PentagramA · provêm as duas principais categorias de sentimentos: alegria e tristeza. O ......

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Revista bimestral do Lectorium Rosicrucianum O PINTOR EM SEU ATELIÊ O CORAÇÃO, UM ÓRGÃO DE UNIDADE RENOVAÇÃO DO TEMPLO DE NOVEROSA A SENSAÇÃO DE SUPERMERCADO MARCEL PROUST EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO TUDO QUE PODEMOS APRENDER NO DESERTO A VIA ÍNGREME – HERMES E ESPINOSA A ESCALADA DA MONTANHA PentagramA 2005 número 3

Transcript of PentagramA · provêm as duas principais categorias de sentimentos: alegria e tristeza. O ......

Revista bimestral do

Lectorium Rosicrucianum

O PINTOR EM SEU ATELIÊ

O CORAÇÃO, UM ÓRGÃO DE UNIDADE

RENOVAÇÃO DO TEMPLO DE NOVEROSA

A SENSAÇÃO DE SUPERMERCADO

MARCEL PROUST EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

TUDO QUE PODEMOS APRENDER NO DESERTO

A VIA ÍNGREME – HERMES E ESPINOSA

A ESCALADA DA MONTANHA

PentagramA2005 número 3

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Redação

C. Bode,A.H.v.d. Brul,

I.W. v.d. Brul, R. Bürmann, P. Huys,

H.P. Knevel, G.P. Olsthoorn,

A. Stockman-Griever, G. Uljée

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Pentagram,

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ISSN 1677-2253

REVISTA BIMESTRAL DA

ESCOLA INTERNACIONAL DA ROSACRUZ ÁUREA

LECTORIUM ROSICRUCIANUM

A revista Pentagrama propõe-se a atrair a atenção de

seus leitores para a nova era que já se iniciou para o

desenvolvimento da humanidade.

O Pentagrama tem sido, através dos tempos, o símbolo

do homem renascido, do novo homem. Ele é também

o símbolo do universo e de seu eterno devir, por meio

do qual o plano de Deus se manifesta. Entretanto,

um símbolo somente tem valor

quando se torna realidade. O homem que realiza

o Pentagrama em seu microcosmo, em seu próprio

pequeno mundo, está no caminho

da transfiguração.

A revista Pentagrama convida o leitor a operar

essa revolução espiritual em seu próprio interior.

PENTAGRAMA

ÍNDICE

2 O PINTOR EM SEU ATELIÊ

4 O CORAÇÃO, UM ÓRGÃO

DE UNIDADE

11 RENOVAÇÃO DO TEMPLO

DE NOVEROSA

17 A SENSAÇÃO DE

SUPERMERCADO

22 MARCEL PROUST EM BUSCA

DO TEMPO PERDIDO

28 TUDO QUE PODEMOS

APRENDER NO DESERTO

32 A VIA ÍNGREME – HERMES

E ESPINOSA

39 A ESCALADA DA

MONTANHA

ANO 27NÚMERO 3

A E S C A L A D A D A M O N T A N H A

Na filosofia da Escola

da Rosacruz moderna

as montanhas são comparadas a cumes

de onde é possível avistar o novo

campo de vida e de onde nos vem

o auxílio para atingi-lo.

Ninguém pode ver o mínimo que sejada verdade a menos que se tornesemelhante a ela. Já não acontece as-sim neste mundo, para o homem: elevê o sol sem ser ele mesmo o sol, ele vêo céu, a terra e todas as outras coisas,sem ser ele mesmo essas coisas. Mas nomundo da verdade, quando vemosalgo, tornamo-nos semelhantes a essealgo; quando vemos o Espírito torna-mo-nos semelhantes ao Pai. Nestemundo, vemos tudo sem nos vermos anós mesmos. Mas naquele mundo, nosvemos a nós mesmos, e nos tornamoso que vemos.1

urante horas a fio, o pintor tentareproduzir o modelo que colocoudiante de si. Primeiro, ele examinoutodos os detalhes e desenhou rapida-mente os contornos na tela. Mas nãoestá satisfeito: “Não está bom”, ele re-pete, “não tem vida!”, e finalmente in-terrompe suas tentativas.

À primeira vista, sua reproduçãoestava bastante parecida com o mode-lo, quase como uma fotografia, por-que ele observara bem, com seu olhotreinado, e soubera abarcar os contor-nos do objeto. Mas não era esse o seuobjetivo.

Somente com a reprodução quasepronta o pintor observa como, naluz, a obra se decompõe em muitascores do espectro. Parece com as pin-turas dos impressionistas, mas ele nãoestá satisfeito. Técnica e virtuosidadeproduziram uma pintura, porém, ela

permanece morta. A realidade reti-rou-se a cada tentativa do pintor. Semquerer, em cada nova forma, ele mis-tura seu conhecimento dos diferentesestilos; sim, a idéia que fez sobre oque queria de sua pintura atrapalha oresultado.

“Se eu pudesse simplesmente es-quecer todo esse conhecimento e essecálculo”, resmunga, e tenta não que-rer mais nada. Ele quase já não olhasua obra, uma vez que a conhece bem.Poderia pintá-la com os olhos fecha-dos. Mesmo assim, seus esforços con-tinuam infrutíferos.

A observação do objeto quase jánão tem tanta importância. Ele anseia,ao invés disso, pelo momento em quesua obra se libertará do astucioso in-telecto, por meio do cansaço e dodesapontamento. O pintor sabe por

D

O pintor em seu ateliê

2

E. de Keijzer.

Ondulações

(detalhe).

Coleção

particular. Foto

Pentagrama.

experiência que isso ocorre muitoraramente, mas pode ser que aconteçanum momento desses. Uma sensaçãointerior de fundir-se com o objeto, enessa gestação as linhas de força daobra se formam no pintor, o sujeito.Então, da vivência da unidade nasce apintura. Num instante a pintura ir-rompe numa leveza sem precedentes;o grande esforço e a longa luta foramomitidos. Tais pinturas dão a impres-são de terem sido realizadas sem umesforço sequer, em alguns minutos, edão a sensação de algo realmente vivo.

O pintor sabe que não está atrás deuma quimera. Ele encontrou essatocante simplicidade nos desenhos embico de pena de antigos artistas doExtremo Oriente. As tímidas linhastraçadas de modo humilde mostramuma erva, uma flor, um besouro, que

somente tomam forma quando toda avontade, toda a vaidade e mesmo todaa cultura artística, o refinamento noartista, silenciam. O olho exterior, quequer tomar posse do mundo, se fechae a visão interior, que desperta, nãoinventa um mundo de fantasia, mas seamalgama com o objeto observadoem um único corpo que contemplaseu ser interior e se expressa.

1 O Evangelho de Felipe, dos manuscritos

de Nag Hammadi.

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O coração, um órgão de unidade

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Cedo ou tarde a alma experimentanosso campo de vida como um cárcere.Ela sofre a inconstância da naturezana qual é prisioneira e que a impede dese elevar. Consideramos que a nature-za e o nosso corpo tendem a se opor àalma. Mas isso é um erro. Podemos vera vida como uma escola de treinamen-to, onde permanecemos temporaria-mente. Então, fica claro que nós nãoaprendemos suficientemente as lições.

vida não tem outro objetivo senãoindicar-nos o caminho da libertação.As leis e os fenômenos têm dupla fun-ção: a perpetuação da forma e a cria-ção de condições favoráveis ao desen-volvimento do novo homem. A natu-reza terrestre e o corpo humano sãoinstrumentos admiráveis para a reali-zação desse homem.

A alma está ligada ao corpo e a estecampo de vida. Porém, essa não é acausa de seu aprisionamento, que, narealidade, reside no fato de conside-rarmos o corpo e este campo de vidacomo sendo um fim em si mesmos. Seconcentrarmos nosso objetivo nestefim, ele se voltará contra nós. Por con-seguinte, é importante que aprenda-mos a conhecer a função real e a estru-tura de nosso corpo e da natureza.

Todo desenvolvimento espiritualcomeça no coração, pois ele é o órgãoda unidade. Isso não é de surpreender,pois o princípio da unidade encontra-se em sua estrutura. A constituição dascélulas do miocárdio distingue-se da

de todas as outras células por umponto fundamental. Sabemos que ascélulas corporais são o resultado darepetida divisão de um óvulo. Nas cé-lulas, o princípio de divisão e de sepa-ração leva à manifestação. As célulasde nosso organismo, dependendo doórgão, mostram uma grande diversi-dade de formas. São inumeráveis cor-púsculos separados entre si, banhadosem seus interstícios por um líquidointracelular. Somente as células da pelee dos músculos estão em contato umascom as outras.

A estrutura celular do coração é aúnica a apresentar uma tendência àligação e à unidade. As células do co-ração não tocam umas as outras comoo fazem as células dos músculos, po-rém, têm estreitas facetas, semelhantesa rodas de engrenagem, que se encai-xam umas nas outras. Elas se entrecru-zam como os dedos das duas mãos e,assim, possuem uma grande coesão.Podemos ver nas células do coraçãocomo elementos separados se ligamnovamente numa desejada unidade, oque nos permite fazer uma analogiaestrutural com uma predisposição àligação no coração material. Dessatendência do coração para a unidadeprovêm as duas principais categoriasde sentimentos: alegria e tristeza. Ocoração toma alegria e felicidade comouma experiência de unidade, e tristeza,amargura e ódio como uma experiên-cia de separação e isolamento.

Assim como o coração é o órgão daunidade, a cabeça é o órgão da separa-

A

ção. O cérebro é formado de dois he-misférios que agem um sobre o outroem processos opostos e complemen-tares. Ele é, portanto, polarizado emostra uma unidade a partir de doiscentros distintos um do outro. Hátambém outros órgãos que são duplos– os pulmões, os rins e os órgãos geni-tais – mas estes têm uma função única.O mental humano é polarizado, dis-criminador. Não conseguimos dar umpasso sequer com a compreensão men-tal se não o classificarmos e definirmos.Com o nosso mental e a nossa cons-ciência cerebral somos criadores deum mundo de oposições. Não podemosagir de outro modo. Devemos comerdiariamente do fruto da árvore doconhecimento do bem e do mal. O

pensamento é, portanto, analítico, ouseja, ele subdivide, separa. Dizemosque alguém dotado de grande desen-volvimento mental possui um intelec-to aguçado. Isso não está muito dis-tante do pensamento crítico, que podeter um efeito danoso. O pensamentoholístico tampouco pode abarcar a to-talidade. Também chamado de pensa-mento sintético, ele permite reunir oselementos de um todo, mas somente de-pois de esses elementos terem sido sepa-rados pelo pensamento analítico. Assim,a unidade continua sendo artificial.

Dois tipos de aspiração à unida-de e duas funções separadoras

Podemos ainda subdividir a função

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O homem como

microcosmo. Os

centros de energia

e as glândulas

correspondentes

atraem forças e

as transformam.

Ilustração baseada

em famoso

desenho de

Grichtel, de 1730,

in: R. Collin, The

Theory of Celestial

Influence, 1954.

Pineal

Hipófise

Tiróide

Timo

Pâncreas

Plexo solar

Plexo sacro

Mosaico de seixos

(imagem espelhada).

Kalithea, na ilha

de Rhodes.

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separadora do cérebro e a função uni-ficadora do coração. Fazemos umadistinção entre a aspiração da almanatural e a aspiração da nova alma.Quando o ser humano aspira à unida-de, é sempre com base na personalida-de. Ele busca a associação, o amor e aunidade com outras pessoas, compropriedades ou com a natureza. Essabusca, cedo ou tarde, leva à solidão, àtristeza e ao sofrimento. Ao términode inúmeras e amargas experiências,ele é finalmente conduzido a um limite.Nesse limite o coração se torna sensí-vel aos impulsos de um outro campode vida. Uma nova força vital, prove-niente de um plano superior, circulapelo sangue e se eleva até a cabeça,mudando, assim, certas funções docérebro. Disso resulta um novo modode pensar que continua discrimina-dor, mas que já não se encontra limi-tado unicamente ao domínio moral

do bem e do mal: ele também distin-gue entre o espiritual e o natural.

Esse pensar, nascido da força da ro-sa-do-coração, distingue agora entrevalores imperecíveis e perecíveis.Quando ele se coloca a serviço doprincípio eterno no coração, a segun-da função também é despertada.Então, a aspiração do coração à uni-dade já não se orienta para a ligação como eu de outras pessoas, mas para aunidade de almas, a unidade de grupo.Agora compreendemos as duas funçõesda cabeça e do coração em conjunto:• A separação entre os opostos, que

leva sempre a um conflito, e acapacidade de discernir entre aeternidade e o tempo.

• A união com base na personalida-de, que sempre acaba em solidão eperda, e a união com base na alma,que provê a energia para trilhar asenda.

Notemos, ain-da, a diferençaentre a divisãocelular cancero-sa e a divisãocelular saudá-vel. A divisãocelular saudávelestá subordina-da à lei do con-junto, da unida-de. A cancerosa,por sua vez, éum crescimentocelular mórbi-do, uma divisãocelular descon-trolada que jánão está a servi-ço da integrida-de do organis-mo, mas traba-lha de modototalmente des-

controlado. Do nosso ponto de vista,o coração é o órgão da unidade, tantono plano da alma natural como noplano da nova alma. Portanto, não éde admirar que o coração, de modogeral, não seja atingido pelo câncer.

Uma nova energia circula no sangue

O coração se situa entre o átomoprimordial e o sangue; ele é o portalpelo qual a energia do átomo primor-dial pode passar para o sangue. Essaenergia tem uma alta vibração e, porisso, purifica o sangue. Em outraspalavras: o sangue impuro da almanatural é purificado no coração pelaenergia de Cristo. Eis por que é dito:“O sangue de Jesus Cristo nos purifi-ca de todos os pecados”.

