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| 24 GVEXECUTIVO • V 16 • N 4 • JUL/AGO 2017 CE | SAÚDE • NOVA ADMINISTRAÇÃO NOS HOSPITAIS PÚBLICOS

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| 24 GVEXECUTIVO • V 16 • N 4 • JUL/AGO 2017

CE | SAÚDE • NOVA ADMINISTRAÇÃO NOS HOSPITAIS PÚBLICOS

GVEXECUTIVO • V 16 • N 4 • JUL/AGO 2017 25 |

| POR RENILSON REHEM

O desafio de implantar no Brasil um sis-tema de saúde com caráter universal não se encerra nas dificuldades do financiamento nem na necessidade de mudar o modelo para atender in-tegralmente à população. As questões de gestão também têm se mostrado

de enorme complexidade, e as soluções ainda se encontram num patamar muito inferior ao desejável.

São grandes as dificuldades da administração pública di-reta no Brasil para gerenciar o setor de saúde. Os empeci-lhos decorrem, entre outros fatores, dos princípios explícitos na Constituição Federal de 1988: legalidade, impessoalida-de, moralidade, publicidade e eficiência. Não consta, den-tre eles, a eficácia. A eficiência consiste em fazer certo as

Diversas organizações sociais vêm assumindo, com excelentes resultados, serviços de estados e municípios. É o melhor

modelo nos dias de hoje, mas não há solução mágica.

coisas; já a eficácia, em fazer as coisas certas. A eficiência está associada a processos, enquanto a eficácia, a resultados.

A Constituição não deu ênfase ao impacto da gestão. Por outro lado, considerou como um dos seus mais rele-vantes pilares o princípio de que o administrador público

NOVA ADMINISTRAÇÃO NOS HOSPITAIS

PÚBLICOS

Mais de 200 municípios de 23 estados têm serviços de saúde gerenciados por organizações

do terceiro setor.

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só pode fazer o que a lei autoriza. Dizia o jurista e profes-sor Hely Lopes Meirelles: “Na administração pública, não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto nas empresas privadas é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, no gover-no só é permitido fazer o que a lei autoriza”.

É cada vez mais comum que atos administrativos dos mais diversos sejam praticados tendo como “motivo oculto” o medo sentido pelo agente das consequências decorrentes de suas ações. Esse quadro cria obstáculos para que o gestor público possa executar a contento as suas tarefas e resulta no comprometimento da qualidade dos serviços públicos na área da saúde. A administração torna-se engessada pelas rígidas regras para aquisição de materiais e medicamentos e para a contratação de recursos humanos.

A conjuntura atual de grave crise econômica que o país atravessa torna a situação ainda mais complexa. A falta de gestão qualificada é acentuada pelos problemas decorren-tes de um financiamento, mais do que nunca insuficiente e instável. Quando há fartura de recursos, a pressão sobre a gestão é muito menor.

Conseguir êxito no enfrentamento de tantas dificuldades requer a profissionalização da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). É imperiosa e inadiável a adoção de mode-los alternativos de gerência das unidades de saúde, princi-palmente dos hospitais, que possibilitem mais agilidade em administração de recursos humanos, especialmente médi-cos; aquisição de materiais e medicamentos; e contratação de serviços.

ORGANIZAÇÕES SOCIAISDe forma a elevar o desempenho dos hospitais públicos, a Lei

Federal n.º 9.637, de 15 de maio de 1998, criou a possibilidade de celebração de parcerias na área de saúde com organizações sociais (OS). Desde então, no estado de São Paulo, as OS vêm assumindo a administração dos serviços em hospitais como os de Bauru, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guarulhos, Taubaté, Itapecerica, Itapevi, Pirajuçara, Porto Primavera, Ribeirão Preto, Sapopemba, Sumaré, Vale do Paraíba e Vale do Ribeira. Esse modelo expande-se também a outros estados, como Goiás, Pernambuco, Bahia, Ceará e Rio de Janeiro, além do Distrito Federal.

No entanto, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionou a re-ferida lei. Em 2001, o STF indeferiu o pedido de liminar, por meio do qual se pretendia a suspensão imediata dos efeitos da lei, e deu início à análise do mérito da ação.

Em abril de 2015, o plenário do STF julgou a ADIN de-cidindo pela validade da prestação de serviços públicos por OS em parceria com o poder público. Reiterou, contudo, que a celebração de convênios com tais entidades deve ser conduzida de forma pública, objetiva e impessoal. Trata-se de uma grande conquista, que aponta para o aprimoramento do Terceiro Setor e das políticas de saúde no país.

CELEBRAÇÃO DE PARCERIAS Parceria. Essa é a palavra-chave para o gerenciamento

de unidades públicas de saúde por OS. Uma parceria é um

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arranjo em que duas ou mais partes estabelecem um acordo de cooperação para atingir interesses comuns. O Estado de-seja cumprir com a sua obrigação de atender à população. As OS, que não têm fins econômicos, pretendem atingir o objetivo de sua própria existência em servir ao próximo – vale lembrar que as organizações sociais de saúde (OSS) têm origem em instituições filantrópicas ou sem finalidades lucrativas, tais como as unidades das Santas Casas.

