07 EROS ROBERTO GRAU - o Direito Posto e o Direito Pressuposto

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e o DIREITO POSTO E O DIREITO PRESSUPOSTO @ EROS ROBERTO GRAU Direitos reservados desta edição por MAU/EIRaS EDITORES LTDA. Rua Paes de Araújo, 29, cj. I7 I CEP 04531-940 - São Paulo - SP Te!': (011) 822-9205 - Fax: (011) 829-2495 ComposiçãO ASC INFORMÁTICA ., Capa Vânia Lúcia Amato Impresso no Brasil Printed in Brazil 10-1996 "Para que possamos servir-nos sem perigo de uma teoria é necessário que, anteriormente tenhamos perdido completamente a/é nela." (von IHERING)

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eo DIREITO POSTO E O DIREITO PRESSUPOSTO

@ EROS ROBERTO GRAU

Direitos reservados desta edição porMAU/EIRaS EDITORES LTDA.Rua Paes de Araújo, 29, cj. I7 ICEP 04531-940 - São Paulo - SP

Te!': (011) 822-9205 - Fax: (011) 829-2495

ComposiçãOASC INFORMÁTICA

.,Capa

Vânia Lúcia Amato

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

10-1996 "Para que possamos servir-nos sem perigode uma teoria é necessário que, anteriormentetenhamos perdido completamente a/é nela."

(von IHERING)

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Reftro-me à discrionariedade que o juiz pode exercitar ao decidir noâmbito da jurisdição voluntária. Não estará ele então, nos termos do queexpressamente define o art. l.l09 do Código de Processo Civil, obrigadoa observar critério de legalidade estrita; poderá adotar, em cada caso, asolução que reputar mais conveniente ou oportuna.

Apenas nessa bipótese poderá a autoridade judicial exercitar discri-cionariedade, contudo porque a tanto expressamente autorizada pela nor-ma processual. Formulará, então, juízo de oportunidade (adotará, em cadacaso, a solução que reputar "mais conveniente ou oportuna").

39. Quanto à segunda verificação extraída do texto do Ministro Sea-bra, inquestionável o fato de, no exercício da discricionariedade, a autori-dade administrativa formular juízos de oportunidade.

A alusão à circunstância de tais juízos respeitarem exclusivamente àocasião em que o ato deve ser praticado, ou à sua utilidade, ou ao conteú-do do ato, é, ademais, preciosa, na medida em que plenamente adequada àlegalidade.

Relembro o quanto inicialmente afirmei, ao observar inexistir, assimpara o direito plíblico como para o direito no seu todo, qualquerperspecti-va fora da legalidade.

Cumpre-nos restaurá-la, o que impõe tomarmos a discricionariedadecomo uma técnica da legalidade, recusando a doutrina que admite a con-vivência, no Estado de Direito, da própria legalidade com uma injus-tificável categoria de ')uízos discricionários".

Insisto em que, tal como produzida pela nossa doutrina, a concepçãode discricionariedade fragiliza a legalidade, permitindo a introdução,nela - repito-o -, de um autêntico cavaIo de Tróia.

Denunciando a afronta à legalidade, visando à restauração de sua dig-nidade, na lembrança daquele que personifica o ideal maior de jurista, ín-tegro e digno, bonro a sua memória.

10CRfTlCA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES":

AS FUNÇÕES ESTATAIS, OS REGULAMENTOS E ALEGAliDADE NO DIREITO BRASILEIRO, AS LEIS-MEDIDA

10.1 A "separação" dos poderes. 10.2 Podei ejimção. 10.3 Norma jurfdiea. 10.4Função normativa e função legislativa. 10.5 Os regulamentos e a legalidade no di-reito brasileiro. 10.6 As leis-medida.

"Done, l'idée de séparer les autorités étaliques est eompletemenl absente del'Esprit des lois: e//e n'y est ni realisée, nifonnulée" (Eirenmann)

10.1 A "separação" dos poderes

01. A separação dos poderes constitui um dos mitos mais eficazes doEstado liberal, coroado na afUIÍlação, inscrita no art. 16 da Declaração dosDireitos do Homem e do Cidadão, de 1789, de que "qualquer sociedadeem que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida aseparação dos poderes, não tem Constituição".

A exposição de Marx e Engels (I986n2) a respeito da~ idéias dominantesculmina com a enunciação da doutrina da separação dos poderes como lei eter-na: "As idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada época, as idéiasdominantes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, aomesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposi-ção os meios de produção material dispõe, 110 mesmo tempo, dos meios de pro-dução espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo eem média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual.As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações mate-riais dominantes, as relações materiais concebidas como idéia~; portanto, a ex-pressão das relações que tomam uma classe a classe dominante; portanto, a~idéias de sua dominação. Os indivíduos que constituem a classe dominante pos-

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02. John Locke (1973/97-98) é inci'sivo na proposição de que se opereuma separação entre os poderes. Discorre, no capítulo XII de sua obra, so-bre os Poderes Executivo, Legislativo e Federativo. Quanto a este último

Sua doutrina chega até nós a partir da exposição de Montesquieu, enão pela via da postulação norte-americana dos/reios e contrapesos. Deresto, mesmo a prioridade de Montesquieu na sua formulação merecequestionamentos, seja desde a ponderação de antecedentes remotos, emAristóteles (1982), seja na sua anterior enunciação por.Bolinbroke e nacontribuição de Locke.

suem, entre outras coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medidaem que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histó-rica, é evidente que o façam em toda sua extensão e, conseqüentemente, entreoutras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de idéias;que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo e que sua~idéias sejam. por isso mesmo, as idéias dominantes da época. Por exemplo,

. numa época e num país em que a aristocracia e a burguesia disputam a domina-ção e em que, portanto, a dominação está dividida, mostra-se como idéia dom i-nante a doutrina da divisão dos poderes, enunciada então corno 'lei eterna"'.

A "separação dos poderes" é, em Montesquieu, um mecanismo imediata-mente voltado à promoção da liberdade do indivíduo; para os federalistas nor-te-americanos, diversamente, ela está imediatamente voltada à otimização dodesempenho das funções do Estado, fundando-se também no princípio da divi-são do trabalho.

Aristóteles (1982/315-16; N, 14) ensaia princípios análogos àqueles sobreos quais, posteriormente, se apóia a doutrina do equiliôrio entre os poderes, aoaiirmar a existência, nos governos, de três partes: "Toutes les Constitutionscomportent trois parties, au sujet desquelles le législateur sérieux a la devoird'étudier ce qui est avantageux pour chaque Constitution. Quand ces partiessont en bon état, la Constitution est nécessairement elle-même en bon état, etles Constitutions different les unes des autres d'aprés la façon différente dontchacune de ces parties est organisée. De ces trois parties, une premiere est celleque délibere sur les affaires communes; une seconde est celIe qui a rapport auxmagistratures (c'est-à-dire quelles magistratures il doit y avoir, à quelles matie-res doit s'éntendre leur autorité, et quel doit être leu r mode de recrutement), etune troisieme est la partie qui rend la justice". Releia-se o seguinte trecho:"Quand ces parties sont en bon état, la Constituition est nécessairement en bonétat (...)". Bon état significa, no contexto da exposiSão aristotélica, bem ordena-das (o sentido de bon état pode ser encontrado na Etica a /IIicômaco, na idéia decomposição, justa medida, virtude no valor médio). Aristóteles, creio seja a~-sim, está imediatamente atento às funções, e não aos poderes do Estado.

A respeito de Bolinbroke, vide Schmitt (1982/187-188) e Troper (1980/109-110).

169CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

- e Locke pouca importância dá à sua denominação: "se entenderem aquestão, fico indiferente ao nome" -, aponta-o como distinto dos doisp~eiros: "Exi~te outro poder em uma comunidade que se pOderia deno-mmar natural, VIsto como é o quecorresponde ao que todo homem tinhanatur~ente antes de entrar em sociedade; porquanto, embora em umacomumdade os seus membros sejam pessoas distintas ainda relativamenteumas às ?utras, e como tais são governadas pelas leis da sociedade, contu-do, relativamente ao resto dos homens, constituem um corpo que se en-contra, como qualquer dos seus membros anteriormente se encontravaainda no estado de natureza com os demais homens. Daí resulta que a~controvérsias que se verificam entre qualquer membro da sociedade e osque estão fora dela são resolvidas pelo público, e um dano causado a um~embro desse corpo empenha a todos na sua reparação. Assim, neste par-ticular a comunidade inteira é um corpo em estado de natureza relativa-mente a todos os estados e pessoas fora da comunidade". E continuaL?cke: "Aí se contêm, portanto, o poder de guerra e de paz, de ligas ealianças, e todas as transações com todas as pessoas e comunidades estra-nhas à sociedade, pOdendo-se chamar 'federativo', se assim quiserem".

