha-se o potencial de
Newton, como no caso de planetas ou estre-
las com densidade relativamente baixa. Para
grandes concentraes de matria, acha-se
a soluo de Schwarzschild para o buraco
negro, que vir a ser de grande importncia.
No caso da descrio cosmolgica deve-
se levar em conta a equao de campo da
matria e sua distribuio. Nesse caso, foi
postulado o princpio cosmolgico que nos
diz que o universo , em escala muito gran-
de (escalas cosmolgicas), homogneo e
isotrpico, ou seja, no h posies privi-legiadas no cosmo. Como consequncia,
acham-se as solues de Friedmann-Lema-
tre-Robertson-Walker.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
12/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 17
Desse modo, pode-se supor que o uni-
verso seja formado por um fluido csmico
universal, homogneo, dependente apenas
do tempo. O tensor de energia-momento,
compatvel com essa mesma isotropia e
homogeneidade, teria uma componente re-
presentando a densidade de energia (t), e
outras representando a pressop(t). Postu-
ladas as equaes de Einstein, o mundo
descrito por uma mtrica, ou seja, por uma
rgua universal cujo tamanho se modifica
de um lugar para outro. Podemos obter a
mtrica de um modelo cosmolgico encon-
trando, para a soluo das equaes de
Einstein, a soluo de Friedmann-Lematre-
Robertson-Walker, que caracteriza um
universo dinmico, primeiramente em ex-panso, e depois em contrao ou expan-
so at o infinito. Einstein havia julgado
essas solues como errneas, propondo
modificaes para sua teoria. Tomemos um
certo flego para a interpretao dos resul-
tados. A mtrica g!
representa a geometria
intrnseca do espao-tempo. Ela a medida
de distncia, e num espao plano em trs
dimenses ela representa nada menos que
o teorema de Pitgoras para se achar adiagonal de um paraleleppedo de arestas
dx, dy e dz, ou seja, ds2 = dx2 + dy2 + dz2.
Incluindo-se o tempo num espao sem
gravitao, temos a geometria de
Minkowski da relatividade especial, ou seja
(adiante faremos a velocidade da luz c=1,
que representa uma escolha especial de
unidades): ds2 = -c2dt2 + dx2 + dy2 + dz2.
No caso Friedmann-Lematre-Ro-
bertson-Walker temos um parmetro de-
pendente do tempo,R(t)que, se aumentan-
do ou diminuindo, aumenta ou diminui o
valor das distncias. Alm disso temos uma
constante kque torna os valores 01.
O valor de kdetermina o tipo de univer-
so obtido. Quando k = 1 o universo dito
fechado. Nesse caso,R(t) aumenta at um
valor mximo voltando posteriormente a
diminuir. Nesse caso o universo se inicia a
alta temperatura e densidade, expande-se
at um mximo, depois volta a se encolher
at seu desaparecimento numa imploso
final. Para k= -1 a expanso eterna. O que
diferencia um caso de outro a densidade
de matria mdia no universo. H um valorcrtico para a mesma, =
crit, acima do
qual o universo fechado, ou seja, a atra-
o gravitacional mais forte que a expan-
so; enquanto para a densidade mdia me-
nor que a densidade crtica a expanso
eterna. O caso =crit
corresponde a k = 0
e o universo dito chato(flat). As figuras
2 e 3 ilustram esses fatos.
Se tivermos a equao de estado da
matria, ou seja, se caracterizarmos bem aspropriedades fsicas da matria, poderemos
obter solues explcitas. Essa equao
de fato bastante geral, descrevendo mat-
ria ora inerte, como hoje, ora radiao pura,
como h 14 bilhes de anos.
O resultado das equaes de Einstein
mostra que a rgua universal depende do
tempo, aumentando sempre segundo cer-
Evoluo dos universos aberto e fechado (do Cambridge Atlas of Astronomy).
Figura 2Aberto
Fechado
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
13/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200418
tos modelos cosmolgicos. A rguadepen-
de tambm da constante de Hubble, hoje,
que fixa a escala de tempo e a idade do
universo. A rgua exatamente a funo
R(t) apresentada acima.
O diagrama mostrando a evoluo de
R(t), que nos diz o tamanho da rgua para
os trs casos possveis de evoluo, dado
pela Figura 3.
Os dados observacionais originais, ob-
tidos pelo astrnomo Edwin Hubble, mos-
tram o universo em expanso e esto na
Figura 4. Atravs dos dados obtidos das
linhas espectrais de corpos celestes, pode-
se observar a sua velocidade, atravs do
chamado efeito Doppler. Hubble fez umdiagrama das velocidades assim calcula-
das como funo da distncia de tais cor-
pos celestes em relao a ns, obtendo uma
relao aproximadamente linear. A cons-
tante de Hubble corresponde constante
de proporcionalidade entre a velocidade e
a distncia. O valor correspondente a H
obtido por Hubble foiH = 500km/sMpc.
