[01] História Alimentação 2014

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Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia TIBÉRIO ALFREDO SILVA 2014 História da Alimentação Material Didático de Apoio – anotações de aula

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Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia

TIBÉRIO ALFREDO SILVA

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História da Alimentação

Material Didático de Apoio – anotações de aula

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História da Alimentação Material Didático de Apoio – anotações de aula

BIBLIOGRAFIA BÁSICA:

FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet – Uma História da Gastronomia. – São Paulo: SENAC,

2001.

FLANDRIN, Jean Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação – Estação Liberdade, 1998.

STRONG, Roy C. Banquete - Uma História Ilustrada da Culinária. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR: CASCUDO, Luis da Câmara. História da Alimentação no Brasil, São Paulo, Nacional, 2004.

BELASCO, Waren. O que iremos comer amanhã? São Paulo: SENAC SP, 2009

TREFZER, Rudolf. Clássicos da Literatura Culinária. São Paulo: SENAC, 2009.

PETRINI, Carlo. Slow Food - Princípios da Nova Gastronomia. São Paulo: SENAC, 2009.

FREIXA, Dolores. Gastronomia do Brasil e no Mundo. São Paulo: SENAC, 2009.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – TEXTO 1

1. O que é HOSPITALIDADE? O termo “hospitalidade” vem sendo utilizado muito frequentemente tanto no meio comercial, nas grades curriculares dos cursos de Turismo, Hotelaria e Gastronomia, quanto na área hospitalar e nos ambientes sociais diversos. Isso se explica porque o estudo da hospitalidade pode ser desenvolvido em praticamente todas as áreas da sociedade, já que sua aplicabilidade é diretamente ligada às relações humanas. Dicionário: “ato de hospedar; acolhimento afetuoso” e hospitaleiro: “que dá hospedagem por bondade ou caridade; que acolhe com satisfação”. Ambas com origem no latim hospitale (alojamento) e por derivação hospitalitate. Dessa forma, hospitalidade é uma dádiva, e por uma dádiva nada se cobra.

Uma questão conceitual: Gastronomia usa de simulação, atuação, na hospitalidade? Profissionalmente, em termos de hospitalidade profissional,

"simular" ou "atuar" é adequar os scripts de atendimento e serviços ao perfil do cliente e ao produto que está sendo ofertado.

2. Os Domínios da Hospitalidade Onde estão estes “scripts”?

COMERCIAL / PROFISSIONAL Trata-se da hospitalidade enquanto atividade econômica.

PRIVADO ou DOMÉSTICO Aparece nas relações de hóspede e anfitrião. Diz respeito ao convívio interpessoal.

SOCIAL ou PÚBLICO Considera os cenários e as forças sociais. Diz respeito à vida em sociedade.

Exemplo de aula: Ópera "A Valquíria" de Wagner, faz referência à hospitalidade oferecida por Hunding e sua esposa Sieglind ao viajante Siegmund. Música: "A cavalgada das Valquirias"

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3. Tempos ou campos da hospitalidade:

Alimentar com hospitalidade = GASTRONOMIA

Assim, conforme catálogo de cursos de tecnologia do MEC, Gastronomia está inserida no eixo de conhecimento de hospitalidade e não node produção de alimentos.

4. Gastronomia se faz com encontros a serviços

a) Encontros a serviço têm um propósito. b) Prestadores de serviços não são altruístas. c) Não é necessário um contato anterior. d) Os encontros a serviço têm âmbito limitado. e) O intercâmbio de informações é relacionado à tarefa. f) Os papéis do servidor e clientes são bem definidos. Questionamento proposto: Encontros a serviços com o médico, advogado, delegado, dentista, são iguais em termos de relacionamento social aos encontros com cozinheiro, maitre, ou garçon? Conclusão: “Percepção" dos trabalhos de hospitalidade como papéis

de serviço subordinado Então, nos scripts dos encontros a serviço temos duas posturas: Atuando de boa fé (figura usada: homem-aranha) Atuando de má fé (figura usada: zorro)

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5. Como, então, administrar (atuar) nos encontros a serviços?

Texto final da aula:

A Gastronomia é maior que o próprio gourmet: é um conjunto de parceiros que utilizam de técnica, espaço e tecnologia,

arte e prazeres para realizarem um trabalho emocional com objetivo principal de superar as expectativas do cliente.

Cada parceiro tem seu script definido e seus desafios a cada encontro,

tanto melhor se pudermos atuar de boa-fé, garantindo que a etapa seguinte da prestação de serviço garanta um comportamento

hospitaleiro de respeito e cumplicidade.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – TEXTO 2 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA. Fonte: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 17 – p. 32 Anotações rápidas: FOME é a carência biológica de alimentos. APETITE é fundamentalmente um estado psicológico. COMER é o instinto que mais cedo desperta, base da vida animal. SACIAR é o prazer de satisfazer uma necessidade; o prazer de comer. É impossível precisar quando o prazer de comer se tornou o prazer da mesa; quando o prazer pessoal se tornou um prazer social. O prazer da mesa só faz sentido em sociedades organizadas, e as primeiras aldeias (7000-6000 a.C.) são observadas na região do Crescente Fértil e as primeiras cidades em 3500 a.C. nesta mesma região. O Crescente Fértil (hoje Irã, Iraque, Turquia, Síria, Líbano, Israel e Jordânia) teria sido o habitat natural das plantas e animais que dariam origem às primeiras espécies domesticadas. Provêm desta mesma região as mais antigas receitas de que se tem notícia; talhadas em pedra em escrita cuneiforme, por volta do ano 1500 a.C. O prazer da mesa é peculiar à espécie humana. Pressupõe cuidados com o preparo da refeição, com a arrumação do local, com o número e tipo de convivas. Momento privilegiado de intercâmbio e de comunicação que marca uma dimensão nas relações humanas: os primórdios da hospitalidade; pois a comensalidade é importante forma de fortalecer os laços entre os grupos, a solidariedade, a amizade e as obrigações mútuas, pois a fraternidade e a afinidade são inerentes àqueles que comem e bebem juntos. Os hábitos culinários de um povo são expressões de sua história, geografia, clima, fauna e flora, organização social e crenças religiosas; esses hábitos formatam a refeição em família em um ritual propício à transmissão de valores e aprendizagem de valores, que desenham para a criança os contornos do mundo ao qual ela pertence e as normas aceitas pelo seu grupo social. Os hábitos culinários despertam o gosto culinário, que é moldado culturalmente e socialmente controlado. Daí a exaltação da culinária materna, a predileção pelos pratos da terra de origem, que mesmo quando medíocres podem gerar associações mentais surpreendentes que acompanha o indivíduo a vida inteira. Os hábitos alimentares têm raízes profundas na identidade social dos indivíduos; a humanidade é mais conservadora em matéria de cozinha do que em qualquer outro campo da cultura. São, por isso, os mais persistentes e resistentes no processo de aculturação dos povos. Os homens comem como a sociedade os ensinou.

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Gostos e aversões fazem parte do patrimônio da infância. No entanto é característica do ser humano continuar provando alimentos considerados desagradáveis ou desconhecidos, a ponto de adquirir gosto por eles. Graças a este fato o indivíduo adulto tem suas experiências gustativas ampliadas e culturalmente enriquecidas. Entende-se que o gosto eclético pode significar maturidade, autonomia e ruptura com o mundo infantil. Existe uma profunda relação entre o alimento e as crenças religiosas. O uso de certos alimentos e/ou a proibição de outros carregam complexos conceitos e simbologias religiosas. - arroz na China; sementes e cerveja no Egito; cacau entre os astecas; alface aos assírios; a vaca e o leite entre os indús.; a rejeição ao leite e laticínios para os chineses e japoneses; a restrição ao fermento entre os israelitas; a simbologia do pão e sal entre os católicos; iguarias no candomblé; poções druidas; cultura witch; o azeite e o vinho em destaque em diversas religiões; da mesma forma a introdução de ervas alucinógenas, etc. etc. Os povos ameríndios o milho era considerado planta dos deuses e se chocaram ao ver os invasores europeus alimentarem seus cavalos com o cereal divino. A prática do faisander é signo de refinamento gastronômico em algumas culturas e motivo de repugnância em outras. Os japoneses nos primeiros contatos com os ocidentais os consideravam de odor insuportável, talvez pelo cheiro de leite e manteiga. O conceito judaico de Kosher abomina o uso do fermento, que significaria a deteriorização e a corrupção. Animais de casco fendido não são aceitos em hábitos culinários de alguns povos. Os ocidentais têm dificuldade de aceitação de alguns artrópodes na alimentação.

A história da humanidade é, além de produto da necessidade do gênero humano de se alimentar, fruto de sua curiosidade e

oportunismo onívoros.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 3 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – O homem primitivo Fonte: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 17 – p. 23 Anotações rápidas: (esquema de aula) Objetivo do conteúdo:

Na luta pela sobrevivência, fruto da necessidade de buscar alimento e se defender dos ataques de outros animais, nossos ancestrais aprimoraram seus recursos, elaborando armas de caça e aperfeiçoando as formas de cozinhar, dividir, armazenar e conservar a comida.

De caçadores e coletores, ergueram povoados com base na agricultura e criação de animais. Do excedente de sua produção, desenvolveram trocas entre as sociedades, gerando o comércio. Por que o homem primitivo “cozinhou”? Por curiosidade e sobrevivência. Para que o homem primitivo “cozinhou”? Restaurar o calor natural da caça Tornar mais digerível Tornar mais mastigável Calor liberava aromas e sabores Cocção retardava a decomposição

Como? Fósseis humanos encontrados na Grande Falha Tectônica da África Oriental indicam que antes de descobrir o fogo, o homem tenha associado o calor das fontes termais aos de suas presas. Portanto na tentativa de restaurar o calor e o sabor da caça recém-abatida ele teria usado o cozimento antes de saber o uso do poder ígneo. O homem domina o fogo há 500 mil anos, mas ainda longe do COZINHAR. (*) (*) outros autores datam 1,5 milhão de anos atrás. O fogo era usado para assar carne sobre as cinzas, brasas, ou num espeto improvisado feito de ossos. Também desenvolveu técnicas de secar a carne ao sol. Não se usava temperos e o sal ainda era desconhecido. Qual seria o “prato” mais antigo do mundo?

Rosário Buonassisi em "Ricette mondiale di zuppe & minestre" (Milão, 1999) sustenta a primazia da sopa. Denominou de “proto-sopa” (ingredientes triturados, desfibrados, descascados, amassados, misturados com água para torná-los mais apetecíveis).

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O Fogo: Calor; luz; magia; sobrenatural; purificação; perenidade; poder; divindade; proteção; vida; morte; castigo; energia; vitalidade... ...o homem agrega o fogo ao processo de cocção, mas ainda não está literalmente "cozinhando". Faltava-lhe a PANELA! A princípio os utensílios de cerâmica serviam para guardar água, óleos, azeite, fermentação de bebidas como vinho e cerveja. Em pouco tempo a cerâmica em formato de panela é usada para fervura de água está aberta a porta da criatividade na cozinha através da manipulação dos alimentos, condimentos e ervas. (Estima-se em 10.000 AC). Cru ou cozido? Não há consenso entre a preferência do cozido unicamente pelo hominídeo, mas com certeza ele é o único a dominar o processo. Estudos recentes apontam que na evolução primata, pelo tempo disponível para a alimentação e pela dieta de comida crua, não seria metabolicamente viável sustentar ao mesmo tempo um corpo grande e um número enorme de neurônios no cérebro. A invenção da comida cozida pelo Homo erectus, mais fácil de mastigar e digerir proporciona maior absorção de calorias, fundamental para o ser humano superar o "dilema" energético e desenvolver um cérebro com muitos neurônios. O homem ampliaria sua atividade de caçador ao iniciar o cultivo da terra, quando se abstém de consumir parte dos grãos e os enterrou para que germinassem. Começaria também a domesticar alguns animais que antes caçava. A humanidade tornava-se criadora de animais e produtora de alimentos e deixava de ser um elemento mais ou menos inofensivo da cadeia ecológica, na medida em que evoluía do ritmo meramente biológico para o ritmo econômico. Sugestão do Professor: filme “A Guerra do Fogo” (La Guerre du Feu.1981. Direção de Jean-Jacques Annaud) Cozinhar nos tornou Humanos: Músculos faciais com menor desenvolvimento.

Cavidade craniana aumentada.

Capacidade de agregar sabores = culinária.

Diversificação da dieta.

Agricultura e domesticação de animais.

Excedentes de produção => tempo livre.

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Aprimoramento de equipamentos e utensílios.

Caça organizada de grande porte => fartura.

Cozinha + plantio + pasto + fartura = fixação e posse.

Cozinha + fixação => comensalidade.

Cozinha + comensalidade => hospitalidade.

Hospitalidade + excedentes = núcleos sociais.

Núcleos sociais => ritos básicos = refeição.

Refeição> ritualização da repartição de alimentos.

Cronologia rápida: 10.000 AC - primeiros povoados. (Vales férteis do Nilo; Mesopotâmia;

bacia do Rio Amarelo e bacia do rio Indu). 10.000 AC - figo na Mesopotâmia. Primeira planta a ser cultivada pelo

homem. 8.000 AC - cultivo de arroz na China ervilha no Crescente Fértil criação de ovelha e cabra 7.000 AC - cultivo de cereais e uva no Crescente Fértil criação de porcos elaboração do vinho 6.000 AC - elaboração da cerveja 5.000 AC - cultivo da soja na China 5.500 AC - cultivo de milho nas Américas 4.000 AC - criação de bovinos cultivo de oliveiras 4.000 AC - Idade dos Metais faca de bronze. (Design semelhante ao atual) Egito inova com o forno de barro. (Antes o pão era assado

sobre uma pedra quente) 3.500 AC - surgimento da escrita 3.000 AC - sal como condimento 2.500 AC - macarrão na China 2.400 AC - salga do caviar (Egito) 2.000 AC - primeiro registro da profissão cozinheiro. (Mesopotâmia) 1.800 AC - Moisés e a Torá. (Introdução do conceito Kosher) 1.600 AC - primeiro registro histórico de receitas. (Babilônia) 1.500 AC - egípcios desenvolvem leveduras para panificação

(fermento) 570 AC - Lao-Tsé e o Yin\Yang. (Conceito do equilíbrio na

alimentação) 300 AC - molho shoyo

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Citações: “Minha definição de homem é: “um animal que cozinha”. Os animais possuem, em certo grau, memória, discernimento, e todas as faculdades e paixões de nossa mente; mas nenhum é animal é um cozinheiro... Apenas o homem é capaz de preparar um bom prato, e todo e qualquer homem é mais ou menos um cozinheiro, ao temperar o que ele próprio come.”

James Boswell, Journal of a Tour to the Hebrides witch Samuel Johnson

“A domesticação do fogo refletiu-se provavelmente sobre o desenvolvimento físico do homem, assim como sobre sua cultura, pois deve ter reduzido algumas pressões seletivas e ampliado outras. À medida que o alimento cozido substitui uma dieta composta inteiramente de carne crua e matéria vegetal fresca, todo o padrão de mastigação, digestão e nutrição foi alterado.”

Kenneth Oakley, Social Life of Early Man

“Um homem não vive do que come, diz um antigo provérbio, mas do que digere.”

Jean Anthelme Brillat-Savarin, A Filosofia do gosto “É de todo provável que a introdução do cozimento tenha sido o fator decisivo na passagem do homem de uma existência essencialmente animal para uma plenamente humana.”

Carleton S. Coon, The History of Man “Diz-me o que comes e te direis quem és.”

Jean Anthelme Brillat-Savarin, A Filosofia do gosto Sugestão de Leitura: WRANGHAM, Richard. Pegando Fogo. RJ: Ed Zahar, 2010.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 4 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Antiquidade clássica – 1ª parte Fonte: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 37 – p. 54 Anotações rápidas: GRÉCIA: A palavra gastronomia surgiu pela primeira vez no livro "Hedypatheia" (Tratado dos Prazeres) ou (As delícias da vida) do grego Arkhestratus de Gela. Contemporâneo de Aristóteles, nascido no século IV aC, pioneiro da literatura gastronômica, relatou em versos as viagens a terras e mares para conhecer comidas de qualidade e vinhos especiais. Defendeu o consumo de alimentos frescos, o sabor dos ingredientes e a simplicidade das receitas. Condenou o cozimento excessivo e o emprego demasiado de temperos. No livro, a palavra gastronomia significa uma junção de "gaster" (estômago) e "nomos" (regido por leis) e o sufixo "ia" que forma o substantivo. Com o sentido que damos hoje, o inventor da palavra "gastronomie" foi Joseph Berchoux, um advogado francês. Em 1801, ele publicou o poema "Gastronomie ou l'homme des champs à table", contendo mais de mil versos com um "code de politesse gourmande".

Referência de pesquisa: http://chefsimon.com/berchoux.htm O greco-egípcio Athenaeus de Neucrates compilou Deipnophistai (O banquete dos Sofistas) - sec II e III aC. uma série de tratados sobre maneiras e costumes antigos, principalmente os gregos. A obra apresenta em forma de diálogo, gastrônomos eruditos que trocam ideias durante um banquete. É dele também a detalhada descrição do Banquete de Caranos, talvez o festim mais suntuoso da época helenística. A península grega, montanhosa e litoral recortado, sem rios e poucas planícies, se especializou na criação de cabras. Nas poucas áreas férteis: cevada, trigo, vinha e oliveiras. Os gregos apreciavam a carne de porco e a charcutaria.

DEFINIÇÃO: Charcuteria ou charcutaria (do francês charcuterie, de chair, "carne" e cuit, "cozida"), também conhecida pelo termo italiano salumeria, é o ramo da culinária dedicado ao preparo dos produtos de carne de porco, como o bacon, presunto, salsichas, terrinas, galantinas, patês e confits. A charcuteria é parte do repertório de garde manger de um chef. Originalmente foi criada como uma maneira de se preservar as carnes antes do advento da refrigeração. (Ruhlman, Michael and Polcyn, Brian. Charcuterie: The Craft of Salting, Smoking and Curing. New York: W.W Norton & Company, 2008)

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A intimidade com o mar Egeu e Mediterrâneo, naturalmente leva a uma atividade pesqueira de qualidade e quantidade, além da intensa economia mercante. Inicialmente na Grécia não havia Cozinheiro. Escravas moíam os grãos e preparavam a comida. Já na leitura da Ilíada e da Odisséia (sec. IX a.C.) os próprios anfitriões preparavam as refeições com ajuda de amigos, quando recebiam convidados especiais. No decorrer da história surgem os mageiros (padeiros), que com o tempo além de fornear, passam a cozinhar e a “profissão” se eleva para archimageiros (chefe de cozinha) com uma equipe a seu comando. No século IV a.C. os cozinheiros em Atenas eram escravos. Com a valorização da boa mesa, os cozinheiros ganham importância e ascendência sobre todos os escravos da casa. Com dedicação e experiência poderiam a chegar a mestres da sua arte. Os egípcios criaram o pão e suas diversas formas, mas na Grécia o pão ganha status de item de gastronomia refinada, acrescentando ervas, sementes aromáticas, óleos vegetais e frutas. Os principais: cominho, semente de papoula e de coentro, erva-doce, anis, passas, alecrim, alcaparras, sálvia, alho e cebola. Agregava-se também mel, azeite, pinhões, nozes, tâmaras e amêndoas diversas. Os padeiros gregos se tornam famosos. Mais tarde seriam exportados para o Império Romano. O uso da fermentação na panificação já era conhecido, mas não largamente utilizado. Para facilitar o cozimento sem levedo, assavam-no em pedaços finos. O pão teria uma consistência dura e era consumido embebido em molhos ou em vinho. Geralmente se faziam 3 refeições: o desjejum matinal akratismon; ao meio-dia ariston e ao fim do dia o deipnon. O termo akrastismon é um derivativo de akratos, que significa puro ou sem mistura; portanto no desjejum o vinho era tomado puro, sem mistura de água, hábito muito comum devido aos altos teores de álcool nos vinhos da antiguidade. Os gregos nunca foram tão imaginativos como os romanos em matéria gastronômica, e a cozinha na Grécia jamais atingiu o nível das outras artes. Hipócrates em nome da higiene, e Sócrates, em nome da moral, se opunham aos excessos à mesa. Grandes banquetes áticos passam a ser mencionados, com mais frequência, após a hegemonia macedônica. (sec. IV a.C.) Os banquetes gregos compreendiam 2 fases: a fase em que se comia e a fase que se bebia – o SIMPÓSIO. Em um simpósio, discutiam-se, entre outros temas, questões dialéticas e morais. Podia ser complementado com dança, música e poesia. A posição de se alimentar era reclinada para os homens e sentada para as mulheres.

ANOTAÇÃO: Em boa tradução do grego para o português, "simpósio" significaria literalmente "beber juntos". No sentido prático, hoje "simpósio" distingue um tipo de evento com tema definido a ser discutido entre os convidados, tal qual procedia o simposiarca.

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Terminada a primeira fase do banquete, as mesas eram substituídas por outras menores e serviam-se frutas secas e frescas, azeitonas e nozes e outros alimentos que limpassem o paladar e estimulasse o consumo de bebidas. O simposiarca era o mestre de cerimônias do simpósio e ele decidia quais assuntos seriam tratados e a dosagem água ao vinho. (Não era necessariamente o anfitrião). O simpósio era carregado de hospitalidade e euforia, com libações em honra a Apolo. Encontro quando os convidados desconhecidos tinham a oportunidade de relatar seus feitos, aventuras e linhagem. Gradualmente o consumo de vinho assumia tom lúdico e liberador, podendo levar a excessos e libertinagem. Não era incomum a presença de heteras nos simpósios gregos. Os gregos comiam frugalmente, mas um deipnom mais abastado oferecia em seu cardápio peixes e frutos do mar, anchova, atum, enguia, lagosta, peixe-espada e rodovalho eram os mais comuns. Queijos frescos aromatizados com ervas. Cabras e ovelhas forneciam as carnes prediletas, feitas no espeto ou nas caçarolas com especiarias. Entre as caças, reinava a lebre. Archestratus a sugeria nas brasas, pouco cozida e ligeiramente salgada. As iguarias chegavam harmonizadas com saladas, azeitonas e fresquíssimas coalhadas. E dê-lhe azeite de oliva! Para arrematar, uvas ao natural e em passas, figos idem, maças, pêras ao natural ou cozidas no vinho, tâmaras secas, amêndoas, nozes e marmelo cozido no mel, avelâs, diversidades de pães, sopas e muito vinho... dentre outras delícias. Tanto Grécia quanto Roma evoluíram sua gastronomia a partir de hábitos e dietas simples, mas em processos bem distintos, seja nos costumes à mesa e hospitalidade, à extravagância romana e ao comedimento grego.

CURIOSIDADE: As heteras constituem a categoria mais alta entre as prostitutas. A diferença das outras, não se contentam com oferecer só serviços sexuais e suas prestações não são pontuas (de maneira literal, em grego ἑταίρα, hetaíra significa companhia). Comparáveis em certa medida às geishas japonesas, possuem uma educação esmerada e são capazes de tomar parte nas conversas entre gentes cultas. Únicas entre todas as mulheres da Grécia, espartiatas aparte, são independentes e podem administrar seus bens. Sugestão: Literatura: Poema de Olavo Bilac – O Julgamento de Frinéia. Pintura: quadro: Friné em frente ao Areópago, 1861, Jean-Léon Gérôme.

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Leitura complementar: O Legado Gastronômico A Grécia tem uma tradição culinária antiga, com uma história de vários milênios; ao longo do tempo, esta culinária evoluiu e absorveu diversas influências, e acabou influenciando, por sua vez, as culinárias de outros locais. Alguns dos pratos e bebidas datam da Grécia Antiga: skordalia, por exemplo, um grosso purê de batatas, nozes, amêndoas, alho e azeite; sopa de lentilhas; retsina, vinho branco ou rosé resinado; e pasteli, barra de doce com sementes de gergelim assadas com mel. Outros remontam aos períodos helenístico e romano, como o loukaniko, uma salsicha de carne de porco seca; enquanto outros vêm do período bizantino: o queijo feta, o avgotaraho, ovas de peixe curadas, e o paximadi, pão duro tradicional, assado a partir de uma mistura de trigo, cevada e centeio. Existem também diversos pratos antigos e bizantinos que não são mais consumidos, como o mingau que compunha a alimentação básica, além do molho de peixe e da água do mar que era misturada ao vinho. A culinária grega contemporânea é tipicamente mediterrânea, e utiliza extensivamente o azeite, grãos e pão, vinho, peixes e diversos tipos de carnes, incluindo aves e coelho. Entre os ingredientes típicos da culinária grega estão a carne de cordeiro ou de porco, azeitonas kalamata, queijo feta, folhas de uva, abobrinha e iogurte. Entre as sobremesas predominam o mel e as nozes. Alguns pratos se utilizam de massa folhada. O elemento mais característico e antigo da culinária grega é o azeite, utilizado em quase todos os seus pratos. É produzido a partir das oliveiras, muito presentes em toda a região, que dá um toque característico à comida grega. O grão mais utilizado na Grécia é o trigo, embora a cevada também seja cultivada. Entre os legumes e verduras cultivados estão o tomate, a berinjela, batata, vagem, okra, pimentões e cebolas. O mel é extraído do néctar de árvores frutíferas e cítricas: limoeiros, laranjeiras, além do mel do tomilho e do que é extraído das pinhas produzidas pelas coníferas. O lentisco, resina aromática com coloração de marfim, é cultivado na ilha de Quios, situada no mar Egeu. A culinária grega utiliza-se de mais ervas e temperos do que é comum com outras culinárias do Mediterrâneo: orégano, menta, alho, cebola, endro e folhas de louro, manjericão, tomilho e funcho. Muitas receitas gregas, especialmente no norte do país, utilizam-se de ervas "doces", como, por exemplo, cravo e canela, em cozidos. Os sabores gregos frequentemente são caracterizados pelo uso de menta e noz-moscada. O terreno do país favoreceu a criação de cabras e ovelhas, no lugar de vacas, e, desta maneira, pratos com carne bovina são mais raros. Pratos feitos com peixes são mais comuns, especialmente nas regiões litorâneas e nas ilhas. Uma grande variedade de queijos também é utilizada na culinária da Grécia; alguns dos tipos são Feta, Kasseri, Kefalotyri, Graviera, Anthotyros, Manouri, Metsovone e Mizithra. O espírito rústico da culinária grega geralmente se opõe a muito refinamento, embora as tendências recentes tenham indicado que a culinária contemporânea do país esteja se deslocando a um enfoque mais refinado. Comer fora sempre foi prática comum no país; estabelecimentos como a taverna e o estiatorio, espalhados por todo o país, servem comida grega caseira tradicional a preços acessíveis, tanto para locais como para turistas.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 5 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Antiquidade clássica – 2ª parte Fonte: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 37 – p. 54 Anotações rápidas: ROMA: O início da economia romana foi baseado na atividade pastoril e na extração e comércio do sal - Sal do Latium. As salinas da foz do Tibre, ligada a Roma pela via Salaria garantiam o fluxo econômico e o crescimento urbano da região. As guerras Púnicas contribuíram para o desenvolvimento da gastronomia de Roma. Em contato com os gregos os romanos aprenderam muitos princípios da arte culinária. Considera-se a evolução da gastronomia romana após a primeira Guerra Púnica (264-241 a.C.) com a conquista da Sicília pelos romanos. A cozinha siciliana de forte influência grega era muito respeitada à época, uma das melhores de toda Ática e Cartago.

A Primeira Guerra Púnica foi principalmente uma guerra naval que se desenrolou de 264 a.C. até 241 a.C.. Iniciou-se com a intervenção romana em Messina, colônia de Cartago situada na Sicília. O conflito trouxe uma novidade para os romanos: o combate no mar. Com hábeis marinheiros, Cartago era a pricipal potência marítima do período. Os romanos só conquistaram a vitória após copiar, com a ajuda dos gregos, os barcos inimigos. A Segunda Guerra Púnica ficou famosa pela travessia dos Alpes, efetuada por Aníbal Barca, e desenrolou-se de 218 a.C. até 202 a.C. Desenvolveu-se quase toda em território romano. Liderados por Aníbal, os cartagineses conquistaram várias vitórias. O quadro só se reverteu com a decisão romana de atacar Cartago. Aníbal viu-se então obrigado a recuar para defender sua cidade e acabou derrotado na Batalha de Zama. A Terceira Guerra Púnica, que se desenrolou de 149 a.C. a 146 a.C. Roma foi implacável com o inimigo. Atacou e destruiu completamente a cidade de Cartago, escravizando os sobreviventes. Com isso completou-se o ciclo de batalhas que deu grande parte do Mar Mediterrâneo aos romanos.

Com o fim das Guerras Púnicas, Roma passou a dominar todo o comércio do Mediterrâneo Ocidental e a partir daí iniciou suas conquistas territoriais com as quais dominou todo o Mediterrâneo e grande parte da Europa. – O mundo se volta para Roma! Os imensos recursos do império permitiram aos romanos a criação de cozinha rica e variada, e aos donos do mundo nada mais natural do que a extravagância em todos os sentidos. Apesar da resistência conservadora de Roma, os valores gregos foram bem aceitos pela aristocracia patrícia e jovens romanos de posse completaram sua educação em Atenas. A segurança proporcionada pelo Império Romano facilitou, na época, que diversos artistas e pensadores, viajassem por todo mediterrâneo, influenciando a evolução das artes e criando o gosto pelo refinamento e estilo de vida grego. Embora na origem os cozinheiros fossem escravos comuns, aqueles hábeis na sua arte se tornariam chefs, e figuras importantes nas casas patrícias. De salário elevado, ter um bom cozinheiro era símbolo de ascensão social. Durante o império de Adriano fundou-se em Roma a academia Collegium Coquorum. O Triclinium era a sala mais importante de uma domus romana. Finamente decorada, arejada, iluminada e limpa. Tratava-se de uma sala de refeições com 3 leitos em torno de uma mesa, podendo acomodar até 9 pessoas.

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Os convivas acomodavam-se em três leitos dispostos como se fossem três lados de um retângulo. O anfitrião reclinava-se no leito central (lectus medius), à direita o convidado de honra e à esquerda o segundo na escala de importância. Os demais convidados se distribuíam pelos lectus sumus (o da direita) e lectus imus (o da esquerda). No final da República, começou-se a usar um sofá semi-circular – stibadium, onde os convidados se reclinavam lado a lado.

Pompéia guarda a história da gastronomia

Na manhã de 24 de agosto de 79 dC Pompéia é soterrada pelo vulcão Vesúvio.

A partir de 1860 as escavações em Pompéia mostram ao mundo a natureza morta da vida romana. O mundo se emocionou com o cenário desenterrado.

Vieram à tona praças, ruas, termas, templos, tavernas, quitandas, residências, cozinhas, estátuas, afrescos, utensílios de sala e cozinha, objetos para mesa e vinho.

Uma das últimas descobertas (2000) foi um aparelho de jantar com vinte peças de prata maciça e pesando mais de 4 quilos. Compõem-se de 1 bandeja grande, 4 travessas redondas, dez cálices para vinho, 4 mini-aparadores, 1 colher de concha oval de cabo fino e longo e outras peças.

Portanto, na Roma Imperial, já se utilizava a colher (chamada de lígula) para mexer e servir os preciosos molhos da cozinha romana. (os talheres de mesa terão estudo à parte)

Preservados afrescos e mosaicos mostraram, em detalhes, cenas de banquetes, serviços e utensílios de cozinha e intima ligação do prazer da alimentação com o prazer do erotismo.

A culinária de Pompéia manuseava variados ingredientes: manjericão, trigo, ervilha, lentilha, alface, chicória, repolho, cenoura, alho-poró, grão-de-bico, cebola, alho, azeitona, noz, avelã, amêndoa, ovo e queijo.

Ainda, uvas, pêras, ameixas, melões, marmelos e figos. Importados abricós, pêssegos, romãs, cerejas.

Hortaliças frescas e conservadas em vinagre. Frutas desidratadas ao sol e guardadas no mel.

Animais, aves, perdizes, lebres, peixes e aí por diante.

A colher era o único utensílio utilizado à mesa. As carnes eram servidas em pequenos pedaços e levadas à boca com os dedos. Os convidados levavam seus próprios guardanapos. Artistas profissionais distraiam os convidados durante o festim. Esse hábito daria origem ao entremets na idade média. O banquete romano era dividido em 3 etapas:

• Gustatio – salada e pequenos pratos (equivalente ao anti-pasti moderno). • Mensae primae – etapa principal baseada em pratos mais consistentes. • Mensae secundae – finalizando o banquete com doces, bolos frutas frescas e secas e

vinho misturados com água.

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A posição reclinada de se alimentar, naturalmente levou a uma predileção aos alimentos moídos ou em pequenos pedaços. Criou-se assim uma grande variedade de pratos à base de carne, frango, peixe, camarão, lagosta, sempre moídos, em forma de croquetes e quenelles, semelhantes aos utilizados em coquetéis atualmente. Os convidados deveriam ser pontuais. Chegavam acompanhados por escravos, que ajudavam seu senhor a trocar a toga pelo synthesis e os sapatos por sandálias. Lavavam-se e adentravam ao triclíneo, onde eram anunciados pelo nomenclator. Era costume oferecer uma guirlanda de flores ou folhas, invocando a proteção da mente dos excessos da bebida. Roma tem sido apresentada como uma sociedade de extravagância e glutoneria; mas na realidade esses exageros gastronômicos não eram tão comuns e restritos a uma pequena parte da sociedade. Essa imagem ficou eternizada pelos filmes e literatura várias.

CURIOSIDADE: Os fornax (fornos) romanos, onde se assavam os famosos panis, metade indispensável da política imperial do panem et circenses, eram próximos dos arcos dos aquedutos (que eram chamados de fornix), local onde se aglomerava o populacho para fazer fila e espantar o frio e a fome. Alí também as trabalhadoras do sexo buscavam seus clientes. Logo, fornicare, ganhou significado de meretrício, prostituição. Fornax era cultuada entre os romanos como a deusa dos fornos onde se cozia o pão. Era uma deusa do lar, portanto se mistura com outros tantos deuses e não se tem uma ideia exata de como era representada. As festas em sua homenagem eram chamadas Fornicais ou Fornácalis. No Novo Testamento, fornicação é o termo usado para traduzir a palavra grega Porneia, termo técnico que designava um matrimónio inválido. Por volta do Século III d.C. criou-se então o verbo "fornicare", que seria o ato de frequentar esse lugar. Temos esta palavra no português, que se originou do latim, o que significa sexo ilícito (nesse contexto), o caso é que no português, há séculos atrás por conta da igreja, tornou-se delicadamente diferente, porém vital o significado dessa palavra. O significado de sexo ilícito seria supostamente a prática de sexo antes ou fora do casamento. A palavra “ilícito” significa imoralidade, ou o que é contrário as leis.

