0. RUTKOSKI, M. O Papel Das Crises Para a Teoria de Marx Sobre a Derrocada Do Capitalismo

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Universidade Federal de Santa Catarina Centro sócio-Econômico Programa de Pós-Graduação em Economia – Mestrado Área de Concentração: Transformações do Capitalismo Contemporâneo Dissertação de Mestrado O PAPEL DAS CRISES PARA A TEORIA DE MARX SOBRE A DERROCADA DO CAPITALISMO Márcio Moraes Rutkoski Florianópolis, SC – Brasil Setembro de 2004

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0. RUTKOSKI, M. O Papel Das Crises Para a Teoria de Marx Sobre a Derrocada Do Capitalismo

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  • Universidade Federal de Santa Catarina

    Centro scio-Econmico

    Programa de Ps-Graduao em Economia Mestrado

    rea de Concentrao: Transformaes do Capitalismo Contemporneo

    Dissertao de Mestrado

    O PAPEL DAS CRISES PARA A TEORIA DE MARX SOBRE A DERROCADA DO

    CAPITALISMO

    Mrcio Moraes Rutkoski

    Florianpolis, SC Brasil

    Setembro de 2004

  • MRCIO MORAES RUTKOSKI

    O PAPEL DAS CRISES PARA A TEORIA DE MARX SOBRE A

    DERROCADA DO CAPITALISMO

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Economia da Universidade

    Federal de Santa Catarina, como requisito parcial

    obteno do grau de Mestre em Economia, rea

    de Concentrao: Transformaes do Capitalismo

    Contemporneo.

    Orientador: Prof. Nildo Domingos Ouriques

    Florianpolis, SC Brasil

    Setembro de 2004

  • MRCIO MORAES RUTKOSKI

    O Papel das Crises para a Teoria de Marx sobre a Derrocada do Capitalismo

    Esta dissertao foi julgada adequada para obteno do ttulo de MESTRE EM ECONOMIA, rea de concentrao Transformaes do Capitalismo Contemporneo, e aprovada em sua forma final pelo programa de Ps-Graduao em Economia da Universidade Federal de Santa Catarina em 13 de setembro de 2004.

    ________________________________ Prof. Dr. Celso Leonardo Weydmann Coordenador do Mestrado em Economia

    Comisso examinadora ________________________________

    Prof. Dr. Nildo Domingos Ouriques

    ________________________________ Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques

    ________________________________ Prof. Dr. Paulo Tumolo

  • RUTKOSKI, Mrcio Moraes. O Papel das Crises para a Teoria de Marx sobre a

    Derrocada do Capitalismo. 2004. Dissertao (Mestrado em Economia) Programa de Ps-

    Graduao em Economia (PPGE), UFSC, Florianpolis.

    RESUMO

    Essa dissertao desenvolve a hiptese de que na obra de Karl Marx, principalmente

    em O Capital como registro mais completo de sua teoria, no existe de forma separada, seja

    numa seo ou num captulo especfico uma teoria sobre as crises. O objetivo de Marx nos

    seus escritos econmicos, e que alcana sua forma mais acabada em O Capital formular

    uma teoria da derrocada do modo de produo capitalista, em que as crises ocupam destacado

    papel. A teoria de Marx mesmo na sua forma mais abstrata, quando analisa o capital em geral,

    em si uma teoria da derrocada do capitalismo, em que as crises representam os sintomas

    peridicos e inevitveis do aprofundamento das contradies entre o desenvolvimento das

    foras produtivas do trabalho social e das relaes sociais de produo e distribuio

    capitalistas, determinando os limites para o desenvolvimento da produo capitalista,

    evidenciando seu carter como modo de produo histrico e transitrio. Quando o modo de

    produo capitalista atinge um grau de desenvolvimento mais elevado, as crises aparecem na

    forma de crises de crdito, de subconsumo, de desproporo entre os setores produtores de

    meios de produo e bens de consumo e como crises provocadas pela queda da taxa mdia de

    lucro. Mas, na sua essncia so crises de superproduo de mercadorias, superacumulao de

    capital, como resultado do rompimento dos limites impostos pelas relaes sociais de

    produo expanso da capacidade de produo para alm das necessidades de valorizao

    do capital. A crise apresenta um carter qualitativo duplo, ao mesmo tempo em que evidencia

    as contradies do sistema, atua como contratendncia a derrocada ao restituir as condies

    de valorizao do capital ao desvalorizar ou mesmo desativar parcela do capital existente,

    centralizando a propriedade do capital e criando uma superpopulao trabalhadora relativa.

    Ao superar os limites que lhe so imanentes, a produo capitalista transfere esses limites de

    forma potencializada para o futuro, sem nunca poder super-los definitivamente.

    Palavras-chaves: Teoria de Crises, Reproduo de Capital, Lei da Queda Tendencial da Taxa

    de Lucro.

  • SUMRIO

    RESUMO................................................................................................................................ iv

    CAPTULO 1 - INTRODUO

    1.1 Problemtica................................................................................................................... 1

    1.2 Objetivos......................................................................................................................... 10

    1.3 Metodologia.................................................................................................................... 11

    CAPTULO 2 - REPRODUO E DERROCADA DO CAPITAL EM GERAL.......... 13

    2.1 Reproduo das Relaes Sociais de Produo Capitalistas.......................................... 15

    2.2 Acumulao de Capital e Apropriao Capitalista......................................................... 18

    2.3 Lei da Acumulao e as Contradies das Relaes Sociais de Produo Capitalistas. 24

    CAPTULO 3 A CONTRADIO DO CAPITAL EXPRESSA NA QUEDA

    TENDENCIAL DA TAXA DE LUCRO................................................... 33

    3.1 A Transformao da Taxa de Mais-Valia em Taxa de Lucro e a Formao do Lucro

    Mdio............................................................................................................................ 36

    3.2 A Lei da Queda Tendencial da Taxa de Lucro............................................................. 44

    3.3 A Atuao das Contratendncias Queda da Taxa de Lucro....................................... 49

    CAPTULO 4 A CRISE COMO EXPRESSO DA EXPLOSO DAS

    CONTRADIES DO MODO DE PRODUO CAPITALISTA..... 59

    4.1 A Contradio Entre o Desenvolvimento das Foras Produtivas e as Relaes Sociais de Produo e Distribuio Capitalistas....................................................................... 61 4.2 As Formas em que Aparecem as Crises do Processo de Produo Capitalista............ 64 4.3 Como Marx e Engels analisaram as crises do seu tempo............................................ 73

  • CAPTULO 5 CONCLUSO............................................................................................ 87

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................. 90

  • CAPTULO 1

    1 INTRODUO

    1.1 PROBLEMTICA

    Engels na introduo obra As lutas de classes na Frana de 1848 a 1850 de Karl

    Marx afirma (...)que a crise do comrcio mundial, ocorrida em 1847, fra a verdadeira me

    das revolues de fevereiro e de maro e que a prosperidade industrial, que voltara pouco a

    pouco, a partir de meados de 1848, e chegara ao seu apogeu em 1849-1850, foi a fora

    vivificante na qual a reao europia hauriu renovado vigor.(MARX e ENGELS, Obras

    Escolhidas.1999, vol. 1, p. 95.) No mesmo sentido, s que nas palavras do prprio Marx S

    possvel uma nova revoluo em conseqncia de uma nova crise. Mas uma to certa

    quanto a outra. (MARX, op. Cit., p. 189.) As afirmaes de Engels e Marx citadas acima

    no deixam nenhuma dvida sobre o papel que as crises ocupam na sua teoria sobre o modo

    de produo capitalista. Do ponto de vista poltico As lutas de classes na Frana de 1848-

    1850 segundo Engels o primeiro texto em que Marx faz uso do mtodo materialista dialtico

    da histria para analisar os desdobramentos polticos a partir das transformaes econmicas -

    a anlise das crises e dos seus efeitos tanto econmicos quanto polticos interessa aos dois

    pensadores justamente por serem momentos com possibilidades revolucionrias, em que as

    contradies e os limites do modo de produo capitalista mostram-se de forma clara,

    aumentando as possibilidades de sucesso dos movimentos revolucionrios.

    A tese central que norteia todos os escritos de Marx sobre o modo de produo

    capitalista e as suas relaes correspondentes de produo e circulao, com o objetivo de

    descobrir a lei econmica do movimento da sociedade moderna,(MARX, O Capital.

    Prefcio da Primeira Edio,1988, Livro I, vol.1 p.18-19.), fundamentada na concepo

    materialista dialtica da histria, a do carter histrico e transitrio do modo de produo

    capitalista. Da mesma forma que os modos de produo asitico, antigo e feudal, que

    precederam o modo de produo burgus, foram levados derrocada em virtude da

    intensificao das suas contradies internas e dos seus limites, provocados pelo seu prprio

    desenvolvimento, o modo de produo capitalista no fugir a essa regra da progressiva

  • formao econmica da sociedade; precisar alcanar seu fim para que a humanidade

    ultrapasse essa etapa e como diz Marx encerre a pr-histria da sociedade

    humana.(Prefcio de Para a Crtica da Economia Poltica, 1978, Os Pensadores, p. 130).

    Por conseguinte, a anlise das crises parte imprescindvel para a teoria de Marx, que

    essencialmente, ou seja, no seu carter mais puro, uma teoria sobre a inevitabilidade da

    derrocada do modo de produo capitalista como resultado histrico das suas prprias

    contradies. importante esclarecer com base no mtodo materialista dialtico da histria

    desenvolvido por Marx e Engels, que a inevitabilidade da derrocada uma necessidade

    histrica imprescindvel para o avano da humanidade, ao possibilitar o surgimento do novo

    modo de produo das entranhas do modo de produo decrpito, como resultado da

    intensificao das suas prprias contradies que anunciam seu fim. Essa transio do modo

    de produo moribundo para o modo de produo superior no se faz de forma automtica, de

    forma natural e pacfica, como resultado apenas das contradies entre o desenvolvimento da

    base material e as relaes sociais de produo especficas, mas, se faz da sntese dos

    elementos objetivos determinados pelas condies materiais com os elementos subjetivos do

    processo, determinados pelos desdobramentos polticos da luta de classes.(GROSSMANN,

    Ensayos sobre la teoria de las crisis. 1979, p.250.) Parafraseando Marx no 18 Brumrio de

    Lus Bonaparte (1978, Os Pensadores, p.329), a lutas de classes e os movimentos

    revolucionrios so possveis, mas nas condies histricas dadas, legadas e transmitidas

    pelo passado, no apenas pela vontade dos homens. Da mesma forma, as crises no so por

    si s momentos revolucionrios, mas, momentos em que as condies histricas possibilitam

    uma maior liberdade de atuao da vontade dos homens, criando a possibilidade de

    transformao.