~as Pala,?"as de ~ocke, o Poder Executivo compreende a execuçãodas leiS naturais da SOCiedade,dentro dos seus limites, com relação a todosque a ela pertencem. O Poder Federativo, a gestão de segurança e do inte-resse ~~ público fora dela, juntamente com todos quantos poderão receberbe~ef~clOou sofrer dano por ela causado. O Poder Legislativo é o que temo ~elto de estabelecer como se deverá utilizar a força da comunidade nosentido da preservação dela própria e de seus membros.

Segundo Locke, é conveniente que os Poderes Legislativo e Executi-vo fiquem separados: "E como pode ser tentação demasiado grande para afraqueza humana, capaz de tomar conta do poder, para que as mesmaspessoas que têm por missão elaborar as leis também tenham nas mãos afaculdade de pô-Ias em prática, ficando "dessa maneira isentàs de obediên-cia às leis que fazem, e podendo amoldar a lei, não só quando a elaboramcom~ quando a põ.em em prática, a favor delas mesmas, e assim passarema ter mteresse distinto do resto da comunidade, contrário ao fim da socie-dade e do governo".

. ~e a separação entre Poderes Legislativo e Executivo é conveniente,dlfiCllme~te. podem separar-se e colocar-se ao mesmo tempo em mãos depessoas dls~ntas os Poderes Executivo e Federativo: ambos exigindo aforça da SOCIedadepara seu exercício, é quase impraticável colocar-se aforça do Estado em mãos distintas e não subordinadas; além disso _ con-ti~uo a transcrever palavras de Locke -, na colocação destes poderes em~aos de pessoas qu~ possam agir separadamente, a força do público tica-na sob comandos dIferentes, o que pOderia ocasionar, em qualquer oca-sião, desordem e ruína. .

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Para logo se vê, destarte, que no pensamento de Locke surge perfeita-mente delineado o princípio da separação dos poderes. De toda sorte, ob-serva-se que, embora visualize três tipos de. poder, a separação que surgecomo conveniente e viável é a que se operaria entre o Legislativo, de umlado, e o Executivo eo Federativo, de outro. O que Locke propõe é umaseparação dual - e não tríplice - entre os três poderes que descreve.

03. A exposição de Montesquieu (1973/156 e ss.) encontra-se no capí-tulo VI do Livro IX de O espírito das leis. As idéias que coloca inicial-mente, neste capítulo, a sumariam: "Há, em cada Estado, três espécies depoderes: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependemdo direito das gentes, e o Executivo das que dependem do direito civil.Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou parasempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, estabelece asegurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga asquerelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de-julgar e, ooutro, simplesmente, o Poder Executivo do Estado. A liberdade políticanum cidadão é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião quecada um possui de sua segurança: e, para que se tenha esta liberdade, cum-pre que o governo seja de tal modo, que um cidadão não possa temer outrocidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura oPoder Legislativo está reunido ao Poder Executivo, não existe liberdade,pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo Senado apenas es-tabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá tam-bém liberdade se o poder de julgar não estiver separado do PoderLegislativo e do Executivo. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, opoder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juizseria legislador. Se estivesse ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia tera força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou omesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse essestrês poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o dejulgar os crimes ou as divergências dos indivíduos".

É certo, todavia, que Montesquieu não sustenta a impenetrabilidade,um pelos outros, dos poderes que refere. Assim, por um lado afirma que:"apesar de que, em geral, o poder de julgar não deva estar ligado a nenhu-ma parte do Legislativo, isso está sujeito a três exceções, baseadas no in-teresse particular de quem deve ser julgado" (1973/160). Por outro lado,distinguindo entre faculdade de estatuir - o direito de ordenar por simesmo, ou de corrigir o que foi ordenado por outrem - e faculdade deimpedir - o direito de anular uma resolução tomada por qualquer outro(isto é, poder de veto) (1973/159) -, entende deva esta última estar atri-buída ao Poder Executivo, em relação às funções do Legislativo; comisso, o Poder Executivo faz parte do Legislativo, em virtude do direito de

veto: "Se o Poder Executivo não tem o direito de vetar os empreendimen-tos do campo Legislativo, este último seria despótico porque, como podeatribuir a si próprio todo o poder que possa imaginar, destruiria todos osdemais poderes" (1973/150). "O Poder Executivo como dissemos deveparticipar da legislação através do direito de veto, ~em o quê seria despo-jado de suas prerrogativas" (1973/161).

O que importa verificar, inicialmente, na construção de Montesquieu,é o fato de que não cogita de uma efetiva separação de poderes, mas simde uma distinção entre eles, que, não obstante, devem atuar em clima deequilíbrio. Isso fica bastante nítido na análise de outro trecho de sua obra:"Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. Ocorpo legislativo sendo composto de duas partes, uma paralisará a outrapor sua mútua faculdade de impedir. Todas as duas serão paralisadas peloPoder Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estestrês poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelomovimento necessário das coisas, eles são obrigados a caminhar, serãoforçados a caminhar de acordo" (1973/161).

De outra parte, importa enfatizar que já da sua exposição resulta a dis-tinção entre Poderes Executivo e Legislativo, de um lado, e funções exe-cutiva e legislativa, de outro. Segundo Montesquieu, o Poder Executivodeve estar dotado de funções executivas e - pela titularidade dafaculda-de de impedir (poder de veto) - também de parcela das funções legis-lativas. Da mesma forma, entende deva o Poder Legislativo, em casos ex-cepcionais, estar dotado de funções jurisdicionais.

É relevante observarmos também que, segundo Montesquieu (1973/159): "O Poder Executivo deve permanecer nas mãos de um monarca por-que esta parte do governo, que quase sempre tem necessidade de umaação momentânea, émais bem administrada por um do que por muitos; aopasso que o que depende do Poder Legislativo é, amiúde, mais bem orde-nado por muitos do que por um só" (grifei). Mtrma ele, ainda: "O PoderExecutivo se exerce sempre sobre coisas momentâneas" (1973/160 _ gri-fei). Em contrapartida, a verificação de que o Poder Legislativo se exercesobre. situações não momentâneas, isto é, estáveis. Ora, se as situações quereclamam a atuação do Executivo, no exercício de uma capacidadenonnativa de conjuntura, são nitidamente de natureza momentânea, daípoderíamos extrair a conclusão da inexistência de incompatibilidade entreesse exercício e a doutrina postulada por Montesquieu.

Classifico as formas de intervenção do Estado no domínio econômico distin-guindo: i) a intervenção. par abso.rção. o.u participação., que ocorre quando a or-ganização estatal assume - parcialmente ou não - ou participa do capital deunidade econômica que detém o controle patrimonial dos meios de produção etroca; ii) a intervenção. par direção, que se verifica quando a organização estatalpassa a exercer pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e norrna~