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As Refeições básicas romanas eram:

1. Jentaculum A primeira refeição do dia, pouco tempo depois de se levantarem. Esta refeição era composta por pão, queijo, ovos e leite. O pão poderia ser embebido em vinho aquecido ou então regado com azeite e esfregado em alho. Quanto ao leite, o mais consumido era o de cabra ou de ovelha. Durante a era do Império e por influência de alguns médicos, propagou-se o hábito de apenas tomar água de manhã.

2. Prandium Por volta do meio-dia tomava-se, geralmente em pé (sine mesa), o prandium. Poderia incluir restos da comida do dia anterior, carnes frias, frutas e queijo. Como bebida poderia tomar-se o mulsum (uma mistura de vinho com mel).

3. Cena A cena era a principal refeição do dia e iniciava-se à décima hora, o que corresponde às quatro horas da tarde (os Romanos contavam as horas a partir do nascimento do sol), prolongando-se até de noite. Seguia a sequência dos banquetes: Gustatio; Mensae primae e Mensae secundae. DE RE COQUINARIA: Atribui-se a Marcus Gavius Apicius, a autoria daquele que é considerado o primeiro livro de receitas e gastronomia da história e certamente o mais importante livro de cozinha da Roma imperial. Apicius, conselheiro de Nero, foi grande gastrônomo, empregava vários cozinheiros para preparar as faustuosas recepções. Esse prazer pela gastronomia e hospitalidade teria consumido toda a fortuna de Apicius. De Re Coquinaria é uma coletânea de 468 receitas, que transmite a tradição da cozinha baseada em aromas e sabores enfáticos e na elaboração de molhos concentrados, elaborados com vinhos, especiarias e ervas, além de incursões no agridoce. Algumas receitas ganhavam o caráter medicinal, outras extremamente exóticas como as porções de língua de flamingo. Apicius descreve o molho básico romano o GARUM em detalhes. O garum ou liquamen era uma espécie de molho obtido a partir da maceração pelo sol (durante cerca de dois meses) do intestino de peixes, de preferência atum e cavala, o molho era controlado com adição de vinho e ervas. O Garum aparece em 75% das receitas do De Re Coquinaria. Existiam garuns de todas as qualidades e preços, desde o mais barato de peixes comuns aos exigidos pelos abastados romanos – garum de Cádis, localidade hoje situada no sul de Espanha. O garum como molho base podia ser, por exemplo, diluído em mulsum e espessado com pinhões, avelãs, ovo cozido ou pão. (mulsum era a misturra de defritum (vinho reduzido) com mel). Em De Re Coquinaria fica evidenciado o pouco uso da carne bovina; a predileção pela carne de cordeiro, cabrito, porco e uma linha farta de charcutaria. É citado o pulmentum, (algo parecido com a polenta de hoje) como alimentos dos pobres, já que o pão ainda era alimento inacessível até os primeiros tempos da era cristã. A Ova Mellita, era uma sobremesa preparada com ovos e mel. Hoje é a nossa omeleta!

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Galinhas-d’ angola, gansos gauleses, pavões, codornas, perdizes, gralhas, flamingos, garças, papagaios, todos eram levados à Roma em nome da gastronomia. Os ricos tinham seus reservatórios de criação de peixes (piscinae) e seus pombais particulares. Também cultivavam ostras, mexilhões, ouriços. Fartura de caça – lebres, javalis, veados. Abundância de frutas de todo império – abricós da Armênia, pêssegos da Pérsia, melões da África; uvas, maças e figos. Especiarias do porto de Alexandria e tudo mais que o denário romano pudesse comprar garantiram uma gastronomia eclética, extravagante, ostentosa, cercada de luxúria e prazeres de toda forma. Muito se especula sobre a queda do império romano, alguns historiadores somam, ao fato do império ter se sufocado pelo próprio tamanho e parasitismo das classes dominantes, um ingrediente culinário: o contínuo uso de utensílios de alto teor de chumbo levaram os nobres à esterilização e intoxicação alimentar – o saturnismo.

AVE TIBERIUS TERMINUN AD QUEM

“Vive bem quem come bem”. Horácio

Poeta Romano

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 6 Gastronomia da Roma Antiga – Leitura Complementar e curiosidades Durante a Roma antiga a gastronomia consistia somente em vegetais e frutas. Os romanos gostavam de alho, cebola, nabo, figo, romãs, laranjas, peras, maçãs e uvas. O prato típico era mingau de água com cevada. Uma versão mais sofisticada levava vinho e miolos de animais. Somente ricos comiam carne, geralmente de carneiro, burro, porco, ganso, pato ou pombo. Alimentavam os porcos com figos para que sua carne ficasse perfumada e criavam os gansos de maneira especial para com eles preparar patês. Faziam o mesmo com os frangos, alimentando-os com anis e outras especiarias. Fontes: As fontes para o conhecimento da culinária romana incluem os textos de autores como Énio, Plauto, Horácio, Virgílio, Pérsio, Petrônio e Plínio o Novo. No campo das fontes escritas encontram-se ainda textos de carácter técnico como a obra De re rustica de Varrão, a De agricultura de Catão, os textos de Columela, para além da compilação de receitas De re coquinaria de Apício. A arte fornece igualmente dados que são expressos através dos mosaicos, frescos, pinturas e na cerâmica. Registe-se ainda as informações arqueológicas presentes em restos de alimentos encontrados em túmulos, em acampamentos militares ou no estômago de múmias.

1. Refeições

Jentaculum Os Romanos realizavam a primeira refeição do dia - o jentaculum - pouco tempo depois de se levantarem. Esta refeição era composta por pão, queijo, ovos e leite. O pão poderia ser embebido em vinho aquecido ou então regado com azeite e esfregado em alho. Quanto ao leite, o mais consumido era o de cabra ou de ovelha. Durante a era do Império e por influência de alguns médicos, propagou-se o hábito de apenas tomar água de manhã. Prandium Por volta do meio-dia tomava-se, geralmente em pé (sine mesa), o prandium. Poderia incluir restos da comida do dia anterior, carnes frias, frutas e queijo. Como bebida poderia tomar-se o mulsum (uma mistura de vinho com mel). Cena A cena era a principal refeição do dia e iniciava-se à décima hora, o que corresponde às quatro horas da tarde (os Romanos contavam as horas a partir do nascimento do sol), prolongando-se até de noite. A cena dividia-se em três partes: gustatio (ou gustus ou promulsio), prima mensa e secunda mensa. O gustatio era composto por uma série de aperitivos: comiam-se cogumelos, saladas, rábanos, couve, ovos e ostras. Para beber, tomava-se o mulsum (daí esta parte da cena ser também chamada promulsio), que servia para abrir o apetite e ao qual se atribuía a capacidade de prolongar a vida. A prima mensa era composta por vegetais e carnes e a secunda mensa consistia na sobremesa, na qual se serviam frutas ou bolos.

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2. Alimentos

Com exceção dos alimentos do continente americano (tomate, milho, chocolate...), e de outros como o feijão, a massa, a carne de vaca (animal que era utilizado em trabalhos agrícolas e sacrifícios) os Romanos empregavam na sua alimentação alguns dos mesmos alimentos que se usam hoje em dia. Puls A puls, uma papa de cereais, era o alimento base dos antigos Romanos. Os cereais utilizados para elaborar a puls eram o trigo ou a espelta, que era torrados, moídos e cozidos, primeiro em água e depois em leite. Existiam algumas variantes da puls: a puls fabata (feita como favas) e a puls punica (que continha queijo, mel e uma gema de ovo). Pão Na Roma Antiga produzia-se uma extensa variedade de pães. Fabricar o pão era de início uma tarefa feminina, até que a partir do século III a.C. surgem os padeiros (pistores) que vendem o pão nas padarias (pistrinae). Existiam basicamente três qualidades de pão, o panis mundus, o panis secundarius e o panis sordidus. O panis mundus era o pão de primeira qualidade, enquanto que o panis secundarius era um pão feito com farinha de segunda, possuindo mais farelo; este último tipo de pão teria sido o favorito do imperador Augusto. Quanto ao panis sordidus era o pão de mais baixa qualidade, consumido pelos pobres. Com o propósito de melhorarem o sabor do pão já cozido, os Romanos cobriam a côdea com ovo e salpicavam-no com sementes de plantas aromáticas (funcho, anis, dormideira). O pão era acompanhado por figos (frescos ou secos), que não se comiam separados. A dormideira ou sensitiva (Mimosa pudica L.) é um pequeno arbusto perene da América tropical, pertencente à família das ervilhas. Este nome é devido à forma como os folíolos das folhas se juntam quando ela é tocada ou exposta ao calor (sismonastia). Essa sensibilidade e movimento das folhas da planta também ocorrem em outras espécies dentro da família das ervilhas, tal como a Neptunia, ou em outras famílias, como o gênero Biophytum na família Oxalidaceae. Carne e peixe Consumia-se praticamente todos os tipos de carne animal: porco, javali (aper), lebre (lepus), coelho (cuniculus), galinha e borrego. Um petisco particularmente apreciado eram as línguas de rouxinol e flamingo. A carne bovina era pouco consumida por diversos motivos, entre os quais os religiosos: aquele que matasse um bovino sujeitava-se a ser castigado com a morte ou o exílio. Para além disso, os bovinos eram vistos mais como animais de tração do que de consumo. No que diz respeito ao peixe, conheciam-se aproximadamente 150 espécies comestíveis. Também se consumiam moluscos e mariscos. Garum O garum ou liquamen era uma espécie de molho obtido a partir da maceração pelo sol (durante cerca de dois meses) do intestino de peixes, de preferência atum e cavala. Era usado em praticamente todos os pratos, inclusive nos doces. O garum mais famoso era o fabricado em Cádis, localidade hoje situada no sul de Espanha. O maior centro produtor de garum de todo o Império Romano localizava-se no atual território de Portugal, em Tróia, no Sado. Também haviam importantes núcleos industriais de preparados piscícolas no Algarve e no Vale do Tejo, nomeadamente na Crimeia. O garum encontra-se amplamente referido nas fontes literárias, segundo as quais teria um cheiro desagradável. Considerava-se que o melhor tinha uma cor semelhante à do vinho de

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Falernum. Este produto não possui qualquer equivalente na moderna cozinha europeia. Julga-se que os molhos de peixe da culinária do Vietnam e do sudeste asiático possam ser aquilo que mais se assemelha ao antigo garum. Condimentos A culinária da Roma Antiga fazia um uso generoso dos condimentos. Os principais condimentos utilizados na preparação das refeições eram a pimenta, os cominhos, orégano, salsa e até mesmo o mel. Vinhos e outras bebidas O vinho (uinum) acompanhava os pratos e era bebido diluído com água do mar ou água morna. Para que os vinhos se conservassem era necessário que fossem misturados com resina, pelo que depois tinham que ser filtrados no sacculus linteus (um tecido de linho) ou no colum uinarum (um utensílio de metal perfurado com pequenos orifícios). Em ambos os casos colocava-se gelo ou neve no fundo, que tinha como função purificar e refrescar o vinho. Para além dos vinhos gregos, apreciavam-se os vinhos produzidos na Península Itálica, como o vinho de Falernum (da Campânia) e o Caecubum (do Lácio). Outras bebidas consumidas pelos Romanos eram a posca (feita com água e vinagre, sendo muito consumida pelos pobres e pelos soldados), zythum (uma cerveja de cevada ou trigo), o hydromel, camum (bebida fermentada de cevada) e cydoneum (bebida feita com marmelo). Hidromel é uma bebida alcoólica fermentada à base de mel e água, sendo a proporção da produção de uma parte de mel e duas de água. Consumida desde a antiguidade, sua fabricação é anterior à do vinho e seguramente à da cerveja. Na Grécia clássica se chamava "melikraton" e pelos romanos era conhecida pelo nome "agua mulsum", ainda que esta possa ser uma variante feita com vinho de uva adocicado com mel. Plínio conta que foi Aristeu quem criou a primeira fórmula do hidromel. Outras culturas antigas consumidoras desta bebida foram os celtas, os saxões e os vikings. Também era conhecido o consumo de uma bebida similar pelos maias. Existia a tradição de que os casais recém casados deveriam consumir esta bebida durante o primeiro ciclo lunar após as bodas para nascer um filho varão. Daí surgiu a tradição atual da lua de mel. Na Mitologia Nórdica, o hidromel aparecia como a bebida favorita dos deuses. 3. Os banquetes Quanto maior o império, maiores as festas que a nobreza e os aristocratas ofereciam. O que dizer sobre o Império Romano, um dos maiores de todos os tempos? Tamanho era o gosto deles por jantares luxuosos e festas, que costumavam evoluir para orgias, que alguns políticos resolveram a baixar leis para moderar a farra. Uma delas, a Antia Lex, do século 1, limitava os gastos com essas comemorações e instituía que os magistrados só poderiam jantar fora se fosse na casa de determinadas pessoas. Claro, ninguém obedeceu. Acabou sobrando para o autor, Antius Resto. Segundo o filósofo Macrobius, como todos continuavam com suas orgias, para não contrariar a própria lei ele nunca mais foi visto jantando fora. Outro bom exemplo da paixão romana pelos banquetes é personificado por Marcus Gavius Apicius. Amante da boa vida, gastava verdadeiras fortunas em seus jantares. Entre suas extravagâncias, adorava língua de flamingo e nunca servia couve – chegou a dizer ao filho do imperador Tibério que era “comida de pobre”. A melhor forma de demonstrar poder era oferecer jantares

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Vai rolar a festa Um aristocrata podia medir seu prestígio com o número de jantares e festas ao qual era convidado. Ser convidado para os jantares certos, como os organizados pelo general Lucius Lucullus (110-56 a.C.), também era uma honra. Melhor que isso, só mesmo oferecer o jantar. Traje a rigor Vestir a toga era um privilégio masculino que escravos ou mulheres não usufruíam. Elas vestiam a stola, vestido de linho recoberto com a palla, um manto. Outras maneiras de elas ostentarem: penteados inusitados e joias, muitas joias. Paladar exótico Um bom festim chegava a ter sete pratos. Na abertura, peixes, ostras marinadas e pratos exóticos, como línguas de passarinho (uma porção tinha cerca de mil). O prato principal era uma carne. E as sobremesas eram frutas ou tortas feitas à base de geleia e mel. Sem indigestão O mais marcante no salão eram os tricliniuns, leitos com encosto para comer e beber – só pobres e escravos comiam sentados. Quem queria realmente esbanjar utilizava pratos de porcelana vindos da China. Dança erótica Além da lira, a música era tocada com chitara e tambores vindos do Egito ou castanholas da Espanha. Com ela, a orgia também começava. O cordax, por exemplo, era uma dança grega, altamente erótica, que despertava as paixões. Prato principal: escravos Quanto mais escravos, melhor. Eles serviam para trocar os potes de água quente para os convidados limparem as mãos, espantar moscas ou como objeto sexual. Luxo era designar que alguns com uma tocha levassem os convidados para casa. Cardapius tipicus Algumas iguarias exóticas que constavam do menu de uma típica festa romana: Entradas • Mariscos e ovos • Mamas de porca recheadas com ouriços-do-mar salgados • Pasta de miolos com leite e ovos • Cogumelos cozidos com molho de peixe gordo apimentado Pratos principais • Gamo selvagem assado com molho de cebola, arruda, tâmara de Jericó, uva passa, azeite e mel • Outras cozidas com molho doce • Flamingo cozido com tâmaras Sobremesas • Fricassê de rosas em pastel • Tâmaras secas recheadas com nozes e pinhões, cozidas em mel • Bolos quentes africanos de vinho doce com mel • Frutas

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 7 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Império Bizantino Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 58 – p. 63 Blaney, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 2008 Anotações rápidas: Bizâncio: A riqueza e o esplendor do Império Romano sobreviveram por mais de 1000 anos em Bizâncio. Bizâncio foi uma cidade da Grécia Antiga, fundada por colonos gregos da cidade de Megara, em 667 a.C., que recebeu o nome de seu rei, Bizas ou Bizante. Os romanos latinizaram o nome para Byzantium. A cidade veio a se tornar o centro do Império Bizantino, a metade do Império Romano que falava o idioma grego, da Antiguidade tardia até a Idade Média, sob o nome de Constantinopla. Foi conquistada pelos turcos, em 1453, e passou a fazer parte do Império Otomano; em 1930 seu nome foi mudado novamente, e passou a se chamar Istambul. Quando em 330, Constatino I, o Grande, decidiu mudar a capital para Bizâncio, decidiu também que a cidade seria tão magnífica quanto Roma, uma “Nova Roma”. Constantino acabou, no entanto, por entrar na História como primeiro imperador romano a professar o cristianismo, na sequência da sua vitória sobre Maxêncio na Batalha da Ponte Mílvio, em 28 de outubro de 312, perto de Roma, que ele mais tarde atribuiu ao Deus cristão. Visando resolver definitivamente o problema logístico da distância entre a capital e as principais frentes militares da época, sem recorrer ao expediente de uma residência imperial "interina", Constantino reconstruiu a antiga cidade grega de Bizâncio, que dedicou em 11 de maio de 330 chamando-a de Nova Roma. Tratava-se, no entanto, de uma cidade puramente cristã, dominada pela Igreja dos Santos Apóstolos. Os templos pagãos de Bizâncio foram nela preservados, mas neles foram proibidos os sacrifícios e o culto das imagens dos deuses. A fundação de Constantinopla foi complementada pelo tratado (foedus) realizado entre Constantino e seus descendentes com os godos, que, a partir de 332, passaram a defender a fronteira do Danúbio e fornecer homens ao exército romano, em troca de abastecimentos. Mesmo com as profundas transformações por que passou o Império Bizantino no transcurso da história, sua estrutura política e suas leis foram mantidas os traços romanos de origem. Constantinopla tinha localização privilegiada que lhe conferia vocação de encruzilhada comercial. Estrategicamente localizada entre o Corno de Ouro e o Mar de Mármara no ponto em que a Europa encontra a Ásia, a Constantinopla Bizantina havia sido a capital da Cristandade, sucessora das antigas Grécia e Roma. Sua prosperidade adviria do controle das rotas das caravanas provenientes do oriente e do tráfego marítimo entre o Mediterrâneo e o mar Negro. No decorrer da Idade Média, Constantinopla foi a maior e mais rica cidade da Europa, só a China possuía cidades maiores e mais ricas. Às rotas comerciais era inevitável a escala em Constantinopla; as embarcações no rumo norte-sul transportavam cereais, caviar, peles, cera, mel e ouro; em sentido oposto vinham, sobretudo, alimentos provenientes dos celeiros egípcios e das terras férteis da Anatólia (hoje, região da Turquia). Das rotas terrestres caravanas da Ásia, Índia e China traziam pedras preciosas, marfim, âmbar, porcelana, açúcar, aloés, almíscar, sedas, medicamentos e especiarias. Ou seja, de certa forma, toda a exuberância e extravagância romana foi reproduzida na capital bizantina. Os mesmos hábitos alimentares e ritos de comensal idade foram absorvidos no novo império. Conscientes de serem os sucessores da civilização romana, os bizantinos aplicavam-se em manter as tradições e o estilo de vida romano. Obviamente, aculturações houve; por exemplo,

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embora o hábito de comer sentado tenha ganhado a preferência em Bizâncio, nos grandes banquetes, em respeito ao costume ancestral, adotava-se a postura reclinada para os festins. O respeito à tradição não impediu inovações em matéria de maneiras de comportamento à mesa. Em destaque, na abordagem gastronômica, o garfo é invenção bizantina. Registra-se a chegada do garfo na Europa, em Veneza, em meados do século XI. A princesa Teodora, filha de Constantino VIII Imperador do Oriente, que veio de Constantinopla para casar com o Doge de Veneza Domenico Selvo trouxe um garfo de ouro com dois dentes, como o qual comia frutas cristalizadas. Pouco depois a população veneziana assimilou o garfo. Esse costume se espalhou para Milão e Florença e daí para o resto da Europa. O talher já era bem conhecido na Itália do século XV. Na Inglaterra não chegou antes de meados do século XVII, trazido pelo viajante Thomas Coryat. Em Portugal o uso começou em 1836 com a Rainha Maria II, filha de Dom Pedro I do Brasil, quando seu esposo Fernando II de Portugal a convenceu a usar o novo talher. Entre sua introdução na Europa e o final do século XVII surgiu o terceiro dente. O quarto dente teria surgido na segunda metade do século XVII para atender ao Rei Fernando II das Duas Sicílias (Fernando de Bourbon), o qual não gostava dos fios longos de espaguete escorregarem nos garfos de três dentes. Tal como na Roma clássica, o consumo de alimentos trazidos de longe e as excentricidades gastronômicas, pratos caros e raros conferiam prestígio à elite. Essa mesma elite, de um Império declaradamente cristão, procurava aliviar o pecado da ostentação construindo um grande número de asilos, hospitais e obras assistenciais. Em Bizâncio, a alimentação foi profundamente ligada á saúde, seguindo os princípios de Hipócrates e Galeno, que argumentavam serem as doenças frutos de má alimentação. Gastronomia Bizantina: Se Roma “globalizou” a gastronomia, Bizâncio usufruiu das misturas. Em Bizâncio não se tomava cerveja, considerada uma bebida bárbara. O vinho era a bebida mais utilizada. Continuava sendo diluído em água, mas novas técnicas foram desenvolvidas para a conservação da bebida e consequentemente novos sabores incorporados, como a resina de pinheiro aplicada aos tonéis e ao vinho. O mel era o adoçante utilizado por todos. Existia o açúcar, mas era raro e de valor extremamente elevado. Os mesmos temperos romanos permaneceram na cozinha bizantina, bem como o consumo de carnes de porco e cordeiro e peixes. Os bois ainda eram poupados para os serviços agrícolas. Herdou-se também a prática romana de aliar alimentação ao lazer e diversão. Os jantares de Bizâncio também foram palco de música, danças e acrobacias nos intervalos das refeições. Em Bizâncio, os limites entre o sagrado e o profano eram inexistentes. Dessa forma, fosse a comemoração religiosa ou pagã, a proposta do banquete romano se mantinha em uso. Exemplifica-se com os festejos de inauguração da Igreja de Santa Sofia: um número incontável de animais de caça e aves, além de estimados 6000 cordeiros, 1000 bois e outros 1000 porcos foram abatidos em nome dos prazeres gastronômicos. Fim de um Império: Por mais de 1000 anos o império bizantino se manteve inexpugnável atrás das suas muradas. Em 1204 a quarta Cruzada fragiliza Constantinopla que se sua cultura saqueada, incendiada e destruída; uma riqueza acumulada ao longo de 900 anos, perdida entre cisma de duas igrejas. No sec. XIV a peste negra matou cerca de 2/3 da população de Constantinopla. Em 1453, Constantinopla cai frente à modernidade: não resistiu à pólvora do exército turco.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – texto 8 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – China e Japão: refinamento e percepção filosófica do alimento Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 129 – p. 148 Blaney, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 2008 Anotações rápidas: CHINA: Há 4 mil anos escritores e poetas chineses são gourmets. Sábios, filósofos, pensadores e poetas chineses escrevem tratados sobre a alimentação e organizam coletâneas de receitas culinárias. Confúcio, nascido por volta de 550 a.C. era grande gourmet e observador de protocolo à mesa. Estabeleceu várias regras para a preparação e apresentação dos pratos. O ideal confucionista de hospitalidade e da amizade entre os convivas como expressão de harmonia interior é contrastante aos princípios de Lao-Tsé, o taoísmo, que enfatiza a simplicidade e o retorno à natureza. De Confúcio veio a elegância e a cerimônia da cozinha chinesa e do taoísmo o apreço pela leveza, pelo frescor natural dos ingredientes e pelo uso moderado de gordura. Segundo o pensamento taoísta, viver de acordo com o ciclo das estações é indispensável para estar em harmonia com as forças que regem o universo. Isso implica em comer o que o ciclo sazonal oferece. A cozinha chinesa é possuidora de uma grande experiência estética que se caracteriza não só pela combinação de aromas, sabores e cores, mas também pelo contraste de texturas e consistências. Os opostos Yin e Yang e a idéia que em todas as coisas há sempre duas partes opostas trabalhando em sentido contrário e ao mesmo tempo buscando coexistência harmoniosa é também verificada na gastronomia. O contraste ou equilíbrio dinâmico é um conceito muito usado entre os chineses; daí as dualidades doce-salgado, frio-quente, macio-crocante são presentes na cozinha chinesa. Os chineses associam cozinha e medicina de tal forma, que às vezes é difícil perceber os limites entre elas. Para os chineses, qualquer enfermidade é sempre atribuída à alimentação. É essencial saber o que o enfermo comeu ou come habitualmente antes que se lhe possa prescrever um tratamento adequado. O livro Princípios da dieta correta, escrito por Hu Ssui-Hui em 1330, afirma que a maioria das enfermidades pode ser curada somente com dietas. A cozinha chinesa representa um peculiar equilíbrio entre a escassez e a variedade. Na china, tudo que fosse comestível tinha que ser utilizado e nada podia ser desperdiçado. Essa cozinha é a expressão da ausência de tabus ou proibições. Assim o pouco consumo de carne não se deve a restrições religiosas ou outra qualquer, mas sim pela escassez do próprio alimento. A cozinha chinesa foi marcada pela carência de um elemento essencial: a lenha. Por isso, as preparações são feitas cuidadosamente, de modo a requerer pouco tempo de cozimento.

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O hábito de cortar quase tudo em pequenos pedaços também fez diminuir o tempo de cocção e economizar combustível. Normalmente leva-se mais tempo na preparação do que na cocção. Da mesma forma, a técnica de cozinhar rapidamente evita o encolhimento, a perda dos sucos naturais e do valor nutritivo dos alimentos e mantém-se o frescor. O tempo de cozimento é curto e as temperaturas altas; dessa forma o óleo bem aquecido é excelente selador dos sucos e sabores, ao mesmo tempo em que realça a cor e se obtém o crocante de certos legumes. (por isso não se usa a manteiga: ela se queimaria). Geralmente não se cozinha os ingredientes em separados; essa prática propicia uma interação de aromas e sabores que tem efeito de condimentos. Assim como os óleos aromatizados com cebola, alho, gengibre, cebolinha, etc, fazem a função de temperos. Os chineses prezam a educação do paladar: perceber as sutilezas de aromas, sabores, consistências e texturas são fundamentais para a boa alimentação. Neste contexto gastronômico, desde o século I, os chineses confeccionam o wok, recipiente de fundo abaulado, que permite cozimento rápido com óleo em temperatura muito alta. O uso de cozimento pelo vapor e a superposição de pratos funciona como multiplicador de energia e é, portanto, econômico e popular. O forno não é usado com frequência. A técnica de fornear aparece em pratos festivos e ocasiões especiais, como por exemplo, o pato à moda de Pequim. A preferência pelos peixes e crustáceos frescos é notória, mas o uso de peixes salgados e secos também é bem difundido, mas devido ao gosto marcante são usados com moderação, muitas vezes como se fossem condimentos. O menu chinês é muito variado, mas há poucos doces. O hábito ocidental de sobremesas doces é desconhecido na China. Os doces aparecem normalmente durante as refeições e os convivas se servem a qualquer momento conforme sua preferência. Em um banquete chinês não se serve o tradicional arroz. Entende-se que o anfitrião ofereceu tamanha gama de opções que o arroz se tornaria dispensável. As sopas são pratos integrantes das refeições; portanto nunca servidas em separado. Tem função semelhante ao vinho nas refeições ocidentais; então as sopas devem harmonizar com os pratos servidos. O uso de palitos haribash (no Japão: hashi) para comer é sinal de educação, em contraste com comer com os dedos. Não se usa facas de mesa, pois cortar e picar é tarefa para os cozinheiros. Na China as refeições são regidas por detalhado e complexo cerimonial. As mesas geralmente redondas convidam à hospitalidade e facilitam o acesso às iguarias. Os chineses apreciam a bebida alcoólica, mas nunca junto às refeições. O chá, bebida nacional, é servido antes e depois das refeições; nunca durante. O chá é a bebida social chinesa, desprovida de cerimonial ao contrário do ritual japonês. Há muita diferença entre a cozinha da china e a dos restaurantes chineses espalhados pelo mundo o que compromete em muito junto as pessoas menos informadas, a imagem de uma das cozinhas mais requintadas do mundo.

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JAPÃO: O grande diferencial da gastronomia japonesa está em procurar preservar e valorizar as propriedades intrínsecas de cada componente; ao contrário de outras cozinhas que buscam a harmonização entre os ingredientes de um prato. Peixes e algas marinhas são os elementos essenciais à cozinha tradicional japonesa, que compensa o reduzido número de produtos diversificando as formas de preparo. Filosoficamente, assim como os chineses, preferencialmente são consumidos os produtos da estação; e o congelamento é visto com descrédito, pois alteraria a textura e o frescor dos alimentos. A cozinha japonesa é apoiada em um tripé de produtos da soja: - miso, que é a pasta de soja fermentada; - tofu, que é o leite de soja coagulado; - shoyu, que é o molho de soja. No mesmo nível de importância está o arroz cozido no vapor em forma de bolinho: o moshi. O arroz ainda fornece ainda a bebida (saquê/sake) e matéria prima para abrigos (tatami e o shoji). Apenas 15% do território japonês são aráveis e a alta densidade demográfica leva a uma milenar preocupação com as reservas de viveres; o Japão se preocupa em não produzir excedentes e muito menos gerar desperdícios. O Japão sofreu grande influência da cozinha chinesa (e vice-versa); mas a diferenciação tornar-se mais clara a partir do século X, quando o budismo proibiu a matança de animais, obrigando os seguidores a uma dieta predominantemente vegetariana, complementada por peixes. O Período Edo (em japonês: 江戸時代, Edo-jidai, (Yedo ou Yeddo também conhecido como Período Tokugawa), é uma divisão da história do Japão que vai de 1603 a 1867. Esse período marca o governo do Xogunato Tokugawa (ou Edo) que foi oficialmente estabelecido em 1603 pelo primeiro Xogun Tokugawa Ieyasu. O período terminou com a Restauração Meiji, a restauração do governo imperial pelo décimo quinto e último xogun, Tokugawa Yoshinobu. Na história alimentar japonesa destaca-se duas tradições culinárias: Kyoto e Edo. Kyoto era sede da corte imperial e caracterizou a gastronomia pela cozinha vegetariana e marcadamente refinada, mais leve e elegante, com uso da alga Kombu e miso claro. Edo praticava uma cozinha mais robusta, preferida pelos samurais e pelo povo em geral, baseada em caldos feitos de miso escuro e peixe seco. Historicamente a cozinha Kyoto superou a gastronomia Edo. O Chá foi introduzido em terras nipônicas por volta do ano 800 e marcaria profundamente a cultura japonesa. A partir do século XV o ritual do chá ganhou forma quase religiosa. A cerimônia do chá japonesa (chanoyu 茶の湯, lit. "água quente [para] chá"; também chamada chadō ou sadō, 茶道, "o caminho do chá") é uma atividade tradicional com influências do Taoísmo e Zen Budismo, na qual chá verde em pó (matcha, 抹茶) é preparado cerimonialmente e servido aos convidados. O matcha é feito da planta chamada chá, camellia sinensis.

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Os encontros de chanoyu são chamados chakai (茶会, "encontro para chá") ou chaji (茶事, "assuntos do chá"). Normalmente o termo chakai refere-se a um evento relativamente simples no qual se oferecem doces típicos, usucha (chá suave), e talvez tenshin (um aperitivo); já chaji refere-se a um evento mais formal, incluindo também uma refeição tradicional (kaiseki) e koicha (chá forte). Um chaji completo pode durar até quatro horas. O praticante de cerimônia do chá precisa ter conhecimento de uma ampla gama de artes tradicionais que são parte integral do chanoyu, incluindo o cultivo e variedades de chá, vestimentas japonesas (kimono), caligrafia, arranjo de flores, cerâmica, etiqueta e incensos — além dos procedimentos formais de seu estilo de chanoyu, que podem passar de uma centena. Assim, o estudo de cerimônia do chá praticamente nunca termina. Mesmo para participar como convidado em uma cerimônia formal é preciso conhecer os gestos e frases pré-definidos, a maneira apropriada de portar-se na sala de chá, e como servir-se de chá e doces, A cerimônia do chá requer muitos anos de treino antes de dominar toda esta técnica, cada detalhe, significa mais do que simplesmente servir o chá. É crucial que os movimentos sejam perfeitos, o mais educado, mais gracioso, e usando os bons modos. Beber chá é um costume introduzido no Japão, no século IX, na forma de chá de infusão (団茶, dancha) por um Monge Budista Eichu (永忠), quando retornava da China ao Japão, aonde conheceu a Erva, de acordo com a lenda, após 200 anos. O chá tornou-se a bebida mais consumida no Japão, e cultivada em seu próprio território. O costume de beber chá iniciou-se de forma medicinal, e por razão de luxo, uma vez que era importada da China. No século IX, O Autor Chinês Lu Yu escreveu o Ch'a Ching, um manual sobre o cultivo e preparação do chá. A vida de Lu Yu foi influenciada pelo budismo. A ideia dele foi crucial para a criação e aprimoramento da cerimônia. No século XII, um novo tipo de chá surge, o matcha, foi trazido por Eisai, outro monge japonês retornando da China. Considerado um chá verde mais forte, retirado da mesma planta de chá preto, foi inicialmente utilizado em rituais em Templos Budistas. Já no século XIII, samurais já consumiam a bebida matcha, como uma adaptação do Budismo, com isso o futuro do chá, estava traçado. Por volta do século XVI, beber o chá se popularizou, chegando a atingir todas as camadas sociais do Japão. Sen no Rikyu, um dos maiores destaques na história da cerimônia do chá, seguido pelo seu mestre, Takeno Jōō, de acordo com a filosofia ichi-go ichi-e, cada cerimônia do chá é única, e nunca poderá ser reproduzida. Seus ensinamentos foram responsáveis pelo desenvolvimento de novos estilos arquitetônicos japoneses, como Jardins, Arte e todo o desenvolvimento e criação da cerimônia do chá. E os ensinamentos resistem até hoje. Os Utensílios da cerimônia são chamados de dōgu (道具, literalmente "Ferramentas"). A quantidade de dōgu necessários a uma cerimônia varia em função da escola e do estilo da demonstração. A sua variedade, nomes específicos e combinações de utilização tornam impraticável pela sua extensão a inclusão neste espaço de uma lista pormenorizada. Existem no Japão dicionários específicos que chegam a ter centenas de páginas. Apresenta-se de seguida uma lista simplificada com os itens essenciais: Fukusa (lenço de seda) Chawan (taça) Natsume ou Cha-ire (boião para o chá em pó) Chasen (batedor para preparar o chá) Chashaku (espátula para servir o chá em pó) Chakin (pano para limpar a taça) Hishaku (concha de bambú) Kensui (recipiente para a água suja) Tana (pequena estante para colocar os utensílios) Kama (panela de ferro) Furo (braseiro)

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A cerimônia do chá influenciou a arquitetura, os estilos decorativos e a etiqueta à mesa. Paralelamente ao ritual do chá, a cozinha se refinou e se ritualizou. O chanoyu veio constituir a base de um ramo de cozinha chamado kaiseki ryori. Kaiseki é a cozinha japonesa mais requintada e ritualizada. Enfatiza não somente a harmonia dos alimentos entre si, mas também a dos utensílios e a do ambiente. Uma refeição kaiseki é uma comunhão com a natureza. Os alimentos rigorosamente frescos são servidos imediatamente após serem preparados. A influência chinesa é notada nas composições contrastantes de uma kaiseki nas cores, forma, sabor, textura e consistência. Uma refeição kaiseki deve ser uma experiência sensorial completa, agradando o olfato, a visão e o espírito o mesmo nível de prazer que se oferece ao paladar. Kaiseki respeita o ciclo sazonal dos alimentos, por isso cada alimento tem sua estação e cada estação seus alimentos. Kaiseki exige imaginação e criatividade sem cair na extravagância. Ao contrário, o sentido é criar o belo por meio da singeleza. Uma refeição japonesa é frugal; todo excesso é considerado vulgar. Afirma o provérbio: “não se necessita médico quando a ingestão habitual de alimentos não ultrapassa quatro quintos da capacidade do estômago”. Não se toma sake no kaiseki quando é servido sopa ou chá. O sake é a principal bebida alcoólica do país (chamado de vinho de arroz, mais se assemelha a cerveja sem gás) deve ser servido em pequenos copos de porcelana e bebido frio ou morno. Não se serve de sake; sempre se é servido. Ao ser servido, não se deve colocar o copo na mesa e, sim levantá-lo em direção à garrafa. Com este gesto, demonstra ter percebido a deferência, antes de agradecê-la. Em meados do século XVI chegam ao Japão os primeiros europeus, que são bem recebidos, mas passam a ser considerados ameaça ao sistema feudal nipônico quando começam a se imiscuir na política local. Todos os europeus são expulsos em 1638. Historiadores consideram o tempura uma herança portuguesa aos japoneses. Os lusitanos em seus momentos de jejum cristão abstinham-se da carne e comiam camarões fritos. A têmpora era o período de três dias de jejum e de abstinência prescritos antigamente pela Igreja Católica nas quartas, sextas e sábados da primeira semana de cada estação. A nouvelle cuisine, com ênfase nos pratos à base de ingredientes com sabores inerentes, abriu caminho para uma grande influência das técnicas de preparo e padrões estéticos da gastronomia japonesa. Frescor dos ingredientes, simplicidade das técnicas de cozimento e preservação dos sabores naturais, fundamentos da cozinha japonesa, são ícones na gastronomia ocidental.