Supondo-se que o universo tenha tido
um incio e que tenha se expandido desde
ento, o tempo passado at hoje, que cor-
responde idade do universo, equivale a T
H12 bilhes de anos.
Esta idade ainda menor que a prpria
idade da Terra, 5 bilhes de anos. O valor
correto deHopode ser obtido do diagrama
(Figura 5) que indica valores da ordem de
H 75 km/sMpc, de modo que a idade do
universo cerca de 14 bilhes de anos, como
conseqncia desses dados.H vrias questes atuais nesse contex-
to. Em primeiro lugar, as escalas de distn-
cia. Tais escalas so grandes demais para
que possam ser observadas diretamente. Isto
apenas um pequeno detalhe do grande
problema observacional em astronomia, mas
que tem bvias conseqncias em relaes
como a de Hubble, indicando a dificuldade
em se obter informao sobre um parmetro
to importante quantoH, que determina aidade do universo. Alm disso, h a questo
sobre se o universo est se acelerando ou
desacelerando, se fechado ou aberto.
As observaes indicam que a densida-
de do universo muito prxima da densi-
dade crtica, ou seja =crit
1,que a
relao entre a densidade da matria obser-
vada no universo e um valor crtico, teori-
camente previsto. Esse valor prximo do
valor crtico constitui um grande problema
de interpretao, como veremos adiante, j
que esse valor instvel. Alm disso, uma
acelerao, ou desacelerao, pode ser um
indcio de uma constante cosmolgica ou
energia escura, o que pode mudar sobre-
maneira nossa viso de mundo.
Mecnica quntica
Toda a descrio feita at o momento
supe uma natureza clssica relativstica,
ou seja, no h modificaes de princpios
Evoluo segundo o valor de k
(do Cambridge Atlas of Astronomy).
Figura 3
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
14/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 19
na mecnica clssica, alm dos ajustes usu-
ais advindos da teoria da relatividade espe-
cial e geral.
A necessidade de quantizao advm
de vrios pontos na descrio do universo.
O principal deles o fato de que uma teoria
do tipo big-bang, na qual o universo emer-
ge de um plasma cosmolgico de tempera-
tura altssima, requer a descrio de um
fluido cuja energia mdia por partcula
constituinte (ou seja, a temperatura) mui-
to alta. Assim, a interao se d no mago
da matria e requer uma descrio eminen-
temente quntica.
A mecnica quntica uma teoria li-
near, com uma interpretao no-linear,
em que, para todos os efeitos prticos,supe-se que haja um limite clssico
macroscpico que constitui o instrumento
de medida do fenmeno quntico. Desse
modo, a descrio mais simples do fen-
meno quntico se d atravs de uma medi-
da clssica, que o que chamamos acima
de interpretao no-linear.
No entanto, tal interpretao passa a ser
problemtica no caso do universo. Afinal,
para um observador interno do universo,pode-se perguntar o que a sua funo de
onda, j que no h limite clssico, ou seja,
no h uma medida clssica externa ao
objeto quntico em questo, no caso, o
cosmo universal. Poderamos perguntar:
existe o universo quando fechamos os
olhos? Mas se fecharmos os olhos e o uni-
verso no existir, ento, h olhos? Tais
perguntas so inerentes interpretao da
mecnica quntica com relao medida
clssica. O fato que o problema da me-
dida resolvido, de modo prtico, colo-
cando-se o observador num mundo clssi-
co, o mais longe possvel do fenmeno
quntico a ser estudado. Em outras pala-
vras, o observador externo ao mundo
quntico em estudo, o que faz sentido
quando estudamos fenmenos da escala
do microscpico.
Por outro lado, ns, como observado-
res, fazemos parte do universo e a dicoto-mia entre observador e observado desapa-
rece completamente ao estudarmos o uni-
verso como um todo, fazendo com que o
Novos dados sobre a lei de Hubble, em que se grafica
a velocidade contra a distncia (Cambridge Atlas
of Astronomy).
Dados originais de Hubble, em que temos a velocidade
em km/s graficada contra a distncia em parsecs.
Figura 4
Figura 5
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
15/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200420
observador faa parte do fenmeno, ou seja,
o experimentador parte intrnseca da ex-
perincia. Assim, no mais se define a par-
te clssica do aparelho de medida.
Tal contexto faz de uma teoria qunticada gravitao algo muito difcil para ser
estudado. No entanto, estes no so os ni-
cos problemas a serem apresentados. A
evoluo relativstica da mecnica qunti-
ca, ou seja, a teoria quntica relativstica
apresenta novas e grandes dificuldades. A
primeira descrio quntica relativstica
correta de uma partcula foi feita por Dirac.
