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A experiência belohorizontina do orçamento participativo como ferramenta para o desenvolvimento local Cristiana FORTINI Doutora em Direito Administrativo pela UFMG Universidade Federal de Minas Gerais Brasil [email protected] Resumo O Estado Democrático de Direito exige permeabilidade do tecido estatal e a criação e recriação de canais de comunicação entre Estado e sociedade civil . A legitimidade democrática das decisões político administrativas depende da valorização da contribuição cidadã para o desenvolvimento das ações estatais, em especial das deliberações sobre o destino dos recursos públicos. O reconhecimento dos Municípios como entes federados pela Constituição de 1988 reforça a importância do “local” e fortalece o ambiente democrático. O orçamento participativo, no qual a população não apenas é ouvida mas delibera, é instrumento capaz de promover o desenvolvimento local. Palavras-chave: Estado Democrático de Direito, Participação cidadã, legitimidade, orçamento participativo. Abstract The Democratic State based on the Law implicates on the visibility of the State, and the communication channels between the State and the civil society.The democratic of the political/administrativ decisions depends on the proper valuation of the citizens contributions for the development of State actions, speccialy in terms of the destination of public resources. The recognition of the Municipalities as public organisms by the 1988 Constitution stress the importance of the “local interests” and makes the democratic enviroment stronger. The participative budget (orçamento participativo) in which the citizens are not only listened but deliberates is the instrument able to promote the development in local therms. Keywords: The Democratic State based in Laws. Citizens participation, participative budget

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A experiência belohorizontina do orçamento participativo como

ferramenta para o desenvolvimento local

Cristiana FORTINI Doutora em Direito Administrativo pela UFMG

Universidade Federal de Minas Gerais Brasil

[email protected]

Resumo O Estado Democrático de Direito exige permeabilidade do tecido estatal e a criação e recriação de canais de comunicação entre Estado e sociedade civil. A legitimidade democrática das decisões político administrativas depende da valorização da contribuição cidadã para o desenvolvimento das ações estatais, em especial das deliberações sobre o destino dos recursos públicos. O reconhecimento dos Municípios como entes federados pela Constituição de 1988 reforça a importância do “local” e fortalece o ambiente democrático. O orçamento participativo, no qual a população não apenas é ouvida mas delibera, é instrumento capaz de promover o desenvolvimento local. Palavras-chave: Estado Democrático de Direito, Participação cidadã, legitimidade, orçamento participativo.

Abstract

The Democratic State based on the Law implicates on the visibility of the State, and the communication channels between the State and the civil society.The democratic of the political/administrativ decisions depends on the proper valuation of the citizens contributions for the development of State actions, speccialy in terms of the destination of public resources. The recognition of the Municipalities as public organisms by the 1988 Constitution stress the importance of the “local interests” and makes the democratic enviroment stronger. The participative budget (orçamento participativo) in which the citizens are not only listened but deliberates is the instrument able to promote the development in local therms.

Keywords: The Democratic State based in Laws. Citizens participation, participative budget

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Introdução

o Brasil, ventos favoráveis à democracia crescem na década de oitenta e imprimem força a um movimento participacionista, preocupado em suplantar cada vez mais o distanciamento entre Estado e sociedade civil que o período ditatorial havia

sufragado. Setores da sociedade civil passaram a reclamar ambiente para que as decisões sobre a gestão dos recursos públicos fossem levadas a efeito com efetiva participação popular. O surgimento de novos atores sociais na década de 70 e 80, sejam associações de bairro ou outros, portadores de reivindicações reprimidas por práticas enraizadas como o autoritarismo, clientelismo e favorecimento, também tem lugar de destaque, embora todo o processo que conecta ao surgimento do orçamento participativo não possa desprezar o posterior processo de democratização. Importante ainda perceber que o reconhecimento da incapacidade das entidades estatais de cumprir as exigências cidadãs acarreta crise e reitera a imprescindibilidade de uma nova modelagem de atuação estatal. Portanto, o movimento também parte de fora para dentro, como pressão para a infiltração das vontades e manifestações cidadãs, mas há, ainda, um movimento de dentro para fora, que culmina na criação de políticas públicas pautadas na participação popular. Assim, a proliferação de formas participativas e de co-gestão reflete, não apenas o reconhecimento da incapacidade estatal, mas também a aprendizagem de o que e como reivindicar, espelho das décadas anteriores de experiência.

