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  • 02 Marcelo Tomazi 10.02.10 19:41 Page 42

  • Enquanto compreende avanos cientficos, o homem busca compreender a si

    mesmo. Partindo da citao de Carl Sagan, vemos que a Arte um dos cami-

    nhos para a humanizao, e os vnculos entre cincia (tecnologia) e arte so

    cada vez mais estreitos. Um dos artistas que melhor trabalham dentro do nicho

    conhecido como arte tecnolgica Eduardo Kac. Sua trajetria inicial apre-

    sentada aqui, dos holopoemas arte da telepresena. Vemos o artista-teri-

    co completo, profundo conhecedor da histria da arte eletrnica. O livro Luz &

    letra: ensaios de arte, literatura e comunicao, sua obra de referncia, apre-

    sentado em essncia, situando-se sua importncia. uma das poucas obras no

    Brasil a discutir, pela tica de quem fez parte, eventos ligados ao advento da

    arte tecnolgica nos anos 1980.

    In our quest to understand scientific advances, we seek to understand ourselves.

    Employing Carl Sagan's insight as a departure point, we see that art is one of the

    paths for humanization and that the links between science (technology) and art

    are increasingly narrow. One of the artists who best works within the realm

    known as art and technology is Eduardo Kac. This essay explores Kac's early

    artworks, starting with holopoems and arriving at telepresence art, and

    especially his texts. We see a complete artist-theorist, with an unrivaled knowl-

    edge of electronic art and literature, in part because his theorizing emerges from

    having actively participated in the creation of the events he refers to. Of special

    interest is Kac's book Light & letter: essays in art, literature, and communication,

    which collects his writings of the 1980s. This is a fundamental work and manda-

    tory reference for the study of the experimental art and literature of the period.

    Um sopro de Luz e Letra em meio ao caos

    Marcelo Tomazi

    palavras-chave: cincia; tecnologia;arte; Eduardo Kac;

    Luz & letra; ciber-arte

    keywords: science; technology;

    art; Eduardo Kac; Light & letter [Luz & letra];

    cyber art

    43 Eduardo Kac, Chaos, 30 X 40 cm, holograma de reflexo de halogeneto de prata, 1986,Coleo MIT Museum, Cambridge, USA.

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  • 3. Parece existir con-senso entre os pes-

    quisadores da histriada computao que a

    primeira mquina apossuir recursos grfi-cos para a visualizaode dados numricos foi

    o Whirlwind I, desen-volvido pelo Massa-chusetts Institute of

    Technology em 1950.As finalidades eram

    acadmicas e possivel-mente militares, pois

    logo em seguida ocomando de defesa

    area dos EUA

    Evidentemente, no h retorno possvel. Querendo ou no, esta-mos presos cincia. O melhor tirar o mximo de proveito dasituao. Quando chegarmos a compreend-la e reconhecermosplenamente a sua beleza e o seu poder, veremos que [...] fizemosum negcio muito vantajoso para ns1.

    Partindo do pressuposto de Carl Sagan, resta-nos agir em buscade tirar proveito do status quo, ou seja, utilizar os avanos cientficos,tendo sido compreendidos ou no, em nome dos passos a serem dados,do dia de amanh. Se estamos imersos, precisamos saber nadar ou, nomnimo, respirar sob as guas o conhecimento leva ao domnio domeio. Porm esse aprendizado lento, mais lento que a sua necessidadede aplicao. Dessa forma, preciso agir, atuar, navegar. Enquanto oconhecimento cientfico incorpora-se prtica e o tempo urge, deve-mos seguir em frente. Mais adiante, nos diz Sagan, compreenderemoso que aconteceu e, otimista, ele afirma que reconheceremos ter feitoum bom negcio. possvel que seja, especialmente porque esperarseria a pior das alternativas. Ao contrrio do que afirma o dito popular,quem espera s alcana a poeira sob os ps. Mas em que medida esseavano cientfico pode ser aproveitado positivamente, humanizandonossos coraes? H diversos caminhos, nem todos bvios ou explci-tos, mas um deles , frequentemente, lembrado com carinho: a Arte.Atravs da arte o homem se v como entidade, como ser em um meio,seja o ambiente ou o cosmo. V a si mesmo, voltando-se para o abismo.Grita e obtm o eco de sua parca voz. Arte e Cincia navegam juntas,desde os primrdios. E no poderia ser diferente: como produzir poti-ca sem a subverso da matria bruta? Como profetizou Sagan, o conhe-cimento no vem antes, vem do processo, do embate ou combate quede toda forma um choque contra algo. Se, independentemente daao ou omisso, no vamos compreender agora, melhor agir comfirmeza de propsitos e fazer da experincia o caminho para o(auto)conhecimento. Diante desse ponto de vista unificador quepoderemos analisar e entender melhor a arte (ou tipo de arte) que dialo-ga com a cincia e com a tecnologia, aproximando-as: a ciber-arte ouarte tecnolgica.