Essencialmente, o sangue é com-posto de água, de células, de corpús-

culos e de substâncias dissolvidas.Nele estão impressas, entre outrascoisas, informação e energia desco-nhecidas na natureza material. A águaé a expressão material do etérico; elatambém é uma transportadora deinformação. A água e, conseqüente-mente, também o sangue podem assi-milar e registrar a informação e aenergia emitidas por radiações e subs-tâncias. No sangue está fixada a essên-cia da totalidade de nosso estado deser no campo de vida. Eis por que nosreferimos ao sangue como a alma. Atransmissão da informação ou daenergia à água está sujeita a certascondições. É na água em movimentoque essa transmissão se efetua melhor.Porém, uma corrente retilínea como,por exemplo, nos canos e dutos deágua, é um movimento artificial e ina-dequado à vitalização da água. A águamove-se de maneira natural em ondase em vórtices.

Há uma forma de movimento bas-tante particular denominada lemnis-cata. Ela é representada por um oitodeitado que, estando na água,mediante cada fluxo das correntes quecirculam pela dupla espiral em formade oito, uma girando para a direita eoutra girando para a esquerda, faz queos dois vórtices convirjam. Na mate-mática, a lemniscata é o símbolo doinfinito; na filosofia, ela representa aeternidade. Ela também simbolizapara nós algo que não pode ser repre-sentado de modo concreto e que per-tence a uma outra dimensão. Comoos símbolos não são arbitrários, omovimento em lemniscata significaque há uma entrada possível para umaoutra dimensão, visto que ela liga doismundos.

A anatomia do coração e seu fun-cionamento – os quatro ventrículos, oencadeamento específico de suas con-

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trações, a forma espiralada do miocár-dio – permitem que o sangue circuleseguindo um movimento em lemnis-cata. Na circulação sanguínea em-brionária vemos o início da formaçãodo coração como uma correntezaadentrando em forma espiralada egirando para a esquerda e outra cor-renteza saindo em forma espiralada egirando para a direita. Somente por-que o sangue atravessa o coraçãoseguindo esse movimento em lemnis-cata é que uma energia que não é destemundo pode nele penetrar. O sangueé levado ao coração nesse movimento,e através dele pode absorver as forçaspurificadoras do átomo original.

Uma experiência científica demons-trou que não se trata, nessa questão, deuma simples teoria ou de especulação.Misturou-se 50% de líquido poluídocom 50% de líquido puro. A sujeirafoi diluída, mas não anulada. Emseguida, misturou-se 1% de líquidopuro com 99% de líquido poluído,dando-se, depois, a essa mistura ummovimento em forma de lemniscata.Verificou-se, então, o desaparecimen-to completo da poluição.

Esse resultado atesta o formidávelpotencial de purificação do movimen-to em forma de lemniscata. Podemosdaí deduzir a força incalculável que oátomo original desenvolve no sanguequando lhe damos espaço para tanto.

A anatomia do coração nos forne-ce uma outra indicação nesse sentido.Os quatro ventrículos estão dispostosem forma de cruz e formam os quatroquadrantes. A cruz é também, exata-mente como a lemniscata, um símbo-lo do encontro de dois mundos, dapenetração da ordem superior emnosso campo de vida. A anatomia docoração oferece as condições orgâni-cas para o ponto de encontro entre aalma natural e a energia crística.

A relação entre o coração e os pulmões

O coração e os pulmões são órgãossubmetidos a um ritmo. Os pulmõesestão mais subordinados à consciên-cia comum e o coração está subordi-nado à consciência superior. O ritmopulmonar pode ser influenciado pelaconsciência; o ritmo do coração, difi-cilmente. Nas pessoas que gozam deboa saúde, a proporção entre o ritmodo coração e o dos pulmões é exata-mente de um por quatro, o que signi-fica que no tempo de uma respiraçãoo coração bate quatro vezes. Oaumento da freqüência cardíaca, porocasião de um esforço físico, porexemplo, determina proporcional-mente o aumento da freqüência respi-ratória. E quando esta freqüência res-piratória se acelera, devido a uma rea-ção emocional, por exemplo, a pulsa-ção cardíaca se ajusta a ela. Os proces-sos rítmicos em geral desenvolvem-sesegundo um movimento ondulatório,num encadeamento constante deaumento e redução das fases. Nocoração e nos pulmões essa continui-dade não existe. Entre uma inspiraçãoe uma expiração há sempre o tempode uma pequena pausa, um momentode parada. No coração, também nota-mos entre a sístole e a diástole, e viceversa, a cada vez, uma parada de 1/10de segundo. É durante essa pausa queo coração armazena a energia necessá-ria para a pulsação seguinte. Mas numplano mais sutil essas pausas condi-cionam a capacidade de percepção docoração. Porque para cada forma depercepção é necessário um momentode silêncio. O coração é, portanto, umórgão temporal e sensorial de energiaque flui no sangue. O que o sanguecarrega? O sangue carrega a essênciade todos os órgãos, pois cada órgão

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informa seu estado ao sangue que flui.No coração encontra-se a essência

de todas as partes do organismo, oque leva o estado de ânimo dominan-te a se manifestar. Se houver perturba-ção em um único órgão, essa informa-ção é registrada no sangue. Quando osangue passa, o coração percebe a“informação” e a traduz em um certoestado de ânimo.

As faculdades de percepção docoração são a base da intuição

Lao Tse diz: “o centro contém to-das as imagens”. Pelo coração pode-mos perceber a essência das coisas.Ações libertadoras pressupõem umconhecimento das coisas ocultas, quenão é adquirido por meio do pensa-mento especulativo, mas unicamentepela intuição. A intuição é o testemu-nho do coração purificado que se tor-nou silencioso. No coração apazigua-do libera-se o saber interior, o signifi-cado das imagens, isto é, as estruturasespirituais segundo as quais a nature-

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Caixa de laca.

Entalhe em madeira.

China, século IX.

za é constituída. Desse modo, perce-bemos também a assinatura dessesarquétipos e obtemos o insight daessência profunda das coisas e dascausas do sofrimento.

Também vemos o ritmo do coraçãoe seus momentos de pausa em outrosritmos de vida. A vida é ritmo, todosos processos vitais se desenvolvem demaneira rítmica. Em nossa vida diáriaconhecemos a alternância entre ativi-dade e repouso, mas de maneira dife-rente. Exatamente da mesma formaque no coração os momentos depausa são os momentos de percepção,assim também nosso ritmo de vidaassume toda a sua importância quan-do, entre a atividade e o repouso,inserimos um tempo de reflexão e depercepção. Antes de adormecer medi-tamos sobre as atividades do dia, epela manhã tentamos compreenderaquilo que recebemos durante a noite.Por isso, todo ritmo de vida experi-menta uma medida básica de quatrotempos:

1. atividade e serviço, o dia;2. percepção e reflexão, o entardecer;3. repouso e recepção, a noite;4. assimilação e preparação,

o amanhecer.

Esse ritmo quádruplo aplica-setambém a cada atividade no decorrerdo dia. Trata-se de um modelo básicoque traz harmonia no intercâmbio dasatividades. Se não prestamos atençãoa esse ritmo quádruplo, aparecem oestresse e o esgotamento, que, com otempo, podem acarretar problemascardíacos.

O silêncio do coração

O silêncio do coração, essa portaúnica e essencial, o critério decisivo,

dificilmente pode ser comparado comalgo. Aqui, o critério é a própria expe-riência, a consciência de estar no limi-te e nada mais esperar desta natureza.O critério para passarmos do desen-volvimento cultural para o desenvol-vimento gnóstico é o ponto zero, oponto em que já não encontramos ne-nhum apoio nesta natureza. Encon-tramos analogias entre as assinaturasdos processos materiais e as assinatu-ras dos processos espirituais mais ele-vados, mas, para a passagem, para osilêncio do coração, não encontramosimagem alguma. Quem quer quetenha fixado neste campo de existên-cia um certo ritmo de vida, juntamen-te com uma purificação do sangue euma certa unidade e amor, encontrar-se-á, cedo ou tarde, diante de um limi-te. Essa pessoa ver-se-á de mãosvazias. Caso aceite isso e renuncie afazer novas experiências, ela entraráno silêncio do coração. Este é o pontode reversão decisivo. As mesmasestruturas anatômicas, que antesgarantiam o seu caminhar pela via cul-tural, formam a base de um desenvol-vimento totalmente novo.

A purificação natural do sangue,que lhe permitia a conservação nestecampo de vida, muda-se em uma pu-rificação do sangue pela luz de Cristo.A aspiração à unidade com a naturezatransforma-se em aspiração à unidadecom o espírito divino. A harmonia doritmo de vida muda de ritmo naturalpara um ritmo divino. Elas mudam devibração em conformidade com oalento do Espírito.

Então, no coração, soa novamenteo único Verbo do começo, o Logos,que inicia o processo de criação donovo devir humano.

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Alegria dos jovens

na abertura de

“seu” Templo de

Noverosa. Foto

Pentagrama.

A primeira pedra

do templo de

Noverosa. Foto

Pentagrama.

Renovação do templo de Noverosa

“Aqueles que O buscarem cedo Oencontrarão.” Estas palavras, que sedirigem a todas as crianças como umapromessa, estão gravadas sobre a pri-meira pedra do templo de Noverosa.Talvez vocês a tenham visto duranteos serviços. Ela se encontra na parede,abaixo da cruz.

Por que exatamente essas palavras?A que se refere esse “O”? Ao templo?A alguma pessoa que devamos buscar?

Esse “O” significa “Cristo”, a “luzcrística”. Para o nosso planeta, Cristorepresenta o mundo da luz; Cristo está

presente no interior do ser humano,em seu pequeno mundo, na “rosa” oubotão de rosa do coração. É esse botãode rosa que é despertado por ele, esse“O”.

A vida mais bela sobre a qual pos-samos pensar é a de uma criança com anova rosa, da qual ela é portadora. Sea rosa desabrocha, sua deliciosa fra-grância penetra o microcosmo. E, umavez que a criança também está nomicrocosmo, ela passa a compreendercada vez melhor que Cristo nela é:

Força, Amor, Sabedoria.

Palavras de abertura na inaugu-ração do templo de Noverosareformado em 12 de março de 2005

Alocução da Direção Espiritual Internacional:

Este é um dia festivo para nós, pelofato de nos encontrarmos reunidos notemplo de Noverosa que, emborareformado, continua o mesmo foco deluz de sempre.

Noverosa: o templo da nova rosa,da rosa desabrochada. Esse é o símbo-lo da centelha de luz ligada com ocoração de cada criança. A maioriados seres humanos nada sabe sobreisso que aqui dizemos a vocês. Vocêstambém já ouviram muitas belas his-tórias, especialmente aqui no templo.Já há muito tempo o Pai do Universoinflamou essa centelha de luz emnosso microcosmo, ligando-a ao nossocoração no mundo em que vivemos.

A esta centelha de luz nós chama-mos: a rosa. Outras pessoas, que tam-bém sabem de sua existência, falam daflor sagrada, do lótus, da semente daeternidade ou da mônada.

Mônada significa o “Único”, signi-fica o princípio, o núcleo da vida origi-nal dado pelo Pai do Universo a cadaser humano, a cada microcosmo. Esseprincípio fundamental é um átomo-semente. Na realidade, ele é nossa ver-dadeira alma, de onde o homem divi-no eterno pode renascer. Esse é ogrande objetivo de nossa existência. Ecomo esse princípio tem a possibilida-de de abrir-se como uma flor, ele échamado de rosa, a sagrada flor denosso coração.

Pois bem, jovens amigos, a luz dacentelha divina irradia neste templo.Ela está ligada a este templo. Por essarazão, essas duas luzes, a luz do cora-ção de vocês e a luz do templo, podemse encontrar e se reconhecer.

Há quarenta e sete anos, portantoem 1958, estivemos também aqui reu-nidos com todos os jovens e dirigentesda Mocidade e os alunos daquelaépoca. Então, em 29 de junho, estetemplo de Noverosa foi consagrado àLuz e posto em uso a seu serviço. En-tão, a luz foi nele inflamada. E duran-te esses quarenta e sete anos milharesde jovens assistiram aqui neste templosuas conferências de renovação. E aluz os tocou em seus corações. Todosesses milhares de jovens da RosacruzÁurea nunca mais conseguiram es-quecer Noverosa.

É certo que, de tempos em tempos,eles ouvem interiormente o chamadodos dois sinos do templo de Novero-sa. Eles sabem da centelha de luz emseus corações. Eles se recordam, mes-mo que vagamente, do chamado queressoou em seus corações aqui notemplo de Noverosa. E onde quer queos jovens membros da Rosacruz seencontrem, eles guardam a lembrançado templo de Noverosa. Não somentena Holanda, na Alemanha, na França,na Espanha, mas também na África, noBrasil, e em outros países distantes.Pelo fato de morarem muito longe,muitos não podem vir até aqui, mas asestórias e os serviços lhes são transmi-tidos. E, entre eles, flutua também abandeira de Noverosa, com a rosa nocentro. O templo de Noverosa é ver-dadeiramente o foco mundial damocidade da Rosacruz Áurea!

Há cinqüenta anos o templo deNoverosa ainda não existia, e nós, osjovens, nos reuníamos em “De Hae-re”, o acampamento da mocidade daRosacruz Áurea. Ali, na tenda-tem-plo, nós ouvíamos falar da centelha deluz oculta no microcosmo. A regiãoque circunda Noverosa é chamada“De Haere”, que significa “pedraseca”, ou “bosque arenoso varrido pe-

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lo vento”. Poderíamos também dizer“bosque sagrado” ou “floresta sagrada”.