Ele modificou a equao de Schrdinger
de modo que ela pudesse descrever o spin
do eltron e satisfazer a relao relativstica
entre energia e momentum. A primeira
conseqncia importante da equao de
Dirac foi o fato de haver estados de energia
negativa, havendo um nmero infinito de-
les, que no podiam ser compreendidos pela
teoria padro. Dirac reinterpretou os esta-
dos de energia negativa em termos de uma
antimatria, de tal modo que um estado de
eltron e um estado de psitron o
antieltron (ou, equivalentemente, um es-tado disponvel de energia negativa), na
presena um do outro, desapareceriam dei-
xando para trs energia pura. Do mesmo
modo, energia pura em quantidade sufici-
ente pode gerar matria na forma de pares
eltron-psitron, no processo acima visto
no sentido inverso. Como na teoria qunti-
ca, uma variao de energia infinitesimal uma quantidade com indefinio devido
relao de incerteza E ~ h/tpara peque-
nos intervalos de tempo, possvel haver
energia suficiente para formar pares, como
na reao e++e2,que nos mostra que
os ftons, aqui denotados por , podem se
converter em um par eltron (e) e psitron
(e+). Isso faz com que a teoria quntica
relativstica seja uma teoria de muitos cor-
pos. Da o advento da teoria de campo
quantizado, ou teoria quntica de campos.
Universo quntico em expanso:
o modelo padro
Conforme mencionamos, seguindo a
evoluo csmica para trs no tempo, che-
garemos a um ponto inicial de tempera-
turas altssimas em que a teoria qunticarelativstica ser essencial para a descri-
o do mundo. Vrios elementos sero
necessrios para uma descrio terica
Dados obtidos da radiao csmica de fundo.
Figura 6
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
16/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 21
competente de tal evoluo, assim como
para que se confirmem observacional-
mente os fatos.
Em primeiro lugar, foi observado um
resqucio importante da exploso inicial que
perdura at os dias presentes, e continuar
nos cus para sempre. O fato que uma
grande exploso e sua conseqente evolu-
o produzem uma grande quantidade de
radiao. No incio, tal radiao esteve em
equilbrio com a matria, j que pares de
partculas e antipartculas estariam se ani-
quilando produzindo ftons radiao ele-
tromagntica , ao mesmo tempo em que
ftons altamente energticos teriam volta-
do a interagir na reao inversa, produzin-
do pares, como na reao j vista anterior-mente. Quando a energia diminui aqum
da energia mnima necessria para que os
ftons possam interagir com a matria, os
ftons ou seja, a radiao eletromagnti-
ca desacoplam-se ou seja, separam-se
do restante , praticamente no interagin-
do mais com a matria, e passam a existir
isoladamente. Radiao em um dado espa-
o vazio um problema conhecido como
corpo negro, e foi o objeto estudado porPlanck na descoberta inicial que levou
mecnica quntica. Para uma dada tempe-
ratura, a distribuio de energia em termos
da freqncia obedece chamada distri-
buio de Planck, que caracterizada por
uma temperatura T.
Em um estudo com antenas, Penzias e
Wilson, em 1965, observaram a existncia
de uma radiao de fundo em todo o cu,
que obedece distribuio de Planck, com
um parmetro de temperatura Ttendo um
valor de aproximadamente 3K. Essa desco-
berta foi fundamental para que se pudesse
confirmar experimentalmente (observacio-
nalmente) a teoria do big-bang. A radiao
aqui descrita chamada de radiao csmi-
ca de fundo. Hoje, mapas da radiao cs-
mica de fundo so feitos com extremo deta-
lhe, e se supe que as pequenas diferenas
nas vrias regies sejam responsveis pelas
futuras estruturas do universo, j que a radia-o de fundo um resqucio deixado desde
14 bilhes de anos atrs, ou seja, desde antes
da formao de qualquer estrutura no hori-
zonte conhecido. muito digno de nota que,
se retirarmos o efeito do nosso movimento
na radiao de fundo consignado pelo efeito
Doppler, que tecnicamente um efeito de
dipolo, as diferenas de temperatura entre
os vrios pontos do universo so menores
que uma frao de aproximadamente 105
em relao temperatura mdia. O fato de
essa diferena ser to diminuta aponta para
mais uma forte razo para o que ser a teoria
inflacionria.
Deveremos, subseqentemente, descre-
ver a evoluo csmica. No entanto, certo
que tal evoluo ter diferentes fases. Hoje
h muita matria que no faz qualquer pres-
so. Assim, h uma densidade de energia
inerte e presso zero: estamos no chamadodomnio da matria, e a fsica descrita
pelas quatro interaes fundamentais, as
interaes forte, eletromagntica, fraca e
gravitacional. As partculas elementares
que compem o universo, apesar de pare-
cerem estar presentes em grande nmero,
so de fato compostas de poucos elemen-
tos primordiais quarks, lptons e seus res-
pectivos antiquarks e antilptons, alm dos
carregadores de fora , os ftons e suageneralizaes no abelianas. Alm dis-
so, h mais algumas partculas teoricamen-
te previstas para dar consistncia teoria.
Uma pergunta aparentemente sem co-
nexo com a evoluo do universo ser a
chave da compreenso csmica: por que as
diferentes interaes tm fora diferente, e
por que de fato h um certo nmero de
interaes? Ou ainda: haver uma teoria
unificada das interaes? Como tal teoria
estaria relacionada com as diversas
interaes elementares?