    Diversos autores e artistas voltaram seu olhar para essasconexes2, buscando compreender o novo mundo e, na sequncia oupor consequncia, entender a si mesmos novamente h o voltar-separa o abismo em busca do eco humano. Se desde sempre os avanoscientficos e tecnolgicos, enquanto objeto, assunto, tema, substnciaou combustvel, foram matrias-primas para a arte, os artistas coligadosa essas pesquisas acabavam obtendo certa vantagem estratgica. Pelo

    1. SAGAN, Carl. O mundo assombrado

    pelos demnios: acincia vista como uma

    vela no escuro. SoPaulo: Companhia das

    Letras, 1996, p. 28.

    2. Ou hyperlinks, umajuno de hypertext,o hipertexto, e link,

    elo ou vnculo. O hiper-texto, por sua vez,

    uma forma de apresen-tao ou organizao

    de informaes es-critas em que blocos detexto esto articuladospor remisses (coisasque remetem a outrascoisas), de modo que,

    em lugar de seguir umencadeamento linear enico, o leitor pode for-

    mar diversas sequn-cias associativas, con-

    forme seu interesse.Considerando as mlti-

    plas e distintas liga-es entre cincia e

    arte, esse termo bem-vindo.

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  • menos nos ltimos 50 anos3 os vnculos se intensificaram e as pesquisascresceram e multiplicaram-se enormemente. Artistas do mundo todo seaventuraram a desenvolver trabalhos tericos e/ou poticos nocampo da assim chamada arte-tecnologia (que recebeu outros nomesao longo da histria, porm no nosso foco abord-los). No hespao para citar todos esses artistas, nem seria relevante aqui, mascabe destacar a versatilidade de um deles, o brasileiro Eduardo Kac,exemplificada no livro de sua autoria Luz & letra: ensaios de arte, literatu-ra e comunicao, uma reunio de textos, publicados ao longo dos anos1980, que tinham como objetivo fazer circular ideias, afirmar as basesda sua arte e estabelecer, no espao pblico, o ento novo repertrio danascente cultura digital.

    Kac nasceu no Rio de Janeiro e graduou-se pela Faculdade deComunicao Social da PUC. Sua atuao como artista plstico teveincio no comeo da dcada de 1980, quando fez uma srie de perfor-mances de contedo poltico e satrico em espaos pblicos, como naCinelndia e na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, e nas escadariasda Biblioteca Mrio de Andrade, em So Paulo. Seus primeiros vncu-los com a arte-tecnologia datam de 1982, quando criou seu primeiropoema digital, e 1983, quando criou o primeiro holopoema, ou poemahologrfico, um novo veculo e linguagem expressiva que se apropriavadas tcnicas do holograma4. Em 1985 Kac realizou trabalhos na redevideotexto5, precursora da Internet, e tambm efetivou as primeirasexposies de holopoesia, no Museu da Imagem e do Som (MIS), emSo Paulo, e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio deJaneiro. Sobre o quase esquecido videotexto, Kac diz que o sistema[...], instalado no Brasil pela Telesp em 1982, consiste na ligao entreum aparelho televisor e um banco de dados, localizado em um com-putador de grande porte, atravs da linha telefnica6. Os holopoemasde Kac foram experincias estticas e lingusticas singulares, como elemesmo afirma, em tom proftico, em um texto originalmente publica-do em 1985 e reproduzido no livro Luz & letra:

    Em meus holopoemas, letras tridimensionais esculpidas com raiolaser flutuam no ar. Surgem e desaparecem, mudam de forma e decor, alteram sua posio no espao em funo do ngulo de obser-vao do espectador. nica em suas possibilidades, a holopoesiaprenuncia o futuro em que a escrita deixar de estar enclausura-da no plano do suporte [a Internet, bom que se diga, efetivouesse prenncio, pois hoje se l tanto quanto ou at mais nas telaseletrnicas que nas pginas impressas].7