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SAKE: Sake (saquê ou sakê) ou nihonshu é uma tradicional bebida alcoólica japonesa, basicamente feita de grãos de arroz e água. O teor alcoólico do sake, que pode ser bebido gelado ou quente, varia entre 15% e 20%. Há duas variedades de sake refinado: karakuchizake (sake seco) e o amakuchizake (sake doce). Registros indicam que o sake nasceu na China, há cerca de 7.000 anos e popularizou-se no Japão, tornando-se a sua bebida nacional. A história de como iniciou no Japão não é clara e as referências indicam um período entre o século III e VIII. Sabe-se que um marco na produção do sake foi a instalação do departamento de cervejaria no Palácio Imperial de Nara, então capital do país (710 a 792 d.C.), com a admissão de diversas pessoas encarregadas de produzir a bebida. Os produtores não conheciam técnicas apuradas de fermentação e o sake era feito com pouco álcool e água, em uma combinação que mais lembrava uma porção de mingau. Nessa época, "comia-se" o sake dentro de uma tigela. Na verdade, tudo era o resultado de uma receita com pormenores um tanto repulsivos: mascava-se o arroz para fermentá-lo com a saliva e depois se cuspia em tachos para só então iniciar o preparo da bebida. Esse método era chamado de “kuchikami no sake”, ou sake mastigado na boca. Já na província de Hokkaido e em áreas rurais de Okinawa, os fãs da bebida encontraram maneiras de purificar esse processo, determinando que apenas as jovens mulheres virgens poderiam mastigar o arroz, pois elas eram consideradas representantes dos deuses aqui na Terra. A bebida produzida por elas foi batizada de "bijinshu", o sake de mulher bonita. Por incrível que pareça, essa prática sobreviveu até poucos séculos atrás, mesmo após a adoção de técnicas mais modernas de fermentação. No período seguinte, quando a capital passou para Kyoto, o sake passou a ser descrito como uma bebida nobre e começou a ser consumido quente. Com cerca de 15 variedades, nessa época já havia cerca de 180 produtores independentes de sake da região de Kyoto. Os templos que possuíam grandes propriedades de arroz passaram a fabricar a bebida, mais tarde fazendo parcerias com fabricantes maiores. O sake era uma importante oferenda nas atividades religiosas sendo comum saboreá-lo após a oferenda. Muito utilizado em festividades ligadas à agricultura, em casamentos e despedidas, o sake refinado tornou-se popular na segunda metade do século XVIII (Período Edo). Atualmente, diversas regiões do Japão o produzem, mas a região que tem a fama de fabricar o melhor sake é o distrito de Fushimi, em Kyoto. Existem hoje cerca de 1.600 fabricantes de sake no Japão. No Brasil, a bebida é produzida por empresas como a Sakura e a Azuma Kirin. Do arroz sai a matéria prima para a fabricação do sake, o koji (antigamente conhecido como kamutachi), que resulta da remoção do amido e do excesso de óleo e proteínas contidos no arroz. É ele quem determina o aroma e o gosto do sake. Para se chegar ao koji, é preciso que o arroz seja polido, de modo a perder de um terço até a metade de sua superfície original, sendo depois macerado, enxugado, vaporizado e resfriado a uma temperatura de 5º C. Em seguida, o koji é misturado com água e arroz vaporizado para que se forme o shubo, uma pasta de grãos. O shubo é colocado num grande tanque, o shikomi, e fermentado por trinta dias, com adição do koji e novamente de arroz vaporizado. Forma-se aí o maromi, uma mistura do sake sólido (como um bolo) e líquido. Feita a separação por filtragem e submetido o líquido a uma ultrafiltragem, para garantir o sabor fresco da bebida. Depois disso, geralmente o sake é pasteurizado para matar as bactérias e desativar enzimas que poderiam mudar o sabor e a cor do produto.

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O sake fica descansando por seis meses e recebe uma adição de água pura para baixar o nível de álcool. Depois, é pasteurizado novamente antes de ser embalado. O sake está pronto para ser consumido e pode ser mantido engarrafado por até dois anos, sem perder seu sabor natural. Até o século passado, o sake ainda era produzido artesanalmente, sendo o arroz era primeiro lavado e depois colocado em tinas (vasos gigantes) para cozinhar. Após esta etapa de fermentação, a pasta resultante era ralada e, só então, misturada manualmente até chegar ao produto final. Atualmente, um decreto governamental permite o acréscimo de álcool puro e glicose na fórmula, o que possibilitou a utilização em menor quantidade do precioso cereal. Estima-se que 95% do sake produzido hoje utiliza essa fórmula, contrariando os especialistas do passado que diziam que o melhor sake era aquele feito apenas de arroz, arroz fermentado e água. Ainda que alguns grandes fabricantes japoneses utilizem métodos que lembram o antigo processo, dada a escala industrial das produções modernas, não há mais vestígios do romantismo do passado. O sake no cotidiano japonês "Por entre as flores, uma garrafa de sake bebo sozinho, ninguém a me acompanhar." Assim começam os versos do poeta japonês Rihaku, que dizia beber uma garrafa de sake e escrever mil poemas. Beber sake é um ritual no país, e existem várias razões pelas quais a bebida é apreciada, que vão muito além do paladar, sede ou disposição para encher a cara. Segundo a tradição, bebe-se sake para eliminar as preocupações e prolongar a vida, e isto por si só, vale qualquer dose a mais. Pega até mal chamar de bêbado quem toma sake de forma exagerada e sai cambaleando de madrugada pelas ruas das cidades japonesas. "Inebriado" talvez fosse a designação correta, uma vez que os efeitos da bebida transformam os, geralmente reservados japoneses, em cantores, galanteadores e seresteiros ao luar nas noites nipônicas. No Japão, costuma-se dizer que o sake é o melhor companheiro na solidão. Só não se pode tomá-lo em qualquer copo ou em qualquer ocasião. Bebe se em grandes comemorações, como no Ano Novo e nas cerimônias xintoístas de casamento, em encontros românticos, mas também na falta de um pretexto feliz ou por uma boa dor de cotovelo. Como beber sake no Japão é um ritual milenar e os excessos são justificados por milhares de anos de história, o modo mais simples de se desculpar por qualquer estrago provocado em uma noite etílica no Japão, é dizendo “Eu estava bebendo sake...” e o perdão é praticamente certo! Como beber sake A melhor temperatura para o sake ser consumido é de 35º C, porque nesta temperatura percebe-se melhor as delicadas características da bebida. Mas pode ser apreciado também em temperaturas superiores ou inferiores, de acordo com a estação do ano. Quando aquecido, a uma temperatura de até 45º C, o sake é conhecido por kan. Torna-se encorpado e adquire um sabor acentuado de melão. Quando resfriado, o sake é conhecido por higa e assume um sabor frutado. A maneira mais tradicional de servi-lo é em pequenos copos de porcelana ou em xícaras quadradas de madeira, chamadas masu, que conferem à bebida um suave sabor amadeirado. Nesse caso, sempre é servido frio com temperatura variando entre 20º e 40º C, já que o sake quente absorveria o gosto da madeira. Pode se, também, colocar uma pitada de sal no canto do masu, um estilo muito apreciado pelos mais jovens.

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Ritual Existe um ritual especial à mesa para tomar o sake. Levante o seu copinho para receber a bebida, servida sempre por seu vizinho de mesa, apoiando-o com a mão esquerda e segurando-o com a direita. É imprescindível que você sirva o seu vizinho de mesa porque não é de bom tom servir a si próprio. O copo de sake deve sempre ficar cheio até o final da refeição. A tradição manda fazer um brinde, kampai, esvaziando o copinho num só gole. É sinal de hospitalidade e atenção. A arte da degustação O sake tem uma infinidade de recipientes para ser tomado, conforme a região do país e a ocasião a ser celebrada. Só para expressar suas opiniões numa degustação de sake, os especialistas têm a disposição um vocabulário com mais de noventa palavras, em sua maioria desconhecidas do público. Uma sessão de degustação de sake começa com uma regra fundamental: durante a reunião, só se pode falar em sake. As paredes da sala devem ser de cor creme claro e com janelas de face norte para aproveitar a luz natural do sol, no entanto, o sake não deve estar sob exposição direta do mesmo. O horário de degustação sempre é entre às 10 e 11 horas da manhã, quando o sol ainda não está forte e os técnicos já fizeram a digestão do café e ainda não almoçaram. Não se degusta sake com estômago cheio. A bebida é servida em temperatura ambiente, cerca de 20ºC. O copo usado é de porcelana branca com dois círculos azuis no interior, denominado de olho-de-cobra. Os círculos coloridos servem para que os especialistas avaliem a transparência da bebida, enquanto o fundo branco é utilizado para observar a cor do sake. O sake no Brasil Um provérbio japonês diz que "se conhece o sake que é bom apenas na manhã seguinte". Hoje, a bebida símbolo da cultura japonesa, que já foi restrita a lojas e restaurantes nipônicos, vem ganhando cada vez mais espaço no cardápio alcoólico do brasileiro. Levou décadas, claro, para que o sake trazido por imigrantes em 1908 quebrasse a barreira cultural e invadisse os bares e restaurantes. Mas drinques como a "saquerinha" ou "caipisake" conquistam cada vez mais o público, especialmente o feminino — o Brasil está em quinto lugar no ranking de importação japonês e compra 40% a mais por ano, segundo a Fundação Japão. Nos bares e restaurantes, o sake é misturado com frutas, como lichia, carambola e tangerina. "Saqueritos" que se inspiram nos mojitos; bloody maries, martinis e daiquiris também floreiam os cardápios mais ousados. Tipos de sake Junmai-shu – É o sake mais puro, com arroz, água e koji, e que não sofre acréscimo de álcool. O arroz é “polido” de forma que perde a parte externa, conservando menos de 70% do seu volume original. Honjozo-shu – Tem pequena quantidade de álcool etílico destilado, o que melhora o sabor, tornando o sake mais suave. O arroz recebe o mesmo tratamento de Junmai-shu. Ginjo-shu – O arroz é “polido” para conservar apenas 60% do seu formato original. Isso diminui a gordura e as proteínas. Além disso, esse sake é fermentado a uma temperatura baixa por muito tempo.

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Daiginjo-shu – Através do polimento, o arroz perde pelo menos 50% de seu volume original, chegando em alguns casos a perder até 65%. É um tipo de sake que exige muito trabalho em cada nível do processo. Namazake – É o sake que não é pasteurizado, e deve ser guardado na geladeira. Nigori-zake – Não é filtrado e tem aspecto leitoso, resultante da adição ou preservação de partículas de arroz ou koji por meio de filtragem rústica. De sabor pesado, é servido após as refeições Curiosidades A palavra sake no Japão também é usada para designar qualquer bebida alcoólica em geral. O sake é a bebida com mais alta porcentagem de álcool entre os fermentados do mundo e também a mais tradicional — é mais antiga até mesmo que o vinho. A pasteurização foi introduzida no processo de produção do sake, baseada em observações empíricas, séculos antes de Louis Pasteur estabelecer sua explicação científica. O Japão importou da China a técnica do plantio do arroz, entre os séculos II e III a.C., e com isso mudou profundamente a vida social, política e econômica dos aldeões. Como o cultivo do arroz exigia um trabalho coletivo, surgiu a divisão de trabalho e consequentemente a divisão por classes sociais. Durante muito tempo, o arroz foi utilizado como dinheiro, calculando-se o valor da propriedade pelo volume de arroz que poderia produzir.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – texto 9 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Leitura complementar Pratos Japoneses famosos

1. Agemono (Frituras)

• Karaage - Fritos de carne ao estilo japonês, geralmente carne de galinha condimentada com molho de soja. É apreciada e consumida pelos japoneses durante todo o ano. Consiste em pequenos pedaços de carne previamente marinados em molho de soja, alho e gengibre e posteriormente fritos em bastante óleo e acompanhados por um gomo de limão ou maionese.

• Korokke (croquete) - bolas de puré de batata recheadas com vegetais cremosos, frutos do mar ou carnes e depois fritas.

• Kushiage - carne fritas em espeto. • Tempura - vegetais em pedaços, frutos do mar e carnes fritas. • Tonkatsu - costeleta da carne de porco empanado frita (versão com galinha chamada de

chicken katsu). • Donburi - uma taça de arroz cozido com várias coberturas condimentadas. • Katsudon - costeleta de porco empanada (tonkatsudon), chicken (frango-katsudon) ou

peixe (e.g., magurodon). • Oyakodon - (Pai e Criança) Normalmente frango e ovo, mas algumas vezes salmão e

ovas de salmão. • Gyūdon - Carne de vaca temperada.

2. Yakimono (Grelhados)

• Gyoza - Bolinhos chineses (potstickers), normalmente recheados com carne de porco e vegetais.

• Hamachi Kama - osso da bochecha, maxilar e cauda de atum amarela grelhada.

3. Kushiyaki - Espetadas de carne e vegetais • Okonomiyaki - bolos fritos passados por polme com saborosas coberturas. • Omu-Raisu - "omelete de arroz", sanduíche de arroz frita com aroma de kectchup com

uma leve cobertura de ovo batido ou coberto com uma omelete de ovo. • Omu-Soba - uma omolete com yakisoba como seu recheio. • Takoyaki - um bolinho espiral passado no polme e frito com um pedaço de polvo

dentro. • Teriyaki - carne, peixe frango ou vegetais abrilhantados com molho de soja doce

grelhado, empanado. • Unagi, incluindo kabayaki - enguia grelhada e aromatizada. • Yakiniku - carne grelhada numa espécie de chapa, ou simplesmente churrasco. • Yakisoba - massas fritas ao estilo japonês. • Yakitori - espetadas de frango. • Nabemono (Cozidos em vapor) • Sukiyaki - mistura de massas, carne de vaca finamente fatiada, ovo e vegetais fervidos

num molho especial feito de caldo de peixe, molho se soja, açúcar e saquê. • Shabu-shabu - massas, vegetais e camarão ou carne de vaca finamente fatiada

fervidos em um molho leve e mergulhados em soja ou molho de soja antes de comer.

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• Motsunabe - vísceras de vaca, hakusai (bok choi) e vários vegetais são cozidos numa base leve de sopa.

• Kimuchinabe - similar ao motsunabe, tirando a base kimuchi usando carne de porco finamente fatida. Kimchi é um prato tradicional coreano, mas também se tornou muito popular no Japão, particularmente no sul da ilha de Kyushu, que é próximo da Coreia do Sul.

• Nikujaga, uma versão japonesa de estufado de vaca.

4. Sashimi (Carne ou peixe cru) Sashimi são alimentos crus, finamente cortados e servidos com um molho no qual os alimentos serão mergulhados antes de consumidos. Têm acompanhamentos simples como as algas; geralmente os peixes ou o marisco servem-se com molho de soja e wasabi. As variações mais menos comuns incluem:

• Fugu: Peixe-balão venenoso fatiado. Uma especialidade tipicamente japonesa. O chef responsável pela sua preparação tem de ter uma especialização (curso obrigatório), pois pode colocar em risco a vida dos seus clientes.

• Ikizukuri: sashimi vivo. • Tataki: o atum da espécie Katsuwonus pelamis, vulgarmente conhecido por "Bonito"

ou, em inglês, skipjack, que pode ser servido como prato principal em bifes levemente grelhados no carvão (só para caramelizar o exterior) e depois devidamente fatiado, ou então em cru finamente cortado temperado com chalotas, gengibre ou pasta de alho.

• Basashi: o sashimi da carne do cavalo, chamado às vezes de sakura, é uma especialidade regional em determinadas áreas tais como Shinshu (prefeituras de Nagano, de Gifu e de Toyama) e Kumamoto.

• Rebasashi: geralmente fígado da vitela, completamente cru (a versão típica é chamada aburi), mergulhado geralmente em óleo de sésamo temperado de sal e por fim o molho de soja.

• Shikasashi: o sashimi da carne de veado, uma iguaria rara só acessível em determinadas partes de Japão. Acredita-se que exista o risco do contágio de hepatite aguda pela ingestão de carne crua do animal.

5. Sushi (bolinhos de arroz temperado)

Sushis são bolinhos de arroz temperado recheados ou cobertos, ou com peixes, ou com frutos do mar, ou com vegetais, ou com frutas, ou com ovo.

• Chirashizushi - sushi em tigela ou travessa. • Inarizushi - casquinha de tofu rechado com sushi. • Makizushi - sushi à rolê embrulhado com algas. • Nigirizushi - sushi modelado à mão. • Oshizushi - sushi moldado em prensa. • Narezushi - sushi à moda antiga. • Temakizushi - sushi enrolado à mão.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 10 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Idade Média Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001, p. 63 – p. 86 Blaney, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 2008 Anotações rápidas: Resumo do conteúdo: No começo da IM, na Europa, a alimentação era rústica e sem luxo. Apenas nos mosteiros se concentrava a cultura, a arte e o conhecimento gastronômico. Depois do desenvolvimento das cidades e do comércio com o Oriente, renasce uma refinada gastronomia. IDADE MÉDIA: Idade Média europeia foi o período da história aproximadamente entre os séculos V e XV. O fim da idade média é marcado historicamente com a tomada de Constantinopla pelos Turcos-otomanos. O Império Bizantino deixou de existir como entidade política após a invasão turca; mas cumpriu o papel histórico de ponte entre o mundo Greco-romano e o mundo moderno, que adviria com o Renascimento. No ocidente, do século V ao XI, as resultantes das fusões bárbaras e romanas mantiveram os modelos culinários da antiguidade. Mas uma novo poder se emergia: as ordens religiosas. Fortalecidas pelo esplendor bizantino e o orgulho romano. E são elas as grandes delineadoras da história e também das profundas influências nos hábitos gastronômicos. O Papa ocidental Gregório I, Papa entre 590 e 604, aprovou e deu amplo apoio à divulgação da “Regra de São Bento”, que norteava a conduta para homens que viviam em comunidade, principalmente as monásticas. Sua interpretação e prática modificam as relações comensais vigentes na época. A Regra de São Bento (em latim, Regula Benedicti), escrita por Bento de Núrsia no século VI, é um conjunto de preceitos destinados a regular a vivência de uma comunidade monástica cristã. Escrita numa altura em que pululavam, por toda a Cristandade, inúmeras regras, começou a ter sucesso sobretudo a partir do século VIII, quando os Carolíngios ordenaram que fosse a única regra monástica autorizada nos seus territórios - e a partir daí, esse preceito estendeu-se ao resto da Europa, sobretudo com o advento da reforma gregoriana. Foi também adotada, com igual sucesso, pelas comunidades regrantes femininas. Pode-se dizer que a regra tem sido um guia, ao longo da sua existência, para todas as comunidades cristãs da Cristandade Católica e, desde a Reforma Protestante, também aplicável às tradições Anglicana e Protestante. O espírito da Regra de São Bento resume-se em dois pontos: o lema da Ordem de São Bento (pax - «paz»), que nasceria séculos mais tarde, como resultado da agremiação de vários mosteiros que partilhavam a mesma regra; e ainda o tradicional ora et labora («reza e trabalha»), súmula da vida que cada monge deve levar. Entende-se que na época o trabalho significaria trabalho basicamente agrícola – produção de alimentos. O trabalho intelectual seria a fé e a religiosidade. Seguidas interpretações da Regra de São Bento, atribuiu uma importância maior ao trabalho intelectual ao manual. Portanto as instituições monásticas necessitariam de trabalhadores manuais, por quanto aos monges estaria reservado o trabalho intelectual.

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No período de grande fé, entre os séculos X e XV, era comum um nobre doar terras para o estabelecimento de uma abadia como agradecimento aos céus por uma vitória, para expiar pecados, por piedade pessoal, ou mesmo para abrigar uma filha que tomasse o véu. A esse patrimônio, juntavam-se os dotes que os religiosos deveriam trazer ao tomar o hábito. O recrutamento de oblatas e noviços garantia, sobretudo aos filhos de famílias menos afortunadas, dignidade e segurança, itens difíceis de obter à época. Em contrapartida, os pais, ao entregar seus filhos e bens materiais aos mosteiros, esperavam contar com os benefícios das orações da comunidade monástica. A igreja passa a reunir, poder, posses e mão de obra, ingredientes em fartura para a prática de ora et labora. Os mosteiros eram mais do que meros centros de contemplação, pois os monges desbravavam florestas e tornavam produtivas áreas não cultivadas. Como grandes produtores, eram também grandes depositários; seus celeiros mantinham alimentos para as populações ao redor, oferecendo abrigo e proteção aos peregrinos, além de hospitalidade e boa mesa. Principalmente os beneditinos que entendiam ser o mosteiro uma fonte de transmissão de tradição e experimentação culinárias. Parte da renda dos mosteiros vinha das doações dos peregrinos; mas para atraí-los era fundamental que as comunidades fossem detentoras de relíquias e para ampliar a generosidade do visitante a boa hospitalidade e mesa convidativa eram serviços muito bem vindos. Neste contexto, o desenvolvimento da jardinagem, o aprimoramento dos produtos hortifrutis, desenvolvimento das técnicas de laticínios, produtos destilados e fermentados, doces e panificação, tudo em nome da auto-suficiência do mosteiro e da hospitalidade. Os monges estudiosos da botânica detinham os conhecimentos dos aromas e sabores e as técnicas curativas e também as letais das plantas, dessa forma eram as Abadias também procuradas como verdadeiros hospitais. O início do século XI, grande parte da produção cultural existente foi enclausurada nos Mosteiros, que também eram os únicos centros de estudos e de saber. Em 1098, um grupo de monges beneditinos desejosos de uma vida simples e observância estrita da Regra de São Bento construíram em Borgonha o mosteiro de Cistertium – os cistercienses. Essa nova ordem dava ênfase à pobreza, à simplicidade, ao isolamento e a autossuficiência do mosteiro. Para assegurar a autossuficiência e ao mesmo tempo romper com o sistema feudal na exploração de suas propriedades, os cistercienses criaram uma classe de monges, os irmãos leigos ou conversos. Mão de obra crédula, barata, constituída de homens simples e iletrados, os irmãos leigos eram encarregados do serviço braçal nas abadias e áreas de influência. Embora vestissem hábitos, não viviam no interior dos mosteiros, e sua presença era esporádica nas edificações católicas. Graças aos irmãos leigos a economia e a alimentação nos mosteiros, durante séculos, foi bem sucedida. Algumas abadias podem ser consideradas precursoras das empresas agrícolas modernas. Técnicas de plantio, cultivo, cocção, vinificação, fermentação, charcutaria, etc, ultrapassam os muros monásticos e ganham a Europa. Os cistercienses cultivavam uvas viníferas, maçãs para sidra e cereais para o malte e a cerveja. Exploravam minas de sal; praticavam a pecuária, aprimoraram os processos de conservação da carne e o curtume; produziam, manufaturavam e vendiam a lã. Drenavam pântanos e transformavam em áreas de cultivo e pastagem.

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Alcançaram o objetivo da autossuficiência e sucesso econômico, logo núcleos de população se desenvolveram à suas portas. O comércio no mosaico político que foi a idade média era extremamente difícil, sejam pela precariedade das estradas, cobranças de taxas e pedágios, além da insegurança e um sistema monetário caótico, alastrado na prática do escambo. Assim, o grande alento gastronômico e comercial eram as grandes feiras, quase sempre ligadas a festas religiosas, onde mercadores, menestréis, cozinheiros, agricultores e pecuaristas, tecelões podiam se encontrar e manifestar a economia “internacional” nascente. Algumas feiras duravam semanas, um dos poucos momentos amenos da vida medieval. Os mosteiros cada vez mais ampliavam suas propriedades e riquezas, atraindo ainda mais os filhos da aristocracia feudal e seus dotes, para quem o trabalho manual estava longe de ser artigo de fé, mas a função supervisão sobre os irmãos leigos era considerada um substituto aceitável para o trabalho manual. As refeições nas abadias seguiam um minucioso ritual de comensalidade, descrito na Regra de São Bento e é, sem dúvida, o precursor das maneiras de mesa da sociedade europeia. Neste sentido os monges eram muito mais refinados do que os leigos, inclusive os nobres. Os mosteiros mantiveram durante a Idade Média elevado nível de savoir-faire culinário e enológico. As mais importantes cepas viníferas foram desenvolvidas pelos monges, principalmente nas abadias francesas (Borgonha, Gironda e Bordéus, por exemplo). O PECADO DA GULA Fonte: LOPES, J. A. Dias. A rainha que virou pizza. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007. Em sua doutrina sobre os pecados capitais ou mortais, Santo Tomás de Aquino (1225-1274), o teólogo que criou o mais importante sistema de ideias da igreja católica, condenou a gula. Na verdade, ele aprofundou os conceitos do Papa Gregório I (540-604) um dos doutores da Igreja mais enérgicos e importantes da Idade Média. Santo Tomás arrolou a gula entre os sete pecados capitais, ao lado da vaidade (depois substituída pela soberba), avareza, luxúria, ira, inveja e acídia (atualmente preguiça). Qualificou-os assim porque, em sua opinião, são vícios que originam “outros cinquenta atos condenáveis”. A palavra capital deriva de caput, cabeça. A pessoa que cometer uma das sete faltas “transgredi gravemente a lei de Deus”, ou seja, habilita-se ao fogo do inferno. Nas obras Suma Teológica e Sobre o mal (séc. XIII), chamou a gula de “desordem de um desejo natural” e a definiu como “o gosto de comer e beber mais do que é necessário”. Ao fazer isso, avalizou a antiga convicção religiosa de que a abstenção ou redução do consumo dos alimentos abrevia o caminho para o céu. Inúmeros católicos seguiram estes mandamentos. O Papa Inocêncio III (1281-1285) defendia a moderação na alimentação, exorcizava o prazer à mesa e sustentava que, para o cristão, a única função do alimento é manter a saúde. Muito dos sucessores, porém, comportaram-se de maneira exatamente oposta e a cozinha do Vaticano se mostra, ao longo da história, prodigiosa, farta e sempre atualizada.

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A doutrina do genial moralista medieval prescreve três remédios contra a gula: rezar antes e depois das refeições; praticar mortificações à mesa, deixando de comer os alimentos mais apetitosos; evitar as tavernas e as pessoas que costumam levar as demais aos desvarios etílicos. Na época de Santo Tomás, os gulosos foram incriminados no mesmo tom do sermão que estigmatizava o sexo fora das funções reprodutivas. Era um veto insustentável! A reação partiu inclusive do interior da igreja católica. Sacerdotes e freiras simplesmente capitularam ao pecado gustativo. Hoje, julgamos que se entregaram à gula por uma motivação transcendente às explicações de Sigmund Freud. A ciência moderna descobriu que o apetite à mesa e à cama obedece ao mesmo comando cerebral. Os impulsos motivadores de ambos os prazeres se encontram no hipotálamo, o QG das atividades do sistema nervoso autônomo. São despertados pelo mesmo hormônio. Daí o ilimitado apego à comida de inúmeros sacerdotes e freiras. Compelidos à obediência dos votos de celibato e castidade, resta-lhes exercitar um prazer capaz de compensar a surdez aos clamores do sexo. Apesar de condenar a gula e legislar contra ela, a alta hierarquia eclesiástica jamais penalizou com a mesma severidade dispensada aos demais pecados mortais. Sobretudo nos mosteiros e conventos da Idade Média e Renascença, a mesa dos religiosos permaneceu escandalosamente farta. Foi nas cozinhas das instituições eclesiásticas e nos palácios reais que a culinária de então alcançou o supremo esplendor. Há muito tempo, comer com avidez deixou de ser algo punido com o fogo do inferno. Atualmente, apesar da patrulha dos médicos, tornou-se um direito ao prazer. Para a descriminalização da gula, contribuiu a certeza de que comer e amar são verbos transitivos diretos conjugados pelo ser humano durante a vida toda. Ao mesmo tempo, reafirmam a superioridade da nossa espécie. “Os animais se nutrem, o homem come; só o homem de espírito sabe comer” (Brillat-Savarin, em “A fisiologia do gosto”. A diferença é que certas pessoas demonstram exacerbado interesse pela mesa ou cama – habitualmente avançam o sinal. Enfim, o vício de comer e beber exageradamente, bem como o interesse excessivo pelo sexo, perderam a condição de pecados capitais por serem referendados por duas conquistas civilizadas: o direito ao prazer e a riqueza de espírito.

Quase sete séculos atrás, nos preparativos do banquete de coroação do Papa Clemente VI, trabalharam os cozinheiros de todos os cardeais presentes ao conclave. A brigada colossal preparou 1.023 carneiros, 914 cabritos, 118 bois, 101 vitelos e 60 porcos. O número de aves foi igualmente prodigioso: 7.048 frangos, 3.043 galinhas, 1.146 gansos e 1.500 capões. Aos peixes números mais modestos: 300 lúcios e 15 esturjões. Os confeiteiros apresentaram 50 mil tortas de frutas.

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O Vinho: Até o século XVIII o costume greco-romano de adicionar água ao vinho foi mantido. Até o século XVII os vinhos eram aromatizados com ervas, frutas, sementes, especiarias e resinas. O vinho era tratado como "complemento alimentar" e como antisséptico e medicamento para tratamento de problemas digestivos (acreditava-se que vinho misturado ao azeite era cicatrizante). Usado nas missas e consumido pelos monges. Já no sec. XII todo terreno rural tinha sua vinha e equipamentos para produção do vinho caseiro. O mulsum romano (ou hidromel) foi reinventado com a adição de levedos, especiarias, canela, gengibre e outros ingredientes, produzido nas áreas onde não havia vinhedos. O consumo e produção da sidra se expandiram no século XI por toda Biscaia (província Basca, hoje tem como capital a cidade de Bilbao), Normandia e Inglaterra. A cerveja: que outrora era uma bebida “menor”, na idade média foi a mais popular. A cerveja seguia a receita romana - aromatizada - só na IM que se incorporou o lúpulo, planta que serve como conservante e conferir à bebida as características de amargor e aroma. A cerveja chegou a ser considerada "milagrosa" e o Beneditino Arnold seu santo padroeiro. Para acabar com as epidemias causadas pelas águas contaminadas, o monge Arnold incentivava as pessoas a tomar cerveja. No século XI houve um grande crescimento demográfico e surgiram inúmeras cidades. Essas polarizavam a riqueza gerada pelo comércio emergente. As atividades pesqueiras no atlântico cresciam principalmente o comércio e exportação do arenque (arenques são pequenos peixes gordurosos encontrados nas águas temperadas e rasas do Atlântico Norte, do Mar Báltico, do Pacífico Norte e do Mediterrâneo. Eram salgados e armazenados em barris). A liga Hanseática (Hansa), poderosa confederação mercantil, dominava o mercado pesqueiro e fez fortuna e prosperidade para as cidades costeiras. A prosperidade do comércio e da agricultura, impulsionados pelos novos mercados urbanos, transformou as estruturas sociais.

A aristocracia emergente redescobre o fausto!

A ostentação de grandezas se torna uma virtude entre os nobres.

Erigiam-se castelos, grandes catedrais e fortificavam-se as cidades.

Estilo nobre de vida baseado na aquisição de artigos de luxo, do açúcar às joias.

A mesma prosperidade foi reafirmada dentro dos Mosteiros; os imensos estoques foram postos à venda e a fartura e a glutonaria é alvo de severas críticas.

TEORIA "A GRANDE CADEIA DO SER" Defendia-se na IM a ideia de uma pirâmide alimentar em que quanto mais próximo da terra estivesse o produto, mais ele era considerado inferior. No topo da pirâmide estavam os alimentos mais próximos do céu e, por conseguinte, de Deus. Sob este olhar, os vegetais eram desprezados e a fina flor dentre os ingredientes eram as aves - literalmente próximos do firmamento.