    Na obra O Capital, exposio mais desenvolvida e completa da sua teoria sobre o

    funcionamento do modo de produo capitalista, Marx lana mo do mtodo cientfico de

    investigao do objeto de anlise (no caso o capital) a partir de suas formas mais simples,

    mais abstratas, at sua forma mais complexa como totalidade das mltiplas determinaes que

    constituem o objeto, ou seja, sua forma concreta. A passagem da forma mais abstrata para a

    forma mais concreta se d pela incorporao sucessiva de categorias que determinam a forma

    de desenvolvimento do objeto, aproximando-se sucessivamente do concreto como expresso

    da realidade, em que o objeto analisado em sua forma concreta, mais desenvolvida, a sntese

    das mltiplas determinaes que o formam. O mtodo de investigao utilizado por Marx

  • determinou a organizao da exposio da sua teoria sobre a lei econmica que rege o modo

    de produo capitalista.

    O plano original de 1857-58 de O Capital esboado nos Grundrisse, segundo Roman

    Rosdolsky no livro Gnese e estrutura de O Capital de Karl Marx, previa a elaborao de 6

    livros: sendo o primeiro o Livro Sobre O Capital, o segundo o Livro Sobre a Propriedade

    de Terra, o terceiro o Livro Sobre o Trabalho Assalariado, o quarto o Livro Sobre o

    Estado, o quinto o Livro Sobre o Comrcio Exterior e o sexto o Livro Sobre o Mercado

    Mundial. O Livro Sobre o Capital seria dividido em quatro partes: O capital em geral,

    Concorrncia, Sistema de crdito e Capital dividido em aes. A parte que trataria do capital

    em geral seria ainda subdividida em O processo de produo, O processo de circulao e

    Lucro e juros. Do plano original de 1857-58 s foi publicado de forma modificada o contedo

    dos trs primeiros livros e um quarto livro sobre A histria das teorias da mais-valia, apesar

    dos livros sobre o Estado, Comrcio exterior e Mercado mundial nunca terem sido

    completamente descartados por Marx numa possvel continuao da obra. O plano da obra

    que teve o primeiro livro publicado em 1867 por Marx e o segundo e terceiro livros por

    Engels em 1885 e 1894 respectivamente, ilustra bem o mtodo de anlise e de exposio de O

    capital. Assim como no plano original de 1857-58, a anlise parte do capital na sua forma

    geral, ou seja, parte do processo de produo e do processo de circulao na sua forma pura,

    sem as interferncias da concorrncia entre os diferentes tipos de capitais, a influncia do

    sistema de crdito, do Estado, do comrcio exterior e do mercado mundial. Rosdolsky

    comenta e reproduz no seu livro boa parte do trecho final da introduo dos Grundrisse em

    que Marx trata do mtodo da economia poltica, definindo de forma bastante clara o mtodo

    cientfico em que a anlise parte do abstrato para o concreto.

    Marx demonstra aqui, antes de tudo, que ir do abstrato para o concreto o nico mtodo

    cientfico adequado para apropriar-se do concreto, reproduzindo-o como um concreto pensado. Na

    introduo, em uma passagem famosa, ele diz: O concreto concreto porque a sntese de mltiplas

    determinaes e, portanto, a unidade do diverso. Por isso, o pensamento s pode compreender

    plenamente o concreto em um processo de sntese, ou seja, pela reconstruo progressiva do concreto

    a partir de suas determinaes abstratas mais simples. Se a anlise cientfica (econmica, no caso)

    comea diretamente pelo real e concreto, pelas prprias condies reais por exemplo, a populao

    ou o mercado mundial -, s poder enxergar uma imagem difusa e totalmente indefinida da realidade.

    A populao uma abstrao se deixo de lado, por exemplo, as classes de que se compe. Essas

    classes, por sua vez, so uma palavra oca se desconheo os elementos sobre os quais repousam, por

  • exemplo, o trabalho assalariado, o capital etc. estes ltimos pressupem a troca, a diviso do trabalho, o

    capital etc. (...) Portanto, se comessemos pela populao, teramos uma representao catica do

    conjunto. Buscando sempre maior preciso, chegaramos a conceitos cada vez mais simples: do

    concreto representado, chegaramos a abstraes cada vez mais sutis, at alcanarmos as determinaes

    mais simples. Atingido esse ponto, seria necessrio realizar uma viagem de volta, at reencontrar

    novamente a populao. Agora, porm, no teramos a representao catica de um conjunto, mas sim

    uma rica totalidade com mltiplas determinaes e relaes. Por isso, o mtodo cientificamente correto

    na economia poltica deve elevar-se a partir do simples trabalho, diviso do trabalho, necessidade,

    valor de troca at o Estado, o comrcio entre as naes e o mercado mundial, para poder examinar o

    desenvolvimento do modo de produo capitalista como uma totalidade orgnica. (ROSDOLSKY, op.

    cit. p. 39-40)

    Marx demonstra no Livro Primeiro que trata do Processo de Produo do Capital e no

    Livro Segundo que trata do Processo de Circulao do Capital, o processo de reproduo do

    capital em geral como processo de produo de mais-valia, fundado em uma relao social de

    produo de extrao de valor excedente dos no-proprietrios dos meios de produo pelos

    proprietrios dos meios de produo. Processo de produo como sntese do processo de

    trabalho e do processo de valorizao em que o desenvolvimento das foras produtivas entra

    em choque com as relaes sociais de produo. A contradio insupervel j aparece na sua

    forma mais abstrata, no capital em geral. No Livro Terceiro, Marx trata do Processo Global da

    Produo Capitalista, incorporando a concorrncia entre diferentes tipos de capitais

    individuais, que em funo do papel que representam no circuito de reproduo do capital

    global se apropriam de formas distintas da mais-valia como lucro industrial, lucro comercial,

    renda da terra e juros. O capital no est mais livre das interferncias da concorrncia e do

    sistema de crdito no processo de reproduo, a anlise se aproxima do concreto, do

    funcionamento do modo de produo capitalista na realidade. Essa aproximao da realidade,

    do concreto, do capital em sua forma mais desenvolvida como sntese das suas mltiplas

    determinaes, no elimina as contradies entre o desenvolvimento das foras produtivas e

    as relaes sociais de produo, que lhe so inerentes j na sua forma mais abstrata, como

    capital em geral. Em sentido contrrio, acentua ainda mais essas contradies ao impulsionar

    o desenvolvimento do modo de produo capitalista para alm dos seus limites, determinados

    pela necessidade de valorizao do capital, resultando em crises peridicas marcadas por crise

    de crdito, superproduo, desvalorizao do capital existente e o surgimento de uma

    superpopulao relativa de trabalhadores.

  • As crises peridicas so a forma violenta como aparecem as contradies e os limites

    inerentes ao desenvolvimento do modo de produo capitalista. So erupes da contradio

    do processo de produo como processo de trabalho e processo de valorizao, so crises de

    valorizao do capital; quando a magnitude de capital que est funcionando no processo de

    produo produz mercadorias prenhes de mais-valia que no conseguem realizarem-se como

    valor que se valoriza na produo. Em ltima instncia, a crise no causada pelo

    subconsumo, pela expanso descontrolada do sistema de crdito, pela desproporo entre os

    setores de produo de meios de produo e de bens de consumo ou mesmo pela queda em si

    da taxa mdia de lucro, mas, uma crise causada pela contradio inerente do capitalismo

    entre o impulso incessante para a ampliao da capacidade de produo atravs da crescente

    unio dos homens no processo de trabalho e a limitao imposta a esse desenvolvimento das

    foras produtivas pela necessidade de valorizao do capital. A gnese das sucessivas crises

    que marcam o desenvolvimento do modo de produo capitalista e da sua derrocada como

    resultado da intensificao das suas contradies em um grau insuportvel, nasce do prprio

    trao fundamental que o impulsiona j na sua forma mais simples.

    O desenvolvimento das foras produtivas ao aumentar a composio orgnica do

    capital, elevando a parcela do capital constante em relao ao capital varivel no total do

    capital adiantado, ou seja, reduzindo o trabalho vivo como substncia criadora do valor, da

    mais-valia, por trabalho passado na forma de meios de produo, restringe sucessivamente a

    valorizao do capital ao levar queda tendencial da taxa de lucro e a conseqente reduo da

    taxa de acumulao, ao mesmo tempo em que as relaes sociais de produo fundadas na

    explorao dos trabalhadores pelos proprietrios dos meios de produo impem a

    valorizao incessante como movimento em si da reproduo do capital. A forma de

    existncia do capital o movimento, o capital o movimento incessante de valorizao do

    valor que tem como substncia a extrao de valor excedente da fora de trabalho no processo

    de produo sem lhe dar nada em troca como equivalente, trabalho no-pago na forma de

    mais-valia.

    (...), medida que a taxa de valorizao do capital global, a taxa de lucro, o aguilho da

    produo capitalista (assim como a valorizao do capital sua nica finalidade), sua queda retarda a

    formao de novos capitais autnomos, e assim aparece como ameaa para o desenvolvimento do

    processo de produo capitalista; ela promove superproduo, especulao, crises, capital suprfluo ao

    lado de populao suprflua. Portanto, os economistas que, como Ricardo, consideram o modo de

    produo capitalista como absoluto, sentem aqui que esse modo de produo cria uma barreira para si

  • mesmo e, portanto, atribuem essa barreira no produo, mas natureza (na doutrina da renda). O

    importante, porm, em seu horror ante a taxa de lucro em queda, a sensao de que o modo de

    produo capitalista encontra no desenvolvimento das foras produtivas uma barreira que nada tem a

    ver com a produo de riqueza enquanto tal; e essa barreira popular testemunha a limitao e o carter

    to-somente histrico e transitrio do modo de produo capitalista; testemunha que ele no um modo

    de produo absoluto para a produo de riqueza, mas que antes entra em conflito com seu

    desenvolvimento, em certo estgio.(MARX, O Capital. 1988, livro III, vol. 4 p. 174.)

