GRAU, Eros Roberto - Ensaio Sobre Interpretação e Aplicação Do Direito

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.. INTERPRETAÇA( Eros Roberfo Grau Este livro é dois livros: um Ensaio e um PiSCtlfSU. O Discurso é para ser lido; o Ensaio, para ser consultado. Ele é o resultado de reflexões do Autor em torno do tema da infefjJfefafio do tlireifoapós a publicação de duas versões de um mesmo livro, ia PUjJjJiaPesfftlfftlfazione dei Piríffo, editado em Milão, e ia /Joble /Jesesfrtlcftlfacíón y la!nfefpfefacíón de! /Jefecno, em Barcelona. Esta, contudo, não é uma versão em português daqueles li- vros, porém um outro, uma meditação sobre a infefpfefafio do direifo. Sobre ele diz o Autor: "Não pretendo produzir, aqui, um discurso prescritivo, no sentido de propor pautas para a interpretação do direito. Minha exposição é descri- tiva - desejo relatar como se processa a interpretação do direito". Dessa forma o Autor compôs um Ensaio sobre a InflJfpfefafio/Aplícafio do /Jireito, e, em seguida, retomando o tema, mas deixando de lado maiores rigores acadêmicos, produziu um texto de fácil leitura, quase literário, que se lê de um fôlego, a que ele chamou de /JiSCtlfSO. Ambos rigorosamente compostos, de acordo com a melhor doutrina e os mais atuais preceitos da teoria geral do direito. __ MALHEIROS :~:EDITORES ensaio e discurso sobre a !I NTE RPRETAÇÃO / APLICAÇÃO t DO DIREITO '. 4& edi~ão ~ - I I I iJi I EROS ROBERTO GRAU Jil, 6 O, 4~, -- -- .. ~ -

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GRAU, Eros Roberto. Ensaio sobre interpretação/aplicação do Direito.

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..INTERPRETAÇA(

Eros Roberfo Grau

Este livro é dois livros: um Ensaio e um PiSCtlfSU.O Discurso é para ser lido;o Ensaio, para ser consultado.

Ele é o resultado de reflexões do Autor em torno do tema da infefjJfefafio dotlireifoapós a publicação de duas versões de um mesmo livro, ia PUjJjJiaPesfftlfftlfazionedei Piríffo, editado em Milão, e ia /Joble /Jesesfrtlcftlfacíón y la!nfefpfefacíón de!/Jefecno, em Barcelona. Esta, contudo, não é uma versão em português daqueles li-vros, porém um outro, uma meditação sobre a infefpfefafio do direifo.

Sobre ele diz o Autor: "Não pretendo produzir, aqui, um discurso prescritivo,no sentido de propor pautas para a interpretação do direito. Minha exposição é descri-tiva - desejo relatar como se processa a interpretação do direito".

Dessa forma o Autor compôs um Ensaio sobre a InflJfpfefafio/Aplícafio do/Jireito, e, em seguida, retomando o tema, mas deixando de lado maiores rigoresacadêmicos, produziu um texto de fácil leitura, quase literário, que se lê de um fôlego,a que ele chamou de /JiSCtlfSO.

Ambos rigorosamente compostos, de acordo com a melhor doutrina e os maisatuais preceitos da teoria geral do direito.

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EROS ROBERTO GRAU

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EROS ROBERTO GRAU é Ministro do SupremoTribunal Federal.

É Doutor em Direito e Professor Titular li-cenciado da Faculdade de Direito da Universidadede São Paulo. É Professor Visitante da Faculdadede Direito da Universidade de Montpellier (2004-2005). Foi Professor Visitante da Université Pa-ris 1 !Panthéon-Sorbonne) !2003- 2004) e daFaculdade de Direito da Universidade de Montpel-lier (1996-1998).

Tem participado de inúmeros congressos e se-minários, além de ter ministrado cursos e confe-rências no Brasil e no Exterior. É autor de inúme-ros artigos e pareceres publicados nas principaisrevistas jurídicas do país e dos mais importantescentros de cultura jurídica do estrangeiro, sendomembro do Conselho Editorial da Revisla Trimes-Iral de Pireito Púúlico-RTIJP- desta Editora. Pu-blicou, ainda, os seguintes livros:• ia doppia deslrullurazione dei diriflo, publi· ·cado pela Edizioni Unicopli, Milão, Itália (comtradução espanhola: LfI do/;/e deslructlll'acíoll YIa interpretación dei derecho, Editorial M. J.Bosch, Barcelona, Espanha),

.• Licitação e contrato administrativo (estudossobre a inlerpretação da leí) (esg.) .

.• f1 ordem ecoflâmic,] fi,] Con.dituiç/io de 1988(il/terprebç.1o e crtlíCJ) (11' a&., 2006) (i

.• O direito P0-l'!O e o rlirei/o prl1.I'suposto(6" 1)&.,1(05) (II~IIJ~ Irij~ pu"li';allo~ plJla Malh/Jiro~[lIilol'll';)

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INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO

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EROS ROBERTO GRAU

ENSAIO E DISCURSOSOBRE A -INTERPRETAÇAO/-APLICAÇAO DO DIREITO

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ENSAIO E DISCURSO SOBRE AINTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO

© ERüS RüBERTü GRAU

Direitos reservados desta edição porMAUJEIROS EDITORES LTDA.

Rua Paes de Araújo, 29, conjullto 171CEP 04531-940 - São Paulo - SP

Te!.: (Oxx1l) 3078-7205Fax: (Ou1l) 3168-5495

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ComposiçãoAcqua Estúdio Gráfico Ltda.

Ao tratar da força normativa e da contemporaneidade do direito,Eros nos diz que "perece a força normativa do direito quando ele jánão corresponde à natureza singular do presente. Opera-se então umafrustração material de seus textos que estejam em conflito com a rea-lidade e ele se transforma em obstáculo ao pleno desenvolvimentodas forças sociais C..). Afirmo que ao intérprete incumbe, sob o mantodos princípios atualizá-Io".

Creio que esta seja uma das tantas sínteses que o autor nos ofe-rece ao longo da obra sobre a questão que se dispõe a enfrentar. Nosdias de hoje, investigar relações entre o direito posto e o direito pres-suposto, entre a norma e sua aplicação, é caminhar na corda estendi-da sobre o abismo.

O direito, Eros insiste, é um dinamismo. Nunca foram, de fato,tão dinâmicas as relações entre a sociedade e o direito. Mas a convi-vência entre capitalismo, democracia e ordem jurídica tem sido mar-cada por uma dinâmica contraditória.

A democracia moderna - a dos direitos sociais e econômicos -nasce e se desenvolve ao abrigo do Estado de Direito contra os pro-cessos impessoais e antinaturais de acumulação da riqueza na econo-mia capitalista. O século XX foi o cenário de lutas sociais e políticasmarcadas pelo desejo dos mais fracos de restringir os efeitos da acu-mulação sem limites da riqueza sob a forma monetária. Terminou soba ameaça de desestruturação do Estado do Bem-Estar, do achincalha-mento dos direitos civis e da regressão à barbárie nas relações inte-restatais.

A democracia e seus direitos são conquistas muito recentes. Osufrágio universal foi conseguido, com muita briga, entre o final doséculo XIX e o começo do século XX. Os direitos econômicos e

CapaCriação: Vânia Lúcia AmatoArte: PC Editorial Ltda.

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

09.2006

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sociais são produtos da luta social que transcorre entre o final dosanos 30 e o final da 2i! Guerra Mundial.

Nesse período ocorreram importantes transformações no papeldo Estado. A função de garantir o cumprimento dos contratos, deassegurar as liberdades na esfera política e econômica, apanágios doEstado Liberal, é enriquecida pelo surgimento de novos encargos eobrigações: tratava-se de proteger o cidadão não-proprietário dosmecanismos cegos do livre-mercado, sobretudo dos azares do cicloeconômico. O que é o Estado do Bem-Estar? Fundamentalmente é aconstrução de um arcabouço jurídico e institucional destinado adomesticar as leis espontâneas do mercado capitalista.

Sendo assim, temos que entender as políticas neoliberais, comouma tentativa de reestruturação regressiva. Esse é o momento emque, tanto do ponto de vista prático, quanto ideológico e teórico, asclasses dominantes e dirigentes, à escala mundial, apostam (e ga-nham) no retrocesso, no recuo das conquistas sociais e econômicasdas classes subalternas.

Não é de espantar que se observe a corrosão das instituiçõesrepublicanas, que seja constante e reiterada a corrosão dos direitossociais acumulados ao longo dos últimos trinta anos, sobretudo nospaíses em desenvolvimento. Torna-se, portanto, agudo o conflitoentre a aspiração a uma vida decente, segura, economicamente ampa-rada e as condições reais de existência que, segundo o cânone liberal,devem ser definidas pelas regras impostas pelos processos de "rege-neração capitalista". Difunde-se a idéia de que a liberação das forçasauto-referenciais que impulsionam a acumulação de capital é ummovimento ao mesmo tempo "natural" e "irreversível" em direção aoprogresso. Quem não recebe as bênçãos do mercado não tem o direi-to de existir.

Não todos, mas muitos juízes e promotores, e em número cadavez maior, cuidam de reparar os desmandos da chamada vida econô-mica neste país, em que impera a desigualdade mais ignominiosa.Ora trata-se de proteger os mutuários do Sistema Financeiro de Habi-tação; ora de dar alento aos trabalhadores de empresas que fecharam;em outra ocasião é mister que se defendam os que tiveram seus direi-tos surrupiados pelas leis votadas por um Congresso Nacional abas-tardado, em nome do apaziguamento dos credores estrangeiros.

Tudo o que tem sido feito e buscado, mediante a interpretaçãocorretiva do espírito das leis, não será, é certo, suficiente para aplacara fúria dos mercados e de seus serviçais. A justiça dos mercados émeramente comutativa - do ut des. Na impossibilidade da troca deequivalentes ou da presença do equivalente geral, o dinheiro, estaforma peculiar de justiça não reconhece nenhum outro fundamento,nenhuma legitimidade nas outras formas de reciprocidade entre oshomens.

Ela, a justiça dos mercados, não pretende reconhecer, na verda-de, nenhum direito senão o que nasce do intercâmbio entre valoresabstratos. Qualquer conteúdo, qualquer relação substancial deve sersumariamente eliminada. Você quer comer? Pois venda o seu produ-to no mercado. Não conseguiu? Então tente vender a sua capacidadede trabalho. O homem vale o que o seu esforço vale, e o seu esforçovale se a mercadoria que ele produz para o patrão for reconhecidapela transformação em dinheiro. Não basta ser um bom empregado,um ótimo empresário, para viver uma vida decente. Mas a justiça dosmercados ensina e divulga que se você fracassou, a culpa é sua. Valersignifica, apenas, ser aceito em troca de uma determinada quantidadede dinheiro. Caso contrário, nada feito.

É claro que a convivência humana não suportaria o império des-tas formas de integração social sem que a vida fosse transformadanuma luta de todos contra todos - como, aliás, o grande Hobbes ante-cipou, ao pensar os fundamentos da sociabilidade burguesa.

Não custa repetir: a história destes dois últimos séculos - em quevem predominando a economia fundada na busca desesperada dariqueza abstrata - pode ser contada como a saga da resistência dassociedades, sobretudo de suas camadas mais desprotegidas contra asforças cegas do mercado.

Boa parte do século XX foi palco desta resistência ciclópica.Entre muitos mortos e feridos, deixou o saldo positivo da conquistados direitos sociais. Essa conquista significou que o reconhecimentodo indivíduo e do cidadão não mais dependia exclusivamente de suaposição no processo de intercâmbio de valores de troca, ou, se quiser-mos, na produção de riqueza abstrata.

O Estado Social, construído a ferro e fogo pelos subalternos, im-pôs o reconhecimento dos direitos do cidadão, desde o seu nascimen-

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to até a sua morte. Ele será investido nestes direitos desde o primeirosuspiro, a partir do princípio que estabelece que o nascimento de umcidadão implica, por parte da sociedade, no reconhecimento de umadívida: dívida com sua subsistência, com sua dignidade, com sua edu-cação, com seu trabalho e com sua velhice.

Essa dívida da sociedade para com o cidadão deve ser compen-sada por outra, do cidadão para com a sociedade: o dever de pagar osseus impostos, de respeitar a lei, de cooperar com o trabalho social,enfim, de retribuir.

Diga-se que a unilateralidade da justiça alicerçada em fundamen-tos meramente econômicos vem atropelando e estropiando, entreoutras conquistas da dita civilização, as exigências de universalidadeda norma jurídica. No mundo de hoje, a exceção é a regra. Tal estadode excepcionalidade corresponde à codificação da razão do maisforte, encoberta pelo véu da legalidade.

O poder econômico vem se infiltrando no Estado de forma acomprometer a soberania. O Estado perdeu a vergonha de transfor-mar a ordem jurídica interna numa arma de opressão e de controle dasaspirações dos cidadãos, enquanto se submete à brutalidade docomando estrangeiro. É nesse sentido que, talvez, nos dias de hoje,seja lícito tomar a formulação de earl Schmitt sobre a exceção, oextremus necessitate casus. "A decisão se separa da norma jurídica e,para se exprimir, a autoridade não tem necessidade do direito paraimpor o direito". O poder do econômico se transfigura num mecanis-mo despótico que subordina os direitos do cidadão comum a seusdesígnios.

Herbert Marcuse escreveu um pequeno e definitivo ensaio, OEstado e o Indivíduo no Nacional-Socialismo. Marcuse, como Marx,considerava a ordem liberal-burguesa - em que o exercício da sobe-rania e do poder deve estar submetido ao constrangimento da leiimpessoal e abstrata - um grande avanço da humanidade. Mas procu-rou demonstrar que a ameaça do totalitarismo está sempre presentenas engrenagens da sociedade capitalista. Para ele, é permanente orisco de derrocada do Estado de Direito: os interesses de grupos pri-vados, em competição desenfreada e enfrentando a pressão dos debaixo, tentam a se apoderar diretamente do Estado, suprimindo a suaindependência formal em relação à sociedade civil.

No plano jurídico, diz Eros Grau, tais "situações configuram opo-sição e contradição entre princípios, situações das quais decorreriamquebras no sistema (ordem axiológica ou teleológica de princípiosgerais)" .

Selvagens são os poderes que crescem no interior da sociedadecivil mediante a acumulação de "instrumentos" de vários tipos, semqualquer freio ou limite constitucional e que tendem a controlar opoder legal.

No mundo moderno, o poder econômico, em estreita aliança comos meios de comunicação, lidera a escalada do poder sem freios den-tro da sociedade. Isso não impede, mas, ao contrário, estimula a inde-pendência e a luta das burocracias e das instâncias de poder no inte-rior do Estado. Entre as aberrações de nossa época, certamente amenor não é a prepotência de governantes ou funcionários que, a pre-texto de acelerar as reformas, enfrentar crises ou fazer Justiça, violamsistematicamente as leis, cuja observância têm o dever funcional degarantir.

A concentração e confusão de poderes são responsáveis por doisfenômenos gêmeos, funestos para a ordem democrática: a apatiapopular e a busca de heróis vingadores, capazes de limpar a cidade(ou o país), ainda que isto custe a devastação das garantias indivi-duais. Nesta cruzada antidemocrática, militam os governantes queeditam e reeditam medidas provisórias, os senadores que invocam aspróprias virtudes para justificar a violação do decoro parlamentar, osprocuradores que fazem gravações clandestinas ou inventam provas eos jornalistas que, em nome de uma "boa causa", tentam manipular eludibriar a opinião pública.

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Prefácio de LUlZ GONZAGA BELLUZZO 5Nota explicativa 17Nota à 4ª edição 19Nota à 3ª edição 20Nota à 2ª edição 21

PRIMEIRA PARTEDISCURSO SOBRE A

INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO

I - Interpretação e compreensão do direito 25II - Por que interpretamos o direito 26III - Interpretamos normas? 27IV - Normajurídica e norma de decisão 28V - Interpretação e concretização do direito 29VI - O caráter alográfico do direito 30VII -A produção da norma pelo intérprete 32VIII -A metáfora da Vênus de Mito 33IX - Mais de uma Vênus de Mito 34X - Interpretação = aplicação; interpretação dos textos edos fatos 35

XI -A chamada "moldura da norma" 36XII - O relato dos fatos 37XIII -A interpretação do direito 38XIV -A interpretação do direito é uma prudência 39XV - Inviabilidade da única solução correta 40XVI - Prudência, pré-compreensão e círculo hermenêutico.. 41XVII - Cânones e pautas para a interpretação 43

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XVIII - Não se interpreta o direito em tiras .XIX -Afinalidade do direito e as normas-objetivo .XX - Os princípios .XXI - Os princípios de direito .XXII -A não-transcendência dos princípios .XXIII - Princípio é norma jurídica .XXIV - Kelsen e a positivação dos princípios .XXV - Oposição e contradição entre princípios .XXVI - As regras são aplicações dos princípios; o afastamentode um princípio implica perda de efetividade da regra quelhe dá concreção .

XXVII - A importância dos princípios para a interpretaçãoe afalsa neutralidade política do intérprete .

XXVIII - Negação da discricionariedade judicial .XXIX - A força normativa e a contemporaneídade dodireito .

SEGUNDA PARTE

ENSAIO SOBRE AINTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO

I - A interpretação1. Introdução .2. A interpretação até os anos 70, subsunção e interpretaçãonegativa .

3. Interpretarlcompreender .4. Situações de isomoifia e situações de interpretação .5. Por que se impõe a interpretação do direito? .6. A exposição de Friedrich Müller e a concretização dodireito .

7. Os contextos da interpretação .8. Compreender e reexprimir .9. Significantes e significados .10. Artes autográficas e artes alográficas .11. O texto normativo é alográfico .12. A determinação do conteúdo normativo .13. Texto e norma (as normas resultam da interpretação) .14. O intérprete produz a norma .

15. O intérprete autêntico .16. Interpretação = aplicação .17. A interpretação autêntica .18. Interpretação dos textos e dos fatos .19. A interpretação dos fatos .20. A hipótese de Durrell .21. Discurso do direito/discurso jurídico e a(s) ideologia(s)do direito .

22. Contraponto .23. O texto e os fatos, a nonna jurídica e a nonna de decisão ..24. A interpretação é uma prudência; a inviabilidade da únicasolução correta .

25. Cânones de interpretação .26. O pensamento de Esser .27. A conlpreensão .28. A pré-compreensão e o círculo hermenêutico [Gadamer] .29. (segue) .30. (segue) .31. Acontecimentos por ela considerados e que influenciam adecisão judicial .

32. As inúmeras soluções corretas , .33. A atualização do direito .34. As ideologias de interpretação e a atualização do direito .35. A "vontade do legislador" .36. Ideologias de interpretação na experiência da CorteSuprema Norte-Americana , .

37. O direito é um dinamismo .38. Não se interpreta o direito em tiras .39. A finalidade do direito e as normas-objetivo .40. O caso belga .41. Os princípios .

II - Os princípios42. Princípios jurídicos/princípios de direito e princípiosgerais do direito .

43 Q . .,.?. uals prlnClplos. . .44. O direito posto e o direito pressuposto .45. O direito e os direitos .

100101102

104108109110112115115

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46. Direito pressuposto e princípios 14947. A não-transcendência dos princípios 15048. (segue) 15249. (segue) 15450. Importância dos princípios 15851. Princípio é norma jurídica 16052. (segue) 16253. (segue) 16454. (segue) 16855. A crítica de Kelsen 16956. Princípios: descoberta e positivação 17057. A diferença entre princípio e regra [Dworkin} 17358. Críticas à exposição de Dworkin 17659. A diferença entre princípio e regra [Jean Boulanger eCrisafulli} 179

60. A diferença entre princípio e regra [Zagrebelsky} 18161. A diferença entre princípio e regra [Alexy} 18262. A diferença entre princípio e regra [Canotilho} 18563. A diferença entre princípio e regra [Luís Prieto Sanchís} 18664. Ainda a diferença entre regra e princípio 18765. Os chamados "princípios" da proporcionalidade e darazoabilidade 188

65-bis. (segue) 19266. Antinonúas 19467. Oposição e contradição entre princípios 19668. O afastamento de um princípio implica perda de efetividadeda regra que lhe dá conereção 197

69. Ausência de regras sobre a dimensão de peso dosprincípios 198

70. Jogos de princípios 19971. As regras são aplicações dos princípios 201

77. Aforça normativa do direito 21 I)

IV - Apêndice I - A linguagem e os conceitos jurídicos78. Sobre a linguagem jurídica 22179. (segue) 22280. (segue) 22381. (segue) 22582. (segue) 22683. Conceito e conceito jurídico 22784. (segue) '. 22885. (segue) 22986. (segue) 23087. (segue) 231.88. (segue) 23189. Ascarelli e os conceitos jurídicos 23390. Ainda os conceitos jurídicos 23591. (segue) 23692. Conceitos e definições jurídicas 23793. Os chanuldos "conceitos indeterminados", os tipos deconceitos jurídicos e a interpretação 238

94. (segue) 23995. Conceito e noção 24096. (segue) 24297. (segue) 244

lU - Ainda a interpretação72. Importância dos princípios para a interpretação 20773. A falsa neutralidade política do intérprete 21174. Interpretação e regime político 21275. Negação da discricionariedade judicial 214/(,. ;\ .whversâo do texto 218

V - Apêndice II - A interpretação negativa98. Interpretação negativa 24599. Interpretação do direito e soberania 247100. Ainda a interpretaçâo negativa 248101. (segue) 252102. (segue) 259103. (segue) 265104. O princípio da reserva interpretativa 267105. Atualidade da interpretaçâo negativa 268Anexo 268

Bibliografea 27:1

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Os originais que agora tenho sobre a mesa resultam da reflexãoque desenvolvi em tomo do tema da interpretação do direito após apublicação de duas versões de um mesmo livro, La Doppía Destrut-turaZÍone dei Dírítto, editado em Milão, e La Doble Desestructura-cíón y Ia Interpretacíón dei Derecho, em Barcelona.

Essa reflexão fluiu de modo desordenado durante quatro anos,inúmeras vezes tendo sido interrompida, para ser retomada maisadiante, livros sendo relidos, textos e notas tendo sido escritos e rees-critos. Era necessário que eu estivesse isolado e tomasse um tempopara ajustar - compondo-os em uma só moldura - os elementos queconsubstanciam o ensaio que projetara escrever. Isso foi feito duran-te a segunda metade de dezembro e este janeiro que já amadurece.

Pretendia compor este ensaio, ajustando as suas peças, em segui-da deixando que as palavras me viessem, sem rigores acadêmicos,para que surgisse um discurso sobre o mesmo tema - o que foi feito.

Daí por que este livro é dois livros: um Ensaio e um Discurso. ODiscurso é para ser lido; o Ensaio, para ser eventualmente consultado.l

50, rue de Rennes, janeiro de 2002E.R.G.

I. Todas as referências bibliográficas contidas no Discurso são encontradas noEnsaio, de modo que no Discurso apenas fiz alusão aos nomes dos autores em cujostextos me apoio. O único texto de apoio que aparece exclusivamente no Discurso é ode Jean-Pierre Vernant, ali identificado.

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NOTA À 4ª- EDIÇÃO

Incorporei, nesta edição, breves acréscimos aos itens 5 e 13. Aredação de pequeno trecho do item 30 foi alterada, a fim de quealusões à norma fossem corretamente explicitadas, visto que efetiva-mente referidas ao texto. O equívoco na menção, nesse item 30, ainterpretação da norma evidencia o quanto ainda estamos afetadospela idéia, enganosa, de que se interpretam normas. Pois ainda queeste livro tenha sido escrito precisamente para negá-l o, o equívocoanteriormente me escapara.

Brasília, setembro de 2006E.R.G.

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NOTA À 3ª- EDIÇÃO NOTA À 2ª- EDIÇÃO

Os livros são como a realidade, que não para quieta. Também elesse transformam, quando o autor não se detém, nutrindo-se de novasreflexões em tomo deles. Desta feita, além de acréscimos bibliográ-ficos e breves complementações a vários itens, inseri no texto um"Apêndice II", desdobrado do item 2 da Segunda Parte (o Ensaio),sobre a interpretação negativa. Insisti, em mais de um ponto, em que,ao interpretar os textos normativos e os fatos, elementos do caso, ointérprete toma também como objeto de compreensão a realidade emcujo contexto dá-se a interpretação, no momento histórico em que elase dá. Dediquei atenção, nesse "Apêndice II" e no item 16, ao insti-tuto do référé legislatif e à instituição da Corte de Cassação francesa.Exorcizei, mais fortemente, o silogismo subsuntivo. No item 65-bisaportei novas reflexões sobre as pautas da proporcionalidade e da ra-zoabilidade. E já tenho anotações para a 4ª edição ...

Incorporei, nesta edição, aos itens 2, 1~, 15, ~7,.47, ~~, 56, 7~ e96 (Segunda Parte, Ensaio), alguns acréscImos blbhograflcos, alemde, aos itens 33, 93, 94 e 96, breves complementações ao texto da 1ªedição.

São Paulo, 8 de abril de 2003E.R.G.

Brasília, novembro de 2004E.R.G.

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PRIMEIRA PARTE

DISCURSO SOBRE A INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO

I - Interpretação e compreensão do direito. 11- Por que interpreta-mos o direito. 111- Interpretamos normas? IV - Norma jurídica enonna de decisão. V - Interpretação e concretização do direito. VI-O caráter alográfico do direito. VII - A produção da norma pelointérprete. VIII - A metáfora da Vênus de Milo. IX - Mais de umaVênus de Mito. X - Interpretação = aplicação; interpretação dos tex-tos e dos fatos. XI -A chamada "moldura da norma". XII - O rela-to dos fatos. XIII - A interpretação do direito. XIV - A interpretaçãodo direito é uma prudência. XV - Inviabilidade da única solução cor-reta. XVI - Prudência, pré-compreensão e círculo hermenêutico.XVII - Cânones e pautas para a interpretação. XVIII - Não se inter-preta o direito em tiras. XIX - A finalidade do direito e as normas-objetivo. XX - Os princípios. XXI - Os princípios de direito. XXII -A não-transcendência dos princípios. XXIII - Princípio é nomza jurí-dica. XXIV - Kelsen e a positivação dos princípios. XXV - Oposiçãoe contradição entre princípios. XXVI - As regras são aplicações dosprincípios; o afastamento de um princípio implica perda de efetivi-dade da regra que lhe dá concreção. XXVII - A importância dosprincípios para a interpretação e a falsa neutralidade política dointérprete. XXVIII - Negação da discricionariedade judicial. XXIX -A força normativa e a contemporaneidade do direito.

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I

INTERPRETAÇÃOE COMPREENSÃO DO DIREITO

A interpretação do direito é costumeiramente apresentada oudescrita como atividade de mera compreensão do significado das nor-mas jurídicas.

Ou o intérprete identifica o significado da norma, ou o determi-na. Ainda que sob essas duas variantes - ato de conhecimento ou atode vontade -, permanece a idéia fundamental de que interpretar éidentificar ou determinar (= compreender) a significação de algo. Nocaso, compreender o significado da norma jurídica.

Daí a afirmação de que somente seria necessário interpretarmosnormas quando o sentido delas não fosse claro. Quando isso nãoocorresse, tomando-se fluente a compreensão do pensamento dolegislador - o que, contudo, em regra não se daria, dadas a ambigüi-dade e a imprecisão das palavras e expressões jurídicas -, seria des-necessária a interpretação.

Essa concepção - que nele põe vigorosa ênfase e privilegia opensamento do legislador - passou por um processo de transforma-ção ainda não completamente apreendido pelos que se dedicam aoestudo do direito e pelos que o operam.

Page 15: GRAU, Eros Roberto - Ensaio Sobre Interpretação e Aplicação Do Direito

I!

POR QUE INTERPRETAMOS O DIREITO

lI!

INTERPRETAMOS NORMAS?

Não pretendo produzir, aqui, um discurso prescritivo, no sentidode propor pautas para a interpretação do direito. Minha exposição édescritiva - desejo relatar como se processa a interpretação do direito.

O fato f que praticamos sua interpretação não - ou não apenas -porque a linguagem jurídica seja ambígua e imprecisa, mas porqueinterpretação e aplicação do direito são uma só operação, de modoque interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-Io, não nos limita-mos a interpretar (= compreender) os textos normativos, mas tambémcompreendemos (= interpretamos) os fatos.

O intérprete procede à interpretação dos textos normativos e,concomitantemente, dos fatos, de sorte que o modo sob o qual osacontecimentos que compõem o caso se apresentam vai tambémpesar de maneira determinante na produção da(s) norma(s) aplicá-vel(veis) ao caso.

Mas não é só, visto que - repito-o - a interpretação do direito éconstitutiva, e não simplesmente declaratória. Vale dizer: não se limi-ta a uma mera compreensão dos textos e dos fatos; vai bem além disso.

Como e enquanto interpretação/aplicação, ela parte da com-preensão dos textos normativos e dos fatos, passa pela produção dasnormas que devem ser ponderadas para a solução do caso e finda coma escolha de uma determinada solução para ele, consignada na normade decisão.

Por isso convém distinguirmos as normas jurídicas produzidaspelo intérprete, a partir dos textos e dos fatos, da norma de decisão docaso, expressa na sentença judicial.

Antes disso, no entanto, um aspecto importantíssimo deve ser~xplicitado, atinente ao equívoco reiteradamente consumado pelosquc supõem que se interpretam normas.

O que em verdade se interpreta são os textos normativos; daintcrpretação dos textos resultam as normas. Texto e norma não seidcntificam. A norma é a interpretação do texto normativo. .

A interpretação é, portanto, atividade que se presta a transformartextos - disposições, preceitos, enunciados - em normas.

Daí, como as normas resultam da interpretação, o ordenamento,no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto6, um conjunto de normas.

O conjunto dos textos - disposições, enunciados - é apenas orde-namento em potência, um conjunto de possibilidades de interpreta-ção, um conjunto de normas potcnciais [Zagrebelsky].

O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpreta-tiva. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete.Por isso dizemos que as disposições, os enunciados, os textos, nadadizem; eles dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem [Ruiz eCárcova].

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IVNORMA JURÍDICA E NORMA DE DECISÃO V

INTERPRETAÇÃOE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITOo intérprete produz a norma jurídica não por diletantismo, mas

visando à sua aplicação a casos concretos.

Interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-l o - já o vimos,linhas acima -, não nos limitamos a interpretar (= compreender) ostextos normativos, mas também compreendemos (= interpretamos)os fatos.

A norma jurídica é produzida para ser aplicada. a um caso concre-to. Essa aplicação se dá mediante a formulação de uma decisão judi-cial, uma sentença, que expressa a norma de decisão.

Aí a distinção entre as normas jurídicas e a norma de decisão.Esta é definida a partir daquelas.

De outra banda, é importante também observarmos que todos osoperadores do direito o interpretam, mas apenas uma certa categoriadeles realiza plenamente o processo de interpretação, até o seu pontoculminante, que se encontra no momento da definição da norma dedecisão. Este, que está autorizado a ir além da interpretação tão-somente como produção das normas jurídicas, para dela extrair nor-mas de decisão, é aquele que Kelsen chama de "intérprete autênti-co": o juiz.

Relembre-se: os textos normativos carecem de interpretação nãoapenas por não serem unívocos ou evidentes - isto é, por serem des-tituídos de clareza -, mas sim porque devem ser aplicados a casosconcretos, reais ou fictícios [Mül1er]. Quando um professor discorre,em sala de aula, sobre a interpretação de um texto normativo sempreo faz - ainda que não se dê conta disso - supondo a sua aplicação aum caso, real ou fictício.

O fato é que a norma é construída, pelo intérprete, no decorrer doprocesso de concretização do direito. O texto, preceito jurídico, é,como diz Friedrich MüIler, matéria que precisa ser "trabalhada".

Partindo do texto da norma (e dos fatos), alcançamos a normajurídica, para então caminharmos até a norma de decisão, aquela que'confere solução ao caso. Somente então se dá a concretização dodireito. Concretizá-Io é produzir normas jurídicas gerais nos quadrosde solução de casos determinados [MüIler].

A concretização implica um caminhar do texto da norma para anorma concreta (a norma jurídica), que não é ainda, todavia, o desti-no a ser alcançado; a concretização somente se realiza em sua pleni-tude no passo seguinte, quando é definida a norma de decisão, aP.taadar solução ao conflito que consubstancia o caso concreto. Por !ssosustento que interpretação e concretização se superpõem. InexIs.te,hoje, interpretação do direito sem concretização; esta é a derradeIraetapa daquela.

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o intérprete desvencilha a norma do seu invólucro (o texto);neste sentido, ele "produz a norma".

Abrangendo textos e fatos, como vimos, a interpretação do direi-10 opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e suaaplicação particular: isto é, opera a sua inserção na vida.

VIO CARÁTER ALOGRÁFICO DO DIREITO

Há dois tipos de arte: as alográficas e as autográficas. Nas pri-meiras - alográficas (música e teatro) - a obra apenas se completacom o concurso de dois personagens, o autor e o intérprete; nas artesautográficas (pintura e romance) o autor contribui sozinho para a rea-lização da obra [Ortigues].

Em ambas há interpretação, mas são distintas, uma e outra.A interpretação da pintura e do romance impor:ta compreensão: a

obra, objeto da interpretação, é completada apenas pelo seu autor; acompreensão visa à contemplação estética, independentemente damediação de um intérprete.

A interpretação musical e teatral importa compreensão + repro-dução: a obra, objeto da interpretação, para que possa ser compreen-dida, tendo em vista a contemplação estética, reclama um intérprete;o primeiro intérprete compreende e reproduz e o segundo intérpretecompreende mediante a (através da) compreensão/reprodução do pri-meiro intérprete.

O direito é alográfico. E alográfico é porque o texto normativonão se completa no sentido nele impresso pelo legislador. A "comple-tude" do texto somente é atingida quando o sentido por ele expressa-do é produzido, como nova forma de expressão, pelo intérprete.

Mas o "sentido expressado pelo texto" já é algo novo, distinto dotexto. É a norma.

Repetindo: as normas resultam da interpretação, que se pode des-crever como um processo intelectivo através do qual, partindo de fór-mulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, dispo-sições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo.

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VIIA PRODUÇÃO DA NORMA PELO INTÉRPRETE

VIIIA MHTÁFORA DA VÊNUS DE MILV

Não estou, no entanto, a afirmar que o intérprete, literalmente,crie a norma.

Suponha-se a entrega, a três escultores, de três blocos de mármo-re iguais entre si, encomendando-se, a eles, três Vênus de Milo.

Ao final do trabalho desses três escultores teremos três Vênus deA1ilo, perfeitamente identificáveis como tais, embora distintas entresi: em uma a curva do ombro aparece mais acentuada; noutra asmaçãs do rosto despontam; na terceira os seios estão túrgidos e osmamilos enrijecidos. Não obstante, são, definidamente, três Vênus deMilo - nenhuma Vitória de Samotrácia.

Esses três escultores "produziram" três Vênus de Milo. Nãogozaram de liberdade para, cada um ao seu gosto e estilo, esculpir asfiguras ou símbolos a que a inspiração de cada qual aspirava - o prin-cípio de existência dessas três Vênus de Milo não está neles.

Tratando-se de três escultores experimentados - o que de fatoocorre na metáfora de que lanço mão -, dirão que, em verdade, nãocriaram as três Vênus de Milo. Porque lhes fora determinada a produ-ção de três Vênus de Milo (e não de três Vitórias de Samotrácia, ououtra imagem qualquer) e, na verdade, cada uma dessas três Vênus deMilo já se encontrava em cada um dos blocos de mármore, eles -dirão - apenas desbastaram o mármore, para que elas brotassem, talcomo se encontravam, ocultas, no seu ceme.

Note-se bem: ele não é um criador ex nihilo; ele produz a norma,sim, mas não no sentido de fabricá-Ia, porém no de reproduzi-Ia.

O produto da interpretação é a norma. Mas ela já se encontra,potencialmente, no invólucro do texto normativo. Vou me valer maisadiante, pretendendo deixar isso bem mais claro, de uma metáfora, ametáfora da Vênus de Milo.

Por ora, repitamos: a norma encontra-se, em estado de potência,involucrada no texto. Mas ela se encontra assim nele involucrada ape-nas parcialmente, porque os fatos também a determinam - insistonisso: a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de ele-mentos que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mas tam-bém a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, apartir de elementos da realidade (mundo do ser). Interpreta-se tam-bém o caso, necessariamente, além dos textos e da realidade - no mo-mento histórico no qual se opera a interpretação - em cujo contextoserão eles aplicados.

A norma encontra-se em estado de potência involucrada no textoe o intérprete a desnuda. Neste sentido - isto é, no sentido de desven-cilhamento da norma de seu invólucro: no sentido de fazê-Ia brotar dotexto, do enunciado - é que afirmo que o intérprete "produz a norma".O intérprete compreende o sentido originário do texto e o mantém(deve manter) como referência de sua interpretação [Gadamer].

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IXMAIS DE UMA VÊNUS DE MILO

X

INTHRPRETAÇÃO =APLICAÇÃO;INTHRI'RltrAç'ÃO DOS TEXTOS E DOS FATOS

Vê-se, assim, que diferentes intérpretes - qual diferentes escul-tores "produzem" distintas Vênus de Mito - "produzem", a partir domesmo texto normativo, distintas normas jurídicas. ParafraseandoKelsen, afirmo que dizer que uma dessas Vênus de Mito é fundada naobra grega não significa, na verdade, senão que ela se contém dentroda moldura ou quadro que a obra grega representa - não significa queela é a Vênus de Mito, mas apenas que é uma das Vênus de Mito quepodem ser produzidas dentro da moldura da obra grega.

Não será demasiada a insistência neste ponto: interpretação eaplicação não se realizam autonomamente. A separação em duas eta-pas - de interpretação e aplicação - decorre da equivocada concep-«ão da primeira como mera operação de subsunção.

O intérprete disceme o sentido do texto a partir e em virtude deum determinado caso dado; a interpretação do direito consiste em con-cretar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação [Gadamer]. Assim,existe uma equação entre interpretação e aplicação: não estamos,aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente a uma só ope-ração [Marí]. Interpretação e aplicação consubstanciam um processounitário [Gadamer], superpondo-se.

Assim, sendo concomitantemente aplicação do direito, a interpre-tação deve ser entendida como produção prática do direito, precisa-mente como a toma Friedrich Müller: não existe um terreno compos-to de elementos normativos (= direito), de um lado, e de elementosreais ou empíricos (= realidade), do outro.

Vou repetir, mais uma vez: a norma é produzida, pelo intérprete,não apenas a partir de elementos colhidos no texto normativo (mundodo dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual seráela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser).

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XIA CHAMADA "MOWURA DA NORMA"

XII

O RELATO DOS FATOS

Logo, o que incisivamente deve aqui ser afirmado, a partir dametáfora de Kelsen, é o fato de a "moldura da norma" ser, diversa-mente, moldura do texto, mas não apenas dele; ela é, concomitante-mente, moldura do texto e moldura do caso. O intérprete interpretatambém o caso, necessariamente, além dos textos, ao empreender aprodução prática do direito.

Por isso inexistem soluções previamente estruturadas, como pro-dutos semi-industrializados em uma linha de montagem, para os pro-blemas jurídicos.

O trabalho jurídico de construção da norma aplicável a cada casoé trabalho artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sem-pre, renovadamente, uma nova solução. Por isso mesmo - e tal deveser enfatizado -, a interpretação do direito realiza-se não como meroexercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intér-prete ser alfabetizado.

No decorrer desse trabalho, como a interpretação abrange tam-bém os fatos, o intérprete os reconforma, de modo que podemos dizerque o direito institui a sua própria realidade. Daí a importância dorelato dos fatos (= narrativa dos fatos a serem considerados pelointérprete) para a interpretação.

Pois é certo que os fatos não são, fora de seu relato (isto é, forado relato a que correspondem), o que são.

O que desejo afirmar é a fragilidade do compromisso entre orelato e seu objeto, entre o relato e o relatado.

Esse compromisso é, antes de mais nada, comprometido emrazão (1) de jamais descrevermos a realidade; o que descrevemos é onosso modo de ver a realidade. Além de não descrevermos a realida-de, porém o nosso modo de ver a realidade, (2a) essa mesma realida-de determina o nosso pensamento e, (2b) ao descrevermos a realida-de, nossa descrição da realidade será determinada (i) pela nossapré-compreensão dela (= da realidade) e (ii) pelo lugar que ocupamosao descrever a realidade (= nosso lugar no mundo e lugar desde o qualpensamos). Por isso caberá aqui tudo o que digo no Ensaio sobre apré-compreensão.

Também no que tange aos fatos não existe, no direito, o verda-deiro. Inútil buscarmos a verdade dos fatos, porque os fatos queimportarão na e para a construção da norma são aqueles recebi-dos/percebidos pelo intérprete - eles, como são percebidos pelo intér-prete, é que informarão/conformarão a produção/criação da norma.

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XIIIA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

XIV

A INTERPRETAÇÃO DO DIREITOÉ UMA PRUDÊNCIA

Alcançado este ponto de minha exposição, uma breve síntesepode ser ensaiada, na afirmação de que a interpretação do direito temcaráter constitutivo - não meramente declaratório, pois - e consistena produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatosatinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponde-radas para a solução desse caso, mediante a definição de uma normade decisão.

Interpretar é, assim, dar concreção (= concretizar) ao direito.~este _sentido: a. interpreta.ção (= interpretação/aplicação) opera amserçao do dIreIto na realIdade; opera a mediação entre o carátergeral do texto normativo e sua aplicação particular· em outros termosainda: opera a sua inserção na vida. ' ,

Lembro,. n~ste passo, a .exposição de Gadamer sobre o pensa-mento de Anstoteles: toda leI se encontra em uma tensão necessáriaem relação à concreção do atuar, porque é geral e não pode conter emsi a realidade prática em toda sua concreção; a lei é sempre deficien-te, não r:.0rque o seja em si mesma, mas sim porque, em presença dao~denaçao_a que s~ referem as leis, a realidade humana é sempre defi-Ciente e nao permIte uma aplicação simples das mesmas.. Isto é: a ~nterpretação - que é interpretação/aplicação - vai do

unIversal ao smgular, através do particular, do transcendente ao con-tingente; opera a inserção das leis (= do direito) no mundo do ser(= mundo da vida).

Isto posto, há de vir a indagação: a interpretação/aplicação dodireito é uma ciência?

A interpretação do direito é uma prudência - o saber prático, aphrónesis, a que refere Aristóteles.

Cogitam os que não são intérpretes autênticos, quando do direi-to tratam, dajuris prudentia, e não de umajuris scientia; o intérpre-le autêntico, ao produzir normas jurídicas, pratica ajuris prudentia, enão juris scientia.

O intérprete atua segundo a lógica da preferência, e não confor-me a lógica da conseqüência [Comparato]: a lógica jurídica é a daescolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto nor-mativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis,de modo que a escolha seja apresentada como adequada [Larenz]. Anorma não é objeto de demonstração, mas de justificação. Por isso aalternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito; no direito há apenaso aceitável (justificável). O sentido do justo comporta sempre mais delima solução [Reller].

Daí por que afirmo que a problematização dos textos normativosnão se dá no campo da ciência: ela se opera no âmbito da prudência,expondo o intérprete autêntico ao desafio desta, e não daquela. Sãodistintos, um e outro: na ciência, o desafio de, no seu campo, existi-rem questões para as quais ela (a ciência) ainda não é capaz de con-ferir respostas; na prudência, não o desafio da ausência de respostas,Illas da existência de múltiplas soluções corretas para uma mesmaquestão [Adomeit].

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XVINVIABILIDADE DA ÚNICA SOLUÇÃO CORRETA

XVI

PRUDÊNCIA, PRÉ-COMPREENSÃOE CíRCULO HERMENÊUTICO

Dá-se na interpretação de textos normativos algo análogo ao quese passa na interpretação musical.

Não há uma única interpretação correta (exata) da Sexta Sinfoniade Beethoven: a Pastoral regida por Toscanini, com a Sinfônica deMilão, é diferente da Pastoral regida por von Karajan, com a Filar-mônica de Berlim. Não obstante uma seja mais romântica, mais der-ramada, a outra mais longilínea, as duas são autênticas - e corretas.

Nego peremptoriamente a existência de uma única resposta cor-reta (verdadeira, portanto) para o caso jurídico - ainda que o intérpre-te esteja, através dos princípios, vinculado pelo sistema jurídico. Nemmesmo o juiz Hércules [Dworkin] estará em condições de encontrarpara cada caso uma resposta verdadeira, pois aquela que seria a únicaresposta correta simplesmente não existe.

O fato é que, sendo a interpretação convencional, não possui rea-lidade objetiva com a qual possa ser confrontado o seu resultado (ointerpretante), inexistindo, portanto, uma interpretação objetivamen-te verdadeira [Zagrebelsky].

A evolução da reflexão hermenêutica permitiu a superação daconcepção da interpretação como técnica de subsunção do fato no;ílvco da previsão legal e instalou a verificação de que ela se desen-volve a partir de pressuposições.

Pois a compreensão escapa ao âmbito da ciência. O compreender<: algo existencial, consubstanciando, destarte, experiência. O que secompreende, no caso da interpretação do direito, é algo - um "objeto"que não pode ser conhecido independentemente de um "sujeito".Quando afirmo ser uma prudência o direito estou a dizer, tam-

hém, que o saber prático que interpreta é saber prático do sujeito, istoé, do intérprete - quer dizer, daquele intérprete.

Ser uma prudência o direito, isso também explica sua facticida-dc e historicidade, razão pela qual sua operacionalização reclama omanejo de noções, e não somente de conceitos.

Ensina mais ainda a reflexão hermenêutica: ensina que o proces-so de interpretação dos textos normativos encontra na pré-compreen-são o seu momento inicial, a partir do qual ganha dinamismo ummovimento circular, que compõe o círculo hermenêutico - matériasús quais dedico atenção no Ensaio.

O que neste passo desejo enfatizar, contudo, é o fato de a inter-pretação consubstanciar uma experiência conflitual do intérprete, demodo tal que a norma de decisão por ele produzida traz bem impres-sas em si as marcas desse(s) conflito(s).

Lembro a observação de Frosini: a decisão judicial considera e édcterminada pelas palavras da lei e pelos antecedentes judiciais; pela

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figura delitiva que se imputa; pelas interpretações elaboradas pelasduas ou mais partes em conflito; pelas regras processuais; pelasexpectativas de justiça nutridas pela consciência da sociedade; final-mente, pelas convicções do próprio juiz, que pode estar influenciado,de forma decisiva, por preceitos de ética religiosa ou social, poresquemas doutrinais em voga ou por instâncias de ordem política.

E mais: o juiz decide sempre dentro de uma situação históricadeterminada, participando da consciência social de seu tempo, consi-derando o direito todo, e não apenas um determinado texto normativo.

Por isso mesmo - como direi ao final deste Discurso -, o direitoé contemporâneo à realidade. ri, IIrT\'~""'ílIOnllHla dl/,I'IIIIOSqUl~a reflexão hermenêutica repu-

díllll IIIl'IIII10 101'. Iil Ilndlciou;lI da illlnpretação e coloca sob acesas crí-IIl'ílS il SISI('lIl<llwaescol;íslica dos métodos, incapaz de responder àqll(',',IIIOde se salll'r por que um determinado método deve ser, emdl'll'lllllllndo caso, escolhido.

lI\l'xislilldo rq.~ras que ordenem, hierarquicamente, o uso dos1 (1111 Hll',';hlTnleIH~lIticos,eles acabam por funcionar como justificati-vo:; a le",itilllar os resultados que o intérprete se predeterminara aí1hIIlH;ar;o intérprete faz uso deste ou daquele se e quando lhe aprou-VI'I. para juslificá-los.

Nao ohstante, a prudência recomenda seja a interpretação ade-qllilda a ;lIgumas pautas, a três das quais desejo deitar alguma aten-I,ilo, (i) a primeira relacionada à interpretação do direito no seu todo;(11) a segunda, à finalidade do direito; (iii) a terceira, aos princípios.

XVII(ANON/t.'S U ";\II'I:-\S I"'\/(/\ /\ INTERPRETAÇÃO

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XVIII

NÃO SE INTERPRETA O DIREITO EM TIRASXIX

A FINAliDADE DO DIREITOE AS NORMAS-OBJETIVO

A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo,não de textos isolados, desprendidos do direito.

Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete,

sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que seprojeta a partir dele - do texto - até a Constituição. Um texto de direi-to isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressasignificado normativo algum.

Ensina von Jhering que afinalidade é o criador de todo o direitoe lIiio existe norma ou instituto jurídico que não deva sua origem aIIllla finalidade.

Daí a importância das normas-objetivo, que surgem definida-IIll'lIlea partir do momento em que os textos normativos passam a serdillamizados como instrumentos de governo. O direito passa a serolll.'racionalizado tendo em vista a implementação de políticas públi-l'as, políticas referidas a fins múltiplos e específicos. Pois a definiçãod()s fins dessas políticas é enunciada precisamente em textos norma-IIV()S que consubstanciam normas-objetivo e que, mercê disso, pas-SUIII a determinar os processos de interpretação do direito, reduzindoli :llllfllitude da moldura do texto e dos fatos, de modo que nela nãol'ahl'1ll soluções que não sejam absolutamente adequadas a tais nor-Illasccobjctivo.i\ contemplação, no sistema jurídico, de normas-objetivo impor-

Ia a introdução, na sua "positividade", de fins aos quais ele - o siste-IlIa está voltado. A pesquisa dos fins da norma, desenrolada no con-1('X1() funcional, toma-se mais objetiva; a metodologia teleológican'lHlIlsa em terreno firme.

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XXIIA NÃO-TRANSCENDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS

XXIIIPRINCÍPIO É NORMA JURÍDICA

o que sustento, firmemente, é a não-transcendência dos princí-pios implícitos, princípios gerais de um determinado direito.

Sua "positivação" não se dá mediante seu resgate no universo dodireito natural, como tantos supõem; ela não é constituída, essa "posi-tivação", mas simplesmente reconhecida, no instante do seu desco-brimento (do princípio) no interior do direito pressuposto da socieda-de a que corresponde.

Vamos ser bem claros: eles não são "positivados", visto já serempositivos. É uma tolice imaginar-se que o juiz, o jurista, o doutrina-dor, possa ser autor da alquimia de transformar algo exatamente noque esse algo sempre fora.

Insisto: os princípios gerais de direito não constituem criaçãojurisprudencial; e não preexistem externamente ao ordenamento. Aautoridade judicial, ao tomá-Ios de modo decisivo para a definição dedeterminada solução norrnativa, simplesmente comprova a sua exis-tência no bojo do ordenamento jurídico, do direito que aplica, decla-rando-os. Eles são, destarte, efetivamente descobertos no interior dedeterminado ordenamento. E o são - repito-o - justamente porqueneste mesmo ordenamento (isto é, no interior dele) já se encontra-vam, em estado de latência.

Os princípios, todos eles - os explícitos e os implícitos -, cons-litllcm norma jurídica.

Também os princípios gerais de direito - e não será demasiada ainsistência, aqui, em que se trata de princípios de um determinadodircito - constituem, estruturalmente, normas jurídicas.

Norma jurídica é gênero que alberga, como espécies, regras eprincípios - entre estes últimos incluídos tanto os princípios explíci-los quanto os princípios gerais de direito.

Quanto à distinção entre princípio e regra remeto o leitor ao textodo Ensaio, onde dela trato criticamente.

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/0 positivo, embora latentes. Em outros termos: ? intérprete a~tênticon;-ío"positiva" nada. O princípio já esta:va 'p~sItlvad? Se n~o fosseassim, não poderia ser induzido. Devo mSIstlr e deIxar mUlto bemvincado este ponto: o ato de "descoberta" de um princ~pio.latent~ emdeterminado ordenamento é declaratório, não é constltutIVO. DIantedisso efetivamente se desvanece a crítica de Kelsen.

XXIVKELSEN E A POSITIVAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Parece-me mais importante, a esta altura de meu Discurso, lem-brar a crítica de Kelsen a Esser.

Kelsen dedica todo um capítulo da Teoria Geral das Nomws àcrítica da exposição de Esser sobre os princípios, recusando qualquerimportância jurídica a eles.

O único fundamento de validade da norma individual queexpressa a decisão judicial de um caso concreto - diz Kelsen - é oprincípio formal, de direito positivo, da força da coisa julgada.Nenhum outro princípio - diz ele - p0de fundamentar essa validade.

Por isso, os princípios morais, políticos ou dos costumes nãopodem ser chamados de jurídicos senão na medida em que influen-ciam a criação de normas jurídicas individuais pelas autoridadescompetentes. Mas isso não significa que eles sejam "positivados" ouque preencham as características das normas jurídicas.

Essa crítica de Kelsen tem sido geralmente ignorada pelos auto-res que se dedicam à análise do tema dos princípios, seja por deslei-xo, seja por falta de resposta adequada, creio.

De minha parte, jamais aceitei a idéia, corrente, de que o intér-prete autêntico "positive" os princípios implícitos ao criar normas dedecisão.

E isso pela simples razão de que eles não necessitam ser "positi-vados", visto que já se encontram integrados no sistema jurídico,cumprindo ao intérprete exclusivamente descobri-Ios, em cada caso.

()s princípios explícitos, esses se manifestam de modo expresso.Os (!t-Illais, iJllplícitos, não são "positivados", mas descobertos nointerior do ordcnamento; pois eles já eram, nele, princípios de direi-

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xxvOPOSIÇÃO E CONTRADIÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS

XXVI

AS REGRAS SÃO APUCAÇÕES DOS PRINCÍP!OS;OAFASTAMENTO DE UM PRINCIPIOIMPUCA PERDA DE EFETIVIDADE

DA REGRA QUE LHE DÁ CONCREÇÃOUma das falsas novidades introduzi das pelo paradigma dos prin-

cípios é a relativa à oposição ou contradição - como já mencionavaGény - entre princípios.

Tudo quanto os mais ingênuos pensam ter sido em relação a issoinventado nas duas últimas décadas do século passado já em 1965Poulantzas ensinava, ao afirmar que o juiz deve resolver a contradi-ção entre dois princípios jurídicos, em relação a um caso concreto,referindo-se à infra-estrutura (isto é, à realidade); o que o juiz deveapurar é qual dos dois princípios assume, no caso concreto, importân-cia mais significativa em relação aos dados da realidade.

Observo no Ensaio - e desejo repeti-Io aqui - que a falta de refle-xão tem levado alguns analistas do pensamento da doutrina a confun-dir valores (teleológicos) com princípios (deontológicos), colocando-seà deriva diante de uma mal-digerida apreensão da exposição dworkini-niana, que em rigor exclui os princípios do âmbito normativo.

Os conflitos e as oposições entre princípios são conflitos e opo-sições entre normas. A superposição entre regra e norma, de um lado,e princípio, de outro, só pode resultar de uma contestação do positi-vismo à Dworkin, de incompreensão ou do desiderato de confundir.

A tensão entre princípios é própria ao sistema jurídico, sempre,desde sempre tendo sido assim. O que torna complexa a compreen-são dessa circunstância é o fato de o pensamento tradicional ensinarque o direito é dotado de uma universalidade plena (ele é abstrato egeral), na qual não cabem exceções.

Mas é precisamente o inverso disso o que se dá. A inserção dodireito no mundo da vida, mediante a sua interpretação/aplicação,opera-se em plano que não se pode particularizar senão mediante aexceção, caso a caso. Os mais velhos já o haviam percebido.

Importa considerarmos, ainda, que as regras são concreções, sãoaplicações dos princípios [Boulanger].

Por isso mesmo não se manifesta jamais antinomiajurídica entreprincípios e regras jurídicas. Estas operam a concreção daqueles.

Em conseqüência, quando em confronto dois princípios, Ul~ pre-valecendo sobre o outro, as regras que dão concreção ao que fOi des-prezado são afastadas: não se dá a sua aplic~ção a dete.rmin,ada hipó-tese, ainda que permaneçam integradas, vahdamente (IS!O e, dotad~sde validade), no ordenamento jurídico. As regras que dao con~reçaoao princípio desprezado, embora permaneça~ ~le?as ~e v~hdade,perdem eficácia - isto é, efetividade - em relaçao a sltuaçao dIante daqual o conflito entre princípios manifestou-se.

E - o que torna tudo mais complexo, portanto mais belo: inexis-te no sistema qualquer regra ou princípio a orientar o intérpr~te a pro-pósito de qual dos princípios, no conflito entre eles estabeleCido, deveser privilegiado, qual deve ser desprezado.

Isso somente se pode saber no contexto do caso, de cada caso, noâmbito do qual se verifique o co?flito. ~m. cada ca~o, p~is, e~ cadasituação, a dimensão do peso ou importanCla dos pnnclpios ha de serponderada.

A atribuição de peso maior a um - e não a outro ~ não é, porém, d.is-cricionária. Retomo ao já aftrmado: o intérprete está vmculado pelos pnn-cípios; além disso, não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.

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o momento da atribuição de peso maior a um determinado prin-cípio é extremamente rico, porque nele - desde que se esteja a perse-guir a definição de uma das soluções corretas, no elenco das possíveissoluções corretas a que a interpretação jurídica pode conduzir - pon-dera-se o direito em seu todo, desde o texto da Constituição aos maissingelos atos normativos, como totalidade. Variáveis múltiplas, defato - as circunstâncias peculiares do problema considerado - e jurí-dicas - lingüísticas, sistêrnicas e funcionais -, são então descortina-das. E, paradoxalmente, é precisamente o fato de o intérprete estarvinculado, retido, pelos princípios que toma mais criativa a prudên-cia que pratica.

A força dos princípios é tal que, em situações revolucionárias,novos princípios incorporados pela ordem jurídica importam que ainúmeras regras contempladas por essa ordem seja retirada a vigên-cia. Reporto-me, neste passo, às observações de Jean Boulanger a res-peito da Revolução de 1917.

XXVIIA IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS

PARA A INTERPRETAÇÃOE A FALSA NEUTRAUDADEPOLÍTICA DO INTÉRPRETE

A interpretação do direito deve ser dominada pela força dos prin-cípios; são eles que conferem coerência ao sistema.

Além disso, é importante observarmos que a circunstância des~rem eles elementos internos ao sistema dispensa o recurso à metá-fora da "ordem de valores" como via para a realização de "justiçamaterial" - recurso ao qual estão dispostos a recorrer todos quantos,por ingenuidade ou por excesso de otimismo, supõem possa o direitoposto pelo Estado, sendo apenas lex, produzir ius.

De todo modo, ainda que os princípios o vinculem, a neutralida-de política do intérprete só existe nos livros. Na ~r~xis. do, ~ireito elase dissolve, sempre. Lembre-se que todas as declsoes jUndlCas, por-que jurídicas, são políticas.

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XXVIIINEGAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

NEGAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

Insisto nisso: o que se tem denominado de discricionariedadejudicial é poder de criação de norma ju~dica qu: o intérprete.a~tê~l-tico exercita formulando juízos de legalIdade (nao de oportu?l?dde).A distinção entre ambos esses juízos enc~nt~a-se em ~u~ ~ JUIZOdeoportunidade comporta uma opção entre mdlferente.s Jund!cos, p~o-cedida subjetivamente pelo agente; o juízo de legal~da?e e atuaç~o,embora desenvolvida no campo da prudência, que o mterprete auten-tico empreende atado, retido, pelo texto normativo e, naturalmente,pelos fatos.

Por isso mesmo é que, não atuando no mesmo plano lógico, demodo que se possa opor a legalidade à discricio~ari~d_ade - e e.stadecorrendo, necessariamente e sempre, de uma atnbUIçao no~at~vaa quem a pratica -, a discricionariedade se converte em uma tecmcada legalidade.

Quase ao fmal deste meu Discurso, devo, também peremptoriamente,negar a discricionariedade judicial. O juiz não produz normas livremente.

Todo intérprete, embora jamais esteja submetido ao "espírito dalei" ou à "vontade do legislador", estará sempre vinculado pelos tex-tos normativos, em especial - mas não exclusivamente - pelos queveiculam princípios (e faço alusão aqui, também, ao "texto" do direi-to pressuposto). Ademais, os textos que veiculam normas-objetivoreduzem a amplitude da moldura do texto e dos fatos, de modo quenela não cabem soluções que não sejam absolutamente adequadas aessas normas-objetivo.

A "abertura" dos textos de direito, embora suficiente para permi-tir que o direito permaneça ao serviço da realidade, não é absoluta.Qualquer intérprete estará, sempre, permanentemente por eles atado,retido. Do rompimento dessa retenção pelo intérprete autêntico resul-tará a subversão do texto.

Além disso, outra razão impele-me a repudiar o entendimento deque o intérprete autêntico atua no campo de uma certa "discriciona-riedade". Essa razão repousa sobre a circunstância de ao intérpreteautêntico não estar atribuída a formulação de juízos de oportunidade- porém, exclusivamente, de juízos de legalidade. Ainda que não sejao juiz meramente a "boca que pronuncia as palavras da lei", sua fun-ção - dever-poder - está contida nos lindes da legalidade (e da cons-titucionalidade). Interpretar o direito é formular juízos de legalidade.A discricionariedade é exercitada em campo onde se formulamjuízosde oportunidade (= escolha entre indiferentes jurídicos), exclusiva-mente, porém, quando uma norma jurídica tenha atribuído à autorida-de púhlica a sua formulação.

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XXIXA FORÇA NORMATIVA

E A CONTEMPORANEIDADE DO DIREITO

do cortar, acrescentar e modificar o que lhe parecer convenicntc.Enquanto uma tradição oral de lendas estiver viva, enquanto permanc-ccr em contato com os modos de pensar e os costumes de um grupo,da se modificará: o relato ficará parcialmente aberto à inovação".

Note-se bem que menciono uma proximidade - não uma identi-dade - entre os dois discursos, o mítico e o jurídico. A vinculação dointérprete ao texto normativo é muito maior, por certo, do que a dol~xpositor do mito ao texto do mito - ademais, muitas vezes de umtexto oral se trata.

Mas tanto um quanto o outro devem ser atualizados para quepossam se tomar efetivos. O discurso do texto normativo está parcial-mcnte aberto à inovação, mesmo porque o que lhe confere contempo-I'aneidade é a sua transformação em discurso normativo (= transfor-lIIa\~ãodo texto em norma).

O direito é um organismo vivo, peculiar porém, porque não(,(lvclhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade.( ) direito é um dinamismo.

Essa a sua força, o seu fascínio, a sua beleza.I~do presente, na vida real, que se tomam as forças que lhe con-

Il'l'cm vida. E a realidade social é o presente; o presente é vida - evida é movimento. Assim, o significado válido dos textos é variável110 tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação dodireito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adap-laçiio de seus textos normativos à realidade e seus conflitos.

Vou me permitir repeti-l o: a interpretação do direito tem caráterl'llnstitutivo - não meramente declaratório, pois - e consiste na pro-dução, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos ati-Iwntes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem pondera-d:lSpara a solução desse caso, mediante a definição de uma norma dedecisão. Interpretar/aplicar é dar concreção (= concretizar) ao direito.Ncste sentido, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito narealidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativoe sua aplicação particular; em outros termos, ainda: opera a sua inser-ção na vida.

A interpretação/aplicação vai do universal ao particular, do trans-cendcnte ao contingente; opera a inserção das leis (= do direito) no

Encerro o texto do Ensaio lembrando as ponderações de Hesse apropósito da Constituição, cuja força normativa - diz ele - manifes-ta-se quando se assenta na natureza singular do presente, quando oseu conteúdo corresponde a essa natureza singular.