É possível que este lugar fosse assimchamado pelos homens que aqui vive-ram muito tempo atrás. A respeitodisso nada sabemos. Podemos apenasdizer que De Haere tornou-se muitoespecial porque ele é um foco de luz,cujo ponto central é o templo de No-verosa. Um foco da Mocidade da Ro-sacruz Áurea, onde a flama da Gnosisqueima. Assim, nossa centelha de luzpode se tornar uma flama e o botão derosa pode desabrochar numa maravi-lhosa flor áurea. Desde 1958 os jovensjá não vão a De Haere, mas a Novero-sa, porém o jardim das rosas nos fazlembrar os tempos passados, pois eralá que ficava a tenda-templo.

Mas hoje um novo período de tra-balho teve início, especialmente emNoverosa, com a renovação de seutemplo, onde – é nossa prece e nossaesperança – uma multidão de jovensterá a possibilidade de vivenciar a festado templo e de irradiar em sua vida aluz que aqui liberarem.

Somos gratos a todos os amigos quecolaboraram para essa renovação e osfelicitamos pelo fantástico resultado.Trata-se de algo prodigioso!

Que todos possamos permanecerna juventude fundamental da mudan-ça e na contínua juventude da renova-ção. Que a maravilhosa flor áurea pos-sa adornar com seus raios a cruz darenovação.

Trecho da alocução de aberturapela Direção Internacional daMocidade.

O templo de Noverosa sempre foium lugar esplêndido, onde, duranteanos, um grande número de crianças ede jovens vivenciou momentos espe-ciais. Contudo, tornou-se necessário

submetê-lo a uma restauração, a fimde torná-lo capaz de receber um maiornúmero de crianças nos anos futuros.Hoje pela manhã ouvimos os sinosnos chamarem novamente para aden-trarmos o templo branco do silêncio.

Muitas coisas foram demolidas paraserem refeitas. Foi feita a instalaçãodos aparelhos de climatização, as jane-las foram trocadas, bem como o piso,as lâmpadas e o pódio para o setormusical. A parte elétrica e a da sonori-zação foram renovadas, assim como asparedes e o seu isolamento. As pare-des internas receberam uma aplicaçãode gesso e foram pintadas, e as paredesexternas foram lixadas de modo amostrar os bonitos tijolos amarelos evermelhos. O pódio foi novamentepolido, a mesa do altar e o púlpitoforam recobertos com madeira. Nohall temos novos cabides, bem comoestantes para os hinários em holandês,francês e alemão. Até mesmo os hiná-rios da Mocidade foram trocados.Neste dia festivo, fazemos uso dosnovos hinários pela primeira vez.

Nos últimos dias, uma nova cama-da de ouro foi dada à cruz e à rosa.Agora elas irradiam novamente nocoração do templo de Noverosa, refle-tindo o milagre de Noverosa. Sob essacruz, durante muitos anos, uma multi-dão de jovens assistiu aos serviçostemplários nos quais, toda vez, falava-se desse grande mistério: a maravilhada nova vida e da rosa que pode seabrir no coração de todo filho do ho-mem. Este templo permanece ligado acada criança que conhece Noverosa.

O que é, de fato, um templo? Du-rante o período de reformas, os gru-pos A, B e D assistiram aos serviçosno salão refeitório. O grupo C viajouaté Birnbach, Alemanha, para assistiras conferências internacionais no Cen-tro de Conferências Christianopolis.

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Quase todos vocês passaram pelaexperiência de entrar, num dado mo-mento, no refeitório para ali tomaremo café da manhã, e uma hora depoisvoltarem para o mesmo refeitório,todo limpo, e sentirem como se esti-vessem entrando num templo. Na pa-rede havia uma foto, em tamanhogrande, de uma cruz com a rosa áurea,o candelabro preparado e um grandevaso vazio. E, claro, o vaso com rosas.Sobre uma pequena mesa, a Bíbliaaberta na mesma página, como acon-tece em todos os templos da RosacruzÁurea. E vocês perceberam que po-diam se concentrar perfeitamente emtudo quanto ali era explicado a respei-to do mundo da luz.

Percebíamos que a força do templonão havia mudado. Desse modo, vo-cês viram que, mediante nossa orien-tação, podíamos evocar essa força e aela nos ligar, mesmo no refeitório.

Naturalmente isso acontece porqueaqui em Noverosa vimos trabalhandocom a força-luz durante um longotempo. Muitas crianças, que hoje sãovovôs e vovós, assistiram a esses servi-ços. Porque aqui em Noverosa fala-mos sobre a luz há quase setenta anos.Muitas dessas crianças decidiram-se,desde muito jovens, a tudo fazer paraseguir o caminho para a nova vida. Pa-ra a vida de um mundo que não pode-mos ver, mas que trazemos em nossointerior, como um botão de rosa quenos liga com o imenso e poderosomundo da luz que tudo envolve.

Em todos esses alunos, jovens ouidosos, o desejo pelo “totalmenteoutro”, pelo “totalmente novo”, tor-nou-se cada vez mais forte no decor-rer dos anos. Pouco a pouco, elescompreenderam e reconheceram queexistia um campo vibratório excepcio-nal: o campo de encontro de todosaqueles que avançam sempre mais

para perto da força gnóstica. Essecampo tornou-se muito forte, tão forteque ele agora atua como uma esfera deinfluência de um campo templário.

Nesta esfera encontra-se o temploda Gnosis, o templo do conhecimentointerior do coração e do conhecimen-to exato de que o mundo da luz estásempre presente. Em Noverosa, ocampo templário encontra-se em todaparte. Portanto, o verdadeiro templonão é unicamente a construção depedra que podemos ver, mas umaconstrução de luz, tanto no temploquanto fora dele. Ele também estápresente, por exemplo, no jardim dasrosas. Agora vocês compreendemcomo era fácil transformar em temploo salão refeitório e ali vivenciar os ser-viços. Portanto, para o nosso grupo,voltar-se para o templo era coisa quese fazia de imediato, assim que o refei-tório era transformado em templo. Aesta luz, presente em toda parte, vocêssempre podiam ligar-se, onde querque estivessem.

Vocês irão perguntar: se isso é tãofácil, temos verdadeiramente necessi-dade de uma construção templária?

Contudo, um templo é uma oficina,

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um lugar na terra conservado tão puroquanto possível no mundo da matéria.Nele as pessoas se reúnem para orien-tar seus pensamentos, sentimentos edesejos para o mundo das almas, parao mundo da luz. Neste templo brancoe puro encontram-se apenas símbolosou objetos que nos fazem recordar daluz. Um edifício templário é um lugaronde reina profunda harmonia, umlugar no mundo onde a força-luz seliga conosco. É exatamente em tallugar, no templo, que essa força muitoespecial atua melhor. Toda vez queadentramos o templo inicia-se umafesta da luz.

Conhecemos, portanto, um campotemplário e um edifício templário. Oedifício templário simboliza a esferade influência do campo templário. Aparticularidade do edifício templário éque o campo templário está semprepresente ali. Ele está ali antes de en-trarmos no edifício templário e per-manece ali quando deixamos esse edi-fício. É, portanto, ainda algo diferentede um simples refeitório transforma-do. O trabalho que cada um de nósexecuta à sua maneira na oficina tem-plária permanece mesmo após termos

deixado o templo. Agora vocês podemcompreender a importância do serviçoque prestamos uns para os outros emnossos grupos da Mocidade.

Olhem bem este templo renovado ea cruz áurea. A viga dourada que vaide alto a baixo simboliza a luz quedesce do mundo divino e cruza exata-mente no meio da viga que vai daesquerda para a direita. Essa viga hori-zontal da cruz representa o homem, ea rosa que está no centro é o símbolodo átomo original que dormita nocoração de cada um de nós.

Esse toque da luz faz que esse botãode rosa desabroche em uma rosa eexpanda seu perfume no sistema cor-poral. Semelhante filho do homemsente-se sustentado e segue, cheio dealegria, ao encontro de seu futuro. Aluz recebida no campo do templo, nóssempre levamos conosco.

Agora, vocês poderiam igualmenteconsiderar nosso corpo como umtemplo, uma oficina da luz. Vocês con-seguem imaginar seu corpo como umedifício? Ele é um edifício templário,porém ainda há muito trabalho a serfeito. Esse edifício, essa oficina de tra-balho, deve ser renovado. Isso pode

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ser feito graças à luz que está em nós,em nosso coração. Porém, isso nãoacontece automaticamente. A luz estápresente, certamente, mas vocês de-vem abrir-se e trabalhar com ela.

Trata-se de uma renovação dos seuspensamentos mediante um esforçopara permitir que eles sejam penetra-dos pela força-luz. Trata-se de umarenovação dos seus sentimentos me-diante sua aspiração pela luz acima detudo e de uma renovação dos seus atosmediante uma tentativa de manter-seconscientes da luz em tudo quantovocês fizerem.

Vocês poderão tentar fazer issosozinhos. Mas o trabalho é muito maisfácil se o fazemos em grupo, tanto pa-ra cada trabalho como para a recons-trução do templo de Noverosa. Este éo motivo pelo qual nós sempre nosencontramos em grupo, voltados parao mesmo objetivo. Não somente osadultos, mas também as crianças que,no mais profundo de si, sabem, dese-jam e buscam o mundo da luz.

Durante cada serviço templário nósnos reunimos: os jovens, os dirigentes,o staff, a fim de nos abrirmos para a ver-dade. Nós ouvimos juntos e cantamosos hinos da Mocidade, e isto resultanum certo ritmo, num tipo de movi-mento, e numa mesma vibração nogrupo. Nessa orientação para um obje-tivo único é possível surgir uma ligaçãocom o campo de encontro do mundoda luz.

Trabalhamos com a luz em nossopróprio corpo e, ao mesmo tempo, nocorpo do grupo, o grupo formado pe-los membros da Mocidade e pelos alu-nos da Rosacruz Áurea. Trabalhamostodos juntos no corpo-vivo de nossaEscola.

O templo de Noverosa é igualmen-te o templo do raio buscador, do raiochamador. Esta é a atividade deste tem-

plo. Ele também está ligado a uma ta-refa particular, gravada na primeira pe-dra, assentada em 3 de novembro de1957: “Aqueles que O buscam cedo Oencontrarão”.

Desejamos a todos vocês conferên-cias da Mocidade plenas de bênçãos.Conferências que possam ser o inícioda construção de um templo muitoespecial.

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Primavera no jardim

das rosas. Centro

de Conferência

de Noverosa

em Doornspijk,

Holanda.

A sensação de supermercado

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Ele tem apenas 16 anos, e relata o seguinte: “Num dado momento, acabei chamando-a de ‘sensação de supermercado’. Eu não a sinto somente lá, mastambém, por exemplo, durante uma festa escolar ou bem no meio da EstaçãoCentral. Não acho que seja eu quem cria ou provoca essa sensação, mas algumas vezes ela surge de repente. Então, eu estou como num supermercado, ede repente vejo toda essa gente que passa, todos esses carrinhos, toda essa vidi-nha. Eu me vejo nisso e sinto vontade de chorar. E então, fica apenas uma per-gunta, só uma, que afasta todas as demais: Por quê?”

ue fazer quando um jovem de 16anos, sensível e bem humorado, desa-bafa assim durante uma discussão emgrupo numa Conferência da Mocida-de? Em volta dele estão sentados ou-tros sessenta adolescentes da mesmaidade. Em muitos olhares, o reconhe-cimento pode ser lido. Um dirigentedo Trabalho da Mocidade da EscolaEspiritual da Rosacruz moderna nãotem forçosamente uma resposta sobmedida. Será que existem respostassob medida? O princípio da existên-cia das duas ordens de natureza – pon-to fundamental da filosofia do Lecto-rium Rosicrucianum – é a base queajuda a compreensão, porém podepermanecer teoria por um longo tem-po. Somente quando a compreensãosurge do imo é que o indivíduo encon-tra a resposta ao interminável “por quê”.

Serei eu o único de minha espécie?

Um outro dentre os participantesdiz: “Posso falar, também, de algo

bastante profundo que experimenteiem minha infância e que ressurge detempos em tempos, parecido com essasensação de supermercado”. A essasensação, ele deu o nome de “sensaçãode Papai Noel” e disse: “Vocês se lem-bram de quando lhes contavam essaestória? Nela não existia nada de ver-dadeiro. Era como um grande jogo noqual todos à sua volta participavam.Os pais, os professores, a irmã maisvelha, sim, todos. Depois de contar aestória do velhinho vestido de verme-lho com a longa barba branca quechega em seu trenó cheio de brinque-dos, o jogo chegava ao fim e cada qualretomava sua vida normal, sem fingi-mento nem cochichos.

Era assim que eu via a vida quandoera pequeno. Tudo não passava de umagrande encenação que se desenrolavano maior segredo, impossível ser deoutro modo. Todos tomavam partenaturalmente, todos representavamseu papel muito bem. Todas as pessoas,a terra, os mares, as estrelas, tudo era

Supermercado.

Ilustração ©

Mforma Europe

Ltd.

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Q

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um elemento da grande encenação.Eu era o único que não sabia nada so-bre isso; ainda não. Inconscientemen-te, eu tinha a impressão de que, entre-tanto, devia aguardar. Então, surgia aintensa esperança de desmascarar essahipocrisia e entrar na verdadeira vida.Mas, a grande diferença com o PapaiNoel é que ninguém chama você econta o segredo. Você precisa desco-brir sozinho. Eu, porém, já sabia: épreciso falar e testemunhar sobre isso.Este é o único modo de pôr um fim àconfusão entre a aparência e a realida-de. Não existe outra maneira”.