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de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica; iii) aintervenção por indução, que se manifesta quando a organização estatal passa amanipular o instrumental de intervenção em consonância e na conformidade dasleis que regem o funcionamento do mercado (1991/162-163). A atuação inter-ventiva por direção é em parte exercida mediante a dinamização, por órgãos eentidades da Administração, de atividade normativa cujo exercício lhes tenha si-do autorizado pela lei. Cumpre aos titulares dajimção normativa, no caso, obser-var os critérios e parâmetros estabelecidos na lei que lhes autorizou esse mesmoexercício. Observe-se que não há, na hipótese, atribuição de função legislativa,mas sim de função normativa (regulamentar) a esses órgãos e entidades; adianteretomarei a esse ponto. Resultam enriquecidas, destarte, as funções atribuídas àAdministração, que já não se bastam no mero exercício do poder de polícia, con-substanciado na fiscalização do exercício de atividades pelos particulares, ma~agora compreendem também o poder de estatuir normas destinadas à regulaçãodesse mesmo exercício. Ao exercerem a função normativa que lhes incumbe _efetivo dever-poder, em verdade, no qual são investidos _, órgãos e entidadesda Administração dinamizam o que tenho denominado capacidade normativa deconjuntura. Observei, em outra ocasião (1977/48-49), que à compreensão de queo processo de desenvolvimento implica uma dinâmica mobilidade social corres-ponde a adoção de uma nova visão da realidade, prospectiva, acompanhada dorepúdio a concepções que divisavam na norma jurídica _ corno o faziam Bou-vier e Jeze - a "regra primordial e fundamental que rege as relações sociais nointerior do Estado, de um modo geral e permanente (ou perpétuo)". Descortina-se, assim, a evidência de que o direito - tal corno o divisou von Ihering, em suateoria organicista - necessita, como todo organismo vivo, estar em constantemutação, impondo-se a superação do descompasso existente entre o ritmo deevolução das realidades sociais e a velocidade de transformação da ordem jurídi-ca. Nesse clima, a instabilidade de determinadas situações e estados econômicos,sujeitos a permanentes flutuações - flutuações que defmem o seu caráter con-juntural -, impõe sejam extremamente flexíveis e dinâmicos os instrumentosnormativos de que deve lançar mão o Estado para dar correção a desvios ocorri-dos no desenrolar do processo econômico e no curso das políticas públicas queesteja a implementar. Aí, precisamente, o emergir da capacidade normativa deconjuntura, via da qual se pretende conferir resposta à exigência de produçãoimediata de textos normativos, que as flutuações da conjuntura econômica estão,a todo o tempo, a impor. À potestade normativa através da qual essas normas sãogeradas, dentro de padrões de dinamismo e flexibilidade adequados à realidade, éque denomino capacidade normativa de conjuntura. Cuida-se _ repita-se _ dedever-poder, de órgãos e entidades da Administração, que envolve, entre outrosaspectos, a defmição de condições operacionais e negociais, em determinadossetores dos mercados. Evidente que esse dever~poder há de ser ativado em coe-rência nao apenas com as linhas fundamentais e objetivos determinados no nívelconstitucional, mas também com o que dispuser, a propósito do seu desempenho,a lei. Notecse, adernais, que, no exercício da capacidade normativa de conjuntu-ra, nada mais faz a Administração senão atender às demandas do sistema econô-mico, provendo a fluência da circulação econômica e financeira. Os agentes eco-nômicos com atuação em campo objeto de regulação através da capacidade nor-mativa de conjuntura restam, em tais condições, nesta atuação, vinculados pelo

Nossas Constituições vêm afumando serem Legislativo, Executivo e Judi-ciário poderes independentes e harmônicos entre si.

05. Detenho-me, inicialmente, sobre dois textos de Charles Eisen-mann (1985), nos quais encontra AIthusser (1985) os fundamentos daassertiva de que a "separação dos poderes" não passa de um mito.

04. O alinhamento procedido, das colocações de Locke e de Montes-quieu, permite-nos verificar que o primeiro propõe uma separação dualentre três poderes - o Legislativo, de um lado, e o Executivo e o Federa-tivo, de outro - e o segundo sugere não a divisão ou separação, mas oequilfbrio entre três poderes distintos - o Legislativo, o Executivo e o Ju-diciário.

173CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

que dispuserem tanto as emanações dessa capacidade normativa quanto a próprialei. Esta, de resto, haverá de ser sempre o fundamento de tal vinculação, vistoque aludida capacidade normativa somente estará ungida de legalidade quando ese ativada nos quadrantes da lei. Assim, o atuar de tais agentes-econômicos esta-rá sempre submetido aos ditames conjunturais que motivam a edição de atosnormativos produzidos no âmbito daquela mesma capaCidade nonnativa. Oexercício da capacidade normativa de conjuntura estaria, desde a visualizaçãosuperficial dos arautos da "separação" de poderes, atribuído ao Poder Legisla-tivo, não ao Poder Executivo. A doutrina brasileira tradicional do direito admi-nistrativo, isolando-se da realidade, olimpicamente ignora que um conjunto deelementos de índole técnica, aliado a motivações de premência e celeridade naconformação do regime a que se subordina a atividade de intermediação finan-ceira, tomam o procedimento legislativo, com seus prazos e debates prolonga-dos, inadequado à ordenação de matérias essencialmente conjunturais. No quetange ao dinamismo do sistema financeiro, desconhece que o caráter instrumen-tal da atuação dos seus agentes, e dele próprio, desenha urna porção da realidadeà qual não se pode mais amoldar o quanto as teorias jurídicas do século pa~sadoexplicavam. Por isso não estão habilitados, os seus adeptos, a compreender oparticular regime de direito a que se submete o segmento da atividade econômicaenvolvido com a intermediação fmanceira. Não é estranho, assim, que essa dou-trina - no mundo irreal em que se afaga - não avance um milímetro além daafirmação, por exemplo, de que todas as resoluções do Conselho Monetário Na-cional, editadas pelo Banco Central do Brasil, são inconstitucionais!

Mais ainda: de modo bastante nítido na exposição de Montesquieu _o que está implícito na postulação de Locke - vísualizamos a necessida-de de distinguir entre poderes e funções. Para que o equilíbrio a perseguirseja logrado, impõe-se que o Poder Executivo exercite parcelas de funçãonão executiva - mas legislativa.

A consideração deste segundo ponto permitirá a pontualização de al-guns aspectos que reclamam detida ponderação. Anteriormente a isso,contudo, breve referência à crítica da própria doutrina, tal como já temsido produzida, se impõe.

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06. Por outro lado, é Oportuno também anotarmos o fato de que, paraMontesquieu, o poder de julgar não é um poder no sentido próprio, mas,"por assim dizer, invisível e nulo" (1973/157); e, mais adiante(p. 159),prossegue: "Dos três poderes dos quais falamos, o de julgar é, de algummodo, nulo"; o juiz não passa, como observa Althusser (l985/lO2), deuma presença e uma voz: "Porém, os juízes de uma nação não são, comodissemos, mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inani-

Daí a indagação que se introduz: a quem beneficia o equilíbrio que provémda divisão dos poderes? Ou, em outros termos, quem controla o poder? A res-posta a tais perguntas dá-nos Althusser na afmnação de que MOiltesquieu faziada nobreza a beneficiária de tal equiliôrio - a nobreza controlava o poder.

A aplicação da teoria, contudo, na praxis política, froda por demonstrar quenão apenas quando Executivo e Legislativo estejam controlados pela mesmaclasse ou fração begemônica a divisão dos poderes é, no seu funcionamento,inexistente; pois - observa Poulantzas (1968/135) _, mesmo quando são gru-pos diferentes os que os controlam, a unidade do poder institucionalizado semantém no lugar predominante onde se reflete a classe. ou fração hegemônica.

Diz o próprio Montesquieu (1973/157): "Assim, em Veneza, ao GrandeConselho cabe a legislação; aos pregandi, a execução; aos guaranties, o poderde julgar. Mas o mal é que esses tribunais diferentes são formados por màgis-trados do mesmo corpo, o que quase faz com que componham um mesmo po-der" (grifei).

Montesquieu, l:omo vimos, além de jamais ter cogitado de uma efeti-va separação dos poderes, na verdade enuncia a moderação entre elescomo divisão dos poderes entre as potências e a limitação ou 'moderaçãodas pretensões de uma potência pelo poder das outras; daí por que, comoobserva AJthusser (1985/104), a "separação dos poderes" não passa da di-visão ponderada do poder entre potências determinadas: o rei, a nobreza eo "povo".

O ponto de partida de Montesquieu no Livro IX de O espírito das leisé a liberdade: "Encontra-se a liberdade política unicamente nos Estadosmoderados. Porém ela nem sempre existe nos Estados moderados: só exis-te nesses últimos quando não se abusa do poder; mas a experiência eternamostra que todo homem que tem poder é tentado a abusar dele; vai atéonde encontra limites (. ..). Para que não se possa abusar do poder é precisoque, pela disposição das coisas, o poder freie o poder" (1973/156; cap.N). Ora, se a liberdade só pode existir nos Estados moderados nos quaisninguém abuse do poder, a divisão dos poderes encerra em si a virtude,precisamente, do equiltôrio. Esse equilíbrio é que AJthusser (1985/lO3"104) visualiza na divisão dos poderes entre as potências _ o que importaque, nos Estados moderados, o poder não seja absoluto, porque, mercê da-quele equilíbrio, controlado (MiaiHe 1985/200).

175CRÍTICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

mados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor" (Mon-tesquieu 1973/160).

A desimportância atribuída por Montesquieu ao poder de julgar decorre dacircunstância de, à época, ser ele efetivamente menor. Aqui desejo traçar, desdelogo, paralelismo entre essa desimportância e a de outro poder (função), àquela.época inconcebível e, ainda hoje, injustificadamente tido como desimportante.Refl1'O-me a um novo poder (função) empalmado pelo Estado, o de implementarpolfticas públicas. A propósito, a observação de Fábio Konder Comparato(1985/408): "A omissão das Constituições modernas em regular a realização depolíticas, ocupando-se unicamente da produção do direito, toma inoperante a di-visão dos poderes, seja como mecanismo de limitação do poder estatal (preocu-pação original), seja como disciplina da eficiência governamental (preocupaçãoatual)".