    As crises aparecem como crises de crdito, crises de superproduo de mercadorias e

    subconsumo ou ainda como derivadas da desproporo entre os setores de produo de meios

    de produo e bens de consumo, mas, na essncia so crises de superacumulao de capital

    expressa pela queda tendencial da taxa mdia de lucro, cessando a realizao do capital-

    mercadoria, impossibilitando a valorizao ao romper-se o processo de reproduo do capital

    global. Segundo Marx, os perodos de crise so momentos de ajuste no processo de

    reproduo do capital global ao desvalorizar e at mesmo inutilizar parcelas do capital

    existente como forma de restabelecer as taxas mdias de lucro; da mesma maneira que por um

    lado, aumentam a centralizao do capital existente expropriando os pequenos e mdios

    capitalistas, enquanto por outro, criam uma superpopulao relativa ao reduzir ainda mais a

    parcela do capital varivel em relao ao capital constante. Em suma, a crises a expresso

    mxima da atuao das contratendncias queda da taxa de lucro; a crise apresenta um

    carter qualitativo duplo ao explicitar as contradies do desenvolvimento do modo de

    produo capitalista, ao aparecer como sintoma do seu carter degenerativo, ao mesmo tempo

    em que funciona como contratendncia ao restabelecer as condies de valorizao do capital.

    Fazendo analogia com o corpo humano, a crise funciona como um remdio, como um

    anticorpo que aciona todas as formas de defesa possveis contra a doena, mas, traz a cura

    temporria ao recolocar essas debilidades inerentes ao corpo em grau maior de intensidade e

    prolongamento dos sintomas, exigindo cada vez mais anticorpos mais poderosos, at o

    momento em que os anticorpos e at mesmo os remdios no conseguem mais defender o

    corpo. A partir desse grau de desenvolvimento da doena se apresentam apenas duas

    possibilidades, a morte ou a sua postergao ao manter-se o corpo em estado vegetativo a

    espera do desligamento dos aparelhos que o mantm vivo artificialmente.

    A contradio, expressa de forma bem genrica, consiste em que o modo de

    produo capitalista implica uma tendncia ao desenvolvimento absoluto das foras

    produtivas, abstraindo o valor e a mais-valia nele includos, tambm abstraindo as

  • relaes sociais, dentro das quais transcorre a produo capitalista; enquanto, por outro

    lado, ela tem por meta a manuteno do valor-capital existente e sua valorizao no

    grau mais elevado (ou seja, crescimento sempre acelerado desse valor). Seu carter

    especfico est orientado para o valor-capital existente, como meio para a mxima

    valorizao possvel desse valor. Os mtodos pelos quais ela alcana isso implicam:

    diminuio da taxa de lucro, desvalorizao do capital existente e desenvolvimento

    das foras produtivas do trabalho custa das foras produtivas j produzidas. A

    desvalorizao peridica do capital existente, que um meio imanente ao modo de

    produo capitalista para conter a queda da taxa de lucro e acelerar a acumulao de

    valor-capital pela formao de novo capital, perturba as condies dadas, em que se

    efetua o processo de circulao e de reproduo do capital, e, por isso, acompanhada

    por paralisaes sbitas e crises do processo de produo. A diminuio relativa do

    capital varivel em relao ao constante, que transcorre lado a lado com o

    desenvolvimento das foras produtivas, constitui um aguilho para o crescimento da

    populao trabalhadora, enquanto cria continuamente uma superpopulao artificial.

    (...) A produo capitalista procura constantemente superar essas barreiras que lhe so

    imanentes, mas s as supera por meios que lhe antepem novamente essas barreiras e

    em escala mais poderosa. A verdadeira barreira da produo capitalista o prprio

    capital, (...) (MARX, op. cit., p. 179-180).

    O entendimento da teoria de Marx sobre o funcionamento e o desenvolvimento do

    modo de produo capitalista como essencialmente uma teoria da sua derrocada, no e nem

    nunca foi consenso entre os marxistas e tambm entre os seus crticos. Um dos perodos mais

    intensos desse debate sobre a existncia de uma teoria de Marx sobre as crises e a derrocada

    do modo de produo capitalista, aconteceu entre o final do sculo XIX (por volta de 1890)

    at a dcada de 30 do sculo XX. Em virtude dos acontecimentos histricos, a questo que

    estava claramente posta para os partidos operrios nesse perodo era a opo pela reforma do

    capitalismo ou o caminho da revoluo, por isso a importncia do debate sobre o carter da

    teoria de Marx para os tericos da poca. Jorge Tula no prefcio do livro La ley de la

    acumulacin y del derrumbe del sistema capitalista de Henryk Grossmann, distingue trs

    fases do debate ao utilizar a periodizao elaborada por Giacomo Marramao em seu trabalho

    Teoria del derrumbe y capitalismo organizado en las discussiones del extremismo histrico:

    1) a primeira fase se inicia por volta de 1890 e marcada pela teoria da derrocada definida

    como clssica dos tericos da II internacional, que classificam a teoria de Marx como

  • catastrfica e sem comprovao histrica. Bernstein prope com base no seu trabalho As

    premissas do socialismo e as tarefas da social democracia, o abandono pela social

    democracia da teoria da derrocada de Marx em virtude da sua no comprovao histrica,

    com vistas adaptao do programa do partido ao funcionamento da economia moderna; 2) a

    segunda fase comea em 1905 e marcada pelo debate sobre qual o papel da luta de classes e

    da organizao proletria para a derrocada inevitvel do modo de produo capitalista; 3) a

    terceira fase comea em meados da dcada de 20 e se estende at a dcada de 30, e, marcada

    pelo refluxo e derrota do movimento operrio europeu e pelo debate sobre a crise e o

    capitalismo de Estado que se desenvolve nas dcadas de 20 e 30.

    O ponto central da controvrsia entre os marxistas sobre a teoria de Marx sobre as

    crises e a derrocada do modo de produo capitalista nesse perodo se situava na interpretao

    dos chamados esquemas de reproduo do Livro Segundo de O Capital. Os tericos que

    defendiam o carter ilimitado de reproduo do modo de produo capitalista lanavam mo

    dos esquemas de reproduo para fundamentar sua tese de que as crises eram resultado da

    desproporo entre os setores de produo de meios de produo e de produo de bens de

    consumo. Se a produo e a acumulao nos setores fossem planejadas, mantendo a

    proporo, se eliminariam os motivos econmicos das crises do capitalismo. Por conseguinte,

    a passagem do capitalismo para o socialismo no se daria como resultado ltimo das suas

    contradies de carter econmico, pelo colapso das suas leis econmicas, mas, da vontade

    poltica das massas proletrias organizadas, que movidas por um sentimento de tica

    promoveriam a transformao de forma pacfica. O capitalismo seria derrotado no pelas

    contradies do seu prprio desenvolvimento econmico sendo o capitalismo do ponto de

    vista econmico um sucesso para esses tericos mas, por causas ticas e morais. Com

    diferenas de abordagem, muitas vezes em funo de disputas tericas e principalmente

    polticas em seus pases, a gama de tericos que compartilhavam esse ponto de vista era

    variada; dos sociais democratas alemes e austracos como Hilferding, Otto Bauer, Kautsky

    aos tericos no-marxistas e marxistas russos como Tugan-Baranovski, Bulgakov, Bukharin e

    at mesmo o jovem revolucionrio Lnin. No caso dos marxistas russos, a defesa dos

    esquemas de reproduo como representativos da realidade resultado do debate sobre a

    possibilidade de desenvolvimento do capitalismo na Rssia com os populistas que defendiam

    a impossibilidade desse desenvolvimento.

  • No lado oposto, tericos como Rosa Luxemburgo e Henryk Grossmann criticaram a

    defesa do carter ilimitado de expanso econmica do modo de produo capitalista,

    resgatando o sentido da teoria de Marx como teoria sobre a derrocada do capitalismo. No

    livro Acumulao de Capital publicado em 1912, Rosa Luxemburgo questiona a validade

    da aplicao dos esquemas de reproduo do Livro Segundo de O Capital, defendendo a

    hiptese de que a reproduo do capital global s se realiza por meio do comrcio com as

    chamadas terceiras pessoas, regies no capitalistas, que absorveriam a superproduo das

    regies capitalistas. Com o desenvolvimento do processo de acumulao de capital, a

    realizao do produto produzido estaria comprometida pela impossibilidade de realizao de

    parte do valor criado que corresponderia a mais-valia. Em virtude de o consumo dos

    trabalhadores, dos capitalistas e das camadas improdutivas ser restrito, estar contido por

    limites estreitos, a frao do valor que foi produzida como mais-produto, correspondente

    mais-valia, s poderia ser consumida via acumulao de capital atravs da compra de novos

    meios de produo e a contratao de mais fora de trabalho. A contradio que se coloca

    com o desenvolvimento do modo de produo capitalista, segundo Rosa Luxemburgo, estaria

    no descompasso da expanso da capacidade de produo e do ritmo do crescimento da

    acumulao de capital, por isso a necessidade de se ampliar o intercmbio atravs do

    comrcio exterior. Nesse sentido, a luta imperialista entre as grandes potncias pela conquista

    ou pelo controle das colnias seria impulsionada pela necessidade de novos mercados. J

    Grossmann ao publicar La ley de la acumulacin y del derrumbe do sistema capitalista em

    1929, faz a crtica da interpretao dos esquemas de reproduo de Marx feita tanto pelos

    defensores da expanso econmica ilimitada modo de produo capitalista quanto a feita por

    Rosa Luxemburgo. A crtica de Grossmann est centrada na incompreenso da importncia do

    mtodo utilizado por Marx para a organizao de O Capital e para o melhor entendimento

    da sua teoria. A incompreenso do mtodo, segundo Grossmann, explica o equvoco da

    interpretao do papel dos Livros Primeiro e Segundo de O Capital e, portanto, do papel dos

    esquemas de reproduo na anlise de Marx do capital em sua forma geral, cometido pelos

    tericos da II internacional, pelos marxistas russos e por Rosa Luxemburgo. Para Grossmann,

    uma interpretao mais cuidadosa do mtodo, evidencia a teoria de Marx como uma teoria

    sobre a derrocada do modo de produo capitalista como resultado das prprias contradies

    que aparecem j na sua forma abstrata, como capital em geral, reafirmando o seu carter

    histrico e transitrio como modo de produo.