Depois que ele disse isso, outrosjovens revelaram que também conhe-ciam esse mesmo tipo de sensação eque partilhavam da mesma aspiraçãoa uma vida verdadeira. Com efeito,numerosos são os jovens que têm essamesma experiência. Eles vêem comoas pessoas comuns passam sua exis-tência, de que modo elas a preenchem.Eles sabem que alguma coisa não estácerta e geralmente não podem perce-ber o real e único objetivo da vida. Aomesmo tempo, vemos muitos adoles-centes se entregarem a uma existênciasuperficial, chata, tão chata como a te-la de um televisor ou de um computa-dor, sem a menor profundidade, nadaoferecendo além do virtual. Sempre épossível nutrir a esperança de encon-trar nisso uma possibilidade de des-pertar, mas freqüentemente ouvimosdizer: “Deixe-me viver minha vida, nãose preocupe comigo”. Em vez de ir aoencontro daquilo que é real e autênti-co, muitos jovens se afundam no mun-do da ilusão. “Deixe-me em paz!”

Estranho, não é mesmo? Mas nemtanto, quando vemos o exemplo queos adultos dão às crianças. Mesmo as-sim, é justificável uma atitude de rejei-ção? Muitos jovens procuram se anes-tesiar, e às vezes o fazem literalmente.

Mas será que eles não encontram nis-so uma certa satisfação? Esse é o caso.Para compensar a insatisfação crônicasão também oferecidos os produtosde consumo e os bens materiais.

Herodes, uma figura atual

As crianças dão provas – e não po-deria ser de outra maneira – de umacerta abertura necessária para a orien-tação de seu futuro. Porém, essa aber-tura se constitui, igualmente, numagrande vulnerabilidade. A criança écontínua e incessantemente assaltadade todos os lados por um grande nú-mero de impressões. Ela se encontrabem no meio desta agitação mundial,que a invade por meio de sua abertu-ra sensorial. Se vocês observarem paraonde elas são levadas, perceberão queisso é criminoso. É um assassínio dapsique infantil, uma versão modernados esbirros de Herodes, encarrega-dos de matar os recém-nascidos ho-mens-alma.

Existem razões que justificam asperguntas sobre o sentido da vida e arecorrência às drogas, tão comum ho-je em dia. O ser humano amadurecegraças às experiências que faz na esco-la da vida, com base na lei de causa eefeito, lei essa que permite ao homemtirar lições das conseqüências de seusatos. O microcosmo carrega e envolveuma nova personalidade, que cresce,acumula experiências e morre. Essa per-sonalidade desaparece, mas as expe-riências adquiridas são transmitidas àpersonalidade seguinte. A antiga sabe-doria denomina carma essa interminá-vel sucessão de períodos de aprendiza-gem. E o carma tem seus lados positi-

““DDeeiixxee--mmee vviivveerr mmiinnhhaa vviiddaa,, nnããoo ssee pprreeooccuuppee ccoommiiggoo..””

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vos e seus lados desagradáveis.Essa é a lei que leva o micro-cosmo a progredir em seudesenvolvimento, mas essa leitambém coloca o ocupante domicrocosmo diante das conse-qüências cármicas das ações deseus predecessores. Se conside-rarmos o conjunto das expe-riências registradas desde a ori-gem, não é difícil adivinhar-mos de onde vem a “sensaçãode supermercado”.Graças à lei de causa e efeito, oser humano acaba chegandorapidamente ao conhecimentode si mesmo e à consciência. Po-rém, as informações nos sãoapresentadas incessantemente,e a vida é tão curta. Pouco apouco vai-se revelando no ser,jovem ou idoso, um silencioso“reconhecimento”. A criançaque nasce com esse pré-saber

não é obrigada a experimentar pormuito tempo a grande feira do mun-do. Ela vive em busca de uma vidatotalmente outra, verdadeira.

Com o tempo, uma parte da huma-nidade atingiu a maturidade. Podemoscomparar o desenvolvimento dahumanidade ao de uma criança. A leide talião – olho por olho, dente pordente – deu aos seres humanos a pos-sibilidade de aprenderem a discerniros limites e os resultados de seus atos.Esse foi um período de experimenta-ção durante o qual os seres humanosforam ajudados, pois deixá-los entre-gues a si mesmos, nessa fase, seria pro-va de uma grande irresponsabilidade.

No umbral da maturidade, e isso énormal, uma grande parte dessa ajudadeixa de ser necessária. A grade deproteção formada em conjunto pelaIgreja e pelo Estado, as leis, as interdi-ções, as normas impostas e os valores

apregoados já não correspondem aograu de desenvolvimento que a huma-nidade conhece hoje em dia.

O indivíduo que sabe que é o hós-pede em um microcosmo carregadode experiências, deve fazer uma esco-lha: ou escutar o clamor do mundo, ouaprender a discernir, dentro de si, omurmúrio da lei do amor. Trata-se deuma escolha decisiva para o nascimen-to do homem-alma interior. A huma-nidade ingressou em um novo perío-do. A pergunta que agora se apresentaé a seguinte: seremos capazes de assu-mir a liberdade da maturidade? Emnumerosas circunstâncias, os sereshumanos se mostram ainda totalmenteirresponsáveis. Pensemos tão-somenteno meio ambiente e no comportamen-to geral da humanidade. Contudo, épreciso avançar; esta é a única saída. Oacúmulo de experiências forma, agora,uma base comum a um grande núme-ro de pessoas que, desse modo, podemescolher uma nova orientação da alma.Atualmente as possibilidades são maio-res do que nunca.

Os dois lados da experiência

A lei do carma apresenta ainda umoutro aspecto. Cada vez que alguém éconfrontado com as conseqüências deseus próprios atos, a lição é aprendi-da. É a lei de causa e efeito que permi-te que colhamos aquilo que semea-mos. Cada existência está ligada pormilhares de fios à vida precedente e àsoutras vidas. Dessa forma, o ser hu-mano é semelhante a uma marioneteque pensa que vive, mas que na verda-de é governada pelos seus cordéis. Eisto é válido tanto para o indivíduocomo para a humanidade como umtodo. As aspirações e as reações cole-tivas formam um imenso campo deforça sobre cada família, cada país,

cada povo, sobre todo o planeta. Essecampo exige continuamente ser ali-mentado por ações, pensamentos eemoções específicas.

A experiência oferece, por um lado,a possibilidade de uma escolha liber-tadora, mas traz, por outro lado,grande poluição atmosférica, que re-colhe ao celeiro tudo o que foi semea-do: temores, ódios, alegrias, júbilos devitórias. De tempos em tempos, umanova colheita é feita, e o fardo se tornamais pesado. A poluição do domíniomaterial nos dá provas disso. E a rodacontinua a girar... como as rodas deum caminhão patinando na lama.

Nossa época é muito rica em possi-bilidades como jamais anteriormente.Uns poucos anos podem ser suficien-tes para que os jovens de hoje atraves-sem as etapas pelas quais a humanida-de passou. Isso explica por que os

jovens, ricos em experiências acumu-ladas anteriormente, escolhem muitocedo o caminho do não-eu, o cami-nho da busca de um outro mundo, domundo da alma vivente, e seguem oprocesso do renascimento da alma.Ao mesmo tempo, a criança de hojeem dia, aberta e receptiva, está menosprotegida das influências do mundoque a cerca. Seu eventual desejo derenascimento da alma torna-se muitorapidamente “esquecido”.

O melhor método de educação éa amizade

O Trabalho da Mocidade da Rosa-cruz tem apenas um objetivo: garantira abertura da criança à vida da alma,cultivar sua admiração relativa a isso eajudá-la a reconhecer o bom caminho.

O dever dos adultos é proteger aconsciência infantil das influências quea atacam de todos os lados, para asquais ela ainda não possui um filtropessoal. É preciso, em todos os senti-dos, estar sempre próximo dela, poisas perguntas que ela faz para si são, naverdade, as mesmas que nos fazemos.Quando nos tornamos completamenteadultos, encontramos as respostas a es-sas perguntas, caso nossa aspiração te-nha permanecido viva. Assim, a crian-ça se reporta à maneira como o adultosoube administrar sua aspiração.

Durante os primeiros seis anos, oadulto é um modelo de referência paraa criança, que o imita. No decorrer dosseis anos seguintes, seu papel é esti-mular os ideais, as virtudes e os donsda criança. No terceiro estágio, apro-ximadamente entre os doze e dezoitoanos, o adulto deveria mostrar real e

sincero interesse por tudo o que o jo-vem empreende. A criança deve ser li-vre para se desenvolver. Não devemosnos imiscuir em sua evolução, nemrecorrer a castigos, a psicologia, ashumanidades, nem a sistemas educa-cionais. O melhor método de educa-ção é a amizade. Não a amizade basea-da em anti-autoritarismo, nem sob opretexto de uma pretensa igualdade –não há igualdade de pessoas – mas combase numa eqüidade. Em todo confli-to, a tendência é puxar o aguilhão doeu a fim de encontrar soluções, porémnão conseguimos assim uma eqüidade.

Esse modo de agir oferece à criançaa oportunidade de manter-se abertapara a vida da alma, pois aquilo queestá presente nela pode desabrochar etornar-se uma fonte de inspiração paramuitas outras.

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UUnnss ppoouuccooss aannooss ppooddeemm sseerr ssuuffiicciieenntteess ppaarraa qquuee ooss jjoovveennss ddee hhoojjeeaattrraavveesssseemm aass eettaappaass ppeellaass qquuaaiiss aa hhuummaanniiddaaddee ppaassssoouu..

Marcel Proust em busca do

tempo perdido

Estamos em contato com o mundoatravés de nossos órgãos de percepção,que nos ligam a ele e determinamnossa existência submetida a perpétuatransformação. Eis o que impede ohomem de apreender e reter o instan-te presente. Parece, entretanto, queacentuamos a fugacidade dos proces-sos vitais. Quem já não teve o desejode suspender a marcha do tempo?Ele, que, como o vento, varre tudo emsua passagem, só deixando as lem-branças? Mas será que estas duramrealmente?

arcel Proust (1871-1922) debru-çou-se incansavelmente sobre essaquestão ao longo dos sete tomos deseu romance monumental, Em buscado tempo perdido (ver ao lado), obramagistral que não é uma autobiogra-fia nem um romance sobre futilida-des, como poderia parecer à primeiravista. É um romance que contém cha-ves, pertencente à literatura moderna,no qual o autor explora os diferentesestratos da sociedade.

Inteligente e refinado por natureza,Proust começa por conseguir umlugar na alta sociedade, para final-mente consagrar-se apenas a seu tra-balho, de maneira quase ascética, oque foi, para as belas-letras mundiais,um ganho original e considerável.

Desde o ginásio, ele se interessa pelasrelações entre o corpo, a alma e oespírito. Ele recebe o “Prêmio deHonra de Filosofia”, e o trabalho queapresenta para seu pedido de admis-são na Sorbonne, uma grande univer-sidade em Paris, intitula-se A espiri-tualidade da alma.

Atrás das percepções sensoriaisencontra-se um mundo desconhecido

No livro Em busca do tempo perdi-do, o narrador Marcel, ao envelhecer,gostaria de rememorar sua infância.Apesar de mobilizar toda a sua vonta-de, ele permanece fixado num mesmofragmento envolto em profunda escu-ridão. O sabor de uma “madeleine”,um bolinho macio e delicado, mergu-lhado em uma xícara de chá de tília, éo que provoca, súbita e espontanea-mente, a reminiscência de um grandetrecho de sua vida, de dezenas de anosatrás. Os fatos se desdobram em umvasto panorama.

No desenrolar da narrativa, muitasassociações, independentes de suavontade e provocadas por diversassensações, confrontam-no com suainfância. Ao mesmo tempo, são ativa-das partes de seu ser que ele pensavater perdido de vista há muito tempo.Esses reconhecimentos são sempre

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M

Em busca do tempo perdidoMarcel Proust (Auteuil 1871 – Paris 1922)

Pelo lado materno, Marcel Proust nasceude uma família afortunada. Seu pai era umrenomado professor de medicina. Após terestudado Direito na Sorbonne, sem obterqualquer sucesso, ele se voltou para os estu-dos de filosofia.Em 1896, ele publicou uma coletânea emprosa sobre diversos assuntos. Em seguida,

escreveu um romance autobio-gráfico em três partes publicadoem 1952. Após a morte de seuspais (1905 e 1906), a asma, deque sofria desde a infância, agra-vou-se. Em razão disso, ele seretirou da vida mundana dedi-cando-se inteiramente à sua obramaior, Em busca do tempo per-dido, dividida em quinze volu-mes. Além de uma autobiogra-fia romanceada, trazendo à cenanumerosas pessoas de seu círcu-lo, Proust fez um paralelo entreas diferentes camadas sociais emque é possível ver, pouco a pouco,a diferença se tornar menor. Emtorno do personagem principal,Marcel, que pode ser considera-do o reflexo do autor, gravitauma sociedade em processo dedecomposição. Somente a arte,em sua visão, permanece cria-dora. A criação literária é umtema importante no livro. Embusca do tempo perdido é ahistória de um jovem, Marcel,que faz sua aparição no grandemundo da aristocracia, da arte

e do amor. Mas é também a narrativa dadesilusão: os membros dos círculos da altasociedade são desmascarados pouco a pouco:eles são hipócritas, insensíveis e imorais.Somente a arte não é desonrada. Em buscado tempo perdido é também o conto deuma vocação artística: após muito vaguearnos círculos mundanos, Marcel, na últimaparte da obra, O tempo reencontrado, 1927,descobre sua missão como escritor.

Retrato de Marcel Proust pintado por

Jacques Emile Blanche, 1892.

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vividos como uma felicidade extática,aérea. Comparados a eles, os esforçosvoluntários para reencontrar a memó-ria só levam a lembranças limitadas efragmentárias.