Por outro lado, o Estado, para que possa ostentar a qualificação de "democrático de Direito", não apenas do ponto de vista formal, mas para que substancialmente possa ser adjetivado como tal, há de prestigiar a efetiva participação do particular na confecção e também na execução das normas jurídicas.

Só há democracia quando o cidadão abandona o posto de mero expectador das ações, para assumir a condição de auxiliar na construção das decisões político-administrativas, sobretudo aquelas que afetarão seus interesses.

Democracia não rima com dominação, com isolamento do administrador público. Democracia não rima com o desprezo pelas informações que possam ser trazidas pelo cidadão, a fim de que seja adotada a solução ótima pela Administração Pública.

Assim, só há democracia quando se ouve e quando se dialoga com o cidadão, permitindo-lhe influir nas deliberações administrativas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que o incremento da participação popular é uma característica que difere o Estado Democrático de Direito do paradigma do Estado Social,

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pois que “corresponde às aspirações do indivíduo de participar, quer pela via administrativa, quer pela via judicial, da defesa da imensa gama de interesses públicos que o Estado, sozinho, não pode proteger”. 1 O reconhecimento da inafastabilidade da participação da sociedade, como derivação lógica e inevitável do conteúdo constitucional, autoriza exigir espaços cada vez mais amplos na formulação de políticas públicas2, em que processos discursivos e procedimentais venham a ser utilizados a fim de conferir legitimidade democrática3. A propósito, Marcos Augusto Perez ensina:

Muitos dos institutos de participação popular na Administração Pública assumem caráter deliberativo ou possuem força vinculante, melhor dizendo, decorrem da estruturação de processos de formação de atos administrativos, com a participação da sociedade no momento da tomada de decisão.

Nesses casos, o cidadão toma parte, diretamente ou através de representantes, do ato de decidir e compartilha, é necessário reconhecer, dos poderes constitucionais atribuídos à Administração Pública.

Vale observar que, ao assim atuar, o cidadão não desvirtua a repartição constitucional de poderes. A decisão continua sendo tomada pela Administração, em nada sendo usurpada a divisão constitucional de poderes e funções estatais. Há, isto sim, uma estruturação aberta do processo de construção da decisão administrativa, de modo a possibilitar ao cidadão exercitar; como que em devolução, os poderes que ele próprio delegou constitucionalmente à Administração.

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Municípios, Poder Local e Democracia O modelo federal brasileiro nasce a partir de um estado unitário no seio da Constituição de 1824.

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na administração pública. Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, n. 191, jan./mar. 1993, p. 32. 2 Maria Paula Bucci Dallari compreende “Política Pública” como “programa de ação governamental que resulta

de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados (...) visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. Maria Paula Dallari Bucci (org.). São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39. 3 Diogo de Figueiredo Moreira Neto introduz outro argumento em prol da densidade democrática, afirmando

que a participação na formatação de políticas públicas contribui para “dinamizar a própria democracia representativa no sentido de torná-la mais eficiente em termos de resultados” MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 154. 4 PEREZ, Marcos. A administração pública democrática: institutos de participação popular na administração

pública. Belo Horizonte : Fórum, 2004, p. 139.

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A excessiva centralização à época decorria da realidade histórica brasileira, observada desde o período de sua colonização, e em especial do comportamento centralizador dos monarcas portugueses que impediram a fragmentação do país. Assim, não há como negar traços mais centralizadores do federalismo brasileiro, desde o seu surgimento, o que não é verificado em países cujo federalismo é resultado da união de estados soberanos. Nem por isso, pode-se hoje repudiar que estamos diante de regime descentralizado, ainda que por ser aperfeiçoado. A Constituição de 1988 representa avanço significativo. A opção pelo federalismo descentralizado em três níveis, alçando o Município à posição de ente federado5, visto como peça integrante da União indissolúvel da República Federativa, não pode passar despercebido. Na verdade, a descentralização brasileira coincide com a busca de democracia e liberdade e espelha o que a sociedade almejava. Os Municípios, entes federados de mesma estatura, não submetidos a vínculos de hierarquia com os demais entes da federação e detentores de poderes de auto-organização e auto-administração destacam-se pela proximidade com a população e portanto, são “ambientes” mais propícios ao diálogo e à participação, porque também são os locais onde os embates se travam de maneira mais frenética. Afinal, mora-se no Município. Interessam ao cidadão a rua asfaltada, a praça cuidada, a escola equipada. Segundo Ladislau Dowbor