  • O tema das crises tambm tratado por Marx e Engels nos seus escritos que tratam da

    anlise dos acontecimentos histricos do seu tempo e de anlise da conjuntura econmica e

    poltica. Obras como a As Lutas de classes na Frana, O 18 Brumrio de Lus Bonaparte, A

    Guerra civil na Frana, A Situao da Classe Trabalhadora na Inglaterra, alm das notas de

    Engels e de algumas partes de O Capital e de Teorias da Mais-Valia, nos remetem aos

    desdobramentos mais concretos da teoria. Os artigos escritos por Marx e Engels para revistas

    como a Nova Gazeta Renana e jornais como o New York Daily Tribune, com quem Marx

    colaborou de 1851 a 1862 como correspondente internacional, so fundamentais para o

    confronto da teoria de Marx sobre as crises e a derrocada do modo de produo capitalista na

    sua forma mais abstrata com as anlises das diversas crises que marcaram sua poca,

    aperfeioando a compreenso da teoria a partir da sua aplicao para a anlise dos fenmenos

    que compem a realidade.

    1.2 OBJETIVOS

    OBJETIVO GERAL:

    Demonstrar que a teoria econmica de Karl Marx, desenvolvida de forma mais

    completa em O Capital, no seu conjunto uma teoria sobre a derrocada do modo de

    produo capitalista, em que as diferentes formas em que aparecem as crises so a expresso

    mais explcita da contradio original do capital.

    OBJETIVOS ESPECFICOS:

    1) Demonstrar que o capital em sua forma mais abstrata, capital em geral, j apresenta a

    contradio entre o desenvolvimento das foras produtivas do trabalho social e as relaes

    sociais de produo e distribuio capitalistas.

    2) Demonstrar que a queda tendencial da taxa mdia de lucro explicita a contradio entre a

    crescente magnitude de capital acumulado e a decrescente taxa de valorizao e de

    acumulao. As crises peridicas surgem dessa contradio.

    3) Analisar a atuao das causas contrariantes apontadas por Marx como freio ao

    funcionamento absoluto da lei da queda tendencial da taxa de lucro.

    4) Investigar as formas em que aparecem as crises no modo de produo capitalista.

    Demonstrar que as crises de superproduo, subconsumo, desproporo entre setores, do

  • sistema de crdito e do mercado mundial so formas como aparece a contradio inerente

    ao desenvolvimento do modo de produo capitalista.

    5) Ressaltar a teoria de Marx como uma teoria sobre a derrocada do modo de produo

    capitalista a partir das suas prprias contradies, que se acentuam com o seu

    desenvolvimento.

    6) Confrontar a teoria das crises e da derrocada do capitalismo de Marx com a sua prpria

    interpretao das crises ocorridas no seu tempo, exposta em diversos textos e artigos

    para jornais e revistas.

    1.3 METODOLOGIA

    Para que fossem alcanados os objetivos propostos, primeiramente, foi feita uma

    pesquisa bibliogrfica sobre o tema, principalmente pelos escritos econmicos de Marx, em

    que o tema das crises e da derrocada do capitalismo surge da anlise do desenvolvimento da

    reproduo capitalista. A fonte principal da pesquisa foram os 4 livros de O Capital

    (incluindo o livro Teorias da Mais-Valia), em virtude de ser o registro mais completo da

    teoria de Marx. fundamentalmente com base em O Capital que se demonstra que no

    existe uma teoria de crises em um trecho especfico da anlise de Marx, mas que a teoria de

    forma completa uma teoria das crises e da derrocada do capitalismo. Para a anlise do

    capital em geral, obras como Captulo VI Indito de O Capital e Para a Crtica da

    Economia Poltica foram esclarecedoras de algumas passagens de O Capital. Da mesma

    forma, obras de autores marxistas como Rosdolsky, Grossmann e o Suplemento ao Livro

    Terceiro escrito por Engels foram fundamentais para o melhor entendimento do mtodo de

    exposio utilizado por Marx. Para se investigar como Marx interpretou luz da sua teoria as

    crises ocorridas no seu tempo, foi realizada uma anlise dos escritos em que Marx aborda a

    conjuntura econmica e poltica, principalmente os artigos escritos juntamente com Engels

    para revistas como a Nova Gazeta Renana e artigos para jornais como New York Daily

    Tribune. Os escritos de Engels, como os artigos publicados em jornais e revistas, notas para O

    Capital ou as vrias apresentaes s reedies das suas obras e as de Marx, foram

    fundamentais para o entendimento e a sistematizao dos seus e dos escritos de Marx sobre as

    crises verificadas no seu tempo.

  • O mtodo de exposio o mesmo utilizado por Marx. O trabalho parte da

    demonstrao da contradio inerente ao capital na sua forma mais simples, capital em geral,

    aproximando sucessivamente o funcionamento do capital de sua forma concreta, com as

    diferentes categorias que o constituem em seu estgio mais desenvolvido. A anlise do capital

    em geral e do capital em sua forma mais prxima do seu funcionamento na realidade,

    incorporando a concorrncia entre diferentes tipos de capitalistas, desenvolvimento do sistema

    de crdito e a formao do mercado mundial, demonstra que o seu desenvolvimento

    potencializa a contradio que j estava em gnese na sua forma mais simples. As crises so a

    manifestao dessa contradio inerente ao modo de produo capitalista em sua forma

    desenvolvida.

    No captulo primeiro feita uma introduo ao tema do trabalho seguida dos objetivos

    geral e especficos - e da metodologia. No captulo segundo, demonstrado como o

    processo de produo capitalista um processo de reproduo das relaes sociais

    capitalistas. O desenvolvimento do processo de acumulao de capital ao mesmo tempo em

    que desenvolve a classe capitalista e a classe trabalhadora como classes opostas, desenvolve a

    contradio entre o avano da fora produtiva do trabalho social e as relaes sociais de

    produo que so a sua base. Essa contradio, que inerente ao capital em geral,

    explicitada com a centralizao de capital por um lado e a formao de uma superpopulao

    relativa por outro. No captulo terceiro, o funcionamento do modo de produo capitalista

    incorpora a transformao da taxa de mais-valia em taxa de lucro e, portanto, da repartio da

    mais-valia social entre diferentes tipos de capitalistas. Com o aumento da composio

    orgnica mdia do capital global, a lei da queda da taxa de lucro se impe como tendncia ao

    funcionamento do capital. A atuao das causas contrariantes vigncia da lei apenas retarda

    a sua ao de forma absoluta, sem anular o seu funcionamento como tendncia ao recolocar

    os limites do modo de produo capitalista em um grau mais desenvolvido. O captulo quarto

    trata da crise como exploso das contradies do modo de produo capitalista e que aparece

    na forma de diferentes tipos de crise: crise de superproduo, subconsumo, desproporo

    entre setores, do sistema de crdito e do mercado mundial. Todas essas formas so a

    manifestao da contradio entre o desenvolvimento das foras produtivas do trabalho social

    e as relaes sociais de produo e distribuio capitalistas. As anlises de Marx e Engels das

    crises do sculo XIX comprovam essa tese. No captulo quinto so apresentadas as concluses

    finais do trabalho.

  • A exposio dos argumentos do trabalho reforada com o seu confronto com a

    citao de trechos originais, com base na bibliografia selecionada, que sintetizam a idia dos

    autores. Essa forma de exposio refora a importncia de uma detalhada reviso

    bibliogrfica das obras que tratam sobre o tema, principalmente O Capital e outros escritos

    de Karl Marx, fundamentando de forma mais segura as concluses que so apresentadas no

    trabalho.

  • CAPITULO 2

    2 REPRODUO E DERROCADA DO CAPITAL EM GERAL

    No plano da obra O Capital de Karl Marx, os Livros Primeiro e Segundo so

    dedicados exposio do capital em seu carter mais abstrato, mais simples do seu

    funcionamento; abstraindo a diviso da mais-valia entre diferentes tipos de capitalistas, a

    concorrncia, o desenvolvimento do sistema de crdito e a existncia do mercado mundial. No

    Livro Primeiro, Marx discute o processo de produo do capital como processo de produo e

    de reproduo de capital e das relaes sociais de produo da sociedade capitalista. Como o

    movimento de valorizao no se restringe esfera da produo, sendo preciso realizar a mais-

    valia produzida na esfera da circulao, ao Livro Segundo consequentemente cabe a exposio

    do processo de circulao do capital. Os 2 livros expem o movimento de circulao do capital

    como ciclo indissolvel da esfera da circulao, nas suas 2 fases, com a esfera da produo

    como locus da criao de valor e da relao direta de explorao da classe trabalhadora. Marx

    mostra que o capital no seu funcionamento de forma pura, no carter estritamente especfico da

    sua lei da acumulao, apresenta uma contradio crescente entre o desenvolvimento das foras

    produtivas e as relaes sociais de produo e distribuio capitalistas. Essa contradio

    evidencia-se, por um lado, na expanso contnua da capacidade do trabalho social via aumento

    da massa dos meios de produo transformados em mercadorias com valor excedente por uma

    massa de trabalhadores cada vez mais integrados no processo de trabalho em carter mundial; e

    por outro lado, a formao de uma superpopulao relativa provocada pelo crescimento a taxas

    decrescentes da demanda de trabalho humano, tornando uma parcela crescente da populao

    trabalhadora intil, redundante para o processo de produo de capital. Junto com a elevao

    crescente do trabalho morto em proporo ao trabalho vivo, ou seja, aumento da composio

    orgnica do capital, cai tendencialmente a taxa de lucro mdio e a taxa de acumulao do

    capital, embora a taxa de explorao (mais-valia) tendencialmente cresa. O aumento da

    magnitude da riqueza produzida socialmente e apropriada em propores crescentes pela classe

    capitalista, em contraste com o empobrecimento relativo e elevao do grau de explorao da

    classe trabalhadora inerente ao capital na sua forma geral, abstrada da concorrncia entre

    diferentes capitais, o sistema de crdito e o mercado mundial que potencializam o

    desenvolvimento dessas contradies.