Tomado por essas lembranças ines-peradas que ele deseja preservar,Proust decide fazer uma investigaçãoprofunda, que registrará com o obje-tivo de criar uma obra literária. Anovidade do empreendimento resideno fato de que o escritor utiliza umnarrador como sujeito do processo decriação, e o subordina à sucessão das

modificações da experiência.Através da simples exploraçãode sua vida cotidiana, Proustdescobre nele um aspectoinsuspeitado que tenta traduzirguiando o narrador até a fonteverdadeira de seu ser interior: o“tempo perdido” que ele en-contra no “instante impromptu(irrompido)”. Assim, ele vê ahumanidade como uma unida-de e capta a ligação de todos oshomens entre si. O emprego daprimeira pessoa do singularcorresponde, de preferência, aum “nós”, cada indivíduo tra-zendo, entretanto, sua própriacontribuição ao conjunto.

As fronteiras do tempo,do espaço e da linguagem

Proust começa por mostrar oslimites aos quais o homem estásubmetido, seu aprisionamen-to em um mundo bipolar, gera-dor de falsidade e de confusão.Ele desmascara este campo devida espaço-temporal no qualjá nada é sagrado, e isso o con-fronta com os limites de seupensamento, de seus sentimen-tos, de seus atos, e até mesmode seus escritos. Em relação

aos escritos, ele não elabora nenhumateoria; simplesmente deixa-os fluir emtoda a sua beleza. Com eles, Proustinfluencia, até hoje, não somente asletras, a filosofia, a arte, mas tambéma historiografia, que, fundindo-se noencadeamento “lógico” de aconteci-mentos, encontrou-se questionadapelo romance inovador: apesar dointenso esforço de concentração doartista – e ele cria o máximo que podeser descrito com palavras – o resulta-do continua insatisfatório. A expres-

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são das lembranças não é confiável. Ointervalo entre a reminiscência, o pró-prio acontecimento e a escrita opõem-se a isso. A corrente ininterrupta daexistência exclui o retorno do aconte-cimento.

Apesar de sua desconfiança em re-lação à linguagem enquanto “instru-mento da ilusão”, Marcel Proust, comseu estilo magistral, descreve a essên-cia da cortesia. Ele tenta “transcreverum universo perfeitamente definível”.No interior da estrutura circular deseu romance, tudo é movimento con-tínuo, nada está em repouso. Como aáguia que descreve círculos em seuvôo, a linguagem persegue tudo o quepode ser escrito; ela parece levar osacontecimentos onde quer atingi-los,depois recua antes de apontar paraalgo totalmente diferente. As profun-dezas desconhecidas das almas sãoiluminadas de todos os lados, inclusi-ve nas relações mútuas onde estãoenredadas. O homem é comparado aum grande receptáculo no qual asmais diversas energias tentam predo-minar. A projeção das imagens refleti-das não tem nenhum interesse, pois asduas polaridades da natureza são ape-nas o reflexo uma da outra. A ativida-de dos sentidos está ligada a uma certainércia da vontade, enquanto o aspec-to espiritual se afasta de tudo o quenão possui um poder de reflexão. Pormais vasto que seja o espaço tridimen-sional, ele sempre terá limites. Assimcontinua a Odisséia.

A modificação das percepções

Proust descreve em uma parábola omodo como o narrador experimentaprimeiro um nível mais elevado, antesde tocar o fundo mais negro. Lá seproduzem associações fortuitas edolorosas, até que ele reencontra

incontáveis lembranças espontâneas efelizes e pode continuar explorandosua memória.

A experiência decisiva é o episódioda “pequena madeleine”: num jantar,no inverno, sua mãe lhe serve umaxícara de chá de tília, símbolo da ter-nura, acompanhada de um deliciosobolinho em forma de concha. Derepente, abre-se nele a porta de ummundo ao qual aspirava intensamen-te, mas que pensava ser-lhe proibidopara sempre. Ele é preenchido de umagrande alegria que “de um só golpetorna incongruentes as vicissitudes davida e as catástrofes, banais”. Na se-qüência da narrativa, ele mede os mo-vimentos do coração que o dominam:a dilaceração, o conflito com a morte,a perda de toda ilusão, processo dolo-roso, mas inelutável, sem o qual nãopoderia haver desenvolvimento inte-rior.

A felicidade que buscou em vão,quer seja misturando-se aos aristocra-tas, ao amor ou à arte, o narrador en-contra, finalmente, em si mesmo. “Aessência irrompida dá, só ela, o poderde encontrar o tempo perdido.” A viaque conduz à “vida real” é um via detransformação fundamental de nossadisposição interior e de nossas per-cepções, em oposição ao egocentris-mo, à paixão, ao intelectualismo, aos

“Justamente no momento em que tudo parece perdido,chega-nos um sinal salvador.Fechamos todas as portas que não levavam a lugarnenhum, mas a única que permite entrar e que buscamostoda a nossa vida, em vão, nela batemos, um dia, sem osaber, e ela se abre.”

“As anotações nas

margens e as provas

de correção estavam

recobertas de

correções e de

fragmentos de textos

tirados de outros

lugares, os paperoles.

Tarefa pouco invejável

para redatores e

tipógrafos que

deviam decifrar

esses muitos

acréscimos.”

Terence Kilmartin

Bibliothèque

Nationale de France.

hábitos. O que, à primeira vista, podeparecer um fracasso, revela-se final-mente um êxito, pois somente a mortedas ilusões abre a porta a novos pode-res e permite vencer “a força aniquila-dora do esquecimento”. É o “outroeu” que se lembra, que tirou a foto eobtém dela um negativo inexplorado.

O livro interior e olivro exterior

Proust faz uma distinção entre averdadeira arte, o artista e o artesão.Na arte autêntica, a realidade purapreexiste à realização da obra; domesmo modo, o romance preexiste namente do autor, muito tempo antesque ele se ponha ao trabalho. Mas ésomente no fim, depois de três milcento e cinqüenta páginas, que apare-ce o esquema diretor do livro. O nar-rador, o artesão, em contínua trans-formação, revela as múltiplas facetasde sua personalidade, sem que o lei-tor, ou ele mesmo, possam distinguiro núcleo central. No decorrer do ro-mance, a centragem própria do autor,do artista, se desloca. Do início aofim, ele não é idêntico a si mesmo.

O empreendimento literário deProust é totalmente inédito. Ele mos-tra que a vida se desenrola em doisníveis: o “eu verdadeiro”, que se man-tém secreto, sem vontade egocêntrica,e o outro, encarnado na pessoa deMarcel, que tenta penetrar o primei-ro, porém sente a falta de impulso desua própria vontade.

O ponto de intersecção entre o li-vro exterior e o livro interior situa-securiosamente, tanto nos volumes co-mo na história, exatamente no meiodo sétimo tomo. O escritor não seconsidera o criador, porém o leitor e otradutor de seu livro interior, impre-visto. Ele abandona a si mesmo, aban-

dona seu ateliê e seu tempo ao outrotempo, o instante irrompido, e a issoele deve dar forma. O autor serve demorada (temporária), como forma,para o Espírito: conteúdo e formatornam-se idênticos.

Ao mesmo tempo, a obra deve ser-vir ao leitor de “lupa para ver o que deoutro modo ele não poderia ver. Naverdade, o leitor faz uma leitura de simesmo”.

Apesar da amplitude da obra, Proustdeixa o leitor inteiramente livre. Cadaum pode decifrar o modo como serealiza, nele, o novo. Damo-nos contadas enormes possibilidades que “oautor interior” põe à disposição doartesão, por pouco que este queirasoltar sua garra de tudo o que o estor-va. Chegamos sempre a um limite apartir do qual aspiramos a uma liber-tação, e compreendemos que nãosomos nós, mas o espiritual em nósque sustenta o processo.

Tempo e consciência

O universo do qual Marcel Prousttentou fazer o inventário em quatromil páginas deixa uma profundaimpressão. O distanciamento com oqual descreve “o lugar em expansãodesmedida” que o homem ocupa notempo, ilumina um mundo que pode-mos abarcar em seu conjunto, encer-rado em si mesmo, e do qual vemosfacilmente a estreiteza. Podemos ver apouca amplitude que separa os doispólos. Cada “pró” coloca em cena um“contra”, cada ilusão traz uma decep-ção, e todas as ilusões reunidas sãocomo as expressões cambiantes de ummesmo rosto.

Todas as experiências concorrempara o desenvolvimento da consciên-cia. A confluência do tempo e da eter-nidade faz supor um novo encadea-

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mento. Voltando para a essência, paraa fonte do tempo, o viajante se man-tém no umbral do tempo exterior.Agora que o livro oculto foi escrito, otempo toma todo o seu sentido. Foi aprópria vida que escreveu o livro,com a idéia vivente que está detrás detodas as coisas. Nesse processo, hámuitos estágios intermediários quecorrespondem a elementos dessaidéia. A consciência purificada, a novaalma, desperta para um nível superiora idéia que é inapreensível.

Uma nova dimensão do tempo

Marcel Proust descobriu uma novadimensão do tempo, o instante irrom-pido (ou le Temps com maiúscula!), otempo que sempre esteve presentenele. A ligação entre passado, presen-te e futuro é posta de lado, porque otempo supostamente perdido está evive no eterno “agora”, sempre viven-te, porém sempre oculto sob umadébil existência aparente. Aquele quecontinua a procurar essa existênciaaparente perde seu tempo, desperdi-ça-o. A morte, tão temida até então,perde seu sentido à luz do “tempopuro”. Mesmo assim, continua o de-sejo de morrer, como o grão na terra,para que a planta possa viver. É preci-so que a compreensão leve ao silêncio,ela que foi falseada pelo livro interior– a edição original – a fim de que ocoração purificado e aberto assuma adireção.

Somente quando abandonamos aantiga vontade é que entramos noestado de alma vivente, na quartadimensão; o sexto sentido desperta, aintuição se concentra na vontade uni-versal, que se tornou una com o pen-samento macrocósmico, a onicons-ciência. A memória espontânea seharmoniza com a memória intencio-

nal. Uma nova orientação do entendi-mento permite a ativação do verda-deiro pensamento: o sétimo sentido.

Doravante, o artesão, em sua incan-sável construção, pode alcançar, dire-ta e imediatamente, a expressão de“uma nova realidade” que se refleteno grande espelho do Espírito.

FONTE:

Proust, M., À la recherche du temps perdu.

Paris: Bibliothèque de la Pléiade, 1987-1989. 4

tomos.

Hoje em dia é possível fazer uma via-gem organizada pelo deserto. Geral-mente as pessoas voltam de lá entu-siasmadas. Desertos são lugares ondepredomina uma atmosfera muito es-pecífica. Podemos ser fortemente mu-dados por tal viagem. Lá encontra-mos o sentido da relatividade das coi-sas e da verdadeira razão da vida.

o entanto, alguns vivenciaram odeserto sem tê-lo desejado de modoalgum. Um dia, eles se encontraramencalhados num deserto, desprovidos

de água, ignorantes dos meios de so-brevivência sob circunstâncias seve-ras, privados de beduínos que pudes-sem socorrê-los.

Até aquele momento, essas pessoastinham levado, como todas as outras,uma vida com altos e baixos, escalan-do montanhas interiores e atravessan-do vales profundos.

Se havia um lugar que eles não bus-cavam era exatamente o deserto. E, noentanto, era lá que estavam: a paisa-gem, inicialmente uma visão cativan-te, torna-se desnuda e morta; uma luzimplacável assola extensões infindas.

Tudo que podemos aprender no deserto

28

N

Ilustração

de Saint-Exupéry,

O pequeno

príncipe.

Um frio gélido sucede a um calor tór-rido. Aquilo que fora buscado comentusiasmo e parecia um quadro ma-ravilhoso prova ser somente uma mi-ragem.

Essa percepção relativa ao deserto éanáloga à fase da vida em que o mi-crocosmo está saturado de experiên-cias acumuladas por todas as persona-lidades que, no decorrer de períodosinconcebivelmente longos, deixaramseus rastros. Toda espécie de quimerafoi perseguida, belas e menos belas. E,de repente, elas desapareceram.Quem reconhece uma miragem comotal não a segue mais.

Geralmente os habitantes do deser-to não vivem em seu interior, mas nosvales férteis, no sopé de cumes res-plandecentes. O viajante extraviado,ele sim, encontra-se completamentesó em meio às areias que lhe corrementre os dedos.

O que fazer então, quando, consu-mido pela sede, é preciso encontrarágua, alimento, abrigo? Onde procu-rá-los? Não há um caminho que levea eles, e todas as regras ficaram agoradesprovidas de sentido.

Privado de qualquer sinal, o viajan-te olha à sua volta. É o olhar de al-guém que procura auxílio interior... Eo milagre acontece: ele recebe ajuda.Na fria noite do deserto, o viajantenota que a cintilação das estrelas émais pura do que nunca e que pode seorientar por elas. Ele descobre pontosde água e encontra beduínos que oauxiliam. A partir de seu interior eleencontra, no exterior, aquilo de queprecisava. Seus amigos de outrora jánão o compreendem, pois eles nãoatravessaram o deserto. Mas ele vaiencontrar outras pessoas, que passa-ram pela mesma experiência no de-correr de sua vida, segundo a lei“semelhante atrai semelhante”.

O essencial é invisível

Antoine de Saint-Exupéry, o au-tor de O pequeno príncipe1, faz seuprotagonista dizer: “O essencial éinvisível aos olhos”. Mas os olhossão cegos, “só vemos bem com o co-ração”. Só podemos ver com o cora-ção? Como pode alguém ver com ocoração?

Assim como os outros sentidos, oolho registra uma impressão domundo circundante. O exterior setorna interior. Os sentidos são por-tas; o coração e a cabeça são caixasde ressonância. Isso significa que ossentidos estão, portanto, em íntimarelação com o entendimento e asemoções. Poderíamos comparar ossentidos com antenas, o coração e acabeça como telas de projeção nosquais a imagem é recebida e depoistransmitida. Por isso podemos dizerque vemos com o coração.