Hesse sustenta estar a Constituição condicionada pela realidadehistórica, razão pela qual não se a pode separar da realidade concretado seu tempo, e a pretensão de eficácia de suas normas somente podeser realizada se se levar em conta essa realidade.

Mas isso, exatamente isso, se passa com o ordenamento jurídicointeiro, Constituição e legislação infraconstitucional.

Perece a força normativa do direito quando ele já não correspon-de à natureza singular do presente. Opera-se então a frustração mate-rial da finalidade dos seus textos que estejam em conflito com a rea-lidade, e ele se transforma em obstáculo ao pleno desenvolvimentodas forças sociais.

Lá no Ensaio afirmo que ao intérprete incumbe, então, sob omanto dos princípios, atualizá-Io.

A propósito disso, desejo apontar a proximidade existente entre odiscurso do direito e o discurso mítico, para reproduzir algumas pala-vras de Jean-Pierre Vernant [2000: 13] a respeito deste último: "O rela-to mítico, por sua vez, não é apenas, como o texto poético, polissêmi-co em si mesmo, por seus planos múltiplos de significação. Não estáfixado numa forma definitiva. Sempre comporta variantes, versõesmúltiplas que o narrador tem à sua disposição, e que escolhe em fun-ção das circunstâncias, de seu público ou de suas preferências, poden-

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mundo do ser (= mundo da vida). Como ela se dá no quadro de umasituação determinada, expõe o enunciado semântico do texto no con-texto histórico presente, não no contexto da redação do texto.

Interpretar o direito é caminhar de um ponto a outro, do univer-sal ao singular, através do particular, conferindo a carga de contingen-cialidade que faltava para tornar plenamente contingencial o singular.

SEGUNDA PARTE

HN.\'AIO SO!U(E A INTERPRETAÇÃO/APLICAÇÃO DO DIREITO

I 1\ ill/f'/pn'tl/çüo. fi - Os princípios. III - Ainda li interpretação.IV 1\1){~lldiccl-A linguagem e os conceitos jurídicos. V -ApêndiceII 1\ interpretação negativa.

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I

A INTERPRETAÇÃO

"Una prima mia affermazione conceme un problema anche piu gene-rale: oggetto dell'interpretazione non e una 'norma', ma un testo (oun comportamento); e in forza dell'intepretazione dei testo (o deicomportamento) e percià sempre in forza di un dato che a rigore puàdirsi 'passato', 'storico', che si formula Ia 'norma' (come 'presente'ed anzi proiettata nel 'futuro'). Questa una volta espressa tornanecessariamente ad essere 'testo'." {Tullio Ascarelli 1959:140J[

I. Introdução

Venho desde há algum tempo refletindo a respeito da interpreta-(;ao e dos princípios. Mario Losano, amigo generoso, foi responsávelpda publicação, na Itália, de texto no qual reuni exposições que fiz110 Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP - LaI )o/,/,ia Destrutturazione deZ Diritto, Milano, Edizioni Unicopli,1(Nú '-, texto que, posteriormente traduzido ao espanhol, foi também11111 li icado em Barcelona - La Doble Desestructuración y ia Interpre-/wiúl1 dei Derecho, Barcelona, Editorial M. J. Bosch, 1998.

I~sta,contudo, não é uma versão nacional daqueles livros, porém11111 outro (permito-me chamá-Io assim) relatório de pesquisa e medi-1;11;;10 sobre a interpretação do direito.I':u, na verdade, pretendia escrever uma obra de fôlego sobre ela

a interpretação -, ao estilo do livro do Min. Seabra Fagundes sobreI) controle do ato administrativo. O passar do tempo, contudo, e o;wlÍlllulo de bibliografia, profusa, não o permitem. Também não dese-

I. v., sohrc a interpretação como o momento criativo do direito no pensamen-to dI' i\scardli, Paolo Grossi [1998:354 e ss.].

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jo fazer uso da bibliografia para simular erudição, dela me valendoexclusivamente quando oportuno.

Devo desde logo prestar um esclarecimento ao leitor: não medetive a escrever este livro para dizer apenas, mais uma vez, que exis-te uma criação normativa judicial, que os juízes criam direito.

A doutrina tem afirmado, por exemplo, que há criação normati-va judicial porque (i) as decisões judiciais, como as dos órgãos legis-lativos, possuem uma eficácia geral; (ii) as decisões dos juízes sãonormas individuais; (iii) a decisão judicial supõe a criação de umanorma geral que serve de justificação à sentença e que é produto dainterpretação; (iv) em determinados casos (por exemplo, lacunas ouantinomias) os juízes, no processo de decisão judicial, formulam nor-mas novas, não vinculadas a textos normativos preexistentes [Guas-tini 1990:139 e ss.].

A afirmação "os juízes criam direito" é dotada de enorme ambi-güidade, em regra absolutamente nada dizendo de relevante os que apronunciam [Carrió 1990:107 e ss.].

O que neste livro passo a sustentar é inteiramente diverso. Quan-do refiro a "produção" do direito pelo juiz, refiro-a em sentido diversodaquele veiculado pelo vocábulo "criação". Pois o que desejo afirmaré que o intérprete autêntic02 "produz" direito porque necessariamentecompleta o trabalho do legislador (ou do autor do texto, em funçãoregulamentar ou regimental).

O intérprete autêntico completa o trabalho do autor do texto nor-mativo; a finalização desse trabalho, pelo intérprete autêntico, é ne-cessária em razão do próprio caráter da interpretação, que se expres-sa na produção de um novo texto sobre aquele primeiro texto.

Aqui me permito lembrar que sempre foi assim; independente-mente de cogitarmos de "criação" de direito pelo juiz; tem de serassim. Em outros termos: não se trata de afirmarmos que as decisõesjudiciais possuem eficácia geral, são normas individuais, supõem acriação de uma norma geral que serve de justificação à sentença, ouque os juízes formulam normas novas não vinculadas a textos norma-tivos preexistentes; afirmo a "criação" de direito pelos juízes comoconseqüência do próprio processo de interpretação.

Tem de ser assim: porque a interpretação é transformação de umaexpressão (o texto) em outra (a norma),3 sustento que o juiz "produz"I) direito.

Este ponto desejo deixá-Io bastante enfatizado, a fim de que ait'itura apressada do meu texto não impeça o leitor de perceber o pre-ciso sentido da afirmação - que reitero - de que o intérprete autênti-l'() (::::: o juiz) "produz" o direito (isto é, a norma).

Ademais, cumpre desde logo anotar que a norma não é apenas oIn/o normativo nela transformado, pois ela resulta também do conú-hio entre o texto e osfatos (a realidade).

Muito quero dizer com isso, mas desde logo negar a concepçãolradicional, à moda de Savigny, para quem a interpretação não é maisdo que a reconstrução do pensamento do legislador.4

3. E esta, como observa Ascarelli, logo se converte em novo texto.4. Já no início do século passado, propondo um novo método de interpretação,

1":III\'ois Gény [1919] recusava a concepção da interpretação como mera técnicad('duliva, fundada sobre a pressuposição de que os textos normativos já contemplamsohuJics para todos os casos e de que todo o direito positivo está contido na lei escri-t:L i\ propósito desta concepção, por ele referida como método tradicional, Gényli!) 19:54-55] transcreve exposição de Liard: o direito é a lei escrita; a missão dasIi:lclIldades de Direito é a de ensinar a interpretar a lei, cujo método é dedutivo; osiII1ígosdo Código são teoremas, cujo enlace entre si deve ser demonstrado, daí dedu-IIlIdo-se suas conseqüências; o verdadeiro jurista é um geõmetra: a educação pura-mCllte jurídica é puramente di aiética; a principal missão do magistrado e do advoga-do (0 a de tomar clara a tessitura dos negócios e relacioná-Ios a tais ou quais regrascslahelecidas nas leis. Anteriormente o mesmo fora afirmado por Stuart Mill, tam-11(;111 citado por Gény [1919:54]: sob a égide de um código escrito, o juiz não tem deJ("solver qual será intrinsecamente a melhor solução no caso particular a ser por eleIl'solvido, mas tão-somente indicar o artigo da lei a ele aplicável, o que o legisladordispiis no caso análogo e a intenção que se lhe deve supor a propósito do caso de que('~;Iivcra tratar; o método que deve ser seguido é inteira e exclusivamente um méto-do de raciocínio por silogismos, e o caminho é o da interpretação de uma fórmula. OvfJ'Ío capital desse método - segundo Gény [1919:65-67]- é o de imobilizar o direi-10 (0 impedir o desenvolvimento de qualquer idéia nova; a nos atermos às conclusõesdesse método tradicional, todos os casos jurídicos devem ser resolvidos mediante assol!'\'(les positivamente consagradas pelo legislador - todas essas soluções encon-II;IIII-se ahrigadas atrás de um texto -, de modo que permanecemos forçosamente e/1(/r(1 tudo na situação em que nos encontrávamos no momento em que surgiu a lei;c. qualquer que seja a evolução posterior dos fatos ou das idéias, o intérprete não('slac', alltorizado a ultrapassar o horizonte que o legislador estabeleceu à época em

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Em suma: o meu ponto de partida, neste livro, encontra-se naafirmação de que a interpretação do direito não é uma atividade deconhecimento, mas sim constitutiva, portanto decisional, embora nãodiscricionária, como penso poder demonstrar. Dizendo-o de outromodo: a interpretação do direito envolve não apenas a declaração dosentido veiculado pelo texto normativo, mas a constituição da norma,a partir do texto e dos fatos, como veremos. Repito: é atividade cons-titutiva, e não meramente declaratória.

Desejo, de todo modo, observar que Nicos Poulantzas [1965:225]assinalava, a seu tempo inovadoramente, a importância da atividadedesempenhada pelo juiz em termos de objetivação necessária à exis-tência do direito; daí ser, o seu papel, sempre "criador".

A um outro ponto devo ainda, introdutoriamente, aludir para dis-tinguir a interpretação desenvolvida pelos juízes (intérpretes autênti-cos) dos exercícios de interpretação praticados pelos demais operado-res do direito e pela doutrina. Estes últimos - operadores do direito ejuristas - não são dotados do poder de praticar o ato decisional,momento final da atividade de interpretação do direito. O único intér-prete autorizado pelo próprio direito a definir, em cada caso, a normade decisão é o juiz. Logo, poderemos, para apartá-Ias, afirmar que a

;tlividade (= conjunto de atos) de interpretação empreendida pelosd('lnais operadores do direito e pelos juristas cessa no momento ante-rim ao da definição da norma de decisão, ato privativo do intérpreteallll~ntico.

A exposição que segue se afasta do positivismo legalista, que,~IIIl()Cseja o direito um sistema fechado, continente de todas as solu-,'(H'S demandáveis tendo em vista a harmonização, ou organização, de('onllitos. Esse positivismo legalista, que Friedrich Müller [2000:41-,I.\ I analisa em termos incisivos, vê o direito como um sistema que sercal iza como tal por não conter nem admitir exceções, na crença irrealdt' que o universal domine, supere e suplante os particularismos. Nãoohstante, se entendermos que o acatamento aos princípios da legali-d;uk e do devido procedimento legal se encontra na raiz do positivis-1110, a exposição que desenvolvo a seguir haverá de ser tida, ainda,('OIlU) expressão de um positivismo, um positivismo adequado aospml icularismos da realidade social.

que definiu a regra; e quando posteriormente sUIjaum caso novo, fora dos limitesdesse horizonte, procura-se encaixá-lo no quadro abstrato e geral fornecido pela pró-pria lei ou com elementos dela, pouco importando se não houver coincidência per-feita entre o novo caso e esse quadro; então - prossegueGény -, com uma certa dosede liberdade de interpretação procura-se contornar esses obstáculos, o que não sepode fazer, contudo, sem agravo ao sistema e sem que o intérprete se coloque no ter-reno do empirismo; desse vício do sistema de interpretação puramente legal e dedu-tivo, a falta de plasticidade que ele imprime ao direito positivo, decorre um outro,mais grave, que consiste em dar margem, esse mesmo sistema, a subjetivismoextre-mamente desordenado na interpretação; esses vícios é que Gény procura combatercom o método que apresenta. Para ele [1919:30] a interpretação não se reduz à prá-tica meramente mecânica de algumas fórmulas técnicas, mas reclama muita delica-deza e perspicácia; implica, no essencial, a conversão de uma regra, às vezes abstra-ta e sempre seca, em algo vivo, concreto, onde podem encontrar satisfação osdiversos interesses da vida jurídica. E como resulta simples e descolorida - prosse-gue ( ;ény - a fórmula apodítica da lei diante das circunstâncias e dos fatos, comple-;i.OS c cm dinamismo, aos quais ela deve ser adaptada, é necessário animar-se essaflÍrlllula,fazer com que dela surja e seja posta em circulaçãona vida real toda a eqüi-dade. toda a utilidade prática por ela expressada.

Uma crítica que recebi após a publicação da primeira ou segundaedição deste livro repousa sobre a imputação, a mim, de não-opção porqualquer método de interpretação da Constituição - e, pois, do direito -razão pela qual adotaria eu um certo "sincretismo metodológico" ... Oraciocínio é mais ou menos o seguinte: (i) o sincretismo metodológico,característico do atual estágio da discussão sobre interpretação constitu-cional, impede que se avance na discussão acerca da tarefa da interpre-I;\(,:ãoconstitucional; e (ii) as teorias de MüIler e Alexy são incompatí-veis. Segundo MüIler, o sopesamento é um método irracional, umaIItistura de "sugestionamento lingüístico", "pré-compreensões mal es-darecidas" e "envolvimento afetivo em problemas jurídicos concretos",cujo resultado não passa de mera suposição; a teoria desenvolvida porMüllcr não é conciliável com a idéia de sopesamento - essa incompati-hilidade decorrendo da base teórico-normativa de cada uma das teorias.I)ireitos são sopesados porque muitos deles entram em colisão. Existe acolisão de direitos porque muitas vezes o dever-ser expresso por umprincípio é incompatível com o dever-ser expresso por outro. O motivodessa incompatibilidade é a amplitude do conteúdo desse dever-ser. AIl'mia estruturante de Müller supõe que a racionalidade e a possibilida-de de controle intersubjetivo na interpretação e na aplicação do direito~;(iS;lO possíveis por intermédio de uma concretização da norma jurídica

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após ú,dua análise e limitação do âmbito de cada norma. Depois dessaárdua tarefa não há espaço para colisões, porque a norma simplesmentese revela como não-aplicável ao caso concreto e não se vê envolvida,portanto, em qualquer colisão jurídica relevante. Logo, sem colisão, nãohá razão para sopesamento. A concretização da norma, seguindo os pro-cedimentos da teoria estruturante, restringe o conteúdo de dever-ser decada direito fundamental, porque delimita de antemão o seu âmbito nor-mativo. Assim - segundo quem me critica - se alguém escreve um livroconsiderado ofensivo à honra ou à privacidade de alguém e, por essarazão, o livro é proibido por decisão judicial, não haveria que se falar emcolisão entre honra e privacidade, de um lado, e liberdade de expressão,do outro. Isso porque a publicação de um livro ofensivo à honra e à pri-vacidade não faz parte do suporte fático da liberdade de expressão. Osuporte fático de cada direito fundamental é bastante restrito.

Já a idéia subjacente à teoria dos direitos fundamentais de RobertAlexy funda-se em premissa bastante diversa. Alexy defende a tese deque os direitos fundamentais têm um suporte fático amplo. Isso signifi-ca, principalmente, que toda situação que possui alguma característicaque, isoladamente considerada, poderia ser subsumida à hipótese deincidência de um determinado direito fundamental, deve ser considera-da como abrangida por seu suporte fático, independentemente da consi-deração de outras variáveis. No exemplo acima, isso significaria que osimples ato de se escrever um livro, isoladamente considerado, pode sersubsumido à hipótese de incidência da liberdade de expressão e nãopode, de antemão, ser excluído de seu âmbito de proteção. Uma limita-ção a essa liberdade de expressão só poderá ocorrer após um sopeSametl-to de argumentos e contra-argumentos com base nas variáveis de cadacaso concreto. Daí tomar-se-ia evidente não ser fácil defender, ao mes-mo tempo, as teorias de MüIler e Alexy, simplesmente porque ambaspartem de concepções irreconciliáveis acerca da definição dos deveresprima facie e definitivos de cada direito fundamental. MüIler defendeque a definição do âmbito de proteção de cada direito fundamental éfeito de antemão - pois não há norma antes do caso concreto - por inter-médio dos procedimentos e métodos de sua teoria estruturante e, princi-palmente sem a necessidade de sopesamento, enquanto Alexy defendeqUI: n:to há decisões corretas no âmbito dos direitos fundamentais quen:to sejam produto de um sopesamento. Além disso, Alexy parte de umconceito semântico de norma jurídica que, para MüIler, não é mais doqUI: o inicio do procedimento de concretização normativo. Assim, aquilo

que para Alexy é a nomza, para MüIler é apenas o que ele chama de pro-grama da nomza. O elemento central da teoria de MüIler - o âmbito danorma - não tem espaço na teoria de Alexy. Segundo a crítica, eu eoutros autores brasileiros defenderíamos ambas as teorias, como se fos-sem compatíveis entre si. Eu e outros autores estaríamos a colocar "emum mesmo saco" teorias incompatíveis. Especialmente em relação amim, diz o mesmo crítico, alhures, que defendo ambas as teorias simul-taneamente e deixo implícita a compatibilidade entre elas em trechosdeste Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito(itens 6 e 67 e ss. do ensaio). Fez má leitura do meu texto esse críticobrasileiro dos autores brasileiros em geral, intérprete autêntico de Alexy,munido de muita ciência trazida da Alemanha, obtida diretamente deseus assistentes. Padece desse mal que se abate sobre os que chegam aomercado das idéias predispostos mais ao consumo do que à produçãodelas, como diria Raymond Boudon [2004:2 I]. Em primeiro lugar, per-mito-me observar que não pretendo fazer a defesa desta ou daquela teo-ria em meu texto, que deve ser visto como um relatório de pcsquisa emeditação, minhas, sobre a interpretação do direito. A meditação - dese-jo insistir nisso - é minha. Não desejo limitar-me a relatar como pensaou deixa de pensar este ou aquele autor, porém meditar eu mesmo. Medi-tar para produzir não uma teoria ou discurso normativo sobre a interpre-tação do direito, mas sim para tentar descrever como é operada essa ati-vidade - o que poderia ser sintetizado nesta breve afirmação: o textonormativo é alográfico. Em segundo lugar, como o leitor atento de Mül-ler poderá perceber, não subscrevo a sua teoria estruturante. A incompa-tibilidade entre essa teoria e as afirmações, minhas, de que a interpreta-ção é uma prudência e de que inexiste a única solução correta é evidentepara quem não se limita a ler, mas preserva o bom costume de refletirsobre o que lê. Talvez não seja demasiada a observação de que a alusãoà exposição de MüIler e à concretização do direito não significa automá-tica adesão à teoria jurídica estruturante.

2. A interpretação até os anos 70,subsunção e interpretação negativa

Cossio [1939:100-102] produz um relato bastante fiel do estado('111 que permaneceu o pensamento jurídico a propósito da interpreta-,;io do direito até os anos 70 do século passado.

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Diz ele que Kelsen e Merkl, seu discípulo predileto, explicarampela primeira vez a relação lógica que há entre o momento legislati-vo e o momento judicial do direito: o juiz não pode criar normasgerais, mas cria direito porque cria normas individualizadas; o juiznão legisla nem suplementa a lei, mas, dentro do espaço que lhe sina-liza a lei, o juiz se autodetermina; eis aí a interpretação; todo o espa-ço da dinâmica jurídica é aplicação em relação às normas mais geraisque o fundamentam, mas é criação em relação às normas inferioresque fundamenta, e assim como o legislador aplica a Constituiçãoquando legisla, mas dentro dela cria uma norma, o juiz quando julgaaplica a lei, mas criando dentro dela uma norma individualizada; eisaí o fundamento lógico da interpretação judicial.

Cossio, então, cita Capograssi - "aplicar a lei significa para o juiz,para o administrador, para o jurista prático, encontrar e formar a nor-ma particular adequada ao caso particular e a lei é apenas o critériodado ao juiz para regular-se melhor ao resolver a busca que o caso par-ticular suscita".

A lei é então concebida como orientação a ser seguida por quemdeve tomar aquela decisão, ou seja, para quem encontra e forma anorma particular.

É assim - prossegue Cossio - que o juiz, por uma razão ontológi-ca, cria direito dentro da lei, mas não pode criá-Io fora dela senão pordelegação, mercê do quê, em rigor, se transforma em legislador.Resulta decisiva, então, para a compreensão de tudo isso, a distinçãoentre normas jurídicas gerais e individualizadas que a Escola de Vienaelaborou com rigorosa força demonstrativa; as sentenças, as resolu-ções administrativas e os negócios jurídicos são então compreendidoscomo normas, e não como fatos, conforme o ensino tradicional.

norma criada depois do fato e para o fato - o que contrariaria outrospressupostos da ordem jurídica.

A importância da "nova hermenêutica" está em que a razão onto-I{)gica mencionada por Cossio, que daria lugar à interpretação tradi-cional, desaparece; outra é, agora, a razão ontológica da "criação" dedireito pelo intérprete autêntico.

Por isso, aqui se recusa a concepção da interpretação como merasllhsunção [v. Engisch 1967:57 e ss.]. Pois a interpretação do direito11;10 se reduz a exercício de comprovação de que, em determinadasilllação de fato, efetivamente se dão as condições de uma conseqüên-('ia jurídica (um dever-ser). Nesse mero exercício não há absoluta-IIl\'lIte nenhuma criação de direito.

Daí por que Cossio [1939: 105-106], referindo-se à extensão inter-pretativa no caso das lacunas jurídicas, observa que, ao contrário dopaleontólogo, que constrói toda uma ossatura a partir de um só ossodesenterrado, o juiz encontra a norma jurídica não formulada pelolegislador, visto que, sendo o direito uma totalidade hermética, a normanecessariamente está nela. O juiz unicamente explicita a norma não for-mulada; ele não cria a norma geral na qual fundamentará sua decisão,porque essa hipótese implicaria que o caso fosse julgado segundo lima

No De legibus (III, I) dizia Cícero [s/d:397] que o magistrado é alei falante; a lei, o magistrado mudo.

A subsunção implica apreciar-se como, da generalidade de umdever-ser, de suas "implicações gerais", são obtidas as proposições con-(Tetas desse dever-ser. Ultimar essa operação é aplicar o direito; suamecânica está fundada em um silogismo: a premissa maior é o textolIormatívo, a premissa menor são os pressupostos de fato e a conse-qüência jurídica [Canosa Usera 1988:9-10].

Lembre-se o trecho clássico de Cesare Beccaria [1911:28]: "In(1)',11 i delitto si deve fare daI giudice un sillogismo perfetto: Ia maggio-lI' dev'essere Ia legge generale; Ia minore, l'azione conforme o noalia legge; Ia conseguenza; Ia libertà o Ia pena. Quando il giudice sial'oslrdlo, o voglia fare anche soli due sillogismi, si appre Ia porta:dl' illcerlezza".

()hserva Alberto Donati [2002:27] que: "Alla certezza deI dirittoSI corrda, come conseguenza necessaria, Ia soggezione deI giudice aIdllíl!o, Se il diritto e dato, il giudice non deve piu elaborare Ia regola1'1 IlllJlosilrice deI conflitto intersoggettivo sottoposto alla sua cognizio-lI!', lHa limilarsi a correlare il fatto aI diritto, a sussumere il fatto neldlllllo, l" da questa sussunzione, ricevere le conclusioni. II diritto di-VIl'II!',COSI, Ia premessa maggiore di un sillogismo apodittico, il fattoIa Pl('lIll'ssa minore, Ia sentenza Ia conclusione indotta da queste due1'1 ('IIII'SSa".

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Ainda a negar a interpretação como mera subsunção, Pontes deMiranda [1975:288-292]: "A expressão 'erro contra literam', ou vio-lação da regra jurídica (ou texto) literal de lei, nenhuma referênciacontém a ser escrito ou não-escrito o direito. (...). O direito, em suaevolução incessante, ou, pelo menos, em sua mutabilidade, porque lhefaltam os fatores de estabilidade, mais características da moral e dareligião, constitui o que, em cada momento, é tido pelo mais justo e aomesmo tempo realizável. (...). O princípio de que o juiz está sujeito àlei é, ainda onde o meteram nas Constituições, algo de 'guia deviajantes', de itinerário, que muito serve, mas nem sempre basta. Equi-vale a inserir-se nos regulamentos de uma fábrica uma lei de física, aque se devem subordinar as máquinas: a alteração há de ser nas máqui-nas. Se entendemos que a palavra 'lei' substitui a que lá deverá estar,'direito', já muda de figura. Porque direito é conceito sociológico, aque o juiz se subordina, pelo fato mesmo de ser instrumento da reali-zação dele. E esse é o verdadeiro conteúdo do juramento do juiz, quan-do promete respeitar e assegurar a lei. Se o conteúdo fosse o de impora letra legal, e só ela, aos fatos, a função judicial não corresponderiaàquilo para que foi criada: apaziguar, realizar o direito objetivo. Seriaa perfeição em matéria de braço mecânico do legislador, braço semcabeça, sem inteligência, sem discemimento; mas anti-social e, comoa lei e a jurisdição servem à sociedade, absurda. Além disso, violaria,eventualmente, todos os processos de adaptação da própria vida social,porque só atenderia a eles, fosse a moral, fosse a ciência, fosse a reli-gião, se coincidissem com o papel escrito. Seria pouco provável a rea-lizabilidade do direito objetivo, se só fosse a lei: não apenas pela ine-vitabilidade das lacunas, como porque a própria realização supõeprovimento aos casos omissos e a subordinação das partes imperfeitasaos princípios do próprio direito a ser realizado. (...). A regra extrale-gal (no sentido de não-escrita nos textos), assente com fixidez e ine-quivocidade, é direito, ao passo que não no é a regra legal, a que ainterpretação fez dizer outra coisa ou o substituiu. Pouco importa, ounada importa, que a letra seja clara, que a lei seja clara: a lei pode serclara, e obscuro o direito que, diante dela, se deve aplicar. Porque a leié roteiro, itinerário, guia. Do que foi dito podemos tirar que o direito,a que se referem as leis processuais, não é a lei; mas aquele cercado,nfio muilo 'fino', em que os textos são estacas, que às vezes, por seremduas ou mais, uma adiante das outras, o arame só por uma passa, por-que a oulra ou oulras ficaram 'fora' do que bastaria ao cercado ou seria

preciso ao cercado. O verbum legis é ínfimo, se nós lhe antepomos aFi.\'ac potestas legis. O conteúdo imanente da ordem jurídica obriga aque a lei mesma, que não é prius, sofra a ajustação ao direito fixado,que ela não teve forças para mudar. A opinião de que ao iudicium res-cindens não vão somente as sentenças proferidas contra direito 'es-cri to' nunca deixou de ser a dos grandes juristas. O direito, e não a leicomo texto, é o que se teme seja ofendido. Alguns escritores desavisa-dos leram 'direito expresso' como se fosse 'lei escrita clara', lei escri-Ia explícita. É grave erro. O direito de que se fala é o direito em suaconsistência de revelação".

Com a "nova hermenêutica" é também irreconciliável a chama-da "interpretação negativa", que decorre da prescrição segundo a qualo inlúprete deve ater-se à mera interpretação literal ou remeter-se,~('IlIpreà "interpretação autêntica" - entendida esta como a dada aotexlo pelo legislador.5 Essa "interpretação negativa" importa que seIl'serve ao legislador o papel de único intérprete, negando-se-o mes-1110 aos juízes. v., adiante, o "Apêndice II" sobre o tema.

J. lllterpretar/compreender

As exposições tradicionais sobre a interpretação do direito geral-IIll'lIle são abertas com uma alusão à compreensão.

Diz-se, então, em alusão à interpretação em geral, que, ainda queo verbo denote distintos significados, interpretar é, essencialmente,I'u//Ipreender.

Dizemos, em sentido amplo, que interpretar é compreender. Dian-ll' de determinado signo lingüístico, a ele atribuímos um específicosignificado, de pronto colhido, definindo a conotação que expressa,('111 coerência com as regras de sentido da linguagem no bojo da qualo signo comparece. Praticamos, então, exercício de compreensão da-quele signo (buscamos entendê-Io). Interpretar, pois, em sentido am-plo, ~ compreender signos lingüísticos.

Em sentido estrito, contudo, o verbo interpretar assume distinta('onolação. Qualquer ato de comunicação pode ensejar uma ou outra

5. Insisto em que adiante usarei a expressão em outro sentido, aquele a ela atri-hnfdo por Kelsen, para quem o intérprete autêntico é a autoridade judiciária.

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das seguintes situações: (i) as palavras e expressões da linguagemnele utilizadas são suficientemente claras, verificando-se, então, umasituação de isomorfia [Wróblewski 1985:23]; (ii) inexiste essa clare-za, e dúvidas se manifestam quanto ao sentido preciso de tais pala-vras e expressões.

Demanda-se, assim, nesta segunda situação, como antecedenteindispensável à plenitude da compreensão, a determinação do signi-ficado das palavras e expressões de que se cuida, no que se busca pre-cisar os seus sentidos. Aqui, portanto, a interpretação (em sentidoestrito) - exercício complexo, distinto da pronta coleta de um especí-fico significado - antecede, na medida em que a viabiliza, a plenitudeda compreensão. Interpretamos, em sentido estrito, para compreen-der; compreender é interpretar em sentido amplo.

('Ia interpretada. Isso é de uma clareza sem par, embora poucos opercebam.

Diz Frosini [1991:98]: "O aforismo latino, ["in claris nanfit inter-flretatia" J em seu significado original, tinha uma função específica: ade fazer prevalecer a vontade do legislador sobre a do comentarista.Mas no seu uso habitual foi adquirindo o sentido irreflexivo e engano-so de que se pode prescindir da interpretação da mensagem legislativaquando esta é clara em si mesma. Em realidade, a clareza de uma lei,que nunca se encontra isolada do contexto que é o ordenamento jurídi-co ao qual pertence e graças ao qual toma-se operante, não é uma pre-missa, mas o resultado da interpretação, que a reconhece e afirma comotal: como clareza e certeza" [v. Tarello 1980:33-35].

4. Situações de isomorfia e situações de interpretação

Raras vezes nos colocamos, no uso da linguagem jurídica, dian-te de situações de isomorfia. Em regra nela afloram situações deinterpretação. Ambigüidade e imprecisão das palavras e expressõesda linguagem jurídica encaminham, inexoravelmente, à instalação desituações de interpretação em sentido estrito.6

Ademais, sempre, ainda quando se trate de situações de isomor-fia, o exercício de determinação do sentido das palavras e expressõesse impõe. Note-se que mesmo palavras e expressões unívocas na lin-guagem usual assumem - ou deveriam assumir - na linguagem jurí-dica sentidos mais precisos do que os naquele primeiro nível a elasatribuídos [Larenz 1983:83]. Daí por que se há de tomar sob reservaa afirmação de que "in claris cessat interpretatio", à qual se contra-põem as máximas de UIpiano - "Quamvis sit manifestissimum edic-tum praectoris, attamen non est negligenda interpretatio" (Digesto, L.25, tít. 4, frag. 1, § 11) - e de Celso - "Scire legis non hoc est, verbacarum tenere, sed vim ac potestatem" (Digesto, L. 1, tít. 3, frag. 17).

Quanto a esse ponto, aliás, impõe-se observarmos que a clarezade uma lei não é uma premissa, mas o resultado da interpretação, naIlwdida cm que apenas se pode afirmar que a lei é clara após ter sido

5. /'or que se impõe a interpretação do direito?

I'raticamos a interpretação do direito não - ou não apenas - por-qlll' a linguagem jurídica é ambígua e imprecisa, mas porque, comoildiante veremos, interpretação e aplicação do direito são uma só ope-1.11;.10, de modo que interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-Io,lIao IIOSlimitamos a interpretar (= compreender) os textos normati-vos, llIas também compreendemos (= interpretamos) os fatos.

() intérprete autêntico procede à interpretação dos textos normati-vos l', concomitantemente, dos fatos, de sorte que o modo sob o qual osacolIlL'cimcntos que compõem o caso se apresentam vai também pesardl' IlIancira incisiva na produção da(s) norma(s) aplicável(veis) ao caso.

Além disso, tanto a situação de dúvida (situação de interpreta-rI/o) quanto a situação de isomorfia dependem de atos concretos derlllllunicação, não podendo ser consideradas in abstracto: o mesmolexto é claro ou dúbio segundo os contextos concretos do seu uso; adarl'za (isomorfia), destarte, é noção pragmática, comprometida comal",IIlIS caracteres semânticos da linguagem jurídica [Wróblewski11)l)5:24]. O texto claro torna-se obscuro em função da tensão dosIIIlL'ressesque se põem em torno dele; a luta pela produção de senti-do do texto se instala em torno dessa tensão.

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Mas não é só, visto que - repito-o - a interpretação do direito éconstitutiva, e não simplesmente declaratória. Vale dizer: não se limi-ta - a interpretação do direito - a uma mera compreensão dos textose dos fatos; vai bem além disso.

Daí porque a interpretação [= interpretação/aplicação] do direitot' pt'clll iar em relação à compreensão de outros textos. Não se volta ~l

.~illlplcs determinação do significado de textos normativos, porém üohll'nção do que Castanheira Neves [1993:84] chama de um critériofll'lílico normativo adequado de decisão de casos concretos.

Lembre-se a observação de Ascarelli [1955:763]: "(a) interpre-tação (...) é uma construção e uma reconstrução que explica, desen-volve, restringe, modifica substancialmente; reconduz-se sempre aodado interpretado e sempre modificando-o. (...) Cada lei existe, no fim,qual interpretada; cada lei é qual a faz a interpretação que seja acolhi-da e esta interpretação na realidade reconstrói a lei e pode fazê-Ia diver-sa da sua primeira inteligência; transforma-a com o tempo; adapta-a emodifica-a; desenvolve-a ou a reduz a nada. E nesta interpretação sefazem valer as exigências e as convicções do intérprete, assim comoaquela condenação moral que, todavia, não se ergue eticamente contraa norma, negando-a, mas se concretiza interpretando-a e plasmando-a(...); respeitando-a e assim respeitando a exigência de ordem e de cer-teza que esta sempre representa, mas, ao mesmo tempo, transforman-do-a e, assim, adequando-a a um sempre mutável equilíbrio de con-trastantes forças e valorações".7

Gadamer [1991:612] afirma que a tarefa da hermenêuticajurídicanão é compreender as proposições jurídicas vigentes, mas encontrar di-reito, isto é, interpretar as leis de modo que a ordem jurídica cubra in-teiramente a realidade social.

Cumpre distinguirmos, pois, as normas jurídicas produzidas pelointérprete autêntico, a partir dos textos e dos fatos, da norma de deci-sao do caso, expressa na sentença judicial.

fI. A exposição de Friedrich Müller e a concretização do direito

Cai como uma luva, aqui, a exposição de Friedrich Müller12()()O:61-62]: "Normas jurídicas não são dependentes do caso, masI('kridas a ele, sendo que não constitui problema prioritário se se tratade um caso efetivamente pendente ou de um caso fictício. Umauormax não é (apenas) carente de interpretação porque e à medida emqlll~ela não é 'unívoca', 'evidente', porque e à medida que ela é 'des-lituída de clareza' - mas sobretudo porque ela deve ser aplicada a uml';ISO(real ou fictício). Uma norma no sentido da metódica tradicional(isto é: o teor literal de uma norma) pode parecer 'clara' ou mesmo'uuívoca' no papel, já o próximo caso prático ao qual ela deve sernplícada pode fazer que ela se afigure extremamente 'destituída del'Iareza'. Isso se evidencia sempre somente na tentativa efetiva dal'IHlcretização. Nela não se 'aplica' algo pronto e acabado a um con-,uuto de fatos igualmente compreensível como concluído. O positi-ViSlllOlegalista alegou e continua alegando isso. Mas 'a' norma jurí-dica não está pronta nem 'substancialmente' concluída".

O texto normativo - diz Müller [1993: 169] - não contém imedia-tamente a norma. A norma é construída, pelo intérprete, no decorrer

Como e enquanto interpretação/aplicação, ela parte da compre-ensão dos textos normativos e dos fatos, passa pela produção das nor-mas que devem ser ponderadas para a solução do caso e finda com aescolha de uma determinada solução para ele, consignada na normade decisão.

7. No original: "L'interpretazione (...) e una costruzione e una ricostruzione chespiega, sviluppa, restringe, sostanzialmentemodifica; sempre riconducendosi aIdatointerpretato eppur sempre modificandolo. (...) Ogni legge e alia fine quale interpre-tata ogni legge e quale Ia fa l'interpretazione che venga accolta e questa interpreta-zionc in realtà ricostruisce Ia legge e Ia puà fare diversa dalla sua prima intelligen-za; Ia vicne trasformando col tempo; Ia adatta e modifica; Ia sviluppa o Ia riduce aIuulla. E in questa interpretazione pur si fanno valere le esigenze e le convinzionidcll'ínlerprele. SI che quella condanna morale che tuttavia non si erige eticamentec01I11llIa norma negandoIa. pur si fa operosa interpretandola e plasmandoIa (...); ris-pt'l!;lIldolatOCOSI rímancndo sensibile a quell'esigenza di ordine e certezza che ques-Ia pnr selllpre rapprcscnla. am insieme trasformandola e COSI adeguandola a un sem-pre 1Il1l!cVO!el'qllilihríodi conlrastanti forze e valutazioni".

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do processo de concretização do direito (o preceito jurídico é umamatéria jurídica que precisa ser "trabalhada").

Inicialmente caminhamos do texto da norma até a nonna jurídi-ca. Em seguida caminhamos da nonna jurídica até a nonna de deci-são, aquela que determina a solução do caso. Apenas então se dá aconcretização da norma, ou seja, mediante a produção de uma normajurídica geral, no quadro da solução de um caso determinado.

A concretização do direito não é mero descobrimento (Rechtsfin-dung) do direito, mas a produção de uma norma jurídica geral noquadro de solução de um caso determinado [Müller 1993:168-169].

Assim, a concretização envolve também análise do âmbito danorma, entendido como tal o aspecto da realidade a que respeita otexto. Dizendo-o de outro modo: a norma é produzida, no curso doprocesso de concretização, não a partir exclusivamente dos elemen-tos do texto, mas também dos dados da realidade à qual ela - a norma- deve ser ap1icada.9

Ora, desde o momento da elaboração do texto até o instante desua aplicação, a norma é determinada histórica e socialmente. Logo,quando o jurista cogita dos elementos e situações do mundo da vidasobre os quais recai determinada norma, não se refere a um temametajurídico. A norma é composta pela história, pela cultura e pelasdemais características da sociedade no âmbito da qual se aplica.

O texto normativo - diz MüIler - é uma fração da norma, aquelaparte absorvida pela linguagem jurídica, porém não é a norma. Pois anorma jurídica não se reduz à linguagem jurídica. A norma congregatodos os elementos que compõem o âmbito normativo (= elementos esituações do mundo da vida sobre os quais recai determinada norma).

"Le texte de norme n'a que valeur de signe, il ne contient pas desconceptsjuridiques réifiés,mais bien seulementdes données linguistiquesque doivent être étudies em fonction, à chaque fois, du type d'usage quiem est fait".

Além disso, os textos normativos são formuladas tendo em vistaum determinado estado da realidade social (que eles pretendem refor-çar ou modificar); este estado da realidade social geralmente nãoaparece no texto da norma.1O

O texto é abstrato e geral (isto é, sem referência a motivos e con-texto real). Mas o aspecto da realidade referida pela norma constituiconjuntamente seu sentido (esse sentido não pode, a partir daí, serperseguido apartado da realidade a ser regulamentada). A realidade étanto parte da norma quanto o texto; na norma estão presentes inúme-ros elementos do mundo da vida.

O ordenamento jurídico é formado e conformado pela realidade.Por isso mesmo algumas oposições que se manifestam no texto nor-mativo (liberdade e restrição, individualismo e coletivismo, relevânciae irrelevância, igualdade e diferença, v.g.) devem ser compreendidasnão como apresentando um antagonismo ou contradição, mas confor-mando uma polaridade estrutural, posto que a existência simultâneadesses opostos é inerente ao mundo da vida e estão essencialmenteligados entre si.

A concretização implica um caminhar do texto da nonna para anorma concreta (a norma jurídica), que não é ainda, todavia, o desti-no a ser alcançado; a concretização somente se realiza no passo se-guinte, quando é descoberta a norma de decisão, apta a dar soluçãoao conflito que consubstancia o caso concreto. Por isso dizem algunsautores que interpretação e concretização são distintas entre si - o quecontesto, para sustentar que inexiste, hoje, interpretação do direitosem concretização. Esta é, pois, a derradeira etapa daquela.<J. Para Müller o âmbito normativo é mais do que uma mera soma de fatos,

;lllI:lI1g~ndoum complexo real e possível, que aparece em toda regra (= enunciado111II111a1ívo), formulado com elementos estruturais retirados da realidade. O âmbito da1I01llla11:10congrega (imediatamente) à totalidade dos fatos; ele se manifesta quando1111111Iol'lallla de inlerpretação é praticado (pelo intérprete), visando à aplicação deIIOllllas plIidieas; CIlI;I(),tendo em vista o fato concreto, emergem naquele âmbitoIl'll'vallles (",llIIllIras s(ll"iais básicas que irão delinear o seu universo.

10. O programa da norma é a ordem ou comando jurídico, em seus aspectosgramático-textuais; o domínio da norma, o pedaço da realidade social parcialmenteatingido pela norma (realidade social impactada pela norma); a concreção deve en-volver norma e realidade, daí surgindo a norma de decisão.

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Sobre a 'Teoria Jurídica Estruturante" e concretização em Mül1er,v. a exposição de Neves [2003:360-362].

Daí por que interpretar, mesmo e já no momento da interpreta-ção do texto normativo, não é apenas compreender.

A interpretação é uma relação entre duas expressões; a primeira(que porta uma significação), expressão original, é o objeto da inter-pretação; a segunda, designada "a interpretação", cumpre, em relaçãoà outra, a função de interpretante [Ortigues 1987:219]. A interpretaçãoaporta à primeira expressão (objeto da interpretação) uma nova formade expressão, que não é necessariamente verbal- como ocorre no casodas artes alográficas (música e teatro); assim, interpretar é compreen-der + refonnular ou reexprimir sob fom1a nova.

De outra parte, a interpretação de qualquer linguagem verbal ounotacional consiste em mostrar algo: ela vai "do abstrato ao concre-to, da fórmula à respectiva aplicação, à sua 'ilustração' ou à sua inser-ção na vida" [Ortigues 1987:220]. Na interpretação de fatos, ao con-trário, vai-se do concreto ao abstrato, da experiência à linguagem.

A interpretação, pois, consubstancia uma operação de mediaçãoque consiste em transformar uma expressão em uma outra, visando-sea tomar mais compreensível o objeto ao qual a linguagem se aplica.

7. Os contextos da interpretação

A interpretação em sentido estrito desenrola-se fundamental-mente em três distintos contextos [Wróblewski 1985:38 e ss.].

No primeiro deles - o contexto lingüístico - as situações de dúvi-da decorrem da circunstância de a linguagem jurídica apresentar ambi-güidades e zonas de penumbra e ser potencialmente vaga e imprecisa- traços que advêm do fato de se nutrir da linguagem natural.

No segundo - o contexto sistêmico - as dúvidas que a reclamamse manifestam quando o significado prima facie de uma norma re-sulta inconsistente ou incoerente em presença de outra ou outras nor-mas do sistema jurídico no qual se encontra aquela inserida. A inter-pretação em sentido estrito então se impõe, seja porque as normas deum sistema jurídico se relacionam substantiva e formalmente (i),seja não apenas porque há hierarquia entre elas, mas também porqueassumem formas e modalidades diversas (normas gerais e normasespeciais; normas primárias e normas secundárias; normas de condu-ta, normas de organização e normas-objetivo - e, em especial, prin-cípios e regras) (ii), ou, ainda, porque não se presume contradiçãoentre elas (consistência do sistema) (iii) e, ademais, a harmonia entreelas é pressuposta (coerência do sistema) (iv) [Wróblewski 1985:38e 43-45].

No terceiro - o contexto funciOl1al- as situações de dúvida con-sistem, basicamente, na coexistência prima facie de múltiplas fun-ções, conflitivas e mesmo excludentes entre si, atribuíveis a umamesma norma.

9. Significantes e significados

Se concebermos a interpretação do direito como operação de ca-ráter lingüístico, deveremos descrevê-Ia como um processo intelecti-vo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos atosnormativos, alcançamos a determinação do seu conteúdo normativo:caminhamos dos significantes (os enunciados) aos significados [Za-grebelsky 1990:68].

O que pretendo sustentar é o caráter alográfico da interpretaçãodo direito.

8. Compreender e reexprimir

() vocúbulo "interpretação" veicula no mínimo dois sentidos: (i) a;llividadL'de interpretar; (ii) o produto, resultado da atividade de inter-prdar. Ncsle segundo sentido a "interpretação" é a norma, ou seja, o sig-lIilicado qUL'SL'atribui (como resultado da atividade de interpretação)aos dO("lIlllL'lIlosdas leis e de outros atos normativos [Tarello 1980:102].

10. Artes autográficas e artes alográficas

Podemos distinguir dois tipos de expressão artística: o das artesalográficas e o das artes auto gráficas. Nas artes alográficas (música ('teatro) a obra apenas se completa com o concurso de dois personaf',clls:o autor e o intérprete; nas artes autográficas (pintura e romance) o alitor contribui sozinho para a realização da obra [Ortigues 19X7:2211.

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Em ambas (artes alográficas e artes autográficas) há interpreta-ri/o, mas são distintas, uma e outra.

A interpretação da pintura e do romance importa compreensão(a obra, objeto da interpretação, é completada apenas pelo seu autor;a compreensão visa à contemplação estética, independentemente damediação de um intérprete).

A interpretação musical e teatral importa compreensão + repro-dução (a obra, objeto da interpretação, para que possa ser compreen-dida, tendo em vista a contemplação estética, reclama um intérprete;o primeiro intérprete compreende e reproduz e o segundo intérpretecompreende mediante a - através da - compreensão/reprodução doprimeiro intérprete) (ainda que nessa segunda compreensão se mani-feste, também, a construção de uma nova forma de expressão).

texto somente é realizada quando o sentido por ele expressado é pro-duzido, como nova fornIa de expressão, pelo intérprete.

Mas o "sentido expressado pelo texto" já é algo novo, distinto dotexto. É a nornIa.

Ao referimos "texto" estamos a mencionar não apenas os textosescritos, mas também os textos dos princípios implícitos de direito, não-escritos, resgatados no direito pressuposto.

Roman Ingarden [apudKalinowski 1982: 109 e ss.] distinguia en-tre a obra de arte e a obra estética produzidas. A primeira, pelo artista;a segunda, por seu intérprete. Esta tem por fundamento aquela. Mas po-de acontecer que a interpretação infiel seja esteticamente superior à in-terpretação fiel, o que é particularmente visível no domínio teatral.

Carlos Maximiliano [1957:83] diz: "Existe entre o legislador e ojuiz a mesma relação que entre o dramaturgo e o ator. Deve este atenderàs palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo; porém, se é verdadei-ro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil: dá vida ao pa-pel, encarna de modo particular a personagem, imprime um traço pessoalà representação, empresta às cenas um certo colorido, variações de ma-tiz quase imperceptíveis; e de tudo faz ressaltar aos olhos dos espectado-res maravilhados belezas inesperadas, imprevistas. Assim o magistrado:não procede como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos;porém como órgão de aperfeiçoamento destes, intermediário entre a letramorta dos códigos e a vida real, apto a plasmar, com a matéria-prima dalei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade. Não o consideramautômato; e, sim, árbitro de adaptação dos textos às espécies ocorrentes,mcdiador esclarecido entre o direito individual e o social".

Isso significa que o texto normativo, visando à solução de confli-10s (isto é, uma decisão normativamentefundada para problemas prá-1in IS, em razão do quê consubstancia dever-ser - sollen, e não sein -,l' n;lo a contemplação estética), reclama um íntérprete (primeiro intér-{"de) que compreenda e reproduza, não para que um segundo intér-{'!'I'tepossa compreender, mas a fim de que um determinado conflitosl'ja (kcidido.

No1c-se helll lJue. ao cuutr;írío da intcrpretação eicntífica e filosó-rica, a illlel prel,H,:a\)jllIídica é UlIla inlerprclação prática [KalinowskiI'IS!: li! e I1SI

1\ 11I1l'qlll'l;I~:;1Odo direito opera a mediação entre o caráter geraldu tn{o 1I0011l:ltivoe sua aplicação particular: isto é, opera a suaill,\'('/'{"iioI/{/ Fida.

11. () I('xlo 1I0rmativo é alográfico

() ll'xto, preceito, enunciado normativo é alográfico. Não se com-plda no Sl'1I1ido nele impresso pelo legislador. A "completude" do

12. A determinação do conteúdo normativo

A interpretação, pois, é um processo intelectivo através do qual,partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, pre-('('i{os,disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo nonna-tiFO.Atividade voltada ao discemimento de enunciados semânticos vei-culados por preceitos (enunciados, disposições, te:>.10s).O intérpretedesvencilha a nonna do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intér-prete produz a nonna.

Atividade que se presta a transformar disposições (textos, enun-ciados) em normas, a interpretação é meio de expressão dos conteú-

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dos nOr/nativos das disposições, meio através do qual o intérpretedesvenda as normas contidas nas disposições.

Interpretar é atribuir um significado a um ou vários símbolos lin-güísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato deinterpretar, portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto(preceito, disposição) [Canotilho 1991 :208].

Dizendo-o na síntese de Tarello:

Daí podermos sustentar - seguindo Zagrebelsky [1990:68-69] -que o ato normativo, como ponto de expressão final de um podernormativo, concretiza-se em uma disposição (texto ou enunciado).As disposições são dotadas de um significado, a elas atribuído pelosque operaram no interior do procedimento normativo, significado quea elas desejaram imprimir. Sucede que as disposições devem expri-mir um significado para aqueles aos quais são endereçadas. Daí a ne-cessidade de bem distinguirmos os significados imprimidos às dispo-sições (enunciados, textos) por quem as elabora e os significadosexpressados pelas normas (significados que apenas são revelados atra-vés e mediante a interpretação, na medida em que as disposições sãotransformadas em normas).

A interpretação, destarte, é meio de expressão dos conteúdos nor-mativos das disposições, meio através do qual pesquisamos as normascontidas nas disposições. Do que diremos ser - a interpretação - umaatividade que se presta a transformar disposições (textos, enuncia-dos) em normas.

Interpretação é a atividade "con cui un operatore qualchesia attri-buische significati a documenti che esprimono norme, aI fine appuntodi racavare Ia norma espressa daI documento" [1980:61].

Norma significa "semplicemente il significato che e stato dato, oviene deciso di dare, o viene proposto che si dia, a un documento chesi ritiene sulla base de indizi formali esprima una qualche direttivad'azione" [1980:64].

"Nelle organizzazioni giuridiche moderne, le norme sono i signi-ficati che si attribuiscono ai documenti delle leggi e degle altri atti nor-mativi giuridici. A questa attribuzione di significato si dà il nome di in-terpretazione" [1980:102].

Observa Celso Antônio Bandeira de Mello [2004:650-651] que"(...) é a interpretação que especifica o conteúdo da nonna. Já houvequem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma,mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que seaplica, sim, é a própria norma, porque o conteúdo dela é pura e simples-mente o que lhe resulta da interpretação. De resto, Kelsen já ensinaraque a norma é uma 'moldura'. Deveras, quem outorga, afinal, o conteú-do específico, em cada caso, é o intérprete, (...)".

"L'oggetto dell'interpretazione giuridica e percià constituito daenunciati: gli enunciati normativi." [Tarello 1980: 107]

Aparecem de modo bem distinto, neste ponto de minha exposi-ção, o texto (enunciado, disposição) e a norma. Texto e norma não seidentificam: o texto é o sinal lingüístico; a norma é o que se revela,designa [Canotilho 1991:225].

As normas, portanto, resultam da interpretação. E o ordenamen-to, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações,isto é, conjunto de normas. O conjunto das disposições (textos, enun-1"Íl/{los)é apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibi-lidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais. O sig-lIijic(l{/o (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Valedil.cr: () signijicado da norma é produzido pelo intérprete.

A respeito da distinção entre texto e norma, v. Guastini [1993: 1Xe 325 e 1995:93-96]; também MacCormick [1989:120-122] e Müller[2000:22]. François Gény [1919:44], muito significativamente, men-ciona normas jurídicas extraídas da lei, o que supõe a distinção cntretex/o e norma. Para uma crítica a cssa distinção, v. Italia !20()()::VJ!.

()hsnva Michcl Troper [1978:298]: "Ce n'est donc pas Ia normequi ;1 1In('si:'nific;llio1l, cal' c1k cst c1le-Illêmc celte sif!nifícation, mais

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seulement Ia proposition ou le texte qui I'exprime. Ce donc lui qui estinterprété, et déterminer son sens, c'est donc déterminer par un acte devolonté Ia norme qu'il contient. C' est, en définitive, insérer une normedans un texte. li en résulte une conséquence capitale: Ia norme consti-tutionnelIe est créée par l' autorité qui l' applique, au moment ou elIeI'applique et par le moyen de l'interprétation".

Sobre a chamada "teoria realista da interpretação", v. as exposiçõesde Otto Pfersmann [2002:279 e ss.] e Michel Troper [2002:335 e ss.].

Diz Vittorio Frosini [1991:12] que a interpretação jurídica não é aaplicação mecânica de um mandamento, mas uma atividade criadora nosentido próprio do termo. E, adiante [1991: 110], esclarece: "A interpre-tação não é um simples desenvolvimento de um texto escrito a outro,que permanece em um nível meramente discursivo; o juiz extrai a men-sagem legislativa de um contexto, a reúne com outras, em um novo con-texto, remodelando a mensagem em uma nova modalidade expressiva".

Os textos normativos não possuem significações inerentes, nemsentidos prévios definidos - diz MülIer [1996: 168 e 177]; eles se limi-tam a estabelecer uma moldura limitadora das possibilidades legais elegítimas da correta concretização do direito. A construção da norma dedecisão (isto é, a decisão) se dá dentro dessa moldura, mas decorre darealidade, porque é ela que confere sentido ao texto interpretado.

As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; somentepassam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (istoé, quando - através e mediante a interpretação - são transformadosem normas). Por isso as normas resultam da interpretação, e podemosdizer que elas, enquanto disposições, nada dizem - elas dizem o queos intérpretes dizem que elas dizem [Ruiz e Cárcova 1991:320].

Paolo Grossi [2004: 111] informa que, em 1994, uma sentença daCorte de Cassazione italiana (Cass. Civ. Sez. Um. e agosto 1994, n.7194, reI. Carbone) fez a distinção entre a disposição, "considerataparte di un testo non ancora confortato daI lavorio interpretativo" e anorma, entendida como "testo già sottoposto ad elaborazione interpre-tativa rilevante", concluindo que as operações interpretativas "vengonoa determinare Ia formazione di un 'diritto vivente' in continua evoluzio-ne che risulta piu o meno differenziato dalI'originario significato delIadisposizione scritta introdotta in una certa epoca dallegislatore".

Vale dizer: a norma encontra-se (parcialmente), em estado depotência, involucrada no enunciado (texto ou disposição); o intérpre-te a desnuda. Neste sentido - isto é, no sentido de desvencilhamentoda norma de seu invólucro: no sentido de fazê-Ia brotar do texto, doenunciado - é que afirmo que o intérprete produz a norma. O intér-prete compreende o sentido originário do texto e o mantém (devemanter) como referência de sua interpretação [Gadamer 1991:381].

Ao tratar da norma criada pelo juiz em caso de lacuna, Cossioobserva [1939:106] que o juiz unicamente explicita a norma não for-mulada; ele não cria a norma geral na qual fundamentará sua decisão,porque essa hipótese implicaria que o caso fosse julgado segundouma norma criada depois do fato e para o fato - o que contrariariaoutros pressupostos da ordem jurídica.

14. O intérprete produz a norma

Isso, contudo - note-se bem -, não significa que o intérprete, lite-ralmente, crie a norma. Dizendo-o de modo diverso: o intérprete nãoé um criador ex nihilo; ele produz a norma - não, porém, no sentidode fabricá-Ia, mas no sentido de reproduzi-Ia.

O produto da interpretação é a norma expressada como tal. Masela (a norma) parcialmente preexiste, potencialmente, no invólucrodo texto, invólucro do enunciado.

Ao tratar da norma criada pelo juiz em caso de lacuna, Cossioobserva [1939: 106] que o juiz unicamente explicita a norma não formu-lada; ele não cria a norma geral na qual fundamentará sua decisão, por-que essa hipótese implicaria em que o caso fosse julgado segundo umanorma criada depois do fato e para o fato, o que contrariaria outrospressupostos da ordem jurídica.

Suponha-se a entrega, a três escultores, de três blocos de mármo-re iguais entre si, encomendando-se a eles três Vê11l1S de Milo. Ao

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final do trabalho desses três escultores teremos três Vênus de Mito,perfeitamente identificáveis como tais, embora distintas entre si: emuma a curva do ombro aparece mais acentuada; noutra as maçãs dorosto despontam; na terceira os seios estão túrgidos e os mamilosenrijecidos. Não obstante, são, definidamente, três Vênus de Milo _nenhuma Vitória de Samotrácia.

Esses três escultores "produziram" três Vênus de Mito. Não go-zaram de liberdade para, cada um ao seu gosto e estilo, esculpir as fi-guras ou símbolos a que a inspiração de cada qual aspirava - o prin-cípio de existência dessas três Vênus de Milo não está neles.

Tratando-se de três escultores experimentados - como na metá-fora de que lanço mão se trata -, dirão que, em verdade, não criaramas três Vênus de Mito. Porque lhes fora determinada a produção detrês Vênus de Mito (e não de três Vitórias de Samotrácia, ou outraimagem qualquer) e, na verdade, cada uma dessas três Vênus de Mitojá se encontrava em cada um dos blocos de mánnore, eles - dirão _apenas desbastaram o mármore, para que elas brotassem, tal como seencontravam, ocultas, no seu ceme.

O que pretendo também, além de sustentar o caráter alográficoda interpretação do direito, é afirmar que diferentes intérpretes - qualdiferentes escultores produzem distintas Vênus de Mito - produzem,a partir do mesmo texto, enunciado ou preceito, distintas normas jurí-dicas. Parafraseando Kelsen [1979:467], afirmo que dizer que umadessas Vênus de Mito éfundada na obra grega não significa, na ver-dade, senão que ela se contém dentro da moldura ou quadro que aobra grega representa - não significa que ela é a Vênus de Mito, masapenas que é uma das Vênus de Milo que podem ser produzidas den-tro da moldura da obra grega.

Disse, acima, que a norma parcialmente preexiste, potencialmen-te, no invólucro do texto, invólucro do enunciado. Devo agora expli-car por que ela - a nonna - preexiste apenas parcialmente no invólu-cro do texto.

É que a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partirde elementos que se desprendem do texto (mundo do dever-ser), mastamhém a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, istoé, a partir de elementos da realidade (mundo do ser). Note-se bemque, ao interpretar os textos normativos, o intérprete toma como obje-

to de compreensão também a realidade em cujo contexto dá-se a in-terpretação, no momento histórico em que ela se dá. Além disso, os fa-tos, elementos do caso, hão de ser também interpretados.

Por isso a norma se encontra, em potência, apenas parcialmentecontida no invólucro do texto. Assim, a metáfora dos escultores pro-duzindo Vênus de Mito deve, como qualquer metáfora, ser tomada emtermos não-absolutos.

Sobre a "criação" do direito pelo intérprete, observa Mauro Cap-pelletti [1993:21-22]: "É óbvio que toda reprodução e execução variaprofundamente, entre outras influências, segundo a capacidade do inte-lecto e estado de alma do intérprete. Quem pretenderia comparar a exe-cução musical de Arthur Rubinstein com a do nosso ruidoso vizinho?E, na verdade, quem poderia confundir as interpretações geniais deRubinstein com as também geniais, mas bem diversas, de Cortot, Gie-seking ou Horowitz? Por mais que o intérprete se esforce por permane-cer fiel ao seu 'texto', ele será sempre, por assim dizer, forçado a serlivre - porque não há texto musical ou político, nem tampouco legisla-tivo, que não deixe espaço para variações e nuances, para a criativida-de interpretativa. Basta considerar que as palavras, como as notas namúsica, outra coisa não representam senão símbolos convencionais,cujo significado encontra-se inevitavelmente sujeito a mudanças eaberto a questões e incertezas".

15. O intérprete autêntico

A esta altura, contudo, convém deixarmos perfeitamente esclare-cido que - assim como apenas um autêntico escultor terá condiçõesde trabalhar adequadamente o mármore, discemindo os seus veios eas proporções da obra - o intérprete dotado de poder suficiente paracriar as normas é o intérprete autêntico, no sentido conferido a essaexpressão por Kelsen [1979:469 e ss.].

Aqui se coloca um grave problema, pois a norma é uma mani I('s-,tação de poder. Quem produz uma norma exerce um ato de podeI". I',é certo ainda que não apenas o intérprete autêntico interpreta. '1':1111

bém o fazem os advogados, os juristas, o administrador púhlico (' ()~,cidadãos, até o momento anterior ao da definição da norma dl' d('(' I

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são. Ora, se as normas nascem da interpretação, também esses intér-pretes, não-autênticos, produzem normas.

O homem faminto que, sem nenhuma moeda, ao passar por umabarraca de frutasll não arrebata uma maçã interpreta um texto de di-reito - que coíbe o furto -, produzindo nonna. Porque a interpretaçãodo direito consiste em concreta r a lei em cada caso, isto é, na suaaplicação [Gadamer 1991:401], o homem faminto, então, ao inter-pretar a lei, desde o seu caso concreto, a aplica.

Não obstante, unicamente o intérprete autêntico cria direito, nosentido de definir normas de decisão.

che torna a sua volta poi ad essere 'testo' per applicazioni successive".E prossegue o mestre: "La norma non e 'racchiusa' nel testo SI da poteressere ivi discoperta e I'interpretazione non e '10 specchio' di quantoracchiuso nel testo; il testo e se mai un seme per quelIa sempre rinnno-vata e transitoria formulazione delIa norma che per ogni applicazionecompie I'interprete".

Hesse [1988:62], tratando da interpretação constitucional, observaque a "concretização" e a "compreensão" apenas são possíveis em facede um problema concreto; "não há interpretação da Constituição inde-pendentemente de problemas concretos".

No que tange ao controle de constitucionalidade desejo sublinharque, no controle difuso, o juiz apura a inconstitucionalidade da norma(isto é, cogita do texto + fatos). Já o Supremo Tribunal Federal, na açãodireta de inconstitucionalidade, declara a inconstitucionalidade dotexto, o artigo tal da lei ou da medida provisória número tal. Ele apenasinterpreta - vale dizer, não aplica o direito. O juiz que faz o controledifuso, no entanto, esse interpreta e aplica o direito; por isso ele deci-de no âmbito da norma, não do texto. Não obstante, o Supremo Tribu-nal Federal poderá decidir afirmando que o texto é compatível com aConstituição se for interpretado de um determinado modo, mas não -isto é, será inconstitucional - se for interpretado de outro modo (aí a"interpretação conforme a Constituição", que supõe uma outra interpre-tação, esta "não-conforme a Constituição").