  • Marx na apresentao da seo VII , referente ao processo de acumulao de capital, no

    Livro Primeiro, mostra de maneira clara o plano da obra e o mtodo de exposio fundado na

    aproximao sucessiva do capital do seu funcionamento na realidade. No Livro Terceiro,

    caberia analisar as modificaes no processo de acumulao de capital com a transformao

    da taxa de mais-valia em taxa de lucro e a formao da taxa de lucro mdio, bem como, a

    repartio da mais-valia social em diferentes formas (lucro comercial, renda da terra, juros..)

    que cabem a diferentes tipos de capitalistas que concorrem entre si. Essa investigao do

    processo de acumulao do capital em geral, necessita de alguns pressupostos que so

    apresentados por Marx:

    Supomos aqui, portanto, por um lado, que o capitalista que produz a mercadoria a vende por seu

    valor, sem nos determos mais com a sua volta ao mercado nem com as novas formas que o capital assume

    na esfera da circulao, nem com as condies concretas da reproduo ocultas nessas formas. Por outro

    lado, consideramos o produtor capitalista como proprietrio da mais-valia inteira ou, se se quiser, como o

    representante de todos os participantes no butim. Encaramos, portanto, de incio a acumulao em

    abstrato, isto , como mero momento do processo direto de produo. De resto, na medida que a

    acumulao se realiza, o capitalista consegue vender a mercadoria produzida e retransformar em dinheiro

    o capital recebido por ela. Alm disso: o fracionamento da mais-valia em diversas partes nada muda em

    sua natureza nem nas condies necessrias em que ela se torna elemento da acumulao. Qualquer que

    seja a proporo da mais-valia que o produtor capitalista retm para si mesmo ou cede a outros, ele

    sempre se apropria dela em primeira mo. O que, portanto, pressuposto em nossa apresentao da

    acumulao, pressuposto do seu processo real. Por outro lado, o fracionamento da mais-valia e o

    movimento mediador da circulao obscurecem a simples forma bsica do processo de acumulao. Por

    isso, sua anlise pura exige a abstrao provisria de todos os fenmenos que escondem o jogo interno de

    seu mecanismo. (MARX. O CAPITAL. 1988, Livro I, vol. 2, p. 143-144.)

    Esse captulo est dividido em 3 sees; a primeira seo trata do processo de produo

    do capital como processo de reproduo das relaes sociais capitalistas, como o processo de

    produo de capital reproduz a classe capitalista e a classe trabalhadora como expresso das

    relaes sociais de produo da sociedade burguesa. A segunda seo analisa como o

    processo de acumulao converte as leis de propriedade da produo de mercadorias em lei da

    apropriao capitalista, em que a classe trabalhadora dominada pelo prprio produto do seu

    trabalho na forma de capital. Na terceira seo, so expostas as contradies do processo de

  • acumulao do capital em geral, contradies j presentes na sua forma abstrata e que so

    desenvolvidas e potencializadas com a anlise do seu funcionamento de forma concreta.

    2.1 REPRODUO DAS RELAES SOCIAIS DE PRODUO

    CAPITALISTAS

    Todo processo social de produo ao mesmo tempo processo de reproduo. O

    funcionamento do processo social de produo, visto como processo global de reproduo

    exige que uma parte do produto anual no seja consumida, mas que retorne produo no ano

    seguinte como reposio das matrias primas e matrias auxiliares consumidas e da parcela

    dos meios de trabalho desgastados no prprio processo de produo do produto anual total.

    Para se manter a mesma escala de produo do perodo anterior ou at mesmo ampli-la,

    preciso que uma parte da produo total seja na forma de meios de produo para o consumo

    produtivo. No modo de produo capitalista, a produo e reproduo assumem forma

    especfica. O processo de produo a sntese do processo de trabalho e do processo de

    valorizao do capital; como meio essencial para a valorizao do capital adiantado em meios

    de produo e fora de trabalho ao produzir um valor excedente na forma de mais-valia. Esse

    processo de produo de capital de forma contnua um processo de reproduo ao criar

    mais-valia como fruto do seu funcionamento como capital e ao mesmo tempo produzir e

    reproduzir as suas relaes sociais de produo.

    A anlise da reproduo do capital na sua forma mais abstrata, a partir dos seus

    elementos mais simples, chamada por Marx de reproduo simples, j revela o carter

    especfico das relaes sociais de produo capitalistas. O pressuposto de que o capitalista

    consome toda a mais-valia produzida, mantendo a mesma escala do processo - por

    conseguinte abstendo a aplicao da mais-valia em novos meios de produo e a contratao

    de mais trabalhadores, ou seja, reproduo ampliada, acumulao de capital - desvela novas

    caractersticas do processo ao sair-se da aparncia do fenmeno. A compra de fora de

    trabalho para ser utilizada no processo de produo tambm se renova continuamente. Aps o

    trmino do prazo de contratao da fora de trabalho, preciso sempre recontrat-la para que

    a produo continue no mesmo ritmo. O trabalhador ao transformar os meios de produo em

    mercadorias com um valor excedente, mercadorias prenhes de mais-valia, s recebe seu

    pagamento aps ter efetivado seu valor de uso para o capitalista; ao ter produzido no montante

    de mercadorias no apenas o valor do fundo para o pagamento do seu salrio, na forma de

  • capital varivel, mas tambm valor excedente, mais-valia, considerada como fundo de

    consumo do capitalista no processo de reproduo simples.

    O processo de produo como processo de reproduo transforma todo o capital em

    capital acumulado, mais-valia capitalizada, valor apropriado sem equivalente como

    materializao de trabalho alheio no-pago. Mesmo se a origem do capital aplicado no

    processo de produo seja a propriedade acumulada em virtude do trabalho do seu possuidor,

    a reproduo contnua do processo de produo retransforma o capital que foi fruto do seu

    trabalho em mais-valia capitalizada como fruto da apropriao de trabalho alheio no-pago.

    Se o capitalista consome toda a mais-valia gerada, ao transcorrer de alguns anos ele ter

    consumido uma soma de capital igual ao montante do capital adiantado. O capital que lhe

    resta mudou a sua qualidade, no mais o capital original, mas a soma da mais-valia que ele

    se apropriou sem nada dar em troca. O trabalhador tambm muda sua qualidade no processo

    de reproduo; fonte da criao de riqueza ao transformar com a sua capacidade de trabalho

    os meios de produo em mercadorias com um valor excedente ao capital originariamente

    adiantado, valor excedente como materializao de trabalho no-pago, transforma o produto

    do seu prprio trabalho em capital objetivado que lhe estranho e o domina.

    No processo de reproduo capitalista, o trabalhador produz a riqueza como propriedade

    do capitalista e recebe uma parcela do prprio produto do seu trabalho na figura do salrio

    que lhe pago. A parcela do produto produzido pelo trabalho do trabalhador na forma de

    salrio no lhe paga em mercadorias, mas em dinheiro, como equivalente geral de valor que

    d ao seu possuidor o direito de dispor de todas as mercadorias compradas e vendidas. A

    iluso monetria criada pela forma como o salrio aparece, obscurece a relao social de

    produo em que o trabalhador dominado pelo produto do seu trabalho; produzindo e

    reproduzindo a riqueza social apropriada pelo capitalista e recebendo apenas uma parte dela

    como salrio. Para Marx, a forma aparente do processo dissolve-se mais facilmente quando se

    consideram no o capitalista individual e o trabalhador individual no processo produtivo de

    uma unidade particular de produo, mas, a classe capitalista e a classe trabalhadora no

    processo global de reproduo social. A classe capitalista entrega classe trabalhadora ttulos

    sobre parcela do produto do seu trabalho na forma monetria, que lhe so restitudos quando a

    classe trabalhadora compra os produtos necessrios para a sua subsistncia que foram

    produzidos por ela mesma, mas que so propriedade dos capitalistas. A forma mercadoria e a

    forma dinheiro que o capital precisa assumir no processo de produo confundem a

  • compreenso da relao social capitalista, fundada no carter social da produo da riqueza e

    na sua apropriao de maneira privada.

    A iluso, gerada pela forma monetria, desaparece imediatamente to logo sejam consideradas a

    classe capitalista e a classe trabalhadora em vez do capitalista individual e do trabalhador individual. A

    classe capitalista d constantemente classe trabalhadora, sob forma monetria, ttulos sobre parte do

    produto produzido por esta e apropriado por aquela. Esses ttulos, o trabalhador os restitui, do mesmo

    modo constante, classe capitalista e retira-lhe, com isso, aquela parte do seu prprio produto que

    atribuda a ele. A forma mercadoria do produto e a forma monetria da mercadoria disfaram a transao.

    (MARX, O CAPITAL. 1988, Livro I, vol. 2 p. 146)

    Para que essa relao de compra e venda da fora de trabalho e dos meios de produo

    como a primeira etapa do processo de produo e de reproduo do capital seja possvel,

    necessrio do ponto de vista histrico, que a classe trabalhadora tenha sido separada das

    condies objetivas do trabalho e do prprio produto do seu trabalho. Que se defronte com a

    classe capitalista como vendedora da sua capacidade de trabalho, fora de trabalho como fora

    subjetiva criadora de valor. A existncia do dinheiro que se converte em meios de produo

    como propriedade privada do capitalista, condies objetivas do processo de trabalho,

    separadas do trabalhador como condio subjetiva, s existem como capital latente, capital

    potencial, se no so colocados no processo de produo. Meios de produo e fora de

    trabalho, como propriedade de distintas figuras, o capitalista e o trabalhador, so a expresso da

    relao social de produo capitalista. So o pressuposto para que no processo de produo se

    produza capital, capital objetivado; que essa relao social se concretize, se objetive em capital

    como propriedade privada do capitalista. O pressuposto para o funcionamento do processo se

    transforma na prpria lei que rege e perpetua o processo. Na reproduo simples, essa relao

    social de produo entre a classe capitalista e a classe trabalhadora tambm produzida e

    reproduzida continuamente. O trabalhador quando produz mercadorias com valor acima do que

    foi adiantado em meios de produo e no pagamento do seu prprio salrio, produz mais-valia

    como fruto do funcionamento do capital; mas, produz tambm riqueza social objetivada como

    capital que propriedade privada do capitalista. No entanto, no mesmo sentido que produz esse

    Plus de riqueza como capital que se valoriza como propriedade privada do capitalista, o

    trabalhador reproduz as relaes sociais de produo capitalistas ao reproduzir a sua no-

    propriedade sobre as condies objetivas de trabalho e o prprio produto do seu trabalho. O

    capitalista, que para valorizar o capital precisa ininterruptamente recontratar os trabalhadores

    para ao serem colocados no processo de produo produzirem mercadorias prenhes de mais-

  • valia, tambm reproduz o trabalhador como trabalhador assalariado ao reproduzir as condies

    da sua no-propriedade, utilizando parcela do prprio produto do trabalho do trabalhador como

    salrio para comprar a sua fora de trabalho. O prprio consumo individual da classe

    trabalhadora se converte em parte do processo social de reproduo do capital, se restringindo

    ao estritamente necessrio para a sua subsistncia e procriao enquanto classe. Para o

    capitalista, preciso que a riqueza social no se dissipe em consumo improdutivo pelos

    trabalhadores, mas se converta o mximo possvel em capital que produzir mais riqueza. O

    trabalhador para renovar suas energias vitais, sua capacidade de trabalho como fonte criadora

    de valor, precisa constantemente produzir sempre novo montante de riqueza como capital de

    propriedade privada do capitalista. E, o capitalista, para conservar e aumentar sua riqueza como

    capital, ou seja, para conservar-se como capitalista, tambm precisa reproduzir o trabalhador

    assalariado. A reproduo da classe capitalista e da classe trabalhadora representa as duas faces

    do processo de reproduo das relaes sociais capitalistas, que com o desenvolvimento do

    modo de produo capitalista centraliza a riqueza como propriedade privada de um nmero

    cada vez mais reduzido de capitalistas e a aumenta a pobreza e misria da massa de

    trabalhadores.