    Essa transio do poema impresso para o suporte eletrnico,

    desenvolveu um sis-tema de monitoramen-

    to e controle de voosque convertia as infor-

    maes capturadaspelo radar em imagens

    utilizando um tubo deraios catdicos (na

    poca uma invenorecente), para o qual ousurio podia apontar

    com uma caneta tica.Nessa poca os com-

    putadores eram desen-volvidos apenas para

    fazer pesados clculosfsicos e matemticos,

    no sendo prpriospara o uso e desen-volvimento da com-

    putao grfica, setorque interessa aos

    artistas que trabalhamcom imagens.

    4. Resumidamente, uma chapa fotogrfica

    em que so registradasfiguras resultantes da

    superposio dasondas de um feixe de

    radiao com as ondasque foram refletidas

    por um objeto, e que seobtm mediante os

    raios de um dispositivolaser. Inveno do hn-

    garo, naturalizadoingls, Dennis Gabor

    (1900-1979) em 1948.

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    5. Sistema interativo decomunicao, anterior

    Internet, no qual ele-mentos alfanumricose grficos eram trans-

    mitidos de uma centralde computador via

    linha telefnica ou caboe ento eram apresen-

    tados na tela de umaparelho televisor

    ou monitor de com-putador medida que o

    usurio solicitava ainformao por meio deum dispositivo de aces-

    so, como o teclado.

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  • historicamente, deu-se com a eletropoesia de Kac (1982-1984), queprevia a apropriao de meios tecnolgicos quaisquer como suportespara poemas de cunho visual. Dessa forma, a eletropoesia est muitomais prxima da msica e das artes plsticas que da literatura8. Odesprendimento da pgina impressa foi uma constante nos movimentosliterrios ao longo do sculo XX e a poesia, que rapidamente vinculou-se s artes plsticas, esteve na vanguarda da discusso. Portanto muitospoetas das letras tradicionais tornaram-se poetas das imagens, como ofrancs Guillaume Apollinaire (1880-1918), com seus poemas-dese-nhos, ou ideogramas, como ele mesmo os denominou.

    Mas voltemos a Kac: em 1986 ele organizou a mostra "BrasilHigh-Tech", na Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio, e foi artista-residente do Museu de Holografia de Nova Iorque, onde aprofundousuas pesquisas de poesia visual em ambiente tecnolgico. Durante todaa dcada de 1980 ele participou de vrias exposies individuais e cole-tivas, principalmente com seus holopoemas, expondo no Rio deJaneiro e em So Paulo, entre outras cidades. Escreveu, igualmente,dezenas de artigos sobre arte eletrnica, literatura e cultura de massa,em sua maioria publicados nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo e Jornaldo Brasil9. Alm de artista, Kac mostrava-se profcuo escritor e terico.Em 1989, mudou-se para os Estados Unidos, onde obteve, em 1990,seu mestrado em artes plsticas na The School of the Art Institute ofChicago, instituio da qual se tornou, mais tarde, professor e diretor doDepartamento de Arte e Tecnologia. Em 2003 concluiu o doutorado noCenter for Advanced Inquiry in the Interactive Arts, na University of Wales

    College, em Newport, Reino Unido.Pioneiro de novas formas e suas correspondentes nomenclaturas para a

    arte, Kac concebeu e desenvolveu projetos inovadores e muitas vezes polmi-

    cos, sangrando limites e propondo novos olhares para a obra e tambm novos

    comportamentos para o pblico que poderia ser coautor10, em certa medi-

    da, e/ou parte da prpria obra. A holopoesia, seu primeiro campo de investi-

    gao na rea da arte-tecnologia, estabeleceu-se firmemente, ao longo dos

    anos de 1980, como uma nova linguagem verbal e visual que explorou as flu-

    tuaes formais, semnticas e perceptuais da palavra/imagem no espao-

    tempo hologrfico11.

    Mais tarde, por volta de 1986, ele props e desenvolveu a arte da tele-

    presena, quando apresentou, tambm na mostra "Brasil High-Tech", um

    rob de controle remoto com o qual os participantes interagiam, conforme ele

    mesmo relata:

    Em meio a holopoemas e hologramas cinticos, um organismo

    6. KAC, Eduardo. Luz &letra: ensaios de arte,

    literatura e comuni-cao. Rio de Janeiro:Contra Capa Livraria,

    2004, p. 112.