Daí por que, em rigor, Montesquieu nos coloca diante de dois pode-res, o Executivo e o Legislativo, o que o leva a afumar, no capítulo XXVIIdo Livro XIX de O espírito das leis (1973/284), que a Constituição queconcebe não prevê senão "dois poderes visíveis _ o Legislativo e o Exe-cutivo" (v. Eisenmann 1985/54 e ss.).

10.2 Poder e função

07. Retomando o tema da distinção entre poder e função, cumpre ob-servarmos que o poder estatal compreende várias junções. A classificação

. mais freqüentemente adotada, dessas funções, é a que _ na expressão deSanti Romano (1974/173) - concerne aos ofícios ou às autoridades queas exercem. Trata-se da classificação que se denomina orgânica ou ins-titucional. Segundo ela, tais funções são a legislativa, a executiva e ajurisdicional.

Se, porém, pretendermos classificá-las segundo o critério material,teremos: a função nOrmativa - de produção das normas jurídicas (= tex-tos normativos); a função administrativa _ de execução das normas jurí-dicas; a função jurisdicional_ de aplicação das normas jurídicas.

Aquela primeira classificação decorre da adoção de um sistema or-ganizacional, construído precisamente sobre a técnica da divisão dos po-deres. A busca de ~ classificação material, no caso, nos conduz à deter-minação da noção de junção estatal.

Tome-se, para tanto, do vocábulo função no sentido que lhe atribuiRenato AJessi (l978/3), a partir da noção de poder estatal: este, enquanto

Observa ainda Montesquieu (1973/158): "Porém, se os julgadores não de-vem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a tal ponto, que nunca sejam mais doque um texto exato da lei".

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08. Entenda-se por função estatal a expressão do poder estatal, en-quanto preordenado àsjinalidades de interesse coletivo e objeto de um de-

preordenado àsjinalidades de interesse coletivo e enquanto objeto de umdever jurídico, constitui umafunção estatal.

Neste ponto impõe-se a determinação de uma precisão a propósito douso da palavra poder. Por um lado, o poder é expressão de uma capa-citação para efetivamente realizar ou impor a realização de detemiinadoftm. Quando nos referimos a poder estatal, visualizamos o poder - polí-tico - juridicamente organizado. Assim, se o Estado é uma ordem jurídi-ca, o poder estatal é capacitação para a realização dos ftns dessa ordem.Neste sentido é que AIessi menciona poder estatal: o poder, no orde-namento estatal, se traduz em umafunção - mas a idéia de função envol-ve a consideração do poder desde o seu aspecto material. Podemos usar amesma palavra, todavia, com ênfase não no seu aspecto material, mas nosubjetivo. Então, ao referirmos, v.g., os Poderes Legislativo, Executivo eJudiciário, estaremos a mencionar os centros ativos de funções, ou seja, os6rgãos incumbidos de sua execução (AIessi 1978/14-15).

Fixadas tais noções, veriftcamos que na menção aos Poderes Legisla-tivo Executivo e Judiciário estamos a referir centros ativos de funções _daftnção legislativa, dafunção executiva e dafunção jurisdicional. Essaclassiftcação de funções estatais, todavia, decorre da aplicação de um cri-tério subjetivo; estão elas assim alinhadas não em razão da consideraçãode seus aspectos materiais.

Retomando à exposição de Locke, teremos que ele, materialmente,alinha três funções: a executiva, a legislativa e afederativa, propondo, noentanto, desde a perspectiva subjetiva, uma separação dual, entre PoderesLegislativo - de um lado - e Executivo-Federativo - de outro. Já,Montesquieu, na busca do equilíbrio éntre os poderes - centro ativos defunções (aspecto subjetivo) -, recomenda exerça o Executivo parcelas depoder (aqui usada a palavra no sentido material) legislativo.

Em conseqüência, demónstra-se a correção do anteriormente aftrma-do. A classiftcação das funções estatais em legislativa, executiva e juris-dicional é corolário da consideração do poder estatal desde o seu aspectosubjetivo: desde tal consideração, identiftcamos, nele, centros ativos quesão titulares, precipuanlente, de detérminadas funções. Estas são assimclassiftcadas em razão das ftnalidades a que se voltam seus agentes - istoé, ftnalidades legislativas, executivas e jurisdicionais. Tal classificação,como vimos, tem caráter orgânico ou institucional.

As funções estatais, porém, quando classificadas desde o critério ma-terial, levarão à deftnição de diversa taxionomia. Isso passo, em seguida,a demonstrar.

Aqui, tomo da noção de ordenamento jurídico tal como concebida pe-los institucionalistas, que encontram a sua unidade no impulso prático queele, como instituição social, recebe no seu processo de formação (Frosini1981/30).

177CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

10.3 NonnajurúJica

09. A introdução do conceito de função normativa supõe a colocaçãode duas premissas: 111

) a norma jurídica constitui um elemento essencialdo ordenamento jurídico; 211

) a norma jurídica consubstancia inovação depreceito primário no ordenamento jurídico.

A postUlação de tais premissas coloca imediatamente em pauta a no-ção de ordenamento jurídico. Esta é geralmente ftxada na afirmação deque o conjunto das normas jurídicas, consideradas umas em relação às ou-tras, o constitui. .

O Vocábulo "ordenamento", não obstante, ainda quando qualificado pejoadjetivo 'Jurídico", compreende sentidos diversos (v. Frosini 1981/8). Os pri-meiros a colocarem a noção foram os institucionalistas, no começo do século. Otema recebeu tratamento detido de KeIsen, para quem ordenamento jurídico edireito positivo coincidem, razão pela qual o ordenamentp se reduz a' um si:;te-ma normativo. Neste sentido, (j ordenamento jurídico deve ser entendido cornoum sistema fechado, completo, dotado de unidade e homogeneidade.

ver jurídico - tomada a expressão poder estatal, então, no seu aspectomaterial.

Aconsideração do poder estatal desde tal aspecto, assim, liberta-nosda tradicional classificação das funções estatais segundo o critério orgâni-co ou institucional. Nesta última, porque o poder estatal é visualizado des-de a perspectiva subjetiva, alinbam-se as funções legislativa, executiva ejurisdicional, a que estão vocacionados, respectivamente, os PoderesLegislativo, Executivo e Judiciário.

Mastado, contudo, o critério tradicional de classificação, fixemo-nosnaquele outro, que conduz à seguinte enunciação: .

i) função normativa -de produção das normas jurídicas (= textosnormativos);

ii) função administrativa - de execução das normas jurídicas;iii)função jurisdicional- de aplicação das normas jurídicas.Tomarei como ftos condutores da minha demonstração, para preci-

puamente cogitar dafunção normativa e dafunção legislativa, como severá, a noção de ordenamento jurídico e algumas colocações de RenatoAIessi. .

o DIREITO POSTO E O DIREITO PRttUPOSTO176

'-.

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A designação normas primárias, em contraposição às secundárias, pode a~-sumir várias significações: indica tanto uma relação temporal, quanto uma rela.ção funcional, quanto - ainda - uma relação hierárquica (v., a propósito,Bobbio 1970/175 e ss.).

10. Isto posto, conceituaremos a nonua jurídica como o preceito, abs-trato, genérico e inovador - tendente a regular o comportamento socialde sujeitos associados - que se integra no ordenamento jurídico.

Relembre-se, a propósito, que a nonua jurídica não tem existênciaisolada, mas sim em um complexo de outras nonuas relacionadas entre si.Daí por que Bobbio (1960/3) acentuou que a construção de uma teoria dodireito supõe o desenvolvimento de uma teoria da nonua jurídica e de umateoria do ordenamento jurídico.

Outra característica da nonua jurídica, porém, como enfatiza Alessi(1978/5) - além das já apontadas -, é a de constituir um preceito primá-rio, no sentido de que se impõe por força própria, autônoma.

Os ordenamentos jurídi~os são referidos como primários porque seimpõem, aos grupos sociais a que respeitam, por virtude própria, isto é,por força primária - tal como ocorre com as nonuas. Assim, se o caráterinovador da nonua a peculiariza, seus reflexos, em termos de inovação _para que existam como tais -, penetram o próprio ordenamento. Por issoque a"nonua configura inovação no ordenamento jurídico e, daí, é de serdeftnida como preceito primário. A característica da inovação, destarte,está subsumida na primariedade da nonua.

Deixando, neste passo, à margem considerações que Alessi (1978/5)traça a respeito da coligação entre os atributos de abstração e generalidadeda nonua - com a subsunção do segundo no primeiro _, nele recolha-mos a noção de que por função normativa deve entender-se aquela deemanar estatuições primárias - isto é, operantes por força própria _contendo preceitos abstratos (1978/6; Alessi refere: "contendo normal-mente preceitos abstratos").