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As diferenças entre a cozinha da Idade média e as da Antiguidade Clássica decorrem do fato de que na IM, inicialmente, não se conhecia grande variedade de processos de cocção. Havia grandes lareiras onde se penduravam caldeirões para cozinhar sopas e legumes; à frente engenhocas giravam espetos para assar carnes. O fogo era mantido continuamente aceso: a ignição rápida ainda era difícil de obter. Como não se conseguia controlar eficazmente o fogo destas lareiras, técnicas de preparo de cocção lenta eram inviáveis. Não se conseguia preparar guisados e carnes em molhos. Somente no século XIII se redescobriu a técnica do uso dos fornos. As lareiras ganham uma aparência de fogões e era comum o uso de 2 fogões, um de fogo forte e outro brando. Torna-se muito apreciado os guisados, carnes em molhos e pratos de cocção lenta. A arquitetura de cozinha modifica-se e aparecem as bancadas de trabalho junto aos fogões. Coube aos mosteiros a inovação de mudar de posição os fogões-lareira do centro da cozinha para uma parede lateral. As técnicas de fornear se diluíram na história e o uso dos fornos era raro no cotidiano das comunidades. Apenas os conventos, mosteiros e castelos tinham fornos. Desde o fim do império romano os fornos comunitários praticamente deixaram de existir. Mas por uma boa paga os pães eram forneados aos vassalos! Os ricos comiam, sobretudo, pão branco de trigo, que torrados e triturados servia para espessar molhos. Os pobres se contentavam com pão escuro feito de diferentes cereais (cevada, aveia, centeio etc.) e em tempos de colheita ruim agregava-se farinhas obtidas de leguminosas. Nas casas nobres esse pão escuro, de quatro ou cinco dias, era cortado em grossas fatias, trabalhado uma concavidade e utilizado como uma espécie de “prato”, que era trocado sempre que necessário e descartado. O peixe era o alimento mais barato e farto, tanto em água doces como salgadas. Base da alimentação cristã que não incentivava o alto consumo de carnes. Os mosteiros, castelos e mansões senhoriais tinham seus próprios viveiros de peixes, semelhantes aos romanos. A culinária da idade média repete a função do uso dos condimentos: justaposição de sabores, sem a preocupação gastronômica da harmonização. Consequentemente, o uso de especiarias (artigo de luxo, uma vez que Europa tinha pouca coisa para oferecer em troca destes produtos) na culinária era muito mais para um efeito de ostentação do que de técnica culinária. O sabor da época: Forte e agridoce: Forte pelo excesso de especiarias em justaposição de sabores e agridoce pelos vinhos e vinagres associados ao caro e raro açúcar. O restabelecimento da atividade econômica e a interação de cristãos e mulçumanos estimularam o gosto pelos sabores exóticos. As novidades trazidas pelos cruzados mudaram a vida cotidiana dos europeus e o gosto pelos novos aromas e sabores.

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A evolução culinária é fruto da importação e assimilação de novos ingredientes. Entender a importância das especiarias na história é estudar a influência mulçumana e

dos mouros na Europa.

(Os mouros são um povo árabe-berbere que conquistou a Península Ibérica, oriundos principalmente da região do Saara ocidental e da Mauritânia).

Ao absorver imensa influência cultural do oriente médio, assimilou-se o uso de:

Açúcar (sukkar) e trigo sarraceno, noz moscada, canela, gengibre, hortelã, cravo, anis, açafrão, cominho, água de rosas (a partir da destilação das pétalas), iogurte, massa folhada, nougat1, frutas secas, conservas em vinagre; várias outras especiarias, outrora usadas pelos romanos, voltaram às mesas. O limão começou a substituir o suco de uvas verdes em certos preparos. Culto ao requinte: arte, seda, tapeçaria, brocados, ourivesaria e jóias.

(1)Nougat: nome de um doce feito com mel ou açúcar, clara de ovos, a que se adicionam pedaços de amêndoas ou avelãs ou pistaches ou pinhão.

Logo surge a manufatura europeia de itens de lã, de seda e ouro, para suprir esse mercado emergente. Com os mulçumanos descobre-se o prazer do banho frequente, hábito condenado pela igreja. Os árabes haviam estudado as plantas medicinais e as vendiam à Europa. Os mouros aprimoraram a cultura do arroz e introduziram a cana de açúcar e o açafrão na Espanha. (A Espanha hoje é um dos poucos produtores de açafrão do mundo). (Açafrão é obtido de pistilos da Crocussativus, extraídos manualmente, um a um, e postos para secar. São necessárias milhares de flores para se conseguir poucas gramas da especiaria). A citricultura (que era comum em Roma) desapareceu após as invasões bárbaras. Foram os mouros que reativaram as plantações na Espanha no século XIV e os Sarracenos na Sicília. Mais tarde seria moda criar laranjeiras em vasos. No século XVII muitos palácios tinham suas orangeries. (A mais famosa foi criada por Mansard para Luís XIV em Versalhes com 1.200 laranjeiras). Do Oriente Médio vieram ainda novas técnicas de destilação que permitiram o fabrico de aguardentes e vinhos fortificados que fariam a fama do Porto e de Jerez. Os doces ganharam novo valor com adição de frutas secas, amêndoas variadas e especiarias.

O QUE COMIAM OS CAMPONESES? Fogão era peça cara. Os camponeses, por muito tempo, continuaram usando as trempes e os caldeirões. Assim tudo acabava em sopa. Forno só para os ricos. Os pães eram assados nas pedras aquecidas. Pão de má qualidade, que endurecia muito rápido. Então molhar o pão na sopa era a saída: o ensopado! A carne era de porco. Fresca no inverno e chacutaria no verão. Do carneiro, da cabra e da ovelha vinha a lã e o leite e seus derivados. Criava-se também galinhas e gansos. A “carne selvagem” era privilégio dos nobres.

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O café, originário da Etiópia, teve seu uso difundido pelo mundo mulçumano favorecido pela proibição religiosa do consumo do vinho. São raros os manuscritos e receitas medievais, sociedade onde predominavam os iletrados, o que torna difícil de ter um quadro completo da evolução da culinária entre a decadência do Império Romano e o Renascimento. As tradições culinárias eram transmitidas de forma familiar e oralmente. O padrão de alimentação da IM era baseado no alto consumo de carne (influência bárbara). Os molhos eram ácidos ou agridoce, engrossados com pão, gema de ovo e amêndoas. O garum foi desaparecendo e substituído pelo verjus, à base de brotos de vinha, suco cítricos, romã, açúcar, água de rosas, vinagre, mostarda, alho, hortelã, pimenta do reino, gengibre, canela e cravo. Manteve-se a tradição romana de aliar alimentação com diversão. Os banquetes da Idade Média também eram acompanhados de shows e performances (os entremets). As refeições eram servidas todas de uma vez. Ao final as mesas eram retiradas e serviam-se as sobremesas. Não se usava pratos individuais. Até o século XV o uso do pão escuro como “prato” era comum. Foi substituído pelo uso de pranchas de madeira. Em geral o anfitrião provia somente a colher; (o garfo já existia, mas seu uso não era disseminado); cada conviva trazia sua própria faca. Com suas próprias facas os convivas faziam a trinchagem das enormes bandejas com, às vezes inteiros, veados, javalis, cabritos, acompanhados de cisnes, gansos, pavões, perdizes, faisões decorados com suas próprias plumagens. A arte de trinchar era sinal de distinção. A nobreza tinha grande apreço às carnes de caça e somente aos nobres era permitida a caça. Atividade de distinção entre nobres e o restante do povo. (ver filme Coração Valente – Brave Heart). A expressão “serviço” designava as etapas de uma refeição. Alguns restaurantes ainda hoje utilizam essa acepção da palavra. A lista de pratos dos menus dos banquetes era enorme, mas os convivas limitavam-se a se servir daqueles que estivessem ao seu alcance. O açúcar era raro e caro, guardado a chave nas dispensas medievais e importados em forma de cones denominados “pães de açúcar” que eram partidos e triturados conforme necessidade. O açúcar até o sec. XVI era muito usado como remédio, indicado como analgésico, antitérmico, contra epilepsia e melancolia. Substituiria o mel com a vantagem de ser mais fácil transportar e armazenar. Em resposta à demanda do açúcar importado, já no sec. XV aparecem as plantações de cana de açúcar na Cicília e na Espanha. Os portugueses introduzem a cana na recém descoberta Ilha da Madeira (1419), posteriormente nas Canárias e Ilha de São Tomé. No sec. XIX, em decorrência da escassez do produto (Guerras Napoleônicas), a produção de açúcar a partir da beterraba é a saída encontrada. (Técnica desenvolvida pelo químico alemão Andreas Marggraf, sec. XVIII). Era comum o uso de do açúcar nos molhos, a mistura de carne e peixe; frutas e caça; assados e ragus. (O nome vem do termo francês ragoût, designado para as carnes ensopadas, preparadas geralmente com legumes e vinho tinto. O tipo de carne pode variar, mas um bom ragu é conhecido pela consistência encorpada e pelo molho rico e abundante).

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Como na antiguidade, as frutas secas continuavam a frequentar as mesas no início das refeições e ao final das refeições era servidas sementes de coentro, erva-doce, ou cominho para refrescar o hálito. Algumas especiarias eram utilizadas de forma terapêutica: digestivas, antissépticas, para cataplasmas e analgésicos; algumas ganharam fama de afrodisíacas. O cravo e a canela são exemplos de especiarias que inicialmente eram consideradas drogas medicinais. Não se conhece nenhum tratado de gastronomia medieval antes do século XIV, quando só então começaram a aparecer os primeiros livros depois de De Re Coquinaria de Apicius. Data-se de 1390 um receituário inglês escrito pelo cozinheiro de Ricardo II, contém 96 receitas: The Formof Cury. O manuscrito DU FAIT DE CUISINE, datado de 1420 e atribuído ao mestre Chiquart traduz bem a culinária medieval e suas relações com a alquimia.

(Chiquart foi cozinheiro de Amadeu VIII, duque de Savóia, que viria a ser o papa Félix V). Na receita 65 Du fait de cuisine, um interessante caldo restaurador para pessoas enfermas, constava além de um galo capão e água de rosas, o uso de pérolas, pedras preciosas e moedas de ouro. Destaque ao manuscrito francês de Taillevent (GuillaumeTérel) (1310/1395) : LE VIANDIER Escrita em torno de 1380, só foi publicada anos depois da morte de Taillevent. Mas já era suficientemente conhecida, pois circulava entre as grandes cozinhas como manuscrito. Taillevent trabalhou para Filipe VI de Valois e para Carlos V, o sábio. Le Viandier descreve além dos pratos e receitas, pormenores dos gostos e costumes da corte. Foi precursor de uma longa série de chefs que influenciaram a cozinha do seu tempo. Taillevent e Apicius são consideravelmente diferentes, contudo em ambos a justaposição de sabores é técnica amplamente utilizada. Apresenta receitas abase de verduras, cereais, peixes e carnes. Cotovia, pombo, cordiz, tordo,, perdiz, faisão, garça, ganso, cisne, cegonha, frango capão, galinhola, marreco, pato, coelho, lebre, porco, cabrito, cordeiro, vitelo e boi. Servidos aos patrões coroados. Devidamente, tingidos, fantasiados, reemplumados e armados. Le Viandier tem grande importância na lida com os molhos e no aprimoramento de receitas antigas. Taillevent compilou de diversas fontes um dos principais tratados de gastronomia do século XIV. Taillevent utilizava generosamente as amêndoas e abusava dos condimentos, com resultados discutíveis nos dias de hoje, mas muito aplaudidos pelos seus contemporâneos. As receitas também carregavam no mel e no açúcar, um produto importado e caro, usado apenas pelos nobres e ricos, salpicados na comida tal como especiaria. Vários alimentos eram moídos ou esmagados, engrossados com ovo, pão ou farinha, para facilitar o consumo. Afinal o uso do garfo não era difundido e comia-se apenas com a colher. Guardanapo também não existia e a etiqueta indicava o uso da manga da roupa como sinal de distinção.

Tailevent juntamente com Apicius servirão de base para o aperfeiçoamento da gastronomia na Renascença e da ascensão da

haute cuisine, arte francesa por excelência.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 11 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Leitura complementar: SOBRE O AÇAFRÃO Família : IRIDACEAE Nome Científico:CROCUS SATIVUS L. Partes usadas: Estigmas da flor. Família: Iridáceas Características: Planta bulbosa de flores de cor lilás, de cujo estigma é extraído o açafrão propriamente dito. Também conhecido como açafrão-verdadeiro, açafrão-oriental, flor-da-aurora e flor-de-hércules. Dicas de Cultivo: Prefere solos argilo-arenosos e férteis, porém propaga-se em diversos tipos de solo. Necessita de meia-sombra ou iluminação plena. O plantio pode ser feito por sementes (importadas) em sementeiras devem ser transplantadas quando tiverem em torno de 10 a 15 cm de altura. Pode-se também propagá-la por meio de estacas ou divisão de touceiras (na primavera ou outono). A colheita é feita após 2 anos, na floração.

Princípios Ativos: Princípios amargos (crocina e picrocina) e 1 óleo essencial.

Propriedades: É digestivo, aperitivo, carminativo, antiespasmódico e emenagogo.

Indicações: Combate a tosse causada pela bronquite crônica, ansiedade, insônia.

Toxicologia: Em doses altas é tóxico, abortivo e produz graves transtornos nervosos e renais.

Crocus sativus: é o açafrão verdadeiro, uma planta caríssima, pois, para termos 1 quilo, precisamos mais de 150 mil flores. Usado há séculos em molhos, arroz e aves. História: É pelo menos tão antigo como a escrita, conforme consta de registros de tempos muito anteriores à nossa era. Da China ao Egito, da Grécia a Roma, o açafrão sempre foi apreciado pelo seu aroma requintado e propriedades medicinais. Talvez por isso não deva estranhar-se que esta especiaria seja a mais cara do mundo. Zeus, deus dos deuses da antiga Grécia, dominado por insaciáveis apetites sexuais, chegou a dormir num colchão forrado com açafrão, na esperança de que a odorífera planta lhe exaltasse as paixões. Até porque, desde que a planta era planta, ou seja, desde o dia em que nascera, fruto do sangue derramado do jovem Crocus, assassinado involuntariamente por Hermes, deus do comércio e dos ladrões, que as suas virtudes corriam o Olimpo. Uma trágica origem para o «crocus sativus», a bela planta bulbosa da família das iridáceas, também designada por açafroeira ou açaflor, de flor lilás, cujos estigmas, finíssimos e de cor vermelha, e parte dos estiletes dão uma especiaria preciosa - a mais cara do mundo - de perfume e sabor requintados, utilizada também, desde tempos remotos, como remédio e pigmento. Por fatalidade ou não, o certo é que Henrique VIII, apreciador da especiaria, mas acima de tudo da ordem no seu reino, mandava para a forca quem fosse apanhado a falsificar açafrão. Uma ideia que já não era nova, uma vez que na poderosa Nuremberga do século XV, castigava-se na fogueira os que obtinham dividendos com a venda da especiaria adulterada. Como é óbvio, hoje já não há penas capitais para quem cai na tentação de vender «gato por lebre», mas as imitações estão mais vivas do que nunca, prova de que o açafrão, talvez por ser tão caro, continua a ser desconhecido para a maioria dos consumidores.

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Embora não sendo uma especiaria emblemática de nenhuma receita tradicional portuguesa, como o é da paelha, do «risotto» à milanesa, da «bouillabaisse» (equivalente francesa da nossa caldeirada de peixe) ou dos bolos de açafrão, muito populares nos países nórdicos, o açafrão está presente em várias receitas de arroz, de fogaças e sobretudo na sopa de peixe. No entanto, não há registros do seu cultivo em Portugal, embora o primeiro produtor mundial seja Espanha, nomeadamente a região da Mancha. França, na região do Vaucluse, Grécia e Itália, com climas semelhantes ao nosso, também cultivam açafrão. Confunde-se frequentemente açafrão com curcuma, conhecida por açafrão-das-Índias, produto que se popularizou nos últimos 30 anos, à venda em todos os supermercados por um preço irrisório, quando comparado com o do açafrão - este apenas é vendido em mercearias finas e em alguns hipermercados. Nos Açores usa-se ainda outro produto de baixa qualidade: a açafroa ou cártamo, da qual também é extraído um óleo. Se se pensar que são necessárias mais de 150 mil flores para se obter 1 kg de açafrão e que a colheita, efetuada entre Outubro e Novembro, é inteiramente feita à mão, o mesmo acontecendo com a monda (operação que consiste em separar os estigmas da flor), percebe-se por que motivo os preços do açafrão são muitas vezes comparados aos do ouro. Houve até épocas em que os dois produtos tiveram preços idênticos. Além disso, a própria plantação dos bulbos, nos meses de Junho e Julho, é igualmente feita à mão. Uma vez abertas, as flores devem ficar o mínimo tempo possível no caule - uma flor murcha perde aroma e sabor - pelo que são necessárias várias pessoas para vigiar os campos. O ouro vermelho, como é designado, não nasceu de uma briga entre divindades gregas, mas talvez na península balcânica ou na Ásia Menor, numa época muito anterior à era cristã. O açafrão é uma das especiarias mais caras e valorizadas na gastronomia. A produção limitada desse pó dourado de aroma inebriante exige precisão, paciência e um intenso trabalho manual. Cultivado deste a Antiguidade em diversas regiões da Ásia, teve papel fundamental em rituais religiosos; e nas cozinhas da civilização grega, onde também era utilizado como cosmético. Na Roma, a aristocracia costumava beber o açafrão, fazendo infusões em caldos de carne, galinha ou carneiro, sendo considerado um afrodisíaco. Sua cor vibrante também tonalizava as túnicas de monges budistas. Durante o período das grandes Cruzadas, os árabes levaram para Espanha o az-zafaran, que significa amarelo. Desde então, a especiaria conquistou cozinheiros franceses, italianos, espanhóis e ingleses. O açafrão é a mácula, ou stigma, seca da flor crocus sativus. Hoje, o cultivo é feito, principalmente, em áreas isoladas da Espanha, Marrocos e no Oriente Médio. As delicadas flores de cor púrpura florescem somente na escuridão, antes do amanhecer. A colheita deve ser feita no mesmo dia para assegurar que os fios estejam vermelhos, conservando seu sabor intenso e a deliciosa fragrância. Essência da flor Cada flor contém, em média, três máculas, que devem ser retiradas a mão, utilizando os dedos polegar e indicador. As crocus sativus são muito frágeis para serem colhidas com máquinas. Após a retirada da mácula das flores com rapidez, o açafrão passa trinta minutos sobre o fogo indireto. O processo é utilizado para tostar as pontas dos stigmas, retirar o excesso de umidade e, principalmente, intensificar seus aromas. O calor também controla o nível de amargor desse tempero. Duzentas horas de trabalho são necessárias para produzir 460g de açafrão; e, para obter 1kg, são utilizadas milhares de crocus sativus. Pelo peso, a especiaria é a mais cara. Em certas ocasiões, o preço por quilo supera o do ouro. A temporada ocorre no final de outubro.

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O terroir do açafrão Hoje, a Espanha é responsável por 70% da produção de açafrão, considerado o melhor e o mais perfeito. O terroir espanhol em volta do Rio Jiloca se destacou pela qualidade e a especiaria passou a ser chamada pelos nativos de “o ouro do homem pobre”. Com invernos rígidos e longos e verões quentes, o clima da região é ideal para cultivar as crocus. Em 1970, o terroir de Teruel - situado ao lado das montanhas Cuenca, na região de Aragon, a 200km de Valência - era famoso por suas trufas e pelo açafrão, tendo dois mil hectares plantados. Hoje, a área possui menos de 5 hectares. É surreal saber que a economia local já foi totalmente dependente da agricultura da crocus sativus. O museu do açafrão O Museo del Azafran - localizado no pequeno vilarejo de Monreal de Campo, a 55km de Teruel - é um marco histórico. O local possui a biblioteca mais completa dedicada ao tempero com sua história e lendas, o comércio, as rotas e os instrumentos usados na produção. Nessa comunidade, o açafrão teve papel central, tendo sido utilizado como moeda de troca. Com o apoio da Fundação Slow Food para Biodiversidade, o Museo del Azafran, está desenvolvendo um projeto para promover o açafrão de Jiloca entre os consumidores da Espanha e ao redor do mundo. Desde a Idade Média, o tempero foi ameaçado por imitações de qualidade inferior. Apesar da facilidade de reproduzir a cor de ferrugem intensa, os carotenóides e óleos essenciais, que compõem todas as notas de sabor, estão somente presentes na verdadeira crocus. Açafrão marroquino Embora a Espanha responda pela maior parte da produção, o açafrão marroquino apresenta alta qualidade. É considerado por alguns como o mais aromático disponível no mercado. Seu intenso perfume possui aroma de mel e sabor forte, que lembraria um néctar de frutas amargas. A pequena aldeia marroquina de Taliouine, localizada a 400 km ao sul de Marrakesh, é uma comunidade de produção de açafrão. Para chegar ao local é preciso atravessar a cadeia de montanhas Altas, situada a 400 metros acima do nível do mar. Taliouine é um vilarejo muito pobre. Os pequenos agricultores da região produzem um pouco do melhor açafrão do mundo e o comercializam por gerações. Eles ainda usam velhas balanças para pesar e vender seu precioso ingrediente. Luxo acessível O açafrão é insubstituível nas cozinhas de muitas culturas. É essencial no Arroz Pilaus, o Biryanis, e nos pudins e doces da Índia e Oriente Médio. Na cozinha Marroquina é utilizado, frequentemente, nas preparações de doces. Tagine, um dos pratos mais populares do Marrocos é à base desse tempero. Também é ingrediente-chave em risottos no norte da Itália; na sopa de peixe de Marseilles; nos frutos do mar da Provence; e nas paejas célebres da Espanha. Como nunca é usado em grandes quantidades, o preço do açafrão por quilo não o faz um produto caro ou inacessível. É bom lembrar que o seu alto valor de mercado é temperado pela sua intensidade. Somente uma pitada é necessária para trazer sabor, luxo, apelo visual e novas dimensões às receitas.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 12

O sal nos costumes Na alimentação O homem pré-histórico obtinha sua dose de sal graças à carne crua de suas caças. Foi a passagem para a agricultura e para uma alimentação à base de grãos que introduziram a necessidade de complemento. O sal teve grande impacto também na história das civilizações: graças ao seu poder de conservar os alimentos facilitou a sobrevivência e a mobilidade das populações. Antes da Idade Média, pescadores holandeses já sabiam salgar o arenque para armazená-lo, tornando o peixe acessível longe do mar e durante o ano inteiro. O bacalhau salgado também é anterior à Idade Média. No artigo “Na Bahia Colonial”, Taunay descreve o entusiasmo do viajante Pyrard de Laval na Bahia, em 1610. “É impossível terem-se carnes mais gordas, mais tenras e de melhor sabor. (...) Salgam as carnes, cortam-na em pedaços bastante largos, mas pouco espessos (...). Quando estão bem salgadas, tiram-nas sem lavar, pondo-as a secar ao sol; quando bem secas, podem conservar-se por muito tempo.”

Fazenda de Carne-Seca. Aquarela de Debret Os indígenas brasileiros não conheciam o sal. Era das carnes da caça que vinha a porção de que necessitavam. Seus temperos eram as pimentas, e seu método de conservação era o moqueio – defumação lenta sobre braseiro de folhas e gravetos. O sal foi introduzido no Brasil pelos portugueses e seu emprego como conservante influiu decisivamente na ocupação do território brasileiro. O charque, ou carne-seca, foi a base da alimentação dos boiadeiros do Nordeste, que avançaram pelo interior em direção ao sul, em busca de terras para a pecuária, e dos bandeirantes paulistas, que tomaram o rumo noroeste, em busca de novas riquezas. Nos rituais O sal está presente em rituais religiosos de diversas épocas e civilizações. Foi usado por gregos, romanos, asiáticos e árabes. Mas talvez nenhuma tradição lhe tenha dado tanto destaque quanto a judaico-cristã. O Antigo Testamento menciona o sal com frequência, ora no contexto da vida prática, ora simbolicamente. Sal significa, por exemplo, pureza e fidelidade. No Novo testamento, a menção ao sal torna-se mais metafórica. Jesus diz a seus apóstolos - “Vós sois o sal da terra”. Até o início da industrialização e em diferentes civilizações, o sal na mesa significou prestígio, orgulho, segurança e amizade. A expressão romana para exprimir ser infiel a uma amizade era “trair a promessa e o sal”. Desde aqueles tempos a ausência de um saleiro sobre a mesa representava um presságio, tanto quanto o sal derramado.

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Ao pintar sua famosa “Santa Ceia” Leonardo da Vinci tratou de colocar diante de Judas um saleiro derramado. Abolido por Lutero no ritual de batismo da religião protestante ainda no século 16, o uso do sal perdurou no batizado católico até 1973, simbolizando a expulsão do demônio e o sinal de sabedoria sobre o recém-nascido. Ainda hoje, as batatas e ovos cozidos servidos no Pessach, a Páscoa judaica, são regados com água salgada, que simboliza as lágrimas derramadas pelos judeus na travessia do deserto, durante a fuga do Egito. Nas bruxarias Nas crenças populares, ele é um ingrediente obrigatório para afastar demônios e feiticeiras. No Brasil, senão uma prática, o banho de sal grosso é uma expressão comum para designar proteção contra o mau-olhado. Recipientes com sal e uma cabeça de alho podem ser vistos com frequência não apenas em casas, mas também em lojas e escritórios. A final, que las hay, las hay... Acredita-se que foi a Igreja que tomou emprestado esse uso para seus rituais, sobretudo os de exorcismo, e não o contrário. A explicação de um demonólogo francês do século 16 para os poderes anti-diabólicos do sal: “ele é a marca da eternidade e da pureza, porque jamais apodrece ou se corrompe. E tudo o que o diabo procura é a corrupção e a dissolução das criaturas, tanto quanto Deus busca a criação. Daí a obrigação, pela lei de Deus, de colocar sal na mesa do santuário...” Povos antigos atribuíram ao sal poderes afrodisíacos e acreditavam que sua carência reduzia a potência sexual dos homens. Uma gravura satírica francesa do século 16 mostra mulheres de diversas classes sociais numa atividade insólita: debruçadas sobre maridos sem calças, que esperneiam, aprisionados em barris, elas esfregam com sal, vigorosamente, suas partes íntimas. Até hoje é grande o número de superstições em torno do sal. Algumas delas: • o saleiro passado de mão em mão a outra pessoa da mesa traz má sorte. No Brasil, recomenda-se que ele não seja levantado da superfície da mesa. Nos Estados Unidos, existe o ditado “passe-me sal, passe-me sofrimento”. • jogar sal afugenta os vampiros. • usar um sachê de sal pendurado no pescoço afasta os maus espíritos. • derrubar sal traz má sorte, a menos que se jogue uma pitada por cima do ombro direito. • para afastar maus espíritos, joga-se sal por cima do ombro esquerdo. • cada grão de sal derrubado equivale a uma lágrima. Para evitá-las, leva-se imediatamente o sal derrubado para uma panela no fogo. Isso bastará para secar as lágrimas. • emprestar ou pedir emprestado sal ou pimenta destrói a amizade. É melhor oferecê-los e aceitá-los como um presente. • no oriente médio acredita-se que quando duas pessoas comem sal juntas, formam um vínculo. Por isso, usa-se sal para selar um contrato. • no Havaí, a pessoa que volta de um funeral polvilha sal sobre si mesma, para garantir que maus espíritos que rondassem o defunto não a acompanhem em casa. • no Japão, espalha-se sal no palco antes da apresentação para evitar que maus espíritos joguem pragas sobre os atores. • em muitos países espalha-se sal no umbral da porta de uma casa nova para impedir a entrada de maus espíritos.

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O sal na história

Os registros do uso do sal remontam a 5 mil anos. Ele já era usado na Babilônia, no Egito, na China e em civilizações pré-colombianas. Nas civilizações mais antigas, contudo, apenas as populações costeiras tinham acesso a ele. Mesmo assim, estavam sujeitas a períodos de escassez, determinados por condições climáticas e por períodos de elevação do nível do mar. A tecnologia de mineração só começou a se desenvolver na Idade Média. Escasso e precioso, o sal era vendido a peso de ouro. Em diversas ocasiões, foi usado como dinheiro. Entre os exemplos históricos mais conhecidos figura o costume romano de pagar em sal parte da remuneração dos soldados, o que deu origem à palavra salário. Por ser tão valioso, o sal foi alvo de muitas disputas. Roma e Cartago entraram em guerra em 250 a.C. pelo domínio da produção e da distribuição do sal no Mar Adriático e no Mediterrâneo. E após vencer os cartagineses, o exército romano salgou as terras do inimigo, para que se tornassem estéreis. Cerca de 110 a.C., o Imperador chinês Han Wu Di iniciou o monopólio do comércio de sal no país, transformando a "pirataria de sal" em crime sujeito à pena de morte.

O monopólio e o peso dos impostos sobre o sal foram estopim de grandes rebeliões. Na França, a elevação de uma taxa criada em 1340, chamada gabelle, ajudou a precipitar a Revolução, em 1789. Séculos depois, na Índia, as taxas abusivas cobradas pelos ingleses encorajaram o movimento da desobediência civil, liderado por Ghandi, na década de 1930. Em alguns países europeus, a exploração e o armazenamento de sal foram delegados a monastérios. O mais antigo documento conhecido sobre o sal português, do ano de 959, é uma doação de terras e marinhas de sal feita por uma condessa a um mosteiro. A mina de Wielickzka, na Polôna, uma das mais antigas do mundo é considerada patrimônio cultural da

humanidade, pela ONU, pelas esculturas feitas em suas paredes, foi iniciada no século XI com uma carta de mineração conferida pelo estado ao monastério de Tyniec.

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No Brasil Como Portugal possuía salinas, tratou de exportar seu sal para as colônias e de proibir não apenas a extração local, como o aproveitamento das salinas naturais. Os brasileiros, que tinham acesso a sal gratuito e abundante, foram obrigados, em 1655, a consumir o produto caro da metrópole. No final do século 17, quando a expansão da pecuária e a mineração de ouro aumentaram demais a demanda, a coroa, incapaz de garantir o abastecimento, permitiu o uso do sal brasileiro, desde que comercializado por contratadores. A partir de 1808, quando D. João VI, ameaçado por Napoleão, transferiu para o Rio e Janeiro a sede do império português, a extração e o comércio de sal foram permitidos dentro do reino, mas persistia, ainda, a importação. As primeiras salinas artificiais começaram a funcionar no Brasil depois da independência. Vestígios do monopólio salineiro ainda perduraram por todo o século XIX, e só foram completamente extintos depois da proclamação da República. No Rio Grande do Norte

Um dos primeiros registros de que as salinas naturais do Nordeste brasileiro chamaram a atenção dos portugueses é o relato de um capitão mor, Pero Coelho, em 1627. Derrotado por piratas franceses numa batalha na serra de Ibiapaba, no Ceará, Coelho recuou suas forças para o litoral, e encontrou – na região onde se localiza hoje o município de Areia Branca – extensões de sal suficientes para abarrotar muitos navios. Em 1641. Gedeão Morritz, o chefe da guarnição batava no Ceará, chegou às mesmas salinas e, a partir daí, os holandeses, que em seus primeiros anos no Nordeste importavam sal, trazido pelos navios da Companhia das Índias Ocidentais, iniciaram a extração local.

O sal do Rio Grande do Norte só começou a ser comercializado em outras províncias a partir de 1808, com a suspensão das proibições por D. João VI. Na primeira metade do século XX, diversos problemas dificultaram esse comércio, entre eles o elevado custo de transporte, que tornava o produto potiguar mais caro do que o importado. Grandes investimentos na década de 60 e o aumento do consumo de sal pela indústria criaram condições para a modernização do parque salineiro. Em 1974, foi inaugurado o Terminal Salineiro, que ainda hoje escoa por via marítima boa parte da produção do estado.

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Flor de Sal

Existem vários tipos diferentes de sal além do sal grosso ou do sal marinho refinado que

usamos diariamente em nossas cozinhas. A Flor de Sal é a coqueluxe do momento, mas

existem vários outros “sais gourmet” disponíveis no mundo agora.

A Flor de sal é um tipo de sal coletado na camada superior das salinas, camada fina e

delicada, antes que se depositem no fundo e formem o nosso conhecido sal marinho. (A Flor

de Sal contém mais minerais do que o sal comum).

Dizem que a Flor de Sal começou a ser extraída na Era Cristã pelos celtas, mas atualmente a

Flor de Sal mais tradicional é a francesa, coletada na costa da Bretanha, na cidade de

Guérande (A Fleur de Sel de Guérande é a mais famosa e reverenciada).

Infelizmente encontrar a Fleur de Sel de Guérande por aqui não é das tarefas mais fáceis, pois

a venda de grande parte dos tipos internacionais de sal é proibida no Brasil, já que por aqui é

obrigatória a adição de iodo ao sal vendido nos mercados (lei nº 6150 de 03/12/1974 e RDC

nº130 de 26/05/2003). Nossa grande questionadora da Lei é a chef Roberta Sudbrack, que

desde em seu blog desde setembro de 2009, defende o uso da flor de sal nos restaurantes.

Temos excelentes produtores nacionais de Flor de Sal no país (o mais famoso é a Cimsal, da

região de Mossoró, no Rio Grande do Norte - http://www.cimsal.com.br), e seus produtos são

facilmente encontrados em delicatessen e mercados especializados. Por ser um produto

artesanal e relativamente escasso (para cada 80 quilos de sal marinho produzido somente 1

quilo de Flor de Sal é extraído), é um dos tipos mais caros de sal disponíveis à venda no

mercado gastronômico.

A Flor de Sal normalmente possui um tom acizentando devido à areia que existe no processo

de produção do sal. Em casos mais raros existe a presença da Dunaliella Salina, um tipo de

microalga rosa comumente encontrada nas salinas, o que garante uma linda cor roseada à

iguaria. Além disso, ela pode ser encontrada com diversos tipos de misturas e aromatizadores.

