Post on 17-Jul-2020
“AFRICANIZAÇÃO” DO NORTE DO BRASIL: dinâmica populacional nos “Mapas Gerais” do Maranhão, 1801.
“AFRICANIZAÇÃO” DO NORTE DO BRASIL: dinâmica populacional nos “Mapas
Gerais” do Maranhão, 1801.
As Reformas Pombalinas diversificaram a produção colonial do Império
português, em grave crise na segunda metade dos setecentos. A criação da Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1775) foi uma das intervenções de maior impacto
pela introdução de novos produtos agrícolas, injeção de capitais e entrada massiva de
escravizados africanos nas áreas destinadas à plantation. Em poucas décadas, alteraram-se os
indicadores econômicos da região, que se inseriu ao mercado Atlântico com a exportação de
algodão e arroz. O objetivo maior de nossa pesquisa é dar visibilidade a um fator
determinante ocorrido no período: a “africanização” das possessões portuguesas ao Norte do
Estado do Brasil, antes composta em sua maioria por índios e mestiços.
Utilizaremos basicamente os Resumos dos Mapas Gerais da Capitania do
Maranhão, cujos manuscritos se encontram na Biblioteca Pública Benedito Leite, em São
Luís. José Vicente Serrão se refere a contagem, para ele, quanto à quantidade e à qualidade
das fontes disponíveis, só em 1801 se produziu em Portugal, por iniciativa de Rodrigo de
Sousa Coutinho e José Antonio de Sá, um recenseamento geral da população que se pode
considerar minimamente fiável (SERRÃO, 1998, p. 43). Também lançaremos mão de uma
documentação já largamente usada em nossas pesquisas, os inventários post mortem da
Capitania, no período 1785 a 1820, notadamente as avaliações dos escravizados, que trazem
sua origem étnica.
Mudanças ocorreram no perfil populacional das áreas escravistas, como atestam
os Mapas Gerais, realizados em 1801, em todo o Império português. A população da capitania
do Maranhão, antes composta por uma maioria de índios, mestiços e alguns brancos, se
modificou abruptamente. Os “Mapas Gerais” são um sub-registro, admitido até pelo
responsável pela elaboração dos “Resumos”, que denunciou padres de paróquias importantes
que não enviaram dados, como os de “Alcântara, Guimarães e Icatu”. Também nenhuma
menção foi feita às quatro freguesias da capital, que não sabemos se foram recenseadas.
Mesmo assim, os resumos dos “Mapas Gerais” são reveladores, pois apresentaram a
população, no início do século XIX, dividida em quatro grandes extratos: “brancos”, onde
foram inclusas 6.081 pessoas (16,80%), “pretos” 16.743 (46,28%), “mulatos” 11.720
(32,39%) e “índios” 1.582 (4,3%). Portanto, os “pretos” e os “mulatos” (os africanos e seus
descendentes) totalizavam 78,67% da população! O que é impressionante pela rapidez com
que tal processo ocorreu e pelos efeitos que terão na economia da região e socialmente ao
longo do tempo.
Figura 1: Mapa da capitania do Maranhão em 1813, recorte com a localização das freguesias. Acervo da Biblioteca Nacional Digital. Indicações das paróquias com presença de africanos.
Na Contagem feita pelos párocos, características de 36.126 pessoas foram
contabilizadas, em que se verificam mudanças também na condição jurídica, pois os brancos e
índios, os “pretos” e “mulatos” libertos somaram 52,17% do total, sendo escravos os outros
47,83% dos habitantes. O “boom” econômico produziu em poucas décadas transformações na
estrutura sócio-demográfica, em especial nas áreas ligadas à agroexportação. Na paróquia de
N. S. do Rosário do Itapecuru, de um total de 12.718 pessoas, seu vigário registrou que 7.479
eram cativos, entre “pretos” e “mulatos”; portanto, quase 60% dos moradores eram cativos!
Obviamente, freguesias mais afastadas da Ribeira do Itapecuru e os “lugares de índios”
apresentaram índices mais concernentes com a região amazônica.
Em outra pesquisa, sobre as Famílias Escravas nas áreas de plantation do
Maranhão, precisamos melhor a origem étnica dos sujeitos escravizados trazidos para esta
capitania, quantificamos as informações colhidas nos inventários post mortem e encontramos
o seguinte quadro:Tabela 1- Origem étnica dos escravizados, Ribeira do Itapecuru (1785 a 1825)
Angola 321 12 %Mandinga 257 9%Caxeu 121 4%Bijago 118 4%Mina 113 4%Outros grupos étnicos 484 18%“Crioulos” 864 32%
Fonte: ATJMA, Inventários post mortem avulsos (1785 a 1825), São Luís.
O resultado apresentado acima mostra que para as possessões portuguesas ao
norte do Brasil foram trazidos grupos étnicos tanto da África Ocidental, os “vulgarmente
chamados sudaneses”, entre eles os mandingas, quanto os angolas, do centro-ocidental do
continente, os “bantos”, conforme a denominação citada por João José Reis (2003, p. 308). Na
tabela acima, colocamos os “crioulos” por último, embora eles fossem a maioria, pois eram
majoritariamente os filhos dos cativos, menores de quatorze anos, pertencentes à primeira
geração de africanos nascidos nas Américas (MOTA, 2015, p.183).
Figura 2: BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE. Mapas estatísticos da capitania do Maranhão. São Luís, 1801.
Nos “Mapas”, são indicados também índices de nascimentos, casamentos e
mortes das várias paróquias recenseadas, dos quais é possível chegar às taxas de fecundidade
das mulheres e índices de mortalidade, que se diferenciavam conforme a condição social do
indivíduo - fosse ele livre, escravo ou liberto. Pretendemos evidenciar tais diferenciações na
pesquisa em andamento.
A agroexportação, a inserção ao comércio Atlântico, ocasionou alterações na
estrutura social, no perfil da população da capitania, cujos efeitos sociais são sentidos até
hoje. Portanto, verificamos que a dinâmica populacional resulta das injunções econômicas,
ainda mais em uma economia dependente como a colonial.
REFERÊNCIAS
BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE. Mapas estatísticos da capitania do
Maranhão. São Luís, 1801.
ARQUIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MARANHÃO. Processos avulsos de
Inventários post mortem do período 1785 a 1825. São Luís, 1785.
MOTA, Antonia da Silva. Família escrava nas plantations do Maranhão: demografia e
sociabilidades In: GALVES, Marcelo Cherche; COSTA, Yuri. O Maranhão Oitocentista.1a
ed. São Luís : Editora UEMA / Café & Lápis, 2015, v.1, p. 179-208.
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil em 1835: a história do levante dos malês em
1835. Ed. revista e ampliada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SERRÃO, José Vicente. O quadro humano. In: HESPANHA, António Manuel (coord.). O
Antigo Regime. MATTOSO, José (dir.), História de Portugal.
Vol. 4. Lisboa-PO: Editorial Estampa, 1998.