“ Para muitos, a política local e a administração municipal constituem um tipo de política com diminutivo. Coisinhas locais, que não saem no fantástico. No entanto, é no espaço local que vive a população, e as pessoas estão se dando gradualmente conta que a grande política, nacional ou global, nunca terá muito sentido se não se traduz na prosaica qualidade de vida do cidadão, na segurança do ir e vir, na densidade de espaços verdes, no conforto de serviços bem organizados, na própria beleza da cidade, na organização adequada do seu potencial de trabalho”6

O fortalecimento dos Municípios que a Constituição de 1988 promove, mas não sem defeitos, é basilar para que a população encontre seu espaço.7 Por isso, para além muralha da cláusula pétrea que veda a abolição da forma federal, fundamentos relacionados à opção por um Estado Democrático de Direito serviriam para impedir o redesenho constitucional que viesse a violar as atribuições e prerrogativas conferidas aos Estados e Municípios.

5 Refutamos a alegação de que a não representatividade do Município no Senado, assim como a falta de Poder

Judiciário local ou de Tribunais de Contas também locais retiram a natureza de entes federados, expressamente conferida pela Constituição. 6 DOWBOR, Ladislau. Prefácio In Por uma nova esfera pública: A experiência do orçamento participativo.

Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 7 A Constituição de 1988 atribui uma série de competências à União, em detrimento dos demais entes

federados, além de instituir tratamento tributários dispare entre os entes, concentrando “riqueza” nas mãos do “ente central”.

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A democracia dialógica e racional passa necessariamente pela conquista de ferramentas capazes de promovê-las, mas não só. Há que se assegurar a real possibilidade de instrumentalizá-las, o que depende de educação cidadã e “treinamento” da população sobretudo após anos de período ditatorial. O amadurecimento democrático reclama tempo, prática e por isso há de passar pela busca de vitórias cotidianas diretamente relacionadas ao cidadão. Por isso, as discussões em ambiente local funcionam não apenas para conquistar o espaço do cidadão naquela esfera, mas aperfeiçoam o sistema democrático. Orçamento e Orçamento Participativo A esfera social do orçamento passa a ser admitida mais recentemente e sobre ela debruça-se este trabalho. Isso porque o orçamento é um instrumento utilizado para a alocação dos recursos públicos que pertencem não aos agentes públicos mas à coletividade. Assim, a destinação dos recursos há de observar os reclamos sociais. Logo, adiciona-se às perspectivas jurídica, política, econômica e técnica, que perpassam a produção da lei orçamentária o viés social. O modelo de democracia representativa, notadamente liberal, aposta na representação popular. As demandas sociais seriam, pois, tuteladas por seus representantes. Nessa lógica, o orçamento público é o instrumento por meio do qual a receita e o gasto público são objeto de debate nas casas legislativas, onde os representantes populares estariam a discutir o melhor destino para as verbas públicas, a partir da proposta encaminhada pelo Poder Executivo. No ambiente da casa legislativa, os parlamentares oferecem emendas aditivas, supressivas e modificativas, fruto da correlação de forças e de embates ali travados. O resultado da atuação do executivo e do legislativo transmuda-se em lei orçamentária, a disciplinar o exercício seguinte, funcionando como mecanismo de controle das receitas e despesas públicas. O nível de real correlação entre o que decidem os agentes públicos do Executivo e do Legislativo e o que deseja a coletividade está sujeito à concretude do elo que os vincula, e à efetiva capacidade que os cidadãos têm de influenciar a conduta dos seus representantes, razão pela qual poderá a lei orçamentária refletir às vezes mais, às vezes menos os anseios sociais. Assim, a despeito de formalmente democrático, o orçamento poderá não o ser quando analisado sob o prisma material. Isso porque a democracia representativa está em crise ,e não desde hoje, dada sua incapacidade real de concretizar o que a coletividade almeja, sem embargo “ da apropriação do discurso democrático pelo poder econômico privado”8.

8 MAGALHAES, José Luiz Quadros. O Município e a democracia participativa. Revista da Procuradoria Geral do

Município de Belo Horizonte, ano 1. Nº1. Janeiro/junho/2008, p. 177.