Um outro ponto de extrema relevância, porém, deve ser aqui enfati-zado. Refuo-me à circunstância de Alessi apartar a noção de primarie-dade da de originariedade. Por isso, tem como primário _ isto é, impostopor força própria - mesmo um preceito que integra um ordenamento de-rivado ou um preceito que seja emanado com fundamento em uma atri-buição de poder normativo conferida a órgão que ordinariamente não odetenha (1978/5).

Daí, por outro lado, a enunciação dafunção normativa como aquelade emanar estatuições primárias - seja em decorrência do exercício depoder originário para tanto, seja em decorrênCia de poder derivado _contendo preceitos abstratos e genéricos.

10.4 Função nonnativa efunção legislativa

179CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

Afunção normativa, como passo a demonstrar, adotando ainda a ex-posição de AIessi, não se confunde com afunção legislativa.

11. Ao referir a função legislativa, Alessi (1978/6-7 e 14) indica serela construída - tal como venho aftnuando _ a partir de uma perspecti-va subjetiva, decorrente da adoção do sistema de divisão dos poderes.Consagrada tal adoção, resta confiada a determinados órgãos a tanto pre-dispostos a tarefa suprema de constituir (integrar) o ordenamento jurídico.A tais órgãos - que constituem o Poder Legislativo _, pois, na coloca-ção de Alessi, resulta conftada a tarefa de emanar estatuições primárias,isto é, que valem por força própria.

Mas - continua Alessi - ao Poder Legislativo está atribuída tam-bém a emanação de certos atos que não estão efetivamente voltados àintegração do ordenamento jurídico, albergando, portanto, diverso con-teúdo e diversa finalidade. Cumpre mencionar, neste passo, os atos legis-lativos que se refere como lei em sentido apenas formal. Trata-se de esta-tuições primárias, na medida em que emanadas do Poder Legislativo, ain-da que sem conteúdo nonuativo; leis, embora não possam ser caracteriza-das como normas jurídicas.

Alessi conclui sua exposição contrapondo as noções de lei e de nor-ma. Norma é todo preceito expresso mediante estatuições primárias (namedida em que vale por força própria, ainda que eventualmente com baseem um poder não originário, mas derivado ou atribuído ao órgão ema-nante), ao passo que lei é toda estatuição, embora carente de conteúdonormativo, expressa, necessariamente com valor de estatuição primária,pelos órgãos legislativos ou por outros órgãos delegados daqueles. A leinão contém, necessariamente, uma norma. Por outro lado, a norma não énecessariamente emanada mediante uma lei. E, assim, temos três combi-nações possíveis: a lei-norma, a lei não-norma e a norma não-lei.

A propósito da distinção entre lei em sentido material e lei em sentido for-mai, Duguit 19111132 e ss. e Canotilho 19811607-609.

12. A partir das colocações de AIessi podemos referir afunção legis-lativa como aquela de emanar estatuições primárias, geralmente _ masnão necessariamente - com conteúdo normativo, sob a forma de lei.

A noção de função legislativa, assim, é tautológica, fundada sobre umconceito formal. É certo, todavia, que não há como fugir à tautologia(Ferreira Filho 1978/93), visto como há estatuições primárias, contendo

eo DIREITO POSTO E O DIREITO PRESSUPOSTO178

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Um crítico menos atento poderia mesmo sustentar que o próprioAJessi, ao referir a/unção legislativa, dá a entender que, aos órgãos do Po-

V.g .• Bodenheimer (1966/309), ao referir as fontes formais do direito, aludea uma legislação autônoma e a uma legislação delegada; segundo Manoel Gon-çalves Ferreira Filho (1978/93), "é prática freqüentíssima o exercício pelo go-verno (o Executivo) do poder legislativo que lhe vem às mãos por meio de dele-gação - às ocultas ou às escâncaras".

13. Diante da realidade do exercício, nos dias que correm, pelo Exe-cutivo, de largas parcelas de capacidade normativa, a generalidade dosautores sustenta que tal desempenho envolve a dinamização de funçõeslegislativas. Ainda quando não expressamente formulada observação des-se jaez, é ela que se coloca como pano de fundo às afrrmações de queaquele exercício consubstancia derrogação do princípio da separação dospoderes e de que, no caso, há delegação de poder.

181CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

der Legislativo estando confiada a tarefa suprema de constituir (integrar)o ordenamento jurídico, mediante a emanação de estatuições primárias, aeles - órgãos do Poder Legislativo - incumbiria o exercício da funçãonormativa; pelo quê, em conseqüência, o exercício da função nonnativapelo Executivo dar-se-ia em virtude de delegação. Tanto mais quando opróprio AJessi, em determinado momento de sua exposição, afinna, sur-preendentemente, que a emanação de regulamento pelo Executivo consti-tui uma derrogação do princípio de divisão dos poderes (1978/12).

Não é esse, todavia, o seu entendimento (dele, Alessi), como se obser-va do exame de sua exposição sobre os regulamentos (1978/456-458). Osregulamentos são estatuições primárias - impostas por força própria _ainda que não emanados de um poder originário. Por isso se apresentamcomo derivados, no sentido de que devem fundar-se sobre uma atribuiçãode poder normativo contida explícita ou implicitamente na Constituiçãoou em uma lei formal.

O fundamento do poder regulamentar, pois, está nesta atribuiçãO depoder normativo - e não no poder discricionário da Administração(como, equivocadissimamente, apregoam nossos publicistas). Assini, ofundamento da potestade regulamentar decorre de uma atribuição depotestade normativa material, de parte do Legislativo, ao Executivo. Econclui AJessi (1978/458): "atribuizone da tenersi naturalmente ben dis-tinta daJla delega di potestà legislativa/ormale". Tal atribuição _ com-pleta - não há de ser necessariamente explícita,. surgindo, por vezes, de .modo implícito.

O que importa reter, neste passo, é o fato de que o exercício da/unçãoregulamentar, pelo Executivo, não decorre de uma delegação de funçãolegislativa.

Retomando, porém, as verificações até este passo enunciadas, tere-mos que, materialmente, classificamos as funções estatais em normativa,administrativa e jurisdicional. Procedida a classificação desde a perspec-tiva organizacional, todavia, teremos as funções legislativa. execuiiva ejurisdicional.

Daí, em uma tentativa de conciliação de critérios, teremos que a fun-ção normativa (material) compreende a/unção legislativa e a/unção re-gulamentar {institucionais)1 - mais a/unção regimental, se considerar-mos a normatividadeemanada do Poder Judiciário.

Em conseqüência - considerado que o princípio em referência não épara ser tomado em termos absolutos -, teremos que, efetivamente, naatribuição de/unção normativa (regUlamentar) ao Executivo não há der-rogação dele, visto como aí não ocorre delegaçãO de função legislativa.

I. Neste senlido, Sérgio Andréa Ferreira (1981158), dislinguindo entre função legisla-liva e poder normativo regulamentar.

eo DIREITO POSTO E O DIREITO PRESSUPOSTO180

preceito abstrato e genérico, que não são leis: reflfo-me às normas quenão são lei.

Na tentativa, portanto, de superação das distorções decorrentes do ca-ráter tautológico da noção de função legislativa, cumpre-nos recorrer aodireito positivo, para, no texto constitucional, identificarmos parâmetrosque iluminem a definição dos contornos desse ol:Jjeto, a lei.

É necessário apontar, de toda sorte, neste passo; que a distinção entrefunção normativa e função legislativa impõe-nos a manipulação de crité-rios distintos: a noção de/unção normativa pode ser alinhada desde a con-sideração de critério material; a de função legislativa apenas se tomaequacionável na consideração de critério formal. Isso, porém, é conse-qüência da circunstância de - como vimos - a legislativa alinhar-secomo um dos tipos de função 'estatal identificada em classificação que de-corre da adoção de um sistema organizacional, construído sobre a técnicada "separação" dos poderes.

O que importa reter, todavia, é a verificação de que - libertando-nosdaquela forma tradicional de classificação das funções estatais _ podere-mos (e deveremos) classificá-las desde a perspectiva material.

Donde a seguinte taxionomia:/unção normativa _ a de produção dasnormas jurídicas (= textos normativos); função administrativa _ a deexecução das normas jurídicaS; função jurisdicional- a de aplicação dasnormas jurídicas. .

Mais ainda - cumpre reter também -, entende-se cQmo funçãonormativa a de emanar estatuições primárias, seja em decorrência doexercício do poder originário para tanto, seja em decorrência de poderderivado, contendo preceitos abstratos e genéricos.