Sobre o intérprete autêntico, v. o debate entre Ono Pfersmann[2002:279 e ss.] e Michel Troper [2002:335 e ss.].

16. Interpretação = aplicação

Interpretação e aplicação não se realizam autonomamente. O intér-prete discerne o sentido do texto a partir e em virtude de um determina-do caso dado [Gadamer 1991:397]; a interpretação do direito consisteem concreta r a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação [Gadamer1991:401]. Assim, existe uma equação entre interpretação e aplicação:não estamos, aqui, diante de dois momentos distintos, porém frente auma só operação [Marí 1991:236]. Interpretação e aplicação consubs-tanciam um processo unitário [Gadamer 1991:381], se superpõem.

A interpretação (aplicação) do texto de lei no caso do homemfaminto que passa por uma barraca de frutas não visa, no entanto, àdecisão de um conflito - como a que seria procedida pelo intérpreteautêntico -, porém introduz um conflito (se descumprida a norma) ouimpede o conflito (se observada a norma). Vale dizer: esta, como ainterpretação operada pelo advogado, pelo jurista, pelo administradorpúblico, não vincula terceiros; compõe-se no discurso jurídico - ape-nas o intérprete autêntico pronuncia o discurso do direito.12

Cogitando da justiça da decisão do juiz, Jacques Derrida [1994:50-52] sustenta que ela não o será senão quando for um jugement à nou-veaux frais (jresh judgment, na dicção de Stanley Fish). Ainda que essadecisão deva ser conforme uma lei preexistente, a sua interpretação éré-instaurative, ré-inventive. E assim é porque cada caso é um outrocaso, cada decisão é diferente e requer uma interpretação absolutamen-te única, que nenhuma regra existente e codificada pode e deve garan-tir de modo absoluto.

Afirmava já Tullio Ascarelli [1959: 145] que a equivocidade dotexto é superada somente no momento da aplicação da norma, "norma

Poder-se-ia eventualmente sustentar, com Guastini [2000: 10], queinterpretação e aplicação são atividades exercidas sobre objetos dife-

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Na segunda delas, em 9 de novembro de 1790, observou: "Ce n' estpoint un tribunal que vous avez à créer, c' est une cour de cassation.Que! est I' objet de I' institution de cette cour? Voilà Ia premiere, et peut-

être Ia seule question que vous ayez à résoudre; car c' est I' objet de tou-tes les institutions sociales, qui dirige les législateurs dans leur forma-tion; les fonctions de ce tribunal sont de n'opérer que pour I'intérêt detous, et d'empêcher Ia violation de Ia loi, plutôt que d'en fairel' application; lorsque les parties ont épuisé tous les degrés de jurisdic-tion que leur a donnés Ia loi, leur intérêt s'arrête là, et c'est moins lesindividus que Ia loi, que le tribunal de cassation va commencer à défen-dre. Ce n'est qu'en vous pénétrant de ces principes, que vous parvien-drez à un juste résultat dans cette matiere; ici je me fais une secondequestion: quel est le geme de pouvoir auquel le tribunal de cassationdoit tenir? Ce n'est pas au pouvoir judiciaire, car casser un jugement,ce n' est pas juger les droits des parties; ce n' est pas non plus au pou-voir exécutif, car dire que Ia loi a été violée, ce n' est pas Ia faire exé-cuter; et d' ailleurs, si le droit de cassation pouvoit être confié au pou-voir exécutif, qui est souvent intéressé à violer Ia loi, ou en tolérerI'infraction, Ia loi, loin d'être protégée, seroit étouffée par le despotis-me: le tribunal de cassation, s'il dérivoit du pouvoir exécutif, auroit unmoven légal d'anéantir I'autorité législative, dont les décrets pourroientn'être que de vaines formules abandonnées à Ia volonté des agens duRoi. Ce tribunal sera-t-il donc une dépendance, une partie nécessaire dudroit de faire les loix? Qui, sans doute, car ce ne peut être qu'à celui quifait Ia loi, qu'il convient de dire que Ia loi a été mal entendue ou en-freinte. Je ne connois pas en effet de troisieme puissance, et si les repré-sentans de Ia nation n' avoient pas dans leurs mains Ia surveillance deleurs propres opérations; je le répete, ces opérations seroient ouverte-ment éludées, violées avec I' espoir de l'impunité. La cour de cassationest donc le complément de I'assemblée législative, et ni le Roi, ni lesagens de son pouvoir, ne peuvent avoir plus de part à sa formation,qu'ils n'en ont à celle de I'assemblée nationale. Votre comité vous pro-pose de faire choisir par le peuple quatrevingt-trois sujets. Sur ce nom-bre, le corps législatif en prendra quarante; et enfin, sur Ia présentationde ce demier nombre, le Roi nommera trente juges. Voilà donc, en dcr-niere analyse, le pouvoir exécutif disposant à son gré des membrcscomposant le tribunal de cassation. Non, Messieurs, je ne pense pas quevous vouliez adopter un ordre d'élection, aussi évidemment contraire:1tous vos principes, et loin d' admettre le pouvoir exécutif à Ia formalio!lde cette cour, et de lui en asservir ainsi les membres, par Ia douhlc cli:líne de l'intérêt et de Ia reconnoissance, vous voudrez ave c moi, que Icpeuple ait seulle droit de forrner Ia cour de cassation; reposez-vou,; ';11/

rentes. A interpretação tem por objeto textos normativos, ao passo quea aplicação tem por objeto normas (entendidas estas como o conteúdode sentido dos textos normativos). Logo, a aplicação não coincide coma interpretação, porque a pressupõe ou inclui como uma parte constitu-tiva. Mas é precisamente essa circunstância que faz com que ambas -interpretação e aplicação -, quando praticadas pelo intérprete autêntico,implicando portanto a concreção da lei em cada caso, consubstanciemum processo unitário.

A separação em duas etapas - de interpretação e aplicação - de-corre da equivocada concepção da primeira como mera operação desubsunção. No silogismo subsuntivo,13 a premissa maior é o texto nor-mativo; a menor, os pressupostos de fato e a conseqüência jurídica[Canosa Usera 1988:9-10]. A premissa maior deve ser a lei geral; amenor, a ação conforme ou não conforme à lei [Beccaria 1911:28].

Propõe-se então a distinção entre interpretação in abstracto e in-terpretação in concreto. A primeira respeita ao texto, à premissamaior no silogismo; a segunda, à conduta, aos fatos. Esta última étida como aplicação; a primeira, como interpretação. Isso fica bemclaro se considerarmos o disposto no artigo 12 da lei francesa de 16-24 de agosto de 1790:14 "Ils [os juízes] ne pouront point faire dereglements, mais ils s'adresseront au Corps législatif toutes les foisqu' ils croiront nécessaire, soit d' interpréter une 10i, soit d' en rendreune nouvelle". Aqui se trata de interdição, aos juízes, de determina-ção da premissa maior, atribuição que caberia a quem fez a lei, aolegislador. Essa interdição conduziu à criação do Tribunal de Cassa-ção, matéria em tomo da qual manifestou-se, em duas ocasiões,15Robespierre [1950:571-572].

13. V. item 2, acima.14. V. "Apêndice 11".15. O discurso pronunciado em 25 de maio de 1790 está transcrito adiante, no

"Apêndice lI".

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sa sagesse: iI constituera ce tribunal, d'une maniere assez vigoureuse,pour qu'iI puisse se défendre contre I'immortelle ambition des minis-tres. Le principe qui détermine l'opinion que je viens d'énoncer, meforce à m'élever aussi contre Ia proposition que vous fait votre comité,de faire du ministre de Ia justice, Ie président du tribunal de cassation.Ce seroit en bannir Ies zélateurs de Ia Iiberté, de Ia vérité; ce seroit enéloigner tous Ies hommes vertueux qui redouteroient Ia corruption,même avec Ia certitude, qu'iIs ne seroient pas capables d'y céder; ceseroit enfin dénaturer et corrompre tous Ies principes: j' ajoute qu' iI estfacile de voir qu'une disposition, qui place un ministre du Roi dans unsanctuaire de Iajustice, ouvre Ies portes de ce sanctuaire à l'intrigue età Ia cabale, commej'ai prouvé qu' elle Ies fermeroit à Ia vertu. Je con-clus donc en votant, pour que Ia question préalable fasse justice du pro-jet du comité; je demande aussi que Ies commissaires qui I' ont conçu,soient rappellés aux principes constitutionneIs, et au respect qui est dfià I' assemblée nationale".

(iii) a má interpretação in concreto consubstancia uma violaçãoda lei, umafalsa aplicação da lei, devendo ser cassada pelo Tribunalde Cassação; também este tribunal não exerce poder legislativo, vistoque controla exclusivamente a premissa menor do silogismo subsun-tivo;

(iv) o exercício desse controle pode revelar que a lei é obscura edeve dar lugar à interpretação in abstracto, cabendo, porém, ao legis-lador interpretá-Ia; daí o artigo 21 da Constituição francesa de 3 desetembro de 1791, ter estabelecido que "Lorsque apres deux cassa-tions le jugement du troisieme tribunal sera attaqué par les mêmesmoyens que les deux premiers, Ia question ne pourra plus être agitéeau tribunal de cassation sans avoir été soumise au Corps législatif,qui portera un décret déclaratoire de Ia loi, auquelle tribunal de cas-sation sera tenu de se conformer";

(v) para deixar bem sublinhado que esse tribunal controla a boaaplicação da lei e reservar ao Legislativo a integral idade de sua fun-ção, o artigo 19 da Constituição cria o Tribunal de Cassação "auprésdu Corps législatif';

(vi) o legislador não interpreta in concreto, mas in abstracto;cogita da premissa maior do silogismo, sob a forma legislativa, poisinterpretar in abstracto é legislar.

Lembro, a propósito, as palavras de François Gény [1919:78, no-ta 1] a esse respeito: "En somme, I'idée de Ia Constituante parait bienavoir été que les tribunaux devaient se bomer à appliquer Ia loi, dansses dispositions claires et précises, sans pouvoir l' inte rpréter, au casde difficulté reelle et sérieuse sur sa portée. Entre ces deux termes,application et interprétation, Ia distinction assuremént ne laissait pasd' être délicate".

Troper [2001:129-130] assim sintetiza os desdobramentos da si-tuação instalada a partir da criação do Tribunal de Cassação pela leide 27 de novembro-12 de dezembro de 1790:

(i) a interpretação in concreto não é interpretação, porém meraaplicação da lei, visto que respeita à premissa menor do silogismo,não à premissa maior; o juiz não pretende determinar a significaçãodos termos da lei, cabendo-lhe exclusivamente perguntar-se se a lei,tida como clara, é aplicável aos fatos do caso, para o quê basta o exa-me desses fatos;

(ii) a interpretação in concreto é autorizada, mas não reconheci-da como interpretação, senão como mera aplicação da lei, como qua-lificação jurídica dos fatos;

Tem-se, assim, dois référés: (a) um facultativo, instituído pelo arti-go 10 da lei de 16-24 de agosto, visando à obtenção de uma interpreta-ção in abstracto, e (b) um référé obrigatório, instituído pela lei de 27de novembro-l Q de dezembro de 1790.

Mais adiante, essa divisão de atribuições é afirmada nos artigos42 e 52 do Código de Napoleão: o artigo 42 obriga o juiz a interpretarin concreto e o artigo 52 o proíbe de interpretar in abstracto.

Sabemos todavia hoje que a chamada interpretação in abstractoenvolve necessariamente a consideração dos fatos,16 de modo que,como salientei linhas acima, não é possível apartarmos interpretaç{/oe aplicação, ou seja, interpretação in abstracto e interpretação ill ("()//-

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ereto. Insisto, portanto, em que a separação, em duas etapas, de inter-pretação e aplicação decorre da equivocada concepção da primeiracomo mera operação de subsunção.

segundo a ordem jurídica, é o competente para aplicar o direito; assim,quando o advogado indica uma determinada interpretação como"acertada", está tentando influir sobre a criação do direito - não exer-ce, na dicção de Kelsen,fimção jurídico-científica, porémfimção jurí-dico-política.

Apenas o intérprete autêntico - concluo - é revestido do poderde criar as normas jurídicas.

17. A interpretação autêntica

Kelsen [1979:469 e ss.] distingue a "interpretação autêntica",feita pelo órgão estatal aplicador do direito, de qualquer outra inter-pretação, especialmente a levada a cabo pela ciência jurídica. Serábem útil à melhor compreensão do quanto linhas acima afirmei reme-morarmos essa distinção, como enunciada por Kelsen.

A interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhe-cimento) do direito a aplicar combina-se com um ato de vontade emque o órgão aplicador do direito efetua uma escolha entre as possibi-l!dades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva.E este ato de vontade (a escolha) que peculiariza a interpretação au-têntica. Ela cria direito tanto quando assuma a forma de uma lei oudecreto, dotada de caráter geral, quanto quando, feita por um órgãoaplicador do direito, crie direito para um caso concreto ou executeuma sanção.

As demais interpretações não criam direito. Quando os indiví-duos querem observar uma norma que regule sua conduta, devemfazer uma escolha; mas essa escolha não é autêntica, isto é, não criadireito - não é vinculante para o órgão que aplica17 essa normajurídi-ca. Também a interpretação feita pela ciência jurídica é distinta daque-la feita pelos órgãos jurídicos; a interpretação feita pela ciência jurídi-ca não é autêntica; é pura determinação cognoscitiva do sentido dasnormas jurídicas; não é criação jurídica.18 A interpretação jurídico-científica (?) apenas pode estabelecer as possíveis significações deuma norma jurídica19 - o jurista tem de deixar a decisão pela escolhadas interpretações possíveis de uma norma jurídica"° ao órgão que,

18. Interpretação dos textos e dos fatos

Ademais, vimos que interpretar o direito é concreta r a lei em ca-da caso, ou seja, é aplicar a lei [Gadamer 1991:401]; daí dizermosque o intérprete disceme o sentido do texto a partir e em virtude deum determinado caso dado [Gadamer 1991:397]. Ora, sendo a inter-pretação, concomitantemente, aplicação do direito, deve ser entendi-da como produção prática do direito, precisamente como a tomaFriedrich Müller [1993: 145-146], para quem inexiste tensão entre di-reito e realidade; não existe um terreno composto de elementos nor-mativos, de um lado, e de elementos reais ou empíricos, do outro. Porisso a articulação ser e dever-ser (a relação norma-fato) é mais do queuma questão da filosofia do direito; é uma questão da estrutura danorma jurídica tomada na sua transposição prática, e, por conseqüên-cia, ao mesmo tempo uma questão da estrutura deste processo de trans-posição.

Isso significa - como linhas acima anotei - que a norma é pro-duzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos notexto nonnativo (mundo do dever-ser), mas também a partir de ele-mentos do caso ao qual será ela aplicada - isto é, a partir de dados darealidade (mundo do ser).

17. Dicção de Kelsen; não obstante, inexiste separação entre interpretação eaplicação.

18.Aí a crítica de Kelsen à jurisprudência dos conceitos: não se pode obterdircito novo através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva.

19.Dc um texto normativo, digo eu.20. Do tcxto normativo, digo eu.

Lembre-se a observação de Ascarelli [1959: 140): "OggCltodell'interpretazione non e una 'norma', ma un testo (o Ull comporIamento); e in forza dell'intepretazione deI testo (o dei comportaJIIl'lllo)e percio sempre in forza di un dato che a rigore puo dirsi 'passalo'.'storico', che si formula Ia 'norma' (come 'presente' ed anzi proiellalaneI 'futuro')" (grifos meus).

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o que incisivamente deve aqui ser afirmado, a partir da metáfo-ra de Kelsen [1979:467], é o fato de a moldura da nomIa ser, diver-samente, moldura do texto, mas não apenas dele; ela é, concomitan-temente, moldura do texto e moldura do caso. O intérprete interpretatambém o caso, necessariamente, além dos textos, e da realidade - nomomento histórico no qual se opera a interpretação - em cujo contex-to serão eles aplicados, ao empreender a produção prática do direito.

Por isso inexistem soluções previamente estruturadas, comoprodutos semi-industrializados em uma linha de montagem, para osproblemas jurídicos.

O trabalho jurídico de construção da norma aplicável a cada casoé trabalho artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sem-pre, renovadamente, uma nova solução. Por isso mesmo - e tal deveser enfatizado - a interpretação do direito se realiza não como meroexercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intér-prete ser alfabetizado.

A crítica ao representacionismo não leva à afirmação de que sepossa prescindir da representação como momento do conhecimento;é uma crítica à atribuição de caráter absoluto à representação. O quecom ela se pretende é relativizar o momento conceitual da represen-tação, articulando-o com o conceito de "ponto de vista", ou, melhor,de "posição"; melhor ainda, de lugar desde o qual se pensa. Diz vanRoermund [1997: 19] que o relato é uma estratégia que exclui umamultiplicidade puramente convencional de "perspectivas" ou uma purareificação da realidade.

O que, portanto, importa enfatizar é a circunstância de os fatosnão serem o que são fora de seu relato (isto é, fora do relato a que cor-respondem).

A interceptação da referência (ou hipótese narrativa, de vanRoermund) ataca o pressuposto essencial do "legalismo", isto é, opensamento como cópia da realidade, o "representacionismo" (diz oautor: "A dogmática jurídica imuniza a prática jurídica contra todoataque a este pressuposto").

19. A interpretação dos fatos

É bastante peculiar, enquanto interpretação (= compreensão) dosfatos, a interpretação do direito. Pois este, como logo se verá, ins-titui a sua própria realidade. Daí a importância do relato dos fatos(= narrativa dos fatos a serem considerados pelo intérprete) para ainterpretação.

Sobre a questão, van Roermund [1997:18 e ss.] produziu ensaiono qual, tomando o relato como estrutura específica da linguagem emuso, indaga do vínculo epistemológico existente entre o relato e o re-latado; van Roermund chama a este vínculo de "interceptação dareferência" ou "hipótese da interceptação".

A interceptação da referência (ou hipótese narrativa, de vanRoermund) é um paradigma epistemológico que se opõe ao paradig-ma epistemológico predominante no pensamento jurídico, o repre-sentacionismo. O pressuposto deste está em que o conhecer é, emúltima instância, uma cópia, ou que não é coisa distinta de uma cópiada realidade - o conhecer importa a representação do mundo exteriorem nossas idéias (reflexo) ou representação de nossas idéias no mun-do exterior (projeção).

20. A hipótese de Durrell

Proponho referirmos a aproximação (= estratégia) proposta porvan Roermund como a "hipótese de Durrell", por alusão ao conjuntode distintas versões dos mesmos fatos descritas no assim chamado"Quarteto de Alexandria" - Justine, Balthazar, Mountolive e Clea,em verdade quatro distintos romances.

Desejo dizer que a interceptação do "lugar desde o qual se pen-sa" é insuficiente para expor toda a amplitude do não-compromissoentre o relato e o relatado.

Esse compromisso é, antes de mais nada, comprometido em razão(l) de jamais descrevermos a realidade; o que descrevemos é o nossomodo de ver a realidade; daí a impossibilidade do "representacionismo".

É que a realidade da qual tornamos consciência (isto é: a consci(~n-cia do real) existe como existe (= está intrínseca) em nosso pCnSLlIll(;I1--to (ainda que o nosso pensamento - a consciência - seja por ela dclnminado). A realidade (realidade da qual tomamos consciência) ~ o queaparenta ser (se apresenta = presenta) para cada consciência. I)íalll\"

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Lembro aqui a frase de Magarinos Torres, Juiz Presidente do Tribunaldo Júri do Rio de Janeiro, como me foi reproduzi da verbalmente pelo Min.Evandro Lins: "O juiz deve julgar de acordo com o alegado e provado,mesmo que saiba ser outra a verdade e a consciência lhe dite o contrário".

lizado) do direito, cumpre distinguirmos o discurso do direito e o dis-curso jurídico.

Discurso do direito é O discurso prescritivo produzido pelos juí-zes e tribunais autorizados a dizê-Ia. Discurso jurídico é o conjuntodos discursos que usam ou falam do discurso do direito.

O discurso do direito é, na verdade, um conjunto de discursosque provêm de distintos emissores ou órgãos. Mas também o discur-so jurídico é um conjunto de discursos: o dos advogados; o dos pro-fessores de direito; o dos cidadãos (e também os juízes o usam, quan-do fundamentam e explicam o direito - isto é, o discurso do direito).

As distinções acima expostas encaminham outra, que opõe a ideo-logia do direito e a ideologia jurídica.

Ideologia do direito é aquela portada pelos textos, pelos enuncia-dos dos quais se extrai o sentido deôntico do direito. Ideologia jurí-dica é aquela produzida por quem usa ou fala do direito.

A ideologia produzida pelos discursos que falam do direito (dis-cursos jurídicos) inúmeras vezes subverte a ideologia do direito (istoé, dos enunciados interpretados). Note-se que o direito é um discursolegitimante do poder no Estado moderno [Ruiz 1991:149 e ss.].

Além disso, afirma-se, equivocadamente, que a interpretação pro-duzida pelos juízes (autêntica) também inúmeras vezes subverte aideologia do direito. Mas isso não ocorre: se os enunciados, os tex-tos, nada dizem (dizem o que os intérpretes dizem que eles dizem, aoproduzir as normas), a ideologia do direito é também produzida pelointérprete autêntico.

Aqui se colocam outras questões desafiadoras. Existe uma pere-ne ideologia do direito? Ou há ideologias do direito, extraíveis, emcada contexto, do texto (assim como há normas extraíveis, em cadacontexto, do texto)? Se a ideologia do direito e a norma são produzi-das pelo intérprete autêntico (em razão do quê inexiste a possibilida-de lógica de subversão de uma e de outra), quando, e em quais cir-cunstâncias, dá-se a subversão do texto?

de um objeto qualquer, minha consciência recebe o impacto do que elerepresenta (como ele se apresenta) para mim. Posso dizer, então, queminha consciência vê os objetos exteriores como eles são, visto queeles são (para nós), nas suas manifestações (aparições), absolutamen-te indicativos de si mesmos. Como, porém, os objetos e a realidadeexistem em suas manifestações (aparições) para mim, jamais os descre-vo - os objetos e a realidade; descrevo apenas o modo sob o qual elesse manifestam (= o que representam) para mim.

Além de não descrevermos a realidade, porém o nosso modo dever a realidade, (2a) essa mesma realidade determina o nosso pensa-mento e, (2b) ao descrevermos a realidade, nossa descrição da realida-de será determinada (i) pela nossa pré-compreensão dela (= da reali-dade) e (ii) pelo lugar que ocupamos ao descrever a realidade (= nossolugar no mundo e lugar desde o qual pensamos). Por isso caberá aquitudo o que mais adiante for dito sobre a pré-compreensão.

Podemos afirmar, assim, que também no que tange aos fatos nãoexiste, no direito, o verdadeiro. Inútil buscarmos a verdade dos fatos,porque os fatos que importarão na e para a construção da norma sãoaqueles recebidos/percebidos pelo intérprete autêntico - eles, comosão percebidos pelo intérprete, é que informarão/conformarão a pro-dução/criação da norma.

21. Discurso do direito/discurso jurídicoe a(s) ideologia(s) do direito

A exposição que venho produzindo encaminha, neste passo, ne-cessária alusão aos discursos jurídicos, no que sigo indicações de Os-car Correas [1993: 112 e ss.].

Em um primeiro momento operada a distinção entre o sentidodeôntico (as normas extraídas dos enunciados) e o sentido ideológico(as demais mensagens que circulam quando o discurso jurídico é uti-

22. Contraponto

A exposição que até este ponto venho desenvolvendo remete, (kpronto, à consideração de dois aspectos. Como se opera a interpreta-ção do direito? Quais os limites dessa interpretação?

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23. O texto e os fatos, a norma jurídica e a norma de decisão

Um primeiro ponto a salientar respeita à diferença que há entre anorma jurídica e a norma de decisão.

A norma jurídica é o resultado da interpretação. Interpretaçãoque - sabemos - não é só do texto escrito - e da própria realidade, nomomento histórico no qual se opera a interpretação -, mas tambémdos fatos.

Lembro as observações cheias de humor de von Jhering [1987:217,218,220,222 e 242] a propósito do uso dos conceitos jurídicos pe-los juristas teóricos: os conceitos jurídicos são incompatíveis com a vi-da; não suportam o mundo real; a fé inamovível no império dos concei-tos jurídicos e em princípios abstratos é o vínculo comum que une atodos os que habitam o céu dos conceitos jurídicos; o jurista opera comseus conceitos como o matemático com suas magnitudes, de modo que,se o resultado é correto desde o ponto de vista lógico, o que acontecedepois já não é problema seu - "fiat iustitia, pereat mundus!"; os con-ceitos são verdades absolutas, sempre foram e o serão pelos séculos dosséculos.

como o terá investigado sob os prismas sistemático, genético, teleoló-gico, histórico e eventualmente outros também relevantes para o su-cesso dessa tarefa (dogmática, teoria de constituição etc.). A atribuiçãode significado ao programa normativo, que são os enunciados lingüís-ticos contidos no texto constitucional, e ao setor normativo (elemen-tos empíricos, dados da realidade recortados pelo texto constitucional)é a etapa seguinte do processo interpretativo, que conduzirá à obten-ção da nomw constitucional. Esta, a seu turno, quando realizada - istoé, quando aplicada aos problemas carecidos de decisão (concretiza-ção) -, produz o efeito dito normativo.(normatividade constitucional).Portanto, a normatividade não é uma qualidade, mas o efeito do pro-cedimento metódico de concretização. Obtida a nomla constitucional,ela ainda é uma regra geral e abstrata, "que representa o resultado in-termédio do processo concretizador, mas não é ainda imediatamentenormativa. Para se passar da normatividade mediata para a nonnativi-dade concreta, a norma jurídica precisa de revestir o caráter de normade decisão'?l

Em suma, a norma de decisão é a norma jurídica aplicada a umcaso concreto.

Referindo-se, desde a perspectiva de MüIler, ao texto constitucio-nal, Canotilho [1991:229] observa que ele não se confunde com anorma constitucional, que consiste num modelo de ordenação juridi-camente vinculante, orientado para uma concretização material econstituído pelo programa normativo (enunciados lingüísticas) e pelosetor ou domínio normativo (constelação de dados da realidade). Paraatingir a norma constitucional, a partir do texto constitucional, já teráo intérprete atribuído a este, de início, um significado semântico, bem

21. A denominada Metódica Jurídica Normativo-Estruturante possui, con-soante Canotilho [1991:221], os seguintes postulados básicos: "(I) a metódicajurí-dica tem como tarefa investigar as várias funções de realização do direito constitu-cional (legislação, administração, jurisdição) (2) e para captar a transformação dasnormas a concretizar numa 'decisão prática' (a metódica pretende-se ligada à reso-lução de problemas práticos) (3) a metódica deve preocupar-se com a estrutura danorma e do texto normativo, com o sentido de normatividade e de processo de con-cretização, com a conexão da concretização normativa e com as funções jurídico-práticas; (4) elemento decisivo para a compreensão da estrutura normativa é umateoria hermenêutica da norma jurídica que arranca da não-identidade entre norma etexto normativo; (5) o texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte des-coberta do iceberg normativo [F. Müller], correspondendo em geral ao programanormativo (ordem ou comando jurídico na doutrina tradicional); (6) mas a normanão compreende apenas o texto, antes abrange um 'domínio normativo', isto é, um'pedaço de realidade social' que o programa normativo só parcialmente contempla;(7) conseqüentemente, a concretização normativa deve considerar e trabalhar comdois tipos de elementos de concretização: com os elementos resultantes da interpretação do texto da norma (= elemento literal da doutrina clássica); outro. o e1enH'ntode concretização resultante da investigação do referente normativo (domínio 011

região normativa)".

Adotando aqui a exposição de Friedrich Müller [1993:166 e ss.;2000:52 e ss.], diremos que a interpretação visa, em última instância,à solução de um caso concreto, que se dá mediante a obtenção de umanorma de decisão.

A interpretação é desenvolvida sem que jamais se admita a su-premacia do problema (caso concreto) sobre o texto normativo - oque expõe a divergência de MüIler com o método tópico-problemá-tico.

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24. A interpretação é uma prudência;a inviabilidade da única solução correta

Antes de abordar esses pontos, contudo, uma questão fundamen-tal deve ser ferida: a interpretação (que já é aplicação do direito) éuma ciência ou uma prudência?

Colocando-se propositadamente à margem dessa indagação, Kel-sen [1979:469] sustenta não ser um problema de teoria do direito (doconhecimento dirigido ao direito positivo), mas da política do direi-to, a tarefa de saber qual é a interpretação correta, entre as possibili-dades que se apresentam nos quadros do direito a aplicar. Esta, nãoobstante, é a questão fundamental, a atormentar o estudioso do direi-to, desde que não o conceba exclusivamente como forma.

A indagação há de ser enfrentada: a interpretação é uma ciênciaou uma prudência?

Tenho sustentado, reiteradamente, em outros textos que a inter-pretação é uma prudência - o saber prático, a phrónesis, a que refe-re Aristóteles, na Ética a Nicômaco. O homem prudente - diz o esta-girita - é aquele que é capaz de deliberar corretamente sobre o queé bom e conveniente para si próprio, mas não sob um aspecto parti-cular (como, por exemplo, aquelas coisas que são boas para a saúdee o vigor), porém de um modo geral, [considerando] aquelas coisasque conduzem à vida boa em geral (VI, 5 1.140 a, 25). O homem pru-dente é aquele capaz de deliberação. Mas jamais deliberamos sobrecoisas que não podem ser de outro modo, nem sobre coisas que nãodependem de nós; por conseqüência, se é verdadeiro que a ciênciaenvolve demonstração, mas as coisas cujos princípios podem seroutros não admitem demonstração (porque todos são igualmente sus-cetíveis de ser o que não são - isto é, de ser diferentemente; ou seja:são contingentes) (VI, 5 1.140 a, 30), e não épossível deliberar sobrecoisas que são por necessidade (VI, 5 1.140 a, 35), a prudência nãopode ser nem uma ciência nem uma arte (VI, 5 1.140 b). O objeto daciência é demonstrável. A arte visa à geração [produção] e aplicar-se a uma arte é considerar o modo de produzir alguma coisa quetanto pode ser como não ser, cujo princípio de existência está noartista e não na coisa produzida. A arte não se ocupa com as coisasque são ou que se geram por necessidade, nem com os seres naturais,que encontram em si mesmos seu princípio [sua origem] (VI, 5 1.140

a, 10). Assim, a prudência não é ciência nem arte. A prudência é umavirtude (VI, 5 1.140 b, 20). Logo, a prudência é uma disposição[capacidade], acompanhada de razão, capaz de agir na esfera do queé bom ou mau para um ser humano (VI, 5 1.140 b, 5); ou, dizendo-ode outro modo, capaz de agir na esfera dos bens humanos (VI, 51.140 b, 20). A prudência é, pois, razão intuitiva, que não disceme oexato, porém o correto - não é saber puro, separado do ser.22

Kalinowski [1982: 123 e ss.] afma que a aplicação do direito - por-que não é conhecimento puro, teórico, mas uma ação -, sendo conheci-mento prático, consubstancia uma prudência. A prudência - prossegue- habilita o intelecto a conhecer o bem e o mal concretos, portanto aenunciar os juízos singulares de valor moral, empiricamente evidentes(no sentido amplo da palavra "empírico"), já que somente os juízosgerais (universais ou particulares) podem ser analiticamente evidentes.Habilita o homem a distinguir o bem do mal em todos os terrenos de suaatividade, a qual, se é consciente e livre, ainda que não o seja senão par-cialmente, apresenta sempre um aspecto moral. Não há ação boa ou másem juízo prudencial. Aí não está dito "sem juízo da prudência", porquenem todo mundo é prudente, nem todo mundo atua sempre de maneiraprudente. Trata-se, então, não de juízos de prudência, mas de juízos dotipo dos juízos de prudência, ou seja, de juízos com a estrutura sintáticaelos juízos prudenciais. A aplicação do direito exige conhecimentos es-peciais, a grande maioria das pessoas tomando-a como arte ou técnica.Mas, na medida em que jurisdictio consiste realmente em dizer o direi-to, ela é, além disso e sobretudo, uma tarefa da prudência jurídica.

Cogitam os que não são intérpretes autênticos, quando do direi-to tratam, dajuris prudentia, e não de umajuris scientia. O intérpre-te autêntico, ao produzir normas jurídicas, pratica ajuris prudentia, cnão uma juris scientia.

O intérprete, então, atua segundo a lógica da preferência, e nãoconforme a lógica da conseqüência [Comparato 1979:127]: a lógiwjurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. l11terpI"C-

22. V.Gadamer [1991:385 e ss.]; para a diferença entre prudência {plmíl/{'.\i.\}e teklzne. 386 e ss.

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tar um texto normativo significa escolher uma entre várias interpre-tações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como ade-quada [Larenz 1983:86]. A norma não é objeto de demonstração, masde justificação. Por isso, a alternativa verdadeiro/falso é estranha aodireito; no direito há apenas o aceitável (justificável). O sentido dojusto comporta sempre mais de uma solução [Heller 1977 :241].

seja mais romântica, mais derramada, a outra mais longilínea, as duassão autênticas - e corretas.

As leis jamais foram dotadas de uma forma semântica tal que per-mitam ao juiz uma aplicação simplesmente algorítmica [Habermas1992a:73].

Recorro, a esta altura, à oportuna observação da MacCormick[1989:120]: "Notons tout d'abord que Ia notion de l'identité et de Iapersistance des lois n'est pas incompatible avec l'autre vérité attestéepar Gray, Dworkin et d'autres, que cette même loi identique peut avoirdifférents sens pratiques à différentes époques, et que ce n'est pasl'article ou l'acte 'pur' qui détermine les décisions judiciaires ou lesdroits et les devoirs des citoyens, mais l'acte ou l'article dans soninterprétation actuellement valide. Car ceci à son tour est normalementconceptualisé en termes de dijférences d'interprétation de ce qui resteen dépit de ces différences le même article ou le même acte (exacte-ment comme des metteurs en scene différents peuvent monter diffé-remment Le Bourgeois Gentilhomme, ce sera toujours Ia même piece,mais soumise à diverses interprétations)". A concepção alográfica dodireito é evidente.

A propósito, diz Cossio [1939:79]: "Por 10 tanto, Ia norma aparen-temente rígida y unívoca, le brinda aI jurista Ia mención de un manojode posibilidades; y el tratadista 10 mismo que eI juez tienen, en Ias di-versas calidades axiológicas de ellas, Ia guía suficiente para elegir una.No son variaciones caprichosas de Ia conducta que puedan borrar Iamención de conjunto, porque el núcleo de este conjunto, que llamamosnormalidad y que ha de mantenerse, consiente semejantes variaciones.Se trata siempre de posibilidades reales de algo que, como normalidad,permanece idéntico en Ia mención normativa. Por eso Holmes habló,con tanta propiedad, de una creación sólo intersticial por parte deljuez.Por eso Ia Teoría Egológica comparó Ia interpretación judicial con Iainterpretación musical, donde el ejecutante, guiado también por unapercepción axioIógica, elige una o otra de Ias posibilidades que con-siente su partitura, sin afectar Ia creación deI compositor en su conjun-to. Se puede interpretar de muchas maneras Ia Barcarola de Chopin,pero esto no quiere decir que con ella se nos pueda hacer escuchar IaMarsellesa. EI buenjuez, claro está, eligirá siempre Ia posibiIidad axio-lógicamente mejor entre Ias varias que el propio caso le ofrezca".

Não se tome, no entanto, a afirmação de que a interpretação dodireito não é ciência, mas prudência, como assertiva de que as decisõesjurídicas são imprevisíveis. Isso não é exato. Sendo inúmeros os senti-dos de uso do vocábulo "ciência", nada nos impede de sustentar que adecisão jurídica, porque há de ser previsível, estrutura-se cientificamen-te [Menezes Cordeiro 1989:LXII]. Mas "cientificamente", aqui, signi-fica exclusivamente decisão consumada segundo determinadas regras.Como a prudência é sempre implementada segundo certas regras, queasseguram um mínimo de previsibilidade à decisão nela fundada, pode-ria ser referida como cientificamente estruturada.

Daí por que afirmo que a problematização dos textos normativosnão se dá no campo da ciência: ela se opera no âmbito da prudência,expondo o intérprete autêntico ao desafio desta, e não daquela. Sãodistintos um e outro: na ciência o desafio de, no seu campo, existiremquestões para as quais ela (a ciência) ainda não é capaz de conferirrespostas; na prudência não o desafio da ausência de respostas, masda existência de múltiplas soluções corretas para uma mesma questão[Adomeit 1984:36].

Dá-se na interpretação de textos normativos algo análogo ao quese passa na interpretação musical. Não há uma única interpretaçãocorreta (exata) da Sexta Sinfonia de Beethoven: a Pastoral regida porToscanini, com a Sinfônica de Milão, é diferente da Pastoral regidapor von Karajan, com a Filarmônica de Berlim. Não obstante uma

Desejo, assim, negar a existência de uma única resposta correta(verdadeira, portanto) para todos os casos jurídicos - ainda que,

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como adiante demonstrarei, o intérprete esteja, através dos princípios,vinculado pelo sistema jurídico. Nem mesmo o juiz Hércules [Dwor-kin 1987: 105] estará em condições de encontrar, para cada caso, aúnica resposta correta. A concepção dworkniana de one right answer,ademais de tudo, perece no momento em que sustentada sobre abusca da melhor teoria possível como ideal absoluto: na recusa dapretensão a valores absolutos, porque inserida no quadro de uma teo-ria dos valores inaceitável, essa melhor teoria possível resulta umpostulado filosófico injustificável [Aarnio 1992:204]. Nem os princí-pios, nem a argumentação, segundo um sistema de regras que funcio-ne como um código da razão prática (Gesetzbuch der praktischenVernunft) [Alexy 1983:35] permitirão o discernimento da única res-posta correta. Essa resposta verdadeira (única correta) não existe.

sultados que o intérprete se predeterminara a alcançar, cujo alcancenão é, porém, determinado mediante o seu uso. Funcionam como re-serva de recursos de argumentação em poder dos intérpretes - e, ade-mais, estão sujeitos, também, a interpretação [Zagrebelsky 1990:71].Como nada fazem senão prescrever um determinado procedimentode interpretação, eles não vinculam o intérprete [Hassemer 1985:74].

Lembro a observação de Kelsen [1979:467]: "A interpretação deuma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução comosendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que - namedida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar - têm igualvalor, se bem que apenas uma delas se tome direito positivo no acto doórgão aplicador do direito - no ato do tribunal, especialmente".

A respeito de diretrizes como tais - regras de interpretação -, aver-ba Winfried Hassemer [1985:74]: "Las regIas de interpretación sólopodrían conseguir una 'vinculación' deI juez si no prescribieran simple-mente un determinado procedimiento de interpretación - que es 10 quehacen -, sino que además dictaran también - que es 10 que no hacen -en qué situaciones de decisión habría que seguir qué regIa de interpre-tación: es decir, si contuvieran una metaregla para su aplicación. EstaregIa no existe. EI intento emprendido en ocasiones de relacionar IasregIas de interpretación de forma razonable, de establecer un ordenherárquico entre ellas, no es convincente a nivel teórico y no tiene nin-guna trascendencia práctica. Por conseguiente, Ias regIas de interpreta-ción no son deterrninantes con respecto aI resultado. Son ofertas paralegitimar resultados deseados (y conseguidos por otras medias)".

o fato é que, sendo a interpretação convencional, não possui rea-lidade objetiva com a qual possa ser confrontado o seu resultado (ointerpretante) - inexistindo, portanto, uma interpretação objetiva-mente verdadeira [Zagrebelsky 1990:69].

Em suma, a insubsistência dos métodos de interpretação decorreda inexistência de uma meta-regra ordenadora da aplicação, em cadacaso, de cada um deles.

25. Cânones de interpretação

Como se opera a interpretação do direito?A reflexão hermenêutica repudia a metodologia tradicional da

interpretação e coloca sob acesas críticas a sistemática escolástica dosmétodos, incapaz de responder à questão de se saber por que um de-terminado método deve ser, em determinado caso, escolhido.

A existência de diversos cânones de interpretação, agravada pe-la inexistência de regras que ordenem, hierarquicamente, o seu uso[Alexy 1983:25 e 237], importa que esse uso, em verdade, resulte ar-bitrário. Esses cânones funcionam como justificativas a legitimar re-

Permitindo a superação da concepção da interpretação como téc-nica de subsunção do fato no álveo da previsão legal, a atual reflexãohermenêutica encaminha a construção de uma teoria da práxis d"aplicação do direito [Esse r 1983:1].

A síntese da evolução do pensamento de Esser, produzida porGiuseppe Zacaria [1990:19-21], é precisa, de modo que me permitoreproduzi-Ia quase que literalmente.

Inicialmente, no Grundsatz und Nonn, Esser observara «11(' (i) o

processo de positivação do direito não se esgota na atuação do Poli('1Legislativo, penetrando o plano da atuação jurispll.lclenci;i1 d('SI'llV<d

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vida sobre o projeto normativo; (ii) assim, a relação entre o direitoescrito e a decisão judicial não pode ser referida, no sentido tradicio-nal, como uma descida, da norma, da fase legislativa à fase aplicativa;(iii) há, pois, uma concreta contemporaneidade entre dois momentos,o do direito legislado e o do direito "efetivo", de origem judicial, am-bos compreendendo um ciclo, cuja globalidade conota a positividadedo direito. Nisso, portanto, a introdução de um novo conceito de posi-tividade do direito, que inclui os momentos valorativos e metapositi-vos próprios da interpretação - Esser reconhece uma estreita continui-dade entre fonte escrita e fonte não-escrita do direito.

Posteriormente Esser dedica-se a demonstrar que a atuação juris-prudencial não é arbitrária, porém vinculada a critérios de raciona-lidade. Então, sob a influência do influxo antimetódico de Gadamer eda sua vigorosa recusa do cientificismo, que busca reduzir a verdadeà verificabilidade metódica, Esser passa a criticar a metodologia tra-dicional e a sistemática escolástica dos métodos de interpretação - on-de as afirmações de que a metodologia tradicional não garante umamelhor compreensão do trabalho concreto de individualização do di-reito e a sistemática escolástica dos métodos de interpretação não res-ponde à questão de se saber por que um determinado método deveser, em determinado caso, escolhido. Então, reconhecendo a existên-cia e o influxo de elementos valorativos no procedimento de indivi-dualização do direito, encontra na pré-compreensão o fator inicial doqual parte o procedimento do intérprete, considerando a sua funda-mental importância para a tomada da decisão judicial. É certo queHassemer, no direito penal, e Müller, no direito público, já haviamaportado à teoria do direito esse conceito, originariamente elaboradopor Heidegger e depois desenvolvido por Bultmann e Gadamer. Es-ser, no entanto, é quem o põe em pauta, determinando as linhas desdeas quais o debate sobre a interpretação do direito se desenrola na Eu-ropa, durante a década dos 70.

se limita a colocar-se entre outros entes; é, ao contrário, um ente que secaracteriza onticamente pelo privilégio de, em seu ser - isto é, sendo-, estaremjogo seu próprio ser [Heidegger 1988:21-22]. Logo, o com-preender é algo existencial; a compreensão do ser é, ela mesma, umadeterminação de ser do ser no mundo. Ela se dá como compreensãodo ser [Schroth 1992:290]. A compreensão é, então, experiência.

Por isso mesmo resultará sempre inútil, em qualquer ciência com-preensiva, qualquer tentativa de separação entre racionalidade e per-sonalidade da compreensão. O direito - diz Kaufmann [1992: 130] -, di-ferentemente da lei (do texto, digo-o), não é algo que permaneçainalterado; é ato - e, portanto, não pode ser um objeto que se possaconhecer independentemente de um sujeito.

(~necessário dizer, ainda, que a hermenêutica está ancorada nafacticidade e na historicidade, de modo que entre a linguagem, instru-mento necessário de que nos utilizamos para apreender o objeto a sercompreendido - os textos normativos, no caso da interpretação jurí-dica -, e esse objeto interpõem-se os mundos da cultura e da história.Por isso o saber jurídico há de ser concebido corno um processo dediálogo, de troca entre o ser e o mundo [Costa Leal 2000: 134 e ss.].

27. A compreensão

A reflexão hermenêutica instala a verificação de que a interpre-tação se desenvolve a partir de pressuposições.

A compreensão escapa ao âmbito da ciência. A compreensão res-peita ao ser no mundo (Dasein). E o ser no mundo é um ente que não

o intérprete, ao interpretar um texto, trava um diálogo com ele;fala-se em círculo porque a interpretação é alimentada desde o intérpre-te e desde o texto - e quando o intérprete projeta sua compreensão (istoé, lança um projeto de compreensão), abrindo-se para o texto, procuranão recompor a compreensão do legislador que escreveu o texto, porémdar voz ao texto, permitindo que ele (o texto) se afirme diante da situa-ção em face e no bojo da qual se processa a interpretação (aí o intérpre-te projeta o sentido atualizante do texto).

Colhem-se em Habermas [1992:244] as seguintes observações: ahermenêutica jurídica, em oposição ao modelo convencional da decisãojurídica tomada como subsunção de um caso à regra pertinente, apre-senta o mérito de haver revivido a intuição aristotélica de que nenhumaregra é capaz de regular a sua própria aplicação. Um conjunto de cir-cunstâncias adequadas a uma regra só se constitui ao ser descrito nascategorias da norma a ele aplicável, na medida em que o significado danorma se concretiza precisamente em virtude de sua aplicação a um es-pecífico conjunto normativo de circunstâncias. Uma norma sempre "re-gistra" seletivamente uma situação complexa do mundo da vida sob os

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Para o adequado entendimento desse conceito permito-me repro-duzir parcialmente, a seguir, a exposição de Gadamer [1991 :332 e ss.].

Toda interpretação correta tem de proteger-se contra a arbitrarie-dade das ocorrências e contra a limitação dos hábitos imperceptíveisdo pensar e orientar seu mirar à coisa mesma (que para o filólogo sãotextos com sentido que, por sua vez, tratam de coisas). O deixar-sedeterminar pela coisa mesma é, assim, a tarefa primeira, constante eúltima do intérprete.

Quem deseja compreender um texto realiza sempre um projetar.Aparecendo no texto um primeiro sentido, o intérprete imediatamen-te projeta um sentido do todo; este sentido manifesta-se apenas por-que aquele que lê o texto o faz desde determinadas expectativas, porsua vez relacionadas a algum sentido determinado; a compreensão dotexto consiste na elaboração desse projeto prévio, que deve ir sendoconstantemente revisado, com base no que vai resultando conformese avança na penetração do sentido. Mas toda revisão do primeiroprojeto se apóia na possibilidade de antecipar um novo projeto desentido; é possível que vários projetos de sentido conflitem entre si,até que se possa univocamente estabelecer a unidade de sentido: ainterpretação começa sempre com conceitos prévios que se deve pro-gressivamente substituir por outros mais adequados.

Aquele que tenta compreender está exposto aos erros de opiniõesprévias que não se comprovam nas coisas mesmas. Assim, a tarefa dacompreensão consiste na elaboração de projetos corretos e adequadosàs coisas, projetos que, enquanto projetos, são antecipações que se de-vem conformar nas coisas - aqui não há outra ol~jetividade senão aconvalidação que as opiniões prévias obtêm ao largo de sua elabora-ção; note-se que a arbitrariedade das opiniões prévias inadequadas seexpressa na sua aniquilação no processo de sua aplicação. A com-preensão apenas alcança suas possibilidades quando as opiniões pré-vias com as quais ela se inicia não são arbitrárias. Por isso é impor-tante que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, desde asopiniões prévias que em si subjazem, porém examine tais opiniões noque respeita à sua legitimação, isto é, quanto à sua origem e validade.

Isso não implica que o intérprete deva abandonar todas as suasopiniões prévias sobre o conteúdo do texto ou todas as posições pró-prias, porém, simplesmente, que esteja aberto para a opinião do tex-to: quem deseja compreender um texto tem de estar em princípio dis-

pontos de vista que ela determina como relevantes, enquanto que o con-junto de circunstâncias por ela constituído nunca exaure os conteúdosde indeterminação semântica de uma norma geral, mas, ao contrário,faz com que possam atuar ou advir seletivamente. Essa descrição circu-lar revela um problema metodológico que qualquer teoria jurídica temque solucionar.

A hermenêutica propõe um modelo processual como solução paratal problema. A interpretação começa por uma pré-compreensão (Vor-verstiindnis) valorativamente conformada que estabiliza uma relaçãoanterior entre norma e circunstâncias e abre o horizonte para posterio-res conexões relacionais. A compreensão inicialmente difusa toma-seprecisa na medida em que, sob a sua direção, norma e circunstânciasreciprocamente se concretizam e se constituem. A hermenêutica assu-me posição própria na teoria jurídica quando resolve a questão da racio-nalidade da decisão judicial mediante a contextualização da razão nocomplexo das transmissões históricas. De acordo com essa solução, apré-compreensão do juiz é conformada por topoi de um complexo éticode tradição. Essa pré-compreensão dirige a reconstrução das conexõesrelacionais entre normas e circunstâncias à luz de princípios historica-mente provados (historisch bewiihrter Prinzipien). A racionalidade deuma decisão, em última análise, deveria ser mediada "pelos padrõesdecorrentes dos costumes que ainda não se condensaram em normas",ou seja, pelos jurisprudentiellen Weisheiten que correm à frente dodireito [Esser]. A hermenêutica, na medida em que se torna teoria jurí-dica, absorve e sustenta a pretensão de legitimidade levantada pelatomada de decisão judicial. A indeterminação de um processo circularde compreensão, o círculo hermenêutico, podc ser gradualmente redu-zida mediante a referência a princípios. Esses princípios, no entanto, sópodem ser legitimados a partir da efetiva história dessas formas de vidae de direito nas quais os juízes contingencialmente se encontram.

28. A pré-compreensão 23 e o círculo hermenêutico {Gadamer]

Por outro lado, ela - a reflexão hermenêutica - permite a descri-ção do processo de interpretação dos textos de direito, que tem napré-compreensão o seu momento inicial.

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posto a deixar-se dizer algo por ele; uma consciência formada herme-neuticamente tem de mostrar-se receptiva desde o princípio à alteri-dade do texto.

Os preconceitos do intérprete não são o resultado de meras idios-sincracias pessoais, refletindo na verdade toda a sua vivência histórica;assim, os preconceitos do intérprete marcam seu perfil existencial e ainterpretação é uma experiência histórica do intérprete, porém confor-mada por todas as suas experiências históricas anteriores.

29. (segue)

A compreensão de textos - diz Hassemer [1985:73] - é um mododa compreensão, entendida como uma forma geral da existênciahumana e do contexto dos efeitos históricos. A compreensão pressu-põe uma antecipação do sentido, a integração da parte que deve sercompreendida em um todo preconcebido. A compreensão, portanto, éum processo de aproximação em desenvolvimento, um processo queaproxima o sujeito que compreende e o objeto a compreender, até umencontro mútuo, produzindo, assim, uma transformação recíproca.Este processo desenvolve-se no tempo; coloca em jogo, conseqüente-mente, o indivíduo com sua história vital e o contexto das tradiçõessociais (compreensiio prévia). Não sendo contemplação (de um sujei-to frente a um objeto), mas aproximação em desenvolvimento, pro-duz-se de forma ~ircular ou, como se deve dizer mais corretamente- propõe Hassemer -, em forma de espiral: o sujeito e o objeto apro-ximam-se, um ao outro, no processo da compreensão, pressupõem-semutuamente nos diferentes níveis de aproximação. Este movimento- conclui - exclui a possibilidade de medir-se e comprovar-se a com-preensão certa (o conhecimento verdadeiro). Já que res e intellectusnão se encontram mutuamente em uma relação dinâmica de aproxima-ção, a verdade não pode ser aedaequatio rei et intellectus; é um fenô-meno dialogal, consensual e procedimental.

Essa receptividade, no entanto, não pressupõe nem neutralidadediante das coisas, nem tampouco autocancelação, porém inclui umamatizada incorporação das próprias opiniões prévias e pré-juízos: oque importa é que (o intérprete) assuma suas próprias antecipações,com o fim de que o texto mesmo possa se apresentar em sua alterida-de e, assim, possa pôr em confronto sua verdade objetiva com as pró-prias opiniões prévias (do intérprete).

E prossegue Gadamer [1991:360 e ss.], a observar que o com-preender é dotado de um movimento circular: a antecipação de senti-do que faz referência ao todo somente chega a uma compreensãoexplícita na medida em que as partes que se determinam desde o todo,por sua vez, determinam o todo. Heidegger, de quem Gadamer tomaa concepção de círculo hermenêutico, descreve-o de forma tal que acompreensão do texto se encontra continuamente determinada pelomovimento antecipatório da pré-compreensiio - o círculo do todo eas partes não se anulam na compreensão total, porém nela alcançamsua realização mais autêntica. Assim, o círculo não é de naturezaformal; não é nem subjetivo, nem objetivo; descreve a compreensãocomo a interpenetração do movimento da tradição e do movimentodo intérprete; o círculo da compreensão não é um círculo metodo-lógico; ele - insista-se nisso - descreve um momento estrutural ontoló-gico da compreensão.

Compreender significa, primariamente, entender-se na coisa eapenas secundariamente destacar e compreender a opinião do outrocomo tal - a primeira de todas as condições hermenêuticas é a pré-compreensr/o que surge do ter que ver com o assunto mesmo.

30. (segue)

O procedimento do intérprete do direito encontra na pré-com-preensão o seu momento inicial. E a pré-compreensiio - representaçãoantecipada do resultado da tarefa de interpretação - parametra o em-preendimento dessa tarefa. Ela constitui o pressuposto decisivo da es-colha do cânone hermenêutico a adotar para a interpretação [Zacaria1990:22]. Neste momento o intérprete operajuízos de valor, seus -inexistem, como vimos, regras postas sobre a interpretação do direito.

O que se passa, em verdade, é que a interpretação impõe ao intér-prete a utilização de múltiplos métodos, se bem que primordialmenteinformados - e conformados - por uma linha de atuação que menosreflete uma opção preferencial por qualquer deles do que adesão adeterminada postura ideológica.

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É que o intérprete - como o julgador, qual observa Nilo Bairrosde Brum [1980:85] - "é condicionado por sua cultura juódica, suascrenças políticas, filosóficas e religiosas, sua inserção sócio-econô-mica e todos os demais fatores que forjaram e integram sua persona-lidade". Disso não se pode sacar a conclusão de que qualquer textonormativo constitucional, como qualquer outro texto normativo, admi-te qualquer interpretação. Por certo que não. É certo também, no en-tanto, que todas essas circunstâncias prosperam no sentido de colocaro intérprete em posição preconceituosa (de pré-conceito ideológico,seu) perante a norma a interpretar, esta também veiculante de mensa-gem ideológica. Pois é certo, ainda, que no nível normativo se operaa cristalização de mensagens ideológicas: a norma jurídica é sem-pre expressiva de uma ideologia, ao menos em sentido fraco [v.Grau 1983:96].

aporta aos conceitos [Esser 1983: 134-135]. Assim, a situação confli-tual manifesta-se na pré-compreensão não como situação pessoal da-quele que reclama proteção juódica, mas como típica situação do casosingular [Esser 1983:136]. Logo, o que dá início ao processo herme-nêutico e modera a compreensão interpretativa da norma é o interesseque se projeta napré-compreensão [Esser 1983:133].

A pré-compreensão - note-se bem - não é conceito metodológi-co. Expressa a antecipação de resultado própria a toda atividade prá-tica. Desde a pré-compreensão - momento inicial do processo decompreensão juódica - até o instante da determinação da regra deter-minante da decisão estende-se uma complexa rede de novas antecipa-ções de resultado (novos projetos de sentido) (a aceitabilidade de inú-meras soluções normativas é então testada - e, nesse proceder, oplano dogmático é seguidas vezes interrompido) [Zacaria 1990:22].Apré-compreensão, pois, é conceito que se desenvolve em um planoessencialmente descritivo. As medidas voltadas ao reforço e controlede racionalidade que se devem antepor aos juízos antecipados - devalor - que orientam a escolha da decisão jurídica compõem-se emoutro plano, prescritivo.

Ideologia em sentido fraco como conjunto de idéias e de valoresrespeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os compor-tamentos políticos coletivos, à qual se opõe a ideologia em sentidoforte, esta concebida como discurso que oculta o sentido das relaçõesestruturais entre sujeitos, com a finalidade de reproduzir os mecanis-mos das hegemonias sociais.

31. Acontecimentos por ela consideradose que influenciam a decisão judicial

Sendo - a interpretação - compreensão, a decisão judicial, segun-do Frosini [1991:11], considera e é determinada pelas palavras da leie pelos antecedentes judiciais; pela figura delitiva que se imputa; pelasinterpretações elaboradas pelas duas ou mais partes em conflito; pelasregras processuais; pelas expectativas de justiça nutridas pela cons-ciência da sociedade; finalmente, pelas convicções do próprio juiz,que pode estar influenciado, de forma decisiva, por preceitos de éticareligiosa ou social, por esquemas doutrinais em voga ou por instânciasde ordem política. De mais a mais, o juiz, em verdade, considera odireito todo, e não apenas um determinado texto normativo.

A norma decisional- como observa Esser [1983: 131] - não é dadapreviamente, porém construída: resulta da experiência conflitual dointérprete, experiência que abre campo à construção de múltiplos novosprojetos de sentido. De resto -lembra o mesmo Esser [1983:133] -, amera análise da linguagem normativa, sem que o círculo hermenêuticoseja praticado (perguntas e respostas a respeito do objeto a ser interpre-tado, a norma) e sem a formulação de juízos prévios, não basta à pes-quisa da solução correta a ser aplicada a cada caso.

A interpretação do direito não é meramente definitória (como aque se pratica quando se traduz um texto). Reclama uma antecipaçãodo possível equivalente e a existência prévia de um conceito do que sequer definir. Por isso o significado unívoco de um texto juódico - e decada vocábulo neste texto - depende não apenas do contexto, mastambém das relações e do contexto valorativo que a pré-compreensão

Quanto às "expectativas de justiça nutridas pela consciência dasociedade", v. Michel Rosenfeld [1998].

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A decisão judicial implica necessariamente elementos emotivose volitivos, dado que o juiz decide sempre dentro de uma situação his-tórica determinada, participando da consciência social de seu tempo.

interesses são suscetíveisde generalização;por outro lado, no âmbito daaplicação das normas, individualizando-se de modo pertinente e exaurien-te - à luz das regras em concorrência entre si - quais são as conexõesimportantes. Esta é a idéia regulativa que deve orientar os procedimentoslegais voltados a institucionalizar a imparcialidade da jurisdição.

32. As inúmeras soluções corretas

Determinada circunstância deve, a esta altura, ser enfatizada.Embora o intérprete esteja vinculado pelos textos, especialmente pe-

los textos dos princípios, o fato de a interpretação consubstanciar umaprudência importa que possa variar, ainda em determinado e específi-co espaço de tempo, o entendimento que diversas autoridades judiciá-rias atribuam a um mesmo texto, ao decidir questões idênticas entre si.

Mencionei anteriormente a impossibilidade de atribuirmos a qual-quer decisão interpretativa a qualidade de verdadeira ou falsa (conce-bida a verdade, aí, como aedaequatio rei et intellectus). Poder-se-á,quando muito, afirmar que estas ou aquelas, entre elas, são logica-mente verdadeiras, na medida em que se relacionam logicamente osargumentos usados para justificá-Ias e elas próprias (isso, contudo,não atesta senão a sua correção).

Além de tudo, as decisões interpretativas são sempre tomadas emfunção e em razão de um problema. E as soluções atribuíveis aos pro-blemas jurídicos não são definíveis, exclusivamente, a partir da atri-buição de um ou outro significado a determinado texto, porém desdea ponderação de variáveis múltiplas.

Aqui a circunstância a enfatizar. Questão de fato e questão dedireito se interpenetram: para cada decisão do caso real sob a norma24- diz Hassemer [1985:73] - a pessoa que deve tomar a decisão neces-sita de informações que não se desprendem da norma mas que, nãoobstante, determinam a decisão.

Lembre-se que a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas apartir de elementos quc se desprendem do texto (mundo do dever-ser),mas também a partir dc clemcntos do caso ao qual scrá ela aplicada,isto é, a partir dc elcmcntos da rcalidadc (mundo do scr).

Diz Habermas [1992:74] que na aplicação (Anwendung)das normas,que se faz sempre considerando o contexto, a imparcialidade do juízo nãoé alcançada simplesmente se nos perguntamos o que todos, naquela cir-cunstância, poderiam querer, mas sim se tomarmos sob a devida conta, demodo pertinente, todos os aspectos relevantes que caracterizam a situação.Para poder decidir quais normas devemos aplicar a um determinado caso- normas que podem sempre entrar em conflito entre si e que se deve dis-por em ordem de importância à luz de certos princípios - necessitamosprimeiro esclarecer se a descrição da situação é efetivamente exauriente epertinente (angemessen)em relação a todos os interesses afetados. Comodemonstrou KIaus Günther, a razão prática atua segundo duas modalida-des diversas: no âmbito da justificação das normas, examinando-se quais

Permito-me aludir, neste passo, a duas preciosas observações dePontes de Miranda [1954:X-XI e XVI]: "O sistema jurídico contémregras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fáctico, isto é, as relações humanas e os fatos, a queelas se referem, para se saber qual o suporte fáctico, isto é, aquilo so-bre que elas incidem, apontado por elas. Aí é que se exerce a funçãoesclarecedora, discriminativa, crítica, retocadora, da pesquisa jurídica.O conceito de suporte fáctico tem de ser guardado pelos que querementender as leis e as operações de interpretação e julgamento"; "Quemdiz 'aí está o sistema jurídico' diz 'há elementos fácticos sobre osquais incidiu regra jurídica"'.

Tão dissociada do direito - e juridicamente inútil- quanto a inter-pretação de textos de direito isoladamente (aspecto do qual adiante tra-tarei) é a pretensão de sua aplicação (do direito) sem que se desenvol-va a pesquisa do conjunto de fatos que é tomado sob consideração afim de se indagar se certa regra, ou outra, incide ou não incide.

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É fundamental, ademais, aqui, relembrarmos que interpretação eaplicação não se realizam autonomamente; o discernimento do senti-do do texto dá-se a partir - e em razão - de um determinado caso.

Não obstante seja assim, o elenco possível de decisões corretas,relacionadas à interpretação de cada texto de direito, é sempre limita-do. Sua abertura não é absoluta, embora suficiente para permitir per-maneça o direito a serviço da realidade.