A resposta est na dependncia das
interaes com a energia efetiva e com a
temperatura, e no processo chamado de que-
bra espontnea de simetria.
A quebra de simetria um processo sim-
ples, como acontece quando uma interao
elementar descrita por um potencial com
simetria por rotao, tal como no exemplo
da Figura 7.Se escolhermos um desses pontos como
origem, na direo radial haver uma inr-
cia para se deslocar a partcula, mas na
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
17/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200422
direo do mnimo no haver, portanto
h uma partcula de massa zero. O ponto
que o fton devora o bson sem massa e
engorda! Este o chamado fenmeno de
Higgs, e, em conseqncia dele, os ftons
de interao fraca ganham massa e sua
interao fica fraca, ao contrrio do ele-
tromagnetismo e da interao forte. No
entanto, quando as partculas esto num
plasma de alta temperatura, os detalhes do
potencial no so mais to importantes, e
o fenmeno de Higgs no se pode proces-
sar! Assim, quanto mais alta a temperatu-
ra mais simtricas sero as interaes
elas tendem a se igualar.
Este fenmeno pode ser revisto e
reestudado em termos da teoria de campos
das trs interaes elementares fraca, ele-
tromagntica e forte, tais como descritas
pelo respectivo grupo de simetria, SU(3) XSU(2) X U(1). As respectivas foras de in-
terao vo se tornando iguais com o au-
mento da energia. As interaes fraca e ele-
tromagntica tornam-se uma s a uma ener-
gia de aproximadamente 100Gev(3). Aps
isso, elas se juntam interao forte, numa
nica interao elementar unificada a uma
energia aproximadamente correspondente
a 1015Gev, portanto j macroscopicamente
relevante, algo gigantesco para uma part-
cula elementar. Os aceleradores existentes
s chegam hoje a algumas centenas de Gev,
devendo chegar ao milhar de Gev (1Tev)
na prxima gerao de aceleradores. A
possibilidade de uma experincia direta
nessa energia s seria possvel com tcni-
cas inteiramente novas, indisponveis nos
dias de hoje.
A EVOLUO DO UNIVERSO
No incio do universo, com altas tem-
peraturas, fora possvel o fenmeno da res-
taurao de simetria, de modo que outras
fases do universo passam a existir, cada
vez com maior simetria quanto mais alta
for a temperatura.
Dessa maneira, possvel fazer umparalelo entre a histria csmica e a descri-
o das interaes elementares como fun-
o de energia de interao. Os detalhes da
histria do universo, tambm chamada de
histria trmica do universo, j que a tem-
peratura do universo uma funo monoto-
nicamente decrescente do tempo, foi e tem
sido objeto de estudos em cosmologia, as-
sim como em teorias de campos. Os deta-
lhes de tal histria, desde a quebra da sime-
tria eletrofraca, so bem conhecidos e con-
firmados em fsica de aceleradores. Antes
disso, at energias correspondentes teo-
ria unificada das trs interaes, excluda a
gravitao, tem-se um conhecimento razo-
vel da evoluo do universo, baseado em
hipteses tericas bem fundamentadas.
Mais alm, a questo bem mais profunda,
envolvendo o universo inflacionrio e pos-
teriormente uma teoria quntica da gravita-
o unificada com as outras interaes. Soproblemas profundos, enraizados na pr-
pria origem de todo o universo, cuja solu-
o poderia explicar no apenas nosso uni-
Figura 7
Diagrama com potencial tipo chapu mexicano, em
que a quebra de simetria se d para uma simetria de
rotao contnua, criando a possibilidade de gerao
de massa atravs do fenmeno de Higgs.
3 1 Gev = 109eV = 1.6 X 103erg.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
18/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 23
verso mas tambm prever dimenses ex-
traordinrias, partculas supersimtricas,
novas propriedades fsicas e at mesmo
novos universos. Uma verso simplifica-
da da histria trmica dada pela seqn-
cia abaixo.
1044seg................................ gravitao quntica .......................... 1019Gev
1034seg ................................. origem da matria............................ 1015Gev
1012seg................................transio eletrofraca ........................... 102Gev
106seg ...............................transio quark hdron ............................ 1 Gev
106seg .................................... matria nuclear ................................. 1 Gev
1 seg ......................................... nucleossntese...................................1 Mev
1012seg .................................... matria atmica .................................. 10 ev
1013seg ....................... desacoplamento matria energia ....................... 1 ev
10
16
seg ................................... formao galtica ............................... 10
2
ev 1017seg ............................ formao do sistema solar ........................ 103ev
Um ano corresponde a 3.15 X 107seg, e
1 ev corresponde a uma temperatura de 5 X
103K, praticamente o mesmo em graus
Celsius.