O coração é considerado a sededos sentimentos. Por meio do cora-ção sentimos felicidade, alegria e de-sejo. Mas também pesar, tristeza,solidão. Ele é o foco de nossas aspi-rações, de nossos desejos e de nossasemoções. Pode o coração ver distin-tamente quando está inundado dealegria e de tristeza, ou transbordan-te de desejos insaciados?

No decorrer de sua narrativa,Saint-Exupéry muda com freqüên-cia seu nível de observação. Quandodescreve uma situação banal ou umevento, ele nos leva a uma outra di-mensão, onde vemos as coisas comum novo olhar.

O narrador e o pequeno príncipeestão no deserto, o deserto da vida.Depois do acidente de avião nasareias, o piloto olha à sua volta comuma nova acuidade. Não sabemosexatamente o que aconteceu, mas

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sua aterrissa-gem forçada oimpressionougrandemente.A solidão dodeserto inten-sifica sua vidainterior. Ele

ouve uma voz doce, a vozsuave de uma cândida criança, umpequeno príncipe de coração puro,que fala do planeta e da flor que dei-xou para trás.

O conto é uma expressão da poesiauniversal, a mesma linguagem que fa-la sobre o naufrágio da existência, aaterrissagem forçada que leva ao si-lêncio da solidão. No silêncio da so-lidão podemos perceber o fraco mur-múrio da eternidade: a vibração qua-se inaudível, onipresente, oniscientee que contém tudo. Ela é a força degerminação da semente divina que onome e a voz do pequeno príncipepersonificam. Numa linguagemquase poética, Saint-Exupéry des-creve o crescimento dessa florextraordinária que cresce no planetado pequeno príncipe: “… mas a flornão acabava mais de preparar-se, depreparar sua beleza, no seu verdeaposento. Escolhia as cores com cui-dado. Vestia-se lentamente, ajustavauma a uma suas pétalas. Não queriasair, como os cravos, amarrotada.No radioso esplendor da sua beleza éque ela queria aparecer”.

E o pequeno príncipe ajuda-a adesabrochar. Numa situação crítica,no silêncio e na solidão do deserto,uma tal imagem pode surgir comouma reminiscência profundamentearraigada. O pequeno príncipe é ointérprete da ressonância da nature-za divina original. E o homem éuma estrela no firmamento divinoda vida.

O silêncio salutar

Todas essas coisas são invisíveis aosnossos olhos exteriores. Elas se proje-tam no coração e são vistas pela almaquando seu olho está calmo. Por issoé dito: “Sede silenciosos”.

A respeito disso J. van. Rijcken-borgh escreveu em A arquignosisegípcia: “estar silencioso refere-se aum determinado estado do coração”,quando o coração se tornou comoum mar calmo, sua superfície lisareflete as impressões divinas que lhechegam e as reenvia para a cabeça.Assim colaboram o coração e cabeça.[...] Se o coração está cheio de medoe dividido, o organismo sensorial tra-balha de modo absolutamente im-preciso e desregrado. Então será im-possível ver e avaliar pessoas e coisascom clareza”. 2

Comparar o coração com o mar écomovente. Comparar o movimentoda alma com ondas que se formamsem cessar. Exatamente como o pen-samento que nunca encontra repousoe nunca realmente está imóvel. Oesplendor da imagem divina, segundoa qual nós fomos criados, brilha comoo sol acima do mar; seu reflexo sedivide em miríades de centelhas, masjamais alcança as profundezas en-quanto há a menor agitação. Então,“sede silenciosos”.

Na calma e no silêncio, o coração setorna um olho que vê realmente. Masele não vê as mesmas coisas que nos-sos olhos de carne. São as radiaçõesdivinas que tornam visível a imagemdo divino em nós. Uma vibração deluz transmutada se revela a nós. Essaé a oferenda de Cristo que chama ohomem e o auxilia a cada passo.

Como apaziguar o mar? Como en-trar no silêncio do coração? Pela ren-dição, voltando-se para a luz divina, o

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Em 1994, os

correios franceses

editaram um selo

em homenagem

ao autor do seu

mais popular

livro infantil.

sol divino, e deixando os remoinhosdo campo de vida terrestre pelo queeles são. Além da atração e da repul-são, há um outro aspecto no homem:a neutralidade, a abertura, que nãogera nenhum encadeamento de causae efeito. A solução não consiste emmanter o equilíbrio entre os doisaspectos da personalidade, mas emescolher o terceiro. Essa é a grandemudança!

Uma nova estrutura de linhas deforça aparece; a idéia divina se tornauma realidade vivente. A semente nocoração desabrocha numa rosa, poisela já continha a flor. A germinaçãodesenvolve-se segundo essa estrutura,mas é preciso oferecer-lhe espaço.

Essa é a verdade à qual o pequenopríncipe nos remete: “Os homens...cultivam cinco mil rosas num mesmojardim... e não encontram o que pro-curam... E, no entanto, o que elesbuscam poderia ser achado numa sórosa... Mas os olhos são cegos. É pre-ciso buscar com o coração”.

1 SAINT-EXUPÉRY, A. d.,

O pequeno príncipe. 48 ed, 17 impressão.

Rio de Janeiro: Agir, 2005.

2 RIJCKENBORGH, J. v.,

A arquignosis egípcia, 1a ed, São Paulo:

Lectorium Rosicrucianum, 1984, t.1,

capítulo XXIX, p. 268, 269.

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No coração do deserto de Gobi

A metáfora do deserto tem outro alcance. Em seu livroA Fraternidade de Shamballa, J. van Rijckenborghexplica que a Fraternidade de Shamballa se mantémno coração do deserto de Gobi como sobre uma ilhainviolável no oceano do mundo, protegida por forçasque não permitem a entrada de pessoas não-autoriza-das. Desse lugar, que pode ser indicado geograficamen-te, provêm para o mundo impulsos e auxílios em formade radiações invisíveis.É impossível alcançar Shamballa com a vontade pes-soal. É preciso atravessar o próprio deserto interior,pela endura, pôr um fim à vontade egocêntrica, entre-gar-se à vontade de Deus, que conduz às portas doReino no coração e, ao mesmo tempo, ao coração do Gobi.A aproximação se efetua graças à purificação e à sub-missão à meta sagrada.O coração é uma ilha irradiante, um lugar onde sãorecebidos os impulsos e as inspirações da luz que irra-diam no ser inteiro e emanam de nós com a condiçãode que não as obstaculizemos. Devemos nos submetera elas totalmente em um processo de perecimento doeu: uma capitulação voluntária, pela qual o homemverdadeiro pode surgir novamente. Tal como a rosa deJericó, uma verdadeira flor do deserto, que pode per-manecer muito tempo sem receber água, com a aparên-cia de uma planta feia e inanimada, mas que desabro-cha com a primeira gota de chuva. Seu nome científicosignifica: que revive pela umidade, portanto, renasci-mento. Aquele que de repente compreende que estánum deserto não está longe da verdadeira vida, comopode lhe parecer, mas está perto do desabrochar da rosae da vida desejada por Deus. Assim também é o deser-to cheio de simbolismo, milagres e possibilidades.Bibliografia

RIJCKENBORGH, J. v. e PETRI, C. d., A Fraternidade de Shamballa. 2a edição. São Paulo;Lectorium Rosicrucianum, 1982.

“Quando a experiência me ensinouque todos os eventos comuns da vidasão vãos e fúteis, vendo que tudo oque, para mim, era causa ou objeto detemor não continha nada de bomnem de mal em si, mas na única medi-da em que a alma fora comovida, de-cidi finalmente pesquisar se não exis-tia um bem verdadeiro e que pudessese comunicar, algo cuja descoberta eaquisição me procuraria para a eter-nidade o gozo de uma alegria supre-ma e incessante...”

ssim inicia Espinosa em seu Trata-do sobre a reforma da razão. Em se-guida, ele pondera em seu Coração (ocoração purificado, o Nous, a alma-espírito) sobre a possibilidade de umanova organização da vida. Em suaintrodução, ele apóia suas considera-ções nas reflexões de seu Coração pa-

ra ir em defesa “do amor de algo eter-no e infinito”, porque o amor da almaleva à alegria e desconhece a tristeza.

A eternidade e o infinito são tam-bém como Espinosa define Deus,definição que ele salienta em suaÉtica, onde fala do “infinito absolutoou perfeito ser”. Ele afirma que o fatode atribuir a Deus mãos, pés, olhos,ouvidos, assim como a faculdade demudar de lugar, é uma forma impró-pria de falar sobre Ele, mesmo queseja em um livro de sabedoria!

O amor, para o infinito absoluto ouperfeito ser, que é a eternidade, é ser-vido pela “razão” pura e pelo mentalpuro, de acordo com Espinosa. En-tão, a alma será preenchida apenas porsentimentos de alegria e de anseio.Essa é uma notável associação entre arazão – como mentalidade pura – e oamor. Na verdade, ele nos esclarece,podemos manifestar o amor de Deus

A via íngreme

Hermes e Espinosa: O Coração e a Razão

32

A

somente com o terceiro aspecto doconhecimento, o poder supremo daRazão.

O papel do Coração

O Coração desempenha, portanto,um papel importante: não somente épossível nos aconselharmos atravésdele como ele nos faz refletir; o Cora-ção é o centro a partir do qual apren-demos a obedecer a Deus. Espinosafala de um consentimento necessáriodo Coração para obedecer a Deus emjustiça e amor. A liberdade de expres-são e a diversidade de opiniões estão aserviço do amor, sendo o Coração oinstrumento de verificação de todadoutrina. A liberdade da razão e daação constitui o ponto de partida daobediência a Deus.

“Cada um é... preso a essas doutri-nas da fé para assimilá-las com suacompreensão e interpretá-las para simesmo, para que encontre a maisconfortável, para poder aceitá-la, semuma dúvida sequer, porém com ototal assentimento do coração, demodo que ele obedeça a Deus com atotal adesão do coração.” O Coraçãoé, portanto, o instrumento pelo qualcompreendemos a Deus e obedece-mos a Ele, e a Razão, o instrumentopelo qual O amamos. Evidentemente,um não pode existir sem o outro, poissãos pólos da mesma “mônada”.

O Coração, no hermetismo

Segundo Hermes, o Coração estáencerrado em Pimandro. Ele é o serque é por si mesmo. Quando refletiusobre o essencial, o Coração tem umpapel muito importante no processode aprendizado.

Hermes descreve o processo noqual os sentidos físicos são deixados

para segundo plano e o Coração,Pimandro, se revela na glória do dis-pensador do conhecimento do mun-do da Luz. No versículo dezenove,Pimandro diz a Hermes: “Dirigeagora o teu coração para a Luz econhece-A”.

A intervenção de Pimandro temconseqüências incríveis, pois imedia-tamente Hermes constata: “...vi, emmeu Nous, como a Luz, composta deinumeráveis potências, converteu-senum mundo realmente ilimitado,enquanto o fogo era cercado e domi-nado por uma força muito poderosae, assim, posto em equilíbrio”.

Vemos que para Hermes todos ossentidos físicos adormecem comocondição para um novo começo,enquanto para Espinosa isso acontecepor causa do entendimento profundoque ele adquiriu após reflexão sobre afutilidade da existência. Ele se distan-cia do mundo, de sua honra e dos pra-zeres sensuais, pelo fato de as alegriastrazidas por esses três freqüentemen-te se transformarem em aflição.

Para aproximar-se dessa “infinitaalegria” é necessário já não amar oque é transitório. Esse amor só causadisputas, ódio, ciúme, temor, decep-ção, pesar e outras “emoções”.

Somente então Espinosa orientaseu amor para a eternidade e o infini-to; e logo constata que “não consegueexpulsar toda a cobiça, sensualidade eambição”, e apesar de “no início osmomentos [de reflexão consoladora]serem raros e fugidios, na medida emque eu aprendia mais e mais seu ver-dadeiro ensinamento, eles se torna-ram mais freqüentes e duradouros”.

Para ele, Deus não é o criador to-do-poderoso que formou o mundo apartir do nada. Ele não é o ser quetraça os planos, tem objetivos, tomadecisões, como uma providência que

A vida universal

sétupla. Hugues

Coutin, pintura

sobre madeira.

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rege a natureza ou que cuida dos ho-mens. O mundo não é o produto deuma decisão divina de criação. Deus,de acordo com Espinosa, é uma reali-dade infinita de onde fluem, segundoleis internas, todas as formas de exis-tência; a expansão, ou tudo que oespaço contém, pertence à essência deDeus. Espinosa sabia que se distancia-va das idéias geralmente admitidas,exceto das baseadas na filosofia her-mética. Em uma carta dirigida aosecretário da Sociedade Real de Ciên-cias de Londres, ele escreveu: “Eudeclaro que alimento em relação aDeus e à natureza uma opinião muitodiferente daquela que defendem oscristãos de meu tempo”.

Deus não cuida das pessoas; éimpossível para Espinosa. Deus não éuma pessoa. Não seria correto pensarque Deus tem mãos e seria absurdoorar e implorar a Deus em prol dopróprio interesse ou para um adianta-

mento pessoal, pois um Deus que res-ponda isso não existe. Espinosa pensaque o egoísmo não torna a pessoafeliz: “Só estar ocupado consigo mes-mo não traz felicidade”, porque é al-go contrário à felicidade verdadeira.Contudo, podemos amar a Deus econstruir uma relação íntima com Ele.Como Hermes, ele pensa que a orien-tação deve vir do interior, em confor-midade com a vontade de Deus.