As leis - segundo Gadamer [1991:380 e ss.] - não pretendem serinterpretadas historicamente, cabendo à interpretação torná-Ias concre-tas em sua validade jurídica. O texto deve ser compreendido em cadamomento e em cada situação concreta de maneira nova e distinta. Amobilidade histórica da compreensão, relegada a segundo plano pelahermenêutica romântica, representa o verdadeiro centro de uma herme-nêutica adequada à consciência histórica (o intérprete tem de apreendera tensão natural entre o momento da construção do texto - o passado _e o momento da construção da norma - o presente - e, assim, enfrentara mobilidade da situação concreta à qual se há de aplicar essa norma)[p. 380]. O intérprete não pretende outra coisa senão compreender otexto, compreender o que diz a tradição e o que dá sentido e significa-ção a ele. Para compreender isso não lhe é dado querer ignorar-se a sipróprio e à situação hermenêutica em que se encontra. Está obrigado arelacionar o texto a esta situação, se é que pretende discernir al;o nele[p. 396]. O jurista sempre se refere à lei em si mesma. Mas seu conteú-do normativo há de ser determinado em face do caso ao qual ela deve

ser aplicada. Para alcançar o conhecimento exato desse conteúdo nor-mativo é necessário recorrer ao conhecimento histórico do sentido ori-ginário; por isso, o intérprete do direito há de considerar a situação his-tórica conferida à lei pelo ato legislativo. Não pode ele, no entanto,sujeitar-se, por exemplo, aos debates travados no Parlamento em tornoda intenção dos que elaboraram a lei. Pelo contrário, está obrigado areconhecer que as circunstâncias sofreram alterações e, conseqüente-mente, a determinar em novos termos a função normativa da lei [pp.398-390]. A tarefa da interpretação consiste em dar concreção à lei emcada caso, isto é, em sua aplicação [p. 401].

Na Ética a Nicômaco (V 14, 14 1.137 b, 10-20) Aristóteles distin-gue a eqüidade e o eqüitativo, relacionando-os ao justo, então obser-vando que o eqüitativo, embora seja justo, não é o justo segundo a lei,senão um corretivo da justiça legal. A razão disso está em que a lei ésempre geral e existem casos em relação aos quais não é possível esti-pular-se um enunciado geral que se aplique com retidão. Nos casos nosquais é nccessário que o cnunciado sc limitc a gcneralidades, sendoimpossível fazê-\o corrctamcnte, a lei não toma cm considcração senãoos casos mais frcqücntcs, scm ignorar os crros que isso possa importar.NClIl por isso ela é mcnos correta, porque a culpa não está na lei, nemno legislador, mas sim na natureza das coisas, porque em razão de suaprópria essência a matéria das coisas da ordem prática reveste-se docaráter de irregularidade.

Por isso, quando a lei expressa uma regra geral e surge algo que secoloca fora dessa formulação geral, devemos, onde o legislador omitiua previsão do caso e pecou por excesso de simplificação, corrigir aomissão e fazer-nos intérpretes do que o legislador teria dito, elemesmo, se estivesse presente neste momento e teria feito constar da leise conhecesse o caso em questão. O que Aristóteles mostra - qual anotaGadamer [1991:390] -é que toda lei se encontra em uma tensão neces-sária em relação à concreção do atuar, porque é geral e não pode con-ter em si a realidade prática em toda sua concreção. E prossegue: a leié sempre deficiente, não porque o seja em si mesma, mas sim porque,em presença da ordenação a que se referem as leis, a realidade humanaé sempre deficiente e não permite uma aplicação simples das mesmas.

33. A atualização do direito

Um outro aspecto reclama ponderação. É que a interpretação dodireito encaminha a atualização do direito.

Ela sempre, necessariamente, se dá no quadro de uma situaçãodeterminada e, por isso, deve expor o enunciado semântico do textono contexto histórico presente (não no contexto da redação do texto).

Todo texto pretende ser compreendido em cada momento e emcada situação concreta de uma maneira nova e distinta. Isto - observaMarí [1991:243] - e a afirmação, de Gadamer, de que compreender éaplicar constituem o anverso e o reverso de uma mesma medalha.

Linhas acima afirmei que se dá na interpretação de textos norma-tivos algo análogo ao que se passa na interpretação musical. Não há

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34. As ideologias de interpretação e a atualização do direito

Embora assim seja, nem todo intérprete desenvolve nessa linhasua atuação.

Wróblewski [1985:72 e ss.) distingue dois tipos principais deideologia de interpretação jurídica.

O primeiro toma como valores básicos a certeza, a estabilidade ea predizibilidade, que exigem possuam as normas jurídicas um signifi-cado imutável; cuida-se de valores estáticos. A esse tipo de ideologiaWróblewski dá o nome de ideologia estática de interpretação jurídica.Tais as suas marcas mais características: a certeza jurídica importa queo direito não sofra qualquer mudança, senão por obra do legislador -assim, não se altera o significado de uma norma jurídica enquanto nãoseja isso determinado pelo legislador; o significado de qualquer normajurídica é função da vontade do legislador; as metodologias sistêmicae lingüística são tomadas de modo preferencial, repudiando-se a meto-dologia funcional como informadora do processo de interpretação;quando desta última se lance mão, o contexto funcional será o contex-to histórico do ato legislativo - V.g.,a ratio legis do legislador históri-co, a moralidade que o legislador histórico considerou relevante parafins interpretativos; a interpretação não é senão um descobrimento, enão se admite que ela conduza à mudança ou transformação da norma;o âmbito da interpretação é totalmente oposto ao da atividade legislati-va, sendo fartos os argumentos políticos que fundamentam esse enten-dimento em qualquer versão da doutrina da separação dos Poderes.

O segundo tipo principal de ideologia de interpretação jurídicaconsidera a interpretação como atividade que adapta o direito às ne-cessidades presentes e futuras da vida social, na acepção mais ampladessa expressão. Podemos referi-Ia como ideologia dinâmica da in-terpretação jurídica. Tais as suas marcas mais características: a vidasocial corresponde ao contexto funcional das normas jurídicas e levaem consideração o atual contexto sistêmico e lingüístico; nada obstaa que o direito suscite e antecipe mudanças na vida social; impõe-seque a interpretação do direito o adapte às necessidades da vida social,para tomá-Io mais adequado a ela - esta adequação é o valor máximoda ideologia dinâmica da interpretação jurídica; o significado da nor-ma jurídica não é, portanto, nenhum fato do passado conectado porvínculos fictícios à vontade do legislador histórico - seu significadose altera na medida em que se alteram os contextos nos quais a normajurídica opera; a linguagem jurídica varia na medida em que passampor variações os contextos funcional e sistêmico; a metodologia fun-cional é tomada de modo preferencial, sendo fim básico da interpre-tação jurídica a adaptação do direito às necessidades da vida social; ametodologia lingüística privilegia a pragmática da linguagem jurídi-ca, ou seja, a dependência do significado dos termos e expressões - es-pecialmente dos termos e expressões valorativos - ao contexto de seuuso interpretativo atual; a metodologia sistêmica privilegia a conside-ração das contínuas alterações do sistema jurídico e as característicasdo sistema jurídico atual, no momento no qual a interpretação é pro-cessada; a interpretação, no quadro da ideologia dinâmica, é uma ati-vidade criadora ex definitione, na medida em que cria o direito em ato,ou seja, aquele cujas normas são determinadas na interpretação.

Canotilho [1983:24], de outra parte, refere dois tipos de posturasassumidas perante a Constituição.

A primeira - adotada por aqueles que optarem por concepçõesideológicas e políticas substancialmente diferentes das mensagensideológicas consagradas na Constituição - conduz à eleição de fun-damentos interpretativos que lhes permitam vulnerar, direta ou indi-retamente, a estrutura normativa constitucional.

A segunda - adotada por aqueles que guardam sintonia com osprincípios fundamentais atinentes à conformação política e jurídicada sociedade, que a Constituição contempla - exercita um prudente

uma única interpretação correta (exata) da Sexta Sinfonia de Beetho-ven: a Pastoral regida por Toscanini, com a Sinfônica de Milão, é di-ferente da Pastoral regida por von Karajan, com a Filarmônica deBerlim. Não obstante uma seja mais romântica, mais derramada, aoutra mais longilínea, as duas são autênticas - e corretas. Mais doque isso ocorre, pois se altera, no tempo, o "modo de ouvir" as sinfo-nias, de modo que poderíamos dizer que o intérprete da Sexta Sinfo-nia a interpreta em coerência com as circunstâncias determinantesdessas alterações no "modo de ouvir" a música, e - paradoxalmente- a interpretação, hoje, sob a regência do próprio Beethoven, da SextaSinfonia não seria tida como correta ...

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positivismo, indispensável à manutenção da obrigatoriedade normati-va do texto constitucional.

Averba ainda Canotilho [1983:224-225]: "A primeira orientação foiseguida, durante o conturbado período da República de Weimar, por to-dos aqueles que, combatendo o carácter progressista, liberal e democrá-tico da Constituição, acabaram por sobreacentuar a constituição real coma conseqüente infravaloração do carácter normativo da constituição jurí-dica. É certo, como já foi salientado, que uma postura unilateralmentepositivista poderá conduzir a um indesejável divórcio entre norma e rea-lidade, ou seja, entre o estatuto jurídico que a Constituição é e o políticoque a Constituição deve normativamente captar. Isso só nos leva, maisuma vez, a defender a unidade substancial dos aspectos social-real e jurí-dico, de forma a manter dialecticamente viva a própria Constituição".

A esse respeito, cuidando da Constituição, Paulo Bonavides[2004:464] observa que a sua interpretação clássica toma-a, exclusi-vamente, em sua acepção jurídica, nos quadrantes fechados da norma,sempre voltada ao reconhecimento da vontade nela contida. A refe-rência à "vontade do legislador" consubstancia, neste contexto, olugar-comum que tantas vezes aproxima exegetas, ideólogos estáti-cos e os que reagem contra a ideologia constitucional. No nível cons-titucional a referência é feita à "vontade do legislador constitucional".

Ocorre que o legislador dos exegetas, titular dessa vontade, e oDeus dos teólogos são uma e a mesma pessoa, já que, como observaVernengo [1977:85], seus atributos são indiscerníveis. Em uma pala-vra: o legislador dos exegetas é Deus; e, como o legislador é Deus, odireito positivo é sagrado. Essa doutrina, assim, nos conduz de retor-no ao passado e à recusa de qualquer mudança (social e jurídica), poiso passado é imutável. No seu bojo o direito instrumenta o governodos vivos pelos mortos [Wróblewski 1985:76].Note-se bem que não estou a referir, neste ponto de minha expo-

sição, o método clássico e um outro, mais recente, de interpretação,porém ideologias contemporâneas, que se reproduzem nos dias dehoje, a primeira delas com muito, mas muito, maior intensidade mes-mo do que a segunda. Não posso deixar de registrar, a propósito, oquão assustadora me parece a segurança dos que não são afeiçoadosao hábito da reflexão e, sem qualquer constrangimento, se permitempronunciar conferências exclusivamente repetitivas do que se escre-via sobre o tema há mais de 100 anos, diante de auditórios freqüenta-dos por aparvalhados apedeutas ... A ignorância é, seguramente, a mãeda tranqüilidade e da paz intelectual.

A respeito dela Carlos Maximiliano [1957:33-51] produziu libelocontundente: "A lei não brota do cérebro do seu elaborador, completa,perfeita, como um ato de vontade independente, espontâneo" [p. 35]."O legislador não tira do nada, como se fora um Deus; é apenas o órgãoda consciência nacional" - daí por que pode a lei ser mais sábia do queo legislador, na medida em que abrange hipóteses que este não previu[p. 38]. "Em uma das forjas da lei, no Parlamento, composto, em regra,de duas Câmaras, fundem-se opiniões múltiplas, o conjunto resulta defrações de idéias, amalgamadas; cada representante do povo aceita porum motivo pessoal a inclusão de palavra ou frase, visando a um objeti-vo particular a que a mesma se presta; há o acordo aparente, resultadode profundas contradições. Bastas vezes a redação final resulta impre-cisa, ambígua, revelando-se o produto da inelutável necessidade detransigir com exigências pequeninas a fim de conseguir a passagem daidéia principal" [p. 39]. "O projeto peregrina pelos dois ramos do PoderLegislativo, em marchas e contramarchas, recebendo retoques de todaordem, a ponto de o renegar afinal, espantado do aspecto definitivo daprópria obra, o autor primitivo da medida. Como descobrir, naquele la-hirinto de idéias contraditórias e todas parcialmente vencedoras, a von-tade, o pensamento, a intenção diretora e triunfante?" [p. 40]. "A vonta-de do legislador não será a da maioria dos que tomam parte na votação

35. A "vontade do legislador"

Papel de extrema importância é cumprido, neste quadro - no qualem regra se aproximam, de um lado, a ideologia estática de interpre-tação jurídica e a postura adotada pelos que optam por concepçõesideológicas e políticas adversas às mensagens ideológicas constitu-cionais, de outro a ideologia dinâmica de interpretação jurídica e apostura adotada pelos que guardam sintonia com tais mensagens -,pelo critério da "vontade do legislador", critério que presidiu o méto-do clássico de interpretação do direito.

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da norma positiva; porque bem poucos se informam, com antecedência,dos termos do projeto em debate; portanto não podem querer o que nãoconhecem. Quandomuito, desejam o principal: por exemplo, abaixar ouelevar um imposto, cominar ou abolir uma pena. Às vezes, nem isso; nomomento dos sufrágios, perguntam do que se trata, ou acompanham,indiferentes,os leaders,que por sua vez prestigiam apenas o voto de de-terminadosmembros da Comissão Permanente que emitiu parecer sobreo projeto. Logo, em última análise, a vontade do legislador é a da mino-ria; talvez de uma elite intelectual, dos componentes, que figuram nasassembléias políticas em menor número sempre, rari nantes in gurgitevasto" [pp.40-41]. "Por outro lado, não só é difícil determinar aquela in-tenção volitiva, como, também, distingui-Iado sentido da lei, ou aome-nos mostrar quanto influi no significado de uma norma jurídica e comofora impelida pelosmotivos geradores de um texto positivo" [p. 41]. "Olegislador não tem personalidade física individual, cujo pensamento,pendores e vontades se apreendamsem custo.A lei é obra de numerososespíritos, cujas idéias se fundam em um conglomerado difícil de decom-por" [p.44]. "Além de retrógrada, afigura-se-nos temerária empresa a dedescobrir em um todo heterogêneo o fator psicológico da intenção" [p.45]. "Com a promulgação, a lei adquire vida própria, autonomia relati-va; separa-se do legislador; contrapõe-se a ele como um produto novo;dilata e até substitui o conteúdo respectivo sem tocar nas palavras; mos-tra-se, na prática, mais previdente que o seu autor" [p. 48].

V. Perelman [1979:55-56), Larenz [1983:191 e ss. e 1980:312 ess.] e JosefEsser [1983:228 e ss. e 327 e ss.].

A lei, aliás - o texto normativo, em verdade -, já foi dito, costu-ma ser mais inteligente do que o legislador.

Assim, a referência à "vontade do legislador", que apenas se podeexplicar como um caso de misoneísmo [Carlos Maximiliano 1957:44],perde qualquer sentido. A interpretação constitucional, no nível lin-güístico, é interpretação semântica, voltada à determinação do signi-ficado das palavras e expressões contidos no texto da Constituição.Vale dizer: refere-se a "normas reveladas por enunciados lingüísticas"- não a intenções ou vontades do texto ou do "legislador constituin-te" -, estando, como observa Canotilho [1987: 148], condicionada pelocontexto, na medida em que se opera em condições sociais historica-mente caracterizadas, produtoras de determinados "usos" lingüísticos,decisivamente operantes na atribuição do significado.

36. Ideologias de interpretação na experiênciada Corte Suprema Norte-Americana

A análise de alguns momentos da experiência da Corte SupremaNorte-Americana nos dá exemplos de ambas essas ideologias.

Exemplo marcante de ideologia estática da interpretação encon-tramos no Dred Scott Case (1857) - "Dred ScoU vs. Sanford". Neledecidiu a Corte Suprema que, (i) ao entrar em vigor a ConstituiçãoNorte-Americana, os negros eram considerados pessoas de condi9ãosocial inferior e não-cidadãos; (ii) que a Constituição, em verdade, nãoos incluiu na referência que faz a cidadãos. Dizia o voto de Taney, Pre-sidente da Corte: "Ninguém, presumo, suporá que qualquer modifica-ção da opinião pública ou dos sentimentos relativamente a essa des-venturada raça, nas nações civilizadas da Europa ou neste país, devainduzir esta Corte a dar às palavras da Constituição um sentido maisliberal, a favor deles [os negros} do que se pretendeu tivessem quan-do esse diploma foi plasmado e adotado. Semelhante argumento seriaabsolutamente inadmissível em qualquer tribunal chamado a interpre-tá-Ia. Se qualquer das suas disposições for considerada injusta, existeum meio, previsto nela própria, pelo qual ela pode ser emendada;porém, enquanto permanecer inalterada, há de ser interpretada hojecomo era entendida ao tempo da sua adoção. Ela não é a mesma ape-nas nas palavras, é também a mesma na sua significação, e delega osmesmos poderes ao governo, reservando e assegurando ao cidadão osmesmos direitos e privilégios; e, enquanto continuar a existir sob a suaforma atual, ela falará não só pelas mesmas palavras, mas com oI\\l~smosentido e propósito com que falou ao sair das mãos daquelesque a modelaram e ser votada e aprovada pelo povo dos Estados Uni-dos da América. Qualquer outra regra de interpretação tiraria a estaCorte o seu caráter judicial, fazendo dela apenas um reflexo da opiniãopopular ou da paixão do momento" [Bodenheimer 1966:388-399].

Exemplo também marcante, porém de ideologia dinâmica da in-ll'IJII"i'laçiio, temos no caso "McCulloch vs. Maryland" (1819), ondeMarshall votou afirmando que a Constituição Norte-Americana "se

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destinava a durar ainda muitos anos, devendo conseqüentemente adap-tar-se às várias crises dos negócios humanos" [Bodenheimer 1966:389-390].

A análise desenvolvida por Miguel Beltrán [1989], por outro la-do, de uma série de artigos de Dworkin publicados durante 1987 naNew York Review of Books, a propósito da indicação de Robert Borkpara ocupar uma vaga na Corte Suprema dos Estados Unidos - a indi-cação foi rechaçada -, fornece um adequado panorama da polêmicaentre originalismo e interpretação.

Ora, se todo texto pretende ser compreendido em cada momentoe em cada situação concreta de uma maneira nova e distinta, tenho ainterpretação - se não for nossa intenção predeterminada a de fraudá-Ia (para justificar a obtenção de uma solução que satisfaça a nossaconveniência individual) - como atividade que adapta o direito às ne-cessidades presentes e futuras da vida social (= atualiza-o), na acep-ção mais ampla dessa expressão.

Os textos de direito não veiculam enunciados semânticos crista-lizados, congelados no tempo; esses enunciados passam por altera-ções decorrentes do evolver da vida social, ainda que a sua redação(do texto) não sofra modificação. Exemplifico com matéria no âmbi-to da qual a legalidade, enquanto dever de estrito atendimento aoquanto enuncia a lei, manifesta-se de modo mais pronunciado: a ma-téria penal. Diz o art. 233 do Código Penal Brasileiro que cometecrime quem pratica ato obsceno em lugar público, ou aberto ou ex-posto ao público. Qual o significado veiculado pela expressão "atoobsceno", termo do conceito de ato obsceno? Por certo que, na déca-da dos 40, mulheres que fossem à piscina ou praia vestindo as estrei-tas tiras de tecido que hoje cobrem seus corpos - quando o fazem - es-tariam praticando o delito tipificado no art. 233 do Código Penal;hoje, no entanto, conduta como tal não configura ilícito penal, senão- dir-se-á - agradável manifestação da evolução da moda feminina.Evoluiu a moda porque sofreram alteração os padrões culturais, enessa alteração alterou-se também o conceit025 de ato obsceno; ou se-ja, outro, agora, à luz de renovados padrões culturais, é o significadoveiculado pela expressão "ato obsceno". Vale dizer: o evolver da vida

social, sem que a redação do texto tenha sofrido modificação, condu-ziu à enunciação de novo significado, de outra nonna, distinta daque-la produzível nos anos 40.

Isso assim se passa porque, ademais, o direito - como observouvon Jhering [1884:424] - existe em função da sociedade, e não a so-ciedade em função dele ("das Recht ist der Gesellschaft, nicht die Ge-sdlschaft des Rechts wegen da"). O direito é um nível da realidadesocial.

Mais n;ío ~ preciso considerar para que se comprove a insuficiên-cia (I;. ideologia estática da interpretação jurídica e do pensamentovoltado ;1 "vontade do legislador". A realidade social é o presente; opresente é vida ..e vida é movimento.

Nem a "vontade do legislador", nem o "espírito da lei", vinculamo intérprete.

Recomenda Esser [1983:334]: "Debe volver conscientemente Iaespalda a aquel espíritu ya superado y substituir Ias anticuadas 'repre-sentaciones de Ia ley' por una solución que haya sido puesta a pruebasobre Ias 'necesidades de su época', pero cuya legitimación dogmaticano puede efectuarse más que merced aIos principios generales queentresaca de Ia substancia de Ias antiguas normas, oponiéndose cadavez más a Ia doctrina clásica de éstas, pero perfeccionando los concep-tos desarrollados por tal doctrina".

E ademais é certo que quem interpreta/aplica não é mesmo su-jeito que escreveu o texto.

Observa Pontes de Miranda [2000:151-152]: "A regra jurídica nãoé dada pela maioria, nem tampouco pela totalidade. Pode ser obra demuitos ou de alguns, de minorias ínfimas, ou de um só. Mas já vimosque não há que separar a aplicação e a iniciação da lei, a realização e aproposta. A expressão efetiva pode não ser a do indivíduo, nem a de al-guns, nem a de muitos, nem a da maioria, nem a da totalidade; porque

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a totalidade que desse não seria a que aplicasse, e sim outra, porque en-tre elas há a mesma diferença que entre dois momentos: o momento 'a'de elaboração e o momento 'b' de aplicação concreta. No costume éque teríamos a simultaneidade, a confusão, a coincidência, ou cornoquer que a isso se chame; mas no próprio costume a regra é traçada, nãopor um ato, e sim por muitos, de modo que resulta de membros de tota-lidades distintas".

cambio alguno, se refería tan sólo a Ia igualdad política de los varones;hoy, en ciertos Estados, se refiere también a Ia de Ias mujeres; en Ia pri-mera mitad deI siglo XIX significaba sólo Ia igualdad de los derechospolíticos, mientras que actualmente, y en medida creciente, significatambién Ia igualdad social; hasta hace una década se aplicaba, 'según Iaopinión dominante', nada mas que a Ia Administración, en tanto quehoy se le interpreta corno límite y pauta también para el legislador. Esprecisamente esa ausencia de determinación deI contenido 10 que capa-cita a esos principios jurídicos para desempenar una función perpetua aIa Constitución".

Diz von Jhering [1943: 17]: "Não é, pois, o conteúdo abstrato dasleis, nem a justiça escrita no papel, nem a moral idade das palavras, quedecidem o valor dum direito; a sua realização objetiva na vida, a ener-gia, por meio da qual o que é conhecido e proclamado, corno necessá-rio, se atinge e executa - eis o que consagra ao direito o seu verdadei-ro valor".

Repito-o: a realidade social é o presente; o presente é vida - evida é movimento. A interpretação do direito não é mera dedução de-le, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normati-vos à realidade e seus conflitos.

O direito é um dinamismo.Daí a necessária adesão à ideologia dinâmica da interpretação e

à visualização do direito como instrumento de mudança social, até oponto em que o direito passa, ele próprio, a ser concebido como umapolítica pública. Além disso, a compreensão de que a referência a umdireito pressuposto condicionante da produção do direito posto recla-ma a consideração da virtualidade de um nexo entre ambos; o direitoposto é, então, penetrado por significações não integralmente con-gruentes com seus significados tradicionais (originais); donde, entro-picamente, a emergência de um sentido não-conservador (transforma-dor) no direito.

É do presente, na vida real, que se tomam as forças que conferemvida ao direito. Assim, o significado válido dos textos é variável notempo e no espaço, histórica e culturalmente.

A interpretação - observa Betti [1991:547], ao tratar da adequaçãodo direito à realidade sem necessidade de renúncia ao direito positivo -tem sempre (e não pode deixar de ter) o ufficio di vivificare, medianteum incessante repensamento, as normas a serem aplicadas, seguindopasso a passo o moto perpétuo da vida social. Sobre a eficiência dinâ-mica e evolutiva da interpretação, v. também Carlos Maximiliano Pe-reira dos Santos [1957:344-345], citado por Betti [1991:548-549].

Sobre a Constituição corno realidade social, v. Heller [1977:267-289].

Disso, um dos mais expressivos exemplos terá dado, ao tempoem que escreveu sua Teoria do Estado - 1934 -, Hermann Heller[1977:276]: "Vn ejemplo clásico de 10 que antecede es el precepto deIa igualdad ante Ia ley que existe en todas Ias democracias y cuyo con-tenido tiene importancia decisiva para determinar Ia estructura consti-tucional de cada Estado. Pero ese precepto recibe únicamente su conte-nido de Ias concepciones que dominan en Ia realidad social, y que en IaConstitución misma no se formulan o sólo se forrnulan en muy peque-na parte, sobre 10 que debe estimarse igual y desigual. Originariamen-te el precepto de igualdad, cuya letra no ha experimentado después

38. Não se interpreta o direito em tiras

Por isso mesmo a interpretação do direito é interpretação dodireito, e não textos isolados, desprendidos do direito.

Não se interpretam textos de direito, isoladamente, mas sim o di-reito, no seu todo - marcado, na dicção de Ascarelli [1952a: 10] pelassuas premissas implícitas.

Santi Romano [1964:211] insiste em que a interpretação da lei ésempre interpretação não de uma lei ou de uma norma singular,26 masde uma lei ou de uma norma que é considerada em relação à posição

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39. Afinalidade do direito e as normas-objetivo

A alusão ao contexto funcional reclama atenção para o fato deque - como enfatizou von Jhering [1884:VIII] - afinalidade é o cria-dor de todo o direito, e não existe norma ou instituto jurídico que nãodeva sua origem a uma finalidade. Assim, a afirmação dos significa-dos expressados pelos enunciados normativos apenas se determina,plenamente, após a penetração do intérprete, à busca dessa determi-nação, no contexto funcional.

Papel da mais absoluta relevância, neste momento, jogam as nor-mas-objetivo. Ao tema dediquei atenção em meu Direito, Conceitos eNormas Jurídicas [1988:131-153], salientando, então, que elas sur-gem a partir do momento em que o direito (os textos normativos -digo-o agora) passa a ser dinamizado como instrumento de governo edeixa de ser finalidade sua, única e exclusivamente, a de ordenação.Enquanto instrumento de governo, então, o direito passa a ser opera-cionalizado tendo em vista a implementação de políticas públicas,políticas referidas a fins múltiplos e específicos. Pois a definição dosfins de tais políticas é enunciada, precisamente, em textos normativosque consubstanciam nomlas-objetivo e que, mercê disso, passam adeterminar os processos de interpretação do direito.

Essas normas-objetivo não se amoldam aos casulos conceituais dasnormas de conduta e das normas de organização - razão pela qual nãosão explicáveis como tais. Procurando pontualizar a função que desem-penham, no interior do sistema jurídico, poderemos referi-Ias como nor-mas que explicitam resultados e fins em relação a cuja realização estãocomprometidas outras normas - estas, de conduta e de organização. Aimportância delas, de outra parte, como critério indiciário dos fins a quese voltam estas últimas, normas de conduta e de organização - o queviabiliza a fluente perquirição de sua eficácia -, é extremada.

O que neste passo importa considerar são as observações deDworkin [1987], que, após opor aos princípios as diretrizes, acenacom uma virtual superposição entre ambos: assim, a pauta de acordocom a qual deve ser reduzido o número de acidentes de automóvel éuma diretriz; e a pauta que estipula que a ninguém aproveita sua pró-pria fraude [= torpeza] é um princípio. Essa distinção, no entanto - éo próprio Dworkin [1987:44] quem o diz -, pode resultar comprome-tida na medida em que se construa um princípio que estabeleça umobjetivo social (v.g., o objetivo de uma sociedade na qual ninguémobtenha proveito de sua iniqüidade) ou se construa um objetivo queestabeleça um princípio (v.g., o princípio de que o objetivo propostopela diretriz é meritório) ou, ainda, na medida em que se adote a teselltilitarista de acordo com a qual os princípios de justiça são enuncia-dos de objetivos mascarados (assegurando-se a máxima felicidade domaior número de pessoas). Se, nestes termos, contestada a distinção,em determinados contextos - conclui - resultariam absolutamentedesvirtuadas as suas aplicações.

que ocupa no todo do ordenamento jurídico; o que significa que o queefetivamente se interpreta é esse ordenamento e, como conseqüência,o texto singular. Hermann Heller [1977:274], por outro lado, observaque o preceito jurídico particular somente pode ser fundamentalmen-te concebido, de modo pleno, quando se parta da totalidade da Cons-tituição política. A propósito, diz Geraldo Ataliba [1970:373]: "( ...)nenhuma norma jurídica paira avulsa, como que no ar. Nenhum man-damento jurídico existe em si, como que vagando no espaço, semescoro ou apoio. Não há comando isolado ou ordem avulsa. Porqueesses - é propedêutico - ou fazem parte de um sistema, nele encon-trando seus fundamentos, ou não existem juridicamente".

Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete,

sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que seprojeta a partir dele - do texto - até a Constituição.

Por isso insisto em que um texto de direito isolado, destacado,desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativoalgum. As normas - afirma Bobbio [1960:3] - só têm existência emum contexto de normas, isto é, no sistema normativo.

A interpretação do direito - lembre-se - desenrola-se no âmbitode três distintos contextos: o lingüístico, o sistêrnico e o funcional[Wróblewski 1985:38 e ss.]. No contexto lingüístico é discernida asemântica dos enunciados normativos. Mas o significado normativode cada texto somente é detectável no momento em que se o tomacomo inserido no contexto do sistema, para após afirmar-se, plena-mente, no contexto funcional.

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Explorando o tema, Dworkin [1987:22] observa que em determi-nados casos, sobretudo nos casos difíceis (hard cases), quando osprofissionais do direito arrazoam ou disputam sobre direitos e obriga-ções legais, fazem uso de pautas (standards) que não funcionamcomo regras, mas operam de modo diverso, como princípios, diretri-zes (policies) ou outra espécie de pauta. Propõe-se, então, a usar ovocábulo "princípio" genericamente, para referir, em conjunto, aque-las pautas que não são regras; em outras ocasiões, no entanto - adver-te -, é mais preciso, distinguindo princípios e diretrizes.

Chama, então, de diretrizes as pautas que estabelecem objetivosa serem alcançados, geralmente referidos a algum aspecto econômi-co, político ou social (ainda que - observa - alguns objetivos sejamnegativos, na medida em que definem que determinados aspectospresentes devem ser protegidos contra alterações adversas). Denomi-na princípios, por outro lado, as pautas que devem ser observadas nãoporque viabilizem ou assegurem a busca de determinadas situaçõeseconômicas, políticas ou sociais que sejam tidas como convenientes,mas sim porque sua observância corresponde a um imperativo de jus-tiça, de honestidade ou de outra dimensão da moral.

Às diretrizes às quais faz alusão Dworkin correspondem efetivasnormas-objetivo.

A equiparação entre ambas, de resto, já se faz presente tanto naexposição dos autores que referi no Direito, Conceitos e NormasJurídicas [1988: 132-137], quanto em texto de Crisafulli [1941 :253 eSS.],27 na menção a diretiva política ou indirizzo político. Crisafulli,no entanto, coloca-as, enquanto conceito, em plano paralelo àqueleno qual se encontram os princípios gerais do direito: o indirizzo polí-tico só se pode realizar através de ulterior atividade executiva oulegislativa do Estado; neste sentido, traduzem-se em princípios ge-rais do direito; e os princípios do direito traduzem sempre a inserçãono ordenamento, e a tradução em norma jurídica, de certas diretivaspolíticas. Essa postulação, de toda sorte - deixo isso bem vincado -,poderá conduzir à tese da atribuição de caráter meramente progra-mático ("normas constitucionais programáticas") às normas-objeti-

vo (e também aos princípios) - o que, no meu entendimento, deve serrecusado.28

O que ora importa mais diretamente considerar, todavia, é a pon-deração de Dworkin quanto ao virtual comprometimento da distinçãoentre diretriz (norma-objetivo - direi) e princípio. Não entendo indis-pensável fustigar essa virtualidade, como se dela dependessem a pró-pria significação e consistência da noção de norma-objetivo. Já ante-riormente afirmei, aliás, que a noção no mínimo seria útil comoartifício metodológico para a análise do direito. Por derradeiro, tantoa aplicabilidade imediata das normas-objetivo, enquanto tais, quanto;1 lon,:a que assumiriam, como princípios jurídicos positivados, sãoslllící('U!cS par:\ impedir que um mero enredo classificatório compro-UIl'I:1 :1 pn-s(alJilid;\dc (k sua consideração.

Nole-se, porl-llI, que José Joaquim Gomes Canotilho [1982:283]separa os princípios das "norlllasrilll", observando que "estas, não obs-tante a 'generalidade' dos rins e a run<;ãoprogramátiea c interpretativaque possam ter semelhante à dos princípios, não possuem a mesma 'ido-neidade nonnativa irradiante', capaz de justificar o alargamento da dis-ciplina a casos substancialmente heterogêneos".

Ademais, é imperioso que se enfatize, neste passo, que a contem-plação, no sistema jurídico, de nonnas-objetivo importa a introdução, naslIa "positividade", de fins aos quais ele - o sistema - está voltado. Apesquisa dos fins da norma, desenrolada no contexto funcional, toma-semais objetiva; a metodologia te1eológica repousa em terreno firme.

A propósito, observa Luís Cabral de Moncada [1986:66-67]:"( ...) a consagração constitucional de um conjunto de objectivos depolítica econômica tende a transformar numa questão de interpreta-ção e de aplicação do direito tudo aquilo cuja concretização deveriaficar ao livre jogo das forças político-econômicas. Atribui carácterjurídico ao âmbito da pura luta política, ao mesmo tempo que colocanas mãos dos tribunais de fiscalização da constitucionalidade das nor-mas a tarefa espinhosa do controle de disposições de conteúdo emi-

27. Também em Antônio Francisco de Souza [1987:23 e 55.] esta equiparaçãoestá presente.

28. Quanto à não-superposição das categorias "norma programática" e "nonna-objetivo", meu Direito, Conceitos e Nomzas Jurídícas [1988: 150-151].

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nentemente político". E prossegue: "A consagração de disposições dealcance programático ou directivo é, contudo, uma conseqüênciadirecta da constitucionalização de uma escala de valores cuja realiza-ção se entende ser natural no modelo do Estado de Direito Social dosnossos dias".

A alusão de Cabral de Moncada ao Estado de Direito Socialpoderia ser tomada pelos adeptos do neoliberalismo - que supõem asubstituição daquele modelo por um outro, jamais, porém, formuladocompletamente nos discursos neoliberais - como expressiva da im-portância menor das normas-objetivo. Aqui me permito sucintamen-te observar que, embora a globalização seja um fato histórico, resul-tante da terceira Revolução Industrial - informática, microeletrônicae telecomunicações -, o neoliberalismo é uma opção ideológica, aliásjá em processo de superação. O mercado apenas resiste às contradi-ções do capitalismo na medida em que ordenado e conformado pelamão visível do Estado, instrumentada por um direito por ele posto,comprometido com a preservação dos mercados, a serviço da fluên-cia da circulação mercantil. Daí por que persiste a relevância daque-las normas, seja como indicativas dos fins de políticas públicas aserem implementadas,29 seja para a interpretação do direito.

Neste último sentido, as normas-objetivo cumprem papel análo-go ao dos princípios.

A existência - isto é, a "positividade" - no ordenamento jurídicode determinados princípios que, embora não enunciados em textoalgum de direito positivo, desempenham papel de importância defini-tiva no processo de interpretação do direito é inquestionável.

O relato de Perelman [1979: 105-108] a esse respeito é exemplar.A Bélgica, durante a I Guerra Mundial, foi quase que inteiramen-

te ocupada pelo Exército Alemão. O Rei se encontrava no Havre e,dada a impossibilidade de reunir a Câmara e o Senado, passou a legis-lar sozinho, através de decretos-leis. Violava, com isso, o que dispu-nha o art. 26 da Constituição Belga, segundo o qual o poder de legis-

lar haveria de ser exercitado, conjuntamente, por ele - o Rei -, pelaCâmara e pelo Senado.

Em razão disso, com apoio no art. 25 ("Os poderes são exercidosdo modo estabelecido pela Constituição") e no art. 130 da Constitui-ção ("A Constituição não pode ser suspensa nem no seu todo nem emparte"), a legalidade dos decretos-leis editados pelo Rei durante aGuerra foi questionada, tendo sido apontados como ofensivos ao dis-posto no art. 26 da Constituição.

Se a teoria de Kelsen fosse adequada à realidade jurídica e se otexto constitucional devesse constituir a norma fundamental do Direi-to Belga,30 a Corte de Cassação não teria podido fazer outra coisa se-não subscrever a argumentação que apontava a inconstitucionalidadedos decretos-leis editados exclusivamente pelo Rei. Não obstante, aCorte não titubeou em afirmar que, precisamente "na aplicação dosprincípios constitucionais, o Rei, que durante a Guerra era o único ór-gão do Poder Legislativo que conservara sua liberdade de ação, ado-tou as disposições com força de lei que a defesa do território e os inte-resses vitais da Nação imperiosamente demandavam".

A Corte de Cassação sufragou, assim, argumentação segundo aqual a letra da Constituição, no caso, resultava superada por uma sériede princípios que o Procurador-Geral Terlinder sustentava consubstan-ciarem "axiomas de direito público": (i) a soberania da Bélgica jamaisesteve suspensa; (ii) uma nação não pode ficar sem governo; (iii) nãoé possível nenhum governo sem lei - ou seja, sem Poder Legislativo.

Argumentou o Procurador-Geral Terlinder, segundo Perelman[1979:106-107]: "Una ley nunca se ha hecho más que para un periodoo régimen determinado. Se adapta a Ias circunstancias que Ia han moti-vado y no puede ir más allá. Sólamente se concibe en función de sunecesidad o de su utilidad. Y también, una buena ley no debe ser intan-gible, pues sólo vale para el tiempo que ha querido regular. La teoríapuede tener en cuenta abstracciones, pero Ia ley, que es obra esencial-mente práctica, se aplica a situaciones concretas. Esto explica que, sibien Ia jurisprudencia puede extender Ia aplicación de un texto, existensiempre límites a esta extensión, que se encuentra menoscabada cuan-

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do Ia situación que eI autor de Ia Iey contempló es susbtituida por otrasque quedan fuera de sus previsiones. Una ley - Constitución o Iey ordi-nária - no estatuye jamás más que para periodos normales; para aqueI-Ios que ha podido prever. Es obra deI hombre y está sometida comotodas Ias cosas humanas a Ia fuerza de Ias cosas, a Ia fuerza mayor y aIa necesidad. Existen hechos que Ia prudencia humana no puede prevery situaciones que no se han podido tener a Ia vista, en Ias cuales Ia nor-ma se ha hecho inaplicable y en Ias que es preciso, como sea posible,separándose 10 menos posible de Ias prescripciones Iegales, atender aIas brutales necesidades deI momento y contraponer aIgunos medios defortuna a Ia fuerza invencible de los acontecimientos".

pueden introducirse en textos que parecen a primera vista perfectamen-te claros. Hemos visto cómo un regulamento municipal que prohíbe Iaentrada de vehículos en un parque vale para situaciones normales en queno se puede invocar Ia fuerza mayor o Ia necesidad. Observemos, porotra parte, que Ia determinación de 10 que constituye en cada caso con-creto un supuesto de 'fuerza mayor' o de 10 que permite invocar eI 'esta-do de necesidad' es con frecuencia tema controvertido. Para unos, queadmiten Ia excepción, eI juez debe llenar una laguna de Ia Iey. Los adver-sarios, en cambio, no dudan en afirmar que se trata de una decisión con-traria a Ia Iey y que se crea una 'falsa laguna', para no tener que ajustar-se a prescripciones Iegales imperativas" [1979: 107-108].

Desses axiomas3! (princípios) decorre a inquestionáveI necessi-dade de, no caso - estando os demais órgãos do Legislativo de fatoimpedidos de exercer suas funções -, o Rei legislar exclusivamentepor ato seu.

Assim - como observa concludentemente Perelman -, se consi-derarmos que o ordenamento jurídico não constitui um conjunto der~gras jurídicas cujo sentido e alcance independem do contexto polí-tIco e social, mas sim que tais regras estão subordinadas a fins emfunção dos quais devem ser interpretadas, a solução esposada pelaCorte de Cassação se impunha.

"Les principes 'empruntent une partie de leur majesté au mysterequi Ies entoure'" [Jean Boulanger].

A exposição de Perelman é encerrada com as seguintes considera-ções: "Si se hubiera tenido que interpretar a Ia letra el art. 130 de IaConstitución, Ia sentencia de Ia Corte de Casación habría sido, sin dudaalguna, contra legem. AI limitar eI alcance de este artículo a Ias situacio-nes normales y previsibles, Ia Corte de Casación introduce una Iacruna

b

en Ia Constitución, que no había estatuido para situaciones extraordina-rias, causadas por Ia fuerza de Ias cosas, Ia fuerza mayor o Ia necesidad.Notemos que estas consideraciones se aplican a toda disposición lecris-Iativa. En Ia medida en que el juez puede hacerlas intervenir en sus c~n-siderandos y en que Ias nociones que vienen de este modo a limitar eIcampo de aplicación de Ia Iey dependen en definitiva de su apreciación,

No futuro, quando o pesquisador da história do Direito Brasilei-ro se detiver sobre a Constituição de 1988 e, após, sobre as contribui-ções doutrinárias a partir dela desenvolvidas, .por certo aí encontraráuma grande mudança de perspectiva - ou, como é da moda dizer, umagrande mudança de paradigma.

Passa a prevalecer entre nós na última década do século o para-digma dos princípios.

De um lado, a nova Constituição, essencialmente principiológi-ca - e isso é analisado com muita acuidade nos textos escritos porJosé Afonso da Silva e por Paulo Bonavides. A obra de José JoaquimGomes Canotilho foi objeto de muita leitura então, e por aí chegaramaté nós novas concepções construídas em tomo dos princípios.

De outra banda, à mesma época passou a ser divulgado entre nóso Taking Rights Seriously, de Dworkin, introduzindo indagações eprovocando pesquisas. O direito deixou, para nós, de ser concebidocomo um "sistema de normas" - vale dizer, de regras -, passando aser visualizado como sistema de princípios.

Desde aí, já na década dos 90, dissertações de Mestrado e tesesde Doutorado passaram a abordar a questão dos princípios profusa-mcnte. De todo modo - ainda que não seja do meu feitio esse tipo dc

31. Tomo a referência a axiomas sob marcante ressalva [v. meu Direito CO/l-

ceitos e Normas Jurídicas, 1988:30]. '

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observação -, pretendo tenha sido eu o primeiro autor brasileiro aescrever, de modo detido e de forma sistemática, sobre esse "novoparadigma", dando-lhe a devida divulgação, em minha tese apresen-tada a concurso para professor titular da Faculdade de Direito da Uni-versidade de São Paulo, tese escrita em 1989 e publicada, em primei-ra edição, em 1990 [A Ordem Econômica na Constituição de 1988].Escrevi o capítulo dos princípios com muito entusiasmo, nutridosobretudo pela "descoberta", de Dworkin, de um texto de Jean Bou-langer - que Antoine Jeammaud me indicou - e de um texto de Cle-mente de Diego - que encontrei por acaso na biblioteca do MaxPlanck 1nstitut de Hamburgo.

Não me afastarei, na exposição que passo a empreender, daque-la escrita em 1989, tendo o cuidado de atualizá-Ia sem, contudo, apreocupação de esgotar o tema. O que a mim ora importa sublinhar éa importância dos princípios para a interpretação do direito, que issoé que me leva a retomar ao tema.32

II

OS PRINCÍPIOS

32. Pcnnito-mc sugerir ao leitor as seguintes indicações bibliográficas: Paulo Bo-navides [2004:255 c ss.l. Luís Prieto Sanchís [1998] e Alfonso García Figueroa [1998].

42. Princípios jurídicos/princípios de direitoe princípios gerais do direito

A reprodução da situação relatada por Perelman - verdadeirasituação-limite - é suficientemente expressiva da circunstância deque um sistema ou ordenamento jurídico não será jamais integradoexclusivamente por regras. Nele se compõem, também, princípiosjurídicos ou princípios de direito.

A doutrina, bastante preocupada com a distinção entre princípiose regras e com a questão do conflito entre princípios, não tem enfa-tizado, como seria de se esperar, uma distinção anterior, que apartaos princípios jurídicos ou princípios de direito dos princípios geraisdo direito.

Jerzy Wróblewski [1988:317] conceitua os primeiros, sucinta-mente, como regras, palavras (noms) ou construções que servem debase ao direito como fontes de sua criação, aplicação ou interpretação.

A expressão "princípios jurídicos" é, contudo, polissêmica.Genaro Carrió [1990:209-212] indica 7 focos de significação

assumidos pelo vocábulo "princípio", a partir deles enunciando nadamais nada menos do que 11 significações atribuíveis à expressão"princípio jurídico".

Jerzy Wróblewski [1988:318] arrola cinco tipos dele: "a) 'Prin-cipc positif du droit': c'est Ia norme explicitement formulée dans lelextc du droit positif, à savoir soit une disposition légale, soit uneIlonnc construite à partir des éléments contenus dans ces dispositions;h) 'Principe implicite du droit': c' est une regle traitée comme prémis-se ou conséquence des dispositions 1égales ou des normes; c) 'Princi-

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observação -, pretendo tenha sido eu o primeiro autor brasileiro aescrever, de modo detido e de forma sistemática, sobre esse "novoparadigma", dando-lhe a devida divulgação, em minha tese apresen-tada a concurso para professor titular da Faculdade de Direito da Uni-versidade de São Paulo, tese escrita em 1989 e publicada, em primei-ra edição, em 1990 [A Ordem Econômica na Constituição de 1988].Escrevi o capítulo dos princípios com muito entusiasmo, nutridosobretudo pela "descoberta", de Dworkin, de um texto de Jean Bou-langer - que Antoine Jeammaud me indicou - e de um texto de Cle-mente de Diego - que encontrei por acaso na biblioteca do MaxPlanck Institut de Hamburgo.

Não me afastarei, na exposição que passo a empreender, daque-la escrita em 1989, tendo o cuidado de atualizá-Ia sem, contudo, apreocupação de esgotar o tema. O que a mim ora importa sublinhar éa importância dos princípios para a interpretação do direito, que issoé que me leva a retomar ao temaY

II

OS PRINCÍPIOS

32. Permito-me sugerir ao leitor as seguintes indicações bibliográficas: Paulo 80-navides [2004:255 e ss.]. Luís Prieto Sanchís [1998] e Alfonso García Figueroa [19981.

42. Princípios jurídicos/princípios de direitoe princípios gerais do direito

A reprodução da situação relatada por Perelman - verdadeirasituação-limite - é suficientemente expressiva da circunstância deque um sistema ou ordenamento jurídico não será jamais integradoexclusivamente por regras. Nele se compõem, também, princípiosjurídicos ou princípios de direito.

A doutrina, bastante preocupada com a distinção entre princípiose regras e com a questão do conflito entre princípios, não tem enfa-tizado, como seria de se esperar, uma distinção anterior, que apartaos princípios jurídicos ou princípios de direito dos princípios geraisdo direito.

Jerzy Wróblewski [1988:317] conceitua os primeiros, sucinta-mente, como regras, palavras (noms) ou construções que servem debase ao direito como fontes de sua criação, aplicação ou interpretação.

A expressão "princípios jurídicos" é, contudo, polissêmica.Genaro Carrió [1990:209-212] indica 7 focos de significação

assumidos pelo vocábulo "princípio", a partir deles enunciando nadamais nada menos do que II significações atribuíveis à expressão"princípio jurídico".

Jerzy Wróblewski [1988:318] arrola cinco tipos dele: "a) 'Prin-cipe positif du droit': c'est Ia norme explicitement formulée dans letexte du droit positif, à savoir soit une disposition légale, soit unenorme construite à partir des éléments contenus dans ces dispositions;b) 'Principe implicite du droit': c'est une regle traitée comme prémis-se ou conséquence des dispositions légales ou des normes; c) 'Princi-

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pe extrasystémique du droit': c' est une regle traitée comme principe,mais qui n'est ni principe positif du droit, ni principe implicite dudroit; d) 'Principe-nom du droit': c' est le nom caractérisant les traitsessentiels d'une institution juridique; e) 'Principe-construction dudroit': c' est Ia construction du législateur rationnel ou parfait, presup-posée dans l'élaboration dogmatique du droit ou dans l'application etI' interprétation juridique".

produzido por Schmidt é rico em análises da jurisprudência francesa eantecipa questionamentos que somente ao final do século passaram aser enfrentados pela doutrina.

Já em 1955, em tese de Doutourado então defendida na Faculdadede Direito da Universidade de Paris, Jean Schmidt [1955] observa queo vocábulo "princípio" pode ser tomado em duplo sentido: (i) comofonte ou base; e (ii) como linha diretriz ou fio condutor. Apenas nestesegundo sentido será possível admitir-se que um princípio esteja sujei-to a exceções no seio do seu próprio domínio, pois uma linha diretriznão impede a presença de elementos divergentes [1955:4]. Na primeiraacepção, contudo - enquanto fonte ou base -, o princípio não admiteexceções, salvo as provenientes de um outro princípio, portanto estra-nhas ao seu domínio [1955:14]. Buscando uma noção científica de prin-cípio, Schmidt [1955:297] afirma que os princípios são extraídos da leimediante a interpretação, consubstanciando as idéias de base do direi-to, das instituições ou dos textos que os compõem. Nascendo da inter-pretação e surgindo como o resultado da assimilação, por um jurista, deum conjunto de textos - leis e jurisprudência inter-relacionadas - liga-dos entre si pela vontade deste jurista [1955:67], os princípios são rela-tivos, refletindo, seus conteúdos, a personalidade do intérprete[1955:297]. É importante notar que para Schmidt [1955:34] a persona-lidade do intérprete é decisiva na formulação de cada princípio, demodo que cada princípio será o resultado da assimilação de um texto(ou de textos) por um homem. O princípio é sugerido pelo texto, mas ointérprete aporta a ele uma parte de si; o temperamento de cada juristase integra ao que se extrai do texto para formar o princípio ("Ie tempé-rament de chaque juriste s' integre à ce qui dégage du texte, pour forme rle principe"). Então, o princípio é uma idéia, base de um texto, quenasce da interpretação, ao mesmo tempo intuição e método, e que surgecomo o resultado da assimilação de um texto por um jurista." O texto

Antoine Jeammaud [1982:618] distingue os principios gerais dodireito daqueles que denomina principios jurídicos que constituemregras jurídicas.

Os principios jurídicos que constituem regras jurídicas nãopodem ser valorados como verdadeiros ou falsos, mas tão-somentecomo vigentes e/ou eficazes ou como não-vigentes e/ou não-eficazes.Pertencem à linguagem do direito.

Já os principios gerais do direito pertencem à linguagem dosjuristas. São proposições descritivas (e não normativas) através dasquais os juristas referem, de maneira sintética, o conteúdo e as gran-des tendências do direito positivo.

Inúmeras vezes, no entanto - prossegue Antoine Jeammaud -,um principio geral do direito é usado pela jurisprudência para funda-mentar urna decisão. Diz-se, neste caso, que o princípio é "descober-to" no ordenamento positivo. O princípio descritivo é assim transfor-mado em princípio "positivado"34 de inspiração doutrina!. Principiogeral do direito é, assim, para Antoine Jeammaud, princípio aindanão "positivado", mas que pode ser formulado ou (re)formulado pelajurisprudência.

Se tornarmos da classificação proposta por Wróblewski, teremosque os principios positivos que constituem regras jurídicas corres-pondem aos principios positivos do direito; trata-se de textos norma-tivos explicitamente formuladas no contexto do direito positivo. Jáentre os principios gerais do direito encontraremos os principiosexplícitos do direito, os principios extra-sistêmicos do direito, osprincipios nominais do direito e os principios-construção do direito.

Tanto à exposição de Antoine Jeammaud quanto à de Wróblews-ki,35 no entanto, há dois reparos a serem opostos.

33. Veja-sebem que. aí. o princípio não é norma, mas anterior ao próprio textoda norma.

34. Jeammaud usa a expressão "princípio-regra" [idem, ibidem].35. Wróblewski [1988:318] afirma que os princípios positivos do direito, os

princípios implícitos do direito e os princípios extra-sistêmicos do direito consubs-tanciam regras.

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É que, de um lado, os princípios jurídicos/princípios de direitonão consubstanciam regras de direito. Mercê disso, de resto, é quesão princípios - e não regras.

Ambos, por outro lado, incidem no erro de confundir os princípiosjurídicos/princípios de direito "não-positivados" com os princípios ge-rais do direito - precisamente a superposição que recuso. Os primeirosnão resultam da positivação de princípios gerais do direito, como vere-mos a seguir.

do Direito, no nível conceitual (v.g., ordenamento jurídico, sujeito dedireito, direito subjetivo, poder, obrigação, capacidade, competênciaetc.) [Crisafulli 1941:257-261].

Assim, teremos, compondo aquela ordem, os princípios explíci-tos e os princípios implícitos - estes últimos descobertos em textosnormativos do direito posto ou no direito pressuposto de uma deter-minada sociedade.

Desde a análise da Constituição francesa, Antoine Jeammaud[1982:619] indica a existência (positivada), nela, do que denominaprincípios-nomza com valor constitucional e de princípios fundamen-tais, inicialmente referindo-se, entre estes últimos, àqueles que circuns-crevem o domínio da lei em sentido formal (cL art. 34 do texto consti-tucional francês). Esses "princípios fundamentais" significam asgrandes linhas das instituições referidas pelo art. 34, 4, da ConstituiçãoFrancesa ("4. A lei prescreve os princípios fundamentais sobre: A orga-nização geral da defesa nacional; A livre administração das coletivida-des locais, as suas atribuições e os seus recursos; O ensino; O regimeda propriedade, dos direitos reais e das obrigações civis e comerciais;O direito do trabalho, o direito sindical e a segurança social"), quesomente podem ser definidas ou alteradas através de lei em sentido for-mal. A qualificação - "fundamentais" - não confere a esses "princí-pios" nenhum valor excepcional. A expressão, no contexto desse art.34, designa as regras que somente à lei cabe editar, modificar ou der-rogar e os objetos dessas regras, isto é, as relações que elas apreendeme os mecanismos que elas organizam. Outro - prossegue Antoine Jeam-maud [1982:620] - é o sentido dos princípios fundamentais (estes, sim,dotados de autoridade suprema, embora não continentes de verdadeirosenunciados normativos) a que faz alusão o "Preâmbulo" da Constitui-ção Francesa ("Alcançada a vitória dos povos livres sobre os regimesque tentaram sujeitar e degradar a pessoa humana, o Povo Francês pro-clama de novo que todo ser humano, sem distinção de raça, religião oude crença, possui direitos inalienáveis e sagrados. Reafirma, por isso,solenemente os direitos, as liberdades do homem e do cidadão consa-grados pela Declaração de Direitos de 1789 e os princípios fundamen-tais reconhecidospelas leis da República" - grifei). Aí se cuida, em umprimeiro momento, de princípios "descobertos" nas leis da República,

Define-se o direito, enquanto sistema, como uma ordem axioló-gica ou teIeológica de princípios gerais [Canaris 1989:77].

Cumpre, a esta altura, indagar, portanto, quais princípios com-põem essa ordem.

De início, evidentemente, teremos os princípios explícitos, reco-lhidos no texto da Constituição ou da lei.

Além dess~s, também compõem aquela ordem os princípiosimplícitos, inferidos como resultado da análise de um ou mais precei-tos constitucionais ou de uma lei ou conjunto de textos normativos dalegislação infraconstitucional.36 Aí teremos, por exemplo, o princípioda motivação do ato administrativo (art. 93, X, da Constituição) e oprincípio da imparcialidade do juiz (arts. 95, parágrafo único, e 5!!,XXXVII, da Constituição).

Por fim, a compõem ainda os princípios gerais de direito, tam-bém implícitos, coletados no direito pressuposto, qual o da vedaçãodo enriquecimento sem causa. Note-se bem que estou a referir, aqui,princípios gerais de direito, e não os chamados "princípios gerais dodireito" .

Não se confundem, evidentemente, os princípios gerais do direito,menos ainda os princípios gerais de direito, com os assim chamados poralguns de "princípios teoréticos", elaborados no âmbito da Teoria Geral

36. Luís Prieto Sanchís [1998:50] diz que esses princípios são "conseqüênciasinterpretativas".

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que são promovidos à categoria de princípios-nonna com valor consti-tucional. Em um segundo momento cogita-se de um certo número de"princípios políticos, econômicos e sociais" expressamente enumera-dos, proclamados como "particularmente necessários ao nosso tempo".A respeito dos princípios-nonna com valor constitucional, observaAntoine Jeammaud [1982:620-621]: "Introduits en 1946 pour des rai-sons tout a fait contingentes et sans intention délibérée de propulsercertaines dispositions des lois antérieures au sommet de Ia hiérarchiedes normes, Ia formule finale de cette proposition est demeurée prati-quement inaperçue jusqu'à sa redécouverte par le Conseil Constitution-nel en 1971. 11y a donc tout juste dix ans que le juge constitutionnel ainvoqué pour Ia premiere fois cette promotion des 'principes fonda-mentaux reconnus par les lois de Ia République' pour considérer que leprincipe de Ia liberté d'association posé par une loi de 1901 était passédu rang de norme à valeur législative à Ia dignité de regle à valeur cons-titutionnelle et rendait ainsi contraire à Ia Constitution Ia dispositiond'un projet de loi adopté par le Parlement instaurant un contrôle préa-lable de Ia formation des associations. Cette découverte ou redécouver-te d'une 'nouvelle catégorie constitutionnelle', selon le mot du profes-seur J. Rivero, a inauguré une extension du contrôle de Ia régularitéjuridique des lois votée par un Parlement alors trop enclin à adopter lesprojets de lois soumis par le gouvernement. Elle a incité à rechercherquelles dispositions expresses ou principes implicites de lois déjà envigueur méritaient cette qualification et Ia promotion hiérarchique quiy est attachée. 11ne peut s'agir à I'évidence que de normes ayant voca-tion, par leur contenu même, à s'appliquer à toutes les situations con-crétes, existantes ou éventuelles, relevant d'un même geme et entrete-nant un lien étroit avec les 'valeurs' sur lesquelles est censée reposerl'organisation sociale française. 11doit s'agir, d'autre part, de 'lois de IaRépublique, c'est-à-dire de textes législatifs promulgués depuisI'instauration durable du régime républicain il y a un siecle, mais aussisans doute de certaines lois datant de l' époque de Ia Révolution amor-cée en 1789. Jusqu'au changement politique récemment intervenu, onpouvait estimer que constituaient de tels principes fondamentaux uncertain nombre de regles traduisant I'idéologie libérale et déjà énoncéesou impliquées par des lois positives". Sintetizando a exposição deAntoine Jeammaud, teremos na Constituição Francesa - e me refiro,neste passo, exclusivamente à categoria dos princípios jurídicos positi-vados (= explícitos): (i) uma alusão a "princípios fundamentais" - no

art. 34 - "princípios" que, embora como tal designados, não são princí-pios jurídicos (o vocábulo "princípio" assume, no contexto desse art.34, 4, o foco de significação que Carrió [1990:209] refere como expres-sivo de "parte importante de algo", de "núcleo básico"); (ii) "princípiosfundamentais" - os do "Preâmbulo", primeira parte - "descobertos" nasleis da República, que são promovidos à categoria de princípios-normacom valor constitucional; (iii) "princípios fundamentais" expressamen-te enumerados no "Preâmbulo", segunda parte, que também se com-põem como princípios-norma com valor constitucional.

44. O direito posto e o direito pressuposto

A alusão ao direito posto e ao direito pressuposto de uma deter-minada sociedade reclama breve esclarecimento.

Tenho sustentado que o direito, enquanto nível do todo social -dado que consubstancia um discurso ou uma linguagem dele -, é ele-mento constitutivo do modo de produção social. Assim, ele já seencontra no interior da estrutura social anteriormente à sua expressãocomo direito moderno, vale dizer, produzido pelo Estado. O que sus-tento, resumidamente, é o seguinte: a forma jurídica é imanente àinfra-estrutura, como pressuposto interior à sociedade civil, mas atranscende enquanto posta pelo Estado, como direito positivo.

O Estado põe o direito - direito que dele emana - que até entãoera uma relação jurídica interior à sociedade civil. Mas essa relaçãojurídica que preexistia, como direito pressuposto, quando o Estadopõe a lei toma-se direito posto (direito positivo).

Assim, o direito pressuposto brota da (na) sociedade, à margemda vontade individual dos homens, mas a prática jurídica modifica ascondições que o geram.

Em outros termos: o legislador não é livre para criar qualquerdireito posto (direito positivo), mas este mesmo direito transformasua (dele) própria base. O direito pressuposto condiciona a elabora-ção do direito posto, mas este modifica o direito pressuposto.

O direito que o legislador não pode criar arbitrariamente - insis-to - é o direito positivo. O direito pressuposto condiciona a produçãodo direito posto (positivo). Mas o direito posto transforma sua (dele)própria base.

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Isso significa - afirmo-o em outros termos - que o direito pres-suposto condiciona a elaboração do direito posto (direito positivo),mas este modifica o direito pressuposto.

A exposição dessa tese desenvolvi-a em meu O Direito Posto eo Direito Pressuposto [2003], ao qual remeto o leitor.

A alusão ao direito posto e ao direito pressuposto me faz reto r-nar ao quanto tenho afirmado no sentido de que não há que falarmos,concretamente, no direito, senão nos direitos.

É que afirmar que o modo de produção da vida social determinao direito é afirmar que o direito pressuposto é um produto cultural.Cada modo de produção produz a sua cultura e o direito pressupostonasce como elemento dessa cultura.

O modo de produção capitalista, modo de produção essencial-mente jurídico, reclama por um direito posto, construído sobre o seudireito pressuposto - direito pressuposto, esse, que é elemento cons-titutivo dele, modo de produção capitalista.

Daí por que - repito - não me parece possível cogitarmos dodireito. A análise histórica conduz à verificação de que a cada modode produção pertence um direito próprio e específico. Cada direito, emcada modo de produção puro, é expressão de um direito pressuposto.

Em cada sociedade estatal, no entanto, coexistem vários modosde produção social, ainda que um deles seja característico dela. Ora,ainda que domine, nela, o direito pressuposto do modo de produçãodominante, o direito posto de cada sociedade é resultante da coexis-tência histórica de todos esses modos de produção [Poulantzas1967: 154-155].

Essa circunstância é que explica a especificidade de cada direito,em cada sociedade. Não se trata mais, neste passo, de afirmar quecada modo de produção pressupõe a existência do seu direito, senãode afirmar que em cada sociedade manifesta-se um determinadodireito, produto da coexistência do direito pressuposto do modo deprodução dominante nessa sociedade com os direitos pressupostos deoutros modos de produção que, nessa sociedade, coexistam com omodo de produção dominante.