    7. Ibidem, p. 37.

    8. Ibidem, p. 275.

    9. Boa parte delesreunidos, como j dito,

    no livro Luz & letra(op. cit.), da coleo N-

    Imagem, organizadapor Andr Parente eCtia Maciel. Anali-

    saremos precisamenteessa obra logo em

    seguida.

    10. Sobre a autoria deartes digitais em rede,

    Nara Cristina Santosdiz que a experincia,

    atravs da rede, s possvel pela coauto-

    ria do interator noentorno digital.

    Tambm podem serconsiderados coautores

    aqueles que acessam a imagem via-Internet

    e que esto interconec-tados. [...] Reside nesta

    experincia o olhar dooutro, que tambm

    o olhar externo e transfigurado... [SAN-

    TOS, Nara Cristina.Arte (e) tecnologia em

    sensvel emergnciacom o entorno digital:

    projetos brasileiros.2004. Tese (Doutoradoem Artes) Curso de

    Ps-Graduao emArtes Visuais, Univer-sidade Federal do RioGrande do Sul, Porto

    Alegre, 2004, p. 337]. Apesquisadora refere-se

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  • eletrnico dialoga com um rob humanoide, para espanto de cen-tenas de seres humanos que se acotovelam na Galeria de Arte doCentro Empresarial Rio, na fatdica noite de 07 de abril12.

    A arte da telepresena, denominao dada por Kac para taisprojetos, uma nova rea de criao artstica que se baseia no desloca-mento ou na transferncia dos processos cognitivos e sensoriais de umparticipante para o corpo de uma mquina (ou um rob) que se encon-tra em um outro espao geograficamente remoto13, qualquer que seja,ambos interligados por uma conexo ponto a ponto linha telefnicaou telegrfica, satlite, rdio etc. Outra obra de telepresena,Uirapuru, de sua autoria, recebeu o prmio do jri internacional naBienal do InterCommunication Center99, em Tquio.14

    As obras de Kac so exibidas regularmente na Amrica do Sule do Norte, na Europa, na Austrlia e na sia, tendo uma das agendasde exposies mais dinmicas e ativas entre os artistas brasileiros con-temporneos. Contudo, chamar Eduardo Kac de artista brasileiro um tanto desnecessrio e irrelevante. Afastado do Brasil desde 1989,ano em que fixou residncia nos Estados Unidos, Kac no se v comoum artista de territrio:

    Eu no me vejo como um artista americano ou um artistabrasileiro [...]. Rtulos no so muito teis e so frequentementeusados para marginalizar as pessoas. Eu prefiro no estar ligado aqualquer nacionalidade ou geografia particulares. Eu trabalhocom telecomunicaes, tentando romper com essas fronteiras15.

    Ele j publicou textos e ensaios sobre arte e poesia em livros,revistas e jornais de diversos pases, comprovando seu talento e reper-cusso internacional. Tornou-se um dos membros do ConselhoEditorial da revista Leonardo, publicada pelo MIT Press, pela qual vempublicando, desde 1995, uma srie de artigos que documenta a histriada arte eletrnica no Brasil dos anos 1950 at o presente, ou seja, ana-lisa os objetos cinticos e luminosos de Abraham Palatnik, a com-puter art pioneira de Waldemar Cordeiro, a arte xerox de PauloBruscky e de Hudinilson Jr., as videoartes de Anna Bella Geiger,Fernando Cocchiarale, Ivens Machado, Letcia Parente e SniaAndrade, os objetos eltricos e eletrnicos de Mario Ramiro, ovideoteatro de Otvio Donasci e at mesmo as videographics deHans Donner16, entre muitas outras. Como editor-convidado da revistaVisible Language, publicada pela Rhode Island School of Design, publicou,na segunda metade da dcada de 1990, uma antologia chamada New

    11. Conforme dadosbiogrficos publicados

    virtualmente no stiooficial de Eduardo Kac:

    http://www.ekac.org/.