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Leonardo Avritzer afirma que o período de ampliação global do modelo de democracia liberal coincide com a crise deste modelo tanto porque se registra um abstensionismo, quanto porque se verifica de forma cada vez mais crescente o descompasso entre os representantes e representados. O orçamento participativo se tornou uma proposta, uma reivindicação na esfera política brasileira, uma nova aposta na superação da dicotomia Estado e sociedade civil. O orçamento participativo representa um passo no aperfeiçoamento da democracia. Isso porque não apenas os representantes do Executivo e do Legislativo estarão a discutir a alocação dos recursos, mas, especialmente, a população terá oportunidade de indicar, sem intermediários, e de forma direta, suas pretensões, sem que isso signifique romper ou aniquilar a democracia representativa. A sociedade assume papel ativo e passa a diretamente apontar suas demandas mais expressivas. Assim, alguns municípios brasileiros resolveram introduzir em sua prática decisiva a figura do orçamento participativo. As experiências de participação popular em Administrações municipais tiveram maior destaque na década de 70. A atuação na elaboração de orçamentos começa a ser percebida em Diadema(SP), Vila Velha(ES), Ipatinga(MG) e São Paulo (SP) Destacam-se, sobretudo, os municípios de Belo Horizonte e Porto Alegre9, capitais de importantes estados da federação. Claro que não se pode ignorar que a adoção do modelo representa bônus políticos. Não seria estranho, então, perceber o emprego do orçamento participativo apenas sob o aspecto formal, por meio de consultas de caráter exclusivamente opinativo, não sucedidas de deliberações. Em Recife, capital de Pernambuco, foi criado o orçamento participativo consultivo, forjando-se uma participação popular incapaz de efetivamente influenciar a decisão político-administrativa. Por isso, como pontua Leonardo Avritzer, o OP há de ser

forma de balancear a articulação entre a democracia representantiva e democracia participativa baseada em quatro elementos: a primeira característica do OP é a cessão de soberania por aqueles que a detém como resultado de um processo representativo local.A soberania é cedida em conjunto de assembléias regionais e temáticas que operam a partir de critérios de universalidade participativa. Todos os cidadãos são tornados automaticamente membros das assembléias regionais e temáticas com igual poder de deliberação; em segundo lugar, o OP implica a reintrodução de elementos de participação local, tais como assembléias regionais e de elementos de delegação, tais como conselhos, a nível municipal,

9 Segundo informa Ladislau Dowbor, relatório das Nações Unidas realizado em 1997 dá conta de que o

orçamento participativo implementado em Porto Alegre é importante pata reduzir a corrupção, priorizar as necessidades dos pobres urbanos, legitimar as organizações de base comunitária e desenvolver a infra-estrutura física da cidade.

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representando, portanto, uma combinação dos métodos da tradição da democracia participativa; em terceiro lugar, o OP baseia-se no princípio da auto-regulação soberana, ou seja, a participação envolve um conjunto de regras que são definidas pelos próprios participantes, vinculando o OP a uma tradição de reconstituição da gramática social participativa na qual as regras da deliberação são determinadas pelos próprios participantes; em quatro lugar, o OP se caracteriza como uma tentativa de reversão das prioridades de distribuição de recursos públicos a nível local através da fórmula técnica (que varia de cidade para cidade) de determinação de prioridades orçamentárias que privilegia os setores mais carentes da população. As principais experiências do OP se associam ao princípio da carência prévia no acesso a bens públicos a um maior acesso a esse mesmos bens.

A experiência de Belo Horizonte Quando, em 1993, a Frente Popular (PV, PCB, PC do B, PSB e PT) assumiu o Município de Belo Horizonte, e manifestou o propósito de debater em profundidade os problemas da cidade, indo ao encontro da população em bairros, favelas, sindicatos e escolas, o orçamento participativo foi eleito como principal instrumento da referida política de inserção popular na esfera decisória da administração pública. Não se tratou da primeira experiência nessa seara, mas ainda hoje, é uma das mais bem sucedidas e duradouras. O grupo que acendia ao poder entendia que, com a medida, garantir-se-iam, de início, informações à população, condição essencial para a inserção das camadas menos favorecidas na definição de prioridades. Outros objetivos eram colocados: o redirecionamento do governo municipal para o atendimento das necessidades sociais básicas, a redução da prática do clientelismo que se presencia no contato entre os agentes políticos e o incentivo à organização da população em entidades agregadoras de interesses. Os interessados decidem os rumos de parte dos investimentos públicos. Ou seja, não é a totalidade dos recursos públicos que se submete ao crivo popular direto, mesmo porque há investimentos cogentes por determinação constitucional, bem como há custos com o funcionamento da máquina pública, e, ainda, não se pode alijar os agentes públicos do espaço reservado a decisões político-administrativas. O formato deliberativo da participação popular, observadas algumas diretrizes e percentuais de alocação dos recursos, a distribuição equitativa de recursos entre as regionais, a criação dos conselhos regionais de acompanhamento e fiscalização da execução do OP, chamados de Comforças são demonstrações de particularidades de Belo Horizonte. A movimentação popular ocorre, inicialmente, por meio das rodadas de assembléias populares em cada uma das regionais, quando se entrega formulário para o levantamento das reivindicações ao representante de cada bairro. No mesmo momento, a situação da Prefeitura e os projetos em andamento são apresentados.