Lembro aqui a ironia de von Jhering [1987:262] ao referir a pro-fissão-de-fé jusfilosófica de quantos pretendam ser admitidos ao céudos conceitos jurídicos: "O homem carrega em seu sentimento jurídico,que, por lhe ter sido conferido pela Natureza, é sempre o mesmo emtodos os povos e em todas as épocas, todas as verdades jurídicas gerais;a diversidade histórica dos direitos, que parece ser incompatível comisso, deve ser imputada em parte à imperfeição do pensamento, emparte ao direito positivo, que é movido pelo arbítrio ou por merasrazões de conveniência" ...

46. Direito pressuposto e princípios

Os princípios gerais de direito - princípios implícitos, existentesno direito pressuposto - não são resgatados fora do ordenamento jurí-dico, porém descobertos no seu interior. Vamos deixar isso muitoclaro, para que nenhuma dúvida a respeito possa ser levantada: essesprincípios, se existem, já estão positivados; se não for assim, delesnão se trata.

Para que possamos conscientemente falar de um direito - o direi-to aplicado em um determinado Estado - previamente haveremos denos conscientizar do quanto observei linhas acima: em cada socieda-de manifesta-se um detenninado direito.

Importa observarmos, pois, que os princípios de direito que des-cobrimos no interior do ordenamento jurídico são princípios desteordenamento jurídico, deste direito.

Os princípios em estado de latência existentes sob cada ordena-mento - isto é, sob cada direito posto - repousam no direito pressu-posto que a ele corresponda. Neste direito pressuposto os encontramosou não os encontramos; de lá os resgatamos, se nele preexistirem.

Por certo há princípios de épocas históricas, princípios que sereproduzem de modo razoavelmente uniforme em múltiplos direitospressupostos. Isso não invalida, contudo, a verificação de que mesmoesses princípios históricos se manifestam - ou não se manifestam -nos direitos pressupostos que a cada direito positivo correspondam.

Exemplifico com o chamado "princípio do Estado de Direito".Sua construção certamente pode ser identificada como projeto comum;IS sociedades que transitam do autoritarismo à democracia. Mas é

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certo, também, que, a menos que pensemos a idéia de Estado de Direi-to como um desdobramento de um hipotético direito natural racional- o que recuso -, em cada direito pressuposto se manifesta, como seu,o princípio do Estado de Direito.

O que ora importa neste passo enfatizarmos é que o direito pres-suposto é a sede dos princípios.

legislativa e jurisprudencial, de onde o juiz os extrai através de umaespécie de trabalho de interpretação".

No mesmo sentido, Georges VedeI [1980:378] observa que "unprincipe général procede non d'une invention, mais d'une découvertedujuge".

A doutrina, ao elaborar essas proposições descritivas, nada inven-ta ("non inventa nulla"); apenas se limita "a dare adeguata espressioneconcettuale a qual cosa che trova già, come un dato, piu ameno espli-cito, nell' ordinamento aI quale quella costruzzione dogmatica si riferis-ce (e daI quale, pertanto, dipende essenzialmente" [cf. Crisafulli1941:261-262]. No mesmo sentido, F. Clemente de Diego [1916:294].

Ao final do século XIX, Michoud [apud Gény 1919:40, nota derodapé] afirmava a possibilidade de resultar de um conjunto de textosum princípio jurídico neles não taxativamente expresso, mas que, delesdeduzido pelo intérprete, assuma valor idêntico ao de uma regra tex-tualmente escrita em lei; Michoud salientava, porém, que esse princí-pio haveria de se encontrar em germe no texto, vale dizer, deveriaexpressar o modo como o legislador concebe as relações sociais - digo-o em outras palavras: expressar aquela que seria a vontade do legisla-dor -, e não como as concebe o intérprete, com a liberdade de umainvestigação filosófica.

Tais princípios - como observa Q. Mucius Scaevola [apud Cle-mente de Diego 1916:290] - gozam de vida própria, de valor substan-tivo ... mas depois do Código - refere-se ao Código Civil Espanhol -têm vida civil; "así como el ser que nace tiene vida física esté o no ins-crito en el Registro, y este sólo confirma civilmente tal sentencia, así elCódigo en su art. 8" únicamente ha venido a ratificar el valor de losprincipios de derecho".

Cumpre considerar ainda neste passo a exposição de Karl Larenz arespeito do tema. Os princípios jurídicos são os pensamentos diretivosde uma regulação jurídica existente ou possível; não são, em si mesmos,suscetíveis de aplicação, como se fossem regras, ainda que possamtransformar-se em regras. Quando remetem a um conteúdo intelectivoque conduz a uma regulação, são princípios "materiais", embora care-çam ainda do caráter formal de proposição jurídica, expresso na cone-xão entre uma hipótese (Tatbestand) e uma estatuição (Rechtsfolge). Osprincípios apenas indicam a direção na qual está situada a regra quecumpre encontrar [1979:23-24; 1985:32-33]. São pautas orientadoras da

47. A não-transcendência dos princípios 37

O que desejo afirmar, enfaticamente, é a não-transcendência dosprincípios implícitos, princípios gerais de um determinado direito.

Sua "positivação" não se dá mediante seu resgate no universo dodireito natural, como tantos supõem; ela não é constituída, essa "posi-tivação", mas simplesmente reconhecida no instante do seu descobri-mento (do princípio) no interior do direito pressuposto da sociedadea que corresponde. Vamos ser bem claros: eles não são "positivados",visto já serem positivos. É uma tolice imaginar-se que o juiz, o juris-ta, o doutrinador, possa ser autor da alquimia de transformar algo exa-tamente no que esse algo sempre fora.

Os princípios - diz Jean Boulanger [1950:66-67] - existem, aindaque não se exprimam ou não se reflitam em textos de lei. A jurispru-dência limita-se a declará-ios; ela não os cria. O enunciado de umprincípio não-escrito é a manifestação do espírito de uma legislação.

"Não escritos - diz François Ewald [2000:68] -, os princípiosgerais do direito não são 'inventados' pelo juiz, mas 'descobertos' porele. Pretende-se, desse modo, sublinhar que o juiz não é o autor deles,prevenir a acusação de arbitrariedade na sua formulação, distinguir orecurso aos princípios gerais do direito de juízo em eqüidade. O essen-cial é que eles sejam exteriores ao juiz, que reconduzam a uma objecti-vidade jurídica". E prossegue Ewald, citando W. J. Ganshof van derMeersch: "Eles formam-se independentemente do juiz mas, uma vezformados, impõem-se a ele. O juiz é encarregado de assegurar o respei-to por eles. Eles residem, como que em estado latente, na tradição jurí-dica, na Declaração dos Direitos, nos textos constitucionais, na prática

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normação jurídica que, mercê de sua força de convicção, podem justifi-car decisões jurídicas; expressam especificações da idéia de direito[1983:294-295 e 347; 1980:418 e 465]. O princípio é o primeiro passona consecução de uma regulação, passo ao qual devem se seguir outros.Não é obtido mediante a generalização da regra; pelo contrário: para quese o obtenha é necessário um retomo desde a regulação até os pensa-mentos que sob ela subjazem e em razão dos quais a regulação surgecomo algo dotado de sentido; a suposição de que sob determinada regraexista um princípio concreto é, para o jurista, uma hipótese de trabalho,que encontra confirmação desde que nela se possa encontrar um pensa-mento diretor ao qual seja possível conduzir suas disposições concretas,de sorte tal que estas componham um conjunto dotado de sentido[1979:25-26; 1985:35]. Assim - prossegue Larenz -, o que Dolle cha-mou de "descobrimento jurídico" (Juristische Entdeckung) não é senãoa formulação, pela primeira vez, de um determinado princípio (ou de umnovo âmbito de aplicação dele), mediante o qual ele se torna apto a con-verter-se em parte integrante do direito, como um todo com sentido(Sinnganzen) [1983:295, 1980:419].

Poulantzas [1965:313] procura discemir a relação existente entreos princípios gerais do direito e a noção de visão do mundo; esta noçãoconstitui a totalidade significativa da situação global de uma sociedadeem um momento da história; toda estrutura jurídica específica pode serreduzida mais ou menos imediatamente a essa visão; os princípios geraisdo direito constituem precisamente mediações significativas entre visãodo mundo e estruturas específicas do direito; constituem, enquanto dire-trizes normativas gerais de uma ordem jurídica, as concretizações - osobjetivos imediatos do direito - da visão do mundo e, como tais, osdegraus significativos da passagem da estrutura jurídica a esta visão.

"Os princípios constitucionais - observa Cárcova [1996:208] -são construções históricas incorporadas ao Estado de Direito e ao fun-cionamento de uma sociedade democrática".

Sobre a construção de princípios pelo Conselho Constitucional epelo Conselho de Estado Francês, v. Franck Moderne [1998:495-518].

não enunciados em texto escrito, nesse ordenamento estão contem-plados, em estado de latência.

Crisafulli [1941:48] refere como princípios gerais "quei principi[atenti ne1 sistema deI diritto positivo" (grifei).

A propósito, observa Francesco Ferrara [1978: 160]: "Todo o edi-fício jurídico se alicerça em princípios supremos que formam as suasidéias directivas e o seu espírito, e não estão expressos, mas são pres-supostos pela ordem jurídica. Estes princípios obtêm-se por indução,remontando de princípios particulares a conceitos mais gerais, e porgeneralizações sucessivas aos mais elevados cumes. E é claro quequanto mais alto se leva esta indução, tanto mais amplo é o horizonteque se abrange".

Lembro que estou a cogitar, aqui, dos princípios que, embora nãoexpressamente enunciados no direito posto, existem, em estado delatência, sob o ordenamento positivo, no direito pressuposto.

Isso não significa, contudo, que cada ordenamento jurídico con-temple todos os princípios gerais de direito. Um certo ordenamentojurídico contemplará um determinado elenco deles; em outro, diversoe distinto elenco de princípios gerais de direito estará contemplado. Apropósito, enfatiza Clemente de Diego [1916:294]: "Pensar en otrosprincipios distintos de los que están embebidos en Ia obra generallegislativa y de derecho de un pueblo para componer y gobemar ycompletar el edifício de un derecho positivo era tanto como abrir Iapuerta a Ia introdución de regIas exóticas que destruyesen Ias líneas deéste y entronizar Ia confusión y el desorden y Ia arbitrariedad allídonde deben reinar Ia claridad, Ia armonía y Ia precisión y seguridad".

Insisto: em cada ordenamento jurídico subjazem determinadosprincípios. Cuida-se de princípios gerais desse direito - que, embora

Aqui, mais uma vez, a exposição de Clemente de Diego [1916: 293-294] é primorosa: "( ...) los principios aludidos son, por el pronto, losinformadores de nuestro derecho. Ellegislador, ai formular Ias normasconcretas de un derecho positivo, traduze y desarrolla los principios quese dan en su conciencia; pero con ello no hace obra de creación indivi-dual, porque sin negar sus legítimos inf1ujos e iniciativas esos principiosestán dados objectivamente en Ia conciencia popular, en el material deIderecho histórico, en Ia realidad social. El derecho positivo no es mero

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producto de Ia voluntad deI legislador, no es pura creación de su mente,es un producto sociológico, es una creación de Ia sociedad. Cada pueblotiene su sistema jurídico propio, aun compuesto de diversos elementospositivos; 'a un examen diligente aparecen coligados y como partes de unverdadero y propio organismo'. Los principios elaborados en el seno deIa sociedad por obra, en definitiva, no hay necesidad de decido, de Iarazón individual permanecen como en el subsuelo de Ias formacionesjurídicas; el10s alumbran ai legislador y aI obscuro iniciador deI derechoconsuetudinario, lIevan Ia dirección deI progreso jurídico y forman comoIa reserva normal de Ias nuevas apariciones o creaciones de derecho. Evi-dente nos parece que en ese primer aprovechamiento de Ias principios noquedaran éstos agotados y como consumidos y dispersos en Ias normasparticulares dictadas por ellegislador, y es natural suponer que, aI invo-car éste Ias principios generales de derecho para suplir Ias lagunas de susdisposiciones, habrá querido referirse a aquellos principios que ya utili-zó, y cuyo rico contenido ofrece como espléndida cantera para Ia forma-ción de nuevas regIas" [v. também p. 303].

Afirma Jean Boulanger: os princípios não são exteriores à ordemjurídica positiva [1950:53]; são elementos da ordem jurídica [p. 55];existem, ainda que não estejam refletidos, explicitamente, nos textos delei, e a jurisprudência se limita a declará-Ias [p. 67]. Neste sentido, tam-bém, Perelman [1979:104]. Menezes Cordeiro [1989:6] descreve oprincípio jurídico como "uma fórmula conseguida por elaboração cien-tífica e destinada a retratar os grandes vectores da ordem jurídica,exprimindo orientações presentes em várias normas, influindo na con-formação das fontes e interferindo directamente, em certos casos, nassoluções concretas".

Assim, a afirmação de que as fontes do direito são a lei, os costu-mes e os princípios gerais do direito é falaciosa, visto que os princípiosexplícitos estão na Constituição; e os que são extraídos da Constituiçãoou de leis são, como diz Luís Prieto Sanchís [1998:50), "conseqüênciasinterpretativas" .

49. (segue)

Os princípios gerais de direito não constituem criação jurispru-dencial, por um lado, nem preexistem, por outro, externamente aoordenamento. Assim, a autoridade judicial, ao tomá-Ios de modo de-cisivo para a definição de determinada solução normativa, simples-mente comprova a sua existência no bojo do ordenamento jurídico,do direito que aplica.

Os princípios gerais de direito são, assim, efetivamente desco-bertos no interior de determinado ordenamento. E o são - repito-o -justamente porque neste mesmo ordenamento (isto é, no interior dele)já se encontravam, em estado de latência.

Não se trata, portanto, de princípios que o aplicador do direito ouo intérprete possa resgatar fora do ordenamento, em uma ordemsuprapositiva ou no direito natural. Insista-se: eles não são descober-tos em um ideal de "direito justo" ou em uma "idéia de direito".

Trata-se - e neste passo desejo referir explicitamente os princípiosdescobertos no seio de uma Constituição - de princípios que, emborana Constituição não expressamente enunciados, no seu bojo estão inse-ridos [Canotilho 1982:278 e nota 147]. Afasta-se, assim, a construçãode Karl Larenz [1979] em torno da noção de um "direito correto". Afas-ta-se também, por outro lado, a tese da inconstitucionalidade das nor-mas constitucionais quando fundadas em direito supralegal não positi-vado [Bachof 1977].

É imperioso, aqui, enfrentarmos, sem temor, o ponto crítico nestestermos formulado por Feuerbach [apudEsser 1961:15 e 14]: "é neces-sário sair do positivo para tomar a entrar no positivo".

Luís Díez-Picazo [1983:205-206] observa que a tradição de umpaís ou a ideologia nele dominante podem dar origem a princípios queem riaor nada têm a ver com o direito natural, qualquer que seja a for-ma s~b a qual seja este entendido. O problema da admissão ou não-admissão da sucessão causa mortis, da regulação dela pela lei ou se-aundo a vontade do sucedido e da identificação de quais devem ser osc . ,,'herdeiros pode dar origem - prossegue Díez-Picazo - a um pnnClplOgeral de direito, sem que se o possa atribuir a verdades derivadas darazão natural, da natureza das coisas ou a verdades objetivamente deri-vadas da lei divina. Observa Camelutti [1936:120-121]: "1 principigenerali non sono dunque qualche cosa che esista fuori dal dirittoscritto, ma dentro il medesimo, poiche non si ricavano da altro che

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dalle norme costituite. Sono dentro il diritto scritto come I'alcool edentro il vino; sono 10 spirito o Ia essenza della legge. Percio sonoprincipi di diritto positivo, non di diritto naturale o di diritto storico; Iastoria o Ia filosofia non sono cio da cui si ricavano, ma eventualmen-te cio con cui si ricavano i principi generali dalle norme costituite, cioemezzi per Ia interpretazione di queste; somigliano ai reagenti adope-rati per poterne estrarre meglio Ia essenza". De resto, quanto à "idéiade direito", se não há o direito - senão os direitos -, inúmeras são as"idéias de direito".

prendidas en el marco de Ia ley y de Ia costumbre; Ia indeterminación,vaguedad y generalidad que son como consustanciales a su naturaleza;Ia fecundidad y flexibilidad maravilIosas de que están dotados por supropia esencia, no son bastante a justificar un arbitrio soberano y capri-choso en el juzgador para formular decisiones subjetivas y producirnovedades inconsideradas que pugnen de todo en todo con el ordenjurí-dico constituído. Precisa no olvidar el carácter evolutivo con que ha sidoconcebida nuestra codificación civil (base lª), y Ias cautelas y garantíasy limitaciones con que se pretende llevar a cabo Ia reforma decenal (dis-posiciones adicionales). La necesidad de Ia integración deI derecho civilen el momento presente, en Ia aplicación diaria de uno y otro momento,está servida, decíamos, en el art. 6º dei Código, con Ia gradación esta-blecida de Ias fuentes normativas civiles; Ia necesidad de Ia integraciónin futurum, remozando Ias instituciones deI derecho civil, está servida enIas disposiciones adicionales. Aquél está dictado principalmente para eljuzgador, éstas para el legislador futuro y directamente para sus inme-diatos colaboradores. Si para el propio legislador y sus inmediatos cola-boradores se quisieron y se dictaron esas limitaciones, l,cómo no habránde quererse para todos los demás que participan de algún modo, y no poruno tan eminente, en Ia elaboración y progreso deI derecho? Instrumen-to tan delicado y fecundo como el de Ia producción de derecho o inven-ción jurídica que no sin garantías se quería en manos deI legislador,l,cómo había de ponerse sin ninguna garantía en manos de los intérpre-tes y aplicadores deI derechoT' [1916:294-295]. "Si el que tiene en susmanos el poder legislativo para dar soberanas decisiones en abstracto yaprióricas reglamentaciones de Ias relaciones sociales creyó prudentelimitar y enfrenar su arbitrio, l,cómo había de otorgarle supremo e ilimi-tado aI poder judicial para dar sus decisiones concretas, según Ias cir-cunstancias de cada caso?" [1916:296].

Importa deixar bem vincada, assim, a circunstância de os princí-pios gerais de direito integrarem também, ao lado dos princípios jurí-dicos explícitos, o direito positivo.

Tomo, nesta afirmação, de uma versão de "direito positivo" diver-sa da concebida por Kelsen e também por Hart. A propósito, note-se quea crítica de Carrió [1990:233] à exposição de Dworkin encerra esforçode demonstração de que os princípios jurídicos fazem parte do direito,tal como visualizado desde o ponto de vista do "positivismo jurídico" deHart; Carrió, contudo, observa que isso - a inclusão dos princípios nodireito positivo - não é possível dentro da versão positivista de Kelsen.

Dessa verificação são extraídas outras relevantes conseqüências,a primeira das quais respeita à circunstância de que, em realidade - edisso tratarei mais adiante -, inexiste discricionariedade judicial: ojuiz, mesmo ao se deparar com hipóteses de lacunas normativas, tomadecisões vinculado aos princípios gerais de direito.38

Inexiste, assim, a possibilidade da "livre criação do direito", vistoque esta se reduz à pesquisa dos princípios [v. Jean Boulanger 1950:65].Sem me constranger por tanto admirar o texto de Clemente de Diego[1916], reporto-me, mais uma vez, a trechos nele colhidos: "La ilimita-ción con que se ofrecen los principios, ya que ellos son in ultil1lul1lsub-sidiul1l fuente de solución para todas Ias cuestiones jurídicas no com-

Paralelamente a isso, convém lembrarmos que a aplicação dodireito não pode ser reduzida meramente a um exercício de aplicaçãode uma regra ou de um princípio: o que se aplica, sempre, é o direi-10, e não normas jurídicas, isoladamente. Ainda quando o Poder Judi-ciário - a fim de que um direito com aplicação imediata constitucio-nalmente assegurada possa ser exeqüível- deva dar por escrito certotexto normativo, caso por caso, o que produz, em cada decisão quetomar, é direito, e não norma isolada.

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A respeito deles, observa Celso Antônio Bandeira de MelIo[2004:841-842]: "Princípio - já averbamos alhures - é, por definição,mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposi-ção fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lheso espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteli uên-. b

Cla exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema norma-tivo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhe-cimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partescomponentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positi-vo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma.A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específicomandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a maisgrave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o esca-lão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo osistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissí-vel a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra".

Agustín Gordillo [1966: 176-177], após afirmar que o princípio é,ao mesmo tempo, norma e diretriz do sistema jurídico, informando-ovisceralmente, averba: "Diremos entonces que los principios de dere-cho público contenidos en Ia Constitución son normas jurídicas, perono sólo eso; mientras que Ia norma es un marco dentro deI cual existeuna cierta libertad, el principio tiene sustancia integral. La simple nor-

ma constitucional regula el procedimiento por el que son producidas Iasdemás normas inferiores (ley, reglamento, sentencia) y eventualmentesu contenido: pero esa determinación nunca es completa, ya que Ianorma superior no puede ligar en todo sentido y en toda dirección elacto por el cual es ejecutada; el principio, en cambio, determina enforma integral cual ha de ser Ia sustancia deI acto por el cual se 10 eje-cuta. La norma es límite, el principio es límite y contenido. La normada a Ia ley facultad de interpretarIa o aplicarIa en más de un sentido, yel acto administrativo Ia faculdad de interpretar Ia ley en más de un sen-tido; pero el principio establece una dirección estimativa, un sentidoaxiológico, de valoración, de espíritu. El principio exige que tanto Ialey como el acto administrativo respeten sus límites y además tengan sumismo contenido, sigan su misma dirección, realicen su mismo espíri-tu. Pero aún más, esos contenidos básicos de Ia Constituición rigen todaIa vida comunitaria y no sólo los actos a que más directamente se refie-ren o a Ias situaciones que más expresamente contemplan".

Afirma Geraldo Ataliba [2004:33]: "Mesmo no nível constitucio-nal há uma ordem que faz com que as regras tenham sua interpretaçãoe eficácia condicionadas pelos princípios. Estes se harmonizam, emfunção da hierarquia entre eles estabelecida, de modo a assegurar plenacoerência interna ao sistema (a demonstração cabal disso está em JuanManuel Terán, Filosofia deI Derecho, p. 146)". Cuida-se, aqui, de hie-rarquia substancial, diversa da hierarquia puramente formal, que resul-ta dos critérios de distribuição de competências entre os órgãos do Esta-do; esta última, fonnal, a hierarquia postulada - e demonstrada - porKelsen [v. Luís Díez-Picazo 1983: 199]. V. também Josef Esser[1961:90-91]. Também ütto Bachof [1977:40 e ss.]. José Souto MaiorBorges, em parecer inédito, aponta uma hierarquia de importância mes-mo entre os princípios constitucionais, na qual surge com proeminên-cia substancial o princípio da isonomia, que "penetra, como uma linfa,os demais direitos e garantias constitucionais, perpassando-lhes o con-teúdo normativo". A existência de hierarquia entre princípios, aliás, jáa afirmava Clemente de Diego em seu artigo de 1916 [1916:293]. Deoutra parte, José Joaquim Gomes Canotilho, na 4ª edição do DireitoConstitucional [1987], visualiza a Constituição como um sistema inter-no, "assente em princípios estruturantes fundamentais, que, por suavez, assentam em subprincípios e normas constitucionais concretizado-ras desses mesmos princípios. Quer dizer: a Constituição é formada por

50. Importância dos princípios

. A importância dos princípios é enorme. Tamanha, que da suamser~ão .no ~lano constitucional resulta a ordenação dos preceitosconstItucIOnaIS segundo uma estrutura hierarquizada. Isso no sentidode que. a interpretação das regras contempladas na Constituição édetermmada pelos princípios, como veremos mais adiante.39

?s pri~~ípios, segundo.Larenz [1979:24; 1985:33], cumprem umafim~a:! p~sl:l~a - que c~nsIste no influxo que exercem em relação às?eClSOeSJundIcas e, aSSIm,no conteúdo de regulação que tais decisõesInstalam - e umafunção negativa - que consiste na exclusão de valo-res contrapostos e das normas que repousem sobre esses valores.

39. Neste sentido, Jean Boulanger [1950:56-57].Boulangerafirma mais a exis-tência de hierarquia entre princípios [1950:72]. ~ ,

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normas e princípios de diferente grau de concretização (= diferentedensidade semântica)" [1987:129]. Assim, temos, em posição hierár-quica, princípios estruturantes, princípios constitucionais gerais, prin-cípios constitucionais especiais e nonnas constitucionais [1987:131]-confronte-se este trecho com o logo adiante referido, de p. 81 da 3ª edi-ção [1983] [na 4ª edição, 1987:69]. Wrób1ewski [1985:49-50] afirmasituarem-se os princípios, no sistema, em posição hierárquica superioràs demais regras (normas) jurídicas.

Por certo que mesmo nesse nível atuam - e essa verificação ter-se-á tomado evidente no relato de Perelman - princípios gerais de direito.

o próprio José Joaquim Gomes Canoti1ho [1983] - embora susten-te, firmemente, que todas as nomzas da Constituição têm o mesmo valor,daí derivando que é insustentável a tentativa de supra e infra-ordenaçãode normas constitucionais, quer para distinguir entre "normas constitu-cionais fortes" e "normas constitucionais fracas" [Maunz], quer para a1i-cerçar a doutrina de normas constitucionais inconstitucionais [Bachof][1983:81] - predica que os princípios constitucionais "fornecem semprediretivas materiais de interpretação das normas constitucionais"[1983:201]. E, mais, enfatizaque "(1) os princípios se beneficiam de umaobjetividade e presencialidade normativa que os dispensa de estaremconsagrados expressamente em qualquer preceito particular (por exem-plo, não era pelo facto de a CRP em 1976 não ter consagrado o princípiodo Estado de Direito que ele deixava de ter presença nomzativa e valorconstitucional, dado que ele podia deduzir-se de vários preceitos consti-tucionais); (2) os princípios carecem de uma mediação sem/intica maisintensa, dada a sua 'idoneidade normativa irradiante' ser, em geral, acom-panhada por uma menor densidade concretizadora (por exemplo: o prin-cípio democrático pode ser esgrimido como princípio de interpretação,mas, em geral, ele está concretizado noutras normas da Constituição)"[1983:199-200]. A propósito da objetividade e presencialidade normati-va dos princípios, também Canotilho [1982:283].

51. Princípio é norma jurídica

Tem a doutrina, de modo pacificado, reconhecido, nos princípiosgerais do direito, caráter normativo e "positivação".

Já em 1933 escrevia Ripert [apud Poulantzas 1965:319]: "(1e prin-cipe général) c' est une regle mais une regle générale et importante quien commande d'autres (...). Les principes du droit sont des reglesessentielles sur lesquelles sont greffées des regles secondairesd'application et de téchnique".

Para Crisafulli [1941: 177-181, especialmente, e 244 e ss.] "i prin-cipi generali sono norme giuridiche" [1941:248]; observe-se que paraCrisafulli [1941:248-249] o princípio geral formulado em uma dispo-sição legislativa, sem ainda ter dado lugar a algum fato normativodependente, tem valor programático. Tércio Sampaio Ferraz Júnior[1989:223-224] os refere como compondo a estrutura do sistemajurídi-co, não o seu repertório; como regras estruturais, são responsáveis pelaimperatividade do todo; neles repousa a obrigatoriedade jurídica de todoo repertório normativo; neste sentido, há identificação entre os princí-pios e as regras de calibração a que faz alusão o mesmo Tércio Sam-paio Ferraz Júnior [1989: 175-176]. Miguel Reale [1974:340] os referecomo "elementos componentes do direito"; "são enunciações normati-vas de valor genérico" - diz ainda -, "eficazes independentemente dotexto legal (que os consagra)" [1974:339]. A princípios jurídicos ouprincípios de direito correspondiam as definitiones ou regulae, cuja for-mulação, no âmbito da jurisprudência dia1ética, sucedia a distinctio.Estabelecida a distinção entre gênero e espécie, cuidava-se de definir osprincípios que as governavam. Aí a formulação delas, que se expressa-vam como pequenas máximas, no estilo das regras de gramática; diziaSabino (D.50.17.I): "Regula est quae rem quae est breviter enarrat ... perregulam igitur brevis rerum narratio traditur" ("Regra é a proposição queelucida o objeto tal qual é, de modo breve ... através da regra, portanto,se faz uma breve narração das coisas") [cf. Fritz Schu1z 1953:64-67]. V.também Esser [1961:118-119, 185 e 390], Bobbio [1960:181-184], Vit-torio Italia [1994:144]. Também Paulo Bonavides [2004:255 e ss., espe-cialmente 271-273) afirma esse caráter em sua excelente exposiçãosobre os princípios, cuja leitura me parece indispensável.

Cumpre distinguirmos, de todo modo, os princípios positivadospelo direito posto (direito positivo) (= princípios explícitos) e aquelesque, embora nele não expressamente enunciados, existem, em estadode latência, sob o ordenamento positivo, no direito pressuposto.

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Ambos constituem norma jurídica. Relembrem-se as pondera-ções de Clemente de Diego [1916:297]: no que tange aos princípiospositivados não resta dúvida quanto ao fato de que consubstanciamnorma; já no que tange aos não-positivados, "van en ella implícitos,y están como latentes en Ias disposiciones concretas de Ias mismas.Ambos tienen razón de principio y de precepto, aunque por diversomodo: en los primeros se ostenta desde luego Ia cualidad de precep-to o norma que esconde y no obscurece su virtud de principio; en lossegundos hállase más exaltada aI pronto su cualidad de principio queno obsta a que pueda tener valor normativo y a que se muestre luegocomo tal norma. Cierto que el principio habla a Ia razón y Ia norma aIa voluntad; pero no olvidemos que por ser uno y otra de derecho,ambos ligan a Ia voluntad y son ordenación de Ia razón aI bien. Laespecialidad de estas normas consiste en que están concebidas en lostérminos más generales, son proposiciones abstractas como Ia ley,pero que alcanzan aún un mayor grado de abstracción, y su virtudimperativa procede no tanto de ellos mismos cuanto de Ia ley o pre-cepto que los recoge o deI nexo lógico y necesario que les liga con Iasnormas concretas de un derecho positivo".

O que dificulta a compreensão da circunstância de serem elesdotados de caráter normativo é a indevida superposição de norma eregra jurídica.

Como, porém, salienta Alexy [1986:72 e 77], são também nor-mas os princípios: ambos - princípios e regras - afirmam o que deveser; ambos são formulados a partir da deontologia da expressão bási-ca da ordem (Grundausdrücke des Gebots). Por isso que a distinçãoentre regras e princípios se equaciona como distinção entre duasespécies de norma: "Jede Norm ist entweder eine Regel oder ein Prin-zip" - "Cada norma é uma regra ou um princípio". As normas do sis-tema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob aforma de regras [Canotilho 1991:171].

à qual estão ligadas certas conseqüências práticas - ou seja, os efei-tos por ela prescritos (Rechtsfolge, estatuição, injunção). A normajurídica prescreve os efeitos enunciados na estatuição ou injunção emrelação à situação objetiva que prevê possa vir a se verificar, desdeque ela se verifique. Por isso é dotada de caráter logicamente hipoté-tico: enuncia hipótese que produz conseqüências jurídicas [Casta-nheira Neves 1971/1972:269]. O caráter formal das proposições jurí-dicas é expresso na conexão entre uma hipótese e uma estatuição deconseqüência jurídica [Larenz 1983:33].

Passo à margem, aqui, da distinção que Kelsen [1979: 110 e ss.]faz entre norma jurídica e proposição jurídica; a propósito, note-seque Larenz [1983: 130; 1980:242] usa Rechtssatzen - "proposiçãojurídica" - como sinônimo de Rechtsnorm - norma jurídica: a regrade direito (norma jurídica) tem a forma lingüística de uma proposi-ção, a "proposição jurídica". Não obstante, a proposição jurídica étambém referida como a norma jurídica apta - e somente ela - a exer-cer a função de premissa maior em um silogismo judicial [DietrichJesch,1978:31-32].

Sucede que - como anota Vilanova [1977:50] - o revestimentoverbal das normas jurídicas positivas não obedece a forma-padrãoalguma. O que importa a fim de que determinado enunciado, aindaque assuma a forma descritiva, possa restar caracterizado como nor-mativo é a possibilidade de sua reenunciação segundo a seguinte fór-mula de linguagem lógica: "Se se dá um fato F qualquer, então osujeito S deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou pode omitir con-duta C ante outro sujeito S".

Assim, embora as proposições jurídicas sejam prescritivas (deôn-ficas), e não meramente descritivas (apofânticas), podem ser enuncia-das - e isso ocorre com freqüência - sob revestimento verbal não-pres-critivo. Exemplifico com o que dispõe o art. 22, I, da ConstituiçãoBrasileira de 1988: "Compete privativamente à União legislar sobre: I- direito civil C .. )" - o que está aí afirmado é que se Estado-membro,o Distrito Federal ou Município legislar sobre direito civil estas legis-lações serão inválidas (ao passo que se o fizer a União a legislaçãoserá válida).

O texto da norma jurídica (proposição normativa) é dotado deuma estrutura peculiar: representa determinada situação objetiva,hipotética (o Tatbestand, hipótese, pressuposto de fato,facti species),

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Observe-se que a sanção, embora pertença à natureza do direito -faço concessão ao vocábulo "natureza" -, não participa da essência danorma jurídica [v. meu Direito, Conceitos e Normas Jurídicas,1988:148-149, em especial as referências a Santi Romano, a Bobbio ea Hart]. Como observa Paolo Semama [1981:96]:

"O único critério válido [para que se conheça o caráter jurídicode uma nonna] será o do reconhecimento empírico do fato de [anorma] pertencer efetivamente a uma ordenação jurídica, a qual cons-titui um conjunto de comunicações e de instituições que regulamentamas interações dos comportamentos de um conjunto determinado deseres humanos" (interaçõesde comportamentos - note-se -, e não com-portamentos específicos). Quanto à nulidade como sanção, já em 1844afirmava Coelho da Rocha [1984:3]: "Quando em alguma lei civil asanção não é explícita, sempre se subentende ou a nulidade do ato, oua ação judicial, que compete ao interessado na observância da lei con-tra o transgressor".

tam ou o suposto de fato ou a estatuição de outras normas jurídicas,não obstante configurando norma jurídica, na medida em que - comoanota Larenz [1983:137] - existem em conexão com outras normasjurídicas, participando do sentido de validade delas.

Observa Kelsen [1945:45] que os diferentes elementos de umanorma podem estar contidos em diversos produtos do processo legis-lativo e expressar-se lingüisticamente de maneiras muito diversas;assim, V.g., quando o legislador proíbe o roubo pode, inicialmente,definir o conceito de roubo valendo-se de várias frases que compõemum artigo de um código e, após, definir a sanção em outra frase, quepode integrar parte de outro artigo do mesmo texto ou, inclusive, deum texto legal distinto; esta última frase geralmente não assumirá aforma lingüística de um imperativo ou de um juízo que expresse umdever-ser, mas sim a predição de um acontecimento futuro. De resto,a necessidade de concretização dos princípios não é exclusiva deles,manifestando-se também no caso das normas programáticas propria-mente ditas e das normas preceptivas [Canotilho 1982:280-281].

Quanto aos principias gerais de direito, não expressamente enun-ciados em textos explícitos, porém descobertos no ordenamento, tam-bém configuram norma jurídica, ainda quando enunciados em formadescritiva.

Resultará inútil qualquer tentativa de apartá-Ios dos princípiosexplícitos a partir da consideração das estruturas proposicionais deambos. A distinção que desde aí se pode operar entre espécies de prin-cípios repousa na diversidade de graus de concretização de que care-cem - o que conduziu Larenz [1983:351] a referir uma classe de prin-cipias abertos e outra, a dos principias com forma de norma jurídica(Rechtssatzformige Prinzipien). Mas tal critério não se presta, na ver-dade, a apartar uns dos outros (isto é, os princípios explicitados pelodireito posto dos princípios gerais de direito - isto é, de cada direito),visto que há exemplos de princípios explícitos cujos enunciados sãonormativamente menos ou apenas tão densos quanto os enunciadosde princípios gerais de direito.

Os princípios positivados pelo direito posto (direito positivo) (=princípios explícitos) reproduzem a estrutura peculiar dos textos dasnormas jurídicas. Quem o contestasse forçosamente teria de admitir,tomando-se a Constituição, que nela divisa enunciados que não sãonormas jurídicas. Assim, por exemplo, quem o fizesse haveria de ad-mitir que o art. 5º, caput, da Constituição de 1988 não enuncia normajurídica ao afirmar que "todos são iguais perante a lei (...)".

Isso, no entanto, é insustentável, visto que temos aí, nitidamente- tal como nos arts. 1º, 2º, 17, 18 e 37, v.g. -, autênticas espécies denorma jurídica. Ainda que a generalidade dos princípios seja diversada generalidade das regras - tal como o demonstra Jean Boulanger (v.item 59) -, os primeiros portam em si pressuposto de fato (Tatbes-tand, hipótese, facti species) suficiente à sua caracterização comonorma. Apenas o portam de modo a enunciar uma série indetermina-da de facti species.

Quanto à estatuição (Rechtsfolge, injunção), neles também com-parece, embora de modo implícito, no extremo completável em outraou outras normas jurídicas, tal como ocorre em relação a inúmerasnormas jurídicas incompletas. Estas são aquelas que apenas explici-

Quanto à circunstância de os princípios carecerem de caráter for-mal de proposição jurídica, instala problema que Larenz procura solu-cionar observando que, embora necessitem, sem exceção, ser concreti-

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zados, cumpre distinguir, nisso, diferentes graus de concretização. Nograu mais elevado o princípio não contém ainda nenhuma especifica-ção de hipótese e estatuição; não é senão uma idéia jurídica geral (all-gel1leinen Rechtsgedanken) pela qual se orienta a concretização ulte-rior, como seu fio condutor [1983:346; 1980:465] - estes, os"princípios abertos" ("offene" Prinzipien) [1983:351; 1980:471]. Emoposição a estes Larenz alinha aqueles outros, que se encontramexpressos em uma regra imediatamente aplicável, que não são apenasratio legis, porém, em si mesmos, lex - estes, os princípios que deno-mina "princípios em forma de norma jurídica" (RechtssatzfonnigePrinzipien) (idem; idem).

No que tange a esses "princípios abertos", de Larenz, anota Cano-tilho [1982:281]: "Acresce que, considerando-se os princípios comosimples fundamento de uma decisão, mesmo nos casos em que são ine-quívocos os pressupostos do Tatbestand e os respectivos resultadosjurídicos, esvazia-se, em muitos deles, o caráter de determinante hete-rónoma, vinculativa da função legislativa (exemplo: princípio da proi-bição do excesso, princípio da igualdade, princípio da legalidade etc.).Em toda a sua extensão, esta tese equivaleria, por fim, a negar a densi-dade de norma jurídica aos princípios-garantia (exemplo: 'nullum cri-men sine lege'). Por isso se compreende que Larenz tenha tido necessi-dade de distinguir entre prinCÍpios abertos e prinCÍpios nomlativos.Sendo uma diferenciação tendencial e gradativa, ela põe em destaqueque se, em alguns casos, a mediação semântica é intensa, noutros já adensidade sémica dos princípios é suficiente para os considerar estrutu-rados em 'forma de norma jurídica"'.

pios de um determinado direito - constituem, estruturalmente, nor-mas jurídicas. Logo, temos que, em realidade, norma jurídica é gêne-ro que alberga, como espécies, regras e princípios - entre estes últi-mos incluídos tanto os princípios explícitos quanto os princípiosgerais de direito.

40. Note-se o quanto dispõe o art. 93, IX, da Constituição de 1988a respeito danecessária fundamentação das decisões dos órgãos do Poder Judiciário.

o vocábulo "regra" (jurídica) é aqui utilizado sob conotaçãodiversa daquela que lhe atribui Kelsen [1945:45-46], para quem regrajurídica é proposição descritiva, formulada no nível, doutrinário, daciência do direito. Aí a distinção: normas jurídicas - proposições pres-critivas - são criadas pelas autoridades incumbidas de legislar; regrasjurídicas ou de direito são proposições, descritivas, estabelecidas pelaciência do direito. A exposição de Charles Eisenmann [194911950:299-302] é expressiva. Referimos o nome de "normas" para aludir aos ele-mentos de regulação da conduta dos homens, suas ações e suas absten-ções porque não podemos considerar os vocábulos "norma" e "regra"como equivalentes. "Regra" é vocábulo que evoca a idéia de uma regu-lamentação de caráter geral. Mas o ordenamento jurídico não se com-põe exclusivamente de disposições gerais, nele também estando inseri-das disposições outras, que respeitam a um indivíduo determinado, quevisam a uma pessoa concreta, prescrevendo-lhe ou a ela autorizandouma certa conduta. Essas disposições "individuais", e não "coletivas",são da mesma essência das regras gerais: regulamentam condutas (aíaquelas contidas nas sentenças judiciais, nas decisões administrativas,nos contratos, nos testamentos). O vocábulo "norma" engloba a totali-dade dos elementos que regulam - juridicamente, bem entendido - aconduta dos membros de um grupo, seja coletivamente, seja individual-mente; ao contrário do vocábulo "regra", não é associado nenhumaidéia de generalidade. Implica essencialmente prescrição de conduta,regulamentação, mas não implica regulamentação geral. O emprego dovocábulo "norma" para referir o conjunto de todos os elementos daregulamentação - notadamente jurídica - da conduta humana, semacepção de seu caráter geral ou de seu caráter especial, devemos - pros-segue Eisenmann - à Escola de Viena, a seu fundador, Hans Kelsen, ea seus discípulos imediatos, notadamente Adolf Merkl. Eles é que pelaprimeira vez fizeram uso sistemático não apenas do termo, mas tambémda noção de nonna, de modo a construir a doutrina nomlativista, queenfatiza a essência normativa de tudo que é jurídico. O uso do vocábu-

Exemplifico com um princípio geral de direito descoberto naConstituição de 1988, o da motivação do ato administrativo40 - nor-mativamente tão denso quanto os da impessoalidade e da publicida-de dos atos da Administração, inscritos no seu art. 37, caput, e maisdenso do que o princípio da dignidade da pessoa humana, consagra-do nos seus arts. 1ll, IH, e 170, caput.

Daí a verificação de que também os princípios gerais de direito- e não será demasiada a insistência, aqui, em que se trata de princí-

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10 "norma", nestas condições, em oposição ao vocábulo "regra" -pode-mos concluir -, resulta praticamente axiomático no quadro daqueladoutrina. Nada impede, contudo (inclusive observando que tambémassumem caráter normativo as disposições "individuais" às quais refe-re Eisenmann), façamos uso do vocábulo "regra" para designar uma dasespécies de "norma".

tância, pelo juiz, em sentença, na criação de norma individual - dogênero não os exclui. Beneficiados por objetividade e presencialida-de normativa que os dispensam de estarem consagrados expressa-mente em qualquer preceito particular - as expressões são do Cano-tilho [1983:199-200] -, seu caráter normativo e sua inserção nodireito positivo resultam inquestionáveis.

A distinção postulada por Larenz, na verdade, opera a separaçãonão entre diversos tipos de principias, mas sim entre espécies denorma jurídica. Se a tomarmos como critério a presidir a ponderaçãodo tema, verificaremos não que os principias abertos não configuramnorma jurídica, mas sim que os principias com forma de proposiçãojurídica estruturalmente são regras - guardando, porém, em seusconteúdos, o caráter de principias - e aqueles, os principias abertos,em seus conteúdos conservando o caráter de principias, não são, es-truturalmente, regras.

Ademais, não há identificação ou superposição entre regra enorma, eis que não apenas as primeiras expressam estrutura proposi-cional jurídica, também a portando os princípios. Considerem-se tão-só as normas preceptivas, que, reclamando concretização, consubstan-ciam regras, embora dotadas de estrutura análoga à dos principias;não obstante assim seja, configuram normas jurídicas. Por outro lado,tome-se - no caso do direito brasileiro - o art. 4Q da Lei de Introduçãoao Código Civil, que impõe ao juiz, na omissão da lei, decidir o casode acordo com a analogia, os costumes e os principias gerais de direi-to: os princípios positivos do direito estão, evidentemente, incluídosna lei a que refere este preceito; além disso, ao determinar que, nahipótese, o juiz decida de acordo com os principias gerais de direito opreceito, evidentemente, também não o autoriza a decidir desde crité-rio não-normativo.

Observa Jorge Miranda [1987:198]: "Os princípios não se colocam,pois, além ou acima do direito (ou do próprio direito positivo); tambémeles - numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, litera-listas e absolutizantes das fontes legais - fazem parte do complexo orde-namental. Não se contrapõem às normas, contrapõem-se tão-somenteaos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princí-pios e normas-disposições". Tomem-se, aí, disposições por regras.

A exposição de Esser [1961:5, 66-67 e 102] caminha neste sen-tido: embora oponha norma e principio, sustentando não configura-rem estes últimos, em si mesmos, mandamentos (isto é, instruções,regras), mas sim a causa, critério e justificação deles [1961 :67], reco-nhece constituírem eles direito positivo [1961:90, 93, 121, 169 e171]. Mas direito positivo constituem - prossegue - não como regrasindependentes ou autônomas, porém como condição imanente do serc do funcionar das regras. Por isso que o princípio da liberdade con-tratual é direito positivo dos contratos e a separação dos Poderes seriadireito constitucional positivo - ainda que não enunciado como prin-cípio positivado -, desde que acolhidos por determinado ordenamen-to, sem que se convertam em regras.

55. A crítica de Kelsen

Kelsen [1996: 151 e ss.] dedica todo um capítulo da Teoria Geraltias Normas à crítica da exposição de Esser sobre os princípios, recu-sando qualquer importância jurídica a eles.

A norma individual que expressa a decisão judicial de um casoconcreto - diz Kelsen - pode ser influenciada por princípios morais,políticos ou dos costumes, mas tem como fundamento de validade oprincípio formal, de direito positivo, da força da coisa julgada, e não

54. (segue)

Penso restar demonstrado, nestas condições, que os princípiosjurídicos, todos eles, consubstanciam espécies do gênero "normajurí-dica". A circunstância de carecerem de concretização através da edi-ção de uma regra jurídica - regra que há de ser editada, em última ins-

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qualquer daqueles outros princípios. Nenhum destes princípios podefundamentar a validade da decisão judicial; apenas uma norma geralpositiva poderá fazê-Io.

Os princípios morais, políticos ou dos costumes apenas podemser chamados de jurídicos na medida em que influenciam a criaçãode normas jurídicas individuais pelas autoridades competentes. Nãoobstante, eles não se confundem com as normas jurídicas cujos con-teúdos lhes sejam adequados, e o fato de que sejam chamados princí-pios jurídicos não significa - como o nome parece dizer - que elessejam princípios do direito. A circunstância de tais princípios influen-ciarem a criação de normas jurídicas não significa que eles sejam"positivados", tomando-se parte integrante do direito positivo. Oprincípio de justiça não perde seu caráter de princípio moral porqueo conteúdo de uma norma jurídica lhe seja conforme.

Esses princípios - morais, políticos ou dos costumes - consubs-tanciam, entre outros, os motivos do legislador, não sendo juridica-mente obrigatórios; por isso não preenchem as características dasnormas jurídicas.

Adiante, explorando a imprecisão da alusão de Esser a "princí-pios" e "normas" - imprecisão que até hoje vem sendo reiterada, con-taminando a clareza do debate sobre a matéria - e a distância na com-mon law entre principie e rule, Kelsen afirma que, se existe umadiferença entre "princípio" e "norma", o princípio não pode ser umanorma. E, acidamente, referindo-se a Esser, diz que "mesmo o título deseu livro, Princípio Geral do Direito e Norma, implica essa diferença".

Pois - não me cansarei de repeti-Io - eles não necessitam ser"positivados", visto que já se encontram integrados no sistema jurídi-co de que se trate, cumprindo ao intérprete exclusivamente descobri-los, em cada caso.

Os princípios explícitos, estes se manifestam de modo expresso.Os demais, implícitos, não são "positivados", mas descobertos nointerior do ordenamento; pois eles já eram, nele, princípios de direi-to positivo, embora latentes. Em outros termos: o intérprete autênticonada "positiva". O princípio já estava positivado. Se não fosse assim,não poderia ser induzido.

Devo insistir e deixar muito bem vincado este ponto: o ato de"descoberta" de um princípio latente em determinado ordenamento édeclaratório, não é constitutivo. Diante disso efetivamente se desva-nece a crítica de Kelsen.

A exposição de François Ewald [2000:71-73] é extremamenteexpressiva: "A prática dos princípios gerais do direito exprime umaespécie de vontade da sociedade de se ligar a si mesma através da suaprópria história, da sua herança, do seu patrimônio jurídico e constitu-cional. Inversamente, pode dizer-se que hoje, na ausência de uma pos-sível referência à natureza, é através dos princípios gerais do direitoque a sociedade a si mesma declara aquilo que ela institui como o quedeve ligá-Ia a si mesma. Viu-se operar esta função dos princípiosgerais do direito nas decisões do Conselho Constitucional respeitantesàs nacionalizações em 1982: na ocasião, o Conselho nada mais fez quelembrar que a eleição de um Presidente da República e de umaAssem-bléia Nacional favorável ao seu programa político não podia, quais-quer que fossem as suas condições ideológicas, ter valor de revisãoconstitucional. Numa palavra, a prática dos princípios gerais do direi-to equivale a fazer da história do direito, da sedimentação jurídica,logo, da própria positividade do direito, uma fonte do direito. HansKelsen afirmava que não era possível ajuizar de uma ordem jurídica apartir do interior, que não se podia julgá-Ia senão de um ponto de vistamoral necessariamente relativo e sempre destituído de objectividade.A prática dos princípios gerais do direito desmente esta tese: ela teste-munha a possibilidade de um juízo interno de uma ordem jurídicasobre si própria, de uma relação de si consigo próprio do direito pura-

56. Princípios: descoberta e positivação

Essa crítica de Kelsen tem sido geralmente ignorada pelos auto-res que se dedicam à análise do tema dos princípios.

Linhas acima referi a existênca, no sistema jurídico, de princí-pios explícitos e de princípios implícitos, estes últimos descobertosem textos normativos do direito posto ou no direito pressuposto deuma determinada sociedade.

Note-se bem que não estou a sustentar que esses últimos - osimplícitos - sejam "positivados" pelo intérprete autêntico ao criarnormas jurídicas individuais.

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mente positivo que não passa nem pela invocação de um direito natu-ral, nem pelo recurso a uma ideia de justiça. Além disso, a experiênciado positivismo tinha sido a de que perseverar em querer fundar o direi-to numa doutrina da justiça não podia, na conjuntura do relativismodas ciências humanas que caracteriza o século, deixar de acabar porparticularizá-lo e, portanto, destruí-lo. Ajustiça, a natureza, tudo aqui-lo em que até então se tinha depositado a esperança de uma universa-lidade, revelavam-se factor de uma guerra infinita. Não podendo jáapoiar-se numa filosofia, o direito não podia fundar-se senão na suaprópria positividade. Hans Kelsen havia de mostrar que era possível,e, assim, salvar a própria possibilidade do direito. A prática dos prin-cípios gerais não nos faz deixar a área positivista; torna manifesto quehá, na própria positividade do direito, a possibilidade de um direito dodireito. Na prática jurídica, os direitos do homem têm, doravante, esta-tuto de princípios. São, ao mesmo tempo, formulados e sancionadoscomo princípios. A validade deles não decorre de uma qualquer refe-rência a uma idéia do homem - a qual, uma vez formulada, nunca pro-duziria senão conflitos e contestações -, mas da sua inscrição na tradi-ção jurídica. Em dois sentidos: por um lado, porque a Constituição quenos rege dá origem à nossa história na Declaração de 1789; por outro,porque é através desta referência que se constitui a possibilidade deuma jurisdição baseada em princípios. Numa palavra, os direitos dohomem não devem a sua validade ao facto de serem a expressão deuma filosofia, necessariamente particular, mas ao facto de abrirem auma história. Do mesmo modo, é tão errado como perigoso ver na his-tória a ameaça à existência do direito. A história é, pelo contrário,aquilo em referência a que se adquire, hoje, a possibilidade do direito.Se temos um direito é porque temos uma história. Os princípios geraisdo direito propõem uma dessas práticas a propósito das quais Foucaultgostava de reflectir. Em primeiro lugar, porque ela manifesta a existên-cia de algo que um pensamento abstracto designava como impossível:uma prática que causa estranheza e que é testemunho de como seinventam, em práticas, aquelas maneiras de pensar graças às quais oshomens se salvam de tão funesto destino. Porque elas também impli-cam, para serem pensadas, maior atenção aos factos e às experiênciasque às exigências da teoria. Enfim, porque ela é testemunho de que afilosofia, para estar hoje conforme com a sua tradição, deve ser umafilosofia das práticas da história".

57. A diferença entre princípio e regra [Dworkin]

A doutrina em geral considera - para o efeito de distinguir osprincípios das regras - a exposição de Dworkin [1987:22 e ss.].

Há, em primeiro lugar - segundo ele -, uma distinção lógica apar-tando os princípios das regras jurídicas.

As regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são, demodo absoluto, aplicáveis. Trata-se de um tudo ou nada. Desde queos pressupostos de fato aos quais a regra se refira - o suporte fáticohipotético, o Tatbestand - se verifiquem em uma situação concreta, esendo ela válida, em qualquer caso há de ser ela aplicada [1987:24].

Já os princípios jurídicos atuam de modo diverso: mesmo aque-les que mais se assemelham às regras não se aplicam automática enecessariamente quando as condições previstas como suficientes parasua aplicação se manifestam.

É que as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é afirma-do no seguinte sentido: se há circunstâncias que excepcionem umaregra jurídica, a enunciação dela sem que todas essas exceções sejamlambém enunciadas será inexata e incompleta. No nível teórico, aomenos, não há nenhuma razão que impeça a enunciação da totalidadedessas exceções, e quanto mais extensa seja essa mesma enunciação(de exceções), mais completo será o enunciado da regra. Se a regra-l'xemplifica Dworkin [1987:25] - defme que um testamento não é váli-do senão quando assinado por três testemunhas, não é possível tomar-se como válido um testamento firmado por apenas duas testemunhas.

Quanto aos princípios, a circunstância de serem próprios a umddcrminado direito não significa que esse direito jamais autorize sua{h·sconsideração. Trabalhando com o princípio segundo o qual a nin-gl/(;/11 aproveita sua própria fraude (torpeza), Dworkin aponta o fatodlOque em determinados casos o direito não se opõe a que alguémuhtenha proveito da fraude que praticou. O exemplo mais notável é oda posse indevida: aquele que penetrar em prédio alheio reiterada-1Ill'lIle,durante largo período de tempo, poderá obter - e o direito oL'llIleede- o direito de cruzá-Io sempre que deseje.41 Dworkin intro-

41 . O exemplo de Dworkin há de ser ponderado, no quadro do nosso direitopllslll. desde a consideração do que define o art. 1.379 do Código Civil.

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duz ainda mais dois exemplos: se alguém, descumprindo contrato,abandona seu trabalho para desenvolver outro muito melhor remune-rado, será obrigado a indenizar seu contratante, mas em regra gozarádo direito de permanecer a desenvolver o novo trabalho; se um presoescapa à prisão para fazer um investimento rentável, poderá serreconduzido ao cárcere, mas reterá como de sua propriedade os lucrosque tiver obtido.

Esses três exemplos, que configuram exceções ao princípio, nãoconduzem à sua exclusão da ordem jurídica - do direito - que o con-temple. Nem importam que esteja ele (o princípio) enunciado demodo incompleto, de modo que se possa reclamar seja completadomediante a enunciação de tais exceções.

Além do mais, prossegue Dworkin [1987:26], sobretudo umprincípio como o mencionado - a ninguém aproveita sua própriafraude (torpeza) - nem ao menos indica condições suficientes parasua aplicação. Introduz uma razão a argüir em determinada direção,porém não implica uma decisão concreta a ser necessariamente toma-da; mas pode haver outros princípios (ou diretrizes) apontando a dire-ção oposta, de modo que em determinado caso aquele mesmo princí-pio não prospere. Isso não significa, no entanto, que esse mesmoprincípio não seja próprio do direito de que se cuida, até porque emoutro caso, seguinte, e até mesmo diante de outro princípio (ou dire-triz) - adito -, ele poderá ser decisivo.

Completando o momento inicial de sua exposição, a propósito daprimeira diferença que aparta princípio e regra jurídica, averba[1987:26]: "o que queremos dizer quando afirmamos que um deles épróprio do nosso direito é que aqueles que estão incumbidos de tomaruma decisão jurídica, pelo lado do Estado, devem, quando o façam,tê-Io sob consideração, se é pertinente, como argumento que podedirecioná-Ia a um ou a outro sentido".

Uma segunda distinção, decorrente da primeira, aparta ainda,segundo Dworkin [1987 :26], os princípios das regras jurídicas. É queos princípios possuem uma dimensão que não é própria das regrasjurídicas: a dimensão do peso ou importância. Assim, quando seentrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito develevar em conta o peso relativo de cada um deles. Esta valoração, evi-dentemente, não é exata e, por isso, o julgamento a propósito da

maior importância de um princípio, em relação a outro, será com fre-qüência discutível. Não obstante, as indagações a respeito de se elepossui essa dimensão e se faz sentido questionar quão importante ourelevante ele é integram o conceito de princípio.

As regras não possuem tal dimensão. Não podemos afirmar queuma delas, no interior do sistema normativo, é mais importante doque outra, de modo que, no caso de conflito entre ambas, deva preva-lecer uma, em virtude do seu peso maior. Se duas regras entram emconflito, uma delas não é válida. E a decisão a respeito de qual delaso é e qual deve ser abandonada há de ser tomada atendendo-se a con-siderações alheias a elas. Determinado ordenamento jurídico poderáregular tais conflitos através de outras normas, dando preferência àregra promulgada pela autoridade de maior nível hierárquico, ou àregra promulgada em data mais recente, ou à mais específica etc. Ou,ainda, poderá dar prevalência à regra apoiada nos princípios maisrelevantes.

Dworkin [1987:27-28] anota, ainda, que algumas vezes uma regrae um princípio desempenham a mesma função, e a diferença entreambos se reduz quase que exclusivamente a uma questão formal. ASeção I da Lei SfIerman declara nulos os contratos que restrinjam ocomércio. A Suprema Corte teve de pronunciar-se a respeito do seguin-te: essa disposição deve ser tomada como uma regra, em seus própriostermos (isto é, impugnação de todo contrato que restrinja o comércio -o que decorre de quase todos os contratos), ou como um princípio queestabelece uma razão para que se impugne um contrato na ausência deoutras diretrizes efetivas que apontem o contrário? A Corte interpretoua disposição como regra, porém como se nela estivesse inserido o vocá-bulo "irrazoável" - e, assim, ela somente proibisse a restrição "irrazoá-vel" do comércio ("Standard Oil VS. United States", 221 D.S. 1, 60 -1911; "United States VS. American Tobacco Co.", 221 U.S. 106, 180-1911). Isso aprestou a disposição a funcionar logicamente como regra(sempre que um tribunal entender que uma restrição é "irrazoável",cstará obrigado a declarar inválido o contrato) e substancialmente comoprincípio (o tribunal deve considerar uma variedade de outros princípiosc diretrizes para decidir se uma determinada restrição, em circunstân-cias econômicas específicas, é "irrazoável"). Daí por que - prossegueDworkin - palavras como "razoável", "negligente", "injusto", "impor-

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tante", fazem com que a regra na qual inseridas dependa, na sua aplica-ção, do quanto repouse, sob elas, de princípios ou diretrizes; a regraassemelha-se, então, a um princípio. Mas ela não se transforma, emrazão disso, em princípio, visto que a mais sutil limitação desses termosrestringe a classe de outros princípios e diretrizes sobre os quais seapóia a regra. Se a regra diz que os contratos "irrazoáveis" são nulos, ouque os contratos evidenciadamente "injustos" não devem ser executa-dos, devemos avaliar a questão com atenção maior do que aquela quenos seria reclamada se esses termos nela não tivessem sido inseridos.Suponhamos, porém, um caso judicial no qual a consideração de prin-cípios e diretrizes indique que o contrato deve ser tido como válido ouexecutado ainda que a restrição nele contida seja irrazoável ou seja eleevidenciadamente injusto. Tratando-se de norma, o contrato somentepoderia ser tido como válido, ou executado, desde que ela (a regra)fosse derrogada ou modificada. Tratando-se, no entanto, não de regra,mas de diretriz contrária à validação de contratos irrazoáveis, ou deprincípio excludente da execução de contratos injustos, o contrato pode-rá ser validado ou executado sem que isso consubstancie infração legal.

aI 'peso' relativo de una y otra pauta en el contexto particular deI casoque da lugar aI conflicto (Hart, op. cit., pp. 160-161). La dimensiónde peso no es propiedad exclusiva de pautas como Ia que estableceque a nadie debe permitírsele sacar ventajas de su transgresión".

Carrió [1990:226] sustenta -lançando mão da exposição de Hart- que todas as regras, inclusive as específicas, possuem textura aber-ta; por isso, contêm exceções que não se pode previamente especifi-car, de modo exaustivo.

A mim parece, contudo, que a circunstância de as normas jurídi-cas serem expressas em linguagem de textura aberta - o que nãoconstitui nenhum mal e, ademais, se reclama, visto que as leis hão deser abstratas e gerais - não compromete o que postula Dworkin. Ofato de as regras possuírem textura aberta - tal qual os princípios, deresto - não importa, em si, estejam elas sujeitas a exceções. Uma cir-cunstância não induz a outra. Não há relação de causa e efeito entreambas. Comportarem ou não comportarem exceções as regras, issoindepende inteiramente do fato de serem expressas em linguagem detextura aberta. Além disso, é justamente essa peculiaridade que per-mite que determinada regra se aplique a esta e não àquela situação,sem que isso importe esteja ela sendo excepcionada.

Ademais, é importante observarmos que, além de as regras jurí-dicas não comportarem exceções que não se possam teoricamenteenunciar, as exceções a que estão sujeitos os princípios não são sus-cetíveis - nem mesmo no nível teórico - de enunciação. Isto é: nãopodemos capturá-Ias mediante uma enunciação mais ampla, e porme-noriz~da, do princípio [Dworkin 1987:25]. Essa captura é impraticá-vel. E, por certo, impossível imaginarmos de antemão todas as cir-cunstâncias possíveis de aplicação de uma regra. Por isso elas sãoenunciadas em linguagem de textura aberta, configurando - mercê daabstração e generalidade que as caracterizam - um esquema formal,um "módulo de comportamento" potencialmente idôneo a compreen-der um número indefinido de casos, sob a única condição de que taiscasos sejam redutíveis a tal esquema.4:! E quando elas não se aplicama situações futuras, porque não concebidas quando da sua enuncia-ção, isso não se dá senão em virtude de essas situações não serem

58. Críticas à exposição de Dworkin

Os textos de Dworkin suscitaram mumeras críticas, algumasdelas por ele mesmo contraditadas em "Apêndice" à 4ª edição de seulivro.

V. as críticas de Canotilho [1982:279-282] e de Anna Pintare[1982].

Refiro-me, por todos os seus críticos, a Genaro Carrió [1990:226e 353]: "No es cierto que Ias regIas son siempre aplicables a Ia mane-ra 'todo-o-nada'. Tampoco es cierto que Ias regIas permiten, aI menosen teoría, enumerar de antemano todas sus excepciones. Para ellohabría que imaginar de antemano todas Ias circunstancias posiblesdeaplicación, 10 que, óbviamente, es impossible. Por otra parte, los con-flictos entre regras no siempre se resuelven negando Ia validez de unade ellas; muchas veces es menester fundar Ia decisión - que puedeincluso asumir Ia forma de un compromiso - en algo muy semejante

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redutíveis - mas outras sim, porque a regra é dotada de textura aber-ta - a elas. Não há que falar, então, de exceção à regra; o que ocorrenessas situações futuras é não-incidência da regra sobre elas.