    12. KAC, op. cit., p. 56.

    13. O prefixo tele sig-nifica longe. Por essa

    razo, a arte da tele-presena proposta por

    Kac compreendia ainterao e/ou fruiode uma obra-projeto distncia, ou seja, no

    havia a necessidade doespectador estar em

    frente ao objeto. Este funcionava ou

    era acionado indepen-dentemente de sualocalizao e isso

    podia ocorrer com ouso de um telefone, um

    dispositivo conectado Internet, um

    controle remoto etc.

    47 Marcelo Tomazi

    especificamente aoprojeto Genesis, de

    Kac, mas as afir-maes podem ser

    aplicadas a outros tra-balhos. Nesse caso,

    devemos entendercoautor como um

    agente no nvel da aoda obra, quando ela

    acontece publicamente,quando vivenciada.

    14. Dados extrados dabiografia oficial do

    artista, op. cit. Maisinformaes biogrfi-

    cas e tcnicas sobreKac podem ser obtidas

    na dissertao demestrado O DNA dacriao artstica em

    Eduardo Kac: umaengenharia construtorae reveladora de limites,

    de minha autoria, cujotexto integral pode ser

    acessado no stio:www.bibliotecadigital.ufrgs.br/da.php?nrb=000

    578136&loc=2007&=6168ebcef07544e4

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  • media poetry: poetic innovation and new technologies, sobre as relaes daarte potica com as novas tecnologias. Alm de escrever a introduo daantologia, Kac tambm contribui com um ensaio sobre a holopoesia.Como se pode ver com bastante clareza, trata-se de um artista-escritorcom extensa e incansvel produo, tanto escrita quanto visual.

    Pois uma parte importante dessa realizao terica e textualpode ser encontrada, como j nos referimos, no belo livro Luz & letra:ensaios de arte, literatura e comunicao (isso mesmo, os trs campos, poisKac no se interessa por divises ou nichos, ele v as reas se interli-gando, especialmente em relao s suas obras). um livro referencialpara quem se interessa pelas ligaes, cada vez mais fluentes e visveis,entre arte e tecnologia. Publicada em 2004 pela editora carioca ContraCapa (e ainda no reeditada), a obra rene, pela primeira vez, artigos eensaios de Eduardo Kac publicados originalmente em jornais e revistasde 1982 a 1988. Apesar do pequeno espao de tempo, o volume deuma densidade e abrangncia impressionantes e isso fica claro pelosubttulo. Kac discute obras de sua autoria e da de seus pares, transi-tando com facilidade por estes trs campos: as artes visuais, generica-mente conhecidas, a literatura visual contempornea e os meios decomunicao, inclusive os de uso restrito, como os satlites. Afinal, suaproduo artstica, ao longo de quase toda a dcada de 1980, ocorreudentro da chamada poesia visual, que une as artes visuais literatu-ra, e tambm nas artes acionadas ou com as quais se interage distn-cia; na telepresena. Luz & letra uma obra fortemente autoral, inten-sa e profunda, cuja escrita possui forma talhada cuidadosamente, masao mesmo tempo um estudo histrico de respeito, um dos poucospara essa poca e assunto, pelo menos escritos por quem viveu e fezparte dos eventos.

    Segundo Paulo Herkenhoff, anteriormente diretor do Museude Belas Artes do Rio de Janeiro, curador de bienais de So Paulo e doMuseu de Arte Moderna de Nova Iorque, e tambm autor do prefcio,havia dois livros necessrios para a discusso do campo que aproximaarte e tecnologia: um deles era Luz & letra e o outro, por ser escrito,seria um completo e detalhado documento sobre a produo artsticade Kac17. O livro apresenta-se dividido em quatro sees: artes plsti-cas (que ao longo dos anos 1990 ficaram mais conhecidas como artesvisuais), tecnologia e comunicao, literatura e um anexo intitula-do documentos. Kac retoma artistas pioneiros, como Hudinilson Jr.18,Otvio Donasci19 e Harriet Casdin-Silver20, discute arte xerox, artesatlite e arte high-tech, sempre aproximando a produo potica eplstica dos meios eletromecnicos. Como os escritos foram produzidos

    [SILVEIRA, MarceloTomazi. O DNA da cri-

    ao artstica emEduardo Kac: uma

    engenharia construtorae reveladora de limites.

    2006. Dissertao(Mestrado em ArtesVisuais) Curso dePs-Graduao em

    Artes Visuais,Universidade Federaldo Rio Grande do Sul,

    Porto Alegre, 2006.]