Pode-se observar ainda que, nos primei-
ros instantes, a evoluo temporal, medida
atravs de nosso presente parmetro tem-
po, tem uma evoluo cada vez mais rpi-da, quanto mais nos aproximamos do ins-
tante inicial.
Os primeiros segundos so incgnitos,
correspondendo poca de gravitao
quntica, em que presumivelmente have-
ria supercordas como elementos fsicos re-
levantes, e a dimenso do espao-tempo
deveria ser 10 (9 de espao e 1 tempo) para
que fossem descritas corretamente as
supercordas, ou eventualmente 11 no caso
de uma teoria meou teoria mestra, j re-
centemente formulada. A matria passou a
existir aos 1034segundos, quando a teoria
unificada se dividiu em interao forte e
interao eletrofraca. Antes disso os brions
podiam decair, o que seria equivalente a
dizer que os prtons, ou a matria normal,
no so estveis. Sinais experimentais de
tal decaimento esto sendo procurados mas
ainda no h confirmao.
A matria atmica, tal como a conhece-mos hoje, s se formou segundos aps o
incio (cerca de 30 mil anos aps o big-
bang), mas a matria desacoplou-se da ener-
o universo posteriormente ao tempo em que
os ftons passaram a se mover livremente.
Antes disso, eles eram capturadosantes de
chegarem aos nossos olhos, de modo que
no podemos enxergar nada antes do tem-
po tl1013 s300.000 anos, o tempo de
liberaodos ftons.
Do ponto de vista observacional, amelhor confirmao do modelo, aps a ra-
diao csmica de fundo, a abundncia
de hlio observada no universo. Tal abun-
dncia prevista como conseqncia de
sucessivas reaes de captura de nutrons,
comeando por n +pd+, ou seja, um
nutron nchoca-se com um prtonpdando
origem ao deutrio de radiao eletromag-
ntica, ou fton, , dando incio a reaes
mais complicadas.
Como resultado, obtm-se a previso
de que a quantidade de hlio como frao
da matria barinica no universo deve ser
de aproximadamente 25%, o que plena-
mente confirmado pelos dados observa-
cionais.
Alguns problemas ainda permanecem,
todavia, sem soluo. O primeiro o pro-
blema da extrema isotropia observada no
universo. Conforme mencionado, retiran-
do-se o efeito do movimento da Terra emrelao radiao csmica de fundo, a
isotropia no valor da temperatura observa-
da tal que a diferena relativa nas tempe-
gia radiante apenas 300 mil anos aps o
big-bang. Foi s ento que a luz passou a
poder viajar longas distncias sem se espa-
lhar pela matria, e o universo ficou trans-
parente. De fato, antes disso o universo era
opaco. Desse modo, s podemos observar
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
19/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200424
raturas da ordem de 105. Isso visto na
Figura 6. Naquele mapa, as duas grandes
manchas na temperatura correspondem ao
termo de dipolo gerado pelo movimento da
Terra em relao radiao de fundo.
O segundo problema refere-se ao fato
de o valor da densidade de matria no uni-
verso ser to prximo do da densidade cr-
tica. Em geral, definimos = crit
. O valor
= 1 muito instvel. Se olharmos para o
diagrama (Figura 8) veremos que o valor
de , perto de 1 hoje, deve corresponder,
no incio dos tempos, a um valor enorme-
mente mais prximo de 1. Seria como
manter uma esfera equilibrada sobre um
dedo por muito tempo sem toc-la. Tal fato
dificilmente ocorreria por mero acaso.
Um terceiro problema o fato de no
haver monopolos magnticos no universo.A teoria os prev, mas eles nunca foram
encontrados.
Estes e alguns outros problemas so
resolvidos pelo processo chamado de in-
flao. Segundo tal processo, teria havido
no princpio uma expanso exponencial do
fator de escala do universo. De modo geral,
esse crescimento exponencial deveu-se ao
fato de o universo estar em um falso vcuo
um mximo relativo de energia.
Com o crescimento alucinante do uni-
verso ficamos em um espao relativamen-
te homogneo que estava em conexo cau-
sal no incio dos tempos. A densidade de
matria deve se manter igual densidade
crtica, e outros monopolos estariam fora
do horizonte conhecido. So resolvidos,
portanto, os maiores problemas do modelo
padro. Abrem-se ao mesmo tempo outras
possibilidades, como por exemplo a cria-
o de novos universos (ver Figura 9).
O ltimo degrau nessa seqncia ser acompreenso de uma teoria quntica da
gravitao que lance luz na estrutura lti-
ma do espao-tempo.
Comparao entre o valor dehoje e aquele do incio do universo;
qualquer diferena extremamente pequena naquela poca se configura hoje
como gigantesca. Assim, para que se tenhaprximo de 1 hoje, esta
constante deve ser escolhida infinitesimalmente prxima de 1 no incio.
