03/04/2013 Panorama Mercantil
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Postado 3 de abril de 2013 por Eder Fonseca em ArtesOferecido por:
“Minhas pinturas emergem de longas transformações” Panmela Castro-Fundadora da rede feminista NAMI
Com a alcunha artística de Anarkia Boladona, a grafiteira Panmela Castro vem ganhando o
mundo com a sua arte. Seu trabalho aborda de uma forma autobiográfica as relações
estabelecidas, a vivência na rua e a crítica cultural feminista. Pensando em provocar e polemizar
através do processo artístico de convivência com a rua, as verdades instituídas por nossa
sociedade patriarcal, em especial em relação ao corpo feminino, à sexualidade, à subjetividade,
analisando as relações de poder. Retirando a possibilidade restrita da concepção da produção de
obras e colocando a arte como o próprio estilo de vida. Anarkia criou em 2008 o “Grafiteiras Pela
Lei Maria da Penha”, um projeto que usa o graffiti e a cultura urbana, para combater a violência
contra as mulheres. Através deste projeto, realiza junto com outras grafiteiras uma campanha para
educar as mulheres desfavorecidas sobre a Lei Maria da Penha, uma, se não a mais importante lei
sobre a violência doméstica da Constituição brasileira. Para promover os direitos das mulheres,
Anarkia aventurou-se em favelas do Rio de Janeiro, dialogando com mulheres e meninas que
agora estão informadas dos seus direitos, e produzindo murais com mensagens sobre os direitos
das mulheres e a lei. Junto com o grupo que se formou durante o projeto, Panmela fundou a
Nami, rede feminista de artistas urbanas que pensa e discute a situação da mulher na sociedade,
realiza projetos sociais e usa a arte como um instrumento de transformação cultural. Suas
integrantes acreditam que podem tornar o mundo um lugar melhor, usando o grafite para uma
mudança social positiva. Panmela promove sua missão em diferentes lugares do mundo,
compartilhando sua visão através de palestras, exposições e workshops hospedado por festivais,
fóruns e conferências como das Organização das Nações Unidas, da Organização dos Estados
Americanos, da Fundação Rosa Luxemburgo, La Família Ayara, Festival Manifesto, FASE e
Caramundo. Além de produzir murais e expor em diversos países, Anarkia recebeu inúmeros
prêmios e reconhecimentos, incluindo o Prêmio Hutúz, como grafiteira da década em 2010 e o
Vital Voices Global Leadership Awards na categoria de direitos humanos, entrando assim para o
grupo de seletas homenageadas incluíndo a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, a
cambojana pioneira antitráfico de mulheres Somaly Mam, e a ex-secretária de Estado dos Estados
Unidos Hillary Clinton. Em 2012 foi homenageada pela Diller Von Furstenberg Family foundation
com o DVF Awards da famosa estilista Diane Von Furstenberg, junto de outras mulheres como a
bilionária apresentadora de TV Oprah Winfrey, e entrou para lista da famosa revista Newsweek,
como uma das 150 mulheres que estão “Bombando” no mundo. Anarkia continua ativa, intervindo
em toda a cidade e através de participação em manifestações públicas, seminários e projetos
sociais. O seu trabalho político social é a grande inspiração para seu trabalho artístico que
mantém como tema principal a questão das mulheres e o feminismo. Nessa entrevista exclusiva
para o portal Panorama Mercantil, a grafiteira e ativista social, coloca a sua intensa visão de
mundo que resplandece na sua arte.
Panorama Mercantil-Bom Panmela, um grande teórico do sucesso, diz que a obsessão no que se
faz, é o que leva ao êxito. O quanto você tem de obsessão no seu trabalho, a arte do grafite?