    Mas o que era, no princpio, apenas ponto de partida, produzido e perpetuado sempre de novo, por

    meio da mera continuidade do processo, da reproduo simples, como resultado prprio da produo

    capitalista. Por um lado, o processo de produo transforma continuamente a riqueza material em capital,

    em meios de valorizao e de satisfao para o capitalista. Por outro lado, o trabalhador sai do processo

    sempre como nele entrou fonte pessoal de riqueza, mas despojado de todos os meios para tornar essa

    riqueza realidade para si. Como, ao entrar no processo, seu prprio trabalho j est alienado dele, apropriado

    pelo capitalista e incorporado ao capital, este se objetiva, durante o processo, continuamente em produto

    alheio. Como o processo de produo , ao mesmo tempo, o processo de consumo da fora de trabalho pelo

    capitalista, o produto do trabalhador transforma-se continuamente no s em mercadoria, mas em capital,

    em valor que explora a fora criadora de valor, em meios de subsistncia que compram pessoas, em meios

    de produo que empregam o produtor. O prprio trabalhador produz, por isso, constantemente a riqueza

    objetiva como capital, como poder estranho, que o domina e explora, e o capitalista produz de forma

    igualmente contnua a fora de trabalho como fonte subjetiva de riqueza, separada de seus prprios meios de

    objetivao e realizao, abstrata, existente na mera corporalidade do trabalhador, numa s palavra, o

    trabalhador como o trabalhador assalariado. Essa constante reproduo ou perpetuao do trabalhador a

    condio sine qua non da produo capitalista. (MARX, O Capital. 1988, Livro I, vol. 2 p. 148.)

  • 2.2 ACUMULAO DE CAPITAL E APROPRIAO CAPITALISTA.

    Na seo anterior, foi visto que o processo de produo de capital, produo de valor

    excedente na forma de mais-valia, no seu fluxo contnuo reproduz as relaes sociais de

    produo capitalistas. A reproduo do capital reproduz o vnculo da classe capitalista com a

    classe trabalhadora, como os dois lados opostos do processo de produo da riqueza social. No

    processo de reproduo simples foi pressuposto que o capitalista consumia toda a mais-valia

    produzida, mantendo a mesma escala de produo, apenas repondo os meios de trabalho

    desgastados, as matrias primas e matrias auxiliares consumidas e recontratando o mesmo

    nmero de trabalhadores. Quando se transforma a mais-valia em capital, abstraindo a parte da

    mais-valia consumida pelo capitalista, comprando um volume adicional de meios de produo e

    contratando mais trabalhadores, aumentando a escala do processo de produo, a reproduo do

    capital assume a forma de acumulao do capital, reproduo em escala crescentemente

    ampliada. Considerada concretamente, a acumulao se reduz reproduo do capital em

    escala progressiva. O circuito da reproduo simples se altera e se transforma, na expresso

    de Sismondi, em uma espiral (MARX, op. cit, p. 155-156.)

    Na reproduo de capital de forma simples, a fora de trabalho transforma os meios de

    produo em mercadorias com um valor excedente ao que foi adiantado, produz capital ao

    conservar o valor adiantado e ainda produzir valor excedente na forma de mais-valia. A soma

    de valor original do capitalista se transformou em capital real, capital objetivado como

    concretizao da forma potencial do capital no volume de mercadorias prenhes de mais-valia.

    Feita a realizao do valor dessas mercadorias, a forma mercadoria do capital se retransforma

    em capital-monetrio, soma do valor originalmente adiantado acrescentado da mais-valia; no

    importa se o capitalista consumir toda a mais-valia, o que importa para Marx nessa etapa

    evidenciar que a produo de capital produo de mais-valia, a reproduo das relaes

    sociais de produo capitalistas. Na reproduo em escala ampliada a mais-valia produzir mais

    capital e mudar as condies de reproduo das relaes sociais de produo capitalistas. Com

    o desenvolvimento do modo de produo capitalista, a aparncia, a forma do fenmeno, tm

    transformado o seu contedo. A forma no explica o contedo, mas, o mistifica.

    Para ampliar sua escala de produo, o capitalista precisa converter a mais-valia

    realizada com a venda das mercadorias produzidas anteriormente em quantidades adicionais de

    meios de produo e na contratao de mais trabalhadores. Desse retorno do capitalista esfera

  • da circulao como comprador de maiores quantidades de meios de produo e fora de

    trabalho, o capital original e o seu rebento, o novo plus de capital se confundem ao assumirem a

    forma de capital monetrio. Como o dinheiro no demonstra sua origem, a mais-valia ao se

    transformar em capital produtivo adicional, apaga sua origem no mais-trabalho, trabalho no-

    pago aos trabalhadores. Esse mais-trabalho realizado pelos trabalhadores se materializa num

    volume de mais-produto produzido. Para que a mais-valia possa ser convertida em novas

    mquinas e ferramentas, novas matrias primas e matrias auxiliares, foi preciso que a

    produo total do perodo anterior no ficasse restrita ao necessrio para reposio dos meios de

    produo consumidos e desgastados naquele perodo, mas que produzisse meios de produo

    em quantidade excedente. Da mesma maneira, a produo de meios de subsistncia para o

    consumo dos trabalhadores no pode se limitar apenas ao volume necessrio para reproduzir a

    mesma quantidade da populao trabalhadora. O prprio carter do processo de produo

    capitalista como processo de trabalho e processo de valorizao determina que a magnitude do

    produto no possa se restringir ao equivalente da soma de capital adiantado, se no o capitalista

    no valoriza seu capital, preciso produzir um mais-produto, uma mais-valia, que se converta

    em uma soma maior de dinheiro. A necessidade de valorizao do capital impulsiona de

    maneira contnua a produo capitalista para alm dos seus limites. O processo de produo

    capitalista sempre est criando uma quantidade de mercadorias que precisa ser retransformada

    em capital produtivo ou servir para o consumo individual da classe capitalista e da classe

    trabalhadora. A concorrncia entre capitais, o sistema de crdito e o comrcio exterior, que no

    so considerados por Marx na anlise do capital em geral, potencializam ainda mais a expanso

    da escala de produo, potencializando tambm as contradies desse processo. A crise a

    expresso mais aguda das contradies do processo de acumulao de capital.

    A reproduo ampliada da escala de produo do capital necessita tambm reproduzir de

    forma ampliada a classe dos trabalhadores como vendedora da sua fora de trabalho.

    essencial reproduzir a populao trabalhadora - como fonte criadora de riqueza desprovida das

    condies objetivas do trabalho - como trabalhadores assalariados. Mas, com a reproduo

    ampliada do capital, a relao de compra e venda da fora de trabalho e a lei de propriedade da

    produo de mercadorias mudam de qualidade. A origem do capital varivel, do fundo dos

    salrios pagos aos novos trabalhadores contratados no o capital original adiantado pelo

    capitalista, capital que se tornou propriedade do capitalista com base na compra e venda de

    mercadorias com valores equivalentes. Da mesma maneira que o capital constante adicional,

    materializado em novo montante de meios de produo, tambm perdeu a sua ligao com

  • aquela soma de capital original. O novo capital monetrio que se converte em novo capital

    produtivo - montantes adicionais de meios de produo que sero transformados em novas

    mercadorias por uma quantidade adicional de trabalhadores - tem a sua origem no mais-produto

    produzido pelos trabalhadores sem receber nenhum valor equivalente em troca. Esse mais-

    trabalho no-pago, mais-valia, que se materializou no mais-produto produzido, o prprio

    produto do trabalho do trabalhador transformado em capital real, capital objetivado em meios

    de produo e nos meios da sua subsistncia que so propriedade do capitalista e se voltam

    contra ele. As condies objetivas do processo de trabalho e o prprio produto do trabalho do

    trabalhador no so sua propriedade, ele s recebe uma parcela do valor do produto que

    produziu na forma de salrio. Alm disso, no s o trabalhador no tem o direito de propriedade

    sobre o que produziu, como esse produto produzido por ele o explora de forma crescente ao

    necessitar do fornecimento de mais trabalho vivo para criar mais capital que o explorar ainda

    mais. A lei da propriedade da produo de mercadorias, que para a Economia Poltica

    fundamenta a acumulao de riqueza pelos capitalistas com base no prprio trabalho, torna-se

    mera aparncia, uma forma que no diz nada sobre seu contedo. O desenvolvimento do

    processo de produo capitalista transforma a compra/venda de mercadorias com valores

    equivalentes e valores de uso diferentes, expresso do direito de propriedade desses produtores

    sobre o produto do seu trabalho, em lei da apropriao capitalista, direito de apropriar-se de

    maneira crescente do produto do trabalho alheio.

    Mas a coisa totalmente diversa com capital adicional de 2.000 libras esterlinas. Conhecemos

    exatamente o seu processo de surgimento. mais-valia capitalizada. Desde a origem, ele no contm

    nenhum tomo de valor que no derive de trabalho alheio no-pago. Os meios de produo, aos quais a

    fora de trabalho adicional incorporada, assim como os meios de subsistncia, com os quais ela se

    mantm, no so mais do que componentes integrantes do mais-produto, o tributo que anualmente extrado

    da classe trabalhadora pela classe capitalista. Quando esta, com parte do tributo, compra fora de trabalho

    adicional daquela, mesmo por seu preo integral, de modo que se troque equivalente por equivalente

    permanece sempre o velho procedimento do conquistador, que compra as mercadorias dos vencidos com seu

    prprio dinheiro roubado. (MARX, op. cit. p. 156).