Não obstante, por razão diversa da enunciada por Carrió entendoque as regras comportam exceções. É que, como veremos mais adian-te, elas dão concreção a princípios, de modo que, na hipótese da coli-são entre princípios, o afastamento de um deles, em favor de outro,importa perda de efetividade das regras que àquele dão concreção.

referidas à noção de princípio como norma (como espécie de norma)-curiosamente, nenhum dos autores brasileiros tendo tomado a questãodesde a perspectiva dworkiniana. Dworkin toma dos princípios paracontestar o positivismo, ao passo que nós inserimos os princípios nointerior do positivismo, visto entendermos serem normas os princípios.Esse aspecto mereceria maior reflexão. Trabalhamos com um positivis-mo de princípios.

Em seu texto de 1955 - um dos primeiros ensaios monográficosdesenvolvido na França sobre os princípios -, Jean Schmidt [1955:6]transcreve a seguinte afirmação de Pallard, em tese apresentada em Poi-tiers, em 1948 (L'Exeption de Nécessite'): "Toute regle juridique impé-rative, quel que soit son objet, à quelque branche du droit qu' elle appar-tienne, est susceptible de comporter dans certains cas particuliers desinconvénients tels qu' on puisse songer à lui apporter une exception".Ainda Schmidt [1955:5-6],observando que o direito não está sujeito aorigor de um sistemamatemático, faz alusão a dois comentários de juris-prudência: no primeiro deles Henri e Léon Mazeaud [1953:695] cogi-tam de situações excepcionais nas quais determinado princípio deveceder; no segundo René Savatier [1953:725] menciona o caráter não-absoluto da regra que estabelece a data da avaliação de bens a seremobjeto de partilha, observando que "les circonstances peuvent, pour desraisons d'équité, lui imposer les accommodements".

59. A diferença entre princípio e regra[Jean Boulanger e Crisafulli]

A primeira distinção de que se vale Dworkin para apartar princí-pios e regras já havia sido anteriormente - em outros termos explici-tada - formulada por Jean Boulanger [1950:55-56].

Segundo ele regra e princípio jurídico têm em comum o caráterde generalidade. Daí por que se poderia afirmar que um princípiojurídico não é senão uma regra jurídica particularmente importante,em virtude das conseqüências práticas que dele decorrem. No entan-to - prossegue -, não há entre ambos apenas uma desigualdade deimportância, porém, mais do que isso, uma diferença de natureza. Eisso porque a generalidade da regra jurídica é diversa da generalida-de de um princípio jurídico.

Demonstra-o Boulanger observando que a regra é geral porquecstabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos. Nãoobstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atosou tais fatos: é editada para ser aplicada a uma situação jurídica deter-minada.

Já o princípio, ao contrário, é geral porque comporta uma sérieindefinida de aplicações.

Neste sentido, Crisafulli [1941:235-236] recorre a critério estru-tural para distinguir entre princípio e norma particular: os primeiroscaracterizam-se pela sua maior generalidade, em relação às últimas; opreceito contido no princípio geral compreende não uma só hipótesedeterminada, mas uma série indeterminada de hipóteses, qualquer dasquais suscetível de ensejar inúmeros - e diversos - facti species; poroutro lado, desde o critério funcional, os princípios são as normas -escritas e não-escritas - das quais logicamente derivam as normas par-

No mais, parece-me assistir razão a Carrió quando afirma que adimensão do peso não é exclusiva dos princípios, visto que ela tam-bém pode se manifestar, em determinados casos concretos, afetandoregras.

Dworkin trata da distinção entre nonna e princípio; não se referea regra, espécie de norma, mas à própria norma, que opõe a princípio.Logo, o leitor menos atento poderia supor que para Dworkin princípionão é norma - o que de certa forma compromete as análises desenvol-vidas em torno da distinção entre princípio e regra, ambos tomadoscomo norma (espécies de norma). Lembre-se que as primeiras constru-ções da doutrina brasileira a propósito dessa matéria estiveram sempre

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ticulares - também estas escritas ou não-escritas - e às quais, inversa-mente, se chega a partir destas últimas [1941 :239]. Assim, o critério -estrutural - da generalidade não é senão conseqüência necessária daconsideração do critério funcional: os princípios gerais, porque dota-dos de generalidade mais ampla, compreendem uma série indetermi-nada defacti species (dados ou possíveis) distintos [1941:240].

As regras jurídicas não comportam exceções que não se possamteoricamente enunciar, porque - como observa Boulanger - são apli-cadas a situações determinadas; já os princípios, por outro lado, por-que são aptos a serem aplicados a uma série indefinida de situações,não admitem a própria enunciação de hipóteses nas quais não seriamaplicáveis.

ment". E, adiante [1982:623], afirma: "Mais il existe encore une autreforme de généralité: celle de Ia proposition normative qui, non seule-ment a vocation à s' appliquer un nombre indéterminé de fois à dessituations réalisant son hypothese, mais a par ailleurs un objet englo-bant une série illimitée d'autres objets, qui peuvent ou pourraient êtreréglés par autant de normes peculieres. On qualifie une telle proposi-tion de 'príncipe' parce que les regles visant les objets plus spécifiquesapparaissent comme autant d'applications spéciales de sa propre dispo-sition. De sorte qu'existe entre celles-ci et celle-Ià, comme entre leursobjets respectifs, un rapport d'especes à geme. Mais, employée en con-sidération de ce seul rapport, I' expression de 'principe général' signa-le simplement cette extension remarquable qui perrnet de recourirà Ia regle dite 'de principe' pour combler les lacunes ou fonderl'interprétation stricte de toute norme spéciale qui y dérogerait (et se-rait qualifiée pour cela de 'regle d'exception'). Si cette généraliéd'extension manifeste ainsi une portée pratique qui dote Ia norme encause d'une reIative autoríté face à d'autres composantes du systeme dedroit, cela ne signifie pas qu'elle bénéficie d'une position privilégiéedans Ia hiérarchie des regles du dit systeme. Or, les 'principes générauxdu droit' dégagés par Ia jurisprudence du Conseil d'État tirent leur ori-ginalité et leur intérêt de leur place dans cette hiérarchie: si le législa-teur peut les écarter ou y déroger, ils s'imposent en revanche au pou-voir réglementaire quel qu'il soit, de sorte que des normes posées pardécret ne sauraient en aucun cas y déroger. Cette catégorie a d'ailleursété 'inventée' par le juge administratif pour encadrer l' activité norma-trice du governement et de son administration. Les principes générausdu droit au sens propre - les seuls à mériter cette appellation si I' on aIc souci d'éviter I'accumulation des confusions - se caractérisent doncpar une triple généralité: une généralité logique en tant que normes, une~énérafité d'extension en tant que regles 'principe', et surtout une géné-rafité par f'intensité correspondant à une autorité singuliere dans Ia hié-rarchie, qui est Ie trait distinctif de cette catégorie de normes".

Antoine Jeammaud, após cogitar das características que permitema configuração de uma regra (norma) corno princípio, desenvolve expo-sição a respeito da "generalidade" dos princípios. Assim [1982:620,nota 12], observa: "Pour être traitée comme principe, une regle doitd'abord présenter une certaine configuration matérielle. On devrait par-ler d'un élément matériel de Ia qualification. Mais, considéré isolément,cet élément matériel fait seulement de Ia regle en cause une regle depríncipe (par opposition à regle d' exception) ou une regle générale (paropposition à regle spéciale). Dire qu'il s'agit d'un principe au sens quinous occupe ici, c'est-à-dire d'une norme occupant dans Ia hiérarchieune place qui fait obstacle à Ia validité d'autres regles, c'est faire ré-ference à un élément hierarchique. Mais, tantôt Ia qualification de'principe' découle de Ia constatation que Ia regle présente à Ia foisl'élément matériel et l'élément hiérarchique, tantôt Ia qualificationrésulte de Ia constatation que Ia norme occupe une place éminente dansIa hiérarchie et permet d' en déduire qu' elle possede le champd' application inhérent à l' élément matériel de tout principe, tantôt enfinIa qualification repose sur le constat de départ que Ia configuration deIa regle correspond à I'élément matériel d'un principe et conduit à Iuireconnaitre Ia place hiérarchique d'une norme de cette catégorie. Dansce dernier cas, il est clair que le critere de Ia qualification est de typeidéologique. Donc, tout 'principe' présente un élément matériel, un élé-ment hiérarchique, un élément idéologique et, dans le jeu del'interpretation, Ia présence de deux d' entre eux peut entrainer Ia quali-fication qui emporte à son tour Ia reconnaissance du troisiémé élé-

Tratando das normas constitucionais de princípio, Gustavoj,agrebelsky [1990: 107] observa que, enquanto as regras estabelecemo que é devido e o que não é devido em circunstâncias nelas próprias

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determinadas, os princípios estabelecem orientações gerais a seremseguidas em casos, não predeterminados no próprio princípio, quepossam ocorrer. Por isso os princípios são dotados de uma capacida-de expansiva maior do que a das regras, mas, ao contrário destas, ne-cessitam de uma atividade ulterior de concretização que os relacionea casos específicos.

Além disso - completa o autor [1990:108] -, da estrutural capa-cidade expansiva dos princípios resulta clara a possibilidade de con-flitos entre princípios constitucionais diversos, razão pela qual a con-vivência entre eles é conflitual.

da nula. Juridicamente, uma norma vale ou não vale; e quando vale,e é aplicável a um caso, isto significa que suas conseqüências jurídi-cas também valem.

Já com a colisão de princípios [1986:79] tudo se passa de modointeiramente distinto, pois se algo é vedado por um princípio, maspermitido por outro, um deles deverá recuar - isto não significandoque o princípio do qual se abdica seja declarado nulo ou que nele seintroduza uma cláusula de exceção.

Daí - porque os princípios têm um peso diferente nos casos con-cretos e o princípio de maior peso é o que prepondera -, se os confli-tos de regras desenrolam-se na dimensão da validade, a colisão deprincípios (e só os princípios válidos podem colidir) transcorre forada dimensão da validade - ou seja, na dimensão do peso, isto é, dovalor [1976:79].

61. A diferença entre princípio e regra [Alexy]

Robert Alexy [1986:75-77] sustenta que o ponto decisivo para adistinção entre regras e princípios está em que estes últimos são nor-mas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível,dentro das possibilidades jurídicas e materiais existentes. Logo, osprincípios são mandamentos de otimização, cuja principal caracterís-tica está no fato de poderem ser cumpridos em diferentes graus e dea medida devida de seu cumprimento não depender exclusivamentedas possibilidades materiais, mas também das possibilidades jurídi-cas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos prin-cípios e regras em oposição.

As regras, ao contrário, são normas que somente podem sercumpridas ou não-cumpridas. Se uma regra é válida, então se há defazer exatamente o que ela exige: nem mais, nem menos. Logo, asregras são determinações no âmbito do fática e juridicamente possí-vel. Isso significa que a diferença entre regras e princípios é qualita-tiva, e não de grau, e que toda norma é uma regra ou um princípio.

Além disso, ao anotar a circunstância de os conflitos entre regrasocorrerem na dimensão da validade, ao passo que os conflitos entreprincípios se verificam - visto que apenas princípios válidos podemcolidir entre si - dentro da dimensão do peso [1986:76], Alexy [comoanota Paulo Bonavides 2004:279-280] deixa bem nítida essa diferença.

Um conflito entre regras - diz Alexy [1986:77] - somente podeser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, forintroduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declara-

Alexy [1986:126-127) observa ainda que os princípios são man-damentos de otimização, pertencendo ao âmbito deontológico, ao passoque os valores estão incluídos no nível axiológico; o que no modelo dosvalores é o melhor é no modelo dos princípios o devido [1986:133].

Habermas [1992:310-312], adotando a exposição de Alexy, obser-va que as normas (princípios) obrigam seus destinatários igualmente,sem exceção, a cumprir as expectativas generalizadas de comportamen-to, enquanto os valores devem ser entendidos como preferências inter-subjetivamente compartilhadas. Valores expressam a "preferenciabili-dade" - o caráter preferencial - de bens pelos quais se considera, emcoletividades específicas, que vale a pena lutar e que são adquiridos ourealizados mediante ações dirigidas a determinadas finalidades. As nor-mas surgem com uma pretensão de validade binária: ou são legítimasou ilegítimas; como no caso das sentenças assertivas, só podemos assu-mir uma posição perante as sentenças normativas com um "sim" ou um"não" - ou postergando um juízo. Os valores, em contraposição, fir-mam relações de preferência que nos dizem que certos bens são maisatrativos do que outros; daí podermos concordar mais ou menos comuma sentença avaliativa. A validade-dever das normas tem o sentidoabsoluto de uma obrigação incondicional e universal; o que "se devefazer" pretende ser igualmente bom para todos. A atratividade dos valo-res tem o sentido relativo de uma avaliação de bens que se tornou bem

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estabeleci da ou adotada em culturas e formas de vida: decisões sériasde valor ou preferências do mais alto nível nos dizem, sobretudo, o queé bom para nós. Normas distintas não devem se contradizer reciproca-mente se pretendem validade para o mesmo círculo de destinatários;elas devem se enquadrar em um complexo coerente, ou seja, formar umsistema. Valores distintos competem entre si por prioridade; na medidaem que encontrem reconhecimento intersubjetivo em uma cultura ouforma de vida, constituem configurações flexíveis plenas de tensão.Normas e valores, portanto, diferem-se entre si, primeiramente, porsuas referências, respectivamente, ou a ações obrigatórias ou a açõesteleológicas; em segundo lugar, os códigos ou binário ou gradual desuas pretensões de validade; em terceiro, por seu caráter ou absoluto ourelativo; e, por fim, pelos critérios que os complexos de sistemas denormas têm que cumprir em face dos requeridos dos sistemas de valo-res. O fato de que normas e valores se distingam nessas propriedadeslógicas produz diferenças significativas também no terreno de sua apli-cação. Tipos diferentes de orientação de ação decorrem do fato de eudeixar, em um determinado caso, minha ação ser determinada por nor-mas ou por valores. A pergunta a respeito de o que devo fazer em umadada situação é distintamente formulada e respondida nos dois casos. Àluz de normas posso decidir qual é a ação ordenada; no horizonte dosvalores, qual a conduta adequada. Naturalmente, em ambos os casos aquestão da aplicação requer a seleção da ação correta. Mas, se come-çarmos por um sistema de normas, é "correta" a ação que seja igual-mente boa para todos; no que se refere a um conjunto típico de valorespara a nossa cultura ou forma de vida, por outro lado, o comportamen-to "correto" é o que no todo e a longo prazo for bom para nós. Nos prin-cípios do direito ou nos bens jurídicos essa diferença é freqüentementenegligenciada, porque o direito positivo vale apenas para um territóriojurídico determinado e o seu correspondente círculo de destinatários.Não obstante essa restrição de fato do âmbito de validade, os direitosfundamentais adquirem um sentido distinto se os concebemos - comDworkin - como princípios deontológicos do direito ou - com Alexy -como bens jurídicos otimizáveis. Enquanto normas eles regulam umaquestão no igual interesse de todos; como valores eles compõem umaconfiguração com outros valores para abranger uma ordem simbólicaque expressa a identidade e a forma de vida de uma determinada comu-nidade jurídica. Indubitavelmente, o conteúdo teleológico também en-

contra um meio de ingressar no direito; mas o direito definido por umsistema de direitos domestica as finalidades ou metas (Zielsetszungen)e os juízos de valor do legislador através da estrita prioridade do pontode vista normativo. Qualquer um que pretenda equacionar a Constitui-ção como uma ordem concreta de valores engana-se quanto ao caráterespecificamente jurídico da primeira; pois os direitos fundamentais,enquanto normas jurídicas, são constituídos, como as regras morais,segundo o modelo das normas de ação vinculantes, e não consoante odos bens atrativos. E adiante [1992:318] salienta que enquanto umacorte constitucional adotar a teoria da ordem de valores e nela funda-mentar sua práxis decisória o perigo de juízos irracionais aumenta, por-que os argumentos funcionalistas ganham prevalência sobre os norma-tivos. Por outro lado [1992:317], a prestação jurisdiciona1 (práticadecisóriajudicia1) orientada por princípios tem que decidir qual preten-são e qual conduta são corretas em um dado conflito - e não como equi-librar bens ou relacionar valores. É verdade que as normas possuem oucompreendem uma estrutura relacional flexível em que as relaçõespodem se alterar de caso para caso; mas essa alteração sujeita-se à con-dição da coerência, que assegura que todas as normas se tornem ade-quadas conjuntamente em um sistema internamente harmônico figura-do para admitir precisamente uma solução correta para cada caso. Avalidade jurídica do juízo tem o sentido deonto1ógico de um comando,e não o sentido teleo1ógico do que podemos alcançar sob dadas circuns-tâncias no horizonte de nossos desejos. O que é melhor para nós em umdeterminado ponto não coincide eo ipso com o que é igualmente bompara todos.

62. A diferença entre princípio e regra [CanotilhO]

Seguindo de perto Alexy, Dworkin e Zagrebelsky - como elemesmo indica [1991: 174, nota 9] - Canotilho sustenta que as diferen-ças qualitativas entre princípios e regras jurídicas se traduzirão, fun-damentalmente, nos seguintes aspectos:

"(1) Os princípios são normas jurídicas impositivas de uma opti-l11ização,compatíveis com vários graus de concretização, consoante oscondicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que pres-

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crevem imperativamente uma exigência (impõem, permitem, proíbem)que é ou não é cumprida (nos termos de Dworkin: applicable in all-or-nothing fashion); a convivência dos princípios é conflitual (Zagre-belsky); a convivência das regras é antinómica. Os princípios coexis-tem; as regras antinómicas excluem-se.

"(2) Conseqüentemente, os princípios, ao constituírem exigênciasde optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (nãoobedecem, como as regras, à 'lógica do tudo ou nada'), consoante o seupeso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflituantes;as regras não deixam espaço aberto para qualquer outra solução, pois seuma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida dassuas prescrições, nem mais, nem menos.

"(3) Em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objectode ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas 'exigências'ou standards que, em 'primeira linha' (prima facie), devem ser realiza-dos; as regras contêm 'fixações normativas' definitivas, sendo insusten-tável a validade simultânea de regras contraditórias.

"(4) Os princípios suscitam problemas de validade e peso (impor-tância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de vali-dade (se elas não são correctas devem ser alteradas)" [1991: 173-174].

Ademais - prossegue o autor [1998:58] -, o que faz com queuma norma seja um princípio não é o seu enunciado lingüístico, maso modo de resolver seus eventuais conflitos: se, em colisão com umadeterminada norma, cede sempre ou triunfa sempre, estaremos dian-te de uma regra; se, em colisão com outra norma, cede ou triunfa con-forme os casos, estaremos diante de um princípio.

E, adiante [1998:61], transcrevendo Gianformaggio, observa quea diferença entre regra e princípio surge exclusivamente no momentoda interpretação/aplicação.

Cumpre anotar, quanto a essa última observação, que apenas nocurso do processo de interpretação (no perpassar do círculo hermenêu-Iico) o intérprete poderá decidir se há ou não há conflito entre regrasou colisão entre princípios. Ora, se efetivamente é o tipo de oposição(conflito ou colisão) que define regra e princípio, então apenas duran-(e o processo de interpretação poder-se-á operar-se a distinção.

Prieto Sanchís [1998:55] - considerando que os princípios sãomandamentos de otirnização, caracterizados pelo fato de que podem sercumpridos em diferentes graus e que a medida devida do seu cumpri-mento não depende apenas das possibilidades reais, mas também daspossibilidades jurídicas - sustenta que a indeterminação do que Alexychama de "possibilidades fáticas" expressa a peculiaridade das diretri-zes, normas que não prescrevem uma conduta concreta, mas apenas aobrigação de se perseguir certos fins, cuja plena satisfação tampouco seexige. E prossegue: outras normas que não diretrizes por certo tambémsugerem uma possibilidade de graduação; estas últimas, contudo, reque-rem sempre, para cada caso, um exato nível de cumprimento, ainda queseja difícil fixá-lo. Por exemplo, as normas que exigem uma determina-da diligência, embora admitindo cumprimento gradual, permitem dizer-se que se atuou diligentemente ou que não se atuou diligentemente. Jáas diretrizes não exigem qualquer grau preciso de cumprimento.

Entre os autores que mais recentemente trataram do tema, LuísPrieto Sanchís [1998:51-52] adota interessante posição: (i) segundoele, quem sustenta que dentro do direito existem duas classes deingredientes inteiramente distintos - as regras e os princípios - devedemonstrar que há alguma diferença estrutural ou morfológica entreambos, que é possível identificar algum traço que se manifesta sem-pre que estamos diante de um princípio e jamais nas regras; (ii) sealguém sustenta, pelo contrário, que os mesmos enunciados podem àsvezes funcionar como regras, às vezes como princípios, mas que aoperatividade ou maneira de funcionar é substancialmente distinta,então a diferença qualitativa entre ambos não tem origem no direito,mas na argumentação ou - na dicção de Alexy - no lado passivo dodireito; regras e princípios não aludiriam a duas classes de enuncia-dos normativos, mas a dois tipos de estratégias interpretativas.

64. Ainda a diferença entre regra e princípio

A esta altura da exposição que vem sendo produzida, podemosnhscrvar - deixando à margem os critérios para tanto propostos porI)workin - que os seguintes traços distinguem os princípios e asregras juódicas.

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Primeiro: a generalidade da regra jurídica é diversa da generali-dade de um princípio jurídico [Boulanger]. A regra é geral porqueestabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos; nãoobstante, ela é especial na medida em que não regula senão tais atosou tais fatos: é editada para ser aplicada a uma situação jurídica deter-minada; já o princípio, ao contrário, é geral porque comporta umasérie indefinida de aplicações.

Segundo: a síntese de Canotilho, reproduzida linhas acima, noitem 62, à qual me reporto.

Terceiro: a diferença entre regra e princípio surge exclusivamen-te no momento da interpretação/aplicação [Prieto Sanchís e Gianfor-maggio], de modo que apenas no curso do processo de interpretação(no perpassar do círculo hermenêutico) o intérprete poderá decidir sehá ou não há conflito entre regras ou colisão entre princípios; ora, seefetivamente é o tipo de oposição (conflito ou colisão) que defineregra e princípio, então apenas durante o processo de interpretaçãopoder-se-á operar-se a distinção.

A todas essas contribuições voltadas a apartar os princípios dasregras jurídicas cumpre aditarmos ainda o fato de os princípios atua-rem como mecanismo de controle da produção de normas-regras,visto ser a norma produzida pelo intérprete (embora o próprio intér-prete produza a norma de princípio).

Nisso não há, contudo, nenhuma contradição, na medida em queos princípios podem ser a medida do controle externo da produção denormas.

Além disso, a escolha do princípio há de ser feita, pelo intérpre-te (sempre diante de um caso concreto), a partir da ponderação doconteúdo do próprio princípio, ao passo que a declaração da valida-de de cada regra, diante de cada caso, depende da consideração decritérios formais, exteriores a elas.

ral de conhecimento concreto (= aplicação) de outras normas. Desdo-bra-se em três subpostulados: o da adequação, o da necessidade ouindispensabilidade e o da proporcionalidade em sentido estrito [Alexy1986:100; Bonavides 2004:396 e ss.; Guerra Filho 1989:69 e ss.].

A proporcionalidade não consubstancia princípio, dado que -como salienta Alexy [1986: 100, nota 84] - adequação, necessidade eproporcionalidade em sentido estrito não são ponderadas em relaçãoa algo diferente; não se passa que algumas vezes tenham precedência,outras não; o que se pergunta é se essas exigências são satisfeitas ounão e se sua não-satisfação traz como conseqüência a ilegalidade; daípor que essas três exigências, nas quais se desdobra a proporcionali-dade em sentido amplo, são classificadas como regras.

A propósito, diz Humberto Bergmann Ávila [1999: 169-170]: "Suadescrição abstrata não permite uma concretização em princípio gradual,pois a sua estrutura trifásica consiste na única possibilidade de sua apli-cação; a aplicação dessa estrutura independe das possibilidades fáticase normativas, já que o seu conteúdo normativo é neutro relativamenteao contexto fático; sua abstrata explicação exclui, em princípio, a suaaptidão e necessidade de ponderação, pois o seu conteúdo não irá sermodificado no entrechoque com outros princípios. Não bastasse, a pro-porcionalidade não determina as razões às quais a sua aplicação atribui-rá um peso, mas apenas uma estrutura formal de aplicação de outrosprincípios. ( ...). Não consiste numa condição no sentido de que, semela, a aplicação do direito seria impossível. Consiste numa condiçãonormativa, isto é, instituída pelo próprio direito para a sua devida apli-cação. Sem obediência ao dever de proporcionalidade não há a devidarealização integral dos bens juridicamente resguardados. É dizer: eletraduz um postulado normativo aplicativo como aqui se afirma".

65. Os chamados "princípios"da proporcionalidade e da razoahilidade

O chamado "princípio" da proporcionalidade consubstancia umpostulado nonnativo aplicativo. Como tal, impõe - qual observa Hum-berto Bergmann Ávila [1999: 170] - uma condição formal ou estrutu-

Nossa doutrina o tem, porém, banalizado, de modo a, tomando-o como um princípio superior, pretender aplicá-lo a todo e qualquercaso concreto - o que conferiria ao Poder Judiciário a faculdade de"corrigir" o legislador, invadindo a competência deste.

A propósito - se bem que tratando dos princípios em geral - aobservação de Jean Schmidt [1955: 132-133]: "Le juge veut atteindre un

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certain but. La loi lui interdit de rechercher un telle fin, mais il penseque Ia solution apportée par lui recevra l'adhésion de Ia société. Sansdoute, les dispositions édictées par les législateurs ne permettent pasde trancher le litige dans le sens désiré, il faut néanmoins considérercette pensée sociale, dont Ia pensée du juge est le reflet, et qui lui'commande' de déroger à Ia loi. Comment ne pas être alors tenté derecourir aux principes géneraux du droit(?) Mais, une remarque capita-le s'impose: il ne s'agit plus de véritables principes généraux, mais de Iaformule principes généraux du droit, formule vidée de son sens etn'ayant plus d'autre utilité que de justifier Ia position adoptée. Par cemoyen, le juge atteint le but recherché et transgresse ainsi Ia loi en sem-blant Ia respecter" (grifo no original). Neste sentido, Schmidt [1955:292e ss.] menciona duas decisões do Conselho de Estado: o arrêt "Ministrede l' Agriculture vs. dame Lamotte" e o arrêt "Falco et Vidaillac".

Já a razoabilidade foi cunhada no seio do direito administrativo,atuando como instrumento de controle do exercício, pela Administra-ção, de discricionariedade.43

"The court - dizem Wade e Forsyth [2000:364] - must not usurpthe discretion of the public authority which Parliamment appointed totake the decision. Within the bounds of legal reasonableness is the areain which the deciding authority has genuinely free discretion. If it pas-ses those bounds, it acts ultra vires".

A distinção entre ambas é debuxada por Humberto BergmannÁvila [1999:173-174]:

(i) "Primeiro, há casos em que é analisada a correlação entre doisbens jurídicos protegidos por princípios constitucionais, em função dosquais é preciso saber se a medida adotada é adequada para atingir o fimconstitucionalmente instituído (relação meio x fim), se a medida énecessária enquanto não substituível por outro meio igualmente eficaze menos restritivo do bem jurídico envolvido (relação meio x meio) e

se a medida não está em relação de desproporção em relação ao fim aser atingido (relação meio x fim). Nesse caso, devem ser analisadosdois bens jurídicos protegidos por princípios constitucionais e a medi-da adotada para sua proteção (...). Trata-se de um exame abstrato dosbens jurídicos envolvidos (segurança, liberdade, vida etc.) especifica-mente em função da medida adotada" - aqui, a proporcionalidade.

(ii) "Segundo, há casos em que é analisada a constitucionalidadeda aplicação de uma medida não com base em uma relação meio-fim,mas com fundamento na situação pessoal do sujeito envolvido. A per-gunta a ser feita é: a concretização da medida abstratamente previstaimplica a não-realização substancial do bem jurídico correlato paradeterminado sujeito? Trata-se de um exame concreto-individual dosbens jurídicos envolvidos, não em função da medida em relação a umfim, mas em razão da particularidade ou excepcional idade do casoindividual. ( ...). A razoabilidade (...) determina que as condições pes-soais e individuais dos sujeitos envolvidos sejam consideradas na deci-são" - aqui, a razoabilidade.

Nada há de novo na proporcionalidade e na razoabilidade, postu-lados que desde há muito - e independentemente da formulação des-sas duas noções - vem o Poder Judiciário exercitando na interpreta-\,:ilo/aplicação do direito, como se ambas estivessem contidas nas suasdohras [Ávila 1999:170].

Pois agora sabemos - repita-se - não apenas que a norma é ol('slIllado da interpretação, cujo objeto é o texto, mas também que o11I11"rpretenão interpreta apenas os textos, porém, em conjunto com os(I'I(OS, os fatos. E, mais, ao contrário do que pensam muitos, imagi-lIalldo que basta o saber ler para que se possa interpretar corretamen-It.' o direito, sabemos ainda que não se interpretam simplesmente os(('\(IIS ou um texto. Interpretamos o direito, todo ele, na sua totalida-(k. (ksde a Constituição até os atos normativos menos importantes naII Il'l<lrq11 ia das fontes de direito.

I'roporcionalidade e razoabilidade são, destarte, postulados nor-IlIallVOSda interpretação/aplicação do direito - um novo nome dadoi1llSV\'IIHlSe desprezados cânones da interpretação44 -, e não princípios.

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Sl~do carúter de irregularidade. Por isso, quando a lei expressa umarcgra geral e surge algo que se coloca fora dessa formulação geral,dcvelllOS, onde o legislador omitiu a previsão do caso e pecou porl'Xcesso de simplificação, corrigir a omissão e fazer-nos intérpretes doqlle () legislador teria dito, ele mesmo, se estivesse presente neste mo-IIIClllo,e teria feito constar da lei se conhecesse o caso em questão.

O fato, porém, é que a lição de Aristóteles foi esquecida, a eqüi-(ladL~foi tragada pelo direito moderno, avesso a qualquer possibilida-(k de subjetivismo na aplicação da lei pelo juiz. E de modo tal que,('111 face da realidade, quando a sua concepção é retomada - e isso(ksejo sustentar - embora assumindo a mesma forma e conteúdo,ela toma outros nomes. Inicialmente, o de razoabilidade; mais recen-temente, o de proporcionalidade.

O que pretendo singelamente afirmar, inspirado em Neumann, éque a proporcionalidade não passa de um novo nome dado à eqüidade.

Sua rejeição pelo direito moderno, porque incompatível com acalculabilidade e a segurança jurídica, era plenamente adequada à teo-ria da subsunção, hoje superada.

Além disso, desejo salientar a circunstância de a pauta da pro-fJorcionalidade - bem assim a da razoabilidade - ser atuada nomomento da norma de decisão.

Lembre-se que a norma jurídica é produzida para ser aplicada aum caso concreto. Essa aplicação se dá mediante a formulação deuma decisão judicial, uma sentença, que expressa a nonna de deci-são. O que afirmo é o fato de ambas as pautas - a da proporciona-[idade e a da razoabilidade - serem atuadas no momento da normade decisão [= interpretação "in concreto"], não naquele da produçãoda norma jurídica [= interpretação "in abstracto"].

A interpretação in abstracto respeita ao texto, à premissa maiorno silogismo subsuntivo; a interpretação in concreto, à conduta, aosfatos. Esta última é tida como aplicação; a primeira, como interpre-tação [vide Anexo II].

Sabemos hoje, no entanto, que a chamada interpretação in abs-tracto envolve necessariamente a consideração dos fatos, de modo atomar-se impossível apartarmos interpretação e aplicação, ou seja,interpretação in abstracto e interpretação in concreto.

Há mais, porém, a ser observado, a propósito da razão de ser deuma e outra, a proporcionalidade e a razoabilidade. O direito positi-vo, direito posto pelo Estado, também referido como direito moder-no, presta-se a permitir a fluência da circulação mercanti1.45

A eqüidade, como anotou Franz Neumann (1975:171) ao tratarda teoria jurídica liberal [liberal legal theol)'], era sempre denuncia-da como incompatível com a calculabilidade, o primeiro requisito dodireito liberal [= direito moderno]. Era necessário transformar-se aeqüidade em um sistema rígido de normas, a fim de que fosse asse-gurada a calculabilidade exigida pelas transações econômicas.

Como o mercado reclamava a produção de normas jurídicas,pelo Estado, que garantissem a calculabilidade e confiança nas rela-ções econômicas, essa necessidade justificou, ainda segundo Neumann(1975: 167-168), a limitação de poder da monarquia patrimonial e dofeudalismo.

Essa limitação culminou na instituição do poder legislativo dosparlamentos; a tarefa primordial do Estado é a criação de uma ordemjurídica que tome possível o cumprimento das obrigações contratuaise calculável a expectativa de que essas obrigações serão cumpridas.

A eqüidade comprometia essa calculabilidade e a segurança jurí-dica. Daí o direito posto pelo Estado, que a rejeita e substitui.

O próprio Neumann (1975: 171-172) observa, contudo, que essarejeição somente poderia ser absoluta no quadro de um sistema eco-nômico competitivo. Por isso o ponto de vista da eqüidade é retoma-do na medida em que cresce a concentração do poder econômico e oEstado passa a desenvolver atividades intervencionistas. Surge en-tão, inicialmente, no bojo da legislação antitruste, a regra da razoa-bilidade.

Lembre-se que a eqüidade opõe-se ao caráter geral da lei [= dodireito moderno]. Como observei anteriormente (item 33), Aristóteles[1990:V 14, 14, 1.137 b, 10-20] sustentava a necessidade de correçãoda justiça legal, porque a matéria das coisas da ordem prática reveste-

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Permanece, porém, útil, ainda que seja assim, a distinção entre omomento da produção da norma jurídica - insisto em que a interpre-tação/aplicação do direito não é simples exercício de subsunção - eo momento da norma de decisão. Nossa doutrina - porque insiste emapartar interpretação e aplicação - tropeça no equívoco de situar orecurso à proporcionalidade e à razoabilidade no primeiro deles, quan-do é certo que uma e outra atuam no segundo.

São desse tipo os conflitos entre princípios: a opção do intérpre-te por um deles - em detrimento do que a ele se opõe - não implicadesobediência do outro.49Repita-se: esse tipo de conflito não resultaem antinomia.

Manifesta-se, aqui, a situação apontada por Dworkin: a circuns-tância de em determinado caso a adoção de um princípio, pelo intér-prete, implicar o afastamento de outro, que com aquele entre em tes-IiIhas, não importa que este seja eliminado do sistema, até porque -repito - em outro caso, e mesmo diante do mesmo princípio, este po-derá vir a prevalecer.

Sem pretender, neste passo, penetrar o tema das antinomias jurí-dicas,46 importa observar que o conflito entre regras jurídicas resultaem antinomia - entendida esta como situação de incompatibilidadeentre ambas (ambas pertencendo ao mesmo ordenamento e tendo omesmo âmbito de validade), que conduz à necessidade de uma delasser eliminada do sistema.

Antinomia jurídica, pois, é situação que impõe a extirpação, dosistema, de uma das regras. A decisão, inafastável, a propósito dequal dessas regras há de ser preservada será informada mediante autilização do critério ou dos critérios contemplados, para tanto, nosistema.47

Estamos, aí, na hipótese de conflito entre regras, diante de anti-nomia jurídica própria.

Refere a doutrina ainda, no entanto, antinomias jurídicas impró-prias. Aqui, porém, o conflito não conduz à necessidade de uma dasnormas ser eliminada do sistema. O conflito manifesta-se - há incom-patibilidade entre ambas -, porém não resulta em antinomia jurídica.48

Relcmbre-se a observação de RobertAlexy [1986:76]: os conflitos('ntre regras ocorrem na dimensão da validade, ao passo que os confli-tos entre princípios se verificam - visto que apenas princípios válidosPOdl'lll l'olidir l'lltrl' si t!('ntm t!a t!il1l('nsüo do peso.

1':,';0 \1)',1111I("a '1"(' ('IIII':lda ca~~oarr11:11li-se diversosjogos de prin-I /1'" 11. dl''.1l11l"ql!\' di VI"'.a,':,',\llru;O('s(' d('cis(ll's, elll diversos casos,11"1"'111'.1'1 Hk.II11;adilê.,lllll;l,',li' ivilq',i:lIulo a (kxisividade de certo prin-111111"olllln:, il (('('II,'.ilIuln

('"ti" l'onI'IIH;ao (lll jo)',o de princípios será informado por deter-IIl1llill;OCSda IIlais v;mada ordellJ:"o é necessário insistir, neste ponto,1'111qllt' o 1l'lItlllll'llojurídico não é uma questão científica, porém umaII//t's/(/(I I!{Jlliic{/; e, de outra parte, a aplicação do direito é uma pru-

"('/II'ia, e 11;10 lima ciência.51

Já no início do século passado François Gény [1919:46] referia apossibilidade de se deduzir conseqüências contraditórias de dois princí-pios que pareçam estabelecidos solidamente, o que exigiria a eleição e asobreposição da lógica de um deles à do outro; mas isso - prossegue Gény

46, V. Tércio Sampaio Ferraz Júnior [1989:184 e ss.] e Norberto Bobbio[1960:82 e ss.]. A respeito do conflito de normas, Kelsen [1979:285 e ss.].

47. "Lex superior derogat inferiori, lex specialis derogat generalis,lex posteriorderogat priori" - V.g., Bobbio [1960:96-98] alude aos três critérios fundamentais paraa solução das antinomias: o critério cronológico, o critério hierárquico e o critério daespecialidade.

48. Bobbio [1960:93-94] alude à antinomia de princípio, à antinomia de valo-ração e à antinomia teleológica. Tércio Sampaio Ferraz Júnior [1989:191], às duasprimeiras.

49. Tércio Sampaio Ferraz Júnior [1989:191]. V. Menezes Cordeiro [1986:140-141].

50. Também ao compor tais jogos de princípios o intérprete atua sob impactode valores ideológicos. Há aí, definidamente, uma escolha entre princípios [Boulan-ger 1950:74].

51. V. meu O Direito Posto e o Direito Pressuposto [2003:35 e ss.].

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- compromete um pouco a solidez de ambos, se é que a contradição nãose explica mediante a dedução da exceção de um terceiro princípio. Note-se bem que Gény está, neste trecho, precisamente a observar que a solidezdos princípios não é absoluta, estando eles sujeitos a exceções. Não hánovidade alguma, pois, na exposição de Dworkin.

gicos), colocando-se à deriva diante de uma mal-digerida apreensãoda exposição dworkininiana, que em rigor exclui os princípios do âm-hito normativo; cumpre observarmos que os conflitos e as oposiçõesentre princípios são conflitos e oposições entre normas; a superposi-\'i!o entre regra e norma, de um lado, e princípio, de outro, só poderesultar de uma contestação do positivismo à Dworkin ou da incom-precnsão ou desiderato de confundir.

67. Oposição e contradição entre princípios

O direito, enquanto sistema, é uma ordem axiológica ou teleoló-gica de princípios, e estes não valem sem exceção e podem entrar emoposição ou em contradição entre si, como salienta Canaris [1989:77 e 88].

Assim, tomado um determinado direito como e enquanto nívelde determinada realidade social, produto histórico-cultural, pleno decontradições e incompletudes, cumpre distinguirmos situações de opo-sição e de contradição entre princípios, situações das quais decorre-riam quebras no sistema (ordem axiológica ou teleológica de princí-pios gerais).

O primeiro tipo de conflito resolve-se na medida em que - a prin-cípios que apontem em direções opostas - âmbitos distintos de aplica-ção sejam designados, de modo que se estabeleça um compromissoentre ambos - "Kompromiss zwischen verschiedenen Grundegedan-ken", diz Engisch [1983:166]. Aqui (aliás, ao contrário do que enten-de Engisch) não há contradição, porém mera oposição de princípios[Canaris 1989:205] - disso não decorre, pois, efetivamente, nenhumaquebra alguma no sistema.

As oposições de princípios não são estranhas a um determinadodireito, mas antes, pelo contrário, a ele conferem sentido. Já a contra-dição entre princípios, diz Canaris [1989:205-206], é sempre algoque não deveria existir - uma desarmonia [Engisch 1983:165] - eque, por isso mesmo, deve, se possível, ser eliminado.52

A falta de reflexão tem levado alguns analistas do pensamento dadoutrina a confundir valores (teleológicos) com princípios (deontoló-

A tensão entre o princípio da segurança jurídica, que exige sejameu Illpridas as sentenças judiciais pela Administração, e o da legalidadeon;alllcntária, que sujeita esse cumprimento à existência de previsãoon;alllclltária para tal fim - situação peculiar de oposição entre princí-pios ., deu lugar, na Espanha, a questão praticamente idêntica à que 10anos al)(ís iria se verificar no Brasil. Refiro-me, de um lado, à sentençaSTC-12II 982, de 7 de junho, comentada par Nuria Ibarra García, Isa-hel .lera NÚÍic/',c Emilio Lahella 11995: 1n]; doutro, à situação relata-da cln nll'lI "I kspcsa púhlica ('<lIlllito cntre princípios e eficácia dasICJ',rasJlllidieas () princípio da sujeição da Administração às decisõesdo I'odn Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública"II ()'J:l: 130-14X].

{,,li. () (~/its({[tllell(o de um princípio implicaperda de l'fl'tividade da regra que lhe dá concreção

As regras - isso também cumpre deixarmos bem vincado - sãocOJJcrcções dos princípios.

Assim, entre princípios e regras uma especial relação se estabe-lece: princípio - segundo Antoine Jeammaud [1982:620] - é "normeoccupant dans Ia hiérarchie une place qui fait obstacle à Ia validitéd'autres régles" (grifei).

Se bem que aludindo exclusivamente aos princípios detenninatidalla legge, Italia [2000:43] diz que: "Il principio determinato dai legis-latare e una disposizione normativa che rappresenta, per cOSIdire, 10stampo, il prototipo, Ia matrice, di successive disposizioni normative. Ilcontenuto dei principio esprime una regola, Ia quale sarà ripetuta, ri-flessa, in altre disposizioni normative".

52. Lembre-se que para Alexy a oposição entre regras configura um conflito(Regclkonflikt), ao passo que a oposição entre princípios consubstanciauma simplescolisão (Prin::ipienkollissioncn).

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Logo, não se manifesta jamais antinomia jurídica entre princí-pios e regras jurídicas. Estas operam a concreção daqueles. Em con-seqüência, quando em confronto dois princípios, um prevalecendosobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado sãoafastadas: não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, aindaque permaneçam integradas, validamente (isto é, dotadas de valida-de), no ordenamento jurídico.

Insisto: resultam afastadas as regras (concreções de princípios)que dão concreção ao princípio que no confronto com outro foi des-prezado.

Dizendo-o de outra forma: aquelas regras que dão concreção aoprincípio desprezado, embora permaneçam plenas de validade, per-dem eficácia - isto é, efetividade - em relação à situação diante daqual o conflito entre princípios manifestou-se.

sitllação concreta o princípio da liberdade contratual se apresenteCOI\IOo meio de realização da autonomia privada; em outra situação,l'Onludo - é o caso, por exemplo, das convenções coletivas de traba-lho -, se apresentará como tal a limitação dessa mesma liberdade con-flatllal em face dos interesses da coletividade.

Em cada caso, pois, em cada situação, a dimensão do peso ouilll/lo,.'ilncia dos princípios há de ser ponderada. Isso explica o quan-fo acima afirmei: a circunstância de em determinado caso a adoção de11111plincípio, pelo intérprete, implicar o afastamento do outro princí-pio, qlle com aquele entre em testilhas, não importa que seja este eli-IIlillado do sistema, até porque em outro caso, e mesmo diante do mes-1111)plillcípio, este poderá vir a prevalecer.

Mas isso também não faz regra, pois é possível que determinadoPllIll'ípío, quando em confronto com outro, em inúmeras situações,',['IIIPlC,sistematicamente, prevaleça sobre este, sem que este seja eli-IIllIIado do sistema.

I~stelíItilllo, Clll sitlla<,:õesnas quais não esteja em confronto com;lIll1c1cplillll· iro princípio, l\Ias com outro, poderá ou não ser privile-giado el\l relação a este terceiro princípio.

69. Ausência de regras sobre a dimensãode peso dos princípios

Sucede inexistir no sistema qualquer regra ou princípio a orientaro intérprete a propósito de qual dos princípios, no conflito entre elesestabelecido, deve ser privilegiado, qual o que deve ser desprezado.

Isso somente se pode saber no contexto do caso, de cada caso, noâmbito do qual se verifique o conflito.

Permito-me aludir aqui ao modelo metodológico desenvolvidopor Poulantzas [1965], que permite a concepção de uma estrutura-ção normativa interna do direito, resultante da transposição, a ele,da estruturação e totalização preexistentes no nível da infra-estrutu-ra. Desde aí, referindo as antinomias entre princípios, observa ele[1965:315] que o que aparece como uma "antinomia" essencial, ab-soluta e irredutível no nível do direito constitui em geral, no nível dainfra-estrutura, uma contradição dialética no interior de uma totalida-de significativa agrupante de certos interesses e necessidades da prá-xis; o juiz deve resolver a contradição entre dois princípios jurídicosem relação a um caso concreto referindo-se à infra-estrutura, apuran-do qual dos dois princípios assume, no caso concreto, importânciamais significativa em relação aos dados da infra-estrutura. Assim,mais adiante [1965:320-321] observa que pode ocorrer que em uma

70. .logos de princípios

Isso ocorre não apenas, mas em especial, quando a aplicação de1I1l1princípio pelo intérprete importa o afastamento de outro, no qua-dro de jogos de princípios que ora privilegiam a decisividade de umdeles, ora a recusam.

Assim, para exemplificar, teremos que algumas vezes a opçãopor determinada decisão é estruturada sob a prevalência do princípiodo interesse público sobre o princípio do direito adquirido, ou vice-versa.

Suponha-se tenha uma lei concedido incentivos ao exercício deatividades econômicas em um certo âmbito regional. Posteriormente,lei nova passa a ordenar setorialmente o exercício de determinada ati-vidade, de modo a operar a revogação daquela no que respeita àsatividades empreendidas no setor considerado pela nova lei. Interes-se público, de um lado, estará a impor a pronta suspensão do gozo pe-los agentes econômicos que exercem aquela determinada atividade,

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no âmbito regional referido pela primeira lei, dos incentivos de quevinham desfrutando. De outra parte, contudo, o princípio do direitoadquirido tenderá, vigorosamente, a justificar solução oposta, aindaque adversa ao que prescreve o princípio do interesse público. Teço oexemplo naturalmente afastando a hipótese de se argumentar com aafirmação de que atender ao interesse público seria prestigiar o direi-to adquirido. No exemplo que tomo não há lugar para esse tipo deargumentação. Prosseguindo, então, teremos que, no caso, instala-seconflito entre interesse público e direito adquirido.

Como se poderia decidir questão como tal?Por certo que aqueles que incondicionalmente aderem à ideologia

estática de interpretação jurídica imediatamente encontrarão argu-mentos que justifiquem preferência pela supremacia do direito adqui-rido diante do interesse público. Em benefício dessa supremacia recor-rerão à "vontade do legislador" e mesmo ao "espírito da lei". O valor"segurança" será brandido em candentes linhas de argumentação, tantomais retoricamente robustas quanto estruturadas sobre outros valores,metafísicos, estranhos ao contexto do direito e da Constituição.

De outra banda, aqueles que fazem adesão à ideologia dinâmicada interpretação jurídica, visualizando o direito também como instru-mento de mudança social, tenderão a sustentar a supremacia do inte-resse público - demonstrando que, no caso, ele se superpõe ao interes-se social, se isso de fato estiver a ocorrer - em relação ao direitoadquirido.

O problema, ademais, permite ainda uma solução que se poderiachamar de "liberal progressista", estruturada sobre o que, no Brasil, dis-põe o art. su, XXXVI, da Constituição de 1988, e que consistiria na desa-propriação do direito ao gozo dos incentivos revogados a quem os tives-se como adquiridos. E isso ainda que, no caso, os efeitos decorrentesdessa desapropriação, assim concebida, produzissem as mesmas conse-qüências econômicas que a manutenção direta do seu gozo geraria ...

A questão, no entanto, deve ser solucionada de modo a que atuemminimamente quanto possível, como determinantes da decisão adota-da, os conceitos e preconceitos do intérprete.

Isso será alcançado na medida em que, especialmente quando secuide de interpretação de princípios dispostos no nível constitucional- e talo caso do interesse público e do direito adquirido -, o intér-

prcte adequadamente os pondere em cada situação, apenas atribuindopeso mais elevado a um deles na medida em que a compatibilizaçãoentre ambos resulte inteiramente inviável.

A atribuição de peso maior a um - e não a outro - não é, porém,discricionária. Retomo ao já afirmado: o intérprete está vinculado!w!os princípios; além disso, não se interpreta o direito em tiras, aos!wt/aços. O momento da atribuição de peso maior a um determinadoprincípio é extremamente rico, porque nele - desde que se esteja aperseguir a definição de uma das soluções corretas, no elenco daspossíveis soluções corretas a que a interpretação jurídica pode condu-zir pondera-se o direito inteiro, como totalidade. Variáveis múlti-plas. de rato - as circunstâncias peculiares do problema consideradoc dL' onkm jurídica - lingüísticas, sistêmicas e funcionais -, são

,b;('orlinadas. E, paradoxalmente, é precisamente o fato de o intér-pn'k estar vinculado, retido, pelos princípios que toma mais criativaa prlldC~nciaque pratica.

71. As rt'gras StlO aplicaçi"jes dos princípios

I "lia lí IIima observação deve ainda ser aqui introduzi da, na afir-111;1\,:10 tiL' que as regras são aplicações dos princípios [Boulanger1l)'j()S/ I, I)aí por que a interpretação/aplicação das regras jurídicas( tios kxtos das regras), tanto das regras constitucionais quanto dasCOUIL~lllpladasna legislação ordinária, não pode ser empreendida semque se tomem na devida conta os princípios - em especial quando setrate de princípios explícitos - sobre os quais se apóiam, isto é, aosquais conferem concreção.

Os princípios - diz François Ewald [2000:68] - "encontram-se, acada momento, inteiramente nas regras que os aplicam, sem nunca seesgotarem em nenhuma delas".

Nisso, fundamentalmente, repousa a força dos princípios - forçaque, como vimos, é de tal ordem que, mercê de sua objetividade epresencialidade normativa - que independe de consagração específi-ca em qualquer preceito particular -, vai ao ponto de excluir qualquerrelevância à noção de discricionariedade judicial.

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Tamanha essa força, em situações revolucionárias, que novosprincípios, revolucionariamente incorporados pela ordem jurídica,importam que a inúmeras regras contempladas por essa ordem sejaretirada a vigência. As observações de Jean Boulanger [1950:69-70]a tal respeito são expressivas: "Une grande révolution politique etsociale ne peut pas ne pas susciter l'apparition de principes nouveaux.On l'a bien vu en France, apres 1789. On l'a vu mieux encore en Rus-sie, lors de Ia Révolution Bolcheviste de 1917. Pour notre part, nousconnaissons peu de pages plus suggestives que celles ou Trotsky rap-porte le premier acte politique de l'insurrection triomphante. La scenese passe au PaIais d'Hiver; Ia fusillade crépite encore, lorsque Léni-ne, quittant Ia retraite d' ou il dirigeait les opérations, s' en vientrejoindre ses compagnons. Il enleve Ia perruque et Ia fausse barbe quil' avaient aidé à se dérober aux recherches de Ia police; il annonce Iavictoire du prolétariat, et aussitôt (c' est le geste chargé de significa-tion pour un juriste) il tire, d'une poche de son veston, le décret quiopere Ia nationalisation immédiate et globale du sol russe. En suite dequoi, les auditeurs entonnet l' lnternationale, et Ia ferveur mystiquede certains d' entre eux rappelle cette ferveur religieuse qui souleveles Te Deum chantés, selon Ia tradition chrétienne, apres un grandévénement heureux. Faisons Ia part de ce qu'il y a de spécifiquementrusse dans tout ceci. Il reste que ce décret de nationalisation, pris desIa premiere heure, était une application directe des théories marxistes:il venait en tête de toutes les mesures qui ont eu pour but d'instaurerun ordre nouveau: le gouvemement nouveau s'est soucié, avant tout,d' organiser les structures économiques et sociales en accord avec lesenseignements de Marx. Peu importe, apres cela, que dans Ia rédationdes codes soviétiques on retrouve un bon nombre de conceptsanciens, qui sont, pour une bonne part, des concepts du droit romain.Les spécialistes nous mettent en garde contre cette apparence trom-peuse: ces concepts ne correspondent plus aux mêmes réalités. Il y adésaccord sur l'essentiel, c'est-à-dire sur les principes. Le divorceintellectuel et moral d'avec les autres droits est consommé".

Não há novidade alguma, aliás, em afirmar-se que as regras sãoaplicações dos princípios, o que já fora percebido no início do séculoXIX, quando Luís XVIII edita a Ordonnance de 17 de julho de 1816,"qui supprime,· dans les différens Codes, les Dénominations, Expres-sions et Formules qui ne sont plus en harmonie avec les principes duGouvernement établi par Ia Charte constitutioneUe, et porte qu'il serarait une édition nouveUe de ces Codes", cujo texto vale a pena trans-crever:

A propósito, Jorge Miranda [2000:229]: "A função ordenadora dosprincípios revela-se particularmente nítida e forte em momentos revo-lucionários, quando é nos princípios - nos quais se traduz uma novaidéia de direito -, e não nos poucos e precários preceitos escritos, queassenta directamente a vida jurídico-política do país".

"LOUIS, par Ia grâce de Dieu, ROI DEFRANCEETDENAVARRE,àtous ceux qui ces présentes verront, SALUT.

"Nous sommes trop convaincus des maux que I'instabilité de IaI{-gislalion peut causer dans un État, pour songer à une révision généra-k dcs cinq Codes qui étaient en vigueur dans notre royaume au momentoi! 1l0USavons donné à nos peuples Ia Charte constitutionneUe; et nous1l01lSréservons seulement de proposer des lois particulieres, pour réfor-mer lcs disposilions susceptihles d' être améliorées, ou dans lesqueIlesIe lemps ou I'expéricncc nous aurait fait apercevoir des imperfections:mais, si de pareilles réformcs ne pcuvcnt être que l'ouvrage du tempset Ic fruit de longues méditations, il est indispensable de supprimer des;1 préscnt des différens Codes les dénominations, expressions et formu-les qui ne sont plus en harmonie avec les principes de notre gouverne-Illelll, el qui rappeUent des temps et des circonstances dont nous vou-drions pouvoir effacer jusqu' au souvenir.

"A CESCAUSES,de l'avis de notre consei!, et sur le rapport de notreamé et féal chevalier le chancelier de France, garde des sceaux, chargépar interim du portefeuiUe de Ia justice,

"Nous AVONSORDONNÉETORDONNONSce qui suit:

"ARTICLEPREMIER.Les dénominations, expressions et formulesqui rappeUent les divers gouvernemens antérieurs à notre retour dansnotre royaume, sont et demeurent effacées du Code civil, du Code deprocédure civile, du Code de commerce, du Code d'instruction crimi-neUe et du Code pénal, et eUes y sont des à présent remplacées par lesdénominations, expressions et formules conformes au gouvernementétab1i par Ia Charte constitutionneIle.

"2. Nous défendons, en conséquence, à nos cours et tribunaux,préfets, sous-préfets, conseillers de préfecture, et à tous autres nos offi-ciers et sujets, d'emp1oyer, dans les citations qu'i1s seraient obligés de

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faire d'aucune loi, arrêté, décret, ou autre acte quelconque, les dénomi-nations et expressions supprimées par I' article précédent.

"3. 11sera fait incessamment, et sous Ia direction de notre chance-lier, chargé par interim du portefeuille du département de Ia justice, uneédition nouvelle des différens Codes, contenant les changemens ordon-nés par Ia présente.

"4. Dans I' édition présentement ordonnée, Ia substance et Ia rédac-tion de tous les articles actuellement en vigueur demeurera textuelle-ment Ia même.

"Cette édition contiendra ceux même des articles des différensCodes qui ont été abrogés ou modifiés par des lois postérieures: mais ilsera fait mention, en note ou en marge, des lois qui les changent ou lesmodifient; et ces lois seront imprimées à Ia suite desdits Codes.

"5. Les éditions nouvelles des Codes seront soumises à notreapprobation, et chacun des Codes sera inséré au bulletin des lois, surleque! il sera libre à tous imprimeurs de notre royaume d'en faire eux-mêmes, et pour leur compte, telles éditions qu'ils jugeront convenables.

"6. Notre chancelier est chargé de l' exécution de Ia présenteordonnance, à laquelle nos ministres secrétaires d' état tiendront Iamain, en ce qui les concerne, dans leurs départemens respectifs.

"Donné à Paris, au château des Tuileries, le 17~'jour du mois dejuillet de I'an de grâce 1816, et de notre regne le vingt-deuxieme."53

Note-se que - e esta a hipótese sobre a qual estrutura Dworkin suaexposição [1987:23] - o homicídio, de quem deixa herança, praticadopelo herdeiro afasta, em razão do princípio, a incidência da regra desucessão que beneficiaria o homicida. 55

Cumpre, por fim, relembrar que, como observei linhas acima, nãose manifesta jamais antinomia jurídica entre princípios e regras jurídi-cas. Estas - viu-se - operam a concreção daqueles. Assim, quando, emconfronto dois princípios, um prevalece sobre o outro, as regras quedão concreção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a suaaplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas,validamente, no ordenamento jurídico. Retomo, aqui, aos três exem-plos de Dworkin, atinentes à aplicação do princípio a ninguém aprovei-ta sua própria fraude (torpeza).54

53. Cours dll Droit Frallçais Contellant les Cinq Codes Réllnis, Paris, Le Prieur,Libr. et Belin Le Prieur, 1819 (pp. 1-2).

54. V. itens 39 e 57.55. Observe-se que diante do nosso direito positivo a questão se resolve me-

diante a aplicação da regra do an. 1.814, I. do Código Civil.

Page 105: GRAU, Eros Roberto - Ensaio Sobre Interpretação e Aplicação Do Direito

III

AINDA A INTERPRETAÇÃO

72. Importância dos princípios para a interpretação

Os princípios cumprem inúmeras funções dentro do sistemajurí-dico, razão pela qual não é possível a formulação de uma teoria geraldeles, em sentido unívoco [Balaguer Callejón 1997:127].

Ademais de tudo, no entanto, a interpretação do direito é (deveser) dominada pela força dos princípios. Os princípios cumprem fun-ção interpretativa e conferem coerência ao sistema.

É que cada direito não é mero agregado de normas, porém umconjunto dotado de unidade e coerência - unidade e coerência querepousam precisamente sobre os seus (dele = de um determinadodireito) princípios.56 Daí a ênfase que imprimi à demonstração de quesão normas jurídicas os princípios, elementos internos ao sistema;isto é, estão nele integrados e inseridos.

Por isso que, de uma banda, a interpretação do direito é domina-da pela força dos princípios.

V. Jean Boulanger [1950:56-57]. Canotilho afirma que os prin-cípios constitucionais "fornecem sempre diretivas materiais de in-terpretação das normas constitucionais" [1983:201]. Jorge Miranda[2000:230]: "A acção mediata dos princípios consiste, em primeirolugar, em funcionarem como critérios de interpretação e de integra-ção, pois são eles que dão a coerência geral do sistema. E, assim, osentido exacto dos preceitos constitucionais tem de ser encontrado na

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conjugação com os princípios e a integração há de ser feita de tal sorteque se tornem explícitas ou explicitáveis as normas que o legisladorconstituinte não quis ou não pôde exprimir cabalmente". A domina-ção da interpretação jurídica (interpretação em sentido estrito) pelosprincípios é marca que informa, de modo indelével, a distinção que aaparta da compreensão que Esser [1961:323] refere como "compreen-são filológica" do texto. Tal essa dominação que, como salienta aindaEsser [1961 :339], "cuando Ia ley no toma ninguna posición de princi-pio, el intérprete, desprovisto de Ia ayuda de los princípios, se enfren-ta con Ia paradójica necesidad de sacar de Ia ley principios que noestán en ella".

o tema das possibilidades de realização de justiça material envol-ve a questão da legitimidade do direito: apenas um direito legítimopode instrumentar a produção de justiça material, plenamente.

No que tange, especificamente, ao direito econômico, Carlos Fer-reira de Almeida [1979:713-714] menciona princípios gerais de direi-to econômico "induzidos da totalidade das normas vigentes, na sua apli-cação às relações jurídico-econômicas concretas. Não se trata dum puroempirismo, porquanto esses mesmos princípios, uma vez fixados peladoutrina, vão influenciar, de cima para baixo, do abstracto para o con-creto, o conhecimento do direito. E ainda porque. não há princípiosgerais válidos que contrariem a Constituição Política".

De outra, a demonstração de que os princípios são elementosinternos ao sistema os situa, na dinâmica do processo de interpreta-ção jurídica, no contexto sistêmico. A metáfora da "ordem de valo-res" que se pretende detectar no texto constitucional e no direito -em cada direito - toma-se desnecessária, com o quê o sistema édepuradoY Assim, as possibilidades de realização de justiça mate-rial residem - ou não residem - no próprio texto constitucional,neste próprio direito. Não se encontram além dele, em valoraçõesabstratas tecidas pelos movimentos românticos e naturalistas do"direito livre", do behaviorismo, do legal realism, do pragmatismoda jurisprudência de interesses - que, como anota García de Enter-ría [1984:31], na busca de valores materiais, dissolvem a objetivida-de e positividade do direito.

Complexidade e gravidade da interpretação tornam-se maiores,no entanto, em razão da circunstância de, além de serem tomadoscomo critério dominante para ela - a interpretação -, os princípios secompõem também como objeto da interpretação. É neste passo, pre-cisamente, que o tema reclama consideração mais detida.

Vittorio Italia [1994: 156 e ss.] aponta a tendência de a legislaçãotransformar-se em "legislação de princípios". E, mais adiante [1994: 174],refere um nova idade de codificação, a codificação dos princípios, naqual o mecanismo da fábrica das leis transformar-se-á em fábrica dosprincípios. Posteriormente [2000:190-191], em defesa da importânciados princípios detenninati dalla legge, afirma: "Tale principi potrebberoessere paragonati - con tutti i limiti che il paragone comporta - allecolonne che reggono le volte di una struttura architettonica, e che condi-zionano le spinte e le contro-spinte deI sistema. L'aumento della massadell'edificio comporta Ia necessità di questi punti di coordinamento, diqueste 'chiavi di volta' nelle varie parti dell' edificio, che - in un regimedi autonomia e di pluralismo normativo - 'tengono assieme il sistema',evitando forze centrifughe e situazione non piu governabili e caotiche".