Panmela Castro-O dia de hoje (26/03) precede a data de defesa da minha dissertação do mestrado da
UERJ(Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Nesta, cito do Dr. K. Anders Ericsson, um famoso
pesquisador sueco em teoria e experiências sobre habilidades e talentos. Em uma publicação, Ericson
afirma ter medido o tempo de dez mil horas de estudos necessários para alguém destacar-se em alguma
área. Levando em consideração todo o tempo que passei desde a minha infância desenhando papéis, minha
até então considerada “aptidão” estaria justificada diante desta teoria. Um exemplo recorrente de Ericsson
é Mozart: filho de pai professor de música que desde cedo dedicou sua vida a educá-lo. Mozart criança
passava parte do tempo na frente do piano e sua primeira obra-prima foi composta apenas em 1777
quando o músico já tinha 15 anos de treino. Ericsson diz que a questão é aperfeiçoar seu ofício com
treino duro, dolorido, no limite do executável, pois será o treino que te levará à perfeição. Estima-se que
aos 6 anos Mozart já tivesse estudado piano durante 3.500 horas. Quer dizer, ele não era talentoso, era
assustadoramente dedicado. Minha mãe treinava-me para ser a melhor em todas as coisas que fazia, mas a
única que realmente me dediquei o suficiente a ponto de me tornar boa, foi o desenho. Meus desenhos
transformaram-se em graffiti nas paredes da cidade. A partir de então o graffiti tornou-se não só uma
obsessão, mas também um estilo de vida. Meus, amigos, minha família, meu trabalho, tudo o que convivo
em meu dia a dia roda entorno do graffiti.
Panorama-Quando entrevistamos o artista plástico Guto Lacaz, ele disse uma coisa que você
também já disse em outras oportunidades, ou seja, você quer chocar. Você acredita que arte deve
chocar?
Panmela-Não me lembro de ter algum dia ligado a palavra “chocar” ao meu trabalho. Acho que faz parte
do processo da
arte deixar livre o observador para assimilar a obra. A arte deve fazer o que o autor propor e o público
entender considerando suas experiências interiores.Se há algum tipo choque na interpretação das minhas
obras, este é criado pelo público e não por mim.
Panorama-Você diz que com o grafite, transmite angústias coletivas, mas e quando você sente
uma angústia pessoal, coloca a mesma também no seu trabalho?
Panmela-A minha obra é a priori autobiográfica. Fala de mim e de minhas experiências. Enquanto
mulher, há similaridades de minhas vivencias com de outras mulheres que encontro pela cidade, existe
uma intercessão de histórias e é justo neste ponto que o coletivo se identifica.
Panorama-A luta de igualdade de gênero, talvez seja o principal tema que norteia o seu trabalho.
É muito complicado transmitir isso na sua arte, num país que ainda é extremamente machista e
patriarcal?
Panmela-É no caos que a energia e vontade transformadora emergem. Dos choques, da sujeira, da
tristeza, da revolta, das paixõeshumanas e tudo mais que se criam os sentimentos capazes de lutar pela
mudança. Em um mundo igualitário, não teríamos consciência do problema, uma vez que este não
existiria. E é por existir, e nos afrontar todos os dias, que
cria-se a motivação para o câmbio.
Panorama-Quando está produzindo um novo trabalho, você pode mudar o rumo do mesmo, por
ter vivenciado algo que mexeu com você, ou isso jamais aconteceria?
Panmela-Minhas pinturas emergem de longas transformações, parte da avalanche de experiências internas
que vivencio. E é isso que faz cada uma delas ser especial, por carregarem toda a carga simbólica de
minhas vivencias
representadas em formas e cores que contam uma história ora reais, ora construídas em meu interior.
Panorama-Você faz um trabalho espetacular, mas na grande mídia sempre vemos falar muito de
Banksy,dos Os Gêmeos e outros. Com sinceridade, não se sente um pouco chateada em não ter o
seu trabalho mais falado pela grande mídia nacional, já que é também uma grande artista do
mesmo nível dos já citados, além de ser mundialmente conhecida?
Panmela-É preciso entender minha jornada na artes diferente destes outros. Há dez anos atrás, como
mulher, treinada toda a vida para construir uma família, eu estava casada cuidando da casa, da roupa e da
comida, enquanto Os Gêmeos
– já com mais de 20 anos de graffiti – começaram a emergir na cena internacional pintando livremente por
todo
o mundo. É normal que por esta diferença temporal e relativa as questões de gênero, hoje eles sejam
nomes de referencia mundial enquanto eu ainda componho o meu papel enquanto artista emergente. Acho
que para os 8 anos nos quais iniciei minha dedicação como a arte urbana, já realizei muitos sonhos e
cresci muito em minha carreira. Estou satisfeita. Para uma menina da Penha sem muita perspectiva para o
futuro, conquistar o mundo através de minhas pinturas já foi muito! Mas sei que ainda há muito mais por
vir. Enquanto ativista, crio minha luta para que outras mulheres não percam tanto tempo quanto eu,
tentando ser o que decidiram por elas e não o que elas realmente desejam ser. Eu ainda consegui agarrar o
meu sonho depois de um tempo, mas tenho consciência de quantas mulheres deixara-se de lado para
limitar-se aos papéis impostos a elas.