Mais de 200 municípios de 23 estados atualmente têm OSS. Em parceria com o poder público, as OS têm contribuído de modo decisivo para melhorar a atenção à saúde da população. Um estudo recente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo em 43 hospitais gerais mostrou que os serviços geridos em parceria com as OSS apresentam relação custo × benefício superior em comparação aos que estão sob administração direta.

A pesquisa constatou que as OSS conseguem ser até 52% mais produtivas e 32% mais baratas, pois contam com mais autonomia administrativa para gerenciar recursos humanos e adquirir medicamentos, insumos e outros materiais, uma vez que não são regidas pela mesma legislação que os hos-pitais administrados diretamente.

A maior diferença de produtividade foi constatada em re-lação ao número de cirurgias ambulatoriais e hospitalares por sala, que nas OSS atingiu 1.291, contra 850 nos hospi-tais sob administração direta. As OSS também tiveram de-sempenho médio 13% superior no índice de ocupação hos-pitalar, além de registrarem tempo médio de permanência 11,8% inferior, em dias, dos pacientes internados, o que in-dica melhor eficiência dos tratamentos. A taxa média de ce-sáreas nos hospitais sob o modelo de OSS foi 16% inferior.

A despesa média com internações por paciente foi de R$ 7,4 mil nas OSS contra R$ 10,9 mil nas demais unidades, o que resulta em diferença de 32%. Isso significa que tais or-ganizações conseguem atender aproximadamente a três pa-cientes com o mesmo valor gasto para atender a duas pessoas nas unidades sob administração direta. Além disso, o gasto médio por paciente/dia nos serviços das OSS foi 23% infe-rior (R$ 1,24 mil contra R$ 1,6 mil), e as despesas médias anuais, 15% menores (R$ 379,2 mil contra R$ 445,9 mil).

O que preocupa em relação às OSS é que houve crescimento desordenado. A maioria dos estados e municípios que celebram contratos de gestão não sabe o que está fazendo. Geralmente se trata de uma decisão política sem sustentação na estrutu-ra administrativa ou na equipe técnica. Não basta celebrar o contrato; é preciso garantir que ele seja cumprido. O gestor público contratante deve desenvolver a capacidade de pactu-ar e monitorar a sua execução, o que requer habilidades nem sempre presentes na gestão pública de saúde. O Tribunal de

Contas da União (TCU) tem chamado a atenção para o risco de desvios e desperdícios de recursos públicos.

Do lado das entidades privadas, há aquelas que não têm a dimensão da responsabilidade de assumir a gerência de uma unidade pública de saúde. Muitas vezes, atendem a um convite sem ter condições técnicas nem administrativas para dar conta do desafio que vão enfrentar. E, infelizmen-te, como em qualquer setor, existem entidades de serieda-de duvidosa que podem levar a resultados desastrosos em uma parceria com o poder público.

Em 2015, criamos o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (IBROSS) com a finalidade de difundir as boas práticas de gestão e colaborar para o aperfeiçoamento das normas estabelecidas para a parceria entre as organiza-ções, estados e municípios. Com 20 instituições associadas, que atuam em 13 estados brasileiros e empregam 95 mil pessoas, o IBROSS está iniciando um programa para con-ceder selos de acreditação que busca avaliar os principais aspectos das OS no campo da transparência e responsabi-lidade na gestão dos recursos públicos.

O processo está sendo desenvolvido pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), associado da Joint Commission International, líder mundial em certificação de organizações de saúde desde 1998. Para isso, o CBA criou um manual de acreditação com critérios e padrões técnicos que serão utili-zados para avaliar e qualificar os serviços prestados aos pa-cientes, a capacitação de colaboradores, a administração dos recursos financeiros e os resultados.

Muitos estados e municípios utilizam, com excelentes re-sultados, contratos com OSS para o gerenciamento de hospi-tais, ambulatórios de especialidades, laboratórios e unidades de pronto-atendimento. No entanto, ainda existe um longo caminho a ser percorrido pela gestão pública e pelas OS no desenvolvimento das capacidades necessárias à celebração de parcerias consistentes e produtivas. O modelo das OSS é o melhor que existe hoje, mas não é uma solução mágica.

RENILSON REHEM > Médico e Presidente do Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde (IBROSS) > [email protected]

PARA SABER MAIS:- Luiz Roberto Barradas Barata e José Dinio Vaz Mendes. Organizações de saúde: a

experiência exitosa de gestão pública de saúde do Estado de São Paulo. Revista de Administração em Saúde, vol. 8, n. 31, 2006.

- Nivaldo Carneiro Junior. O setor público não-estatal: as organizações sociais como possibilidades e limites na gestão pública da saúde. Tese, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2002.

- Rita de Cássia Rodrigues, Olímpio José Nogueira Viana Bittar, Adriana Magalhães e José Dinio Vaz Mendes. Rede hospitalar estadual: resultados da administração direta e das organizações sociais. Revista de Administração em Saúde, vol. 16, n. 65, 2014.

- Edward W. Rogers e Patrick M. Wright. Measuring organizational performance in strategic human resource management: looking beyond the Lamppost. Cornell University, 1998.

- Gerard M. La Forgia e Bernard F. Couttolenc. Desempenho hospitalar no Brasil – em busca da excelência, 2008.