57. Os prillcípios, segundo Alexy [1986:126-127] - repito o que já anterior-mente acima afirmei -, são mandamentos de otimização, pertencendo ao âmbitodeontológico, ao passo que os valores estão incluídos no nível axiológico. O que nomodelo dos valores é o melhor é no modelo dos princípios o devido [1986:133].Deoutra parte, sustenta Habermas [1992:311-312]que os princípios são dotados de sell-tido deolltológico. sendo os valores dotados de sigllificado teleológico. Por isso - diz- os prillcípios obrigam seus destinatários igualmente, sem exceção, a cumprir asexpectativas generalizadas de comportamento.Os valores, por outro lado, devem serentendidos comopreferências illtersubjetivamente compartilhadas; expressama pre-ferenciabilidade (Vorzugswiirdigkeit) - o caráter preferencial- de bens pelos quaisse considera, em coletividades específicas, que vale a pena lutar e que são adquiri-dos ou realizados mediante ações dirigidas a objetivos ou finalidades. Daí por quevalores são bens atrativos - não são normas.

A complexidade da interpretação do direito repousa fundamen-talmente na força dos princípios, que conformam as regras [Varga1993:4 - "principIes control the rules as well"], mas que - emborasejam tomados como seu critério dominante - se compõem tambémcomo objeto da interpretação.

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Os princípios atuam como mecanismo de controle da produçãode normas pelo intérprete, ainda que o próprio intérprete produza asnormas-princípio. Aqui não há, contudo, contradição, na medida queos princípios atuam como a medida do controle externo da produçãode normas. Além disso, a escolha do princípio há de ser feita, pelointérprete, sempre diante de um caso concreto, a partir da ponderaçãodo conteúdo do próprio princípio; ao passo que a declaração da vali-dade de cada regra, diante de cada caso, depende da consideração decritérios formais, exteriores a elas.

A atribuição dessa força aos princípios, como critérios determi-nantes da interpretação do direito - o que pode viabilizar a realizaçãoda ética na lei e a prestação de satisfação às aspirações de eticizaçãodo direito -, certamente há de receber críticas.

A censura mais imediata estará articulada nos seguintes termos:o intérprete que, em um sistema codificado, se apóia em princípiosimplícitos ("bons costumes", "boa-fé" - v.g.) para legitimar umadecisão que tome expõe-se à suspeita de que ignora as normas codi-ficadas ou as falseia [Hassemer 1992:206]. A crítica formulada porItalia [2000:29-30] segue pela mesma via: os princípios implícitosseriam um instrumento impreciso e arbitrário, não contribuindo paraa certeza do direito. A utilização dos princípios como critérios deter-minantes da interpretação, contudo, como a proponho, evidentemen-te não pode ser contestada mediante a formulação de observação tãosimplista, que meramente repete - sem o brilho próprio dele - a crí-tica de Kelsen a Esser. A exposição que a respeito da sua positivida-de desenvolvi absolve-me.

A opção por uma interpretação principio lógica mais a premissade que o direito deva ser sempre interpretado como um todo não con-duzem, entretanto, a uma adesão nem ao método científico-espiritual(= método valorativo, sociológico) - cuja expressão mais acabada seencontra no pensamento de integração de Smend -, nem a umajuris-prudência de valores.

jurídica [Paulo Bonavides 2004:461]. A jurisprudência de valoresestrutura-se a partir da atribuição de fundamental relevância, normati-va, a uma ordem de valores transposta para o nível constitucional basi-camente na afirmação dos direitos fundamentais. Sob o seu influxo,aliás, o entendimento do Tribunal Constitucional Federal da RepúblicaFederal da Alemanha, enfatizando a afirmação dos direitos econômicosenunciados no texto da Lei Fundamental. Tais valores acabam, porém,por ser tomados como estruturantes de uma sintaxe constitucional, queno extremo se coloca externamente à própria Constituição [Canotilho1982:268]. A unidade do ordenamento constitucional repousa, destarte,em uma "ordem de valores" materiais expressos no texto constitucio-nal, à qual hão de estar adequadas todas as normas que se compõem nosistema jurídico [García de Enterría 1982:97-98]. A propósito da opo-sição de Forsthoff à jurisprudência de valores, Canotilho [1983: 230 ess.], Bonavides [2004:285 e ss.] e García de Enterría [1984:48-49].

73.Afalsa neutralidade política do intérprete

Uma outra crítica virá na afirmação de que apresento a interpre-tação do direito como uma política, o que subverte o jurídico (enten-dido o jurídico como atividade técnica, de quem deve estar inteira-mente alheio à realidade, ao homem, à sociedade, absolutamenteestranho ao sentimento do político - neutro).

A tanto responderei observando - com Klaus Adomeit [1984:46-47] - que uma ordem jurídica sem o político resulta carente de impul-so, morta. Ordem jurídica como tal apenas existe enquanto objeto deuma ciência do direito cujo universo de indagação é reduzido ànorma jurídica, verdadeira ciência da norma jurídica, esterilizadorada vida social. O objeto dessa ciência está dissociado da realidadesocial, sujeito exclusivamente a ponderações estéticas, algo inteira-mente diverso do que efetiva e realmente o direito - instância da rea-lidade social - é.

A neutralidade política do intérprete só existe nos livros, nos dis-cursos jurídicos. Nos discursos do direito ela se dissolve, sempre.

A virtude maior da contribuição de Smend repousa, no meu sentir,na afirmação de que a Constituição não se decompõe em um agregadode normas e institutos isolados, devendo ser visualizada - e interpreta-da - como um todo, o que importa que se tome mais política do que

Diz Jean Schmidt [1955:21], citando Goré (L'Enrichessement auxDépells d'Autrui, tese, Paris, 1949): "Dans tout probleme juridique, Ia

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pensée de l'interprete joue un rôle aussi important que les textes eux-mêmes. Dans toute interprétation, il est impossible de determiner exac-tement ce qui vient des texts et ce qui vient de l'homme".

Tomo de certo exemplo para explicitá-lo. Dispunha a EmendaConstitucional 1, de 1969, no seu art. 15, § 3º, "e", que a intervençãodo Estado-membro nos Municípios seria regulada na Constituição doEstado, somente podendo ocorrer quando - além das hipóteses previs-tas nas outras alíneas do parágrafo - "forem praticados, na administra-ção municipal, atos subversivos ou de corrupção" (grifei). Tratava-se,aí, de uma inovação da Emenda Constitucional 1, de 1969. Tal qualanotei em outra oportunidade [1988a], no entanto, a Emenda Constitu-cionall, de 1969, como é notório, nasceu em clima de arbítrio, produ-zida por uma Junta Militar, que a editou como expressão de um ato deforça. Por isso mesmo, até porque essa Junta Militar não estava tangi-da por nenhum compromisso com os valores democráticos, algumasdas disposições contidas no seu bojo resultam mal-acomodadas no seucontexto. É o caso, exemplar, da alínea "e" do § 3º do seu art. 15. Aintegração dela à ordem constitucional, então, apenas se realiza segun-do as pautas ideológicas que determinaram a sua inscrição no textoconstitucional, caracterizadas pela pequena ou nenhuma importânciarelativa atribuída a determinados valores democráticos. Embora assim,interpretações adequadas ao clima de autoritarismo que propiciou ainovação foram sustentadas. Como, no entanto, a Constituição é umdil/tI1l/i.\'Il/{), a restauração dos valores democráticos, ainda que então -apesar da ruptura da ordem anterior com a emergência, relativa, dessesvalores -', permanecesse em vigência a Emenda Constitucional 1, de1969, o preceito inscrito na alínea "e" do § 3º do seu art. 15 necessaria-mente passou a scr objelo de nova leitura. Daí a superação da doutrinaque se alinhava ao lado do autoritarismo, admitindo a intervenção ime-diata, sem que à autoridade munieipal fosse admitido o exercício dodireito de defcsa e instrução criminal contraditória (arts. 35, § 3º; 105,lI; 149; 152, §§ 15 e 16; e 154, todos ainda da Emenda Constitucional1, de 1969), atribuindo ao Poder Judiciário, salvo raras exceções (arts.40, I, e 42, I-lI), o processamento e o julgamento dos delitos penais.Passa a intervenção, no caso, a somente ser constitucionalmente possí-vel após a qualificação, pelo Poder Judiciário - o que poderá ser proce-dido rapidamente -, de determinada conduta como configurante decrime contra o patrimônio público ou contra a Administração. Note-seque o preceito de que cogito não era "inconstitucional" anteriormente,nem passou a sê-lo após a instalação do regime democrático. A ideolo-gia constitucionalmente adotada é que, mercê de transformação noregime político, sofreu radical mudança.

Kalinowski [1982:118] observa que toda ação humana estáorientada a um fim, que implica toda uma filosofia consciente ouinconscientemente adotada. Se alguém tem tal ou qual filosofia, estaassinala a ele e a suas ações tal ou qual fim último, e vice-versa. Estefim último, resultante tanto da filosofia do ente como da filosofia dohomem, do indivíduo humano e da sociedade humana, determina, porsua vez, de um lado a política, de outro o princípio supremo da inter-pretação jurídica - o qual, como o próprio direito, ou está subordina-do à política (solução que nem sempre é a melhor), ou a subordina (oque sucede raramente).

O fato é que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, sãopolíticas. Negá-Io equivaleria à entronização do lema "fiat justitiapereat mundus" - o que dispensa qualquer comentário.

74. Interpretação e regime político

O derradeiro aspecto que ainda neste lance de minha exposiçãodevo ferir relaciona-se à força do regime político enquanto critériointerpretativo, que - como observa Paulo Bonavides [2004:463] - semanifesta no plano constitucional, com toda a evidência, "nos casosde interpretação ab-rogante, isto é, nos casos relativos àquela inter-pretação 'que leva a não aplicar uma norma porque já não é confor-me aos princípios da matéria ou da estrutura jurídica do Estado'" -mais freqüentemente ocorrentes na transição de um regime a outro,ou seja, na emergência de uma nova ordem constitucional.

Observo, contudo, que esta nova ordem constitucional tanto po-de surgir na promulgação de um novo texto constitucional quanto,ainda que preservado o mesmo texto constitucional, quando umarevolucionária emergência de novos princípios o trespasse.

Aqui se trata do tema da força dos princípios, que, não obstante,sobretudo na segunda hipótese mencionada, há de ser objeto de cui-dadoso tratamento.

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Considere-se, no tratamento da questão, a circunstância de que emcada direito subjaz, latente, um determinado conjunto de princípiosdiverso do conjunto daqueles que subjazem, latentes, em outros direi-tos. A alteração do regime político em determinada sociedade reflete-sediretamente na compostura desses princípios.

Observe-se também que da prevalência de um princípio sobreoutro decorre o afastamento das regras que dão concreção ao princípiosuperado. Daí, aliás, por que Antoine Jeammaud [1982:620, nota 12 -trecho transcrito no item 59] anota que o princípio é "norme occupantdans Ia hiérarchie une place qui fait obstacle à Ia validité d'autresregles" (grifei).

Além disso, outra razão me impele a repudiar o entendimento deque o intérprete autêntico atua no campo de uma certa discricionarie-dade. Essa razão repousa sobre a circunstância de ao intérprete autên-tico não estar atribuída a formulação de juízos de oportunidade -porém, exclusivamente, de juízos de legalidade. Ainda que não seja ojuiz meramente a boca que pronuncia as palavras da lei, como se vêdo quanto até este ponto venho expondo, sua função - dever-poder-está contida nos lindes da legalidade (e da constitucionalidade).Interpretar o direito é formular juízos de legalidade. A discricionarie-dade é exercitada em campo onde se formulamjuízos de oportunida-de (= escolha entre indiferentes jurídicos), exclusivamente porémquando uma norma jurídica tenha atribuído à autoridade pública a suaformulação.

75. Negação da discricionariedadejudicial

Resta-me tocar na questão da discricionariedade judicial, cujaexistência nego. O juiz, mesmo ao se deparar com hipóteses de lacu-nas normativas, toma decisões vinculado aos princípios gerais dedireito; não produz normas livremente.

Todo intérprete, assim como todo juiz, embora jamais esteja sub-metido ao "espírito da lei" ou à "vontade do legislador", estará sem-pre vinculado pelos textos normativos, em especial, mas não exclusi-vamente - é óbvio -, pelos que veiculam princípios (e faço alusãoaqui, também, ao "texto" do direito pressuposto). E cumpre tambémobservarmos que os textos que veiculam normas-objetivo reduzem aamplitude da moldura do texto e dos fatos, de modo que nela nãocabem soluções que não sejam absolutamente adequadas a essas nor-mas-objetivo.

Valho-me, aqui, para dizê-Io de modo enfático, das palavras deFriedrich MüIler [2000:28]: "O texto da norma é tratado cronologica-mente como primeira instância entre alternativas de solução conside-radas, e materialmente como limite de alternativas admissíveis desolução".

A abertura dos textos de direito, embora suficiente para permitirque o direito permaneça ao serviço da realidade, não é absoluta.Qualquer intérprete estará, sempre, permanentemente por eles atado,retido. Do rompimento dessa retenção pelo intérprete autêntico resul-tará a subversão do texto.

Cogitando da ambigüidade da expressão "poder discricionário",Ronald Dworkin [1987:31] observa que seu sentido exato depende docontexto no qual usada.Assim, em sentido fraco, a expressão é freqüen-temente usada para referir que uma determinada razão impede quealguém aplique determinados standards de modo mecânico, exigindoque esse alguém formule algum tipo de julgamento - dizendo-o ao meumodo: o poder discricionário neste sentido, fraco, diz apenas com o fatode que a aplicação de qualquer ordem, indicação, conceito etc., recla-ma alguma interpretação; ou seja, reclama um agente capaz de racioci-nar, portanto não idiota. Neste sentido, discricionariedade = capacida-de de raciocínio. Em um segundo sentido fraco, a expressão é usadapara referir que determinada pessoa é titular da derradeira capacidadede tomar uma decisão que não pode ser controlada ou anulada por outrapessoa. Neste sentido, V.g., o Supremo Tribunal Federal seria dotado depoder discricionário para decidir a respeito da constitucionalidade decerto ato. Em sentido forte, poder discricionário refere que seu titularnão está vinculado, ao tomar decisões, a qualquer standard estabeleci-do por outra autoridade.

Note-se bem que muitas vezes se afirma a discricionariedade judi-cial exclusivamente para afirmar que os juízes (intérpretes autênticos)são os últimos aplicadores do direito (suas decisões não podem ser cor-rigidas, fazem coisa julgada), ou para afirmar que as normas jurídicasnão são aplicadas mecanicamente, reclamando um intérprete; ou, ainda,

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para dizer que os juízes devem suprir lacunas do direito, quando semanifestem. Nada disso, contudo, é discricionariedade (= juízo deoportunidade); tudo isso é interpretação (= juízo de legalidade).

veis múltiplas, de fato - as circunstâncias peculiares do caso - ejurídicas -lingüísticas, sistêmicas e funcionais -, são descortinadas.E, paradoxalmente, é precisamente o fato de o intérprete estar vin-culado, retido, pelos princípios que torna mais criativa a prudênciaque pratica.

Desejo aludir ainda à exposição de Michel Troper [1995:241-242] na qual, cogitando da liberdade do juiz de exprimir sua vonta-de, chama a atenção a respeito da confusão entre livre arbítrio eliberdade em sentido jurídico. Quando dizemos que uma autoridade,um órgão judiciário, é livre não desejamos, por certo, afirmar que elase subtrai a quaisquer determinismos. E assim é porque entendemospor "liberdade" não uma situação privada de determinação, mas ape-nas uma liberdade "jurídica". Ora, precisamente porque a interpreta-ção é juridicamente livre podemos compreender que ela está sujeitaa um determinismo. Uma teoria que admita que a interpretação con-siste em descobrir um sentido já existente no texto não pode indagarsenão o que o intérprete deve fazer, e se proíbe de explicar o que elerealmente faz.

Afastando-me da linha de exposição de Troper, devo salientarque o intérprete está sujeito a inúmeros determinismos, o mais rele-vante dos quais é o determinismo do texto do direito, todo ele. Deoutra banda, devo enfatizar também o fato de o descobrimento dosentido já existente no texto não importar conversão da interpretaçãoem mero ato de conhecimento. Para também negar isso é que me aba-lei a escrever este pequeno livro.

O que se tem denominado de discricionariedade judicial époder de criação de norma jurídica que o intérprete autêntico exer-cita formulando juízos de legalidade (não de oportunidade). Adistinção entre ambos esses juízos encontra-se em que o juízo deoportunidade comporta uma opção entre indiferentes jurídicos, pro-cedida subjetivamente pelo agente; o juízo de legalidade é atuação,embora desenvolvida no campo da prudência, que o intérpreteautêntico desenvolve atado, retido, pelo texto normativo e, natural-mente, pelos fatos.

A interpretação é expressão de uma manifestação constitutiva,que envolve uma decisão. Essa decisão é assumida - insisto -mediante a formulação de umjuízo de legalidade - não de umjuízode oportunidade (= discricionariedade). Não obstante, a doutrinainsiste no equívoco de confundir discricionariedade (juízo deoportunidade) com a liberdade de pensar, própria da natureza dohomem.58

Por isso mesmo é que, não atuando no mesmo plano lógico, demodo que se possa opor a legalidade à discricionariedade - e estadecorrendo, necessariamente e sempre, de uma atribuição normativaa quem a pratica -, a discricionariedade se converte em uma técnicada legalidade.

Ainda quando o intérprete autêntico cogite dos princípios, aoatribuir peso maior a um deles - e não a outro - ainda então nãoexercita discricionariedade. O momento dessa atribuição é extrema-mente rico - porque nele, quando se esteja a perseguir a definiçãode uma das soluções corretas, no elenco das possíveis soluções cor-retas a que a interpretação do direito pode conduzir - pondera-se odireito, todo ele (e a Constituição inteira), como totalidade. Variá-

58. Ainda quando o homem formule juízos de legalidade, exerce sua - naturaldei<" liberdade de pensar, pois eles envolvem o pensamento e os pensamentos são111'/1'\ 1< ;()(·Ihe\ ... Aqui. no entanto, os pensamentos são livres somente na moldura

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A única hipótese dentro da qual no direito brasileiro pode ser exer-citada a discricionariedade judicial é a expressamente prevista no art.1.109 do Código de Processo Civil, que, tratando dos procedimentosespeciais de jurisdição voluntária, estabelece que: "O juiz decidirá opedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar cri-tério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução quereputar mais conveniente e oportuna". Ainda assim - e embora nãoesteja o juiz, na jurisdição voluntária, a dirimir conflito ou controvérsia_ entende a doutrina que essa discricionariedade é para ser exercitadaexclusivamente em termos de atividade processual, jamais de modo aafetar o direito material.

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76. A subversão do texto

À questão de se saber quando o intérprete autêntico subverte otexto - porque ele não pode subverter a norma e/ou a ideologia dodireito, já que é ele próprio quem as produz - aporto a seguinte con-tribuição.

Sendo a interpretação uma prudência (ela não é saber puro,separado do ser), essa subversão verificar-se-á quando o intérpreteautêntico produzir interpretante (norma/ideologia) não-correto. Aapuração dessa subversão também é (deve ser) objeto de uma pru-dência. O interpretante será correto quando - a conclusão é de Aar-nio [1992:278] - (i) se insere no quadro (na moldura) do direito; (ii)o discurso que o justifica se processa de maneira racional; (iii) aten-de ao código dos valores dominantes.

(extemen Rechtfertigung) das próprias premissas. Como no caso dasleis, também as decisões judiciais são criaturas tanto da história quan-to da moralidade.

A correção (Richtigkeit) dos juízos normativos (normativer Urtei-Ie) jamais poderá ser explicada segundo as pautas de uma teoria da cor-respondência com a verdade, já que os direitos são construções sociaisque não devemos hipostasiar em fatos. A "correção" significa a aceita-bilidade racional fundada em boas razões. A legitimidade (GüItigkeit)de um juízo (Urteils) é, sem dúvida, definida pelo fato de as suas con-dições de validade (GeItungsbedingungen) terem sido cumpridas[Habermas 1992:277].

Por fim, v. a sucinta e incisiva exposição de Marcelo Neves[2003:364 e ss.].

Paralelamente a isso, lembrem-se as observações de Habermas[1992:243]. A tarefa de julgar, para que realize a função socialmenteintegradora da ordemjurídica e a pretensão de legitimidade do direito,deve simultaneamentecumprir as condições de uma decisão consisten-te e da aceitabilidade racional. Uma vez que essas condições não seharmonizam facilmente, dois critérios devem ser conciliados na práxisda tomada de decisão judicial (Entscheidungspraxis). Por um lado, oprincípio da certeza do direito (Prinzip der Rechtssicherheit) requerdecisões que possam ser consistentemente tomadas no quadro da ordemjurídica vigente. Por outro lado, a pretensão de legitimidade (der Legi-timitiitsanpruch) da ordem jurídica requer decisões consistentes nãoapenas com o tratamento anterior dos casos análogos e com o sistemade regras vigente (geItenden RegeIsystem), mas pressupõe igualmenteque sejam racionalmente fundadas nos fatos da questão (Sache) de talmodo que os co-associados possam aceitá-Ias como decisões racionais.Os juízes, que decidemos casos efetivos precisamente também no hori-zonte de um futuro presente, proferem juízos que configuram preten-sões de validade à luz de regras e princípios legítimos. Nessa medida,os fundamentos de justificação devem ser emancipados das contingên-cias de seu contexto de origem. Essa alteração de enfoque, do históricopara o sistêmico, é explicitamente efetivada com a transição da justifi-cação interna (intemen Rechtfertigung) de uma decisão que repousesobre premissas anteriormente dadas para uma justificação externa

77.Aforça normativa do direito

Importa observarmos, finalmente, que, sendo o direito um dina-mismo - transporto a esse plano as ponderações de Hesse [1991:19-20] a propósito da Constituição -, sua força normativa manifesta-sequando se assenta na natureza singular do presente (individuelle Bes-chaffenheit der Gegenwart), quando seu conteúdo corresponde a essanatureza singular.

Diz Hesse [1991:24]: "Em síntese, pode-se afirmar: a Constituiçãojurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode serseparada da realidade concreta do seu tempo. A pretensão de eficáciada Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essarealidade. (...). Constatam-se os limites da força normativa da Consti-tuição quando a ordenação constitucional não mais se baseia na natu-reza singular do presente. {individuelle Beschaffenheit der Gegenwart]Estes limites não são, todavia, precisos, uma vez que essa qualidadesingular é formada tanto pela idéia de vontade de Constituição [Willezur Veifassung] quanto pelos fatores sociais, econômicos e de outranatureza. Quanto mais intensa for a vontade de Constituição, menossignificativos hão de ser as restrições e os limites impostos à força nor-mativa da Constituição. A vontade de Constituição não é capaz, porém,de suprimir esses limites. Nenhum poder do mundo, nem mesmo aConstituição, pode alterar as condicionantes naturais" (grifos meus).

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É dizer, de outra forma, que não é a consciência do homem quedetermina o seu ser, mas sim, pelo contrário, seu ser social é quedetermina a sua consciência.

Assim, perece a sua força normativa quando o direito já não cor-responde à natureza singular do presente. Opera-se a frustraçãomaterial da finalidade dos seus textos que estejam em conflito com arealidade e ele se transforma em obstáculo ao pleno desenvolvimen-to das forças sociais.

Ao intérprete incumbe, então, sob o manto dos princípios, atua-lizá-Io. Que pereça, então, a certeza, em benefício da esperança.

IVAPÊNDICE I

A LINGUAGEM E OS CONCEITOS JURÍDICOS

78. Sobre a linguagem jurídica

O tratamento do tema da interpretação do direito não se faz com-pleto se escaparmos à análise da questão da ambigüidade e impreci-são das palavras e expressões da linguagem jurídica. Isso reclama oalinhamento de algumas anotações a respeito da linguagem jurídica e,também, dos conceitos jurídicos - para o quê vou me valer de textoanterior, publicado em meu Direito, Conceitos e Normas Jurídicas,porém revisto, de sorte que, embora mantida a sua estrutura, outro,aprimorado, é o seu conteúdo.

Os juristas, em geral, usam determinadas palavras e expressõesjurídicas para trabalhar em suas respectivas disciplinas, supondoserem conhecidos e assentes os sentidos que nelas discernem.

Isso, contudo, não ocorre. Por isso é imprescindível, para quepossamos seguir adiante, de modo produtivo, no conhecimento dodireito, ocuparmo-nos com as palavras e expressões jurídicasantes de as usarmos. Essa necessidade, logo demonstrarei ser elainafastável.

Ocorre-me, neste passo - e para tanto valho-me da exposição deTércio Sampaio Ferraz Júnior [1978:6] -, lembrar que a relação bási-ca entre direito e linguagem pode ser encarada em três diversos senti-dos: (i) no primeiro deles considera-se que o direito tem uma lingua-gem, tomando o vocábulo como significativo, concomitantemente, delíngua e discurso; (ii) no segundo assume-se a existência de um direi-to de linguagem, no qual esta aparece como objeto de disciplinaçãojusnormativa - e não lógica ou gramatical; (iii) no terceiro sentido

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A alusão à voz de Julieta enseja a lembrança de outro personagemliterário, Guilherme de Baskerville, no discurso sobre a tese dos teólo-gos imperiais: "Deus dissera a Adão para não comer da árvore do Beme do Mal, e essa era a lei divina; mas depois o autorizara - o que estoudizendo? -, encorajara-o a dar nomes às coisas, e sobre isso tinha dei-xado livre o seu súdito terrestre. De fato embora alguns, nos nossostempos, digam que 'nomina sunt consequentia rerum', o livro doGênesis é contudo bastante claro sobre esse ponto: Deus levou aohomem todos os animais para ver como os chamaria, e qualquer quefosse o modo como o homem tivesse chamado a cada ser vivente, essedeveria ser o seu nome. E embora certamente o primeiro homem tives-se sido muito cuidadoso ao chamar, em sua língua edênica, cada coisae animal segundo a sua natureza, isso não impede que ele exercitasseuma espécie de direito soberano ao imaginar o nome que, a seu ver,melhor correspondia àquela natureza. Porque, de fato, é agora sabidoque diferentes são os nomes que os homens impõem para designar osconceitos, e iguais para todos são apenas os conceitos, signo das coi-sas. Assim que certamente vem a palavra 'nomen' de nomos, ou seja,lei, visto que justamente os nomina são dados pelos homens ad placi-tum, isto é, por livre e coletiva convenção" [Eco 1983:403].

Podemos - com Hospers - apor rótulos convencionais sobredeterminadas garrafas ou fazê-Io de modo arbitrário. Optando pelasegunda alternativa, da sua adoção não resultará alteração alguma noconteúdo do continente arbitrariamente rotulado. Apenas, se o nossopropósito não for o de instalar, no mínimo, a confusão, cumpre-nosdeixar bem esclarecido aos seus potenciais usuários quais conteúdosencontrarão em cada uma delas.

Assim com as palavras. Se não as tomarmos com a significaçãousual, cumpre-nos informar aos nossos ouvintes ou leitores os sentidosque lhes atribuímos. Ainda segundo Hospers [apud Gordillo 1977:4],"qualquer um pode usar o ruído que quiser para se referir a qualquercoisa, contanto que esclareça o que designa o ruído em questão".

cogita-se do direito enquanto linguagem - o que leva à afirmação datese da intranscendentalidade da linguagem.

Fato incontestável é o de que o direito é, fundamentalmente,comunicação, seja para ordenar situações de conflito, seja para instru-mentalizar políticas. Daí a necessidade - inafastável- de penetrarmoso nívellingüístico na prática das atividades próprias do profissionaldo direito. Note-se que, aqui - como adverte Tércio Sampaio FerrazJúnior [1978:8] -, "o estudo que se desenvolve não é de lingüística,mas jurídico, pois não dispensamos, ao investigar a norma, as carac-terísticas operacionais da teorização jurídica".

Quando nos ocupamos com uma determinada expressão ou pala-vra jurídica - digo-o agora em linguagem corrente, sem qualquerrigor lingüístico - procuramos defini-Ia e/ou descrever o objeto querepresenta.59

As linguagens consubstanciam sistemas ou conjuntos de símbo-los convencionais.

Isso significa que não há qualquer relação necessária entre aspalavras (de um lado) e os objetos, circunstâncias, fatos ou aconte-cimentos (de outro) em relação aos quais as palavras cumprem suasmúltiplas funções [Carrió 1990:91 e ss.].

As palavras - observou Hospers [apud Gordillo 1977:2] - sãocomo rótulos que colocamos nas coisas, para que possamos falarsobre elas: "Qualquer rótulo é conveniente na medida em que nosponhamos de acordo com ele e o usemos de maneira conseqüente. Agarrafa conterá exatamente a mesma substância, ainda que coloque-mos nela um rótulo distinto, assim como a coisa seria a mesma aindaque usássemos uma palavra diferente para designá-Ia".

De outra forma disse-o já Shakespeare [s/d:302], na voz poéticade Julieta: "What's in a name? That wich we call a rose/by any othername would smell as sweet".60

59. Adiante tratarei da distinção entre conceito e definição jurídica, tendo jáverificado, anteriormente, que os conceitos jurídicos não representam objetos.

60. Ato 11, cena 11.

80. (segue)Sendo a linguagem, assim, um sistema ou conjunto de vocábulos

convencionais, os significados das palavras ou expressões lingüísti-cas dependem sempre de uma convenção.

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A convenção - observa Carrió [1990:91-92] - pode ser explícitae "ad hoc" ou tácita e geral. Aí no primeiro caso as linguagens arti-ficiais; no segundo, as linguagens naturais.

Além disso, a convenção pode conduzir a definições léxicas(aquelas que recolhem os significados, sempre imprecisos, na lingua-gem natural) ou a definições estipulativas (as que se sustentam sobreas regras precisas de uso das palavras, da linguagem artificial).

No uso da linguagem jurídica - estou me valendo, ainda, daexposição de Carrió [1990:49] -lançamos mão de palavras e expres-sões da linguagem natural ou definíveis em termos dela. Tomamos ostermos de que fazemos uso da linguagem natural, até porque não pra-ticamos o hábito - ou isso não nos é permitido - de cunhar palavrasnovas para expressar determinados significados, hábito desenvolvidopelos especialistas de outros ramos do conhecimento.

Observam Pollock e Maitland [apud Hohfeld 1968:36, nota 19]:"Pocos, o quizás ninguno, de Ias términos de nuestro vocabulario jurídi-co han sido siempre términos técnicos. La licencia que el científico setoma aI acunar palabras nuevas le está negada a Ias juristas por Ia natu-raleza misma de Ias cosas. Los juristas tienen que tomar sus términos deIlenguage popular; gradualmente, Ias palabras así tomadas son definidas;a veces, una palabra continúa teniendo un sentido técnico para Ias juris-tas y un significado distinto y mas vago para Ias legas; a veces, Ia pala-bra que Ias primeros han adaptado es abandonada por Ias últimos".

ta sentidos distintos. Algumas palavras em estado de dicionário -imagem drummondiana - denotam inúmeras referências ou designa-ções. Quando, todavia, elas são desprendidas do dicionário e passama ser usadas em um texto não é mais a sua carga denotativa, o seuespectro referencial possível, porém o sentido sob o qual foram usa-das, que conta. Cumpre ver, pois, que uma palavra com largo arco dedenotação (extensão) conota sentidos diversos em distintos contex-tos (= compreende distintas intenções). Por isso é imprescindível-se desejarmos determinar qual o sentido (intenção), entre os inúme-ros possíveis, sob o qual a palavra está sendo usada, aqui ou ali -descobrirmos qual a sua conotação aqui ou ali, neste ou naquele con-texto [Canotilho 1982:429 e ss.].

Quanto à imprecisão, decorre de fluidez de certas palavras, cujolimite de aplicação é impreciso. Buscando exemplos na linguagemcomum, aí teremos os vocábulos "jovem", "alto", "calvo". Transcre-vendo Carrió [1990:31-32]: "Há casos centrais e típicos, frente aosquais ninguém vacilaria em aplicar a palavra, e casos claros de exclu-são, em relação aos quais ninguém duvidaria em não usá-Ia. Mas nomeio há uma zona mais ou menos ampla de casos possíveis frente aosquais, quando se apresentam, não sabemos o que fazer".

Daí por que a linguagem jurídica apresenta zonas de penumbra eé, atual ou potencialmente, vaga e imprecisa [Carrió 1990:55].

Tanto quanto a linguagem natural, portanto, a linguagem jurídi-ca - que naquela vai se nutrir - apresenta uma textura aberta, nelaproliferando o que Hohfeld [1968:45-46] refere como palavras-"ca-maleão", que constituem um perigo tanto para o pensamento clarocomo para a expressão lúcida.

Assim, ambigüidade e imprecisão são marcas características dalinguagem jurídica. Manifesta-se a primeira em virtude de as mes-mas palavras em diversos contextos designarem distintos objetos,fatos ou propriedades. A mesma palavra em contextos diversos cono-

81. (segue)

A textura aberta da linguagem jurídica decorre do fato de nutrir-se ela (linguagem jurídica) da linguagem natural, na qual aquelesfenômenos se manifestam.

Cumpre ainda lembrar, todavia, que as línguas naturais nãosobrevivem fundando-se exclusivamente em uma sintática e em umasemântica, mas também sobre uma pragmática - ou seja, comoobserva Umberto Eco [2001:43-44], "baseando-se em regras depraxe, que levam em consideração as circunstâncias e os contextos deemissão, e estas mesmas regras de praxe estabelecem a possibilidadedos usos retóricos da língua, graças aos quais as palavras e constru-ções sintáticas podem adquirir significados múltiplos (como ocorre,por exemplo, com as metáforas)".

Ademais -e aqui também a transcrição é de Umberto Eco [2001:44]-, a língua natural não é omniefável, isto é, "capaz de exprimir toda a

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nossa experiência física e mental e, portanto, de poder expressar sensa-ções, percepções, abstrações e responder até mesmo à indagação por quehaja o Ser em lugar do Nada". E prossegue, ao afirmar que a língua ver-bal não é totalmente efável, sugerindo: "Experimente-se descrever empalavras a diferença entre o perfume da verbena e do alecrim".

Isso será tão mais grave quando se observe que dificilmente con-seguimos distinguir aquilo que não podemos nomear. A propósito, dizAlberto MangueI [2001:48-49]: "Enquanto todas as línguas compor-tam distinções de claro e escuro, e a maioria tenha palavras que deno-tam as cores primárias e as secundárias, nem todas as línguas têm ter-mos específicos para as cores. O idioma Tarahumara, do Norte doMéxico, não tem palavras especiais para o verde e o azul; em conse-qüência, a capacidade do Tarahumara de distinguir matizes entreessas duas cores é bem menos desenvolvida do que no falante doInglês e do Espanhol. A leitura que um Tarahumara fará de uma pin-tura azul e verde será forçosamente afetada pelas aptidões lingüísti-cas do espectador. (...). O que o exemplo do povo Tarahumara parecesugerir é que, até certo ponto, o que vemos não será determinado nempela realidade sobre a tela, nem por nossa inteligência e por nossasemoções como espectadores, mas sim pelas distinções fomecidaspela própria língua, em toda sua majestade arbitrária".

Não seriam signos, é dizer, significantes, e a comunicação humanatomar-se-ia impossível".

O fato é que - como observa Karl Larenz [1983:83] - "a lingua-gem jurídica deve ser considerada como um 'jogo de linguagem', nosentido que a essa expressão atribuiu Wittgenstein. O papel das pala-vras neste 'jogo' não é captável mediante uma definição, visto que, aodefini-Ias, estaremos a nos remeter ao seu significado em um outro'jogo de linguagem"'. O papel delas no jogo de linguagem, nestascondições, só poderá ser desvendado na medida em que passemos aparticipar do mesmo jogo. Desta participação no jogo decorre a pos-sibilidade de compreendermos a linguagem jurídica - tarefa que éinstrumentada pela dogmática -, o que importa, segundo Larenz, que,de fato, as palavras e expressões ganhem na linguagem jurídica sen-tidos mais precisos do que aqueles que têm na linguagem usual.

É certo, pois, que, ainda que ambíguas e imprecisas, as palavras eexpressões jurídicas expressam significações sempre determináveis.

Desde este flanco - o que faz alusão à indeterminação dessaspalavras e expressões, donde a alegada "indeterminação dos concei-tos jurídicos" - alcançamos o tema dos conceitos jurídicos, cuja pon-deração neste passo se reclama mercê da circunstância de a teoria dainterpretação dos textos jurídicos, no atual estágio de sua evolução,recusar a tese que sustenta operar-se no âmbito da discricionariedadeda Administração o preenchimento dos equivocadamente designados"conceitos indeterminados". Iremos bem além desse ponto, contudo.

Não é um mal injustificável, de toda sorte, este de que padece alinguagem jurídica. E isso porque, se as leis devem ser abstratas egerais, necessariamente hão de ser expressas em linguagem de textu-ra aberta. A propósito, contudo, enfatiza Martino [1973:65] a neces-sidade de distinguirmos nas normas legais - nos textos normativos,direi - entre a má técnica legislativa e as necessárias ambigüidade eimprecisão dos textos legais.

Afirmar que as palavras e expressões jurídicas são, em regra,ambíguas e imprecisas não quer, porém, dizer que não tenham elassignificação determinável.

Se assim não fosse, aliás, as palavras - como observa Bandeirade Mello [1981 :245] - "seriam meros ruídos sem qualquer conteúdo.

83. Conceito e conceito jurídico

O conceito na concepção aristotélica compreende, em sentidoamplo, a simplex apprehensio rei, envolvendo também a representa-ção sensitiva ou imagem do objeto conceituado. Em sentido estritocompreende a simplex apprehensio essentiae rei. Ao formulá-Io ex-traímos mentalmente do objeto sua aparência singular ou individual.Daí por que o conceito, em oposição à imagem ou representação con-creta, ou gráfica, é sempre abstrato.

A cada conceito corresponde um termo. Este - o termo - é osigno lingüístico do conceito. Assim, o conceito, expressado no seutermo, é coisa (signo) que representa outra coisa (seu objeto).

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Logo, o conceito na concepção aristotélica está referido, pelamediação do termo (signo do conceito), a um objeto.

que é a de permitir a aplicação de normas jurídicas com um mínimode segurança e certeza.61

Os conceitos jurídicos não são referidos a objetos, mas sim a sig-nificações. Não são conceitos essencialistas.

O "objeto" do conceito jurídico não existe "em si"; dele não hárepresentação concreta, nem mesmo gráfica. Tal objeto só existe"para mim", de modo tal, porém, que sua existência abstrata apenastem validade no mundo jurídico quando a este "para mim", por forçade convenção normativa, corresponde um - seja-me permitida aexpressão - "para nós".

Apenas e tão-somente na medida em que o "objeto" - a signifi-cação - do conceito jurídico possa ser reconhecido uniformementepor um grupo social poderá prestar-se ao cumprimento de sua função,

O conceito - essencialista ou não - é produto da reflexão,expressando uma suma de idéias.

Quando expressado, através do termo, o conceito envolve um atode expressão.

O termo, pois, é a expressão do conceito. Esta expressão é umsigno.

61. Por isso mesmo sustento que, a se admitir possa existir conceito "indeter-minado" - ou seja, cuja significação não é reconhecível uniformemente por umgrupo social -, a interpretação/aplicação do direito será procedida à margem delepróprio, o direito.

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Como demonstrou Peirce, o signo é uma coisa que representaoutra coisa, isto é, o seu objeto. O signo não é o objeto, apenas estáno lugar do objeto. Se representa o objeto, produz na mente do intér-prete alguma coisa (um signo ou quase-signo) que também está rela-cionada ao objeto não diretamente, porém pela mediação do signo.

Os conceitos jurídicos, como afirmei, são referidos a significa-ções, e não a objetos (coisas).

Isto é: seus termos (expressões desses conceitos) são - enquantosignos dos conceitos - signos de significações de coisas (coisas, esta-dos ou situações).

Posso então dizer que os conceitos jurídicos expressados (atravésde seus termos) têm como objeto significações atribuíveis a coisas(coisas, estados ou situações).

Nisto é que os conceitos jurídicos distinguem-se dos conceitosessencialistas:

• o conceito essencialista, expressado, é o signo de uma coisa;seu objeto é a coisa; está no lugar da coisa; é o primeiro signo do"objeto";

• o conceito jurídico, expressado, é o segundo signo de um pri-meiro signo: a significação da coisa (coisa, estado ou situação); estáno lugar não da coisa (coisa, estado ou situação), mas da significaçãoatribuível- ou não-atribuível- à coisa (coisa, estado ou situação).

No conceito - produto da reflexão (suma de idéias) - temos umaidéia universal.

O conceito é a representação de uma idéia universal que, quan-do intencionada, conduz à formulação de uma imagem no pensamen-to do intérprete.

Esta imagem no pensamento do intérprete - expressão de umaidéia universal- é um terceiro signo, na cadeia assim concebida:

• significação atribuível - ou não-atribuível - à coisa (coisa,estado ou situação) = primeiro signo;

• expressão do conceito (termo) = segundo signO;• imagem produzida pelo conceito = terceiro signo.

CONCEITO JURÍDICO(SIGNO DE

SIGNIFICAÇÃO - 1l')

CONCEITO JURÍDICO(SIGNO DE)---,

Daquela significação, em regra, não temos representação concre-ta ou gráfica.

Os conceitos jurídicos, portanto, nos seus atos de expressão, istoé, nos seus termos (note-se que o conceito jurídico, em si mesmo, nãoé ato de expressão; o que tem significação é o seu tenno, expressãodo conceito), são signos, ou seja, signos de significações atribuíveis- ou não-atribuíveis - a coisas, estados ou situações.,

SIGNIFICAÇÃO OBJETO (COISA, ESTADOATRIBUÍVEL A ---.......... OU SITUAÇÃO)

TERMO (SIGNO DOCONCEITO)

Na linguagem - ou instância - jurídica, portanto, as expressõesdos conceitos jurídicos são signos de segundo grau, isto é, signos de

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significações (signos de primeiro grau) atribuíveis - ou não-atribuí-veis - a coisas, estados ou situações.

O objeto do conceito jurídico expressado, assim, é uma signifi-cação atribuível a uma coisa, estado ou situação - e não a coisa, esta-do ou situação.

A enunciação (expressão) do conceito jurídico produz em nossasmentes uma imagem, que é um signo de terceiro grau, isto é, umsigno - terceiro - da expressão conceitual - segundo - da significa-ção - primeiro.

Si). Ascarelli e os conceitos jurídicos

A esta altura, no entanto, impõe-se a introdução de precisãoindispensável à plena compreensão do conceito de conceito jurídico.

Desejo distinguir, entre os conceitos jurídicos, a partir da classifi-ca<.;ãoformulada por Ascarelli [l952:XIII-XVII],62 os conceitos jurídi-~:(lS meramente formais, as regulae juris e os conceitos tipológicos(Júllispecie), que cumprem diferentes funções na linguagem jurídica.

Os conceitos meramente formais (v.g., ônus, sujeito jurídico,direito, obrigação), tal como as normas jurídicas, estão ancorados nolerreno formal e o estudo de suas características específicas permiteo desenvolvimento de uma quase-topologia (que pode realmente defi-nir-se como uma teoria geral do direito), indicativa de uma série deposições lógicas. Os conceitos meramente fomuús não possuem rea-lidade histórica própria. A elaboração desses esquemas - prossegueAscarelli [l952:XV] -, o seu enriquecimento e o seu desenvolvimen-10 revelam-se indispensáveis à expressão das valorações normativas,que, na sua ausência,63 pode tomar impossível, essa elaboração, dan-do lugar a uma analogia com a matemática.

As regulae juris consubstanciam expressões que sintetizam oconteúdo de um conjunto de normas jurídicas, sem que lhes corres-ponda um significado próprio. Limitam-se a exprimir, condensada-mente, um sistema normativo, a modo - diz Fábio Konder Compara-to [1983:269] - de autêntica estenografia legal. Tome-se comoexemplo dessa espécie de conceito o de propriedade, que apenasassume alguma significação na medida em que tenhamos sob consi-deração a função, por ele cumprida no discurso do direito, de resumirtoda a disciplina normativa atinente ao modo de aquisição e aos pode-res, faculdades e deveres decorrentes da aquisição de uma posiçãojurídica subjetiva em relação a um bem [Meroni 1989:285]. A utilida-de do conceito de propriedade - e isso o toma na prática insubstituí-vel- está na enorme economia de tempo e de energia que seu uso per-mite a quem pretenda expor o conteúdo do subsistema normativoaplicável à propriedade [Meroni 1989:285].64

• IMAGEM [SIGNO, DE TERCEIRO GRAU] DO

• TERMO [SIGNO, DE SEGUNDO GRAU] DA

• SIGNIFICAÇÃO (CONCEITO) [SIGNO, DE PRIMEIRO

GRAU] ATRIBUÍVEL A

• COISA, ESTADO OU SITUAÇÃO

Esta imagem (que é a imagem de uma idéia universal, o concei-to) está relacionada à coisa, estado ou situação pela mediação de doissignos - a expressão do conceito e a significação atribuível à coisa,estado ou situação - e não de um signo, apenas.

CONCEITO ESSENCIALISTA

~IMAGEM / TERMO / OBJETO

IMAGEM / TERMO / SIGNIFICAÇÃO / COISA, ESTADOOU SITUAÇÃO

62. V. Massimo Meroni [1989:282-291].63. Ausência de esquemas formais adequados.64. No mesmo sentido, A1fRoss [1976:165-181].

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Por fim, os conceitos jurídicos tipológicos (jattispecie), univer-salmente, são expressões da história e indicam os ideais dos indiví-duos e grupos, povos e países; ligam-se a esquemas e elaborações decaráter lógico - independentemente dos quais é eventualmente im-possível a disciplina e que poderão ser diferentes, mesmo obedecen-do, cada um, a uma coerência própria -, bem como a preocupaçõese hábitos econômicos e a fés religiosas; à história do Estado e àestrutura econômica; a orientações filosóficas e a concepções domundo [Ascarelli 1952:XIV]. Referem-se a fatos típicos da realida-de [Comparato 1983:269]. Aí encontramos conceitos cujos termossão, v.g., "boa-fé", "bom pai de família", "coisa", "bem", "causa","dolo", "culpa", "erro". Atribuir significado a esses termos equivaleà identificação das espécies de fato alcançadas por um texto norma-tivo [Meroni 1989:283].

Os conceitos jurídicos tipológicos (jattispecie) em verdade nãosão conceitos, mas noções, como veremos adiante.

ext<fairconseqüências jurídicas mas deve, antes de tudo, perquirir qualo complexo de normas a que eles se referem e iniciar, então, a sua argu-mentação jurídica, unicamente a partir desse conjunto normativo, con-densadamente expresso pela regulae" [v. Ascarelli 1959a:169].

Observa ainda Fábio Konder Comparato [1983:269] que conceitostipológicos (jattispecie) "não deixam de ser jurídicos, pois eles com-põem a previsão normativa; mas o seu conteúdo é, sem dúvida, extra-jurídico, porque se referem a uma classificação tipo lógica da realidadesocial. Por isso mesmo, em relação a eles não se põe nenhum problemade definição jurídica: o seu sentido é o da linguagem comum. Assim,por exemplo, quando o Código Civil Brasileiro [a referência é ao Códi-go de 1916 - esclarecemos] declara que 'todo homem é capaz de di-reitos e obrigações na ordem civil' (art. 2º), está empregando a palavra'homem' no seu sentido comum, que dispensa qualquer definição pro-priamente jurídica. Ao contrário, quando edita a regra de que 'é nulo oato jurídico quando praticado por pessoa absolutamente incapaz' (art.145, n. I), o mesmo Código se utiliza de vários termos ou expressõesque não encontram correspondência na linguagem comum, porque, jus-tamente, não se referem a uma classificação tipológica da realidadesocial e sim àquilo que Jhering denominou 'construções jurídicas', istoé, conjuntos sistemáticos de normas, como 'nulo', 'ato jurídico' e 'pes-soa absolutamente incapaz'. Estes últimos conceitos, correspondentesàs regulae da sentença de Paulo, são 'mudos' em matéria interpretativa,no sentido de que não podem constituir uma premissa para a solução docaso em espécie. O intérprete não pode partir de tais conceitos para

90. Ainda os conceitos jurídicos

Cumpre ver, por outro lado, que os conceitos jurídicos são usa-dos não para definir essências, mas sim para permitir e viabilizar aaplicação de normas jurídicas. Expressados, são signos de signos(significações) cuja finalidade é a de possibilitar aquela aplicação.

Quanto aos tipológicos (jattispecie), a eles poderemos nos refe-rir como signos de predicados axiológicos. Não sendo signos de coi-sas (coisas, estados ou situações), atuam como referenciais que, emsi, não estão ligados a coisa alguma (coisas, estados ou situações),embora aptos a ligar-se a qualquer coisa (coisa, estado ou situação),dentro de um elenco finito. Assim - tal como outros conceitos quenão são signos de coisas -, representam uma essência universal designificação amoldável a individualidades ou a essências universais,conhecíveis pela mente e exprimíveis em outros signos, seus, enquan-to realidades, que não o signo do conceito jurídico; pouco importa seum ou outro.

Tome-se de um exemplo: fulano ataca beltrano com uma faca;há, aí, um gesto de agressão. Tal gesto é conceituável, há um signo(conceitual) que lhe corresponde (signo do gesto); a qualificaçãodeste gesto como expressivo de legítima defesa ou não, contudo, éresultante da atribuição do conceito de legítima defesa como referen-da/ axio/ógico do gesto - ou não; a "legítima defesa" - conceito jurí-dico - não existe como coisa, estado ou situação, isto é, como reali-dade, senão como signo de um outro signo, atribuível ao gesto;evidente que da atribuição ou não-atribuição da significação de legí-tima defesa ao mencionado gesto dependerá o envolvimento do sujei-to desse gesto por ou um outro conjunto de normas jurídicas.

Este ponto, pois, necessita - no meu modo de ver - ser enfatiza-do: os conceitos jurídicos são signos de predicados axiológicos. Ou,dizendo-o de outra forma, prestam-se a atribuir um acidente axio/ó-gico à coisa, estado ou situação.

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Atribuída à coisa, estado ou situação uma determinada significa-ção (conceito jurídico), quanto a ela aplicar-se-ão umas - e nãooutras, ou nenhuma - determinadas normas jurídicas.

Esta, de resto, a finalidade dos conceitos jurídicos: não o conhe-cimento ou uma descrição da essência de coisas, estados e situações,mas a viabilização da aplicação, a uma coisa, estado ou situação, deuma determinada ou de um determinado conjunto de normas jurídicas.

sua totalidade; trata-se, aí, de tipos empíricos. Os tipos de totalidade outipos-figuras consubstanciam o que Larenz refere como tipo real nor-mativo ("representante de comércio", "chefe de administração"). Alémdaqueles, contudo, menciona Larenz [1983:456-457] os tiposjurídicos-estruturais, que são tipos-figuras normativos surgidos na realidade jurí-dica, referindo-se a conteúdos de regulação classificados de mododeterminado. Aí os fatos jurídicos, entre os quais os negócios jurídicos.

Karl Larenz [1983:452] menciona a utilização, pelo direito e pelachamada ciência do direito, de tipos médios ou defreqüência - que sur-gem quando descrevemos um comportamento ou uma situação como"típica", ou seja, esperada segundo o curso normal- e de tipos de tota-lidade ou defigura - que surgem quando aludimos a um mínimo maisou menos grande de propriedades e de características de uma figura, em

92. Conceitos e definições jurídicas

Importa agora apontarmos a distinção que aparta os conceitosdas definições jurídicas.

Os conceitos jurídicos - vimos - são expressados através de ter-mos: o termo é o signo do conceito.

Ora, porque esses termos são colhidos na linguagem natural, queé virtualmente ambígua e imprecisa, inúmeras vezes textos normati-vos operam a cnunciação estipulativa de conceitos, ou seja, definemos seus respectivos termos. O que se tem referido por "conceito esti-pulativo ou legal" corresponde, em regra, a uma definição, que otexto normativo contempla visando a superar a ambigüidade ouimprecisão do termo de certo conceito.

A definição jurídica, pois - "Para os efeitos desta lei entende-sepor (...)" -, é a explicitação do tenno do conceito e não deve ser con-fundida com o conceito jurídico. Este é o signo de uma significação,expressado pela mediação do termo. A definição jurídica está referi-da ao termo, e não diretamente ao conceito; consubstancia - repita-se- uma explicitação do termo do conceito.

Não fora virtualmente ambígua e imprecisa a linguagem jurídica,bastar-nos-iam os conceitos jurídicos, sendo prescindíveis as defini-ções ou "conceitos estipulativos ou legais". Mas não é bem e apenasassim, contudo. Muitas vezes o ordenamento jurídico alberga concei-tos que, embora diversos, são expressados por um mesmo termo.Nesta hipótese, sob o mesmo termo conceitual - o que toma aindamais complexo e desafiador, para o intérprete, o problema da ambigüi-dade dos termos e expressões jurídicos - sob o mesmo termo concei-tual, dizia eu, repousam, plasmados pelo ordenamento, distintos con-ceitos jurídicos. A distinção entre tais conceitos é evidente, visto que,

A alusão a estes conceitos jurídicos tipológicos (jattispecie)reclama breve menção aos tipos jurídicos.

Estes, segundo a doutrina, não são definíveis, em seus termos;apenas se descrevem. Sob a descrição do tipo não se pode subsumir;apenas se pode observar se um determinado fenômeno se integra ounão no tipo [Larenz 1983:211].

O conceito é abstrato, existe e sobrevive como abstração. Ostipos são noções apreendidas no mundo real; não são inventados, masdescobertos a partir da análise da realidade [Comparato 1983:33].

Para que um conceito jurídico possa - e deva - ser atribuído auma coisa, estado ou situação é necessário que todas as suas notas(dele, signo de significação) sejam subsumíveis na coisa, estado ousituação à qual se o vai atribuir [Comparato 1983:33 e Larenz1983:211]. Já isso não ocorre com os tipos: nem todas as suas notasprecisam estar reproduzidas na coisa, estado ou situação para que sedê a integração desta no tipo [Larenz 1983 :299]. Daí por que o tiponão substitui o conceito, embora este possa substituir aquele [Engisch1968:430] - razão pela qual, freqüentemente, o conceito é transfor-mado em tipo. O conceito, ademais, é elemento do raciocínio deduti-vo, ao passo que o tipo é elemento do raciocínio indutivo [Engisch1968:430 e ss. e Comparato 1983:34].

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embora destacados de um núcleo conceitual comum, as coisas, esta-dos ou situações a que são aplicados sujeitam-se a diversos regimesjurídicos ou a diversas normas jurídicas.65

Refiro-me especialmente às definições legislativas do tipo queNatalino Irti66 menciona como "definizione-descrizione degli ele-menti della fattispecie", que descreve, com palavras da língua comumou do léxico jurídico, modalidade e elementos dafattispecie, ou seja,da hipótese da norma.67

Essas definições legislativas são vinculantes para o intérprete,reduzindo as bordas daquilo que Kelsen chamou de "moldura danorma", e denominamos "moldura do texto e dos fatos".

Outro aspecto a enfatizar é o relativo à circunstância de que a esti-pulação de uma definição legal pode inúmeras vezes nos conduzir aconclusões equivocadas. Isso ocorre quando, enganosa ou enganada-mente, substituímos o conceito pela definição do seu termo, estipuladano âmbito e para os efeitos de um determinado contexto normativo.68

lodo nllln'ilo 0 lima suma de idéias que, para ser conceito, tem de ser,110 1I11/lil//o, determinada; o mínimo que se exige de um conceito é que:,('1;1 dl'f('lIIlillado. Se o conceito não for, em si, uma suma detenninada.I,' /I/cil/s, Hão chega a ser conceito.

93. Os chamados "conceitos indeterminados",os tipos de conceitos jurídicos e a interpretação

Os administrativistas - sobretudo os administrativistas brasilei-ros - insistem e reinsistem em afirmar a existência de "conceitos in-determinados" .

Em inúmeros textos afirmei ser isso de todo insustentável, dadoque - assim argumentava eu - a indeterminação apontada em relaçãoa eles não é dos conceitos (idéias universais), mas de suas expressões(termos). Daí minha insistência em aludir a termos indeterminados deconceitos, e não a conceitos indeterminados.

Este ponto era e continua a ser, para mim, de importância extrema-da: não existem conceitos indeterminados. Se é indeterminado o con-ceito, não é conceito. O mínimo que se exige de uma suma de idéias,abstrata, para que seja um conceito é que seja determinada. Insisto:

Retoma-se, neste ponto, à oposição essencialismo/convencionalis-IllO. No primeiro pólo os que sustentam que os conceitos refletem umadeterminada essência que é expressada pela linguagem;69 a essência dosconceitos seria expressada mediante a linguagem, de modo que existi-ria um vínculo ou nexo metafísico entre o termo empregado e a reali-dade que os homens devem captar ou reconhecer. A tese essencialista,metafísica, remonta ao século XI e ganha curso na escolástica medie-val. A tese convencionalista, ao contrário, sustenta que a relação entrelinguagem e realidade é estabelecida livremente pelos homens [Sauca2000:251-253]. É evidente que a tese essencialista resulta demolidaquando cogitamos dos conceitos jurídicos meramente formais e dasregulae juris, que não podem ser definidos em termos de experiência.Quanto aos conceitos jurídicos tipológicos (jattispecie), efetivamentenão são conceitos, mas noções. Não obstante, a admitir-se que aí setrata de conceitos dir-se-á que, precisamente porque não há uma rela-ção de necessidade entre a palavra e aquilo que ela designa, uma e outroseriam dotados de fluidez. O equívoco está em tomarmos os conceitosjurídicos tipológicos (jattispecie) como conceitos - equívoco que pro-curo corrigir, convencido, agora, de que são noções. É correta, pois, aafirmação de que aos conceitos, sempre precisos - caso contrário nãoseriam conceitos -, podem corresponder, embora isso não ocorra neces-sariamente, termos (= palavras) precisos. No que tange às noções, tantoelas quanto seus termos são fluidos. Mas não porque as palavras sejamconseqüência das coisas, porém porque a linguagem jurídica é ambíguae imprecisa, fluida, e as Iloções são históricas e temporais.

65. Para exemplos disso, meu Direto, Conceitos e Normas Jurídicas [1988:85e ss. e 166-171].

66. Apud Giovanni Tarello [1980: 177].67. V. item 52.68. Meu Direto, Conceitos e Normas Jurídicas [1988:94-99].

Os conceitos jurídicos que se aponta como "indeterminados" sãoos tipo lógicos (jattispecie). Quanto aos meramente formais e às regu-

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lae juris - os primeiros porque abstratos e dissociados da realidadehistórica, as segundas porque sintetizam o conteúdo de um conjuntode normas jurídicas -, não padecem de qualquer "indeterminação".

Os conceitos jurídicos meramente formais e as regulae juris nãodevem constituir problema maior para o intérprete do direito - oreverso ocorrendo, contudo, em relação aos conceitos jurídicos tipo-lógicos (jattispecie), em tomo deles gravitando, mercê dessa "inde-terminação" de que equivocadamente falam os nossos publicistas,parte relevante dos desafios da interpretação.

Não vou me deter, neste passo, na análise do tanto que tem pro-duzido a doutrina a propósito dos "conceitos indeterminados". Re-lembrem-se Larenz, Engisch, Heck, Forsthoff, Queiró, Sainz More-no, entre tantos outros. Por outro lado, lembrem-se aos publicistas,que não costumam fazer leituras de direito privado, as construçõesque a boa doutrina erigiu a propósito dos standards jurídicos.

Podemos, todavia, de modo amplo e sumariamente, mencionarque são tidos como "indeterminados" os "conceitos" cujos termos sãoambíguos ou imprecisos - especialmente imprecisos -, razão pelaqual necessitam ser completados por quem os aplique. Neste sentido,são eles referidos como "conceitos" carentes de preenchimento comdados extraídos da realidade. Os parâmetros para tal preenchimento -quando se trate de conceito aberto por imprecisão - devem ser busca-dos na realidade, inclusive na consideração das concepções políticaspredominantes, concepções, essas, que variam conforme a atuaçãodas forças sociais [Forsthoff 1973: 17-18]. Quando se trate de concei-to aberto por ambigüidade seu preenchimento é procedido tambémmediante a consideração do contexto em que inserido - o que, dequalquer forma, não deve obscurecer a verificação de que, sempre, éda participação no jogo de linguagem no qual inserido o termo doconceito que decorre a possibilidade de o compreendermos, proce-dendo ao seu preenchimento. Como observei anteriormente, aindaque ambíguas e imprecisas, as palavras e expressões jurídicas (= ostermos dos conceitos) expressam significações sempre determináveis.

"conceitos indeterminados". A afirmação dessa existência é indispen-sável à construção da tese da discricionariedade da Administração,que, por sua vez, outra irá fundamentar, a da configuração dos regula-mentos como meros atos administrativos, voltados única e exclusiva-mente à orientação das autoridades administrativas inferiores. Trateidesses aspectos em meu O Direito Posto e o Direito Pressuposto[2003:191 e ss.], ao qual remeto o leitor. Penso ter ali demonstrado demodo suficiente que a nossa doutrina administrativista confunde discri-cionariedade e interpretação.

Creio, contudo, ter, na evolução do meu pensamento, encontradooutra explicação para o fenômeno dos "conceitos jurídicos indeterrni-nados".

É que temos indevidamente chamado de conceito as noções àsquais correspondem asfattispecie ou conceitos tipológicos. Disso agorame dou conta, ao ler as seguintes observações de Sartre [1968:134]:7°

"Althusser sustenta que o homem faz a história sem o saber. Nãoé a história que o reclama, mas o conjunto estrutural em que está situa-do que o condiciona. Mas Althusser não vê que há uma contradição per-manente entre a estrutura prático-inerte e o homem que descobre estarcondicionado por ela. Cada geração toma, em relação a essas estrutu-ras, uma outra posição, e é esta posição que permite as mudanças daspróprias estruturas. Althusser, como Foucault, atém-se à análise dasestruturas. Do ponto de vista epistemológico, isso resulta em tomar par-lido pelo conceito contra a noção. O conceito é atemporal. Pode estu-dar-se como os conceitos se engendram uns aos outros no interior decategorias determinadas. Mas nem o tempo, nem, por conseqüência, ahisllíria podem ser objecto de um conceito. Aí ha urna contradição nostermos. Desde que se introduz a temporalidade, deve considerar-se queIlO interior do desenvolvimento temporal o conceito se modifica. A/lOçaO, pelo contrário, pode definir-se como o esforço sintético paraprodulir uma idéia que se desenvolve a si mesma por contradições esupcraçf>cs sucessivas e que é, pois, homogénea ao desenvolvimentodas coisas. É o que Foucault chama de 'doxologia', e que ele recusa".

95. Conceito e noção

Durante vários anos mantive aceso debate com os colegas admi-nistrativistas que, por necessidade lógica, sustentam a existência desses

70. Diz í:ticnnc Balibar [1996:268], em nota biográfica de Althusser, que:"Visant explicitcmcnt Althusser et son influence, Sartre dira qu'il s' agissait de 'pren-dre parti paul' le CO/lccpt, contre Ia /lotioll ••..

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Deveras, a questão da indeterminação dos conceitos resolve-sena historicidade das noções - lá, onde a doutrina brasileira erronea-mente pensa que há conceito indetemúnado, há, na verdade, noção.E a noção jurídica deve ser definida como idéia que se desenvolve asi mesma por contradições e superações sucessivas e que é, pois,homogênea ao desenvolvimento das coisas [Sartre].