A utilização da Flor de Sal nas receitas é bem diferente do uso do sal marinho. Ele não deve

ser utilizado durante a receita, tampouco ser levado ao fogo, justamente para não perder sua

textura crocante. O sabor da Flor de Sal é bem mais concentrado, portanto deve ser utilizado

com muita moderação.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 13

HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – RENASCIMENTO Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001. Freixa, Dolores. Gastronomia no Brasil e no mundo. 2008, p. 76 – p.84

Anotações rápidas:

Nascido na Itália a partir do século XIV, o RENASCIMENTO caracterizou-se pela grande ebulição nas artes, na literatura, na ciência e na gastronomia. O aumento do comércio deu a vida e riqueza às cidades europeias. A sociedade urbana, em pleno crescimento, fez circular cada vez mais produtos de luxo, e um estilo de vida até então nunca visto começou a nascer das novas práticas sociais. Banqueiros, mercadores e artesãos destacam-se socialmente nas recém-formadas cidades da Europa, em especial as do norte da Itália, Gênova e Veneza. A distribuição de produtos importados do Oriente por via terrestre estimulou o desenvolvimento de outras cidades italianas como Florença, Parma, Bolonha e Milão. A Europa de “fervia” com as novas perspectivas econômicas e políticas. O aumento da atividade comercial entre a Itália e Flandres (Bélgicas) pelo Atlântico propiciou o dinamismo de cidades como Sevilha, Lisboa e Londres. A Renascença foi essencialmente uma nova atitude diante da vida e se expressou em todos os níveis, na arte e na ciência, tornando-se evidente também nos hábitos à mesa. Esses novos valores, que começaram na Itália, foram-se espalhando pouco a pouco pela Europa, sendo que na maior parte dos países teve seu auge no século XVI. No que se refere à gastronomia, as ideias renascentistas rompiam com os padrões medievais. Desprezava-se a ostentação exagerada e dava-se mais importância à qualidade, modelo que se difundiria em todas as cortes europeias. A profusão de alimentos que caracterizou os banquetes da Idade Média cederia lugar à concepção mais refinada dos prazeres à mesa. No Renascimento, a Itália tornou-se símbolo de refinamento do mundo ocidental, graças à influência dos bizantinos. O uso do garfo, os aparelhos de jantar, as peças finas e bem acabadas em metais preciosos, as toalhas ricamente bordadas em linho, porcelanas e as faianças italianas sofisticaram o comportamento à mesa. A bela e requintada faiança é originária de Faenza (cidade Italiana) na qual se aprimorou a arte de cobrir a cerâmica com uma camada de esmalte. Estudiosos atribuem a “primeira garfada” da história da Europa à princesa Teodora, filha do imperador bizantino, que se casou com um nobre veneziano em 1095. Em seu banquete de casamento, Teodora usou um pequeno garfo de prata com dois dentes, peça completamente desconhecida pela sociedade da época. O utensílio garfado só era usado para espetar alimentos e não para levá-los à boca.

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Leonardo Da Vinci (1452-1519), representante do espírito renascentista por excelência, também influenciou na gastronomia, com propostas que lembrariam hoje a “nouvelle cuisine”. Da Vinci em sociedade com o também renomado artista Botticelli eram sócios na Taberna das Três Rãs, em Florença. Negócio que não durou muito tempo, pois Da Vinci queria incutir na cabeça dos frequentadores conceitos gastronômicos de vanguarda, como por exemplo, a ingestão de uma quantidade moderada de comida e o equilíbrio de ingredientes muito próximo da nossa realidade atual. Atribui-se a Leonardo Da Vinci a invenção do guardanapo, que teve o grande mérito de fazer os nobres deixarem de lado hábitos nada higiênicos. Curiosidades sobre o guardanapo Fonte: LOPES, J. A. Dias. A rainha que virou pizza. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2007.

Se a toalha de mesa foi inventada para tornar mais bonito e requintado o cerimonial das refeições, o guardanapo surgiu para protegê-la, numa época em que ainda se pegava a comida com as mãos. O conforto que agora nos proporciona era secundário. Antes da invenção, os comensais muitas vezes se comportavam de maneira “inconveniente”. Limpavam as mãos na toalha ou na roupa do vizinho, com a concordância do outro, ou provocando encrenca. Nos banquetes mais luxuosos, havia cachorros, gatos e coelhos circulando pelo ambiente ou amarrados em pontos estratégicos. A boa educação mandava esfregar os dedos sujos nos pelos dos animais. Serviçais atentos trocavam por outros, imaculados e perfumados. Esta função de troca-cachorro, troca-gato, troca-coelho era honrosa e disputada. Os animais desempenhavam a função adicional de comer os restos da comida jogada no chão. Quando o guardanapo apareceu, nem todos sabiam o que fazer com ele. Davam-lhe outras utilidades. Muitos o empregavam para envolver sobras de comida (principalmente as carnes) e levá-las para casa. Pesquisadores atribuem a Leonardo da Vinci (1452-1519) a criação do adereço renascentista individual. Atualmente sabemos que a ideia do guardanapo já era utilizada séculos antes. Os antigos romanos dispunham de dois tipos: “mappa”, para os lábios; e “sudarium”, com o qual secavam as mãos e rostos após abluções em bacias transportadas por escravos. Com a desagregação do Império Romano o mappa e o sudarium caíram em desuso e só reaparecem no século XIII, na Idade Média, com a variação: os comensais limpavam lábios, mãos e rostos em touailles, ou seja, panos pendurados nas paredes. O guardanapo individual resurge no Renascimento, a partir do século XVI. Inicialmente, desempenhava a função estética para surpreender os convidados dos banquetes, dado aos elaborados trabalhos de dobraduras (evocando a arte do origami). Em outras refeições solenes os guardanapos se convertiam em gaiolas e aprisionavam passarinhos. As aves eram libertadas, saiam voando e a plateia delirava. Desfeitas as esculturas, os tecidos serviam para limpar facas e taças.

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Em diversas oportunidades, pintores renascentistas, registraram em cenas de banquetes alguns homens ostentando o guardanapo sobre o ombro esquerdo. Ainda hoje, em restaurantes tradicionais, o maitre exibe o guardanapo desse modo, como insígnia da função. Foi Henrique III de Valois, rei da França de 1574 a 1589, quem lançou o hábito de pendurá-lo no pescoço. Era extremamente vaidoso, usava perucas exageradas, joias enormes, maquiagem pesada, roupas de seda e odiava se sujar. Daí converteu o guardanapo em babador de adulto para proteger suas vestes. Enquanto viveu foi imitado. Henrique III se fazia acompanhar de rapazes bonitos (os mignons) com os quais hibernava na alcova, para escândalo dos súditos. Casou por força do protocolo real com Luísa de Vaudémont, mas segundo mexericos palacianos, nunca tocou nela. Após sua morte, o uso do guardanapo no pescoço foi evitado por questões homofóbicas que referenciariam às condutas do rei. O mesmo preconceito sofreu o garfo, que da mesma forma teve seu uso estimulado por Henrique III. Ambos acabaram ingressando na saga da mesa e hoje um e outro são considerados imprescindíveis.

No Renascimento surgem as primeiras cartilhas de boas maneiras e regras de etiqueta à mesa a serem adotadas pelos ricos. Um dos códigos mais famosos é o de autoria de Erasmo de Rotterdam, filósofo holandês (1466-1536), que fazia uma diferenciação entre as pessoas de hábitos rudes e as refinadas. Algumas novidades propostas por Erasmo:

Não limpar a boca na toalha de mesa. Não limpar a boca na roupa. Não assear a colher no guardanapo. Não lamber os dedos. Não colocar os cotovelos sobre a mesa. Lavar as mãos antes das refeições.

A partir de 1450 é possível se falar em publicação de livros, pois nesta data Gutemberg inventa a impressa. Um dos escritores que se dedicaram a escrever sobre gastronomia destaca-se Bartolomeo Sacchi (1421-1481), mais conhecido pelo cognome Platina de Cremosa.

Notas: Henrique III de Valois (19/09/1551 - 02/08/1589) foi o quarto filho de Henrique II e Catarina de Médicis. Em 1578 fundou a Ordem do Espírito Santo, também conhecida como Ordem dos Cavaleiros do Espírito Santo que foi uma ordem de cavalaria subordinada a monarquia francesa. Ele foi considerado o responsável por levar as finanças do reino à ruína. Em 1 de agosto de 1589, ele foi apunhalado por um fanático católico chamado Jacques Clément, logo após assassinar Henrique de Guise durante a Guerra dos 3 Henriques, e morre no dia seguinte. Quem lhe sucede é Henrique IV, casado com a irmã do rei, Margarida de Valois.

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Sacchi escreveu “De honesta voluptate et valetudine” (Da honesta volúpia e do bem estar), obra em latim, e relata os prazeres da mesa e as propriedades nutritivas de importantes ingredientes, inclusive o vinho, mas sem contrariar as regras morais e estéticas da época. Com certo refinamento, De Honesta prega o uso moderado de especiarias, o emprego de frutas secas no início da refeição e aconselha suco de frutas cítricas para aromatizar os pratos, e destaca a importância da etiqueta à mesa. O livro foi tão importante na época que chegou a ter 6 edições. É também de Sacchi a publicação de outra obra sobre cozinha que teve grande repercussão foi “L’Opera del l’Arte Del Cucinare” (A obra da arte de cozinhar), lançado em Veneza em 1570. Na época, Platina de Cremosa era conhecido como o “cozinheiro dos papas” por que serviu, no Vaticano, aos paladares papais por mais de 30 anos. Ao todo, L’Opera apresenta mais de mil receitas. Com muitas ilustrações, mostra o ambiente das cozinhas italianas e detalhes de seus equipamentos. É um documento de grande relevância e teve enorme repercussão na Europa renascentista. L’Opera propõe uma cozinha com pratos mais leves que os medievais e é dividido em 6 fascículos:

(1) aborda a função do cozinheiro; (2) destaca carnes de animais de penas e pêlo selvagens e domésticos; (3) a técnica de fazer molhos; (4) trata de peixes, ovos e sopas; (5) ensina as massas, pastelões, bolos, tortas e doces; (6) Dedicado aos doentes, aborda os pratos restauradores.

O requinte à mesa renascentista francesa muito deve à italiana de Florença Catarina de Médici que se casou, em 1533, com Henrique II que viria a ser Rei. Catarina levou com ela luxuosos aparelhos de mesa, porcelanas, toalhas, objetos de ouro e prata e copos de cristal. Enquanto na Idade Média os copos eram de metal, agora com a transparência do cristal, finalmente as pessoas podiam ver a cor do líquido que bebiam. Isto mudou a mentalidade dos apreciadores de bebidas. Fato que os enólogos e sommeliers de hoje devem agradecer ao renascimento. Para agradar os gostos da família Médici, Catarina levou cozinheiros italianos para França que colocaram à mesa pratos mais requintados e elaborados como:

• Queneles de peixes e de aves. • O uso de queijo parmesão ralado. • Ris-de-Veau (Timo de vitelo. Timo é uma glândula encontrada na garganta e próximo ao coração do boi,

do carneiro e do porco. Considerada uma iguaria por seu sabor suave, textura firme e macia). • Galinhas d’angola recheadas com castanhas • Escargots; Trufas; Carne de Vitelo; Macarons.

Introduziram o hábito de servir frutas puras e combinadas com salgados. A clássica entrada “presunto com melão” é renascentista das mesas de Catarina de Médici. Nas receitas foram introduzidos os legumes e hortaliças nos preparos das carnes. Assim, couve-flor, alcachofra, brócolis e berinjela logo viraram moda. Estes novos pratos chamariam à “La Rennaissance”. Nos jardins dos castelos passou a ser comum, verduras e legumes plantados em meio às flores.

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O açúcar se firma como iguaria exótica e luxuosa. Das cozinhas dos palácios surgem receitas de macarons, biscoitos de amêndoas, frutas em calda, frutas cristalizadas, licores doces. A refinada Catarina de Médici apresentou à nobreza francesa a obra “De Honesta” e vários pratos inspirados na obra de Bartolomeo Platina foram incorporados à dieta da nobreza, por exemplo, o consomê (caldo concentrado de legumes, peixes, aves, carnes que, depois de clarificado, é servido no início da refeição). O prato italiano marreco com laranja foi adaptado para a família Médici pelos cozinheiros franceses e surge o clássico “Canard à l’orange” (pato com laranja). Um dos supremos requintes no ritual dos banquetes realizados desde a Idade Média até o fim do Renascimento, início da Idade Moderna era assistir à exibição de um habilidoso e quase sempre orgulhoso trinchante ou trinchador. Este profissional, treinado para executar o serviço com elegância e graça, protagonizava um verdadeiro bailado diante dos deslumbrados comensais. Recebia excelentes salários e títulos dignificantes. Seu trabalho ia desde fatiar e distribuir pães, destampar empadões; cortar carnes, desossá-las e retirar tutanos; porcionar peixes, retirando-lhes as espinhas; partir frutas, verduras e, inclusive, servir tudo o que manuseava, mas lidar com carnes preparadas na cozinha foi sua primordial tarefa. Ao trabalho deu-se o nome de “arte cisoria” – a nobre arte de trinchar. O ritual do corte obedecia a regras restritas e exigia equipamentos de cutelaria especializados. Não podia tocar na comida com a mão direita. Devia usar apenas o polegar, o indicador e o dedo médio da esquerda. Evidentemente em certos serviços era exigida extrema força no braço e mão para erguer grandes peças. Todo trabalho deveria ser feito no ar, sem apoiar em nada (diferente da forma com que fazem atualmente os trinchadores de churrascaria rodízio) A técnica de dividir as carnes no ar apareceu codificada em livros. Um deles, intitulado il trinciante, foi escrito pelo italiano Vicenzo Cervio, publicado em Roma em 1581. Cervio, por

Nota: A expressão "pantagruélico" diz respeito ao personagem do romance de epopeias cômicas e heroicas "Gargantua et Pantagruel" do escritor francês François Rabelais (1496/1553). Rabelais satiriza a condição humana, a vida social e as instituições do século XVI, a começar pela igreja católica e a justiça francesa. Embora não se tratar de obra voltada para a gastronomia, os gigantes Gargântua e Pantagruel (pai e filho) estão sempre envolvidos com a gula e a comilança. Detalhadamente descritas. Não por acaso o nome Pantagruel virou adjetivo internacional. A palavra "pantagruélico" define um apetite, estômago ou banquete descomunal.

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exemplo descreve a arte dos “quinze golpes” para o trinchar de aves. Quem ultrapasse este limite deveria sentir “grande vergonha”, afirmava o italiano. Mas a grande obra-prima sobre a arte de trinchar surgiu no século anterior, na Espanha. Circulou durante 3 séculos como manuscrito e só foi editado em 1766. O autor Enrique de Aragón, o Marquês de Villena foi escrito em 1423 e recebe o título de “Arte Cisoria: todo el arte de usar el cuchillo que ordeno el señor Don Enrique de Villena a preces de Sancho de Javara”. Enrique de Aragón traçou um curioso retrato ideal de um trinchador:precisava ter sangue azul, estar bem vestido, preferencialmente de branco, possuir barba aparada, unhas curtas, rosto e mãos bem lavadas, anéis com pedras nos dedos e o privilégio de ostentar um chapéu nos banquetes, que retirava com elegância antes de entrar em ação, mas recolocava em seguida, porque a dignidade de sua função o tornava merecedor de igualdade perante os convidados à mesa. Apesar de exercitada durante séculos, a arte cisória caiu em desuso. Entretanto o orgulho de praticá-la persiste nos dias de hoje, principalmente na Espanha.

A configuração geopolítica da Europa se consolida durante o Renascimento e, naturalmente, os países recém-formados foram desenvolvendo sua própria história gastronômica de acordo com suas culturas, climas, topografia, biodiversidade e seus ingredientes. Uma mistura de regionalização e globalização caminharam juntas neste período. Ao mesmo tempo em que valores regionais se solidificam, surgia uma grande necessidade nas nações de desbravar o mundo, adquirir novos conhecimentos, conquistar riquezas e poder. Em meio aos objetos de desejo das nações estavam as ESPECIARIAS, símbolo de luxo e poder na época. Portugal e Espanha, os países mais desenvolvidos nas técnicas navais, estavam preparados no século XV para navegar, desbravar mares e conquistar novas terras.

Artista no seu ofício caia sobre os ombros de Enrique a desconfiança de que ele era bruxo. Teria feito pacto com o diabo e rompido mais tarde, quando ofereceu a própria sombra.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 14

HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – IDADE MODERNA Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001. Freixa, Dolores. Gastronomia no Brasil e no mundo. 2008, p. 103 – p.109

Anotações rápidas:

Estabelece que a Idade Moderna teve início em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos turcos, e terminou com a Revolução Francesa em 1789, fato que marcou profundamente a história da humanidade, fortalecendo o poder da burguesia, varrendo os reis absolutistas e abrindo caminho para a Idade Contemporânea. A partir do século XVII, é a vez de a França ditar as regras da boa mesa: os chefs franceses se tornaram famosos e, um século depois, surgiu o Restaurante como principal estabelecimento gastronômico. Os incentivos que os reis franceses deram aos chefs e suas equipes foram decisivos para a hegemonia da cozinha francesa. O primeiro grande mecenas da gastronomia foi o rei Luís XIII (1610-1643), filho de Maria de Médici. Assassinado, assume o trono seu filho Luís XIV que reinará até 1715. O aperfeiçoamento dos profissionais de cozinha ocorreu na Idade moderna, na França. Foi neste período que os chefs evoluíram em técnica e criatividade. Essa explosão da culinária francesa aconteceu durante a monarquia absoluta e centralizadora, que conheceu o apogeu no reinado de Luís XIV, no século XVII.

O poder e o luxo do reino de Luís XIV – o rei sol – criaram uma hegemonia cultural indiscutível: as cortes europeias copiavam o modelo francês, falando a língua e seguindo à risca a moda de Versalhes (construído em 1664), suas roupas e seus banquetes. Nessa época, o peru tornou-se prato de luxo. Esse ingrediente do Novo Mundo foi levado pelos padres Jesuítas para a Europa e fez tanto sucesso que suplantou os tradicionais gansos e patos.

Curiosidade: Durante uma ação militar francesa em Mahon, capital da ilha de Minorca, no Mediterrâneo, como usar o fogo chamaria a atenção do inimigo, o cozinheiro preparou um molho frio. Para tal, usou o que tinha disponível na ilha: ovos, azeite de oliva batidos e acrescidos de vinagre. No momento estava presente o cardeal Richelieu, figura emblemática do Absolutismo e grande apreciador da boa gastronomia, que provou e aprovou o aquele molho. Neste momento, inventa-se a mahonesa, que passou a se chamar mais tarde de mahonnaise e, por fim, maionese.

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Os legumes mantém sua importância junto aos preparos de carnes. Assim continuava-se o plantio de legumes e hortaliças juntos aos jardins de flores e plantas ornamentais. Em Versalhes as frutas cítricas mereceram um especial destaque e são famosas as l’orangeries do castelo. Luís XIV chegou a premiar com títulos de honra aos chefs e sua equipe que mais se destacavam nas artes gastronômicas. É do reinado do Sol que surge o serviço à francesa, que organizou melhor os banquetes e aprimorou a etiqueta à mesa. Os suntuosos banquetes de Versalhes eram imitados na vida social palaciana europeia. Merece destaque as festas do palácio de Chantilly. Durante muito tempo comandadas pelo mestre François Vatel (1635-1671), considerado o pai dos mestres de cerimônia. Os banquetes de Vatel eram verdadeiros espetáculos teatrais, de música, artes e refinamento gastronômico. Historiadores conferem a Vatel a criação do creme chantilly.

Sugestão do Professor: Filme “Vatel: um banquete para o rei”. O filme trabalha na temática do banquete de Vatel oferecido em Chantilly ao rei Luís XIV.

Estimulados pelos novos tempos e pela predileção do Rei Sol à boa mesa, os cozinheiros da época deixaram de vez os excessos da culinária medieval e novos talentos vão surgindo; um deles é François Pierre La Varenne. La Varenne era cozinheiro do Marquês d’Uxelles. Em 1651 publicou o livro “Le Cuisinier François” (O cozinheiro francês) com receitas até hoje utilizadas. Este livro é considerado um dos mais importantes do século XVII, publicado também na Inglaterra, Alemanha e Itália.

Curiosidade: O croissant não foi inventado na França. Em1683, 150 mil soldados turcos (outras fontes registram 300 mil) cercavam Viena, atual capital da Áustria. O cerco durava mais de 58 dias. E os turcos cavavam nas madrugadas um túnel em direção ao centro da cidade para o derradeiro ataque. Padeiros, por força de ofício, ouviram as escavações e a estratégia foi descoberta. Surpreendidos os invasores sofreram severas baixas e o exército de Kara Mustafá, o negro foi derrotado. Os padeiros mereceram honras de heróis, dentre a mais importante o direito de portar espadas. Em retribuição, eles criaram um pão em formato de meia-lua (emblema das armas e estandartes do inimigo) e o chamaram de hönschen (pequeno chifre). Em 1770, Maria Antonieta, quando mudou para França para se casar com o futuro rei Luís XVI, levou a receita do delicioso pão, renomeado de croissant (crescente). A massa que se assemelhava a de brioche só passou a ser folhada depois de 1920 por padeiros franceses.

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A obra apresenta instruções detalhadas sobre o uso da manteiga e da farinha nos molhos; técnicas culinárias e regras para sequências dos pratos. Introduz o uso da trufa negra - que logo se converteram em símbolo de luxo – e cogumelos para aromatizar as carnes. La Varenne estabeleceu um princípio básico da cozinha francesa, usual até nos dias de hoje: especiarias e temperos devem aflorar o verdadeiro aroma natural dos alimentos, exaltar os sabores em vez de disfarçá-los. Foi grande divulgador do molho béchamel e criou a técnica de clarificar o consommé utilizando clara de ovos. Na linha de sucessão, sobe ao trono, em 1715, Luís XV, que herdou do pai a tradição da boa mesa. Em um banquete oferecido ao rei, o anfitrião mandou redigir a lista dos 48 pratos que seriam servidos e ilustrá-los ricamente por um artista plástico. Nascem os primeiros menus na corte. A ideia vira moda e foi seguida por outros banquetes palacianos. O comportamento gourmet de Luís XV encomendou um verdadeiro desafio: ostras fritas. Desenvolveu-se então para a gradar ao Rei, a receita da ostra frita na manteiga, apimentada e recolocada na concha com trufas e suco de limão. Esta receita Luís XV ofereceu de presente a sua amante, a marquesa Madame de Pompadour. Reza a lenda que o fascínio de Luís XV pela marquesa levou a curiosa homenagem: taças de champanhe foram encomendadas para terem seu bojo moldadas nos seios de Pompadour. No início do século XVIII o monge beneditino Dom Pérignon, brinda o mundo com a criação da champagne. É dele a fala: “Venham ver, estou bebendo estrelas!”. A nova e refinada bebida logo se tornará a bebida oficial das comemorações palacianas. Também desta época surgem os vinhos fortificados a partir da observação da mudança de paladar que os vinhos transportados em tonéis que anteriormente haviam sido usados para armazenar conhaques adquiriam. Para fazer a interrupção da vinificação acrescentou-se um álcool vínico. O mundo passa a apreciar os vinhos licorosos. Os mais famosos: do Porto de Portugal e o Jerez da Espanha.

Nota do Professor: os assuntos Vinho, Champanhe e Espumante serão tratados com maior profundidade na disciplina de “Bebidas e Harmonização” no 3º período do Curso de Gastronomia.

A política externa de Luís XV não foi tão bem sucedida quanto a gastronomia. Seu sucessor Luís XVI deparou-se com uma grande crise financeira e revoltas sociais. Faltava ao povo até o pão. Sem se incomodar com a miséria e a fome da população; os banquetes e a fartura na cozinha eram escancarados nos grandiosos menus promovidos pela rainha Maria Antonieta. Em especial os macarrons, hoje revivido no mundo gourmet, foram levados à França por Catarina de Médici. O doce, tipo de suspiro à base de amêndoas em pó, crocante por fora e macio por dentro, virá a ser o doce preferido na corte de Maria Antonieta, consumido aos montes, acompanhado de champanhe. Essa situação revoltante de extravagância da nobreza em oposição à miséria da plebe, insuflada pela burguesia nascente, levou à Revolução Francesa. A queda da Bastilha, no dia 14 de julho de 1789, marca o fim da monarquia na França e o fim da Idade Moderna.

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No decorrer da Revolução Francesa, os chefs e cozinheiros foram perdendo seus empregos na corte e tiveram que sair dos palácios em busca de novas formas de sobrevivência para sua arte e passaram, por exemplo, a empreender no ramo de alimentos e bebidas, abrindo seus próprios restaurantes.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 15

HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – IDADE CONTEMPORÂNEA

Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001. Freixa, Dolores. Gastronomia no Brasil e no mundo. 2008, p. 121 – p.137

Idade Contemporânea é o período da história que começa em 1789, com a revolução francesa, e vem até os dias atuais.

Em 1765, durante o reinado de Luís XV, Boulanger, afixou na porta do seu comércio a seguinte inscrição “Boulanger debite de restaurants divinis” (Boulanger serve caldos restauradores divinos). Ele se referia ao caldo que existia desde a Idade Média feito de várias carnes, cebolas e raízes. Estes caldos restaurantes (ou restauradores) eram comuns nas tavernas e albergues e vendidos por ambulantes. O caldo restaurante era muito procurado por viajantes e passantes que buscavam algo que restaurasse suas energias para prosseguir a jornada. Está oficializada a casa de comida “Restaurante”.

A ideia de Boulanger fez tanto sucesso que ele acabou criando novas receitas e diversificando os itens no seu Restaurante. Para divulgar a casa e facilitar as vendas ele, inspirado nos menus palacianos, criou uma lista das suas comidas e o preço ao lado; criava-se, ainda de forma simplificada, o menu de restaurante.

Em menos de 20 anos foi aberto o primeiro restaurante conceitualmente mais próximo aos padrões atuais; com serviço à la carte, preparados individualmente a pedido do cliente, servidos em pequenas mesas individuais, com horários fixos de funcionamento. Segundo historiadores, apresenta-se o “Grande Taverne de Londres”, fundado em 1788 como o primeiro restaurante de características contemporâneas.

A ordem dos pratos dada pelo menu, os horários de atendimento, as mesas individuais, o cuidado maior com a limpeza, mais profissionalismo na cozinha, bons chefs, maior zelo com os móveis do salão; pratos e utensílios e a decoração diferenciavam de seus ancestrais albergues e tabernas.

Entre os lugares mais frequentados pela intelectualidade estavam as cafeterias.

Na época as cafeterias serviam alguns poucos petiscos, além de cafés, chocolates e limonadiers (um tipo de sorvete trazido por Catarina de Médici).

No final do século XVIII as cafeterias já se somavam mais de 1.000 em Paris e destacavam uma novidade na sociedade: mulheres como clientes habitués.

Em 1788, em Paris, abriram as portas o Café Conti e o Luxuoso Restaurante MonsierVéry. Mais tarde, o Conti mudou seu nome para Grand Vefour e incorporou o Véry. O Grand Vefour continua em funcionamento até os dias de hoje, no mesmo local, no Palais Royal.

Os horários das refeições até então pouco havia mudado do formato clássico. Até o século XVIII se jantava às 16h ou 17h; com as mudanças na sociedade, já no final do século XIX, jantava-se às 19h30.

Foram as atividades masculinas no mundo dos negócios que tornaram mais tardios os horários das refeições. Por força dos novos horários, o modelo inglês do “chá das cinco” passou a ser hábito.

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Em Paris, a vida noturna intensa fez surgir a ceia, uma refeição que se fazia após os bailes, teatros e saraus, entre a meia-noite e 1h da madrugada. Um refinamento gastronômico para os ricos e burgueses.

Mas se os horários das refeições das altas classes foram mudando por conta da vida social, não se pode dizer o mesmo para a população em geral. Isto porque os pobres, pelo fato de acordarem muito cedo para trabalhar, não podiam trocar o dia pela noite. E, assim, as altas e baixas camadas viviam cada vez mais em universos gastronômicos diferentes.

Foi no século XIX que o restaurante se tornou a instituição mais importante da gastronomia. Em nome do paladar e de um atendimento mais democrático, a boa comida, migra das cozinhas palacianas para as práticas e intimistas mesas dos restaurantes, que absorvem a excelente mão de obra treinada nos fogões reais.

No final do século XIX já havia cerca de 1.500 restaurantes em Paris e mais de 20 mil cafés e cervejarias, além de milhares de negociantes de vinho.

Brilharam nos séculos XIX e início do século XX, respectivamente os gênios Antonin Carême e Auguste Escoffier. Ambos fundamentaram as bases da gastronomia e da cozinha profissional.

Nesta época, surgiram também os primeiros críticos gastronômicos da história, nomes como Brillat-Savarin, Grimond de La Reyniére e Alexandre Dumas, auxiliaram na divulgação dos melhores restaurantes e chefs do mundo, além de colaborarem para que a arte de comer e beber bem se firmasse como um grande prazer das pessoas.

Em 1802, Paris é presenteada com a abertura do Café Anglais que viveu seus dias de glória e de alta reputação gastronômica em 1866 com a chegada do Chef Adolphe Dugéré (discípulo de Caréme). O Anglais foi frequentado pela nata da sociedade da época. Foi demolido em 1913.

Curiosidade: Em visita a Nápoles, a rainha Margherita di Savoia se hospedou no Reggia di Capodimonte (palácio real). A soberana havia recebido informações sobre a habilidade de um pizzaiolo local e convocou-o para preparar suas iguarias. No dia 11 de junho de 1889, Raffaele Esposito e Maria Giovanna Brandi, entram no Reggia e apresentam a nova criação: uma pizza que levava tomate, mozzarela e manjericão, as cores da bandeira italiana. A rainha e o rei Umberto I adoraram. Estava criada e aprovada a pizza marguerita! Umberto e Margherita, nunca deixaram de apreciar as pizzas e as introduziu no cardápio palaciano, isto contribuiu para a pizza frequentar as mesas dos nobres e aristocratas, pois até então era comida do povo pobre.

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Nota do Professor: Sugestão – filme “A festa de Babette”, Oscar de melhor filme estrangeiro de 1988, é uma homenagem à vida e aos prazeres da mesa. Babette,

uma ex-funcionária do Anglais reproduz um banquete à moda do famoso restaurante para um pequeno grupo de 12 amigos.

O inesquecível jantar propicia uma aula de hospitalidade e confraternização.

No final do século XIX, as famílias abastadas procuravam lugares chiques e confortáveis, com alto padrão de qualidade para se hospedar em suas férias.

A facilidade do transporte ferroviário e a demanda por locais de lazer foram construídos os primeiros hotéis de luxo. O precursor da hotelaria moderna foi César Ritz, que se associou a Escoffier para comandar as cozinhas da sua rede hoteleira.

Logo a associação de hotelaria de luxo com alta gastronomia se tornou inseparável.

Como os hotéis de luxo recebiam hóspedes dos mais diversos países do mundo, o menu foi se adaptando para atender esta clientela eclética, surgindo o termo “cozinha internacional”. Assim, um estrogonofe russo convivia com a lasanha bolonhesa, ao lado de um steakaupoivre e de sobremesa crepe Suzette no mesmo menu.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 16 HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – Antoine Carême e Auguste Escoffier Fontes: KELLY, Ian. Carême: cozinheiro dos reis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Anotações rápidas:

1. ANTOINE CARÊME “O COZINHEIRO DOS REIS, O REI DOS COZINHEIROS”

RESUMO:

Marie Antoine Carême (1783-1833) nasceu em Paris, onde fôra abandonado pelo pai e acolhido por um cozinheiro, em troca de cama e comida trabalhou como auxiliar de cozinha. Em 1798, tornou-se aprendiz de SylvainBailly, um famoso pâtissier, que logo reconheceu seu talento e ambição. A grande virada em sua vida veio quando Carême conheceu um político importantíssimo Talleyrand. Antoine criou arranjos para diplomatas e também para outros membros da alta sociedade parisiense. A Fama de Carême possibilitou que poupasse capital suficiente para abrir uma confeitaria, o negocio foi bem sucedido. Antoine passa a trabalhar no Château Valençay, no vale de Loire, comprada por Talleyrand, por ordem de Napoleão. Em 1814, Alexandre I, entrou em Paris à frente dos exércitos aliados contra Napoleão, Carême foi requisitado pelo Czar para trabalhar enquanto durasse sua estadia. Em julho de 1816, partiu para a Inglaterra a convite do príncipe regente. Não se adaptando à Inglaterra, Antoine retornou à França em 1817. Após alguns meses foi mais uma vez surpreendido com um convite irrecusável: servir no palácio dos Romanov, em São Petersburgo na Rússia. Esta foi uma experiência boa para o chef, já que lá encontrou liberdade para criar e aprender a trabalhar com a gastronomia russa. Em 1822, já em Paris Carême começou a usar um chapéu alto, que logo virou moda entre os chefs de cozinha. Em 1823, Antoine foi contratado para ser o chef de cozinha de James Mayer Rothschild, a família de banqueiros que estava entre os mais ricos da Europa. Mais tarde Carême se afastou da cozinha dos Rothschild, onde começou a escrever e publicar livros, contribuindo muito para a literatura culinária. O seu talento, não se resume apenas ao fogão. Carême adverte que a comida deve ser servida em pratos quentes e insiste na mais estrita higiene. Também recomenda que usem produtos da estação. Defensor de melhores condições de trabalho na cozinha, ele se preocupava também com a higiene no ambiente de trabalho. Antoine morreu em Paris aos 48 anos por problemas respiratórios provocados por fogões a carvão. Ironicamente, vítima das más condições de trabalho que ele tanto combateu.

Antonin Carême é um dos maiores nomes da história da gastronomia. Seu nome está entre a lista dos mestres da arte culinária de todos os tempos da cozinha francesa. De aprendiz de arquiteto à exímio cozinheiro a vida de Carême foi cheia de acontecimentos peculiares e importantes. Nascido na França do século XIX, abandonado pelo pai em plena Revolução Francesa, Carême conseguiu se tornar um homem de reconhecimento e sucesso no seu meio de trabalho. Foi criativo, minucioso e audacioso, usou o seu talento e sua sensibilidade para criar novas tendências, novos pratos, e assim conseguiu revolucionar a cozinha parisiense e influenciar novas gerações de cozinheiros. Carême foi intitulado o “rei dos cozinheiros”, porque seu talento e sua dedicação fizeram com que seu trabalho fosse minucioso e perfeito. Carême soube trabalhar com influências de culturas diferentes criando pratos e procedimentos que são usados até hoje em todas as cozinhas. Carême aliou o conhecimento arquitetônico como a perspectiva, a luz, os volumes, a simetria, o jogo de proporções, para serem postas a serviço da mesa, seu objetivo era encantar com os olhos em primeiro lugar.

A gastronomia “arte de comer bem”, definição pela Académie Française, surgiu na primeira década do século XIX. Os franceses após o período revolucionário procuravam orientação tanto sobre como se comportar como ao que e como comer. A partir de 1803, o

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Almanach des Gourmands e, o Manuel dês Amphitryons, ambos de Grimond de La Reynière, estabeleceram o padrão da comida parisiense e da cozinha francesa (KELLY, 2005). Foi dentro desse contexto que Antonin Carême intensificou-se como chef, com a influência de Grimond de La Reynière, e muita dedicação Carême se tornou o grande ícone da gastronomia mundial.