    A relao social capitalista uma relao de valorizao do valor e ao mesmo tempo de

    explorao do trabalho. A compra da fora de trabalho pelo capitalista aparece como uma troca

    entre dois proprietrios de mercadorias com valores de uso diferentes e com valores de troca

    iguais, uma troca de equivalentes. Mas, na essncia do fenmeno, a prpria existncia de

    intercmbio desaparece. A forma de uma relao mercantil negada pelo seu contedo como

  • relao de produo capitalista. O trabalhador tem comprada a sua fora de trabalho com

    parcela do prprio produto do seu trabalho na forma de salrio e o converte nos meios de

    subsistncia que tambm so produto do seu trabalho. A forma monetria e a forma mercadoria

    que a relao-capital assume na esfera da circulao escondem esse carter da produo

    capitalista. A aparncia da relao de intercmbio obscurece a relao social de produo em

    que o trabalhador produz a riqueza como propriedade privada do capitalista e recebe apenas

    uma parte dessa riqueza para a sua subsistncia. Numa relao de troca simples, baseada na lei

    de propriedade da produo de mercadorias, a relao se d entre proprietrios privados do

    produto do seu trabalho que se relacionam atravs das suas mercadorias por meio da troca de

    equivalentes. O carter social da produo, determinado pela diviso do trabalho, manifesta-se

    no funcionamento da lei do valor, que confronta os proprietrios privados do produto do seu

    trabalho e converte esses diferentes trabalhos em trabalho social na forma de mercadorias. A

    relao social entre os produtores fetichizada, segundo Marx, pela relao de troca entre

    mercadorias produzidas pelos homens. A relao social entre os homens aparece como relao

    entre mercadorias.

    O valor, que na produo de carter mercantil uma relao social entre diferentes

    proprietrios privados das condies objetivas do trabalho e do produto do seu trabalho na

    forma de mercadorias, no modo de produo capitalista, transubstancia-se numa relao entre

    os proprietrios privados dos meios de produo e dos meios de subsistncia e os no-

    proprietrios, que se relacionam atravs da compra/venda da fora de trabalho. Essa relao

    social uma relao de extrao de mais-valia por meio da explorao do trabalhador no

    processo de produo ao pagar-lhe como salrio pela sua capacidade de trabalho, um valor

    inferior ao que ele gerou. Mas, o capitalista no roubou nada do trabalhador ao pagar-lhe o

    salrio necessrio para a sua subsistncia. O nvel do salrio determinado no longo prazo pelo

    nvel de subsistncia necessrio para a reproduo da fora de trabalho, flutuando no curto

    prazo em torno desse nvel em virtude das oscilaes do mercado de trabalho. A motivao do

    capitalista em comprar a fora de trabalho no est em pagar por ela um valor abaixo do que ela

    vale, mas sim, de comprar uma mercadoria que tem um valor de uso especial; valor de uso de

    quando posta na produo produzir um valor excedente ao que custou, valor adicional na forma

    de mais-valia. Essa relao de intercmbio entre capitalista e trabalhador vista na esfera da

    circulao por meio da compra e venda da fora de trabalho no uma relao desigual. O

    capitalista realmente paga o que a fora de trabalho vale. Mas, do ponto de vista da relao

    social de produo da classe capitalista com a classe trabalhadora essa uma relao de

  • apropriao, uma relao de explorao, que com o desenvolvimento do capitalismo torna-se

    mais desigual para a classe trabalhadora ao centralizar a riqueza produzida socialmente como

    propriedade privada de poucos. Na organizao jurdica e poltica da sociedade burguesa os

    indivduos aparecem como iguais, abstraindo-se as classes sociais a que pertencem. A

    sociedade burguesa se legitima no invlucro da propriedade como resultado do trabalho e na

    troca como o exerccio da liberdade que a propriedade d. No entanto, no processo de

    produo que essa relao entre iguais desmascarada pela relao de explorao direta dos

    trabalhadores para a extrao de mais-valia. No processo de produo desaparece a liberdade do

    trabalhador que substituda pela disciplina da fbrica e evidencia-se a relao de apropriao

    do produto do seu trabalho pelo capitalista.

    Propriedade de trabalho passado e no-pago aparece agora como a nica condio para a apropriao

    presente de trabalho vivo no-pago, em dimenso sempre crescente. Quanto mais o capitalista houver

    acumulado, tanto mais poder acumular. Na medida em que a mais-valia, na qual consiste capital adicional

    nmero I, foi o resultado da compra da fora de trabalho por uma parte do capital original, compra que

    correspondeu s leis do intercmbio de mercadorias e, juridicamente considerada, no pressupe mais do

    que a livre disposio por parte do trabalhador sobre suas prprias capacidades, por parte do possuidor de

    dinheiro ou mercadorias sobre os valores que lhe pertencem; na medida em que o capital adicional nmero

    II etc. simples resultado do capital adicional nmero I, conseqncia, portanto, daquela primeira relao;

    na medida em que cada transao isolada corresponde constantemente lei do intercmbio de mercadorias,

    isto , o capitalista sempre compra a fora de trabalho e o trabalhador sempre a vende, e queremos mesmo

    admitir que por seu valor real, a lei da apropriao ou lei da propriedade privada, baseada na produo de

    mercadorias e na circulao de mercadorias, evidentemente se converte mediante sua prpria dialtica

    interna, inevitvel, em seu contrrio direto. O intercmbio de equivalentes, que apareceu como a operao

    original, se torceu de tal modo que se troca apenas na aparncia, pois, primeiro, a parte do capital que se

    troca por fora de trabalho nada mais que uma parte do produto de trabalho alheio, apropriado sem

    equivalente, e segundo, ela no somente reposta por seu produtor, o trabalhador, como este tem de rep-la

    com novo excedente. A relao de intercmbio entre capitalista e o trabalhador torna-se portanto apenas

    mera aparncia pertencente ao processo de circulao, mera forma, que alheia ao prprio contedo e

    apenas o mistifica. A contnua compra e venda da fora de trabalho a forma. O contedo que o

    capitalista sempre troca parte do trabalho alheio j objetivado, do qual se apropria incessantemente sem

    equivalente, por um quantum maior de trabalho vivo alheio. Originalmente, o direito de propriedade

    apareceu-nos fundado sobre o prprio trabalho. Pelo menos tinha de valer essa exposio, j que somente se

    defrontam possuidores de mercadorias com iguais direitos, e o meio de apropriao de mercadoria alheia

    porm apenas a alienao da prpria mercadoria e esta pode ser produzida mediante apenas o prprio

    trabalho. A propriedade aparece agora, do lado do capitalista, como direito de apropriar-se de trabalho

    alheio no-pago ou de seu produto; do lado do trabalhador, como a impossibilidade de apropriar-se de seu

    prprio produto. A separao entre propriedade e trabalho torna-se conseqncia necessria de uma lei que,

  • aparentemente, se originava em sua identidade. Por mais que o modo de produo capitalista parea ofender

    as leis originais da produo de mercadorias, ele no se origina de maneira alguma da violao mas, ao

    contrrio, da aplicao dessas leis. (MARX, op. cit. p.157).

    E no Captulo VI Indito de O Capital, Marx tambm deixa claro que (...) desaparece at a aparncia que a relao apresentava superfcie e segundo a qual se defrontam na circulao, no

    mercado, possuidores de mercadorias dotados de prerrogativas iguais, os quais, como todos os demais

    possuidores de mercadorias, s se diferenciam entre si pelo contedo particular das mercadorias de que

    dispem para vender um ao outro. Ou ento, esta forma original da relao subsiste apenas como

    aparncia da relao que lhe serve de base, da relao capitalista. (...) estes produtos transformados em

    capital no so os seus produtos, so produtos do operrio. O capitalista vende-lhe constantemente uma

    parte do seu produto meios necessrios de subsistncia em troca de trabalho, com vista conservao

    e ao aumento da capacidade de trabalho, do prprio comprador, e cede-lhe constantemente outra parte do

    seu produto, as condies objetivas do trabalho como meios de autovalorizao do capital, como capital.

    (...) A relao entre meros vendedores de mercadorias implica que estes troquem mutuamente os seus

    prprios trabalhos, encarnados em diversos valores de uso. A compra/venda da fora de trabalho como

    resultado incessante do processo de produo capitalista implica que o operrio tenha que readquirir

    constantemente uma parte do seu prprio produto em troca do seu trabalho vivo. Com isso se esfuma a

    aparncia de mera relao entre possuidores de mercadorias. Esta compra/venda contnua da capacidade

    de trabalho e a constante confrontao entre o operrio e a mercadoria por ele prprio produzida, como

    comprador da sua capacidade de trabalho e como capital constante, apresentam-se apenas como forma

    mediadora da sua sujeio ao jugo do capital, do trabalho vivo como simples meio para a conservao e o

    aumento do trabalho objetivado que tornado autnomo com ele se defronta. (MARX, 1997, p. 136-37)

    2.3 LEI DA ACUMULAO E AS CONTRADIES DAS RELAES SOCIAIS

    DE PRODUO CAPITALISTAS

    A acumulao de capital em escala crescente desenvolve as foras produtivas ao

    impulsionar a capacidade social de produo e reproduzir de forma ampliada a relao-capital,

    fortalecendo o poder da classe capitalista de um lado, essencialmente os grandes capitalistas, e

    aumentar de outro, a massa de trabalhadores que ficam merc do capital para serem

    explorados. O desenvolvimento incessante das foras produtivas entra em contradio com as

    relaes sociais de produo que so a sua base, em virtude de esse aumento da capacidade

    social de produo s ser possvel com a expanso contnua da composio orgnica do capital

    aumento da composio tcnica com o aumento da proporo da massa dos meios de

    produo em relao fora de trabalho necessria para transform-los em mercadorias, e,

  • aumento da composio valor com um momento do capital constante sobre a proporo do

    capital varivel em relao ao capital total reduzindo a parcela da populao trabalhadora que

    permanece em atividade, criando uma superpopulao relativa; e do lado do capital,

    concentrando e centralizando a propriedade de capital atravs da fuso, incorporao ou

    simples eliminao dos capitais concorrentes. A acumulao capitalista tem como lei geral que

    regula seu movimento, o crescimento da composio orgnica do capital e o aumento do

    montante de trabalho passado e a reduo da necessidade de trabalho vivo para valorizar o

    capital. O desenvolvimento do modo de produo capitalista subsume a lei natural da populao

    sua lei da acumulao, da mesma forma, que subsume a lei de propriedade da produo de

    mercadorias em lei da apropriao capitalista. O destino da classe trabalhadora est amarrado

    lei geral da acumulao capitalista; o grau da sua reproduo enquanto classe e a determinao

    da parcela do prprio produto do seu trabalho que recebe na forma de salrio est confinado,

    limitado pelas necessidades da continuidade do processo de acumulao. claro que essas

    limitaes so menos rigorosas nos perodos de prosperidade e mais intensas nos perodos de

    crise, mas, as condies da relao-capital so crescentemente desfavorveis para a classe dos

    trabalhadores.