I.

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10.5 Os regulamentos e a legalidade no direito brasileiro

Sobre a função regulamentar, no Brasil, impõe-se a leitura de Víctor NunesLeal (1960/57 e ss.), Caio Tácito (1953/473 e 1955/261) e Leães (1978/37 e ss.).

Apenas cabe referirmos delegação de ./Unção legislativa, pois, quando oExecutivo a desempenhe (ela, ./Unção legislativa, como ocorre nas hipóteses dosarts. 62 e 68 da Constituição de 1988).

Um outro ponto, de toda sorte, atinente ainda ao tema dos regulamen-tos, deve ser ferido. É que a nossa doutrina tem, com grande freqüência,aludido ao princípio da legalidade como impedi ente do exercício, peloPoder Executivo, da função regulamentar, salvo no que respeite à produ-ção de regulamentos de execução.

183CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

Nesta oportunidade pretendo, no exame do princípio da legalidade,cogitar exclusivamente de um dos múltiplos aspectos, nele, a reclamaratenção. Tome-se o seu enunciado na Constituição de 1988, art. 52, lI:"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude de lei".

Ora, há visível distinção entre as seguintes situações: i) vinculação daAdministração às definições da lei; ii) vinculação da Administração às de-finições decorrentes - isto é, fixadas em virtude dela - de lei. No pri-meiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da re-serva da norma (nOlma que pode ser tanto legal quanto regulamentar; ouregimental).

fun, o princípio da Vedação da delegação de atribuições _ parágrafo único doart. 6

2da Emenda Constitucional n. 1/69 -, embora não positivado na Constitui-

ção de 1988, proíbe delegações, ressalvadas exclusivamente exceções prevista~na própria Constituição; assim, o Legislativo não poderia delegar suas funçõe.~ao Executivo, para o efeito da produção de regulamentos. Seriam, portanto, inad-missíveis, no Brasil, os regulamentos delegados e os regulamentos autônomos.

A única função dos regulamentos de execução, no direito brasileiro, seria ade desenvolver a lei, no sentido de deduzir os diversos comandos já nela vir-tualmente abrigados (não, pois, a de explicitar ou explicar a lei, de enunciar ainterpretação da lei ou de a desenvolver - no sentido de expressar o que nãoestá expresso no alcance das disposições legais). Seu objeto seria a disciplinadas situações em que cabe 'discricionariedade administrativa. no cumprimentoda lei, da qual resultariam düerentes comportamentos administrativos possíveis(por isso, os regulamentos poderiam apenas estabelecer regras e padrões a se.rem adotados pelos agentes da Administração, quando de sua atuação, comomeio para o cumprimento da lei; apenas poderiam indicar a maneira de ser ob.servada a lei; não poderiam gerar obrigações ou direitos novos, isto é, não pre-viamente contidos na lei). O poder hierárquico seria o fundamento da função re-gulamentar; seus destinatários, exclusivamente os agentes da Administração. Osregulamentos defmiriam a maneira de proceder dos agentes da Administração,no cumprimento da lei; não poderiam, portanto, em nenhuma hipótese, vincular) comportamento dos particulares.

Essa doutrina, como se vê, adota uma visão inteiramente errônea da teoriada tripartição dos poderes, concebendo-a como proposta de separação e não deequilfbrio entre os poderes, além de prestar acatamento exagerado, e radical, àideologia liberal. Por isso mesmo, ignora a realidade, supondo-a existente emfunção do direito ... Em favor dessa doutrina, a Constituição brasileira de 1988refere, no ~ 42 de seu art. 60, com todas as suas letras, a "separação dos Pode-res'" Esse texto, não obstante, deve ser interpretado, o que importará inter-penetração entre o mundo do dever-ser e o mundo do ser, além de uma necessá-ria reflexão, para o quê não basta, a quem pretende interpretar, ser alfabetizado.O tratamento do direito não é acessível a amadores; nem mesmo a profissionaisdesatualizados em relação à evolução do pensamento jurídico.

o DIREITO POSTO E O DIREITOtlSSUPOSTO182

14. A exposição que desenvolvi a propósito das funções estatais per-mitiu-me demonstrar o equívoco que tem sistematicamente circundado asanálises que entre nós são desenvolvidas a propósito dos regulamentos.

Vimos, assim, que o Legislativo não é titular de monopólio senão dafunção legislativa, parcela dafunção normativa, e não de toda esta, comoa recepção irrefletida da teoria da "separação" dos poderes, à primeira vis-ta, indica.

A maioria de nossos publicistas classifica os regulamentos em quatro tipos:i) os regulamentos executivos (ou de execução) destinam-se ao desenvolvimen-to de textos legais, tendo em vista a fiel execução da lei; ti) regulamentos dele.gados são os que, em decorrência de delegação legislativa, o Poder Executivoemana como manüestação unilateral de sua vontade, suficientes para inovar aordem jurídica; iii) regulamentos autônomos (ou independentes) são os que,consubstanciando inovação na ordem jurídica, emanam do Poder Executivo nãocomo mero desenvolvimento de lei anterior e independentemente de delegaçãolegislativa; são expressões da prerrogativa do exercício de funções normativa~pelo Poder Executivo; iv) regulamentos de urgência ou necessidade são os queemanam do Poder Executivo' em situação excepcional, de verdadeiro estado denecessidade, para impedir danos ao interesse público, que não seriam evitadossenão mediante a sua emanação. Importa, no contexto desta exposição, cuidar-mos especialmente dos três primeiros tipos.

A doutrina nacional sustenta que, entre nós, o sistema constitucional vigentes6 admite a existência dos regulamentos de execução. E isso porque o art. 52, lI,e o art.84, IV, da Constituição de 1988 impedem que Executivo, por ato seu, pos-sa estabelecer restrições à liberdade e à propriedade dos indivíduos. A razão do.Estado de Direito é a defesa do indivíduo contra o Poder Público, para o quê sesustenta sobre a tripartição do exercício do poder. Assim, só a lei pode imporobrigações aos indivíduos; jamais meros atos do Poder Executivo. Ademais, oart. 84, IV, limita a ação do Chefe do Poder Executivo. Logo, entre nós apenasseria admitida a emanação de regulamentos para fiel execução das leis. E, por

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15. Onde e quando não houver transferência de função legislativa, doLegislativo para o Executivo (ou para o Judiciário), não há que falar emdelegação, nem em derrogação do princípio da divisão dos poderes .

Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operemem atos normativos não da espécie legislativa - mas decorrentes de pre-visão implícita ou explícita em atos legislativos contida -, o princípio es-tará sendo devidamente acatado. No caso, o princípio da legalidade ex-pressa reserva da lei em termos relativos (= reserva da norma), razão pelaqual não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Executivo para,no exercício de função normativa, definir obrigação de fazer e não fazerque se imponha aos particulares - e os vincule.

Voltando ao art. 5Q, 11, do texto constitucional, verificamos que, nele,

o princípio da legalidade é tomado em termos relativos, o que induz a con-clusão de que o devido acatamento lhe estará sendo conferido quando _manifesta, explícita ou implicitamente, atribuição para tanto _ ato nor-mativo não legislativo, porém regulamentar (ou regimental), definir obri-gação de fazer ou não fazer alguma coisa imposta a seus destinatários.

Tanto isso é verdadeiro - que o dispositivo constitucional em pautaconsagra o princípio da legalidade em termos apenas relativos _ que empelo menos três oportunidades (isto é, no art. 5Q, XXXIX, no art. 150, I, eno parágrafo único do art. 170) a Constituição retoma o princípio, então oadotando, porém, em termos absolutos: não haverá crime ou pena,. nemtributo, nem exigência de autorização de órgão público para10 exercíciode atividade econômica, sem lei - aqui entendida como tipo específicode ato legislativo - que os estabeleça. Não tivesse o art. 5Q, 11, consagra-do o princípio da legalidade em termos somente relativos, e razão não ha-veria a justificar a sua inserção no bojo da Constituição, em termos entãoabsolutos, nas hipóteses referidas.

Dizendo-o de outra forma: se há um princípio de reserva da lei _ ouseja, se há matérias que só podem ser tratadas pela lei -, evidente que asexcluídas podem ser tratadas em regulamentos; quanto à definição do queestá incluído nas matérias de reserva de lei, há de ser colhida no textoconstitucional; quanto a tais matérias não cabem regulamentos. Inconce-bível a admissão de que o texto constitucional contivesse disposiçãodespicienda - verba cum e./fectu sunt accipienda.