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Em um próximo momento, o formulário será preenchido pela comunidade, indicando a obra considerada mais relevante. Há de ser demonstrada a ocorrência de reunião em que a deliberação tenha sido alcançada. Nem sempre a pretensão é viável sob aspectos técnicos, que envolvem, entre outros fatores, questões de natureza ambiental. Assim, a regional correspondente poderá concluir pela necessidade de alterar-se a proposta inicial, o que há de ser feito com a devida explicação técnica. Vê-se que a primeira movimentação (rodada) não esgota o trâmite do Orçamento participativo. Haverá a divisão dos recursos por áreas de cada regional, privilegiando-se as sub-regiões mais carentes e populosas. Ou seja, para além da fragmentação regional, fraciona-se ainda mais o âmbito de discussão para que se detalhem e apurem as necessidades e prioridades. A criação do orçamento participativo constroí-se a partir da captação das principais demandas da população daquela localidade. As lideranças comunitárias e a associação de bairros têm importância como canais condutores e articulares das demandas prioritárias, de forma a congregá-las. Mas, os moradores precisam ser atuantes, sob pena de apenas se deslocar dos agentes políticos para as lideranças locais o condão de direcionar a alocação de parte das verbas públicas. Mais, a participação não se limita a entidades organizadas. Moradores isoladamente ou em grupos podem e devem levar suas reivindicações que não podem ser desprezadas quando confrontadas com as entregues por associações. A definição de prioridades pode ocorrer se forma apartada do aparato estatal. Em outras situações, o poder público, por meio de regional, fomenta a discussão. Assim, a menor ou maior capacidade organizacional prévia indicará a importância ou não de uma contribuição pública para que as reuniões ocorram.10 Quando o associativismo comunitário está amadurecido, a presença de servidores públicos auxiliares no processo pode ser dispensada. Mas, se diversa a realidade, difícil é a mobilização e mais complexo será o agendamento de reuniões. As escolhidas serão aprovadas por Fóruns Regionais, em que delegados, escolhidos pela população, terão voto. Os delegados devem conhecer os locais pré-selecionados, via Caravana de Prioridades, que oferece uma visão geral dos problemas. Na última rodada, os delegados dizem quais dos empreendimentos indicados em cada regional serão mesmo levados a efeito. A eleição de delegado afinado com a prioridade de um morador, de um grupo de moradores ou de uma associação é estratégica. Por isso, alianças são travadas a fim de promover a indicação do delegado que, em última instância, é quem recebe o mister de decidir o que será realizado.

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Carlos Roberto de Jesus informa que na Regional Centro-Sul, a Regional acompanhou as discussões, o que não ocorreu na Regional Barreiro, onde a comunicada, por sua conta, organizou os encontros. JESUS, Carlos Roberto. Orçamento Participativo e associativismo comunitário. Belo Horizonte: Editora Newton Paiva. 2004, p. 36.