Figura 8
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
20/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 25
RUMO AO FUTURO
Teoria quntica da gravitao
H to grandes dificuldades em se for-
mular uma teoria quntica da gravitao,
que no poucas vezes chegou-se a sugerir
que a gravitao talvez jamais devesse ser
quantizada, permanecendo um captulo
clssico margem do desenvolvimento da
teoria geral de campos e partculas.
De fato, apenas pensar em uma gravita-
o quntica j nos demanda uma rees-
truturao da geometria. Ademais, uma
teoria de campos gravitacionais quantiza-
dos no consistente devido a quantidades
infinitas que no podem ser absorvidas emconstantes experimentais. O chamado pro-
blema da renormalizao de uma teoria de
campos, que curaos infinitos que apare-
cem devido ao carter operacional dos cam-
pos quantizados, no pode ser resolvido em
teorias de campos que contenham a
gravitao. Diz-se que a gravitao uma
teoria no renormalizvel.
Dessa maneira, a antiga meta j antevista
por Einstein, de se obter uma teoria
unificada dos campos, que foi obtida para
as outras interaes no decorrer das lti-
mas dcadas do sculo XX, encontra uma
alta barreira exatamente na teoria da gra-
vitao, que podemos chamar a menina dos
olhosda fsica fundamental.
Vrias tentativas foram iniciadas. Em
particular, foi tentada a introduo da nova
simetria relacionando bsons e frmions, a
supersimetria.
Entrementes, havia uma teoria iniciada
no final dos anos 60 que pretendia chegar
compreenso da teoria das interaesfortes, como uma alternativa s teorias de
campo: era a chamada teoria dual, que ti-
nha poucos elementos dinmicos e basica-
Figura 9
A criao de novos universos.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
21/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200426
mente tratava de simetrias. Mostrou-se
posteriormente que a teoria dual podia ser
descrita por um objeto filamentar percor-
rendo livremente o espao-tempo, sendo o
nico vnculo o fato de faz-lo descreven-
do uma superfcie de rea mnima equi-
valente a um princpio de mnima ao.
Certas manobras de consistncia teri-
ca levam a vnculos que s podem ser des-
critos de modo simples em um espao de
26 dimenses (25 de espao e 1 de tempo).
Uma corda supersimtrica foi obtida, des-
sa vez em 10 dimenses (9 de espao e 1 de
tempo).
Apesar de o problema tornar-se difcil
demais para seu uso em teorias de fora
nucleares, para as quais, no incio dos anos70, foi demonstrada a melhor utilidade da
cromodinmica quntica, uma generaliza-
o coloridado eletromagnetismo, passou-
se a utilizar a teoria de cordas no contexto
de uma teoria unificada dos campos quan-
tizados. Isso se deve a alguns fatos, dentre
os quais destacamos haver, na teoria de
cordas, no limite de teorias de campos,
basicamente dividindo-se a corda em mo-
dos normais, uma partcula de massa zeroe spin 2, que foi interpretada como o grvi-
ton, acomodando portanto a gravitao e
mesmo sua verso quntica!
As teorias de cordas tm uma formula-
o muito simples no que diz respeito sua
interao. Elas se mesclam e se dividem,
tal como sugerimos na Figura 10. H um
nmero pequeno de teorias de cordas, j
que sua formulao simples termina por
ser quase nica. Isso advm de um fato que
gerou a chamada primeira revoluo das
cordas. que a simetria subjacente tem um
nmero pequenssimo de possibilidades que
levem a uma teoria de campos simples, e
no ao que se costumou chamar de teorias
anmalas.
Mais recentemente, acharam-se novas
simetrias, dessa vez interligando as poucas
e ainda diferentes teorias de cordas. Essa
classe de simetrias foi de modo geral cha-mada de dualidade. Esta gerou a segunda
revoluo das teorias de cordas. Ela traz a
suspeita de que haja uma nica teoria dita
teoriaM, possivelmente em 11 dimenses,
que gera as poucas e diferentes teorias de
cordas ao mesmo tempo.
Como a teoria de cordas contm a teoria
da gravitao, alm das outras teorias de
campos, ela se torna a candidata natural
teoria unificada dos campos quantizados.Resta-nos, ento, olhar para as conse-
qncias e expectativas que possam ser
comprovadas ou que poderiam nos levar a
conseqncias ainda mais profundas, mo-
dificando nossa viso de mundo.
Desse modo, assim como em todas as
descries acima, chegamos concluso
de que a teoria de cordas apresenta uma
notvel unificao. Poderamos resumir o
que dissemos com uma antiga citao de
um grande sufi de nome Rumi, que em um
contexto completamente diferente disse:
Even though you tie a hundred knots the
string remains one.
Conseqncias e expectativas
Nossos olhos passam ento a questes
que possam nos dar indicaes de que com-
preendemos a estrutura do universo e suasleis. O fato experimental que nos pode le-
var estrutura do universo em larga escala
a partir de primeiros princpios so as ob-
Figura 10
Espalhamento de cordas.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
22/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 2004 27
servaes do satlite Cobe, que nos do a
estrutura da radiao csmica de fundo,
300.000 anos aps a exploso inicial. Se
pudermos seguir a evoluo das inomoge-
neidades observadas, talvez possamos che-
gar s estruturas vistas hoje. Essa evoluo
ter como ingrediente essencial a teoria da
relatividade geral.