A alma afogada

Em um texto hermético, encontra-seesta explicação: “Nos seres sem razão,o coração é a natureza”. Por naturezaentende-se tudo o que se relacionacom as “paixões” físicas e psíquicas,ou, como eram chamadas no séculoXVII, as “emoções” e os “sentimen-tos”, pelas quais a alma recebe ime-diatamente tudo o que é velho quan-do eles penetram o corpo. Ela é ator-mentada pela cobiça e pela dor quecorrem como a lava, onde afunda e seafoga. Encontramos a mesma imagemno Corpus Hermeticum traduzido noséculo XVII conforme segue: “Aalma se afoga nos fluidos vitais”.

Na época de Espinosa, a palavra“prazer” era compreendida com obje-tividade; não era ainda estigmatizadapela moral burguesa. O prazer eraconsiderado como pertencente aoplano natural, a ser incluído no grupodas paixões.

Espinosa não menciona diferentesordens de natureza, porque Deusinclui a natureza em Si mesmo. Ofilósofo examina com uma lupa aspaixões e as emoções, entre as quais oprazer e o apego aos sentidos, e as dis-seca com precisão cirúrgica. Ele vê anatureza humana como um campo deforças antagônicas. Esse campo detensão, que encerra os centros da afe-

Baruch de

Spinoza. Gravura

anônima do

século XVIII.

34

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tividade, das emoções e dos desejos, épredominante, e a razão tem poucodomínio sobre ele.

Esse é nosso estado natural. Vemosa força dos sentimentos e dos desejosmanifestar-se ao longo da históriahumana, mas também exercer-se nohomem, em um nível mais profundo.Tudo isso é coberto pelo conceito“prazer”.

Os castigos pelas paixões humanas segundo Hermes

No livro XIV de Hermes, Discursosecreto sobre o monte, Tat faz a per-gunta: “Tenho, então, em mim, moti-vos para ser castigado, Pai?” À qualHermes responde: “Não poucos, meufilho, assustadores e numerosos!”“Eu não os conheço, Pai”.

“Essa ignorância é, ela mesma, oprimeiro castigo, meu filho; o segun-do é dor e aflição; o terceiro, inconti-nência; o quarto, desejo; o quinto,injustiça; o sexto, ganância; o sétimo,engano; o oitavo, inveja; o nono, astú-cia; o décimo, cólera; o décimo pri-meiro, irreflexão; o décimo segundo,maldade. Esses castigos são doze emnúmero, porém entre esses há nume-rosos outros que, mediante a prisãodo corpo, pela natureza forçam ohomem a sofrer pelas atividades dossentidos.”

A sabedoria de Hermes liga intima-mente o sofrimento à sujeição pelaspercepções sensoriais e pelas paixõesnegativas. Quanto a Espinosa, eleexplica a maneira pela qual o homem,sob o domínio das emoções negativas,só sabe dar-lhes livre curso. O fato deser acorrentado às percepções senso-riais é um entrave ao saber supremo,ao exercício da razão, que é a passa-gem obrigatória do acesso à liberdade.Somente o saber supremo, a Razão,

permite sentir a felicidade das aspira-ções superiores: “a alegria marca apassagem do estado de fraquezacomum ao da realização superior”,explica o filósofo em sua segundadefinição das emoções.

Ele mesmo se regozija muito pelofato de a religião fundamentada narazão seguramente conduzir à verda-deira iluminação. Ele demonstra quequem alcança conscientemente umnível aceitável de razão e de moralestá em condição de experimentar osupremo anseio e a suprema alegria.

Vivendo da razão

Espinosa não situa o ser humanono mesmo lugar que Hermes. Esteúltimo diz: “O Nous está em Deus, arazão está no homem. A razão está noNous e o Nous é insensível ao sofri-mento”. Para o pensador holandês, ohomem não existe independentemen-te do Outro, da natureza, isto é deDeus. Ele é alicerçado nesse Outro. Oconhecimento supremo decorre darazão, por meio da qual Deus estabe-lece um contato com o homem.

Espinosa não tem em grande esti-ma as pessoas que não são regidas pelarazão, que só apreendem o mundopelas suas percepções sensoriais e cujaalma dolente está sujeita às paixões eàs emoções. É preciso, contudo, fazerdistinção entre emoções e sentimen-tos. O neurologista americano Anto-nio Damásio disse recentemente: “Asemoções podem nos levar ao crime,enquanto os sentimentos nos prote-gem deles”. Para esses homens, Espi-nosa vê, apesar de tudo, uma novaperspectiva, a da “via íngreme” comoele a chama: podemos voltar a subir aescarpa, vivendo segundo a razão,pelo conhecimento que permite ado-rar a Deus em verdade.

Mas, para isso, é preciso renunciarà cultura das emoções que, há milê-nios, mantém as civilizações sob seujugo: já não se deixar governar porangústia, medo, cólera, ambição, vin-gança, ciúme; aliviar a alma dessespesos que a afastam de sua missão;purificar o coração segundo o conse-lho de Hermes, mantendo-se “nocentro para obedecer a Deus”.

Assim, é preciso se afastar de refle-xões do tipo: “Afinal, a cólera não éalgo tão mau... É preciso de vez emquando mostrar os dentes; não é bomreprimir as emoções”.

Fora o fato de que a repressão dasemoções pode ter efeitos nocivos,vemos hoje cada vez mais a tendênciaà exteriorização. O que leva a pensarque a repressão pode ser, às vezes,uma reação positiva e salutar.

Não são somente as aranhas e osescorpiões que secretam veneno. Acólera também destila veneno. Nãodizem: “Fiquei tão envenenado comtudo...”? O veneno da cólera danificaas estruturas sutis do Coração, desselugar central onde podemos ouvir aDeus. Muitas catástrofes no mundosão causadas por pessoas persuadidasde que é uma cólera santa que osanima e os autoriza a cometer crimes.Se existe algo que não é santo, ou quenão torna santo, é a cólera. Hermesdá, em relação a essa questão, a maisimportante chave para a imortalidade:“Nunca mais se irar”. Espinosa,igualmente, considera a cólera comouma emoção especialmente negativaque leva ao ódio e prejudica osoutros.

A mudança fundamental é aprópria ligação com a razão

Como empreender a mudança fun-damental? Como Espinosa vê a as-

censão da via íngreme? Como proce-der a uma purificação interior?

Na proposição 37 da Ética (4ª par-te), ele diz: “O bem que alguém quepratica a virtude deseja para si mes-mo, desejará também para os outroshomens, e mais ainda por ter ele ummaior conhecimento de Deus”. Oelemento decisivo situa-se na vidacotidiana. O centro em torno do qualnossa vida se organiza é determinantepara a alma, para sua ligação espiritualpotencial e para a supressão dos obs-táculos no caminho íngreme a ser per-corrido.

A razão e as más emoçõesexcluem-se mutuamente

O ponto de partida está no pensa-mento e no seu raciocínio, segundo alógica rigorosa de Espinosa. O sábionão deixa sua paz interior ser pertur-bada por nada; ele permanece em per-feita serenidade. Quanto mais sedeixa governar pela razão, mais suasemoções são estáveis e sem mistura.Ao passo que o homem que se deixadominar pelas emoções priva-se to-talmente do exercício de sua razão.

O filósofo é categórico: o que eleafirma é demonstrável. Sua visão clarae seu estímulo para a ação compelema escapar do jugo das paixões e dosofrimento. Como dar o próximopasso nesse caminho difícil? Comomanifestar seu amor a Deus e a seupróximo?

Sua posição é inequívoca: Espinosapreconiza um caminho altamentereligioso e cristão.

Na Ética, Espinosa consagra ocapítulo intitulado “Do poder da ra-zão ou da liberdade humana” a de-monstrar o poder que a razão exercesobre as emoções do coração. No en-tanto, permanece a questão de saber

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como sair da sujeição às emoçõesquando não se é governado pela ra-zão. Como aquele que está incessan-temente dominado por suas emoçõespode encontrar a força para se libertardas paixões? No capítulo “Da servi-dão humana”, Espinosa explica que opoder do homem é extremamentelimitado e sempre inundado pelainfluência das coisas exteriores.

Basta ver como, em nossos dias,esses estados de alma nos impedem deprogredir interiormente em direçãoao homem verdadeiro, em direção aoestado de sabedoria ideal descrito porEspinosa. No momento atual, os pro-gressos tecnológicos fornecem mui-tos meios de escravização e de domi-nação do homem pelas “coisas exte-riores”.

A compreensão é a verdadeirapanacéia

O único remédio para curar as pai-xões é ter delas uma “idéia clara e jus-ta”, uma justa compreensão, uma vezque o espírito não tem outro podersenão o pensamento e a formação derepresentações adequadas (proposi-ção 3, Do poder da razão).

A verdadeira compreensão é, por-tanto, a panacéia, asserção que encon-tra sua origem no hermetismo. ParaHermes, a compreensão também temligação com a fé: “Porque compreenderverdadeiramente é possuir fé vivente,enquanto a ausência de fé é ausênciade compreensão” (livro 11, versículo25, Sobre a mente e os sentidos).

Neste século XXI, gostaríamos,apesar de tudo, depois desse excelenteremédio prescrito por Espinosa, dereceber mais alguns conselhos deordem prática. Como fazer então,quando sofremos as doenças da alma,para passar sob o reino da razão como

um autêntico sábio? Porque a sujei-ção às emoções ou sua repressão sãocondutas que servem apenas parapiorar o campo de tensão entre arazão e as paixões. Entregar-se à ira eà cobiça mais ainda, explicam Hermese Espinosa. Na segunda metade doséculo XX assistimos a busca dos pra-zeres sensuais e o extravasamento dasbaixas emoções desempenharem seupapel na evolução da consciênciahumana.

Com o risco de ser acusado de imo-ralidade, ninguém ousou inscrever-sena linhagem de Espinosa e de Pitágo-ras. Não deixaram, assim, passar umaoportunidade de construir a alma?

O principal obstáculo ao desenvol-vimento espiritual é a falta de conhe-cimento, diz Hermes. Ele impede deviver segundo a razão, diz Espinosa,que inclui a vida segundo a razão nonúmero de emoções positivas; aspira-

A fonte e a

escultura

(O. Schouten)

próximas ao templo

de Noverosa. Foto

Pentagrama

37

38

ção e alegria andam lado a lado com arazão na perspectiva da eternidade.Sub specie æternitatis.

Superstição, ilusão, imagem român-tica? O conceito de eternidade ultra-passa nosso entendimento e exigealgo que provém do outro lado dotempo. O momento presente, intan-gível, dá lugar a forças que não sãodeste mundo.

A cratera de Hermes

O presente é uma cratera de ener-gia e de forças divinas. Hermes (Tot),representado nos túmulos egípcios, éo mensageiro encarregado de anun-ciar aos homens a boa nova: “mergu-lhai nessa cratera, vós, almas que opodeis... vós que sabeis para que fina-lidade fostes criados... Deus quis quea ligação com o Espírito estivessedentro do alcance de todas as almas,como prêmio da corrida”.

Considerar as coisas na luz da eter-nidade significa que a alma está liga-da ao Espírito. Em cada um, o exercí-cio da razão leva a esse resultado. Épreciso somente ter a coragem deaplicar-se a isso. O anseio e a alegriadeterminam a nota fundamental daalma, o que produz essa coragem. Omomento presente contém a possibi-lidade de, com a cooperação de nossomais puro desejo, contemplar umbrilho da eternidade.

É preciso ter a coragem de aceitar aeternidade. Não como um clichê ro-mântico, mas como o princípio laten-te e puro da vida do Outro em nós, oOutro que é divino. Hermes: “...se oespaço universal é objeto de nossopensamento, não pensamos nele co-mo espaço, mas como Deus; e se pen-samos no espaço como Deus, ele jánão é mais espaço no sentido comumda palavra, mas sim a força ativa de

Deus, que tudo encerra.” (CorpusHermeticum, 6º livro).

Nesse universo respira a eternida-de-em-nós. Assim vivemos segundoa razão. O anseio e o desejo puros, opensamento abstrato autêntico e oato libertador testemunham no ho-mem de uma existência cada vezmais perfeita.

A energia da mônada foi reanima-da e o microcosmo se desdobra emtoda sua estatura original.

BIBLIOGRAFIA:

SPINOZA, B. d., Traité de la Réforme del’entendement, L’Ethique. Bibliothèque de laPléïade, Editions Gallimard, 1985.DAMASIO, A. R., The Feeling of What Happens: body and emotion in the making ofconsciousness. Harvest, 2000.RIJCKENBORGH, J. v., A arquignosis egípcia e seu chamado no eterno presente. São Paulo: Lectorium Rosicrucianum, t.1-4,1984, 1986, 1989, 1991.

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Alguém perguntou um dia a um fa-moso alpinista inglês por que ele sem-pre fazia escaladas. “Ora, simplesmen-te porque há montanhas!”, respondeuele. Encontramos a palavra montanhaem todos os livros de sabedoria. Quan-do consultamos uma tabela de referên-cias do Novo Testamento vemos que elasurge várias vezes.

a filosofia da Escola da RosacruzÁurea as montanhas são comparadas acumes de onde é possível avistar o no-vo campo de vida e de onde nos vem oauxílio para atingi-lo. Os rosacruzesfalam freqüentemente de uma “sendaescarpada que sobe de modo sinuoso”,bem como do “fogo das montanhas deDeus” ao qual aspiram. Sem auxílio,sem sustentação, sem esses sinais “quevêm do cume” e desencadeiam umaardente energia, não se poderia sequerfalar de ascensão.

Como surgiu esse símbolo da mon-tanha? O termo montanha evoca forçae majestade. Ele adquiriu um lugar nosubconsciente como o símbolo daqui-lo que é difícil e inacessível. A majes-tade e a pureza dos cimos nevadoscomo os vemos nos Andes, no Hima-laia ou nos Alpes, inspiraram, atravésdos séculos, respeito e reverência. Elessempre atraem os homens irresistivel-mente. Sua beleza majestosa, sua pure-za e seu silêncio são o reflexo de qua-lidades que gostaríamos de possuir,pois o homem sempre desejou para simesmo o poder e a beleza.