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Na mesma oportunidade, serão indicados os membros da Comissão que acompanha e fiscaliza o cumprimento do orçamento participativo. A comissão é chamada de Comforça. Há, assim, momentos importantes no funcionamento do Orçamento Participativo. As informações disponibilizadas pelo Município, a captação das demandas, a discussão a seu respeito e a definição de quais devem ser consideradas prioritárias. O papel das lideranças locais é crucial porque a mobilização comunitária e o diálogo estão relativamente condicionados ao compromisso desses agentes. Ausente a população, não há orçamento participativo. Se benéfica a presença de tais lideranças, há de se ter clara que sua atuação não pode ser indutora, menos ainda quando pautada por vantagens econômicas. 11 Segundo dados governamentais12, as reuniões de bairros, assembléias, caravanas de visitas às obras que foram eleitas e os fóruns mobilizaram, desde a criação do OP, em 1993, mais de meio milhão de pessoas, nas diversas espécies de orçamento participativo já levadas a efeito em Belo Horizonte.13 A participação popular foi incrementada com o passar dos anos. De 15.216(quinze mil, duzentos de dezesseis) participantes em 1994, chegou-se ao número de 44.000(quarenta e quatro mil) em 2009/2010.14 O aumento expressivo da participação é fruto tanto da assimilação das vantagens percebidas pela sociedade, quanto da adoção de mecanismos de votação que aliam a votação física e presencial à votação informatizada. De 1994 a 2008 foram concluídas 1000 (mil) obras pelo Orçamento participativo Regional, que leva em consideração as necessidades detectadas em cada uma das 9(nove) regiões em que se divide o Município. Das 1000(mil) obras concluídas, 22% são referentes à urbanização de vilas, 10% à educação, 11% à saúde, 46% à infra-estrutura. O orçamento participativo digital pretende reunir inclusão social e novas tecnologias, o que levou à sua premiação pelo Observatório Internacional da Democracia Participativa, na França. Ligações gratuitas também foram introduzidas, em 2008, sempre com o intuito de ampliar o rol de atores. No mesmo ano, alterou-se a metodologia para que obra de maior porte fosse levada a efeito, a partir das deliberações populares. Cinco grandes obras viárias foram colocadas em votação e os 270 pontos públicos de recebimento de votos presenciais, além dos sistemas telefônico e virtual, contabilizaram as diversas opiniões.

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Os críticos do orçamento participativo costumam mencionar que algumas lideranças valem-se de tal status para conduzir as discussões e , via de conseqüência, as deliberações, afugentando o diálogo, essencial ao processo. A presença de agentes políticos ou mesmo a influência do poder econômico podem provocar distorções. A esse respeito, os comentários de Cláudio Roberto de Jesus. 12

www.pbh.gov.br/comunicacao/pdss/publicacaoesop/caderno_empreendimentos_op_2009_2010.pdf. acesso em 13 de abril de 2011 13

Orçamento participativo em Belo Horizonte se divide em OP regional, OP digital, que usa recursos tecnológicos para a apuração dos votos, e o Orçamento participativo na área habitacional, chamado de OPH 14

Houve em 1997 um declínio da participação, explicado quer porque já atendidas as pretensões mais relevantes, quer porque atrasos nas obras podem ocorrer e desestimulam a contínua participação.

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Para o orçamento participativo 2009/2010 foram destinados R$110.000.000,00(cento e dez milhões de reais). Quarenta e quatro mil pessoas participaram e 109 empreendimentos foram distribuídos entre as nove regionais. A maior solicitação de empreendimentos concentra-se em urbanização de vilas, seguida, sucessivamente, de infra-estrutura, educação e saúde. O orçamento participativo contribui no combate à exclusão social porque parte das obras relaciona-se diretamente à saúde e educação15, assim como há obras relacionadas ao sistema viário, pavimentação de ruas, urbanização de vilas e favelas. Conclusão Organizações surgidas em face de problemas locais, como fóruns populares e associações de bairros, fortalecem o espírito democrático, porque invocam a inclusão real dos cidadãos em debates. Trata-se de “rede social de defesa coletiva da cidadania que apareceu como reação democrática da sociedade fragmentada e carente de canais de participação, contra a impotência do ritualismo democrático-formal”, como preconiza Tarso Genro. 16 Evidente que a democracia exige esforço ininterrupto e pugna pela revitalização de formas tradicionais de influência cidadã, sobretudo diante de sociedades de massa, complexas e conflituosas. Os canais de comunicação existentes devem ser apurados e outros idealizados. Orçamentos participativos são passos na construção de ambientes efetivamente dialógicos e revigoram a política, retomando seu caráter plural, includente e garantidor da não alienação do cidadão. Introduzir o espaço social de discussão política de forma permanente e efetiva restaura a real dimensão da cidadania, costumeiramente vista restritiva e equivocadamente como o compromisso formal de apresentar-se periodicamente perante às urnas. O orçamento participativo e outros meios de participação ativa não tornam menos importantes a democracia representativa mas propiciam transformações mais duradouras porque resultam na compreensão da dimensão política de cada um dos membros da sociedade que passa à condição de co-gestor.

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Dados oficiais obtido no site, disponível em: < www.pbh.gov.br/comunicacao/pdss/publicacaoesop/caderno_empreendimentos_op_2009_2010.pdf>[13 de abril de 2011] 16

GENRO, Tarso (2000) Co-gestão: Reforma Democrática do Estado. In: Por uma nova Esfera Pública. Petrópolis: Editora Vozes.

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Referências

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