Seguindo um pouco mais adiante, gos-
taramos de saber as demais conseqncias
da mecnica quntica diretamente sobre a
relatividade geral, tal como discutimos. O
estudo de buracos negros a maneira mais
direta de se chegar a uma compreenso mais
profunda, no somente da relatividade ge-
ral clssica mas principalmente de uma
teoria quntica da gravitao. Isso se deve observao de que h leis para a dinmica
de buracos negros inerentes relatividade
geral, que so idnticas s leis da termodi-
nmica, uma vez que indentifiquemos a
entropia termodinmica com a rea do bu-
raco negro dividida por quatro vezes a cons-
tante de Newton. Tal identificao ter pa-
pel fundamental em processos puramente
qunticos envolvendo a evaporao dos
buracos negros. Mais recentemente, a rela-o da entropia de um sistema cosmolgi-
co arbitrrio com a rea que cerca esse mes-
mo sistema vista como uma relao funda-
mental, o chamado princpio hologrfico,
que requer que a relao entre a entropia e a
rea seja sempre menor que o inverso do
qudruplo da constante de Newton.
Tal relao natural em certas teorias
de cordas, e representaria um avano teri-
co muito importante. Alm disso, estara-
mos em direo a uma completa quanti-
zao de toda a natureza incluindo o cos-
mo. Isso nos indica uma mudana manda-
tria dos conceitos, j que o observador
agora interno ao objeto quntico a ser estu-
dado. Coloca-se ento a pergunta: podem-
se criar universos em processos qunticos
anlogos aos de formao de partculas
elementares? Podem tais universos, inclu-
indo o nosso, desaparecer em um processo
quntico? Afinal, uma teoria de camposquantizados prev, e at mesmo requer, que
tais processos ocorram, e eles de fato ocor-
rem com freqncia no mbito de partcu-
las elementares. Deveramos ento poder
calcular a funo de onda do universo!
No contexto de teorias inflacionrias j
se mostrou natural tal criao de universos.
Agora poderamos ter processos tais como
na Figura 11.
CONCLUSES
Chegamos finalmente ao ponto em que
cincia e filosofia imergem em preocupa-
es atvicas do homem. Passamos, das
preocupaes prticas, tcnicas e teis em
nossa vida diria colocadas pela fsica e
realizadas pela tecnologia, a preocupaes
cada vez mais tericas e especulativas.
Em primeiro lugar so misteriosas a ori-gem e a estrutura da geometria do espao-
tempo. Uma geometria quntica no tem
mais funes simples representando o es-
Figura 11
A criao de novos universos na teoria de cordas.
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
23/24
REVISTA USP, So Paulo, n.62, p. 6-29, junho/agosto 200428
pao, mas operadores qunticos, e sua in-
terpretao j no mais to simples. Mais
ainda, no mago da gravitao quntica,
em buracos negros e a altssimas tempera-
turas, essencial que consideremos todas
as partculas e interaes, que so geradas
em nmeros infinitos nas teorias de cordas.
Sobretudo, podem ainda intervir as dimen-
ses extras das teorias de cordas, ou ainda
outras das teoriasM, colocando a comple-
xidade do problema em patamares ainda
mais altos. Prevem alguns que as dimen-
ses extras j se encontram em regies pr-
ximas s observaes. De todo modo, sua
presena passou a ser bastante provvel no
mbito de teorias gerais de campo quanti-
zados, e a velha idia de Kaluza e Klein dosanos 20 passa a fazer parte de um iderio
quase quotidiano, onde outras dimenses
passam a ser ubquas.
Passamos a uma zona bastante mais
especulativa, em que o observador no ape-
nas parte do objeto de estudo, mas muito
mais que isso: o objeto de estudo transcen-
de o observador, por ser no apenas muito
maior, como de fato nosso universo, mas
por conter o observador de forma que esteltimo no seja capaz, nem mesmo em prin-
cpio, de observar seu objeto de estudo, pois
no h ligao causal entre um universo e
outro.
Esta a mecnica quntica vista sob
uma nova dimenso, em que a medida, es-
sencial para a prpria interpretao da teo-
ria, passa a ser impossvel de ser realizada.
O DOSSI COSMOLOGIA
Os fatos aqui descritos de modo resu-
mido e unificado sero discutidos por es-
pecialistas em seus detalhes mais precisos.
Inicialmente o prof. Henrique Fleming, do
Instituto de Fsica da USP, far uma sntese
dos rumos tomados em direo compre-
enso do cosmos. Subseqentemente o ar-
tigo do prof. Augusto Damineli (IAG-USP)nos dar uma idia sobre a possibilidade da
vida no universo exterior nossa Terra. A
partir deste ponto, o dossi passa a descre-
ver o universo fsico, sua histria, e possi-
velmente uma certa compreenso da ori-
gem de todo o mundo fsico, uma pergunta
atvica do ser humano.