1.1 Biografia resumida

Em uma época de revolução nasceu Antonin Carême, filho de Marie Jeanne Pascal e Jean Gilbert Carême, a data exata não é conhecida, estima-se 1783. Seu nome Marie-Antoine Carême é uma homenagem a rainha Maria Antonieta.

Nascido em família pobre, Carême era o 16º filho de uma prole de 24 aproximadamente. Para a surpresa do menino, com apenas dez anos de idade, Antonin foi abandonado por seu pai na Rive Gauche em 1792, no auge do caos da Revolução Francesa.

“... O pai de Antonin, talvez pensando nos outros filhos, e aparentemente com a clarividência e o sangue-frio de outro pai de enjeitados, o seu contemporâneo Jean-Jacques Rousseau, levou o pequeno Carême para o agitado portão de Paris em Maine e lá o deixou com as seguintes palavras: Hoje em dia é só usar a inteligência para fazer fortuna e ser alguém, e inteligência você tem. Va petit! - com o que Deus lhe deu...”(KELLY, 2005, pág.22)

Antonin foi acolhido, em meio o terror, por um cozinheiro que lhe ofereceu casa e comida em troca de serviços domésticos. Em outubro de 1793 o jovem Carême iniciou seu aprendizado na cozinha como um ajudante de cozinha mirim numa gargote (taberna), junto do cozinheiro que o acolheu.

Em 1798, tornou-se aprendiz de Sylvain Bailly, um famoso pâtissier, proprietário de uma loja próxima ao Palais-Royal. A confeitaria de Bailly era bem localizada e podia dar a Antonin a ascensão tão almejada. Morava no próprio estabelecimento, sempre disposto a elaborar as receitas e aprender mais, estudou com o chef, monsieur Rose, na pâtisserie-restaurant da rue Grande-Batelière, mas seu mundo estava centrado na confeitaria de Bailly e no Palais Royal.

Bailly logo reconheceu o talento e ambição de Antonin, o patrão sempre influenciou o jovem a estudar. Carême, com seus estudos e dedicação ganhou fama em Paris por suas pièces montées, composições elaboradas usadas como arranjos de centro, os quais Bailly exibia na vitrine da pâtisserie. O trabalho de confeitaria exige planejamento e precisão, Carême soube conciliar os dois pontos. Ao completar 17 anos já era “premier tourrier”.

Antonin deixou seu posto na confeitaria de Bailly e foi para Gendron, onde estaria em melhor situação para aceitar encomendas de fora. Antonin trabalhou criando arranjos para o diplomata e gourmet francês Charles Maurice de Talleyrand-Périgord, e no HôtelGalliffet.

Em 1804 Carême abriu sua própria confeitaria na rue de La Paix, ao lado da PlaceVendôme.

Fez muitos trabalhos como cozinheiro autônomo em Londres, São Petersburgo e Paris.

Antonin Carême morreu em Paris, em 1833, aos 48 anos de idade, foi enterrado no Cimetière de Montmartre.

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1.2 O Grande Cozinheiro

Com a Revolução Francesa muitos cozinheiros perderam seus empregos. Muitos deles abriram estabelecimentos para servir comida, e os chamaram de “restaurantes”. O trabalho na taberna era simples, a comida servida não tinha nenhum requinte a mais. A sopa era o prato-chave em todos os menus, para Carême, a sopa era uma questão tanto de filosofia e de medicina quanto de culinária. As sopas permitiam para ele, um retorno à simplicidade, que era o estilo da época, e um ato comunitário. Depois que se tornou cozinheiro, Carême deu especial atenção às sopas. “As várias centenas de receitas de sopa atribuídas a Carême variam desde os cosomês mais puros até as esquadras flutuantes de quenelles de frutos do mar, com guarnições que levavam dias para ficar prontas. Algumas delas eram citadas por suas qualidades medicinais específicas”1.

Em 1798, na confeitaria de Bailly, Carême conheceu o mundo do paladar doce e se encantou com as receitas e técnicas. Nessa época Antonin estava cozinhando na zona mais vibrante da Paris da pós-Revolução. O palácio real abrira-se para todo o tipo de negócio: lojas de roupas, cafés e livrarias, muitos restaurantes bem-sucedidos abriram filiais ao redor do palácio. Antonin entregava massas para esses restaurantes. A maioria dos dias de trabalho era desagradável, longa e desumana, ocasionalmente Carême dispunha de tardes livres que ele passava na biblioteca. O local de trabalho na loja de Bailly era o espaço subterrâneo, escuro, confinado e cheio de perigosos vapores de monóxido de carbono provenientes do carvão. Carême escreveu:

“O Cozinheiro, muito frequentemente, trabalha a vida inteira no subsolo, onde um dia falso de luzes artificiais enfraquece a visão, onde condensações e resíduos aceleram o reumatismo e onde a vida é muito infeliz. Se as comidas são no primeiro andar e o cozinheiro mais saudável, mesmo assim, em geral, só o que vê são quatro paredes e o próprio reflexo no cobre polido, e tudo o que respira são vapores e fumaça de carvão. E aí você tem o que é a minha vida como chef!”(KELLY, 2005, pág. 39)

Nas horas vagas Antonin, que era autodidata, pesquisava sobre comida antiga e estrangeira. Sua maior paixão, depois da culinária, era a arquitetura clássica. Estudou Palladio, Tertio, Vignole e a arquitetura da Índia, da China, e do Egito. Ele sempre afirmou que comida e arquitetura se pareciam muito; a construção final, em ambos os casos, dependia do equilíbrio de elementos bem distribuídos. Desenvolveu um olho de pintor, para o impacto visual e a decoração extravagante e dramática. Ele copiava em tinta, e depois recriava em massa de bolo e marzipã, em massa e em fios de açúcar – castelos arruinados e mosteiros, templos, pirâmides e fontes que havia visto na Bibliothéque.

Com sua paixão pela arquitetura extravagante, a pièce montée dominou os arranjos de mesa do período pós-revolucionário e passou a ser a especialidade de Carême. As incríveis artes de Carême luxuosamente decoradas não eram feitas para serem consumidas, embora pudessem ser.

Trabalhando para Talleyrand o jovem Carême, no Hotel Galliffet, aprendeu as regras do desenrolar da preparação de um banquete, aonde se tinha que preparar uma centena de pratos, quentes e frios. Assim, Carême passou a acreditar mais ainda nos efeitos espetaculares da comida tradicionalmente arrumada e disposta, quando quase tudo era apresentado ao mesmo tempo. Mais do que um empregador ou patrocinador, Talleyrand encorajou Carême a produzir um novo e refinado estilo de gastronomia, usando ervas e vegetais frescos e simplificando molhos com o uso de menos ingredientes.

1 KELLY, Ian. Carême: cozinheiro dos reis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

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À medida que Carême ganhou experiência, Talleyrand começou a recomendá-lo a seus amigos influentes. A mesa de Talleyrand tornou-se famosa durante as negociações que se seguiram após a queda de Napoleão, no Congresso de Viena.

Com seu próprio negócio, sua confeitaria em 1804, Carême criou novas delícias que faziam bastante sucesso como, “croquants”, de amêndoa, “gros merengues” e o vol-au-vent (à base de massa folheada). Foi em seu próprio estabelecimento que Carême preparou merengues ou suspiros, usando um saquinho com glacê. A pâtisserie foi de grande importância para o confeiteiro, lá Carême podia criar os extraordinários doces que embelezavam a mesa dos ricos e também podia fazer sua publicidade. A vitrine tornou-se um marco da cidade, com ilustrações em guias gastronômicos como o Manuel dês Amphitryons, de Grimond de La Reynière. Carême apesar dos compromissos com a pâtisserie, não deixava de atender aos pedidos de Talleyrand, levando-o a cozinhar para a família de Napoleão.

A busca por mais conhecimentos e a perfeição, levou Carême a dividir cozinhas como confeiteiro autônomo, e assim concentrar em expandir seu repertório e reputação. Cozinhou para pessoas importantes como a irmã de Napoleão, Carolina, e seu marido Joaquim Murat. (KELLY, 2005)

Por um tempo Carême deixou Paris para ir à Inglaterra, onde foi cozinhar para o Príncipe Regente, no entanto, a Inglaterra não estava de acordo com Carême, e em 1818 estava de volta a Paris. Logo depois, foi a São Petersburgo cozinhar para o czar Alexandre I. Após uma estadia em Viena, Carême volta à França e cozinha para os “nouveau riche” Rothschilds.

Carême escreveu diversos trabalhos em gastronomia, entre eles o Le Pâtissier Real Parisien ou Traité Elémentaireet Pratique de la Pâtisserie et Moderne Ancienne e Le Pâtissier pittoresque, ambos publicados em 1815. Estes livros não contêm apenas receitas, mas também projetos arquitetônicos para confeitos de açúcar. Para Carême arquitetura açúcar foi tão grave como a concepção de edifícios reais.

Em 1822 Carrême publica Le Maître Carême d'Hôtel Français, ou parelle de lacuisine et modern ean cienne, sous Le considérée rapport de l'menus or donnancedes, selonles quatre saisons. Com este livro, ele apresenta-se como um cozinheiro al round. Ele contém uma visão geral de refeições que foram servidas no ano anterior, em Paris, São Petersburgo, Londres e Viena para uma infinidade de homens nobres e importantes e mulheres. Um livro de receitas em 1828, o Le Parisien Cuisinier. O livro concentra-se em receitas de buffets frios, com pratos como gelatina e chaudfroid.

Maitre d’hôtel Français foi publicado em cinco partes divididas em dois volumes. É uma combinação única de livro de culinária e considerações a respeito da cozinha para realeza, que contém cardápios para todos os dias do ano. No novo livro, Carême equilibrou as necessidades do serviço à francesa (servindo todos os pratos juntos) e do serviço russo (servindo os pratos um a um, na ordem impressa no cardápio), dando ênfase à boa apresentação da comida, seja em pratos ou em travessas para servir.

Começou a codificar a variedade desconcertante de novas comidas e estilos que estavam evoluindo para haute cuisine (alta cozinha). Criou a primeira genealogia de molhos, argumentando que todos partem de quatro molhos clássicos: Velouté, Béchamel, Espanhol e Alemão.

Em 1823 o “cozinheiro dos reis” e “rei dos cozinheiros” foi contratado para ser o chef de cozinha da família Rothschild, a família de banqueiros que estava entre os mais ricos da Europa. Antoine teria incumbência de preparar a melhor mesa da Europa, já que os Rothschild estavam se firmando entre as famílias mais abastadas do velho continente. Com Carême na direção desses eventos tiveram aceitação e ascendência entre os novos burgueses da alta sociedade, reis, príncipes, ministros e outros afamados da época. Também iam com frequência aos banquetes Vitor Hugo, Honoré de Balzac, Jean Auguste Dominique, Chopin, Liszt,

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Paganini, entre outras celebridades. Como planejado pelos Rothschild, no final da década de 1820, possuíam a melhor mesa da Europa. Isto chegou aos ouvidos do rei Jorge IV, em Londres, o rei respondeu que acreditava já que Carême que reinava por lá, dessa maneira ele começou a escrever cada vez mais, já que a família para a qual trabalhava lhe dava segurança financeira.

Antoine tinha uma equipe grande para supri-lo. Sendo assim o chef era tido na alta sociedade parisiense da época como uma celebridade. Seu nome estava na boca de músicos, críticos, artistas e intelectuais.

O garoto da Rue Du Bac agora tinha casa própria, carruagem e camarote na Ópera de Paris. Fazer justiça à ciência e pesquisa de um jantar servido dessa maneira requer um conhecimento da arte igual aquele que o produziu. Suas principais características, entretanto eram estar de acordo com as estações do ano, ser moderno, ter o espírito da época, não apresentar nem uma falsificação em sua composição, uma precisão de química. Cada carne apresentava seu próprio aroma natural, cada legume, seu próprio tom de verde, satisfazendo a todos os sentidos.

Seu último livro foi o trabalho enciclopédico sobre a cozinha clássica francesa, é composto por cinco volumes, o L’Art de La Cuisine Française em 1833-34, que incluíam, além de centenas de receitas, planejamento de cardápios, uma história da culinária francesa e instruções de como organizar uma cozinha.

Após alguns meses em Paris, foi mais uma vez surpreendido com um convite irrecusável financeiramente: servir no palácio dos Romanov, em São Petersburgo na Rússia. Esta foi uma boa experiência para o chef, já que lá ele encontrou liberdade para criar e aprender a trabalhar com a gastronomia russa, com a comida congelada vendida nas ruas, a grande variedade de frutas e seu alto preço, o cultivo de verdura e legumes em estufas. Esse período de Carême na Rússia contribuiu por ele ter introduzido muitos molhos cremosos, e ter livrado os cozinheiros russos do uso excessivo de picles. Antoine influenciou a culinária ocidental com: as flores na decoração das mesas, torta de peixe ou frango, ovos cozidos e arroz na culinária francesa.

O impacto de Carême na gastronomia deu-se tanto no trivial, quanto no teórico. Criou novos molhos e pratos, publicou uma classificação de todos os molhos em grupos, baseado em quatro molhos básicos. Credita-se a ele a criação do tradicional chapéu de chef, o Toque. Também é creditado como responsável pela troca do serviço à francesa (servindo todos os pratos juntos) pelo serviço à russa (servindo os pratos um a um, na ordem impressa no cardápio), depois de retornar de seu período servindo à corte russa.

O chef se afastou das cozinhas e começou a escrever e publicar seus livros. Nestas obras o gênio dos banquetes, escreveu sobre a história da alimentação, receitas, banquetes e até sobre os hábitos alimentares de Napoleão. Ao mesmo tempo em que publicava seus livros sua saúde declinava.

O diagnóstico mais provável para a doença que vitimou Carême é o envenenamento por monóxido de carbono em baixos níveis, após uma vida inteira cozinhando com carvão em espaços confinados.

Na noite de 12 de janeiro de 1833, aos 48 anos, morreu aquele que é considerado até hoje o cozinheiro dos reis e o rei dos cozinheiros. Marie-Antoine Carême estava à frente de seu tempo, moderno, arrojado, teve preocupação em registrar seus diários com receitas, e descobertas sobre o dia a dia das cozinhas por onde passou, foi um cronista e observador, contribuiu e muito para o que é hoje a gastronomia mundial.

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2. GEORGES AUGUSTE ESCOFFIER “O IMPERADOR DOS COZINHEIROS”

RESUMO:

Georges Auguste Escoffier foi um chef francês, restaurateur e escritor que popularizou e renovou os métodos tradicionais da culinária francesa. Bastante popular entre chefs e gourmets, ele foi um dos mais importantes expoentes no desenvolvimento da chamada Cozinha Francesa Moderna. Muito de sua técnica foi baseada no trabalho de Antoine Carême. No entanto, o esforço de Escoffier foi focado no sentido de simplificar e modernizar o estilo de preparo e ornamentação de Carême.

Durante toda sua vida, a grande batalha de Escoffier foi tentar manter a qualidade da cozinha de seu país segundo o novo ritmo de vida estabelecido na sociedade moderna: o da pressa promovida pelo trabalho, que desritualizou a refeição e até hoje impossibilita longos períodos à mesa. Para isso, investiu na serialização do trabalho na cozinha (como acontece na indústria em relação ao artesanato) e na simplificação de receitas, mas sem nunca empobrecer a variedade e qualidade dos ingredientes.

Além das receitas que ele inventou e registrou, outras contribuições de Escoffier para a gastronomia, foram elevá-la ao status de profissão respeitada e introduzir disciplina e sobriedade onde antes havia desordem e bebedeira. Ele organizou suas cozinhas através do sistema de brigadas, onde cada uma das seções era gerenciada por um chef de partie. Ele, tal como Carême, também substituiu a prática do serviço à francesa (servindo todos os pratos de uma única vez) pelo serviço à russa (um prato por vez, na ordem disposta no menu).

Auguste Escoffier nasceu em 28 de outubro de 1846, na pequena aldeia de Villeneuve-Loubet, na Côte d´Azur francesa. Frequentou a escola até quase os 13 anos de idade, algo incomum para um menino do campo, na metade do século XIX. Franzino, de baixa estatura, ele tinha dificuldade em toda operação que exigisse força e muitas vezes usava sapatos de plataforma para alcançar o fogo. Desconsiderado para a forja, que era o negócio da família, seu pai, Jean-Baptiste Escoffier, decidiu que o rapaz seria cozinheiro. Já idoso Auguste recordou: “não havia nada que pudesse fazer senão obedecer”.

Em outubro de 1859 Jean-Baptiste levou Auguste para o primeiro emprego, como aprendiz de cozinha no restaurante de seu tio Le Restaurant Français. A partir dessa experiência, seguiu-se uma carreira bem-sucedida com passagens em inúmeros restaurantes de Paris e outras cidades (era comum que profissionais alternassem empregos de acordo com as temporadas de verão e inverno).Aos 19 anos, o dono do Le Petit Moulin Rouge, restaurante de moda de Paris, o "descobriu" durante uma viagem a Nice e o convidou a integrar-se à sua equipe. Ele aceitou e ali ficou até ser convocado para a guerra entre a França e a Prússia.

No Exército, exerceu o cargo de cozinheiro durante a Guerra Franco-Prussiana. Chegou a ser feito prisioneiro em campo com terríveis condições. Sua experiência no exército o levou a estudar a técnica de enlatar comida. Era o primeiro chef a estudar a fundo a técnica de enlatar carne, legumes e molhos. Depois da guerra, Escoffier voltou ao Le Petit Moulin Rouge, onde manteve seu cargo até 1870.

Em 1878, ele abriu seu próprio restaurante, Le Faisan d'Or em Cannes. Em 1880, casou-se com Delphine Daffis, filha de um editor. Em 1884, o casal se muda para Monte Carlo quando é convidado pelo empresário do ramo de hotelaria César Ritz para ser chef do Grand Hotel de Monte Carlo.

Esse foi o início da frutífera parceira entre Escoffier e Ritz, primordial para o sucesso das célebres cadeias dos hoteis Ritz, Savoy e Carlton. Assim, como bem observa o sociólogo

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Carlos Alberto Dória, enquanto o trabalho de Antonin Carême permaneceu encerrado em palácios, Escoffier escancarou a alta cozinha nos espaços públicos dos hotéis de luxo. A partir daí, não era mais necessário pertencer à nobreza para comer bem. Bastava poder pagar.

Entre 1886 e 1934 Escoffier publicou aproximadamente meia dúzia de livros sobre culinária. Seu trabalho escrito é, sem dúvida, a obra de um homem muito à frente do seu tempo.

Durante o verão, ele era responsável pela cozinha do Hotel National em Lucerna, onde ele conheceu César Ritz (naquele tempo a Riviera Francesa era um resort de inverno). Os dois formaram uma parceria e em 1890 transferiram-se para o Savoy Hotel em Londres. A partir daí, fundaram uma série de famosos hotéis, incluindo o Grand Hotel em Roma, e numerosos Hotéis Ritz em todo o mundo.

No London Savoy, Escoffier criou muitos pratos famosos. Por exemplo, em 1893, ele

inventou o Pêche Melba em homenagem à cantora australiana Nellie Melba. Outra de suas criações (copiada de Antoine Carême, de acordo com algumas anedotas) foi o Tournedó Rossini, em homenagem ao compositor italiano Gioacchino Rossini.

Em 1898 Escoffier e Ritz abriram o Hotel Ritz em Paris. O Carlton, em Londres foi

aberto em 1899, onde pela primeira vez, Escoffier introduziu a prática do menu à la carte. O Hotel Ritz foi o mais moderno de seu tempo. Tinha luzes elétricas e banheiros privativos em cada quarto. A adega alojava quatro mil garrafas de vinhos selecionados, e outra adega de reserva, poucas quadras distantes do hotel, abrigou outras 180 mil garrafas.

A partir dessas considerações e registros, é possível vislumbrar com mais facilidade o

momento crucial de diálogo entre a tradição da gastronomia francesa (representada pelo antecessor de Escoffier, Antonin Carême) e as imposições dos novos tempos. Em “Le guide culinaire”, seu primeiro e principal trabalho, publicado em 1903 Escoffier apresenta as “5 mil fórmulas” dessa tradição, em um esforço de síntese que demanda extenso conhecimento e técnica apurada. A importância deste livro no mundo da culinária francesa é inestimável e ainda hoje, é utilizado como livro de receitas e também livro didático para a culinária clássica. Em 1904 e 1912 Escoffier foi contratado para planejar as cozinhas dos navios pertencentes à frota da Hamburg-Amerika Lines. Na segunda viagem o Kaiser William II o parabenizou como “imperador dos cozinheiros”.

Em 1904, a linha de barcos Hamburg-Amerika Line decidiu introduzir o serviço à la carte em suas viagens e Escoffier foi contratado para planejar as cozinhas dos navios pertencentes à frota. Os restaurantes foram chamados de The Ritz Carlton Restaurants.

Talentoso e capaz de ousadias, Escoffier suprimiu acompanhamentos que pelos séculos anteriores, eram tidos e havidos como essenciais, como os ornamentais bâtelets- espetos de metal apresentados sobre pratos quentes ou frios, nos quais se misturavam trufas, cristas de galos, lagostas e outras iguarias, com preocupação estética, mas sem maiores preocupações com a harmonia gastronômica; ou ainda os elaborados socles – pedestais sobre os quais as comidas eram montadas para se tornarem mais vistosas. Ao eliminar esses acessórios, Escoffier introduziu um novo conceito. Para ele, a comida deve ter o aspecto de comida. Entediava-o, igualmente a profusão de molhos, temperos e sabores até ai em voga nas grandes cozinhas. O estilo Escoffier impôs, então, o equilíbrio como nova norma: ao invés da receita complexa, a preferência pelos poucos ingredientes realmente finos. Um dos modelos de pratos de sua lavra é o Sole Alice, nome dado em homenagem a uma das cabeças coroadas que serviu a princesa Alice, neta da rainha Vitória. Trata-se de um linguado

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preparado no vinho, aquecido em prato escaldado, acompanhado de molho enriquecido com cebolinha e tomilho, acrescentando-se ostras no momento final.

A grande repercussão de suas inovações levou Escoffier a prestar um esclarecimento, que julgou oportuno: “As simplificações marcam uma evolução, e não um declínio, da arte culinária. O que existiu nos tempos de Carême e continuará a existir sempre são os fundamentos da cozinha. Se a aparência é mais simples, nem por isso a comida perdeu valor. Pelo contrário, o paladar das pessoas se torna cada vez mais refinado e, para atendê-las, é preciso que também a cozinha se refine”.

Ele simplificou a arte de cozinhar por se livrar de alimentos ostensivos e guarnições elaboradas e reduzindo o número de cursos servido. Ele também enfatizou o uso de alimentos sazonais e molhos mais leves. Escoffier também simplificou organização cozinha profissional, como ele é integrado em uma única unidade a partir de suas seções previamente individualizada que operavam de forma autônoma e, muitas vezes criando grande desperdício e duplicação de trabalho.

Escoffier teve a delicadeza de apresentar sua primeira versão de Pêches Melba- pêssegos em calda e bolas de sorvete de creme, servidos com favas de baunilha, cujo desenho lembra o pescoço de um cisne, numa metáfora gastronômica à ópera wagneriana. Anos mais tarde o grande Chef acrescentaria aos Pêches Melba uma calda de framboesa.

O grande Chef consolidou o costume de servir os pratos em sequência, um de cada vez, serviço à russa, garantindo assim que cada um seja servido em sua temperatura ideal, ao mesmo tempo em que propicia ao comensal a oportunidade de experimentar os sabores um a um.

Aos 73 anos, Escoffier decidiu aposentar-se em Monte Carlo e, em 1920, o comandante da Legião de Honra e diretor de Educação Técnica outorgou a Escoffier a Ordem de Oficial da Legião de Honra, e nesse momento ele passou a ser o primeiro chef a receber uma honra. Auguste Escoffier morreu em 12 de fevereiro de 1935 aos 89 anos, em Monte Carlo, e seu nome segue sendo sinônimo da cozinha moderna até os dias de hoje.

Bem como fazer alterações no mundo da culinária, Escoffier empreendeu vários esforços filantrópicos, incluindo a organização de programas para alimentar os famintos e programas para ajudar financeiramente os chefs que se aposetaram. Escoffier recebeu várias homenagens durante sua vida. O governo francês reconheceu Escoffier, em 1920, fazendo dele um cavaleiro da Legião d 'Honneur e, posteriormente, um oficial em 1928. As honras devidas a Escoffier podem ser resumidas por uma citação do Kaiser Wilhelm II da Alemanha, quando disse a Escoffier: "Eu sou o Imperador da Alemanha, mas você é o imperador dos cozinheiros".

Ao longo de sua carreira, Escoffier escreveu vários livros, muitos dos quais continuam a ser consideradas importantes hoje. Alguns de seus trabalhos mais conhecidos incluem Le Guide Culinaire (1903), Le Livre des Menus (1912) e Ma Cuisine (1934).

Os molhos exemplificam bem as diferenças entre Carême e Escoffier. Enquanto o primeiro os considerava quase absolutos, para o segundo eles deveriam ser construídos para combinar com o prato. Nas suas palavras mais diretas: “o molho deve se encaixar no assado ou peixe como uma saia justa numa mulher”

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Escoffier faleceu aos 89 anos em Monte Carlo alguns dias após sua esposa, deixando um magnífico testemunho para o mundo da gastronomia não só francesa como mundial. Seguem-se outras obras que Escoffier publicou em vida:

Le Traitésur L'art de Travaillerles Fleursen Cire (Tratado sobre a Arte de Trabalhar com Flores de Cera) (1886)

Le Guide Culinaire (O Guia Completo para a Arte da Cozinha Moderna) (1903) Les Fleursen Cire (nova edição, 1910) Le Carnet d'Epicure (1911) Le Livre des Menus (Livro de receitas) (1912) L'Aide-memoire Culinaire (1919) Le Riz (O Arroz) (1927) La Morue (O Bacalhau) (1929) Ma Cuisine (1934) 2000 French Recipes (1965)

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 17

HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO NO BRASIL – TEXTO 01 – conteúdo das aulas

Fontes: Franco, Ariovaldo. De caçador a gourmet. 2001. Freixa, Dolores. Gastronomia no Brasil e no mundo. 2008

Anotações rápidas: A demanda do mundo ocidental pelas especiarias orientais foi a responsável por aventuras que levariam o homem a dar volta ao mundo e a descoberta de novas terras e novos povos.

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, a população indígena que aqui vivia já havia desenvolvido seu próprio meio de sobrevivência e sua própria cultura alimentar. Aproveitando-se do que dispunham naturalmente, iam criando pratos que satisfizessem suas necessidades nutritivas.

No período das grandes navegações a “descoberta” da América por Colombo e do Brasil por Cabral, resultou em um intercâmbio enriquecedor de alimentos e receitas.

A batata se tornou base da alimentação de muitos países europeus com exceção da Itália que, pelo costume de comer pasta, arroz ou polenta – principais fontes de amido da dieta italiana – fez com que a batata jamais tivesse a importância que assumiu em outras partes do mundo.

Os temperos eram usados mais moderadamente, mas os aromáticos iam às massas, aos ensopados e às bebidas. Sua junção à aguardente que tinha um gosto ruim devido ao processo de destilação originou o licor na França à base de pétalas de rosa ou violeta, flores de laranjeira, essência de alecrim, angélica, anis e frutas.

O TOMATE

Apesar associado à cozinha da Itália, o tomate já era consumido nas civilizações inca, maia e asteca antes de ser levado para a Europa. Pertence a um extenso rol de alimentos da América pré-colombiana desconhecidos do Velho Mundo antes das grandes navegações, do qual fazem parte o milho, vários tipos de feijões, batatas, frutas como abacate e o cacau, afora artigos de uso nativo que se difundiram, como o chicle (seiva de sapoti) e o tabaco.

Inicialmente, o tomate era tido como venenoso pelos europeus e cultivado apenas para efeitos ornamentais, supostamente por causa de sua conexão com as mandrágoras, usadas em feitiçaria.

Os primeiros registros apontam para a sua chegada em Sevilha, na Espanha (sec XVI).

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O tabaco foi trazido para a Europa, onde se veio a tornar muito popular, pelos espanhóis no início do século XVI. Antes disso era apenas encontrado na América, onde já era usado pelo nativos americanos. Era mascado, ou então aspirado sob a forma de rapé (depois de secar as suas folhas). Em 1561, Jean Nicot, aspirava-o moído (rapé) e percebeu que ele aliviava suas enxaquecas. Desta forma, nesse ano, enviou sementes e pó de tabaco para França, para que a rainha Catarina de Médicis, o experimentasse no combate às suas enxaquecas. Com o sucesso deste tratamento, o uso do rapé começou a se popularizar. O corsário Sir Francis Drake foi o responsável pela introdução do tabaco em Inglaterra em 1585, mas o uso de cachimbo só se generalizou graças a outro navegador, sir Walter Raleigh.

O primeiro livro em que é relatado a forma nativa de aspirar a fumaça proveniente de rolos de folhas de tabaco acesas é Apologética historia ds Índias de Bartolomu de las Casas, em 1527. Posteriormente Gonzalo de Oviedo y Velázquez, na Historia General de las Indias, descreve a planta e seus usos, em 1535.

O hábito de fumar o tabaco como mera demonstração de ostentação se originou na Espanha com a criação daquilo que seria o primeiro charuto. Tal prática foi levada a diversos continentes e, somente por volta de 1840, começaram os relatos do uso de cigarro. Neste ponto, a finalidade terapêutica original do tabaco já havia perdido seu lugar nas sociedades civilizadas para o hábito de fumar por prazer.

Embora o uso do cigarro tenha tomado enormes proporções a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), foi apenas em 1960 que foram publicados os primeiros relatos científicos que relacionavam o cigarro ao aumento da incidência de câncer, infarto e outras doenças no fumante habitual.

A BATATA

A batata é originária do altiplano dos Andes. Em 1570, foi levada do Peru para a Europa pelos conquistadores espanhóis como mera curiosidade botânica. Com o passar do tempo, se tornou um dos vegetais mais utilizados na alimentação humana em todo o mundo.

A batata já era cultivada pelos habitantes da América do Sul desde eras imemoriais. Os mais antigos restos destes tubérculos cultivados foram encontrados dentro de cavernas situadas a cerca de 2.800 metros de altitude no cânion Chilca na região costeira do Peru. Estes restos foram datados de 8000 a.C.

Recente pesquisa baseada em ácido desoxirribonucleico comprovou que todas as variedades da batata descendem de uma única variedade de planta originária do sul do Peru.

O TABACO

A palavra "tabaco" originou-se do termo taino tabaco, que designava o tubo em forma de "y" com que estes índios fumavam a erva. O seu nome científico, Nicotiana foi dado em homenagem ao embaixador francês em Portugal Jean Nicot, o introdutor da planta na França.

Tainos: etinia ameríndia das Antilhas.

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Brasil indígena:

Alimentos básicos: Mandioca (carboidrato) - beiju, farinha e pirão escaldado. Batata, abóbora, feijão, fava, amendoim, cará, milho. Extrativismo de abacaxi, goiaba, cajá, maracujá, imbu, mamão, mangaba, caju entre muitas outras. Banana-da-terra fornecia caldos, bebidas e mingaus.

Peixes cozidos ou assados (quando assados inteiros não eram esvaziados e nem escamados antes). Produzia-se também dos peixes a farinha. Já com relação às caças, eram assadas com o couro e comidas semicruas.

Hora determinada para as refeições não era parte da cultura indígena; se alimentavam quando sentiam necessidade.

Sua preferência era o alimento assado ou tostado ao cozido e a fritura não era uma técnica conhecida.

Os alimentos eram preparados separadamente, em recipientes distintos, ainda que fossem para ser comidos misturados.

PIMENTA: Comia-se verde ou madura; misturada com pescados ou legumes; inteira ou amassada com farinha. É por si só, um alimento completo.

SAL: obtido pela retenção da água do mar ou pela queima da terra salitrosa e este sal com a pimenta transformava-se num molho especial que se acrescentava ao alimento somente no momento da ingestão para dar sabor. Com o alimento já na boca o índio colocava uma pitada do tal molho antes de mastigar e engolir a comida.

Panelas, espetos e moquéns eram instrumentos da cozinha. Foi da prática dos índios de assarem nos espetos os peixes ou carnes a ser consumida na hora, a origem do churrasco brasileiro.

Outra técnica para assar os alimentos: colocava-se num buraco na terra forrado com grandes folhas o alimento a ser assado e cobria-se também com folhas e terra, fazendo fogo sobre a cova.

Bebidas eram feitas a partir da fermentação da mandioca, do aipim, batata-doce e do milho. Produziam também o vinho de frutas como caju, ananás e jenipapo.

As mulheres índias eram as responsáveis pela confecção das panelas, dos fornos de barro especiais e também pelo preparo das bebidas.

Havia também bebidas não fermentadas como a pamonha dissolvida em água, o xibé – uma mistura de farinha de mandioca com água – e a mistura deste com mel ou ovos de tartaruga que davam origem a novas bebidas.

Existia ainda uma bebida feita com açaí amassado e farinha d’água. As bebidas dos índios sempre eram consumidas aquecidas.

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Brasil Colonial:

Da África vieram ao Brasil milhares de negros trazidos pelos portugueses para o trabalho escravo. Esses negros e os portugueses com suas famílias iam se misturando aos indígenas formando, desta maneira, o povo brasileiro. Nascia também desta mescla a cozinha brasileira, miscigenação das culinárias indígena e portuguesa e depois sofrendo influência também da culinária africana.

Os portugueses trouxeram ao Brasil animais como bois, vacas, touros, ovelhas, cabras, carneiros, porcos, galinhas, patos, gansos e outros que criavam nos quintais e currais que faziam em suas fazendas.

Além disso, foram os responsáveis por plantar uma enorme quantidade de frutas, legumes, vegetais, cereais e temperos.

Foi nesse período que se desenvolveram os grandes engenhos de açúcar, as plantações de cana e as exportações do açúcar produzido para a Europa.

Os negros, na condição de escravos, não podiam escolher quanto nem o que comer, por isso criavam e adaptavam de acordo com aquilo que lhes era oferecido como sustento.

O milho também foi marcante na alimentação dos escravos negros e dele surgiram pratos como o angu; mas foi a mulher portuguesa quem mais deu vida a diferentes iguarias produzidas à base de milho (bolos, canjicas, pudins, etc.).

Plantado no Brasil pelos portugueses, o arroz só passou a ser largamente consumido no século XVIII e, ainda assim, na consistência de pirão com água e sal para acompanhar carnes e peixes.

A partir da contribuição dos negros, dos índios e dos brancos inúmeros pratos de arroz começaram a ser criados como o arroz de haussá (hauça), arroz de forno, arroz de cuxá, arroz de piqui, arroz de carreteiro, entre outros.

Em forma de doce temos ainda mingaus de arroz, bolos, pudins e o arroz doce feito de leite de gado ou coco.