Resta evidenciado, desta sorte, não importar ofensa ao princípio da le-galidade inclusive a imposição, veiculada por regulamento, de que al-guém faça ou deixe de fazer algo, desde que isso decorra, isto é, venha, emvirtude de lei. Note-se, ademais, que, quando o Executivo expede regula-mentos - ou, o Judiciário, regimentos -, não o faz no exercício de dele-gação legislativa.

A consideração assim enunciada nos faz retomar à exposição de Re-nato AJessi.

Observe-se, parenteticamente, que a "separação" dos poderes não está pre-sa a arquétipos apriorísticos; ela é historicamente determinada _ por isso,consubstancia um non sense falarmos em "derrogações da separação dos pode-res"; a "separação" dos poderes existe em cada direito positivo se nele contem-plada e qual nele tenha sido contempl8da (Canotilho 1981/72-75).

185CRÍTICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

Logo, quando o Executivo e o Judiciário emanam atos normativos decaráter não legislativo - regulamentos e regimentos, respectivamente _,não o fazem no exercício de função legislativa, mas sim no desenvolvi-mento de função normativa. Relembre-se que a função legislativa, emface do direito positivo nacional, consiste na emanação de estatuições pri-márias, em decorrência de poder originário para tanto, geralmente _ masnão exclusivamente - com conteúdo normativo, sob uma das formas de-finidas no art. 59 do texto constitucional. De outra parte, afunção regula-mentar - bem assim função regimental, exercitada pelo Judiciário _consiste na emanação de estatuições primárias, em decorrência de poderderivado, com conteúdo normativo.

Daí por que, evidenciadamente, o exercício da função regulamentar eda função regimental não decorre de delegação de função legislativa, nãoenvolvendo, portanto, derrogação do princípio da divisão dos poderes.

16. Em determinado momento, no alinhamento de sua construção,AJessi (1978/12) afirma que a emanação de regulamento pelo Executivoconstitui uma derrogação do princípio dà divisão dos poderes. E, adiante(1978/457-458), sustenta que o poder regulamentar - porque os regula-mentos se apresentam como derivados - encontra seu fundamento emuma atribuição de poder normativo, e não no poder discricionário da Ad-ministração. Estou em desacordo, nestes dois pontos, com AJessi.

Quanto à primeira afirmação, parece-me, irrepreensível a conclusãoanteriormente definida, segundo a qual só ocorre derrogação do princípioda divisão dos poderes onde e quando tiver se verificado _ no caso _delegação de função legislativa. Ora, se na hipótese dos regulamentos nãohá, delegação de função legislativa - e é o próprio AJessi quem o afirma(1978/458) -, por força, não há que conceber, aí, derrogação do prin-cípio.

No que tonceme à segunda aftrrnação, observo, inicialmente, que afunção normativa, assim de5ignada e tendo seu conteúdo definido a partirde uma classificação material das funções estatais, está originariamenteespraiada pelo todo que constitui o Estado. Apenas, em conseqüência da

eo DIREITO POSTO E O DIREITO PRESSUPOSTO184

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Page 12: 07 EROS ROBERTO GRAU - o Direito Posto e o Direito Pressuposto

Essa atribuição conferida ao Executivo pelo Legislativo consubstancia per-missão para o exercício de função que é própria do Executivo, corno faculdadevocacionada à integração do ordenamento jurídico. Por isso, ela preexiste à atri-buição, da qual podemos dizer cumprir o papel de instrumento do controle dalegalidade daquele exercício. Assim, a atribuição conferida ao Executivo paraaludido exercício poderia ser comparada ao tiro de partida que é dado para quese desenrole uma corrida de 100 metros; a faculdade de correr velozmente éprópria a quem participa da prova, corno é própria ao Executivo, repito, a fim-ção normativa regulamentar.

Após deixar bem vincado esse ponto, posso e devo concluir que o de-senvolvimento, pelo Executivo, da função regulamentar efetivamente não'consubstancia exercício de função legislativa, razão pela qual não há quecogitar, na hipótese, de delegação desta última àquele.

E assim é - repito - ainda quando a esse desenvolvimento seja con-seqüente a imposição de obrigações de fazer ou deixar de fazer algumacoisa, desde que tenha ele decorrido de uma atribuição de poder nor-mativo, explícita ou implicitamente contida em ato legislativo _ a impo-sição de tal obrigação, então, terá surgido "em virtude de lei".

adoção de um determinado sistema organizacional, parte dela, transmu-tada em função legislativa, é destinada à titularidade do Legislativo. Nãoobstante, remanescem as partes restantes, como faculdades do Executivoe do Judiciário. Apenas, em razão da contemplação daquele sistema, quesupõe a divisão de poderes - não, porém, para cindi-Ios, mas para tê-losem situação de equiltbrio -, o exercício de tais faculdades reclama umaatribuição, explícita ou implicitamente reconhecida em ato legislativo.

A norma jurídica, como anteriormente vimos, é preceito abstrato, ge-nérico e inovador que se integra no ordenamento jurídico. Por isso, nãotem existência isolada, mas sim em um complexo de outras normas rela-cionadas entre si, isto é, no ordenamento jurídico. A função normativa,desde este aspecto, pois, está vocacionada à integração do ordenamentojurídico. Neste sentido, diviso o fundamento da função normativa, en-quanto faculdade a ser exercitada pelo Executivo - função regulamentar~ e pelo Judiciário - função regimental -, não na permissão (atribui-ção) para o seu exercício, mas na vocação do ordenamento jurtdico a rea-lizar-se como um todo, para o quê é indispensável a ativação da funçãonormativa em sua globalidade. Isto é, das funções legislativa, regulamen-tar e regimental, e não apenas da primeira delas.

Assim, cumpre observar que a exigência de o exercício sobretudo dafunção regulamentar condicionar-se a atribuições do Legislativo é meroexpediente tendente à promoção do equilíbrio na dinâmica dos poderestripartidamente organizados, sem que tal signifique a não preexistência detais funções, como faculdadesvocacionadas à integração do ordenamento.. , .

187CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

17. Note-se bem que acatar o princípio da legalidade, no quadro inte-grado pelos regulamentos, é só admitir o exercício de potestade regula-mentar prévia e normativamente (= por lei) atribuída ao Executivo.

Quem não se recusa a conhecer a realidade sabe que existem, no direi-to positivo brasileiro, três tipos de regulamento: os de execução, os equi-vocadamente chamados de "delegados" e os autônomos.

Os regulamentos de execução decorrem de atribuição explícita doexercício de função normativa ao Executivo (Constituição, art. 84, IV). OExecutivo está autorizado a expedi-los em relação a todas as leis (inde-pendentemente de inserção, nelas, de disposição que autorize emanaçãodeles). Seu conteúdo será o desenvolvimento da lei, com a dedução doscomandos nela virtualmente abrigados. A eles se aplica, sem ressalvas, oentendimento que prevalece em nossa doutrina a respeito dos regulamen-tos em geral. Note-se, contudo, que as limitações que daí decorrem alcan-çam exclusivamente os regulamentos de execução, não os "delegados" eos autônomos.

Observe-se, ainda, que, algumas vezes, rebarbativamente(art. 84, IV),determinadas leis conferem ao Executivo autorização para a expedição deregulamento tendo em vista sua fiel execução; essa autorização apenasnão será rebarbativa se, mais do que autorização, impuser ao Executivo odever de regulamentar.

E nem se alegue estou a valer-me de um jogo de palavras (em virtude deleI) sacado do texto da Constituição de 1988, para argumentar. A redação dopreceito, exatamente corno adotada pela Constituição vigente, pode ser lida naConstituição de 1824 (art. 179, n, na de 1891 (art. 72, ~ I º), na de 1934 (ar!.113,2) - a de 1937 não consagrou o princípio -, na de 1946 (ar!. 141, ~ 2º),na de 1967 (art. 150, ~ 22) e na Emenda Constitucional n. 1/69 (art. 153, ~ 2º) ...

A conclusão assim firmada é, de resto, a que guarda compatibilidadecom a ideologia consagrada no vigente texto constitucional, que reclamae exige, de modo intenso, na ação do Executivo, uma aproximação cadavez maior entre pOlítica e direito, ao contrário do que sucedia no Estadoliberal.

Observa Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1978/63): "A teoria clássica da di-visão dos poderes, construída com um claro acento anti-hierarquizante e com afinalidade de explodir a concepção mono-hierárquica do sistema político, irá ga-rantir de certa forma urna progressiva separação entre política e direito, regulan-do a legitimidade da influência política na Administração, que se torna to!<llrnen-te aceitável no Legislativo, parcialmente aceita no Executivo e é fortemente neu-tralizada no Judiciário, dentro dos quadros ideológicos do Estado de Direito".