Panorama-Algumas pessoas não enxergam o grafite como arte. Acredita que fazem isso por
preconceito ou por desconhecimento do mesmo?
Panmela-Eu sei que este tipo de pessoa existe, mas para mim, está virando lenda. Não consigo mais
lembrar da última vez tive contato com esta espécie rara. Se você é carioca, é hipocrisia dizer que se é
descriminado por ser grafiteiro. As
pessoas, a mídia, a população, todos adoram e admiram o graffiti.
Panorama-Quando você diz para uma mulher que ela pode ser e fazer o que ela quiser, você está
mudando a sua percepção de mundo, e sempre terão forças externas(pais, namorados, irmãos e
outros) que lhe dirão o contrário. Essa consciência é criada instantaneamente ou leva algum
tempo para a mesma vamos dizer “maturar”?
Panmela-Quando vou ao encontro de mulheres das comunidades para falar-pintar sobre nossos direitos,
eu estou plantando uma sementinha. São palavras que ficam em seu imaginário e que emergem em
situações de decisões para suas
vidas.
Panorama-Fale um pouco da Rede NAMI?
Panmela-A NAMI é uma rede feminista de artistas urbanas que usa as artes para promover os direitos das
mulheres. Hoje, fazem parte da Rede mais de 140 mulheres entre artistas e ativistas e já realizamos mais
de 70 workshops em mais
de 30 comunidades do Rio de Janeiro e outros espaços atingindo diretamente em torno de 2.000 mulheres.
Para
este ano, pretendemos duplicar este número.
Panorama-Você acredita que arte no país é relegada a segundo plano, porque o poder tem medo
da sua ação transformadora?
Panmela-Não. Acredito que diante das dificuldades do país, não há muito dinheiro para se investir em
arte e por isso
o mercado não é tão grande como de outras cidades como Nova York e Paris. Com o crescimento do país
a
tendência é mudarmos esta cena. Mas devemos destacar que diante do caos urbano de nossas cidades, o
graffiti
vem como uma ferramenta potente para revitar os espaços abandonados e por isso nosso cenário de street
arte é
tão forte quando se comparando com outras cidades dos países ditos como do “primeiro mundo”.
Avalie a entrevis ta!
Panorama-Qual foi a coisa mais absurda que já falaram ou escreveram sobre o seu trabalho?
Panmela-Não recebo muitas críticas. Geralmente todos elogiam mais do que criticam mas, uma vez, um
amigo do graffiti me questionou porque eu tinha tanta visibilidade se haviam outros artistas com trabalhos
mais potentes e a muito mais tempo que eu na cena. Talvez a resposta já estivesse embutida na pergunta,
aonde o gênero masculino domina e
se “acha” o dono de toda cena. Eu luto pelo o que considero direito meu, e acredito ser justo estar em
uma posição
boa por uma coisa que acredito e na qual luto. Talvez minhas vivencias verdadeiras e a forma como
expresso-as em
minha arte justifiquem esta posição.
Panorama-Quando alguém fala de você, geralmente dizem que é contestadora e libertária. Você
também se enxerga assim?
Panmela-Já fui. Hoje apenas pinto muros autorizados e por isso estou me achando super careta!
Panorama-Você disse que: “As mulheres precisam ter o direito de decidir a respeito do seu corpo
e da sua vida”. Você acredita que esse direito está longe ou perto de ser realmente aplicado em
nossa sociedade?
Panmela-Nós mulheres há muitos anos somos tratadas como irresponsáveis e não recebemos crédito para
tomar decisões sobre nossas vidas, hoje a situação é mais livre, mas enquanto existir leis que decidem
pelas mulheres a respeito de suas condutas e corpo, como hoje ainda no Brasil mantemos a Lei que
criminaliza o aborto, sim, ainda existirá muito
a ser conquistado.
Eder Fonseca
Eder Fonseca é jornalista. Fundou e atualmente é o diretor-executivo do Panorama Mercantil, um dos
principais portais de entrevistas do país.
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