    Nesse sentido, a acumulao de capital como transformao de mais-valia em capital

    adicional, acrscimo no montante de meios de produo (trabalho morto ou passado) e em

    fundo de salrios para a contratao de mais trabalhadores (trabalho vivo ou presente),

    resultado da apropriao do produto do trabalho dos trabalhadores enquanto classe determina

    limites aos nveis de variao dos salrios. Os limites da participao dos trabalhadores no

    produto social, produto da sua capacidade social de produo, so postos pela lei da

    acumulao. Como diz Marx, Produo de mais-valia ou gerao de excedentes a lei

    absoluta desse modo de produo(op. cit. p. 182). A parcela de trabalhadores ocupados s

    crescer se alm de conservarem os meios de produo como capital, reproduzirem o valor dos

    seus salrios e ainda, principalmente, criarem um valor excedente, mais-valia, que convertida

    em capital adicional expandir ainda mais a acumulao. As taxas de crescimento da demanda

    de trabalhadores para serem empregados no processo de produo esto em funo da

    composio orgnica do capital e da taxa de acumulao, que determinada pelo nvel da taxa

    de lucro. Os salrios podem crescer, e, geralmente crescem nos perodos de prosperidade, mas,

    o seu limite de crescimento est restringido pelo crescimento da acumulao de capital, pelo

    crescimento das taxas de lucro; no podendo os salrios crescerem taxas maiores que as taxas

    de lucro. Se isso acontece, e sempre acontece na fase que antecede as crises, acelerada a

  • queda da taxa geral de lucro que j vinham caindo como resultado da superacumulao,

    implicando em reduo da procura de novos trabalhadores e posteriormente na demisso de

    uma parte dos empregados, aumentando o exrcito de reserva em proporo ao exrcito da ativa

    e por conseqncia baixando os salrios. Portanto, mesmo se mantida a mesma composio

    orgnica do capital, o prprio processo de produo capitalista regula atravs da sua lei de

    funcionamento, a participao da classe trabalhadora no produto social de maneira que no

    ameace a acumulao de capital. Os nveis salariais e por conseqncia os nveis de consumo

    da classe trabalhadora, esto restritos pelo funcionamento da lei que rege o processo de

    acumulao aos limites necessrios para a reproduo da classe trabalhadora como parte do

    processo de reproduo ampliada do capital. O subconsumo da classe trabalhadora, consumo de

    uma parte cada vez mais reduzida do produto social no o causador das crises de acumulao,

    mas o resultado do funcionamento normal do processo de produo capitalista. Nos perodos

    de prosperidade, inclusive o consumo dos trabalhadores sobe como reflexo da alta dos salrios

    e do crescimento das taxas de acumulao. O limite inerente da acumulao est na queda da

    taxa de valorizao do capital, queda da taxa de lucro, que de forma geral resultado do

    aumento da composio orgnica, aumento do trabalho passado em relao ao trabalho vivo.

    Em sntese, essa relao entre acumulao de capital e o nvel dos salrios, uma relao entre

    trabalho passado, meios de produo e os meios de subsistncia como materializao da

    relao-capital, e a necessidade de trabalho vivo adicional, fora de trabalho, que lhe d um

    sopro de vida ao no s conserv-lo como capital como ainda criar capital adicional.

    A lei da produo capitalista, que subjaz a pretensa lei natural da populao, redunda

    simplesmente nisso: a relao entre capital, acumulao e taxa de salrio no nada mais que a relao

    entre trabalho no-pago, transformado em capital, e o trabalho adicional necessrio movimentao do

    capital adicional. No , portanto, de modo algum uma relao de duas grandezas independentes entre si,

    por um lado a grandeza do capital, por outro o tamanho da populao trabalhadora, mas , em ltima

    instncia, muito mais a relao entre o trabalho no-pago e o trabalho pago, da mesma populao

    trabalhadora. Se cresce a quantidade de trabalho no-pago fornecido pela classe trabalhadora e acumulada

    pela classe capitalista de modo suficientemente rpido para s com um acrscimo extraordinrio de

    trabalho pago poder transformar-se em capital, ento o salrio sobe e, permanecendo tudo mais constante,

    o trabalho no-pago diminui proporcionalmente. Mas, assim que essa diminuio atinge o ponto em que o

    mais-trabalho, que alimenta o capital, j no oferecido na quantidade normal, ento ocorre uma reao:

    uma parte menor da renda capitalizada, a acumulao se desacelera e o movimento ascendente do

    salrio sofre um contragolpe. A elevao do preo do trabalho permanece, portanto, confinada em limites

    que no s deixam intocados os fundamentos do sistema capitalista, mas tambm asseguram a sua

    reproduo em escala crescente. A lei da acumulao capitalista, mistificada em lei da natureza, expressa,

  • portanto, de fato apenas que sua natureza exclui todo decrscimo no grau de explorao do trabalho ou

    toda elevao do preo do trabalho que poderia ameaar seriamente a reproduo continuada da relao

    capital e sua reproduo em escala sempre ampliada. Nem poderia ser diferente num modo de produo

    em que o trabalhador existe para as necessidades de valorizao de valores existentes, ao invs de a

    riqueza objetiva existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador. Assim como na religio

    o ser humano dominado pela obra de sua prpria cabea, assim, na produo capitalista, ele o pela

    obra de sua prpria mo. (MARX, op. cit. p. 184.)

    O crescimento da fora de expanso do capital, resultado da prpria magnitude da

    acumulao, impulsiona a necessidade de valorizao do capital global em escala sempre

    crescente. O aumento da riqueza social via acumulao de capital como propriedade privada,

    por um lado aumenta o montante dos meios de produo e de subsistncia sob controle da

    classe capitalista. Por outro lado, aumenta a massa absoluta de trabalhadores ocupados por esse

    volume crescente de meios de produo. A lei do processo de acumulao capitalista

    desenvolve a classe capitalista ao expandir continuamente a riqueza social sob seu controle,

    aumentando o nmero de capitalistas e, principalmente, o nmero dos grandes capitalistas.

    Desenvolve tambm a classe trabalhadora, ao elevar de maneira absoluta o nmero de

    trabalhadores ocupados pelo capital. Mas, essa apenas uma face do desenvolvimento do

    processo. A outra face que tanto a classe capitalista quanto a classe trabalhadora se

    reproduzem degenerativamente com o seu prprio desenvolvimento. A concorrncia entre os

    capitais individuais leva a absoro dos menores capitais pelos grandes, centralizao de capital

    social sob o controle de um nmero cada vez mais reduzido de capitalistas. Os pequenos,

    mdios e at mesmo grandes capitalistas so expropriados de seus capitais, se transformando

    em proprietrios de capital monetrio que lhes rendem juros, ou, at mesmo passando para as

    fileiras da classe trabalhadora no caso de runa completa do negcio. O destino da classe

    trabalhadora ainda mais trgico. Enquanto uma parte dos capitalistas se transforma em rentista

    e uma outra parte menos afortunada em trabalhadores, uma parcela crescente dos trabalhadores

    considerada redundante, exrcito industrial de reserva que permanece de prontido para ser

    ocupado pelo capital. A parcela menos afortunada da classe trabalhadora j no serve nem mais

    de reserva, entrando nas fileiras do exrcito de miserveis e para o mundo do crime. No incio

    do Sculo XXI evidente o crescimento do exrcito de reserva em todas as formas apontadas

    por Marx lquida, latente e estagnada em proporo aos trabalhadores ativos, e, tambm a

    parcela dos que so rebaixados ao pauperismo e a degradao, chamados de

    lumpemproletariado.

  • A concentrao de capital, entendida como o crescimento do montante de meios de

    produo e de fora de trabalho sob o controle da classe capitalista, determinada pela

    acumulao de riqueza social, e, a centralizao de capital como a juno de muitos capitais

    anteriormente fracionados sob o controle de um grande capitalista ou de uma sociedade por

    aes, independente da expanso da riqueza social, impulsionam ainda mais o aumento da

    composio tcnica do capital ao elevar a massa dos meios de produo que uma mesma massa

    de fora de trabalho transforma em mercadorias. Esse aumento da composio tcnica ir se

    refletir no aumento da composio valor do capital, ou seja, elevao do componente constante

    em proporo ao componente varivel do capital. O crescimento da composio tcnica no

    corresponde necessariamente ao mesmo nvel de crescimento da composio valor. O prprio

    aumento da produtividade do trabalho social reduz o valor unitrio das mercadorias, se

    refletindo tambm no barateamento dos meios de produo e dos meios de subsistncia dos

    trabalhadores. Por conseguinte, o crescimento da composio valor tendencialmente menor

    e quanto menor melhor para a acumulao que o crescimento da composio tcnica do

    capital. Esse aumento de intensificao do trabalho social, expresso no maior grau de

    produtividade do processo produtivo global como resultado da elevao do grau de explorao

    na forma de mais-valia relativa, bem como, o prolongamento da jornada de trabalho (mais-valia

    absoluta), a reduo do salrio abaixo do seu valor (superexplorao da fora de trabalho) e

    ainda, o desgaste tecnolgico da maquinaria utilizada agem como fatores positivos para a

    acumulao de capital; atuam como formas contrrias queda da taxa de acumulao. No Livro

    Terceiro, quando Marx analisa o processo global de produo capitalista, com base na

    concorrncia entre diferentes capitais, o desenvolvimento do sistema de crdito e a formao do

    mercado mundial, esses fatores atuam como contratendncias lei da queda tendencial da taxa

    de lucro. Embora no consigam revogar a vigncia dessa lei.

    Mas claro que a acumulao, aumento paulatino do capital pela reproduo que passa da forma

    circular para a espiral, um processo bastante lento, se comparado com a centralizao, que s precisa

    alterar o agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social. O mundo ainda estaria sem

    estradas de ferro, caso ficasse esperando at que a acumulao de alguns capitais individuais alcanasse o

    tamanho requerido para a construo de uma estrada de ferro. No entanto, a centralizao mediante as

    sociedades por aes chegou a esse resultado num piscar de olhos.