Primeiramente o prof. Lus Weber Abra-
mo (IF-USP) descreve a geografia do uni-
verso, aquilatando vrios problemas fun-
damentais sobre sua estrutua conforme vista
hoje, e descrevendo vrias idias que fun-
damentalmente so necessidades tericas,
como a idia de um universo inflacionrio,
descrevendo uma poca distante em que o
mundo multiplicou seu tamanho. Os ele-
mentos primordiais e sua formao no uni-
verso sero discutidos pelo prof. Walter
Maciel (IAG-USP) e pelos profs. Valdir
Guimares e Mahir S. Hussein (IF-USP),que explicaro a origem dos elementos por
dois pontos de vista complementares.
Posteriormente, dois aspectos relevan-
tes da relatividade geral sero abordados,
o primeiro concerne aos mais estranhos
objetos previstos para o espao, que so
os chamamos buracos negros, apresenta-
dos pelo prof. George Matsas (do IFT-
Unesp), especialista na rea, que contar
sobre seus detalhes e certas idiossincrasiasdestas incrveis solues. Depois, o prof.
Alberto Saa (Imec-Unicamp) apresentar
a mais nova experincia concernente ve-
racidade da teoria da relatividade geral,
cujas conseqncias tm sido medidas h
cerca de 90 anos. H vrias experincias
em curso para teste da relatividade geral,
incluindo uma na Universidade de So
Paulo, onde um grupo importante, especi-
alizado em fsica de baixas temperaturas,
em colaborao com um grupo do Institu-
to de Pesquisas Espaciais, est em busca de
ondas gravitacionais atravs da construo
de sofisticada antena de ondas gravitacio-
nais. A experincia descrita pelo prof. Saa
se adiciona a tantas outras que visam con-
firmar a teoria.
Uma viso do universo primordial e da
sua evoluo, atravs da fotografia da radia-
o csmica de fundo, ser dada pelo arti-
go dos professores Thyrso Vilella, IvanFerreira e Alexandre Wuensche do Inpe.
Essa descrio um dos componentes mais
importantes de nossa viso atual do univer-
7/26/2019 Universo Quntico Moderno
24/24
so, podendo dar uma fotografia detalhada
do cosmos primordial, e confirmando de-
talhes antes inimaginveis da teoria. o
incio da chamada cosmologia de preciso.
O problema das partculas elementares, e
um de seus mais significativos represen-
tantes no aspecto de confirmao da teoria,
o neutrino, ser objeto do artigo da profa
Renata Zukanovich Funchal (IF-USP), que
mostrar tambm os vrios experimentos
sobre o assunto. Chegamos ento a proble-
mas importantes na descrio e observao
do universo, que mencionamos anterior-
mente, e que so cruciais para o futuro da
teoria, a matria escura e a energia escura.
Esses aspectos sero abordados por vrios
pesquisadores. O prof. Jos Ademir Salesde Lima descreve a surpreendente expan-
so acelerada do universo, e sua explica-
o atravs de uma energia escura, miste-
riosa entidade que nos lembra a antiga (ou
quase vetusta) quintessncia, e que com-
pe nada menos que 70% da energia total
do universo. Posteriormente os professo-
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
The Cambridge Atlas of Astronomy.
GUTH, A. H. The Inflationary Universe. Perseus Books, 1997.
ABDALLA,E. Supercordas, in Revista USP, 5. So Paulo, CCS-USP, 1990, pp. 183-90.
ABDALLA, E. & CASALI, A. G. Scientific American. Brasil, maro 2003.
WEINBERG, S. Gravitation and Cosmology. New York, Wiley, 1972.
PEEBLES, P. J. E. Principles of Physical Cosmology. Princeton University Press, 1993.
res Rogrio Rosenfeld (IFT-Unesp) e Joo
Antonio Freitas Pacheco (Observatrio de
Nice, Frana) continuam a falar sobre as
formas da matria escura. Sob forma inerte,
esta representa cerca de 25% do universo.
Os professores Jacques Lpine e Laerte
Sodr, do IAG-USP, completam o impres-
sionante quadro. De fato, pode acontecer que
nada menos que 95% do universo seja com-
pletamente desconhecido. A profaBeatriz
Barbuy (IAG-USP) nos traz vrios outros
aspectos observacionais importantes do
universo com resultados importantes sobre
a idade e a expanso do universo. A draBertha
Cuadros-Melgar, do Instituto de Fsica, che-
ga ao instante do prprio big-bang, a fron-
teira ltima deste nosso universo, edescortina um novo conjunto de idias ba-
seado na teoria das supercordas, com novas
dimenses de espao, e um tempo transcen-
dente, assim como com criaes mltiplas
de universos. Ao final, o prof. Reuven Opher
(IAG-USP) dar detalhes sobre a formao
dos primeiros objetos do cosmo.