    15. KOSTIC,Aleksandra; DOBRILA,

    Peter Tomaz (Ed.).Eduardo Kac: tele-

    porting an unknownstate. Maribor: Kibla,1998, p. 13. Traduo

    nossa a partir do textooriginal em ingls,escrito por Simone

    Osthoff, intituladoObject lessons. Origi-

    nalmente publicado em World Art, n. 01,

    p. 18-23, 1996.

    16. Sobre o conhecido econtroverso video-

    artista da Rede Globode Televiso, Kac afir-

    mou, em 1985: Em-bora conservadores

    no percebam nada,Hans Donner talvez

    esteja fazendo o me-lhor computer graphics

    do mundo. Suas vin-hetas e aberturas so

    verdadeiras obras-pri-mas com alta comple-xidade de realizao e

    enorme impacto [KAC,op. cit., p. 37].

    48 Marcelo Tomazi ao lado, Amalgam, 10 X 7.5 cm, holograma de reflexo, 1990.

    17. Ibidem, p. 17.

    18. Hudinilson UrbanoJnior (So Paulo,

    1957), artista multim-dia, experimentou

    mltiplas expressesartsticas ao longo de

    sua carreira, comodesenho, pintura,

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  • para peridicos especializados ou catlogos de exposies, as caracters-ticas variam um pouco, porm o enfoque sempre elucidar, apresentare discutir artistas e tcnicas. As artes experimentais e alternativas estosempre presentes, porque interessavam a Eduardo Kac. Desse modo,uma parte do livro reservada a discutir sua produo de arte hologr-fica, ou holopoema, termo que ele mesmo cunhou e defendeu e quehoje referncia para esse tipo de arte.

    Luz & letra mais que um resgate histrico, uma obra pontu-al que assinala prticas e produes efervescentes ao longo de toda adcada de 1980 (e que se estenderam alm dela), no mbito dasrelaes entre arte e tecnologia. Melhor ainda, o tom de algum queviu de perto e fez parte dos eventos. A obra ricamente ilustrada, tor-nando os debates ainda mais consistentes e vivos. A incluso defotografias coloridas e a impresso em papel couch valorizam o produ-to. Vale um olhar mais atento ao captulo Documentos, em que Kacnos presenteia com anexos interessantssimos como um roteiro decinema hologrfico, intitulado Holoscape, e o belo storyboard para Artsat link (este criado com Mario Ramiro), alm de um esboo paraOrnitorrinco, um de seus projetos de telepresena. Por isso e muitomais, Luz & letra marca seu espao e deixa margem para os prximosmovimentos. Aguardemos, pois, que a prxima obra, preconizada porHerkenhoff, venha em seguida. Pois o mundo continua precisando demuito mais Luz e Letra para viver em paz.

    Marcelo Tomazi mestre em Histria, Teoria e Crtica de Arte pela UFRGS e professor doscursos de Design de Produto e Design Grfico na Universidade de Caxias do Sul, RS.

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    arte postal, graffiti,xerografia, perfor-

    mance e intervenesurbanas, nos quais o

    corpo humano masculi-no um tema recor-rente. um dos pio-

    neiros no uso da artexerox no Brasil.

    19. Profissionalmente cengrafo de teatro e

    produtor de eventosespeciais, mas celebri-

    zou-se no terreno daarte-tecnologia pelo

    seu projeto do video-teatro, primeiramente

    por meio de suasvdeocriaturas e pos-

    teriormente com suas performances

    multimdia.

    20. Uma das pioneirasda arte hologrfica:

    Casdin-Silver [] foiuma importante figurano desenvolvimento daarte das instalaes e

    da arte tecnolgica nosanos 60. O trabalho de

    Casdin-Silver reco-nhecido internacional-

    mente e vem sendoexibido repetidas vezes

    nos ltimos 25 anos em museus, galerias e

    universidades nasAmricas, Europa e

    sia, conforme o stiodo Museu e Parque deEsculturas DeCordova,EUA. Traduo nossa apartir do texto Harriet

    Casdin-Silver: the art ofholography, sem auto-

    ria especificada, refe-rente exposio reali-zada de 26 de setembrode 1998 a 03 de janeiro

    de 1999. Disponvel em:http://www.decordova.org/Decordova/exhib-

    it/1998/silver/silver.html. Acesso em:

    22 out. 2008.

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