É certo que há, no momento em que preparo os originais deste texto para pu-blicação, um intento macunaúnico neoliberal em marcha. De toda sorte, a ideo-logia consagrada na Constituição de 1988 ainda não foi substituída por outra.

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Outras vezes essa atribuição é mais extensa, então se configurandohipóte~e de regulamento "delegado ". Será necessário, portanto, em cadacaso verificarmos qual o sentido daquela atribuição. Se do primeiro tipo(própria aos reguiamentos de execução), o Executivo estará sujeito àque-les limites (desenvolvimento da lei, com a dedução dos comandos nelavirtualmente abrigados); se do segundo tipo, não.

Os regulamentos "delegados", assim indevidamente chamados, por-que não decorrem de nenhuma delegação de função _ e que, portanto,adequada e corretamente, chamo de regulamentos autorizados _, sãoemanados a partir de atribUição explícita do exercício de funçãonormativa ao Executivo. Dela encontramos exemplo no are 153, * Iº, daConstituição (exceção à legalidade estrita) e em leis ordinárias que con-templam disposições do tipo "fica o Poder Executivo autorizado a regu-lamentar as atividades (. ..)", ou do tipo "o Poder Executivo regulará a for-ma e o processo para aplicação do disposto no (...)". Essas leis ordináriasou permitem a emanação de regulamento ou conferem o dever de sua ema-nação. Torno a repetir que o que se atribui ao Executivo é o exercício defunção normativa, e não de função legislativa; logo, não há, no caso, qual-quer delegação. Erradíssima, pois, a menção, no caso, a regulamento "de-legado"; cuida-se, no caso, de regulamento autorizado.

O Executivo fica sujeito, ao editar esses regulamentos autorizados,exclusivamente às limitações definidas na atribUição explícita do exercí-cio da sua função normativa. Logo, esses mesmos regulamentos autoriza-dos podem impor obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa (essaobrigação terá sido imposta em vinude de lei).

Os regulamentos autônomos ou independentes são emanados a partirde atribuição implícita do exercício de função normativa ao Executivo,definida no texto constitucional ou decorrente de sua estrutura. A suaemanação é indispensável à efetiva atuação do Executivo em relação adeterminadas matérias, definidas como de sua competência.

Verifica-se, portanto, no caso deles, atribuição implícita do exercíciode função normativa na destinação. de oeterminada competência ao Exe-cutivo. O exercício da função administrativa impõe, em certos casos, oexercício ancilar de função normativa. Exemplifico com o are 21, XII, daConstituição de 1988, que assinala a competência da União _ Executivo- para explorar determinados serviços públicos. Quando essa exploraçãose dá mediante autorização, permissão ou concessão, se impõe a emana-ção de regulamento autônomo para regulamentar a exploração dos servi-ços. Outros exemplos encontraremos nos incisos IX, X e XII do are 84, eseu parágrafo único, do texto constitucional.

O Executivo, ao editar esses regulamentos, fica sujeito a limitaçõesdecorrentes da atribuição implícita, evidentemente neles podendo definir-

10.6 As leis-medida

Ainda quando esboçam o empreendimento de reflexão não meramenterepetitiva do que já foi equivocadamente dito por algum outro autor, ainda en-tão, em especial quanto a este tema, novos equívocos são consumados. Clemer-son Cléve (1993/215), por exemplo, sustenta que o Executivo exerce atividadelegislativa quando emana decretos regulamentares; ademais, adiante diz que "ogoverno, no momento que emana o regulamento, não exerce função legislativa(como quando promulga medida provisória ou lei delegada), mas sim verdadei-ra função administrativa" (1993/221).

18. O conjunto das observações até este ponto produzidas perrnite-me, por derradeiro, ferir o tema das leis-medida (Massnahmegesetze), quesurgem no bojo do movimento que Vincenzo Spagnuolo Vigorita (1962/23-24) refere como amministrativizzazione do direito público: aí a fraturaentre hierarquia formal e substancial e a divergência entre força e valor ju-rídico-formai e relevância efetiva dos atos legislativos e administrativos.A lei toma-se vaga nos seus enunciados, imprecisa nos seus pressupostos

189CRITICA DA "SEPARAÇÃO DOS PODERES"

se a imposição, inclusive, de obrigação de fazer ou deixar de fazer algumacoisa.

Isto posto, reconstruindo a classificação dos regulamentos no Brasil,teremos:

i) regulamentos executivos ou de execução, que são os que, decorren-do de atribuição do exercício de função normativa explícita no texto cons-titucional (art. 84, IV, injine), destinam-se ao desenvolvimento da lei, nosentido de deduzir os diversos comandos nela já virtualmente abrigados;

ii) regulamentos autorizados, que são os que, decorrendo de atribui-ção do exercício de função normativa explícita em ato legislativo, impor-tam o exercício pleno daquela função - nos limites da atribuição _ peloExecutivo, inclusive com a criação de obrigação de fazer ou deixar de fa-zer alguma coisa;

iii) regulamentos autônomos ou independentes, que são os que, decor-rendo de atribuição do exercício de função normativa implícita no textoconstitucional, importam o exercício daquela função pelo Executivo parao fim de viabilizar a atuação, dele, no desenvolvimento de função admi-nistrativa de sua competência; envolvem, quando necessário, inclusive acriação de obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

Evidentemente, não estou a propor a liberação do Executivo para "le-gislar". Pelo contrário, reconhecer o desenho correto do princípio, talcomo contemplado pelo direito braSileiro, significa possibilitarmos o con-trole do exercício dafunção regulamentar pelo Executivo, ao que se recu-sam nossos publicistas, sob o argumento de que os regulamentos sãoinconstitucionais ...

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de aplicação e elástica em sua detenninação; de outro lado, contudo, pas-sa a disciplinar diretamente interesses de segundo grau, mostrando-seimediata e concreta tal qual um procedimento administrativo especial. Naprimeira hipótese, a lei se realiza através da prática de um ato administra-tivo; na segunda, é, em si mesma, um ato administrativo especial (v. Com-parato 1971162).

Forsthoff (I 973aJ9- IO e 60-6 I) observa que a fronteira entre ação ad-ministrativa e ação legislativa desaparece quando (i) o Legislativo habili-ta o Executivo a legislar, quando (ii) o legislador passa à ação e não editamais regras abstratas e gerais, desenvolvendo medidas de execução, equando (iii) o legislador se abstém de qualquer regulamentação, deixandotudo, em relação a detenninada matéria, à liberdade da Administração. Nasituação indicada em "ii", as leis-medida. Daí operar-se, mOdemamente,como anota ainda Forsthoff (1973b/101-128), o declínio do conceito clás-sico de lei: o legislador não se limita mais a editar comandos gerais e abs-tratos; a aparência da generalidade de uma lei é só uma questão de fonnu-lação lingüística - com isso, um comando concreto reveste a fonna denonna geral.

O tema é amplamente examinado pela doutrina gennânica, resultan-do, da sua exploração, a verificação de que as leis-medida configuram atoadministrativo apenas completável por agente da Administração, mas tra-zendo em si mesmas o resultado específico pretendido ao qual se dirigem.Daí por que são leis apenas em sentido formal, não o sendo, contudo, emsentido material. As sementes da teorização desenvolvida em tomo delas,aliás, encontram-se precisamente na oposição entre ambas -lei em senti;do formal e lei em sentido material. Cuida-se, então, de lei não-norma. Eprecisamente a edição delas que a Constituição de 1988 prevê no seu art.37,XIXeXX.

Cuida-se, aí, de leis ape!1as em sentido formaI, leis que não são norma juó-dica dotada de generalidade e abstração; leis que não constituem preceito pri-mário, no sentido de que se impõem por força própria, autônoma (Alessi 1978/5). Vide Carl Schmitt (1971IXVI e 106 e ss.), Larenz (1983/360). Canotilho(1991/829-832 e ss. e 1981/609-611 e 616-619) e Ataíde (1970/28-29).

A Súmula 266 do Supremo Tribunal FederaI não está referida às leis-medida.A propósito, Hely Lopes MeirelIes (1995/31) e Seabra Fagundes (1979/261 e ss.).

Uma derradeira observação, aqui, ainda se impõe, referida à circuns-tância de ao movimento a que Vigorita refere como amministrativizza-zione, que importa a transferência de função administrativa ao Legisla-tivo, ser paralelo o da ampliação dafunção normativa _ regulamentar-do Executivo. A interpenetração de funções deixa bem evidenciada, nestepasso, a face real da exposição de Montesquieu, atinente ao equilíbrio enão à "separação" de poderes.

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