Os escravos eram amantes da carne de caça, de peixe, dos crustáceos e dos moluscos. Raramente matavam cabras, porcos, ovelhas ou carneiros nesses casos, aproveitavam as vísceras fritas, assadas ou cozidas no feijão e o tutano dos ossos, desprezando a língua e os miolos.

Não gostavam de leite, considerado alimento infantil, a menos que em forma de coalhada ou misturado com abóbora, batata ou farinha. Assim como os índios, não comiam galinhas nem ovos e nem mesmo os pratos preparados com eles.

Os portugueses usavam e abusavam dos ovos, preparando-os cozidos, fritos, moles, quentes e acrescentando a pratos indígenas tais como canjicas, mingaus e papas.

E as mulheres portuguesas, aproveitando também do açúcar abundante dos engenhos, começaram a criar incontáveis tipos das mais variadas sobremesas.

Com os amendoins e as castanhas dos cajus as portuguesas faziam os doces que originalmente levavam amêndoas e pinhões em sua receita.

Os cajus e as bananas-da-terra, cozidos com açúcar e canela ou secos ao sol, também davam deliciosas iguarias.

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As massas de frutas (ou marmeladas) passaram a ser feitas de uma enormidade de frutas como caju, banana, abacaxi, araçá, goiaba, oiti e curuanha.

O pão de ló ganhou surpreendente popularidade no Brasil e é um doce português. Para os negros sobravam os melaços, a rapadura e o açúcar mascavo ou ainda a garapa que preparavam com água e melaço, podendo acrescentar suco de limão ou laranja.

A pimenta era apreciada pelas três etnias formadoras do povo brasileiro, portugueses, negros e índios, o molho que os indígenas já faziam, foi aprimorado amassando no pilão a pimenta com sal.

Nas áreas alagadas, quem possuía escravos trabalhando, enriquecia sua alimentação com alhos e cachaça para evitar a malária e doenças respiratórias.

Entrando no mérito da cachaça, ela apareceu no Brasil com a indústria do açúcar e a destilação da aguardente aproveitando o mel da cana.

A geração inicial de colonizadores apreciava a bagaceira portuguesa e o vinho do porto. Assim como a alimentação, toda bebida era importada da metrópole. Num engenho da capitania de São Vicente, entre 1532 e 1548, descobrem o vinho de cana-de-açúcar - garapa azeda, que fica ao relento em cochos de madeiras para os animais, vinda dos tachos de rapadura.

É uma bebida limpa, em comparação com o cauim - vinho produzido pelos índios, no qual todos cospem num enorme caldeirão de barro para ajudar na fermentação do milho.

Os senhores de engenho passam a servir o tal caldo, denominado cagaça, para os escravos. Daí é um pulo para destilar a cagaça, nascendo assim a cachaça.

Brasil Real:

"Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil".

D. João VI era gordo, flácido e devorador voraz de franguinhos que trazia fritos e desossados nos bolsos de seus uniformes sempre sujos e engordurados.

Não conseguia caminhar a pé mais de alguns metros sem sentir extrema fadiga e era, na mais completa acepção do termo, um dos homens mais fracos que já governaram esta nação, mas, surpreendentemente, logrou ser o único a enganar Napoleão Bonaparte e realizou um governo medianamente satisfatório.

Temendo a invasão de Napoleão a Portugal, o Príncipe D. João transfere a corte portuguesa para o Brasil. Isso motivou com que muitos ingredientes de Portugal viessem ao Brasil para servir à corte.

Espécies brasileiras como o macuco, a galinhola, o porco-do-mato, o marreco, a paca, o veado, a anta, e a cutia foram valorizadas.

Novos alimentos surgiram como a carne de fumeiro, os embutidos e as frutas cristalizadas feitas com variedades brasileiras. O pão de trigo se tornou mais comum e usual e os cardápios passaram a incluir saladas.

As bebidas apresentavam exemplares do vinho português, do champagne e, o que mais se popularizava, a cerveja.

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Havia também o aluá feito da fermentação da casca do abacaxi.

A alimentação brasileira se diversificava com os vinhos franceses, cervejas, patês de foiegras, conservas, queijos, doces, novas frutas, licores ardentes e adocicados. Chá era bebida para ricos e o cacau exportado voltava como chocolate.

Originaram-se as confeitarias, e os primeiros hotéis, restaurantes italianos e franceses.

O café tinha sua produção em alta e chegou a ser o produto mais exportado do Brasil e, naturalmente, seu uso se espalhou também internamente, chegando a dar nome à primeira refeição do dia.

... e vieram os imigrantes europeus ... desta forma, outros povos com seus hábitos e costumes começaram a influenciar a cozinha brasileira. Os italianos foram campeões nessa contribuição à culinária com os molhos – pesto e bolonhesa, por exemplo –, com as sopas como o minestrone, com as polentas, nhoques, carnes à milanesa, panetones, risotos, berinjelas picantes e pizzas que aqui se popularizaram muito e sofreram variações e adaptações.

Encontra-se, hoje, na culinária brasileira, inúmeros pratos que utilizam o leite de coco, o azeite de dendê, a farinha de mandioca, o sal,

as pimentas, as frutas, as moquecas, os assados, os guisados, os doces, os sucos, enfim, dezenas

de ingredientes e de modos de fazer que moldaram a chamada cozinha tradicional do

País, um verdadeiro caldeirão cultural em busca sua identidade gastronômica.

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HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO NO BRASIL – TEXTO 02 –

Leitura complementar

1. CONTEXTO HISTÓRICO 1.1. Idade Moderna – As Grandes Inovações

Facas e colheres são utensílios que o homem utiliza desde a Pré-História, mas o garfo só apareceu depois e com a finalidade de fixar os alimentos e não levá-los à boca. Foi nesse período, na Idade Moderna, que o uso de talheres se generalizou. (LEAL, 1998, p.35) Este momento histórico foi marcado também pelas grandes navegações e pela “descoberta” da América por Colombo e do Brasil por Cabral, o que resultou num intercâmbio enriquecedor de alimentos e receitas. Do Brasil para a Ásia foram levados pelos portugueses: milho, agrião, mandioca, batata-doce, repolho, pimentão, abacaxi, goiaba, caju, maracujá, mamão e tabaco. Da Ásia para o Brasil vieram: cana-de-açúcar, arroz, laranja, manga, tangerina, chá, lírios, rosas, crisântemos, camélias e porcelanas. Alguma adaptação sempre ocorria na receita importada com o acréscimo ou substituição por um ingrediente local como os doces portugueses, de amêndoas originalmente, passando a ser feitos com amendoins no Brasil. (LEAL, 1998, p.38) Da África vieram banana, inhame, pimenta malagueta, erva-doce, quiabo, galinha d’angola, palmeira do dendê, melancia e coco. Da América para a África foram farinha de mandioca, caju, peru e amendoim. E para a Europa foram batata, feijão, abóbora, amendoim, pimentão, baunilha, abacate e o cacau que os espanhóis transformaram em chocolate – famoso mundialmente e muito apreciado até os dias atuais. Fazendo a viagem contrária, os ovinos e bovinos vinham da Europa para a América.

A batata se tornou base da alimentação de muitos países europeus com exceção da Itália que, pelo costume de comer pasta, arroz ou polenta – principais fontes de amido da dieta italiana – fez com que a batata jamais tivesse a importância que assumiu em outras partes do mundo. Uma sociedade mais refinada é o que se observa na Idade Moderna, com o hábito de lavar as mãos antes de comer, usar talheres e guardanapos.

Os temperos eram usados mais moderadamente, mas os aromáticos iam às massas, aos ensopados e às bebidas. Sua junção à aguardente que tinha um gosto ruim devido ao processo de destilação originou o licor na França à base de pétalas de rosa ou violeta, flores de laranjeira, essência de alecrim, angélica, anis e frutas. (LEAL, 1998, p.35)

1.2. Domínio dos Doces e dos Cafés

Foi no final do século XVII que o costume de se colocar todos os pratos ao mesmo tempo na mesa foi abandonado e uma determinada ordem era seguida no momento de servir os pratos: sopa, entrada, assado, salada e sobremesa – esta última revolucionada pelo sorvete neste período.

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Os talheres eram tidos como objetos de uso pessoal e cada um possuía o seu próprio estojo que era levado no bolso para o caso em que o anfitrião não tivesse talheres para os convidados.

Em meados do século XVII um visitante oriental levou o café à França e casas de café, rapidamente, encheram Paris e toda a Europa. Na Inglaterra os cafés estavam se tornando centros de cultura até o governo inglês, visando aumentar o comércio com o Oriente, fez com que o preço do chá ficasse muito mais baixo que o do café, levando o consumo de chá às alturas e o café ao declínio. Diferentemente dos chineses, os ingleses bebiam o chá sempre adoçado.

Neste mesmo período houve a consagração do peru sobre o ganso e o pato nas festividades na Europa, e também a chegada do grande fogão de cozinha com doze a vinte bocas, em substituição ao fogão a lenha e ao braseiro de carvão, tornando possível o cozimento lento.

Esta fase protagonizou também outras grandes novidades da gastronomia que foram o Champagne e o vinho branco dos alemães.

Na fase de evolução da cozinha francesa, enfatiza-se o uso da manteiga, desaparecem os molhos de sabor forte e ácido, o vinagre é usado com moderação, o açúcar não é mais utilizado em pratos salgados ou molhos e há um predomínio do molho branco, rico em manteiga, marcando a culinária francesa. (FRANCO, 2004, p. 166)

Os costumes da França se espalharam por outros países da Europa. E foi a mesma França que presenciou, em Paris, o surgimento do primeiro restaurante – um estabelecimento pequeno que tinha as sopas como prato a ser comercializado. Pouco mais tarde, o La Grande Taverne de Londres despontou também em Paris como restaurante de luxo oferecendo serviços à la carte. O principal diferencial dos restaurantes em relação aos seus antecessores – cabarets, albergues e tavernas – era a limpeza, a tranquilidade, o espaço e a decoração aprimorada. (FRANCO, 2004, p. 207)

1.3. Idade Contemporânea – aperfeiçoando

Neste contexto histórico se dá a Revolução Francesa, com a presença do Imperador Napoleão Bonaparte e o Império Napoleônico cuja principal contribuição à gastronomia foi o alto prêmio oferecido a quem criasse uma técnica que conservasse alimentos por longo tempo. Sua motivação para tanto era a preocupação com a boa alimentação de seu exército. Tal ato resultou no surgimento da conserva em vidro, que evoluiu para os enlatados, dando grande impulso à industria. (LEAL, 1998, p. 50)

Assim como também descreve Franco (2004, p. 216):

“Desde que desenvolveu sua capacidade de acumular alimentos com a prática da agricultura, a humanidade deparou-se com o problema de preservá-los. Por muitos séculos, os métodos de conservação de alimentos se limitaram à secagem ao sol, à defumação, à salgadura e à utilização do vinagre e do açúcar. Essas técnicas, além de implicarem perda do sabor original dos alimentos, destituíam-nos de seu valor nutritivo.”

Depois da técnica dos enlatados veio ainda a técnica da pasteurização. Juntas essas inovações abriram e ampliaram em muito os caminhos para a indústria dos alimentos.

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1.4. Cozinha burguesa

O uso de menus começou a se difundir pelos restaurantes europeus e, diferentemente do século anterior em que tinham a única utilidade de informar o que seria servido, nesta fase já servia para mostrar as opções de pratos oferecidos pelo estabelecimento.

Destaca-se desse período a implantação do serviço à francesa, no qual cada prato é servido somente uma vez.

As cozinhas neste momento já contavam com fogão de ferro fundido e geladeira e o fogão a gás já havia sido lançado. Franco explica essa evolução (2004, p. 206):

Até o começo do século XVIII, a preparação dos alimentos era feita sobre fogo de lenha e braseiros de carvão vegetal. Construía-se nas cozinhas um fogão chamado potager, com várias bocas. Esse tipo foi sendo substituído por um fogão de ferro fundido, geralmente aquecido por carvão mineral.

1.5. A internacionalização da cozinha

As receitas francesas foram difundidas pelo mundo todo e os grandes chefs franceses também foram a diversas partes do mundo para mostrar e compartilhar seus conhecimentos gastronômicos inclusive abrindo filiais de famosos restaurantes em grandes hotéis.

Esses restaurantes normalmente ofereciam alguns pratos regionais, típicos do país onde se instalavam; algumas massas à moda italiana; alguns pratos de carne à inglesa; algum prato americano e uma gama enorme de opções de pratos franceses. Foi essa fusão que, no século XX fez nascer a cozinha internacional.

A cozinha internacional facilita aos viajantes, turistas ou não, a alimentação uma vez que oferecem pratos que são de sabor conhecido mesmo que a pessoa esteja muito longe do local de origem da comida. Esse tipo de integração propicia a comunicação e compreensão entre os povos e, assim, a cozinha internacional é muito bem aceita entre as pessoas.

Ao mesmo tempo em que a cozinha internacional ia se firmando, uma grande importância e atenção começaram a ser dispensadas por parte dos diferentes países do mundo aos seus pratos regionais, gerando a criação e propagação de incontáveis restaurantes e livros de receitas especializadas em cozinha francesa, italiana, chinesa, japonesa, alemã, portuguesa, entre outros.

Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa perde a sua superioridade e quem assume a posição principal são os Estados Unidos da América.

Os utensílios de cozinha que eram feitos de cobre passaram a ser feitos de alumínio ou metal inoxidável, o gás e a eletricidade possibilitaram o funcionamento dos fogões, liquidificadores, batedeiras e aparelhos de conservação de alimentos.

Tais mudanças na cozinha somadas ao avanço tecnológico nos meios de transportes, o desenvolvimento da indústria de alimentos e das técnicas de conservação foram responsáveis por significativas mudanças nos costumes alimentares entre os europeus e os americanos. As refeições tipo fastfood, self service e os restaurantes que produziam alimentos em massa, como as pizzarias, começaram a ocupar a preferência das pessoas.

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2. DESCOBRIMENTO DO BRASIL – CONFRONTOS

A demanda do mundo ocidental pelas especiarias orientais foi a responsável por aventuras que levariam o homem a dar volta ao mundo e a descoberta de novas terras e novos povos. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, a população indígena que aqui vivia já havia desenvolvido seu próprio meio de sobrevivência e sua própria cultura alimentar. Aproveitando-se do que dispunham naturalmente, iam criando pratos que satisfizessem suas necessidades nutritivas.

Cada sociedade tem seu alimento básico, geralmente um carboidrato, que assegura a sensação de saciedade esperada de cada refeição. (FRANCO, 2004, p.26)

A mandioca era esse alimento base e compunha muitos dos alimentos que sustentavam os brasileiros de então, com a qual faziam o beiju e a farinha. Esta última comia-se muito. Como prato único e completo ou acompanhando peixes, frutas, caldos, etc. Era indispensável ao indígena brasileiro. Adicionando o caldo gordo quente sobre a farinha de mandioca seca, os indígenas tinham o pirão escaldado. (LEAL, 1998, p. 66)

Além disso, também fazia parte da dieta indígena de então outros alimentos como o aipim, a batata, a abóbora, o feijão, a fava, o amendoim, o cará e o milho. Este último tido mais como forma de guloseima que como alimento propriamente dito. Já o amendoim era muitíssimo apreciado e era ingerido cru,assado ou cozido.

O hábito de plantar frutas não era comum entre os indígenas, já que dispunham fartamente de uma grande oferta natural: abacaxi, goiaba, cajá, maracujá, imbu, mamão, mangaba, caju entre outras. Caldos, bebidas e mingaus eram feitos com o cozimento da banana-da-terra ou pacova.

Outro alimento base da dieta indígena eram os peixes que se aproveitavam cozidos ou assados. Curiosamente, quando eram assados inteiros não eram esvaziados e nem escamados antes. Produzia-se também dos peixes a farinha. Já com relação às caças, eram assadas com o couro e comidas semicruas. (LEAL, 1998, p. 67)

Hora determinada para as refeições não era parte da cultura indígena. Os índios se alimentavam quando sentiam necessidade. Sua preferência era o alimento assado ou tostado ao cozido e a fritura não era uma técnica conhecida. Os alimentos eram preparados separadamente, em recipientes distintos, ainda que fossem para ser comidos misturados.

Outro elemento essencial para os índios era um condimento: a pimenta. Comia-se verde ou madura; misturada com pescados ou legumes; ou ainda inteira ou amassada com farinha. Era, por si só, um alimento completo.

Já se via entre os índios a obtenção do sal pela retenção da água do mar ou pela queima da terra salitrosa e este sal com a pimenta transformava-se num molho especial que se acrescentava ao alimento somente no momento da ingestão para dar sabor. Com o alimento já na boca o índio colocava uma pitada do tal molho antes de mastigar e engolir a comida.

Panelas, espetos e moquéns – grelhas para assar sobre o fogo baixo o que deveria ser conservado – eram instrumentos já utilizados pelos índios na cozinha. Foi da prática dos índios de assarem nos espetos os peixes ou carnes a ser consumida na hora, a origem do churrasco brasileiro.

Ainda outra técnica para assar os alimentos era utilizada, colocava-se num buraco na terra forrado com grandes folhas o alimento a ser assado e cobria-se também com folhas e terra, fazendo fogo sobre a cova.

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As mulheres índias é que eram as responsáveis pela confecção das panelas, dos fornos de barro especiais e também pelo preparo das bebidas que eram feitas a partir da fermentação da mandioca, do aipim, da batata-doce e do milho. Fabricavam também o vinho de frutas como caju, ananás e jenipapo.

Havia também bebidas não fermentadas como a pamonha dissolvida em água, o xibé – uma mistura de farinha de mandioca com água – e a mistura deste com mel ou ovos de tartaruga que davam origem a novas bebidas. Existia ainda uma bebida feita com açaí amassado e farinha d’água. As bebidas dos índios sempre eram consumidas aquecidas. (LEAL, 1998, p. 69)

2.1. Colonização do Brasil – nasce a cozinha brasileira

Da África vieram ao Brasil milhares de negros trazidos pelos portugueses para o trabalho escravo. Esses negros e os portugueses com suas famílias iam se misturando aos indígenas formando, desta maneira, o povo brasileiro. Nascia também desta mescla a cozinha brasileira, miscigenação das culinárias indígena e portuguesa e depois sofrendo influência também da culinária africana.

Quanto ao papel da cozinha portuguesa na formação da culinária brasileira, diz Gilberto Freire: “A base lusitana da cozinha brasileira é comum às demais cozinhas luso-tropicais – a oriental, a africana, a ameríndia –, condicionando diferentes expressões de simbioses nesse setor.” (FREIRE apud FRANCO, 2004, p. 197)

Os portugueses trouxeram ao Brasil animais como bois, vacas, touros, ovelhas, cabras, carneiros, porcos, galinhas, patos, gansos e outros que criavam nos quintais e currais que faziam em suas fazendas. Além disso, foram os responsáveis por plantar uma enorme quantidade de frutas, legumes, vegetais, cereais e temperos. (LEAL, 1998, p. 71)

Foi nesse período que se desenvolveram os grandes engenhos de açúcar, as plantações de cana e as exportações do açúcar produzido para a Europa.

Os negros, na condição de escravos, não podiam escolher quanto nem o que comer, por isso criavam e adaptavam de acordo com aquilo que lhes era oferecido como sustento. Com a farinha de mandioca adicionada ao caldo fervente descobriram o pirão. Depois, buscando aumentar a pequena porção que lhes era destinada, desenvolveram o pirão massapê que ganhou este nome por causa da coloração que a pimenta malagueta dava à mistura.

O milho também foi marcante na alimentação dos escravos negros e dele surgiram pratos como o angu – mingau mais consistente que o pirão – preparado com água e fubá. Vale ressaltar que angu e fubá são palavras que se infiltraram no vocabulário brasileiro pelos negros. Mas foi a mulher portuguesa quem mais deu vida a diferentes iguarias produzidas à base de milho. Bolos, canjicas e pudins são de sua autoria.

Plantado no Brasil pelos portugueses, o arroz só passou a ser largamente consumido no século XVIII e, ainda assim, na consistência de pirão com água e sal para acompanhar carnes e peixes. A partir da contribuição dos negros, dos índios e dos brancos inúmeros pratos de arroz começaram a ser criados como o arroz de haussá (ou hauça, ou arroz papa, na linguagem coloquial – “arroz unidos venceremos”), arroz de forno, arroz de cuxá (prato da culinária maranhense, feito com vinagreira, um tipo de planta "azedinha", camarão seco, farinha de mandioca seca), arroz de piqui, arroz de carreteiro, entre outros. Em forma de doce temos ainda mingaus de arroz, bolos, pudins e o arroz doce feito de leite de gado ou coco.

Atualmente mais da metade da humanidade come arroz diariamente. (FRANCO, 2004, p. 31)

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Os feijões, que já eram utilizados pelos indígenas antes da chegada dos descobridores e escravos, tiveram seu espaço na dieta de portugueses e negros, mas foi bem depois disso que veio a se tornar integrante essencial à alimentação.

À alimentação dos escravos de fazendas mais abastadas eram inclusos toucinho, carne-seca, peixe salgado, laranja e banana. Muitos alimentos, aliás, foram introduzidos no cardápio brasileiro provenientes da África a exemplo do quiabo, do inhame, da erva-doce, do gengibre, do açafrão, do gergelim, do amendoim africano, da melancia, do coco e da banana. Esta última considerada uma das maiores contribuições africanas às mesas brasileiras, eram comidas puras, com mel de cana ou de abelha, com açúcar mascavo ou com farinha.

Outro tipo de farinha que os negros faziam era com a farinha de mandioca mais o gergelim torrado socando, no pilão, os dois componentes. Do coco, influenciado pelos portugueses, os negros começaram a utilizar o leite para adicionar ao cuscuz – massa feita com farinha de milho (ou mandioca, inhame, aipim, arroz), sal, cozida no vapor e regada com leite de coco.

Os escravos eram amantes da carne de caça, de peixe, dos crustáceos e dos moluscos. Raramente matavam cabras, porcos, ovelhas ou carneiros. Nesses casos, aproveitavam as vísceras fritas, assadas ou cozidas no feijão e o tutano dos ossos, desprezando a língua e os miolos. (LEAL, 1998, p. 76)

Não gostavam de leite, considerado alimento infantil, a menos que em forma de coalhada ou misturado com abóbora, batata ou farinha. Assim como os índios, não comia galinhas nem ovos e nem mesmo os pratos preparados com eles.

Os portugueses, por sua vez, usavam e abusavam dos ovos, preparando-os das mais variadas maneiras: cozidos, fritos, moles, quentes e acrescentando a pratos indígenas tais como canjicas, mingaus e papas. E as mulheres portuguesas, aproveitando também do açúcar abundante dos engenhos, começaram a criar incontáveis tipos das mais variadas sobremesas.

Com os amendoins e as castanhas dos cajus as portuguesas faziam os doces que originalmente levavam amêndoas e pinhões em sua receita. Os cajus e as bananas-da-terra, cozidos com açúcar e canela ou secos ao sol, também davam deliciosas iguarias.

As massas de frutas ou marmeladas – porque inicialmente eram preparadas com o marmelo – passaram a ser feitas de uma enormidade de frutas como caju, banana, abacaxi, araçá, goiaba, oiti e curuanha.

O pão-de-ló ganhou surpreendente popularidade no Brasil e é um doce português. Para os negros sobravam os melaços, que era o mel da cana, a rapadura e o açúcar mascavo ou ainda a garapa – caldo da cana – que preparavam com água e melaço, podendo acrescentar suco de limão ou laranja. Com a farinha também se comia o mel da cana.

Nas áreas alagadas, quem possuía escravos trabalhando, enriquecia sua alimentação com alhos e cachaça para evitar a malária e doenças respiratórias. Entrando no mérito da cachaça, ela apareceu no Brasil com a indústria do açúcar e a destilação da aguardente aproveitando o mel da cana.

A geração inicial de colonizadores apreciava a bagaceira portuguesa e o vinho do porto. Assim como a alimentação, toda bebida era importada da metrópole. Num engenho da capitania de São Vicente, entre 1532 e 1548, descobrem o vinho de cana-de-açúcar - garapa azeda, que fica ao relento em cochos de madeiras para os animais, vinda dos tachos de rapadura. É uma bebida limpa, em comparação com o cauim - vinho produzido pelos índios, no qual todos cospem num enorme caldeirão de barro para ajudar na fermentação do milho. Os senhores de

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engenho passam a servir o tal caldo, denominado cagaça, para os escravos. Daí é um pulo para destilar a cagaça, nascendo assim a cachaça.

De acordo com o Decreto nº 4.851, de 2003, o artigo 92 diz o seguinte sobre a cachaça: Cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de trinta e oito a quarenta e oito por cento em volume, a vinte graus Celsius (°C), obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até seis gramas por litro, expressos em sacarose.

A pimenta era apreciada pelas três etnias formadoras do povo brasileiro, portugueses, negros e índios, o molho que os indígenas já faziam, foi aprimorado amassando no pilão a pimenta com sal. Herança dos negros foi o gosto pelo azeite de dendê, já as mulheres portuguesas usavam muito o azeite doce trazido de Portugal.

2.2. Brasil se liberta de Portugal – cozinha brasileira se firma

Durante os encontros e reuniões dos movimentos de revolta contra o domínio dos portugueses em nosso país, a cachaça sempre esteve presente como grande animadora, assim como a farinha de mandioca simbolizando os elementos nacionais. Pães portugueses, vinhos, presuntos, farinhas de trigo e azeites de oliveiras eram terminantemente proibidos na mesa de quem queria ver o Brasil livre. Uma forma de protesto, símbolo de rebeldia e conspiração.

A produção do açúcar estava em decadência e crescia a busca pelo ouro e pedras preciosas pelo Brasil. Grandes fazendeiros decidiram apostar seus investimentos no café e não se arrependeram.

Temendo a invasão de Napoleão a Portugal, o Príncipe D. João fugiu para o Brasil com uma caravana de aproximadamente quinze mil pessoas. Isso motivou com que muitos ingredientes de Portugal viessem ao Brasil para servir à corte. Espécies brasileiras como o macuco, a galinhola, o marreco, a paca, o veado, a anta, a cutia e o porco-do-mato foram valorizadas. Novos alimentos surgiram como a carne de fumeiro, os embutidos e as frutas cristalizadas feitas com variedades brasileiras. O pão de trigo se tornou mais comum e usual e os cardápios passaram a incluir saladas.

As bebidas apresentavam exemplares do vinho português, do champagne e, o que mais se popularizava, a cerveja. Havia também o aluá feito da fermentação da casca do abacaxi.

A alimentação brasileira se diversificava com os vinhos franceses, cervejas, patês de foiegras, conservas, queijos, doces, novas frutas, licores ardentes e adocicados. Chá era bebida para ricos e o cacau exportado voltava como chocolate. Originaram-se as confeitarias, sorveterias e os primeiros restaurantes italianos e franceses.

O café tinha sua produção em alta e chegou a ser o produto mais exportado do Brasil e, naturalmente, seu uso se espalhou também internamente, chegando a dar nome à primeira refeição do dia. (LEAL, 1998, p. 86)

Depois da proibição do tráfico de escravos, começou-se a incentivar a vinda de europeus para trabalhar nos cafezais e, desta forma, outros povos com seus hábitos e costumes começaram a influenciar a cozinha brasileira. Os italianos foram campeões nessa contribuição à culinária com os molhos – pesto e bolonhesa, por exemplo –, com as sopas como o minestrone, com as

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polentas, nhoques, carnes à milanesa, panetones, risotos, berinjelas picantes e pizzas que aqui se popularizaram muito e sofreram variações e adaptações.

Também foi nessa época que os costumes americanos começaram a se difundir. O jantar à americana no qual cada um se serve à vontade depois vai sentar-se onde quiser tornou-se mais frequente.

Do feijão brasileiro com carne-seca e toucinho mais o cozido que chegou de Portugal surgiu a feijoada, prato peculiarmente brasileiro e famoso mundialmente nos dias atuais.

No século XIX surgiram novos temperos e condimentos como o tomate, vindo da América Central não sendo bem aceito na cozinha brasileira neste momento. Era um período em que não se tinha o costume de usar toalhas nas mesas de refeições e os talheres eram revezados e só se usavam algumas facas e colheres.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. 3. ed. São Paulo: SENAC São Paulo, 2004. LEAL, Maria Leonor de Macedo Soares. A história da gastronomia. Rio de Janeiro: SENAC Nacional, 1998.

Fonte: HTTP://www.etur.com.br, artigo de Isabela Minatel Bassi

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HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO NO BRASIL – TEXTO 03

Leitura complementar

CULINÁRIA BRASILEIRA

Cada povo possui um tipo de culinária, um modo peculiar de preparar seus alimentos. Do ponto de vista da cultura folclórica percebe-se que, através de diferentes formas, misturas, temperaturas, odores e cores, os povos vão transformando os alimentos em uma atração. Comer é conhecer, diz um antigo ditado. Desse modo, todas as culinárias do mundo representam formas de conhecimento. São sinais culturais transmitidos por meio do paladar, da visão, do olfato. São gostos, sensações, texturas, ou toques, que aguçam os desejos.

O Brasil possui uma culinária original e expressiva. Ao longo de 500 anos, o brasileiro assimilou e transformou a cozinha europeia, principalmente a portuguesa, as especiarias que o colonizador trouxe do Oriente (China e Índia), adicionando-lhe ingredientes das culinárias africana e indígena (a dos índios da Amazônia e do Pantanal Mato-Grossense). Essa última, uma festa permanente de peixes moqueados, de caças e de frutas da estação, já estava presente quando o País foi descoberto. Tudo isso, sem jamais agredir ou colocar em risco a estabilidade do meio ambiente. Foram as trocas alimentares, portanto, a união de distintos caminhos e experiências de vida, de etnias e de culturas, a miscigenação de gostos, formas e aromas, que geraram uma nova e rica culinária: a brasileira.

Essa culinária assimilou, dos índios, a farinha de mandioca, os alimentos cozidos ou

assados em folhas de bananeira, as comidas feitas com milho, a paçoca (peixe ou carne pilados e misturados com farinha). Herdou-se dos indígenas, ainda, a moderação no uso do sal e dos condimentos, a cozinha com forno e fogão, a utilização de utensílios de cerâmica, as virtudes do consumo de alimentos frescos, e as comidas temperadas pelas mãos das índias nativas. Sem isso, a cozinha nacional seria hoje muito pobre.

Além do refinamento, o colonizador português introduziu alguns ingredientes importantes

na culinária brasileira: o coco (trazido da Índia), o sal, e a canela em pó misturada com açúcar. O sarapatel, o sarrabulho, a panelada, a buchada, o cozido, não fazem parte da culinária africana, mas, sim, portuguesa. Os dois primeiros vieram, também, da Índia através dos colonizadores. A doçaria lusa trouxe: pudim de iaiá, arrufos de sinhá, bolo de noiva, pudim de veludo. Vieram, ainda, muitos quitutes mouriscos e africanos, como o alfenim e o cuscuz, e frutas como a manga, a jaca, a fruta-pão e a carambola, que foram trazidas do Oriente. Do já famoso cozido português é que partiu a ideia de se incluir feijão preto ou mulatinho, carnes e muitas verduras, a fim de fazer um prato único: a feijoada.

A feijoada é um prato que pode ser preparado à moda carioca, baiana e nortista. A típica

feijoada brasileira, porém, comporta muitas iguarias: feijão preto, toucinho de fumeiro, paio, linguiças portuguesa e/ou calabresa, outras carnes de porco salgadas e/ou defumadas (orelhas, rabo, pés, costelas) e carnes secas (de charque), temperos frescos e secos. A feijoada é acompanhada de arroz branco, farinha de mandioca, rodelas de laranja, torresmo, folhas de couve (bem fininhas) fritas no alho e óleo, e uma boa cachaça da terra.

A presença africana na mesa brasileira tem no dendê e na pimenta (não as nativas,

usadas pelos índios, mas a malagueta, trazida pelos negros da África) os seus grandes representantes. A palmeira de onde se extrai o azeite veio da África para o Brasil, nas primeiras décadas do século XVI. Todos os pratos trazidos do continente africano foram, então,

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reelaborados e recriados pelos brasileiros, que passaram a usar o azeite de dendê e os elementos locais.

Embora africano, o inhame era conhecido em Portugal. O caruru, por sua vez, tal como é

conhecido, é um prato africano, que manteve a denominação indígena, mas adquiriu um outro conteúdo: galinha, peixe, carne de boi, ou crustáceo. Ao chegar ao País, a escrava negra já era cozinheira. Aprendendo com as portuguesas e suplantando-as pela diversidade de temperos que soube manejar, as africanas competiram com as indígenas quanto ao segredo da boa mesa.

Na atualidade, cada região brasileira possui os seus pratos típicos. No Norte, devido à

presença de florestas, à influência indígena, e às generosas bacias hidrográficas (o rio Amazonas e seus afluentes, em particular), predomina o consumo de peixes de água doce (acari, auanã, cascudo, surubim, pirapitinga, piranambu, tucunaré, tambaqui, pirarucu, tainha, camurupim, itui, jandiá, xaréu, curimatá, cangati, piranha, entre outros); de mandioca e de frutas: açaí, bacaca, buriti, taperebá, ginja, pupunha, murici, uamari, cupuaçu, bacuri, camapu, uxi, angá, piquiá, camutim, cutitiribá, grumixama, cubiu, guaraná.

A culinária nortista, tropical e ecológica, é acompanhada por uma grande variedade de

pimentas: cajurana, mata-frade, murupi, camapu, murici, olho-de-peixe, ova de aruana, pimenta de-cheiro, e olho-de-pomba. Nessa região, consomem-se muitas outras iguarias: maniçoba, caldeirada de jaraqui, pato no tucupi, tambaqui assado na brasa, cuia de tacacá, mujanguê (a famosa farofa de ovos de tartaruga), e vários tipos de tartarugas (juruá-açu, capitari, tracajá, matamatá, cabeçudo, pitiú), os cremes de bacuri e de cupuaçu.

No Nordeste, encontram-se os pratos à base de feijões, inhame, macaxeira (chamada

aipim, no sul do País), leite de coco, azeite de dendê, peixes, crustáceos e frutas nativas. Na região, pode-se destacar inúmeras iguarias: buchada, sarapatel, arroz-doce, tapioca, caldo de cana, além de doces e/ou sorvetes de frutas regionais: mamão (verde), goiaba, caju, pinha, sapoti, banana, tangerina, mangaba, coco, manga, umbu, jaca, abacaxi, araçá.