Aquele que se lança a escalar umamontanha sai sensivelmente de suarotina. Que ele preste atenção à se-guinte sentença, jóia do mundo dosescaladores: “Quem quer fazer umaascensão deve levantar cedo, deixar suaspreocupações para trás, não se sobre-carregar, andar de modo regular esaber olhar para frente.”

O que é necessário

O buscador sabe: escalar uma mon-tanha é vencer a si mesmo, pelo menosesforçar-se para isso. Existe a fase pre-paratória onde não sabemos ainda oque nos espera. Só sabemos uma coisa:é preciso nos prepararmos. E nos in-dagamos: o que vamos levar ou não?De que precisamos nessas alturas des-conhecidas. Isso também exige de nósque nos sintonizemos minuciosamen-te com aquilo que há de mais profun-do em nós! Lá, nosso binóculo deveser complementado por uma boa bús-

O desejo por algo mais elevado, por uma via queleva ao alto, reflete-se em todos os aspectos denossa vida. A criancinha que se pauta pela vidados adultos deseja ficar em pé para caminhar e setornar grande como eles. É primeiro no planofísico que ele quer “se elevar”. Mais tarde, esseimpulso se transforma em desejo de erguer-seprofissional e socialmente, elevar-se em direção amaior compreensão e poder.Este é um fenômeno universal. Cada um percebeum impulso interior que o impele a transcender avida costumeira; como a planta que se orientapara o sol e a luz. O homem gostaria de escaparda lengalenga cotidiana que o sufoca. Assim quechega a um limite, onde todo esforço exterior évão, ele pode encontrar um caminho interior ecomeçar uma “escalada da montanha” totalmenteinterior. A pergunta se apresenta, então: comoencontrar a montanha, umbigo do mundo e per-manência de Deus?

A escalada da

montanha

N

sola. Que sorte se encontramos ummapa e conseguimos lê-lo. Encon-tramos nossos companheiros deviagem e, com o auxílio da bússola,determinamos a direção.

Alguns escaladores procuram a se-gurança e se cercam com todos os ma-pas possíveis, mas ei-los logo perdidosem um lugar que não consta nos ma-pas. Então, tende sempre um mapa co-mo ponto de partida, porém um mapaque indique o relevo. A maioria dosmapas permanece confusa nessa ques-tão, exatamente como aqueles que osconfeccionam. Eles param nos primei-ros aclives e representam em brancoos altos cumes cobertos de neve – semrelevo – justamente lá onde as diferen-ças de altitude são as mais considerá-veis. Os mapas só são realmente exa-tos em baixa altitude, nos vales.

Porém, há ainda mais. Pensemos,por exemplo, nos óculos para a neve,nos calçados impermeáveis, nas garras,no bastão de caminhada. Tantos pre-parativos que exigem o autoconheci-mento: o conhecimento de todas asligações que podem ser obstáculos até

antes da partida.

Que medidas devem ser tomadas

Em seguida vem a fase probatória.Quando colocamos em ordem e emcondição de uso todo o material, restao mais importante: ousar instruir-noscom cada um, com o grupo, e especial-mente com a montanha! O poder damontanha é imenso, todos os alpinis-tas concordam com isso. Em tempoclaro, podemos ter uma idéia do cimo,sem ainda conhecê-lo. Porém, emdado momento, é preciso subir. É afase probatória: a vida nos limitesdesta vida e de uma outra...

Entramos, em seguida, na fase pro-fessa. Escolhemos o caminho certo anosso ver. O livro As núpcias alquími-cas de Christian Rosenkreuz nos dáaqui algumas indicações:

“Deus nos guarde, convidado! Se anotícia das núpcias reais chegou a teusouvidos […] há quatro caminhos queo Noivo te propõe […] Esses quatrocaminhos levam até o castelo do Reicom a condição de não te perderes emdesvios. O primeiro é curto, porémperigoso […] O segundo, mais com-prido por causa das voltas. Ele é planoe fácil, com a condição de não te des-viares nem à esquerda, nem à direita,isso com a ajuda de uma bússola. Oterceiro é a verdadeira Via Real […]No entanto, até o dia de hoje, somen-te um homem entre milhares conse-guiu segui-lo.

Nenhum mortal pode seguir o quar-to […] somente aqueles que têm cor-pos incorruptíveis podem suportá-lo.”

Para indicar a Via Real, a mais cur-ta, os escaladores dizem: direttissimo.Ela vai diretamente ao alvo, mas exigeque todas as dificuldades sejam venci-das, por maiores que sejam. Só podemsegui-la os alpinistas mais corajosos e

“Elevar os olhos para os montes de onde virá o socorro” corresponde a determinado estado psicológico que impele oaluno a empreender a escalada. Compreensão e conhecimentofizeram-no ver a miséria de seu estado: o único ponto de partida possível para empreender a ascensão. Se ele persiste,sente uma força salutar que faz que vença todos os obstáculos.O saco que ele carrega nas costas torna-se pouco a poucomais leve e, na medida de sua evolução, as forças da novaalma se tornam cada vez mais poderosas. Uma clareza quejamais provara faz que ele lance um novo olhar sobre omundo, e esta nova perspectiva lhe mostra tudo sob aspectosdiferentes. Nessa esfera cheia de serenidade, uma nova cons-ciência se inflama. Então, ele pode dar os últimos passos emdireção ao cimo onde nada mais é fugidio, pois tudo o que étransitório foi deixado para traz. Esse novo campo de vida éuma esfera de luz inextinguível, cuja tênue claridade o haviachamado quando ainda estava lá embaixo, no vale.

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os mais experimentados. J. van Rijc-kenborgh diz a esse respeito: “É pre-ciso compreender que só podemosempreender a via que corresponde anosso destino, a via para a qual esta-mos maduros e que corresponde ànossa situação”.

A montanha, o alvo a ser atingido,exerce uma poderosa atração. Só depoder avistar o cimo, esquecemos ascircunstâncias presentes, estamos pron-tos a ir em frente, reunimos nossoequipamento, e, no entanto, aindanão estamos totalmente prontos! En-tramos em um campo de respiraçãodiferente que nos obriga a mudar! E aprimeira coisa que aprendemos é queé preciso aclimatar-nos, adaptar-nos àenergia especial desse campo de vidatotalmente diferente. A segunda liçãoé que não devemos, na escarpa damontanha, acreditar-nos mais que umgrão de poeira, e isso é uma experiên-cia marcante.

Em um recanto do Clube AlpinoFrancês, estão afixadas as dez regrasdo alpinista, que estão ao lado. Oscomentários são supérfluos: é nossocaminho, traçado conscientementeem decorrência de grande número deexperiências e de muito suor.

Como devemos escutar

Um sermão da montanha não sedirige à multidão, mas àqueles quetomaram parte na expedição. O que édito só pode ser ouvido por aquelesque têm um grande anseio. Quantomais nos aproximamos da montanha,mais detalhes se oferecem à vista. Esseé o caso quando o alpinista se encon-tra sobre uma placa de gelo no flancoda montanha: sua situação é muitoparticular. Nada, nenhuma formanem cor lembram-lhe o mundo lá debaixo. O próprio ar é de composição

1. O poder da montanha é imenso com-parado com a fraqueza humana. Paraenfrentá-la é preciso dispor de forçasfísicas e espirituais.

2. Não se aventurem na montanha em má condição física e sem treinamento. Alimentem-se adequadamente, massem excesso.

3. Um bom equipamento é muito impor-tante. Muitos acidentes acontecem porcausa de equipamentos inadequados.

4. Uma corda é indispensável.5. Nunca partam sozinhos, nunca aban-

donem um companheiro.6. Conhecer a montanha é a condição

para ser um bom alpinista. Obtém-seesse conhecimento seguindo cursosintensivos, com guias e amigos expe-rientes. O domínio onde vocês pene-tram não é um terreno onde se senti-rão em casa; é preciso incessantementeestar vigilante.

7. Não confiem no tempo. Na montanha,o tempo é enganador e muda rapida-mente.

8. Na montanha, as circunstâncias jamaissão as mesmas e mudam a cada estação.

9. Temam uma única coisa: o relaxamen-to da vigilância, especialmente apósuma longa ascensão, quando se tem aimpressão de ter chegado ao final detodas as dificuldades.

10. A competência do alpinista é funçãode sua inteligência, de sua calma, desua coragem e de sua previdência. Elejamais esquece que a montanha é maisforte.

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Os escritos da Índia consideramo Monte Meru como o “umbigodo mundo”, e no hinduismo o“Mahameru” é “a grande montanha do mundo”. Os antigos textos budistas dãoao Kailasa, no Himalaia, onome de Meru. Tanto para oshinduístas como para os budistasele é o centro do Universo.Freqüentemente as teorias cosmológicas são associadas amontanhas sagradas. No Avesta, mensagem deZoroastro em antigo persa,trata-se do Hara Barzaiti. Essa montanha engloba omundo e em seu cume giram as estrelas, o sol e a lua. Seu nome permanece no atualAlborz, ao norte do Irã.Na África, desde a Antigüidade,o Kilimanjaro, a mais alta montanha do continente, évenerado. Esse nome significa“impossível de vencer”. Dizem que nenhum pássaro,leopardo ou caravana humanapode alcançar o branco cimo.Na mitologia grega, o monteOlimpo é a morada de Zeus e de outros deuses, enquanto o Parnaso é o berço da humanidade.Muitas vezes são altas montanhas, visíveis de longe, cujos cimos se perdem nasnuvens. Mas na Austrália, a montanha sagrada dos aborígines, o Uluru ou AyersRock, é relativamente poucoelevada: 867 metros; enormemonólito quase exatamente nomeio da Austrália, cercado deterras planas.

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diferente, mais sutil. É literalmente umoutro campo de respiração. Os pensa-mentos se voltam, então, para aquelesque permaneceram em baixo, e nasceo desejo de compartilhar a experiênciacom eles.

A história da montanha

Conta-se que, nos flancos da mon-tanha branca, na fronteira entre a ro-cha e a neve eterna, morava um sábio.Vendo aproximar-se seu fim, ele reu-niu seus discípulos a fim de escolher osucessor que manteria acesa a luz dalâmpada que, qual um farol, deveria ilu-minar o caminho que conduzia ao cimo.

O sábio disse: “Juntos, tivemos mui-tas experiências, tivemos sempre o mes-mo alimento. Cada um deve agora tes-temunhar o que fez. É o meu momen-to de partir. A lâmpada brilha sempre.Enquanto for necessário, sua luzdeverá iluminar os escaladores. Con-tudo, é preciso manter o fogo. O guar-dião da flama tem por tarefa velar paraque sua própria flama interior jamaiscesse de brilhar. Eu lhes dou, pois, atarefa de alcançar o cimo da montanhae de manter o fogo. Escolham entreviver e sobreviver!”

Depois desse discurso, os discípu-los puseram-se a caminho. O primeirotomou as palavras do mestre ao pé daletra. Ele desceu em direção à parterochosa onde cresciam as primeirasárvores e recolheu combustível paraseu fogo. Mas, quanto mais alto quei-mava o fogo, mais frio ele sentia. Eleconstruiu uma cabana, e nem viveunem sobreviveu. O segundo tambémdesceu, recolheu galhos e madeiraseca, as cinzas de uma existência ante-rior, depois seguiu o caminho das altu-ras com seu pesado fardo. Mas este semostrou demasiado pesado, e ele nemviveu nem sobreviveu. O terceiro,

meditando sobre as palavras do mes-tre, acabou por negligenciar-se, abri-gou-se na fronteira entre rochas eneves eternas e chegou à imobilidadetotal. O quarto começou a escalar demodo intrépido, tendo por único pen-samento o alvo a ser alcançado, dedi-cando a si mesmo muito pouca aten-ção. Mas teve de retornar, pois nãohavia se adaptado a essas alturas.

O quinto alcançou o cume, porémsem lâmpada nem fogo. Ele acreditoupoder dispor de combustível como láembaixo. Ele perdeu toda a sua ener-gia na subida e morreu. O sexto, apa-vorado com a sorte de seus condiscí-pulos, retornou ao mundo lá de baixo.Ele retomou o alimento habitual, enem viveu nem sobreviveu. O sétimorefletiu sobre as palavras do mestre e,apesar de se sentir indigno, manteve alâmpada acesa. Ele pensava: “É inútilsubir ou descer se a chave da pedraque sustenta a passagem para o cimoencontra-se no meu próprio coração”.Essa compreensão fez o fogo chame-jar tão alto que o gelo derreteu e der-ramou-se em um manancial de águaviva.

Na Bíblia, muitos eventos acontecem em montanhas. Moisésrecebe as Tábuas da Lei. Jesus reúne seus discípulos para proferir seu “Sermão da Montanha”, princípios a seremseguidos para guiar os discípulos já preparados. Ele concluidizendo: “Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavrase as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificoua sua casa sobre a rocha. E desceu a chuva, e correram rios, eassopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu,porque estava edificada sobre a rocha” (Mateus 7: 24-25). O caminho de cruz leva Jesus ao Gólgota, o “monte do crânio”, evocação do cérebro humano e de sua importânciapara o desenvolvimento do novo homem. Se a luz se eleva do átomo divino do coração e ilumina o cérebro, ocaminho de cruz alcançou seu alvo. É a morte do velhohomem, e o novo homem, renascido do Espírito, celebra sua ressurreição.

No flanco da

montanha. Foto

Pentagrama.

O essencial é invisível aos olhos.

Só vemos bem com o coração.

Antoine de Saint-Exupéry, O pequeno príncipe (p. 28).