Da culinária nordestina fazem parte, ainda, os seguintes pratos: dobradinha (feijão

branco cozinhado com bucho de boi), galinha de cabidela, mão-de-vaca, quibebe (pirão de jerimum), carne-de-sol (servida com farofa e feijão verde), peixes e crustáceos ao leite de coco, feijão e arroz ao coco, amendoim torrado e cozinhado, canjica, pamonha, munguzá, cuscuz, milho cozido e assado, acarajé, abará, caruru, vatapá, bolos de macaxeira e de mandioca, pé-de-moleque, bolo Souza Leão, umbuzada (feita com umbu, leite e açúcar), entre outros.

No Sul e no Sudeste, onde se encontram grandes rebanhos bovinos e ovinos, a

população consome churrasco de carne e linguiças assadas na brasa, acompanhadas por arroz branco, salada de maionese, farinha de mandioca torrada, macaxeira cozida, saladas verdes e pão. Outros pratos tradicionais são os seguintes: guisado no pau, boi atascado, pernil de cordeiro, costelão, churrasco de ovelha, tripa grossa, e outros. Os gaúchos, em particular, consomem bastante o chimarrão, um chá quente feito com as folhas de mate amargo trituradas.

Alguns pratos típicos dos outros estados são os seguintes: a feijoada carioca (com feijão preto), no Rio de Janeiro; o cuscuz salgado, conhecido como cuscuz paulista, em São Paulo; e uma grande variedade de produtos derivados do leite (como o famoso queijo de Minas, requeijões, iogurtes, manteigas e doces de leite), além de pães de queijo, biscoitos de polvilho e goiabada cascão, em Minas Gerais. Lá, é apreciado o tutu à mineira e o feijão-de-tropeiro (uma homenagem aos desbravadores de sertões que inclui feijão, toucinho e carne-de-vento

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ou seca, acompanhados por farinha de mandioca). E, no Espírito Santo, são populares os pratos de peixe preparados com urucum, assim como a moqueca capixaba.

Devido às características cosmopolitas do Sul e do Sudeste, é possível encontrar nessas regiões uma grande variedade de culinárias: italiana, japonesa, chinesa, coreana, vietnamita, alemã, húngara, francesa, polonesa, russa, ucraniana. A pizza e o macarrão, por exemplo, são heranças dos italianos que já foram incorporadas à alimentação de muitos brasileiros. Os italianos inventaram, inclusive, o salsichão e o espeto corrido.

No Centro-Oeste, predominam os pratos à base de carne, devido aos grandes rebanhos. É comum o consumo de peixes de água doce, aves e caça do Pantanal, frutas do cerrado (como o pequi) e erva-mate.

Encontra-se, hoje, na culinária brasileira, inúmeros pratos que utilizam o leite de coco, o azeite de dendê, a farinha de mandioca, o sal, as pimentas, as frutas, as moquecas, os assados, os guisados, os doces, os sucos, enfim, dezenas de ingredientes e de modos de fazer que moldaram a chamada cozinha tradicional do País.

Fonte: VAINSENCHER, Semira Adler. Culinária brasileira. Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://www.fundaj.gov.br>.

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 18

Leiam o texto, reflitam e respondam: “você trocaria o Fast Food pelo Slow Food”?

O nome Slow Food é uma forma irônica de dizer não ao fast food. Slow Food significa um modo de vida sem pressa começando pela mesa. ”É inútil forçar os ritmos da vida. A arte de viver consiste em aprender a dar o devido tempo às coisas”. É o direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de maneira que respeite tanto o meio ambiente, quanto as pessoas responsáveis pela produção dos produtos. O Slow Food está comprometido com a proteção dos alimentos tradicionais e sustentáveis de qualidade; na conservação de métodos de cultivo e processamento; e na defesa da biodiversidade- espécies cultivadas e silvestres. Alimentar-se é um ato agrário e consumidores informados e exigentes se tornam coprodutores. Estes, pela sua busca constante de informação, realizam escolhas claras e conscientes, que possuem um efeito ativo no processo de produção. Para eles o alimento torna-se: BOM, LIMPO, JUSTO.

• BOM: significa apetitoso e saboroso, fresco e capaz de estimular e satisfazer os sentidos.

• LIMPO: significa produzido sem exigir demais dos recursos da terra, seus ecossistemas, meio-ambiente e sem prejudicar a saúde humana.

• JUSTO: significa a justiça social, com pagamentos e condições justas para todos os envolvidos no processo, desde a produção até a comercialização e consumo.

Seu objetivo inicial era de apoiar e defender a boa comida, o prazer gastronômico e um ritmo de vida mais lento. Mais tarde, esta iniciativa foi ampliada para abranger a qualidade de vida e como consequência lógica a própria sobrevivência do planeta em que vivemos. O Slow Food está crescentemente compromissado com a proteção, preservação, análise e uso do conhecimento tradicional nos campos da agricultura e no processamento de alimentos, dando atenção particular às atividades executadas em colaboração com os habitantes dos locais e na captação de recursos.

1. O MOVIMENTO

SlowFood é um movimento internacional fundado por Carlo Petrini em 1986, com sede em Bra na Itália. Esta cidade está localizada numa área famosa pelos seus vinhos, pelas trufas brancas, queijos e carne bovina. Atua na Itália, França, Japão, Alemanha, Suíça, USA, Reino Unido, Brasil etc. O SlowFood segue o conceito da ecogastronomia reconhecendo as fortes conexões entre o prato e o planeta. Todos têm o direito ao prazer de comer bem e manter a tradição e cultura culinária, para dar sentido a este prazer. Dá importância ao alimento sazonal, favorece a sensibilidade do gosto e luta pela preservação e o uso sustentável da biodiversidade proporcionando a convivialidade.

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Apoia um novo modelo de agricultura menos intensiva e mais saudável e sustentável, levando em conta o conhecimento das comunidades locais em harmonia com o ecossistema que as cercam, atingem a todos inclusive às regiões mais pobres do planeta. SlowFood concorda com os princípios por trás da agricultura orgânica, no entanto a certificação orgânica por si só, não deve ser considerada como um sinal de confiança de que o produto é produzido de forma sustentável. O SlowFood trabalha para garantir que sejam bons, limpos e justos. Além da comida, a música, o artesanato, os idiomas, os costumes, as histórias, e as lendas precisam ser revistas como parte ativa de nossa sociedade e economia. O SlowFood em colaboração com os ambientalistas, pesquisadores, cozinheiros, políticos, produtores e qualquer um que queira se juntar a nós (eles) terá ideias e comportamentos criados para promover a sustentabilidade, beleza e a felicidade, certos de que o planeta é a única fonte de vida e prazer para nós mesmos e todos os nossos contemporâneos e as gerações futuras.

2. O MANIFESTO O movimento SlowFood é uma associação internacional, sem fins lucrativos, fundada em 1986 como resposta aos efeitos padronizantes do FastFood. O movimento conta com mais de 100 mil associados de 132 países, conjugando o prazer e a alimentação com consciência ambiental e responsabilidade social.

O manifesto do movimento é transcrito abaixo:

"O nosso século, que se iniciou e tem se desenvolvido sob a insígnia da civilização industrial, primeiro inventou a máquina e depois fez dela o seu modelo de vida.

Somos escravizados pela rapidez e sucumbimos todos ao mesmo vírus insidioso: a Fast Life, que destrói os nossos hábitos, penetra na privacidade dos nossos lares e nos obriga a comer FastFood.

O Homo sapiens, para ser digno desse nome, deveria libertar-se da velocidade antes que ela o reduza a uma espécie em vias de extinção.

Um firme empenho na defesa da tranquilidade é a única forma de se opor à loucura universal da Fast Life.

Que nos sejam garantidas doses apropriadas de prazer sensual e que o prazer lento e duradouro nos proteja do ritmo da multidão que confunde frenesi com eficiência.

Nossa defesa deveria começar à mesa com o SlowFood. Redescubramos os sabores e aromas da cozinha regional e eliminemos os efeitos degradantes do FastFood.

Em nome da produtividade, a Fast Life mudou nossa forma de ser e ameaça nosso meio ambiente. Portanto, o SlowFood é, neste momento, a única alternativa verdadeiramente progressiva.

A verdadeira cultura está em desenvolver o gosto em vez de atrofiá-lo. Que forma melhor para fazê-lo do que através de um intercâmbio internacional de experiências, conhecimentos e projetos?

SlowFood garante um futuro melhor. SlowFood é uma ideia que precisa de inúmeros parceiros qualificados que possam contribuir para tornar esse (lento) em um movimento internacional, tendo o pequeno caracol como seu símbolo."

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3. FILOSOFIA DO MOVIMENTO

É baseada na crença de que todos têm o direito fundamental ao prazer de comer bem e que juntamente possuímos a responsabilidade de defender as heranças culinárias, as tradições e culturas que tornam o prazer de alimentar-se possível. Seguindo o conceito a partir da ecogastronomia, o movimento conjuga o prazer da alimentação com a consciência e responsabilidade diante do reconhecimento das fortes conexões entre prato e mundo. Bom, limpo e justo são três palavras que podem definir bem como o movimento acredita que o alimento deve ser. É importante que tenha bom sabor, que seja cultivado de maneira limpa sem prejudicar nossa saúde, o meio ambiente ou os animais e que possua valor justo para os produtores pelo trabalho realizado.

4. MISSÃO As atividades da associação visam defender a biodiversidade, divulgar a educação do gosto e unir aos co-produtores aqueles que têm produtos de excelência.

• Defesa da Biodiversidade. • O prazer de saborear boa comida e bebida de qualidade deve ser combinado com o

esforço para salvar os inúmeros grãos, vegetais, frutas, raças de animais e produtos alimentícios que correm perigo de desaparecer devido ao predomínio das refeições rápidas e do agronegócio industrial.

• Educação do gosto. • Despertando e treinando nossos sentidos na redescoberta do prazer de saborear um

alimento e na compreensão da importância de conhecer sua origem, quem o produz, como é feito, unindo produtores e co-produtores.

• Organização de feiras, mercados e eventos locais e internacionais para apresentar produtos de excelência e para oferecer aos consumidores (co-produtores) atentos à oportunidade de conhecer os produtores.

5. IDENTIFICAÇÃO: (QUEM SOMOS?) Tem o caracol como símbolo porque ele se movimenta lentamente e vai comendo calmamente durante seu ciclo de vida. Uma associação internacional sem fins lucrativos, como resposta aos efeitos padronizantes do FastFood, ao ritmo frenético da vida atual, ao desaparecimento das tradições regionais, ao decrescente interesse das pessoas na sua alimentação, na procedência e sabor dos alimentos e em como nossa escolha alimentar pode afetar o mundo. Somos hoje escravos da velocidade, e sucumbimos todos à Vida Fast (vida acelerada), que destrói nossos hábitos, invade a privacidade de nossos lares e nos força a nos alimentarmos dos FastFood. Uma firme defesa do prazer natural silencioso é a única maneira de se opor à tolice universal da Vida Fast. Nossa defesa deve começar à mesa com SlowFood, redescobrindo os sabores e desfrutando da cozinha regional, banindo os efeitos degradantes do FastFood.

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O SlowFood quer despertar os nossos sentidos: olfato, tato, paladar, visão, audição, para que redescubramos as alegrias do comer, entender a importância da origem dos alimentos, quem os produz e como é preparado. Enfatiza que o alimento também significa prazer, cultura e convívio além das qualidades nutricionais que devem combinar o esforço para salvar os inúmeros grãos, vegetais, frutas, raças de animais e produtos alimentícios que correm risco de desaparecer.

6. ECOGASTRONOMIA União entre a ética e o prazer da alimentação. • Restituir ao alimento sua dignidade cultural favorece a sensibilidade do gosto e luta

pela preservação e uso sustentável da biodiversidade. • Devemos respeitar os ritmos das estações e da convivialidade. • Apoia um novo modelo de agricultura, que é menos intensivo e mais saudável e

sustentável, com base no conhecimento das comunidades locais. Este é o único tipo de agricultura capaz de oferecer formas de desenvolvimento para as regiões mais pobres do nosso planeta.

• Luta para defender a biodiversidade de variedades sejam elas cultivadas ou selvagens, e proteger os locais de convívio que formam a herança cultural ao seu valor histórico, artístico e social. É por isso que o SlowFood foi definido como um movimento de ecogastrônomos.

7. EDUCAÇÃO DO GOSTO As habilidades das pessoas deterioraram-se significativamente nos últimos tempos. Tato, paladar e olfato, três sentidos importantíssimos na alimentação, pioraram muito graças às pressões diárias da falta de tempo e velocidade. Isto tem nos privado das faculdades que podem nos dar um conhecimento mais profundo, variado e autêntico do mundo a nossa volta. Diante destes fatos o SlowFood possui como elemento vital da filosofia o (re)treinamento dos sentidos e da percepção visando principalmente os jovens, pois estão correndo sérios riscos de perder a noção do que significa comer, assim como sua ligação com a região e o relacionamento com a sazonalidade. A educação sempre teve um papel importantíssimo no que fazemos. Através de estimulação e treinamento dos sentidos, o SlowFood ajuda as pessoas a resgatarem as alegrias de comer e também entenderem a importância de se preocuparem com a origem dos alimentos, quem os produz e claro, como são preparados. O projeto tem como objetivo principal, educar os jovens para desenvolver suas habilidades sensoriais e, ajudá-los a entender a importância do alimento como parte integral e diária da cultura e da sociedade. O movimento não se limita a simples classificações das qualidades nutricionais, mas enfatiza também que o alimento é gerador de fontes de prazer, cultura e convívio. Acredita-se na necessidade da Educação do Gosto como a melhor aliada no combate a má qualidade e adulteração dos alimentos. Sendo a principal forma de combater a invasão do FastFood em nossa dieta ajudando a preservar as cozinhas regionais, os produtos tradicionais e as espécies vegetais e animais em risco de extinção.

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8. CONVIVIUM

O Convivium é uma palavra Latina que significa “um festim, entretenimento, um banquete”, já o SlowFood usa este nome para nomear seus grupos locais. A expressão local da filosofia do SlowFood é a “Nossos Convivia”, pois assim, eles conseguem articular relações com os produtores, fazem campanhas para proteger alimentos tradicionais, organizam degustações e palestras, encorajam os chefs a usar alimentos regionais, indicam produtores para participar em eventos internacionais e lutam para levar a educação do gosto às escolas. Desta forma, passam a cultivar com gosto ao prazer e à qualidade de vida no dia-a-dia. Existem várias formas do aprendizado em um Convivium: como uma visita a um pomar ou sítio local, ou mesmo através de degustações de alimentos e bebidas, como também recebendo um convidado para uma palestra ou um produtor local para um jantar. Já em outro nível local, os convivia aproximam produtores e consumidores e apoiam produtores da Arca, Fortalezas e Comunidades do Alimento Terra Madre. Hoje em dia já existem cerca de 850 convivia SlowFood pelo mundo afora. As atividades dos convivia divulgam por todo o mundo a filosofia do movimento e conectam os produtores de alimentos à grande rede SlowFood. Mediante isto, qualquer um dos nossos 80.000 associados ao redor do mundo faz parte de um Convivium, e todos os associados podem participar dos nossos eventos dos convivia em qualquer parte do mundo.

9. ARCA DO GOSTO A Arca do Gosto é um tipo de catálogo mundial que identifica, localiza, descreve, além de divulgar sabores quase esquecidos de produtos ameaçados de extinção, mas ainda vivos, com potenciais produtivos e comerciais reais. O seu maior objetivo é documentar produtos gastronômicos especiais, que estão em risco de desaparecer. Este catálogo foi criado em 1996, ocorreu espontaneamente com mais de 900 produtos, e dezenas de países foram integrados à Arca, assim, o catálogo constitui um recurso para todos os interessados em recuperar raças autóctones e aprender a verdadeira riqueza de alimentos que a terra oferece. Foram criados alguns critérios para selecionar os produtos para a Arca, que são: qualidades gastronômicas especiais, ligação com a área geográfica local, produção artesanal e com ênfase na sustentabilidade e no risco de extinção. A partir desses critérios, foram estabelecidos que deveria haver uma comissão para que pudessem conseguir catalogar os produtos para a Arca. O trabalho se mostrou efetivo e começou a se espalhar pelo mundo afora. No Brasil existe desde 2006.

10. FORTALEZAS Mediante o trabalho de catalogação da Arca do Gosto, o programa das Fortalezas foi o próximo passo, mas esse não é necessariamente um passo automático. Pois, para reconhecer e promover um produto é necessário juntar os produtores remanescentes e divulgá-los, além de ajudá-los a comunicar e publicar a alta qualidade gastronômica de seus produtos, assegurando preços rentáveis. Diante disto, as mudanças estruturais são necessárias, como a construção de uma unidade de processamento e a renovação da estrutura. Outras vezes, um único projeto não é suficiente, e diferentes ações devem ser planejadas para que possam manter uma cadeia de produção

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específica. Os projetos das Fortalezas estão focados em uma área geográfica específica, ou seja, em um território específico. Podem, por exemplo, envolver desde um único produtor de queijo até milhares de agricultores. Já são mais de 200 Fortalezas na Itália, protegendo uma vasta gama de produtos diferentes. Com as primeiras 75 Fortalezas internacionais o universo do SlowFood expandiu-se para incluir a biodiversidade do mundo - do Arroz Bario da Malásia, passando pela baunilha Mananara de Madagascar, o café da Guatemala e o Queijo Oscypek polonês. As Fortalezas, portanto, são projetos concretos de desenvolvimento da qualidade dos produtos nos territórios, envolvendo diretamente os pequenos produtores, técnicos e entidades locais. Pois, são pequenos projetos dedicados a auxiliar grupos de produtores artesanais e preservar os produtos artesanais de qualidade. Desta forma, as estratégias das Fortalezas variam conforme os projetos e os produtos, e vão desde aproximar produtores, coordenar a promoção e estabelecer guias de autenticidade, a um investimento direto em equipamentos para os produtores. As Fortalezas SlowFood podem trabalhar de modos diferentes, mas os objetivos são os mesmos: promover os produtos artesanais; estabelecer padrões de produção com os produtores para assegurar a qualidade do produto e, acima de tudo, garantir a viabilidade futura para os produtos tradicionais.

11. COMUNIDADES DO ALIMENTO TERRA MADRE Esta iniciativa SlowFood reúne comunidades do alimento que trabalham pela sustentabilidade de seus produtos alimentares, pela qualidade que confere sabor excepcional e pelo respeito ao ambiente e ao povo. A primeira edição da Terra Madre ocorreu em outubro de 2004 em Turim, que foi um encontro mundial das comunidades do alimento. E em cada edição, que ocorre a cada dois anos, os delegados participam de oficinas e painéis de discussão voltados para os problemas encontrados no dia-a-dia assim como temas mais amplos, como a biodinâmica e a engenharia genética. Nesta modalidade de SlowFood, existem aproximadamente 5000 delegados representando 1200 comunidades do alimento de 130 países participaram do Terra Madre, incluindo agricultores, pescadores, processadores, distribuidores, cozinheiros e especialistas agrícolas, e a cada ano o Terra Madre cria novas redes entre os produtores de alimentos de todo o mundo e o SlowFood continua a cultivá-las . Agricultores, produtores e distribuidores desde então organizaram encontros menores, páginas eletrônicas para trocar ideias e trabalharam para vender e promover seus produtos internacionalmente. SlowFood também está trabalhando com as comunidades para criar projetos de pequena escala.

12. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente texto buscou esclarecer o movimento SlowFood, que prega o retorno aos valores tradicionais. Discutiu-se que muitas questões cruciais passam pela relação do homem com o alimento, como a criação de relações sociais, a definição de identidades sociais e culturais e o próprio comportamento de um modo geral. Assim, ficou claro que parte importante da vida e do desenvolvimento humano se deu ao redor de uma mesa de refeição.

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O processo de industrialização alterou para sempre a vida humana. O ritmo cada vez mais acelerado, exigindo respostas rápidas por parte de todos, bem como o conforto e a praticidade trazidas pelos produtos industrializados provocaram mudanças em todas as esferas da vida humana e elas foram especialmente significativas no campo da alimentação. As refeições, quando ainda feitas na esfera do lar, passaram a ter uma presença cada vez maior de produtos pré-processados ou mesmo já prontos. No entanto, a rua, na figura dos restaurantes, lanchonetes e principalmente, das cadeias de comida rápida, passam a ser cada vez mais o lugar da refeição. Paralelamente, as relações comerciais mais amplas no mundo todo, permitem a oferta de produtos alimentícios oriundos das mais diversas regiões do mundo, acabando com o caráter restritivo do regionalismo e da sazonalidade, que marcou a alimentação por tantos anos. Muitos estudiosos argumentam que a combinação destes fatores tem gerado uma homogeneização do gosto com a padronização dos hábitos alimentares, o que acabará por destruir os regionalismos e a própria identidade cultural de povos inteiros. Outros argumentam que a globalização permite a pluralidade ou até mesmo a reforça, de modo que não se constitui em ameaça para os produtos típicos ou regionais, mas, ao contrário, no seu fator de atração. Neste contexto mundial, surge o movimento SlowFood, que busca expandir para o mundo, a partir de sua base na Europa, seus conceitos de retorno à tradição, à diminuição do ritmo da vida, de valorização da comensalidade, dos produtos típicos, regionais e artesanais, da enogastronomia e do turismo ligado à gastronomia, entre outros, através de uma rede de associados no mundo inteiro e da realização de ações específicas, muito ligadas à educação dos consumidores. Pretende ainda mostrar um caminho de desenvolvimento sustentável através da defesa da biodiversidade, do apoio a métodos tradicionais de produção e do repúdio aos produtos transgênicos. O movimento SlowFood não está sozinho. Ao mesmo tempo em que surgem outros movimentos que tentam mostrar ao homem como melhorar sua relação com o tempo e desfrutar a vida, surgem também movimentos que incentivam o homem a olhar com atenção para sua relação com ao alimento e o meio ambiente. O importante é perceber, ainda que estes movimentos todos não tenham conseguido alterações de atitude em nível mundial, que eles são o indício de que o homem finalmente está olhando para si e para sua relação com o ecossistema. Após tanto tempo com o foco voltado para a produtividade, a velocidade, para a maximização do lucro (ainda que estas também sejam questões muito relevantes), o homem começa a perceber que o prazer, seja ele do alimento ou do convívio, é igualmente importante para sua vida, como já tinha percebido Brillat-Savarin há quase dois séculos. Neste momento, por diferentes motivos até mesmo o McDonald ́s se rende às demandas da saúde e necessidade de preservação do ambiente. Estratégias são adotadas para que produtos sejam comercializados de acordo com o perfil de um consumidor cônscio de sua responsabilidade social e comprometimento com a qualidade de vida.

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BIBLIOGRAFIA: SAVARIN, Brillat. A Fisiologia do Gosto. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. WEINER, Sarah. O Manual SlowFood. Tradução de Loreta Sardo. 2 ed. SlowFood, 2005 MIELE, Mara. The SlowFood Movement. European Society for Agricultural and Food Ethics.Newsletter vol4, n 3, 2002. ANSILIERO, Giuliana. Monografia. Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília. Brasília, DF, 2006. Fontes midiáticas <http://www.slowfood.com>, acesso em 05 de março de 2012. <http://teatrofellini.webnode.com.br/amarcord-ristorante/filosofia-slow-food/>, acesso em 08 de março de 2012.

Prof. Tibério Alfredo Silva

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História da Alimentação – Professor Tibério Alfredo Silva – 2014 – Texto 19 Leitura Complementar HISTÓRIA DA GASTRONOMIA – O garfo e a faca 1. INTRODUÇÃO

Até o século XI, quase todo mundo comia com as mãos. Os mais educados eram aqueles que usavam apenas três dedos para levar o alimento à boca. Registra-se a chegada do garfo na Europa, em Veneza, em meados do século XI. A princesa Teodora, filha de Constantino VIII Imperador do Oriente, que veio de Constantinopla para casar com o Doge de Veneza Domenico Selvo trouxe um garfo de ouro com dois dentes, como o qual comia frutas cristalizadas. Esse primeiro garfo foi considerado uma heresia: o alimento, fornecido por Deus era sagrado e tinha de ser comido com as mãos. Mas, pouco a pouco, membros da nobreza e do clero foram adotando o talher. Pouco depois a população dessa cosmopolita cidade da época assimilou o garfo. Esse costume se espalhou para Milão e Florença e daí para o resto da Europa. O talher já era bem conhecido na Itália do século XV. O hábito demorou a pegar entre a população: com mais dentes, o espeto só se tornou popular mesmo no século XIX. Já a faca é o mais antigo dos talheres: foi o Homo Erectus, que surgiu na Terra há 1,5 milhão de anos, quem criou o primeiro objeto cortante, feito de pedra, para caça e defesa. Desde então, o homem sempre carregou uma faca. Na Idade do Bronze, que começou por volta de 3000 a.C., ela passou a ser feita com esse metal e a mesma faca que servia para matar era usada também para descascar frutas. O primeiro a sugerir que cada homem deveria ter um talher para ser usado exclusivamente à mesa foi o cardeal francês Richelieu (1585-1642), um fervoroso defensor das boas maneiras, por volta de 1630. 2. O GARFO 2.1. EVOLUÇÃO DO GARFO Na Idade Média, o garfo era fabricado somente com duas pontas (dentes). Era considerado um objeto raro e luxuoso, com alça de cristal ou marfim. Na França, por volta do Século XVII, comia-se se valendo dos dedos. O famoso escritor de obras sobre literatura e religião, Erasmo de Roterdão (Desiderius Erasmus Roterodamus) recomendava pegar a carne “com três dedos”, por ser um gesto mais elegante. No Século XVI, coube à rainha Catherine de Medicis introduzir o uso do garfo. O filho dela, Henrique III, ao ser convidado a participar de uma festa oferecida pelo Duque de Veneza, ficara intrigado com um utensílio disposto na mesa, o qual já era utilizado na cidade italiana de Veneza desde o Século XI e desconhecido por ele. Tratava-se de um objeto com alça finamente trabalhada em chifre, marfim ou pedra, com duas pontas afiadas. Inicialmente, o garfo se apresentava sob um nome pomposo de “forchetta” (equivalente em francês a fourchette).

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O engenhoso acessório foi apresentado ao rei com a dupla intenção de pinçar a carne de maneira elegante, do que fazê-lo com os dedos, ou a ponta da faca, a fim de evitar manchar o lenço engomado com preguinhas, usado na altura do pescoço segundo a moda de época. Na verdade, este utensílio servia pouco na mesa, facilitava o corte da carne, permitindo liberar pequenos pedaços da mesma da panela, macarrão, pastas de frutas secas e bombons com a finalidade de evitar sujarem-se os dedos. Levou bastante tempo para que se difundisse o uso do garfo de dois dentes. O primeiro avanço à mesa foi a utilização de erguer-se a comida no prato, ou pinçar a carne. O uso do garfo para levar os alimentos do prato à boca iniciou-se somente no final do Século XVIII. Entre sua introdução na Europa e o final do século XVII, historiadores datam de 1640 surgiu o terceiro dente. O quarto dente teria surgido na segunda metade do século XVII (1680) para atender ao Rei Fernando II das Duas Sicílias (Fernando de Bourbon), o qual não gostava dos fios longos de espaguete escorregarem nos garfos de três dentes. Os garfos clássicos foram fabricados com materiais preciosos: prata; ouro; vermeil (prata dourada que se emprega em baixelas e vários artefatos e cutelaria); e decorados com figuras ou cristais. No Século XVIII, os garfos e facas foram ricamente fabricados, criando o hábito nobre de que os convidados levassem os próprios utensílios para a mesa de banquete. Houve, então, o surgimento das regras de etiqueta para os alimentos que podiam ser levados à boca usando-se a mão. Ficara restringido ao: pão, frutas, amêndoas, e ostras. Foram denominadas como regras do savoir vivre, impressas e difundidas, e reinando até aos dias atuais. 2.2. GARFO NÃO É TRIDENTE Tridente, garfo ou forcado é uma arma branca antiga que se assemelha a uma lança, mas com duas, três ou mais lâminas ou ponteiras que acabam por enfraquecer o poder penetrante da lança (quando não há a armadura), sendo aperfeiçoado para uso nas legiões romanas (durante o domínio romano da Grécia), com a transformação do terminal do cabo ou empunhadura numa lâmina ou agulha penetrante, semelhante à lança de arremesso (imprópria para a cavalaria). Essa arma branca antiga era também muito usada na guerra, pela infantaria (a cavalaria não costumava usá-la) tanto na versão grega como na versão legionária romana, como também nos circos ou arenas romanas pelos gladiadores; juntamente com a sua lança (de arremesso) e o gládio; eram usadas também conjuntamente com as redes, escudos, maças de arremesso (conjunto de três cordas que partiam de um centro que as unia, com três esferas de pontas de metal nas extremidades), esses com objetivo de paralisar ou distrair a atenção do inimigo no combate, para espetá-lo com o tridente em pontos vitais, porém essa arma branca antiga não costumava matar, só paralisar; para então, varar, atravessando a armadura, pois o gládio era a única arma que realmente varava a armadura de bronze naquele tempo. Por vezes remetendo diretamente ao cetro mitológico de Netuno, o senhor dos mares de acordo com a mitologia romana (equivalente ao deus Poseidon, na grega), senhor guardião e protetor dos mares e súdito e paralisador de ânimo dos inimigos de Zeus ou Júpiter.

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Além de Netuno, pode caracterizar ainda outros personagens mitológicos como os tritões, e entidades bíblicas como o próprio diabo ou demônios inferiores, que provocavam a desestabilização no Olimpo. 3. FACAS 3.1. SURGIMENTO E HISTÓRIA DA FACA Não nos referimos ao instrumento cortante usado como arma, nem ao das disputas esportivas ou mesmo ao das cerimônias de magia. Às refeições, a faca precedeu a colher, descendente da concha, invólucro natural dos moluscos, e o garfo, derivado do espeto, último a ser agregado ao trio. Possui função genial apesar de destruidora. Usamos a faca para cravar, desossar, cortar e picar. Há milênios exploramos sua versatilidade. No manuseio das carnes, tornou-se preciosa. Quando não existia, tínhamos que nos virar. Recorríamos a pedaços de pedra ou osso, dotados de ponta fina ou face afiada. O instrumento cortante com o qual comemos atualmente apareceu na Idade do Bronze - a fase de desenvolvimento da cultura material humana posterior à Idade da Pedra, cujo início variou conforme a região, mas que na Ásia Menor teria começado seis mil e quinhentos anos antes do nascimento de Cristo. Inúmeros povos assimilaram rapidamente a faca. No livro In punta di forchetta (Idealibri, Milão, 1988), Ingeborg Babitsch e Mariarosa Schiaffino assinalam que, até ali, o talher praticamente se resumia à faca. Cada homem tinha a sua. Transportava-a na cintura, às vezes numa bainha paralela à da espada. Os modos eram grosseiros. Com uma das mãos, o comensal levava um pernil à boca; com a outra, empunhava a faca e cortava a carne junto aos dentes. Falamos de um utensílio precioso que comporta variações de tamanho e formato conforme a função. Na cozinha moderna, encontramos facas para descascar, tornear, cortar e decorar legumes e frutas; para filet de peixe, sashimi e abrir ostra; para limpar a carne, desossar, cortar ossos, retirar nervos ou gorduras, preparar fiambres e a de uso pessoal do chef. À mesa, existem facas para manteiga, primeiro e segundo pratos, peixe e sobremesa. Sem contar a destinada ao pão - e aí por diante. Os fios das lâminas também variam. Os mais finos propiciam cortes suaves; os de serrinha se prestam aos ingredientes de exterior ou casca resistente. Quanto à ponta, continua fina em certos modelos de cozinha. Na de mesa se encontra arredondada há muito tempo, exceto na utilizada em grelhados. A faca deixou de ser usada ocasionalmente para espetar bocados de comida e introduzi-los na boca. Antoine Furetière (1619-1688), autor do célebre Dicionário Universal e uma das línguas mais venenosas da França, afirmou que o Cardeal Richelieu, primeiro-ministro de Luís XIII, era adepto do antigo formato por uma razão particular. Teria mandado afinar a ponta de suas facas depois de ver seu chanceler limpar os dentes com aquele instrumento, por julgar o gesto elegante. Entretanto, durante as refeições, invariavelmente pegava os alimentos com os dedos. A faca chegou ao ápice do refinamento na Idade Média e Renascença. Quanto mais trabalhada maior o status conferido ao dono. A cutelaria - arte de fabricar instrumentos de corte - alcançou notável desenvolvimento na Itália, Alemanha, França e Espanha. Apesar de já existir a colher, a faca continuava a reinar no serviço da mesa. No século 15, o flamengo Dirck Bouts pintou a visita de Jesus a Simão, um dos poucos fariseus que buscou sinceramente conhecê-lo melhor. O episódio é narrado no Evangelho de São Lucas (7.36-50). Entretanto, em vez de reproduzir o ambiente do tempo de Jesus, o artista preferiu o de sua época. Ilustrativamente, a única peça do talher colocada sobre a mesa é a faca.

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A lâmina recebia tratamento esmerado, mas os cabos roubavam a cena. Eram de ébano, marfim, porcelana da China ou cerâmica vidrada de Delft, cidade da Holanda famosa pelas suas faianças, e ostentavam pedras preciosas. Personalizados com esculturas ou baixos-relevos, exibiam as armas dos proprietários, cenas históricas ou episódios bíblicos. No século XIV, os reis da França tinham facas adequadas ao calendário religioso. As que possuíam cabos escuros, em ébano, eram usadas na Quaresma, os 40 dias entre a quarta-feira de cinzas e o domingo de Páscoa; se combinassem essa madeira com o marfim, serviam para Pentecostes, festa católica celebrada 50 dias depois da Páscoa, em comemoração à descida do Espírito Santo sobre os apóstolos. Agora, dispor do talher completo e saber usá-lo corretamente reflete civilização à mesa. Mas, como sublinham os autores de In punta di forchetta, esse conceito vale para o Ocidente. Em determinados recantos do mundo povos igualmente civilizados dispensam o conforto. Chineses, japoneses, coreanos e vietnamitas preferem o hashi, formado por dois pauzinhos de madeira. Árabes, indianos e africanos ainda enfiam os dedos em pratos e bandejas. Na Grécia, uma das mais avançadas civilizações da Antiguidade, fazia-se o mesmo. Entre uma iguaria e outra as pessoas lavavam as mãos em água perfumada. Na Roma Imperial, a faca continuava dominante. Mas, nas refeições das casas abonadas e banquetes solenes, começaram a surgir novos talheres. 3.2. CURIOSIDADE As facas mais caras da atualidade são assinadas por Buster Warenski um norte americano que mesclava cutelaria com joalheria, a sua criação mais famosa e sofisticada chama-se a Gema do Oriente que levou 10 anos para ficar pronta, é feita de ouro cravejada por esmeraldas e diamantes em seu cabo e custa um pouco mais de dois milhões de dólares. Conheça o site em http://www.warenskiknives.com/