Em outro texto, o propno Sartre [1976:95-96] volta ao tema:"Scientifique impliquerait une rigueur de concepts. Philosophe, j' essaied'être rigoureux par des notions et Ia différence que je fais entre con-cept et notion est Ia suivante: un concept est une définition en extério-rité et qui, en même temps, est atemporelle; une notion, selon moi, estune définition en intériorité, et qui comprend en el1e-même non seule-ment le temps que suppose l' objet dont il y a notion, mais aussi son pro-pre temps de connaissance. Autrement dit, c'est une pensée qui intro-duit le temps en elle. Ainsi, lorsque vous étudiez un homme et sonhistoire, vous ne pouvez procéder que par notions. Par exemple, Ia pas-sivité - qui a une telle importance chez Flaubert - , si on en fait un con-cept, ne signifie plus rien puisqu' on se place sur le plan de l' extériorité.Si vous voulez Ia prendre comme un tout historique, il faut montrerd'ou el1e vient et comment el1e se développe (Ia passivité de Flaubertécrivant Madame Bovary n' est bien sur pas Ia même que celle du nour-risson); en plus, il faut que, dans Ia notion même de passivité, on voiesa décou verte et Ia façon dont Ia pensée - ma pensée, en l' occurrence -Ia saisit jusqu'au bout. Vous avez donc deux éléments temporels: Iagenese et le développement de Ia passivité, avec Ia méthode essayant deIa reprendre, et en même temps l'intériorité, c'est-à-dire des idées quis'imbriquent les unes dans les autres, qui ont des rapports de négationinterne entre el1es, bref des rapports dialectiques. Tout cela est donnédans Ia notion. La distinction que je fais entre concept et notion recou-pe celle que j'établis entre connaissance et compréhension. Pour com-prendre un homme, l'attitude nécessaire est celle de l'empathie".

que estou apenas substituindo nomes ("conceito jurídico indetermina-do" por "noção").

A mim encantam a tranqüilidade e a segurança dos gênios-para-si-mesmos, donos de respostas-para-tudo, que disparam em qualquersituação ou circunstância, sem perda de tempo na prática de exercí-cios aos quais os antigos se dedicavam, a leitura e a reflexão.

As jattispecie ou "conceitos tipológicos" não são conceitos (nãopodem ser entendidas como conceitos), porque os conceitos sãoatemporais e ahistóricos e elas - as jattispecie ou "conceitos tipoló-gicos" - são notável e peculiarmente homogêneas ao desenvolvimen-to das coisas, isto é, caracterizadamente históricas e temporais.

Daí, justamente, a riqueza da interpretação/aplicação das noções(e não conceitos), que o intérprete opera mediante a formulação dejuízos de legalidade, em cujo processo maneja textos e fatos. Todaessa riqueza se perde quando se as conceba - as jattispecie ou "con-ceitos tipológicos" - como "conceitos indeterminados", cuja aplica-ção se daria mediante a formulação de juízos de oportunidade, por-tanto à margem da legalidade.

Esse entendimento será por certo contestado - o que, aliás, jáocorreu, no curso de debate em um congresso -, sob o argumento de

o juízo de oportunidade comporta uma opção entre indiferentesjurídicos, procedida subjetivamente pelo agente; ojuízo de legalidade éatuação, embora desenvolvida no campo da prudência, que o intérpreteautêntico desenvolve atado, retido, pelo texto, nos limites da legalidade.

Lembro ainda, a propósito da distinção que cumpre estabelecermosentre conceito e noção, as observações de Norbert Elias [1994:26]: "Con-ceitos matemáticos podem ser separados do grupo que os usa. Triângu-los admitem explicações sem referência a situações históricas. Mas omesmo não acontece com conceitos como 'civilização' e Kultur". Triân-gulo é conceito; não é jamais pensado na dinâmica da História; é o uni-versal sem a negatividade dos particularismos. "Civilização" e Kultursão noções. Prossegue Norbert Elias [1994:26-27], usando conceito pornoção: 'Talvez aconteça que determinados indivíduos os tenham forma-do com base em materiallingüístico já disponível de seu próprio grupo,ou pelo menos lhes tenham atribuído um novo significado. Mas eles lan-çaram raízes. Estabeleceram-se. Outros os captaram em seu novo signi-ficado e forma, desenvolvendo-os e polindo-os na fala e na escrita.Foram usados repetidamente até se tornarem instrumentos eficientespara expressar o que pessoas experimentaram em comum e querem co-

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municar. Tomaram-se palavras da moda, conceitos de emprego comumno linguajar diário de um dada sociedade. Este fato demonstra que nãorepresentam apenas necessidades individuais, mas coletivas, de expres-são. A história coletiva neles se cristalizou e ressoa. O indivíduo encon-tra esta cristalização já em suas possibilidades de uso. Não sabe bem porque este significado e esta delimitação estão implicadas nas palavras,por que, exatamente, esta nuance e aquela possibilidade delas podem serderivadas. Usa-as porque lhe parece uma coisa natural, porque desde ainfância aprende a ver o mundo através da lente desses conceitos. O pro-cesso social de sua gênese talvez tenha sido esquecido há muito. Umageração os transmite a outra sem estar consciente do processo como umtodo, e os conceitos sobrevivem enquanto esta cristalização de experiên-cias passadas e situações retiver um valor existencial, uma função naexistência concreta da sociedade - isto é, enquanto gerações sucessivaspuderem identificar suas próprias experiências no significado das pala-vras. Os termos morrem aos poucos, quando as funções e experiênciasna vida concreta da sociedade deixam de se vincular a eles. Em outrasocasiões, eles apenas adormecem, ou o fazem em certos aspectos, eadquirem um novo valor existencial com uma nova situação. São relem-brados então porque alguma coisa no estado presente da sociedadeencontra expressão na cristalização do passado corporificada nas pala-vras" (grifos meus nesta última transcrição). Aqui se manifesta um pro-blema de linguagem. É que a língua alemã usa a mesma palavra _Begrijf- para conotar conceito e noção. Observo no entanto, V.g.,que aotraduzir para o francês o livro de Hartmut Maurer, Allgemeines Venval-tugsrecht [1994:136], Michel Fromont, sensível à distinção entre um eoutra - conceito e noção -, menciona "Ia notion juridique indéterminée(unbestimmter Rechtsbegrift)".

V

APÊNDICE IIA INTERPRETAÇÃO NEGATIVA

Assim, procurando uma síntese da exposição produzida sobre osconceitos jurídicos - e retomando a Ascarelli -, teremos que o intérpretedo direito maneja, ao interpretá-Io, (i) os conceitos jurídicos meramenteformais, (ii) as regulae juris e (iii) os chamados "conceitos tipológicos"lfattispecie), que, não obstante, não são conceitos, porém noções.

Essa verificação instrumenta a compreensão plena da atividadede interpretação/aplicação do direito.

98. Interpretação negativa

Os fundamentos da interpretação negativa, que - observa Frosi-ni [1991:103] - assume significado particular na história do direitocanônico, remontam ao direito romano. Lê-se no Digesto, em um pri-meiro momento, que "Si enim in praesenti legis condere soli impera-tori concessum est, et legis interpretari solo dignum imperio esseoportet (...) tam conditor quam interpres legum solus imperator iusteexistimatur" (C. 1, L. 14, 12, 1) [Se no presente somente ao Impera-dor é permitido o estabelecimento das leis, também a interpretaçãodas leis deve ser digna apenas de sua autoridade imperial ( ...) só oimperador será justamente reconhecido como intérprete das leis]. E,adiante, que a autoridade imperial é a única à qual "concessum estleges et condere et interpretari" (C. 1, L. 17,21) [é dado ditar e inter-pretar as leis].

O princípio de reserva exclusiva da interpretação não pôde, noentanto, conservar-se em sua forma original absoluta em razão dadissolução da unidade do império romano e da formação do SacroImpério Romano de caráter feudal, no período medieval. Assim aautenticidade interpretativa passou a ser atribuída já não mais ao"imperador" enquanto sujeito jurídico, mas aos que despachavam porele, isto é, aos intérpretes oficiais ou autorizados da autoridade impe-rial. A propósito escreveu Baldo Degli Ubaldi: "interpretatio legis velcanonis pertinet ad coditorem, sed hoc ditum non est restringendumad personam sed ad officium" [a interpretação de uma lei ou de um

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cânon é atribuída ao legislador, mas essa afirmação não se reduz àpessoa, porém abrange e se refere ao cargopl

De outra parte, o princípio da interpretação negativa tampoucopôde ser mantido na prática, pois toda lei, com o passar do tempo,deve submeter-se às adaptações exigidas pela experiência social epelas mudanças históricas. Há um caso famoso e dramático de obri-gação da interpretação literal e de proibição de qualquer comentárioou adaptação interpretativa: o das Regulae de São Francisco de Assis(a regra sin sello de 1221 e a regra con sello de 1223). Em seu Testa-mento, de 1226, dispôs: "ordeno com toda a firmeza a todos meusirmãos, clérigos e laicos, que, por obediência, não acrescentem expli-cações à Regra ou a estas palavras, afirmando que devem ser enten-didas deste modo. Pelo contrário, simplesmente e sem comentários,deveis compreendê-Ias e observá-Ias santamente, até o final". Estadisposição, como se sabe, deu origem a uma das mais complicadas edramáticas controvérsias religiosas e jurídicas da história medievalaté a intervenção da autoridade imperial de Luis da Baviera, um sécu~10 depois (1324).72 Essa controvérsia adquiriu grande notoriedade nanossa época em virtude da reelaboração de alguns de seus elementosno romance de Umberto Eco, O Nome da Rosa.

Posteriormente, com o estabelecimento das monarquias absolu-tas e com a formação dos primeiros Estados nacionais no continenteeuropeu, reapareceram, na cultura jurídica, os princípios da interpre-tação autêntica73 e da interpretação literal, distintos entre si, mas inti-mamente unidos pela afirmação da supremacia do poder legislativoso?er~~o. Ao ~esmo tempo, a Grã-Bretanha abria caminho para oprInCIpIO:as leIS e os statutes do parlamento eram aplicados ao pé-da-letra pelos juízes, ainda que a eles fosse concedida a faculdade decriar direito por meio das sentenças, em um ordenamento de commoml~w.A propósito, a transcrição, por Gray [1927: 102], das palavras dobISpOHoadly, em sermão datado de 1717: "Whoever hath an absolu-te authority to interpret any written or spoken laws, it is he who istruly the Law-giver to all intents and purposes, and not the personwho first wrote or spoke them".

99. Interpretação do direito e soberania74

O fato é que o paralelismo entre legislar e interpretar, como talenunciado por Savigny [1886:311], constitui um problema recorren-te do poder [Stolleis 1998:143].

Embora admitindo a necessidade de os magistrados decidiremcertos casos segundo a eqüidade - porque ela significa a busca daadequação da norma geral ao caso particular [Bodin 1986-VI:26475]- Bodin era convicto de que a interpretação do direito colocava emperigo a soberania, na medida em que permitia a substituição da von-tade do soberano pela vontade do intérprete. A primeira característi-ca da soberania é o poder de dar as leis e comandar a todos em gerale a cada um em particular, poder intransferível [Bodin 1986-1:308].Por isso ele a proíbe sempre que a lei seja clara e expressa, hipótesena qual o magistrado deve aplicá-Ia mecanicamente, sem nada lheacrescer, como se meramente reproduzisse suas palavras. Quanto àsleis obscuras, contraditórias, absurdas ou intoleráveis, diz Bodin[1986-1:309]: "Le Magistrat peut ployer Ia loy, et I'interprétationd'icelle, soit en douceur soit en rigueur pourveu qu' en Ia ployant il segarde bien de Ia casser, encore qu' elle semble fort dure: ( ...) et siautrement on l' entendoit, il s' ensuivroit qu'un simple Magistrat eustesté par dessus les loix, et qu'il eust peu obliger le peuple à ses edicts,ce que nous avons monstré estre impossible".76

Hobbes [s.d.:173] sustentava que, em todos os Estados, o legis-lador é unicamente o soberano, dado que legislador é aquele que fazas leis e só o Estado pode fazê-Ias; é o único legislador. É necessáriointerpretrar-se todas as leis - prossegue [s.d.:180] - e nenhuma delaspode ser bem compreendida sem uma perfeita compreensão das cau-sas finais para as quais foi feita; mas o conhecimento dessas causasfina~ está com o legislador. E completa: "Para este,77 portanto, ne-nhum dos nós da lei pode ser insolúvel, seja achando-lhe as pontas epor aí desatando-os, seja fazendo quantas pontas lhe aprouver (comoAlexandre fez com sua espada ao nó górdio), através do poder legis-

71. Cit. por Frosini [1991:103].72. V. Frosini [1994:75-79].73. Uso a expressão, aqui, não no sentido de Kelsen.

74. V. Beaud [1994:191 e ss.].75. Livro VI, capítulo 6.76. V. Beaud [1994: 193].77. O legislador.

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lativo, coisa que nenhum intérprete pode fazer". Adiante [s.d.: l82-l83Jobserva que quem escreve um comentário sobre a lei não pode serconsiderado seu intérprete, porque os comentários estão mais sujeitosa objeções do que o texto, suscitando novos comentários, de modoque a interpretação nunca teria fim. Daí porque é necessário que hajaum intérprete autorizado pelo soberano, do qual os outros intérpretesnão possam divergir.

Hobbes (s.d.: 183] sustentava que os juízes não poderiam divergirdo intérprete autorizado pelo soberano, observando que suas sentenças"devem ser tomadas pelos lititgantes como leis para aquele caso parti-cular, mas não obrigam outros juízes a dar sentenças idênticas em casosidênticos. Porque é possível um juiz errar na interpretação mesmo dasleis escritas, mas nenhum erro de um juiz subordinado pode mudar alei, que é a sentença geral do soberano".

Na Inglaterra, na metade do século XVIII, Algemon Sidney[1805:234] afirmava: "( ...) in what hands soever it is, the power ofmaking, abrogating, changing, correcting and interpreting laws, hasbeen in the same".

Antes disso, no entanto, a Nueva Recopiiación, de 1567, assegu-ra o monopólio de interpretação aos reis espanhóis: "I mandamos,que quando quier que alguna duda ocurrier~ en Ia ~nterpreta~ion, ~dcclaracion de Ias dichas leyes de OrdenaIllientos, 1 PragmatIcas, 1

I<'ueros,à de Ias Partidas, que en tal caso recurran à Nos, i à los Reyes,que de Nos vinieren para Ia interpretacion dellas; porque Nos, vistasIas dichas dudas, declararemos, i interpretaremos Ias dichas leyes(...)".78E em Portugal, em 1603, as Ordenações Filipinas (1, 5, 4-5)estabeleciam o dever de julgar segundo as leis [= as Ordenações] eproíbiam a sua livre interpretação: "( ...) 4. E mandamos, que todosnossos Desembargadores que não cumprirem e guardarem nossasOrdenações inteiramente, sendo-1hes allegadas, paguem ás partes, emcujo favor forem allegadas, vinte cruzados, e sejam suspensos de seusOfficios até nossa mercê, e por esse mesmo feito ficarão suspeitos ásditas partes em os feitos, de que assim forem Juizes. E os desembar-gos, e sentenças, em que assi não guardarem as ditas Ordenações,sejam nenhuns. E o mesmo mandamos a todos os Desembargadoresda Casa do Porto, Corregedores, Ouvidores e Julgadores, sob a mes-ma pena. 5. E havemos por bem, que quando os Desembargado.res,que forem no despacho de algum feito, todos, ou algum delles tIve-rem alguma duvida em alguma nossa Ordenação do entendimento della,vão com duvida ao Regedor, o qual na Mesa grande com os Desem-bargadores, que lhe bem parecer, a determinará, e segundo o que ahifor determinado se porá a sentença. E a determinação, que sobre oentendimento da dita Ordenação se tomar, mandará o Regedor scre-ver no livro da Relação, para depois não vir em duvida. E se na ditaMesa forem isso mesmo em duvida, que ao Regedor pareça, que hebem de nol-o fazer saber, para a Nós logo determinarmos, no l-o farásaber, para nisso provermos. E os que em outra maneira interpretaremnossas Ordenações, ou derem sentenças em algum feito, tendo algumdelles duvida no entendimento da Ordenação, sem hir ao Regedor,será suspenso até nossa mercê".79

A sujeição dos juízes à lei encontrou expressão característica naconhecida formulação de Montesquieu, inspirada em Cícero, segun-do a qual o juiz é, simplesmente, a bouche de ia ioi (a boca da lei).

A Ordonnance Civile sur ia Réformation de ia Justice, de LuísXIV - o chamado Code Louis [Gilissen 1988:312] - de abril de1667, adotou, no artigo 7 do Título I, a solução do référé iegisiatij,estabelecendo que, "si dans les jugements des proces qui seront pen-dans en nos cours, il survient aucune doute ou difficulté surl' exécution de nos ordennances, édits, déclarations et lettres paten-tes, nous leur défendons de les interpréter, mais voulons qu' en ce casel1es ayent à se retirer par devers nous pour apprendre ce qui seranotre intention" [v. Gilissen 1988:326; Mohnhaupt 2000:254-255 eGény 1919:77]. Porque a interpretação fazia parte dos poderes doLegislativo, incumbia ao juiz, em caso de dúvida, recorrer ao legis-lador, isto é, ao rei.

78. Cf. Mohnhaupt [2000:255].79. Sobre os assentos da Casa da Supplicação, em Portugal; sobre o lnstrumen-

tum Pacis Osnabrugense, de 1648,que fixava o monopólio de interpretação do legis-lador do reino alemão; sobre o legislador do reino húngaro, em 1790; sobre a ques-tão no âmbito da Confederação Suíça; v. Mohnhaupt [2000:255-256].

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Na Áustria, o § 437 da Allgenieine Gerichtsordnung de 1781obrigava o juiz a, caso ocorresse uma dúvida justificada sobre o en-tendimento da lei, comunicá-Ia à Côrte, a fim de que fosse obtida adecisão a respeito. O sentido do preceito foi reiterado em 1786, noAllgemeine Bürgerliche Gesetzhuch austríaco.80

Tarello [1976:537-538] aponta como protótipo do référé legislatifa Dichiarazioni do Supremo Consiglio di Giustizia, instituída peloCadice di Legge iCostituzioni, de 1771,do Ducado de Modena. O Có-digo previa a existência desse Conselho como órgão especial, distintoda magistratura ordinária e diretamente vinculado ao soberano, depo-sitário do poder legislativo, com a função de resolver as dúvidas emmatéria de interpretação da legislação. Essas dúvidas eram encaminha-das ao Conselho, que as solucionava mediante a expedição de atos deinterpretação autêntica (= interpretação do próprio legislador, não nosentido kelseniano) chamados de Dichiarazioni.

pode ser traçado de maneira inequívoca. O objetivo visado, em am-bos os casos, é a identidade entre teor e "entendimento" do texto le-gal, o que faz com que a atividade interpretativa do juiz, já de ante-mão, se torne supérflua. Quando essa identidade não é atingida, restareservado o direito do soberano e das autoridades a ele subordinadas,à eliminação da dúvida.

A prevalência absoluta da vontade legislativa, coerentemente,não tolera outras fontes do direito, na medida em que se oponham àvontade legislativa ou dela não emanem. E mais: legislação e juris-dição não representam um poder independente um do outro, encon-trando-se mesclados na figura e vontade do soberano (= legislador)[Mohnhaupt 2000:258 e 262].81

Beccaria [1911:27], lança mão de dois argumentos teóricos parajustificar a competência exclusiva do legislador em matéria de inter-pretação: "Nemmeno l'autoritá d'interpretare le leggi penali puorisiedere presso i giudici criminali, per Ia stessa ragione che non sonoIcgislatori. I giudici non hanno ricevuto le leggi dagli antichi nostripadri come una tradizione domestica ed un testamento, che non las-ciasse ai posteri che Ia cura di ubbidire; ma le ricevono dalla viventesocietà o daI sovrano rappresentatore di essa, come legittimo deposi-tario dell'attuale risultato della volontà di tutti". Mais original e inci-sivo do que o primeiro argumento - interpretar a lei é refazê-Ia e ojuiz não é legislador - é, como aponta Troper [2001: 127], o segundodeles: nada justifica a aplicação da lei antiga de maneira imutável; alei antiga deve exprimir a vontade geral tal como hoje se manifesta;

ADéclaration ou interpretatia authentica é, como observa Moh-nhaupt [2000:253], uma expressão e um exemplo particularmentepatente da concentração, no Ancien Régime, de todas as atividadesatinentes à legislação na pessoa do soberano (= legislador). Não só acriação de novo direito, mas também a explicação do direito vigenteé abrangida pelo poder legislativo do soberano. A interpretação da lei,em caso de dúvidas quanto ao seu teor, não é considerada como apli-cação do direito, mas como criação dele, e, portanto, simultaneamen-te, também como lei. Aquele que possui a Potestatem legislatoriamdetém, simultaneamente, a Interpretationem authenticam, de modoque - na dicção de Glafey, reproduzida por Mohnhaupt [2000:254] -pode inclusive interpretar a lei de modo diferente do que pensaraaquele que a escreveu. A interpretatio authentica compõe-se na esfe-ra de ação do legislador, vale dizer, do soberano, de sorte que a inter-pretação é monopolizada por ele como parcela da Potestatem legisla-toriam.

O fato é que, como salienta Mohnhaupt [2000:257], o limiteentre a interpretação autêntica e o référé législatif é fluente e não

81. Observa ainda Mohnhaupt [2000:260] que os "Hofdekrete", "Deklarato-rien", "declaratoria", "les déclarations", a "declaración" e a "declaratory law" esco-cesa constituem as declarações de vontade do regente que complementam, preen-chem, interpretam e ajustam a novas condições a legislação, que emanam dele naqualidade de legislador, de tribunais e autoridades autorizadas, com poder vinculati-vo direto; representam uma parte integrante da "potestas legislatoria". Via de regra,a garantia do monopólio legislativo e interpretativo é acompanhada da proibição das"Praejudicata" e do direito consuetudinário contrário. O soberano procura, dessamaneira, declarar sua vontade - e isso significa, sua lei - como a única norma vin-culativa e, portanto, também obstruir todas as outras fontes das quais poderia aindaassim, despercebidamente, advir direito com a vis obigandi illter Ol1llles.A defesacontra forças com efeitos colaterais, criadoras de direito, expressada através da reser-va de interpretação, volta-se também contra os doctores, como veremos adiante.

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assim, ela deve ser interpretada por quem é capacitado a exprimir avontade geral, ou seja, pelo legislador. Embora recusando ao juiz odireito de interpretar teleologicamente a lei, Beccaria prefiguraria, naopinião de Troper [2001:127], os norte-americanos que se filiam àcorrente da interpretação dinâmica - digo eu - quando afirmam queo direito deve ser interpretado conforme as necessidades da vidasocial (v. itens 34 e 36).

Ia puissance de celui qui l'interprete ou qui l'augmente; et le pouvoird'un homme sur un autre homme étant essentiellement ce qu'on s'estproposé de détruire par l'institution de Ia loi, on voit clairement que cepouvoir au contraire acquerrait une force prodigieuse, si Ia facultéd'interpréter Ia loi était laissée à celui qui en est dépositaire".

Nessa linha, como relata Troper [200 1:127] o artigo 9 do Título Ido primeiro projeto de Constituição, de 17 de agosto de 1789, dispu-nha que "Il ne sera pas permis à aucun juge, en quelque maniere quisoit, d'interpréter Ia loi; et, dans le cas ou celle-ci serait douteuse, il seretirera par devers le Corps législatif, pour obtenir, s'il en était besoin,une loi plus précise". O artigo 12 da lei [decreto orgânico] de 16-24 deagosto de 1790 retomou a proibição de modo mais incisivo: "Ils nepourront point faire de reglements, mais ils s'adresseront au Corpslégislatif toutes les fois qu'ils croiront nécessaire, soit d'intérpreterune loi, soit d' en rendre une nouvelle" [Troper 2001: 128].84

O princípio da reserva interpretativa (référé législatij) não desa-pareceu com o fim, na França, da Monarquia absoluta. A burguesiatemia que os magistrados, indicados pelo Ancien Régime, interpretas-sem o novo direito, instituído pela Revolução, segundo e conforme osinteresses da nobreza. Daí a concepção de que a jurisprudência nãopoderia ser concebida senão como a pura e estrita aplicação da lei.82Lembro, neste passo, as palavras de Robespierre [1950:583]:

"Ce mot de jurisprudence des tribunaux, dans l'acception qu'ilavoit dans l'ancien régime, ne signifie plus rien dans le noveau; il doitêtre ignoré de notre langue. Dans un État qui a une constitution, unelégislation, Ia jurisprudence des tribunaux n' est autre chose que Ia loi;alors il y a toujours identité de jurisprudence".

Comentando esse artigo 12, Gény [1919:77-78] observava que ele"était conçue dans un esprit essetiellement restrictif, et tendait à limiterIa liberté même de l'interprétation judiciaire (interprétation doctrinalein concreto)".

Antes, porém, dessa lei de agosto de 1790, em 25 de maio domesmo ano, Robespierre [1950:374-376], intervindo nos debates trava-dos, na Assembléia, sobre a organização do Tribunal de Cassação, ob-servara: "Or, maintenat que faut-il, pour qu'il puisse remplir cet objetO relatório de Bergassé3 [1991: 112] sobre a organização do Po-

der Judiciário, de 17 de agosto de 1789, afirmava:

"Le pouvoir judiciaire sera donc mal organisé, si le juge jouit dudangereux privilege d'interpréter Ia loi ou d'ajouter à ses dispositions.

"Car on aperçoit sans peine qui, si Ia loi peut être intérpretée, aug-mentée, ou, ce qui est Ia même chose, appliquée au gré d'une volontéparticuliere, l'homme n'est plus sous Ia sauvegarde de Ia loi, mais sous

84. O artigo 8Q do Título Primeiro do primeiro "Projet de l'Organisation duPouvoir Judiciaire, Proposé à I'Assemblée Nationale par le Comité de Constitution"(Paris, Badouin, s/d, pp. 10-11),dispunha: "8. Les Cours de Justice ne pourront pointfaire de Reglements; elles adresseront leurs représentations au Corps légis1atiftoutesles fois qu'elles croiront nécessaire soit d'interpréter le sens douteux d'une Loi, soitd' en rendre une nouvelle". O item XIl do artigo primeiro do Titulo primeiro do"Nouveau Projet Sur l'Ordre Judiciaire, Conforme aux bases décrétées parI'Assemb1éeNationale, Proposé par le Comité de Constitution" (lmprimerie de Vin-cent Teulieres, Montauban, 1790, p. 4) dispunha: "XII. Ils [les Juges] ne pourrontpoint faire de rég1ements;mais ils adresseront 1eursreprésentations au Corps Légis-latif, toutes 1esfais qu'ils crairont nécessaire soit d'interprêter une loi, soit d' en faireune nouvelle".

82. V.VincenzoMarinelli, [1996 e ss.].83. Disponível in http://www.royet.org/nea1789-1794/archivesldiscourslber-

gasse _01~~al1isatioI1JJouvoir-Judiciaire _17_08_89./um.

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essentiel de son institution? II faut évidemment qu'il soit constitué detel1e maniere qu'il ne puisse adopter un esprit particulier, ni se faire unintérêt opposé à celui du législateur, ou différent de celui du législateur:car alors il employeroit son pouvoir pour faire dominer sa volonté par-ticuliere; et loin de maintenir les loix, il pourroit en favoriser Ia ruine,en connivant aux entreprises des tribunaux qu'il doit réprimer, et pour-roit devenir un dangereux instrument dont les autres pouvoirs coalisésavec lui pourroient se servir contre le pouvoir législatif. ar commentpourrez-vous prévenir ces inconvéniens? Comment Ia cour de cassationsera-t-el1e dans l'impuissance d'adopter en esprit des principes diffé-rens de ceux du législateur; si el1e est un corps séparé, distinct du corpslégislatif, et en même temps souverain et indépendant: il est dans Ianature même des choses que tout être moral, que tout corps, que toutindividu ait une volonté propre, il est dans Ia nature des choses qu'ilcherche sans cesse à Ia faire dominer, lorsqu'il est revêtu d'un grandpouvoir, toutes les fois que ce pouvoir n'est point soumis à une autori-té supérieure qui le ramene sans cesse à Ia regle et à Ia loi. ar, remar-quez que votre cour de cassation doit être nécessairement souveraine etindépendante; puisque si les jugemens étoient soumis à une révision, ceseroit à un corps chargé de les examiner qu'appartiendroit en dernierressort, le droit de cassation; et que ce que je dis du premier, pourroits'appliquer à celui-ci. II suit donc, que s'il adopte des vues et unevolonté différentes de cel1e du législateur, il pourra l' élever au-dessusdu législateur lui-même, qu'il sera en derniere analyse, l'arbitre de Ialégislation qu'il pourra altérer, ou ébranler à son gré, par l'abus arbitrai-re qu'il fera de son autorité indépendante: et comme il est impossiblede s'assurer que sa volonté sera toujours confondue avec Ia sienne, sison existence ne l'est pas, il est évident que nous sommes entraínés, parIa nature même des choses, à adopter cette maxime, qui n'étoit pointétrangere au droit public de Rome, et que notre ancien gouvernementmême avoit adoptée: Ia législation romaine posoit en principe; quel'interprétation des loix appartenoit à celui qui a fait Ia loi: ejus estinterpretari legem, qui condidit legem. On a senti, que si une autre auto-rité que celle du législateur pouvoit interpréter les loix, el1e finiroit parles altérer, et par élever sa volonté au-dessus de Ia sienne; et il n' est pasbcsoin de dire que ce principe s'applique, à plus forte raison, à un casou les loix sont directement attaquées par les actes du pouvoir judiciai-re qui les enfreint. Notre ancien régime avoit reconnu lui-même Ia

nécessité de ce principe: quoique le roi n'eGt pas même alors le pouvoird' appliquer les loix aux causes particulieres du citoyen, il exerçoit néan-moins celui de casser les juges contraires aux formes qu'el1es avoientétablies, et qui tendoient à les attaquer ouvertement; et cette institutionétoit raisonnable, dans un systême ou il exerçoit Ia puissance législative.Le pouvoir législatif est faible ou nul, et toute sa force passe au pouvoirjudiciaire, des qu'il n'a pas, en lui-même, le droit et les moyens derepousser les atteintes que lui porte ce dernier; comme il n' établit quedes regles générales, que les tribunaux seuls les appliquent, 1es loixdeviendroient de vaines formules, dont l'autorité dépendroit absolumentdes juges ou du corps chargé de revoir leurs jugemens.

Qu' on ne dise pas que je confonds ici les pouvoirs, en réunissantdans les mêmes mains le pouvoir législatif et le pouvoir judiciaire. 1'aifait observer que ceux qui doivent surveil1er les tribunaux, et les ramenersans cesse aux principes de Ia législation, ne sont pas une partie du pou-voir judiciaire; et que leurs fonctions sont une dépendance et une conven-tion nécessaire, de Ia puissance législative, et qu' el1e devoit être exercéepar le législateur, à peine de renoncer à Ia stabilité, à Ia pureté, à l'unitédes principes constitutionnels. l'observe d' ail1eurs, que cette maxime deIa division des pouvoirs judiciaires, ne doit pas être observée avec supers-tition, puisqu' el1e est subordonnée à Ia nécessité des moyens qu' exigentle maintien de Ia liberté pour laquel1e el1e a été instituée, et qu'il est despoints de contact ou ils doivent se réunir. Je conclus que c' est dans le seindu corps législatif que doit être placé le tribunal de cassation. Je proposeen conséquence, qu'un comité du corps législatif, choisi par lui, soit char-gé de proposer, d'instruire et de rapporter les affaires qui sont de son res-sort, et qu' el1es soient décidées par des décrets de l' assemblée".

Marinelli [1996:37, nota 63] menciona S. Belaid (Essai sur le Pou-voir Créateur et Normatif du Juge, Paris, 1974), que sustenta, em polê-mica com Carré de Malberg e outros "autores clássicos", a tese de quea obra legislativa revolucionária de 1789 a 1804 não tinha a finalidadede diminuir o poder judicial, mas era, antes, o fruto de uma rígida apli-cação da teoria da separação dos poderes [pp. 32 e ss.].

oTribunal de Cassação passa a existir desde a lei de 27 de novem-bro-1Q de dezembro de 1790, cujo artigo 1Q dispunha: "Il y aura un Tri-bunal de Cassation établi aupres du Corps 1égislatif', preceito reafirma-

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do pelo artigo 19 do Capítulo V da Constituição Francesa de 1791, quecria "un seul Tribunal de Cassation, établi aupres du Corps Législatif'.O procedimento de submissão da matéria ao Legislativo, após duascassações, é regulado pelos arts. 20 e 21, Título III, Capítulo V, daConstituição de 1791.85Ao decreto declaratório do Legislativo, diz oartigo 21, "le Tribunal de Cassation sera tenu de se conformer".86 AConstituição não apenas contempla o instituto do référé legislatif, masacentua a inferioridade do Judiciário em relação ao Legislativo aodeterminar, no artigo 22, que o Tribunal de Cassação deveria enviaranualmente ao Legislativo uma comissão de oito de seus membros, afim de que relatassem os julgamentos feitos no período, declinando,caso por caso, os fundamentos de cada decisão. A interpretação peloLegislativo era defmida em assembléia plenária e, a partir de 1807,pelo próprio imperador [Szrarnkiewicz et Bouineau 1998:278]. O arti-go 58 do Ato Adicional à Constituição do Império, de 22 de abril de1815, determinou que as interpretações das leis pela Corte87 assumis-sem a forma de lei.

Tem-se, assim, dois référés: (a) um facultativo, instituído pelo ar-tigo 10 da lei de 16-24 de agosto, visando à obtenção de uma inter-pretação in abstracto, e (b) um référé obrigatório, instituído pela leide 27 de novembro-l º de dezembro de 1790.

rico 11enunciou alguns princípios a serem adotados a fim de que as leispudessem perdurar por longo tempo e propiciar a felicidade pública,entre os quais o seguinte: as leis devem ser claras e precisas na sua for-Illulação, de modo que possam ser interpretadas segundo o sentido desuas palavras, sem que se tome necessário o recurso à intenção dolegislador [Tarello 1976:237].

Ainda segundo Franz Neumann [1964:141], José 11 da Aústriaintroduziu o référé législatif no artigo XIII do Código de 1786. EIieucrbach terá sido provavelmente o autor da Instrução de 19 de outu-hro de 1813, da Baviera, proibindo que funcionários e estudiosos oueruditos escrevessem comentários sobre o Código Penal bávaro.

o projeto elaborado em 1792 por Carl Gottlieb Svarez e EmstI;enlinand Klein, designado Allgemeines Gesetzhuch für die koni-,1;/ic!J I'rcussischen Staaten, proíbia aos magistrados, nos §§ 34-36, apr;ílica da interpretação, determinando que, em cada caso especial,eles Sl: dirigissem à comissão legislativa [Savigny 1892:52-53 e'1\lIdlo 1976:492-493].88 O Allgemeines Landrecht für die koniglich/I/I·/lssi.l'chen Staat foi promulgado em 5 de fevereiro de 1794,89já ao(t'IIIPO de Frederico Guilherme 11, sobrinho e sucessor de FredericoII.'J()lendo inicialmente minimizado e, em sua última edição, derroga-

Para uma crítica ao instituto do référé, ao Tribunal de Cassação eà ingerência do Legislativo na interpretação, v. Gény [1919:78 e ss.]. XX. Anoto o fato de Neumann [1964:38] afirmar que o artigo 4 da Introdução

ao ;\Il,l;l'lIIC'inesLandrecht proibia as interpretações que entrassem em conflito com o~,('lllidoliteral das palavras ou dos contextos gramaticais nos quais as leis tivessem~;IdoeslrulUradas.

Xl). Cf. Lasserre-Kiesow [1998:216]; Wieacker, na tradução para o português,aponta 5 de julho de 1794.

/)().Em 1714,Frederico Guilherme I incumbira Christian Thomasius de, em umplam de lrês meses, preparar um código. Frustrada essa primeira tentativa, em 1746I:n'(krico 11encomendou a Samue1Cocceji a elaboração de um outro projeto, o Pro-II'c/ <lrs C0I7J/lSluris Fridericiani. Cocceji trabalhou alguns anos neste projeto, queIll"I'lI, pon~m,inacabado. Em 1780,Frederico 11retoma sua preocupação com a codi-IW:H;aoc, em 1785, Carl Gottlieb Svarez, Johann Heinrich Casimir von Carmer eh IIs1Fcrdinand K1ein apresentam-lhe um projeto - EnflVllrj eínes Allgemeinen(;",\I'L:/)(/(:!ls far die prellssischen Staaten - que em 1787 foi submetido à crítica dos1111 islas alemães e estrangeiros. Tendo a sua redação novamente trabalhada por Sva-1<'/, c Klcin, sua publicação era prevista para 1Q de junho de 1792, sob o título deAll-.1:t'IIII'iIlCSGesetzbllch far die konig/ich prellssischen Staaten, mas, sob pressão da

Na Prússia, conforme o relato de Franz Neumann [1964:38], Fre-derico 11já proibira, em 14 de abril de 1780, a interpretação das leis.

Em um discurso lido na Academia de Ciências de Berlim, em 1750(Dissertation sur les Raisons d'Établir ou d'Abroger les Lois), Frede-

85. Aos quais correspondem os artigos 255 e 256 da Constituição de 1795(Constituição do Ano 111).

86. Artigo 256 da Constituição do Anom.87. Em 1804o Tribunal de Cassação passou a ser chamado de Corte de Cassa-

ção, nos termos do disposto pelo artigo 136 do Sénatlls-Consu/te Organique du 28F/oréa! An XII.

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do o recurso à comissão, de modo a ~ na dicção de Savigny [1892:52-53] - transformar a atividade dos juízes, de puramente mecânica, emcientífica.

Antes, contudo, Frederico Guilherme m, por um decreto de 3 deagosto de 1798, tomara a proibir a interpretação através de preceden-tes, de comentários ou de "especiosidades eruditas", determinandoque o esclarecimento de dúvidas fosse submetido a uma "comissãolegislativa" [Wieacker 1967:376-377].

Mohnhaupt [2000:259-260] refere ainda, na legislação prussia-na, (i) a menção, na patente de publicação de Frederico Guilherme Ipara o Verbesserte Land-Recht des Konigreichs Preussen de que, emcaso de dúvida, "o caso com rationibus dubitanti et decidendi deveser enviado para Nossa decisão"; (ii) a Allgemeine Gerichts-Ordnungde 6 de julho de 1793 (l ª Parte, 13º Título, § 32), que obrigava o cole-giado de juízes, quando o sentido da lei "for considerado obscuro edúbio", a consultar a nova comissão das leis; e [iii] o ALR (DireitoNacional Geral) (Introdução, § 47) que mantém o dever, do juiz, de"comunicar suas dúvidas à comissão das leis e requerer a avaliaçãodesta".

A defesa do soberano contra qualquer possibilidade de distorçãode sua vontade, mediante a reserva de interpretação, volta-se tambémcontra os doctores. Assim, a Nueva Recopilación Espanhola, de 1567,em disposição repetida com idêntico teor na Novisima Recopilación,em 1805, alia explicitamente à garantia do monopólio interpretativodo rei a proibição de, no futuro, invocar-se a opinião de Bartolo eoutros: "I revocamos le lei de Madrid, que habla cerca de Ias opinio-nes de Bartulo, i Baldo, i Juan Andres, i el Abad, qual dellas se deveseguir em duda à falta de lei, i mandamos que no se use della" [Moh-nhaupt 2000:261].

nobreza, Frederico II sustou essa publicação. Em seguida, porém, à sua morte, sobFrederico Guilherme lI, no dia 5 de fevereiro de 1794, foi ele publicado, após umarevisão final do seu texto, feita por von Carmer e Svarez [v. Lasserre-Kiesow1998:215-216].

Nuno Espinosa Gomes da Silva [2000:380-381] anota o apareci-mento de outras leis que limitam a citação de Autores, em tribunal:"Deste modo, entre 1613 e 1631, por obra do duque Francesco Maria11delIa Rovere, vai estar vigente, em Urbino, uma lei destinada a 'afas-tar de juízes e professores a incerteza na qual muitas vezes se achampela variedade de opiniões de tantos, que escreveram nesta profissão'.Nesse sentido, determinava-se que as únicas fontes à disposição de juí-zes e advogados, nas causas civis, seriam o Corpus Iuris, as obras deBártolo, Baldo, Paulo de Castro, Jasão de Maino, Alexandre Tartagni,João de Imola e os 'estatutos e decretos do Estado'; nas causas crimi-nais, só poderiam ser citados Alberto de Gandino, Angelo Aretino, Egi-dio Bossi e Julio Claro". Em outros territórios itálicos foi-se ainda maislonge, prescrevendo-se maior limitação ou total proibição de invoca-ção da doutrina: na compilação piemontesa de 1723, depois de se esta-belecer a sucessiva autoridade das leis e constituições régias, dos Esta-tutos locais e do direito comum, proibiu-se aos juízes "di poter deferir'a I quegI' Autori di qualunque sorta si sieno, che non fondano le lor'opinioni nelIa Ragion naturale, o delIe Genti, o nelIa DisposizionedeIla Legge Comune, o neIle Decisioni de' Tribunali degli Stati Nostri,le quali non si trovino repugnanti a quanto sovra"; na compilação de1770, surgem, em terceiro lugar, as decisões dos magistrados e, apenas,em quarto lugar, "il testo deIla legge comune", proibindo-se aos Advo-gados "di citare nelIe loro alIegazioni veruno dei Dottori neIle materielegali, ed ai Giudici tanto supremi che inferiori di deferire ali' opinio-ne di essi (...)". E prossegue Gomes da Silva: "Assim, na redacção de

Na mesma linha, relata ainda Mohnhaupt [2000:259], o projetodo Landrechts de Hannover, de Friedrich Esajas Pufendorf (1772), eo projeto de um Código Civil elaborado sob Maria Teresa (1766), oCodex Theresianus.

Bentham, no General View of a Complete Code of Law [1843:210], afirma: "But if any judge or advocate should, in the course ofhis practice, see occasion to remark anything in it that appears tohim erroneous in point of matter, or in point of style defective,redundant or obscure, let him certify such observation to the legis-lature, with the reasons of his opinion, and the correction he wouldpropose".

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1729 das Constituições da Sardenha, do rei Vittorio Amadeu lI, proi-biu-se 'aos Advogados citar, nas suas alegações, quaisquer Doutoresnas matérias legais e aos Juízes, quer supremos, quer inferiores, de ade-rir às respectivas opiniões (...) sob pena de suspensão dos seus ofícios'.Por outro lado, um importante diploma napolitano de 1774, publicadopor Fernando IV e inspirado pelo ministro Bernardo Tannuci, consa-grava a obrigação dos juízes dos tribunais superiores de motivarem assentenças e de as fundamentarem em 'leis expressas do Reino eComuns' e não 'sobre a nua autoridade dos doutores que, infelizmen-te, com as suas opiniões, alteraram ou tornaram incerto e arbitrário odireito'" .

do, mais directamente, respeito ao nosso objecto é de registar a Lei de25 de Junho de 1760, a asfixiante norma que criou um IntendenteGeral de Polícia da Corte e dos Reinos. Afirma-se no § 20 desta Leique: '§ 20. Pela informação que tive de que huma das causas que atéagora impedirão a exacta e necessaria observancia das leis estabeleci-das para a paz publica da Minha Corte, consisti o em serem as mesmasLeis entendidas especulativamente pelas opiniões dos Doutores Juris-tas, as quaes são entre si tão diversas como o costumão ser os juízosdos homens. E para que a segurança dos Meus Vassalos não fiquevacil1ando na incerteza das sobredictas opiniões: Ordeno que esta Lei,e as mais que por el1a tenho excitado, se observem literal, e exacta-mente como nel1as se contém sem interpretação ou modificação algu-ma, quaesquer que el1as sejão; porque todas prohibo e annulo. Equando haja casos taes, que pareça que nel1es conteria a dita literalobservancia rigor incompatível com a minha Real, e pia equidade;tomando-se sobre el1es assento, se Me farão presentes pelo Regedordas Justiças, ou quem seu cargo servir, para Eu determinar o que Meparecer justo'. Como se vê, impõe-se a observância literal, sem inter-pretação ou modificação alguma: no espírito da época, a interpreta-ção literal não é interpretação. Querendo alcançar-se direito certo,retira-se ao juiz qualquer interpretação (extensiva ou restritiva) e,ainda, a possibilidade de integração. Se a observância literal se mos-trasse, no seu rigor, incompatível com a equidade, o assunto subiria aorei, para determinação final. As opiniões do Doutores juristas - 'entresi tão diversas como o costumão ser os juízos dos homens' - erambanidas. Mas, também, o próprio direito romano começará a ser ataca-do, por via legislativa, prefaciando o próximo aparecimento da Lei daBoa Razão. Menos de um ano antes desta lei, a importante Lei de 3 deNovembro de 1768, a propósito do recurso de revista, no caso de sen-tença notoriamente injusta, por ser contra direito expresso, vem dizerque - 'O Direito expresso (...) deve ser o Direito Pátria dos meus Rei-nos, e não as Leis Imperiais, ou Direito Civil, de que resultaria amesma perplexidade do domínio e incerteza do direito das partes quehe da Minha Paternal Intenção evitar quanto possivel. E isto, não obs-tante a outra Ordenação do Livro terceiro, título sessenta e quatro'. Asentença notoriamente injusta por violação do direito romano, nãodava, pois, a partir de então, direito a recurso de revista. O direitoromano (que ao tempo é, essencialmente, doutrinal) tornado incerto

Em Portugal, como que em preparação da abolição da autoridadedoutrinal e do condicionamento da vigência do direito romano à suaconformidade com a razão, Gomes da Silva [2000:382-384] mencionao Alvará de 28 de junho de 1759, que, após considerar "que da cultu-ra das Scientias depende a felicidade das Monarchias, conservando-sepor meio del1as a Religião, e a Justiça na sua pureza, e igualdade" e deansiar que "os mesmos Vassal10s pelo proporcionado meio de humbem regulado Methodo possão com a mesma facilidade, que hoje temas outras Nações civilisadas, colher das suas applicações aquel1esúteis, e abundantes fructos, que a falta de direcção lhes fazia até auora

b ,

ou impossíveis, ou tão difficultosos, que vinha a ser quasi o mesmo",determinava que "no ensino das Classes, e no estudo das Letras Huma-nas haja huma geral reforma, mediante a qual se restitua o Methodoantigo, reduzido aos termos simplices, claros, e de maior facilidade,que se pratica actualmente pelas Nações polidas da Europa; (...)". Emcada escola, haveria, como sumo responsável, um Director dos estu-dos; e, no n. 4 do estatuto desse Director, dizia-se: "4. E por quantoas discordias provenientes na contrariedade de opiniões, que muitasvezes se excitão entre os Professores, só servem de distrahil10s dassuas verdadeiras obrigações, e de produzirem na Mocidade o espíritode orgulho e discordia; terá o Director todo o cuidado em extirpar ascontroversias, e de fazer que entre el1es haja huma perfeita paz, ehuma constante uniformidade de doutrina; de sorte, que todos conspi-rem para o progresso da sua profissão, e aproveitamento dos seusdiscipulos". Aqui - prossegue Gomes da Silva - "ainda não está emjogo a autoridade da doutrina jurídica. É, no plano geral, a razão (ilu-minada) que não tolera a existência de opiniões". E adiante: "Dizen-

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pela incerteza da própria doutrina, tende a deixar de ser consideradoDireito".

;1 somhra dos thronos, e debaixo dos auspicios dos seus respectivosMonarcas, e Principes Soberanos (...)".

A lei de 18 de agosto de 1769, de D. José I de Portugal - a cha-mada "Lei da Boa Razão" - determina, no § 13, que as glosas e opi-niões jurídicas de Accursius e de Bartolus, cuja autoridade, segundoas Ordenações Filipinas (lib. III, til. 64, § 1Q), deveria ser seguida, nãomais poderiam ser invocadas em juízo ou aplicada por juízes. Oscomentários são proibidos.

As Ordenações indicavam como fontes de direito, grosso modo,a vontade do rei e o utrumque ius. A Lei da Boa Razão mantém a von-tade do monarca, mas substitui o utrumque ius pela razão [Gomes daSilva 2000:392]. No quadro das fontes internas, o § 14 determina queos Estilos da Corte só valeriam desde que tivessem sido aprovadospor Assento da Casa da Suplicação; os costumes seriam fonte de di-reito desde que concorressem copulativamente três requisitos: seremconformes às boas razões, não serem contra legem e terem mais decem anos.91 Quanto às fontes subsidiárias, declara que as normas dedireito romano só serão aplicáveis quando, caso a caso, se mostras-sem concordantes com a boa razão.

Boa razão seria, nos termos do § 9, aquela "que consiste nos pri-mitivos principios, que contém verdades essenciais, intrinsecas, inal-teráveis, que a ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido e queos Direitos Divinos e Natural formalisarão para servirem de regrasmoraes, e Civis entre o Christianismo: ou aquella boa razão, que sefunda nas outras regras, que de unanime consentimento estabeleceo odireito das Gentes para a direcção e governo de todas as Nações civi-lizadas: ou aquella boa razão, que se estabelece nas Leis Politicas,Economicas, Mercantis e Maritimas que as mesmas Nações Christãstem promulgado com manifestas utilidades, do socego publico, do es-tabelecimento da reputação, e do augmento dos cabedaes dos Povos,que com as disciplinas destas sábias, e proveitosas Leis vivem felices

Quanto às matérias política, econômica,mercantil e marítima, essemcsmo § 9 acrescentava ser "muito mais racionável, e muito mais cohe-rcnte, que nestas interessantes materias se recorra antes em caso denecessidade ao subsidio proximo das sobreditasLeis das Nações Chris-lãs, illuminadas, e polidas, que com ellas estão resplandecendo na boa,depurada e sã jurisprudência; em muitas outras erudições uteis, e neces-sarias; e na felicidade; do que ir buscar sem boas razões, ou sem razãodigna de attender-se, depois de mais de desassete seculos o socorro àsLeis de huns Gentios; que nos seus principiosMoraes, e Civis forãomui-Ias vezes perturbados, e corrompidos na sobredita forma; que do DireitoNatural tiverão apenas as poucas e geraes noções, que manifestão os ter-mos, com que o definirão; que do DireitoDivino, he certo, que não sou-berão cousa alguma, e que do Commercio, da Navegação, da AritrneticaPolitica, e da Economia do Estado,quehoje fazemtão importantesobjec-los dos Governos Supremos, não chegarãoa ter o menor conhecimento".

O direito romano apenas poderia ser utilizado quando em confor-midade com a boa razão; por outro lado, no que tange a matérias polí-ticas, econômicas, mercantis e marítimas, dever-se-ia recorrer às leisdas Nações civilizadas da Europa, e não ao direito romano, que, naspalavras de Gomes da Silva [2000:395], não passava de um "direitoelaborado há mais de dezassete séculos por uns gentios que nada sa-biam, nem mesmo Aritmética Política ...". O direito canânico deixava deter valor até mesmo como fonte subsidiária e são condenadas a Glosade Acúrsio, a Bartoli opinio e, implicitamente, a communis opinio.

Estabelecia o § 13da lei que "Sendo certo, e hoje de nenhum dou-to ignorado, que Accursio e Bartholo cujas auctoridades mandou seguira mesma Ord. no § I do sobredito tit., farão destituidos não só da ins-trucção da História Romana, sem a qual não podião bem entender ostextos que fizerão os assumptos dos seus vastos escriptos; e não só doconhecimento da Philologia, e da Boa Latinidade em que forão conce-bidos os referidos textos; mas também das fundamentaes regras doDircito Natural e Divino, que devião reger o espirito das Leis, sobre que

91. Diz o preceito,no trechoque interessasalientar:"(...) os tres essenciaesrequisitos:de serconformeàs boasrazões,quedeixodeterminadoqueconstituãooespiritodeMinhasLeis:de nãoser a ellascontrarioemcausaalguma:e de sertãoantigoqueexcedao tempodecemannos(...)".

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escreverão. E sendo igualmente certo, que ou para supprirem aquellasluzes, que lhes faltavão; ou porque na falta dellas ficarão os seus juizosvagos, errantes, e sem boas razões a que as contrahissem; vierão a intro-duzir na Jurisprudencia (cujo caracter formão a verdade, e a simplici-dade) as quasi innumeraveis questões metaphysicas, com que depoisdaquella Escola Bartholina se tem illaqueado, e confundido os direitos,e dominios dos litigantes intoleravelmente: mando que as glossas, eopiniões dos sobreditos Accursio, e Bartholo não possão mais ser alle-gadas em Juizo, nem seguidas na pratica dos julgados; e que antesmuito pelo contrario em hum, e outro caso sejão sempre as boas razõesacima declaradas, e não as auctoridades daquelles, ou de outros seme-lhantes Doutores da mesma Escola, as que hqjão de decidir no foro oscasos ocorrentes; revogando tambem nesta parte a mesma Ordenação,que o contrario determina".

Em sua exposição a respeito da proibição do comentário, Moh-nhaupt [2000:261 e ss.] enuncia observações que passo a reproduzir. ODuque Augusto da Saxônia, na Erliiuterung und Verbesserung derbif3herigen Process- und Gerichts-Ordnung, de 10 de janeiro de 1729,estabelece "que sobre esse Nosso Código de Processo, sem Nosso prévioconhecimento e aprovação, ninguém deverá tomar a iniciativa de escre-ver, comentar e interpretar". No prefácio ao Project des Corporis JurisFridericiani, de 1749/1751, a proibição de comentar foi formulada demaneira particularmente incisiva: "E para que os Privati, sobretudo,porém, os professores, não tenham oportunidade de corromper esseDireito Nacional através de uma interpretação arbitrária, Sua MajestadeReal proibiu, sob penas graves, que ninguém, seja quem for, se atreva aescrever um Commentarium sobre todo o Direito Nacional ou parte domesmo; (...) Assim, os Professores somente poderão e deverão dar aosjovens conhecimento do sistema, apresentando a estes claramente osPrincipia generalia. Sua Majestade Real proibiu ainda que, no futuro, emtais causas civis, nenhuma autoridade dos Doctorum venha a ser alegada,mas cada um defenda seus Jura somente com base no presente DireitoNacional". No rigor da proibição de comentar - prossegue Mohnhaupt[2000:262] - manifesta-se, em última análise a convicção de que, nasobras jurídicas do período de codificação, finalmente, havia sido encon-trado o ius certum et universale que não pode ser dissolvido por outrasforças, além das contidas no monopólio legislativo do soberano. No títu-lo da edição acima citada, do Project des Corporis Juris Fridericiani, é

claramente dito que, nesse mesmo projeto de lei, "todas as Jura duvido-sas existentes nas Leis Romanas ou elaboradas pelos Doctoribus, foramdecididas e, assim, é estatuído um Jus Certum e Universale em todas asprovíncias". A uma garantia assim tão conservadora da matéria jurídicaordenada sistematicamente no Código servia também, por exemplo, aproibição do § 6º da Introdução ao ALR, de recorrer-se a opiniões demestres do direito e sentenças judiciais mais antigas.

É ainda Mohnhaupt [2000:262 e ss.] quem relata que as senten-ças dos tribunais superiores podiam ser providas de efeito direto delei. A tendência de atribuir às sentenças força igualou semelhante àdas leis aumenta na medida em que a legislação é incompleta e o acer-vo de fontes de direito é multifacetado e incerto. Valiam porém comoleis os "arrêts de reglemens des Cours souveraines", na França, pro-mulgados "pour être observées comme Loix dans l'étendue de leurrcssort, sous le bon plaisir de sa Majesté ... " Em Portugal, as decisõesinterpretativas, os assim chamados "assentos" da "Casa de Suplica-ção", à qual havia sido ~atribuída a competência para a interpretação,possuíam força de lei. E característico que somente através da Lei daBoa Razão, em 1769, essa hierarquia legal tenha sido implantada.

Mohnhaupt [2000:263-264] menciona ainda as sentenças dosSenados do Piemonte e de Savóia, dotados de força de lei formal pelasConstituições reais de 1729; os decreta comnzunia do Reischskammer-gerichts, que representam uma "singularis quaedam potestatis legisla-toriae species"; o fato de que, na Espanha, as decisões judiciais sobreinterpretação e aplicação das leis tomadas por unanimidade ou pormaioria - os assim chamados "autos acordados" - podiam obter forçade lei quando promulgadas pelo rei; nesse mesmo sentido, o Concíliode Wittenberg, de 1749.

103. (segue)

Em 1819, o Comte Lanjuinais [1819:258-259] anotava:

'Toute interprétation ou explication suppose Ia loi inapplicable,ou le scns de Ia loi douteux ou obscuro On ne peut empêcher les appli-

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cateurs des lois de les prétendre susceptibles d'interprétations, lors-qu' elles sont le plus claires, ou de les mal interpréter lorsqu' ellesparaissent douteuses. A ce désordre commun il ne peut-y avoir deremede, que le recours à l'autorité supérieure, et le bon choix desadministrateurs et des juges: ceux-ci sont tenus, les uns et les autres,d'appliquer les lois aux cas spéciaux, lors même qu'ils se trompe-raient ou voudraient tromper, supposant les lois obscures, ou douteu-ses, ou silencieuses, et préférant une interprétation fausse à Ia vérita-ble. Mais si quelque autorité judiciaire s'avisait d'interpréter une loipar voie de réglement ou de décision générale, ce serait usurper lepouvoir législatif; et si de telles interprétations viennent d'une autori-té administrative, strictement, elles ne peuvent être que des conseilsqu' on pese et qu' on balance, et auxquels ni l' administrateur ni le jugen' est tenu de s' astreindre. La crainte et l' ambition seules pourraientfaire préférer, au mépris du devoir, une fausse interprétation généraledes supérieurs dans Ia ligne exécutive. De là vient que nos lois actuel-les défendent aux tribunaux toute interprétation générale ou réglemen-taire; I' esprit des lois I' interdit également aux ministres et à leurssubordonnés, si ce n' est tout au plus provisoirement et en cas denécessité urgente. Régulierement ces sortes de décision administrati-ves ne doivent pas être publiées en forme d'ordonnances d'exécution,de peur qu'on ne leur suppose une force obligatoire; mais elles peu-vent entrer dans des instructions générales. Les deux Chambres doi-vent être attentives à exercer leur surveillance et sur ces instructionset particulierement sur les ordonnances de pareille nature. Iln'appartient qu'aux volontés qui font les lois d'en émettre des intre-prétations générales obligatoires; autrement le Roi, ses ministres etleurs agens seraient des Constitutions, des lois vivantes: il n'y aurait,à vrai dire, ni Constitutions ni lois. On souffrit à Rome que les pré-teurs donnassent des édits pour suppléer au silence des lois et en fixerle sens: bientôt ils s' arrogerent effectivement et littéralement le pou-voir de les corriger".

104. O princípio da reserva interpretativa

Esse princípio foi eliminado do direito francês apenas pelo arti-go 4º da lei de 1º de abril de 1837.92

Gény [1919:85 e 86] sustenta que o artigo 4º do Código Civil jásuprimira o référé facultativo; o princípio do référé obrigatório é quefoi abrogado em 1837.

Na Itália, o artigo 73 do Estatuto Albertino, de 1848, estabeleciaque a interpretação da lei, obrigatória para todos, incumbe exclusiva-mente ao legislador; apenas um século após, no advento da Constitui-ção republicana, essa reserva legislativa desapareceu.

Cumpre, contudo, lembrarmos a ênfase posta por Gény [1919:23 e 98-103] na circunstância de os próprios elaboradores do Códi-go de Napoleão entenderem que a codificação deixava intacta, noverdadeiramente essencial, a liberdade da interpretação jurídica erejeitarem a suposição de que todas as necessidades da justiça priva-da seriam supridas pela codificação. A propósito, ao final deste "Apên-dice", anexo a ele, permito-me transcrever trechos do Discurso Pre-liminar sobre o Projeto de Código Civil, escrito por Portalis emnome da Comissão incumbida da sua redação. Resultam bem nítidasnesse discurso - na expressão de Geny [1919:100] - a afirmação danecessidade de uma doutrina e de uma jurisprudência, autônomas ecriativas, cuja missão fosse não apenas a de interpretar a lei, mastambém de suprir suas lacunas em todas as matérias civis, e a colo-cação em dúvida, de modo decisivo, da idéia do référé, do recursoao legislador a fim de que se pudesse dar satisfação às exigências dajustiça cotidiana.

Note-se bem, neste texto, a pressuposição do caráter meramentesubsuntivo atribuído à função jurisdicional: a atividade interpretativaque incumbia aos juízes praticar era exclusivamente a referida à pre-missa menor do silogismo, vale dizer, dizia respeito unicamente àaplicação da lei [v. item 16].

Não se esqueça, porém, que os artigos 4º e 5º do Código de Napo-leão operam como que uma divisão de atribuições entre Legislativo eJudiciário: o artigo 4" obriga o juiz a interpretar in concreto e o artigo5" o proíbe de interpretar in abstracto.

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105. Atualidade da interpretação negativa

A atualidade da interpretação negativa é notável. Absurdamente,um projeto de lei de delegação ao Executivo para a reforma judiciá-ria na Itália, proposta por Berlusconi em setembro de 2003, definecomo ilícito disciplinar "1'attività di interpretazione di norme di dirit-to che palesemente e inequivocabilmente sia contro Ia lettera e Iavolontà della legge o abbia contenuto creativo" (art. 7, lettera 'c'). Otexto que pune a criatividade do juiz está contido na Legge delega aIGoverno per ta riforma dell'ordinamento giudiziario, con le modifi-che apportate dalla Commissione Giustizia; 24 settembre 2003:

Nous nous sommes également préservés de Ia dangereuse ambi-tion de vouloir tout régler et tout prévoir. Qui pourrait penser que ccsont ceux mêmes auxqueIs un code parait toujours trop volumineux, quiosent prescrire impérieusement au Iégislateur Ia terrible tâche de ne rienabandonner à Ia décision du juge?

Quoi que l' on fasse, Ies Iois positives ne sauraient jamais entiere-ment remplacer l'usage de Ia raison naturelle dans Ies affaires de Ia vie.Les besoins de Ia société sont si variés, Ia communication des hommesest si active, Ieurs intérêts sont si multipliés et Ieurs rapports si étendus,qu'iI est impossible au Iégislateur de pourvoir à toul.

Dans Ies matieres mêmes qui fixent particulierement son attention,iI est une foule de détaiIs qui Iui échappent, ou qui sont trop contentieuxet trop mobiles pour pouvoir devenir I' objet d'un texte de Ioi.

D'ailleurs, comment enchainer I'action du temps? Comments'opposer au cours des événements ou à Ia pente insensible des moeurs?Comment connaitre et calculer d'avance ce que I'expérience seule peutnous révéler? La prévoyance peut-elle jamais s'étendre à des objets queIa pensée ne peut atteindre?

Un code, quelque complet qu'iI puisse paraitre, n'est pas plutôtachevé, que mille questions inattendues viennent s' offrir au magistral.Car Ies Iois, une fois rédigées, demeurent telles qu'elles ont été écrites;Ies hommes, au contraire, ne se reposent jamais; iIs agissent toujours;et ce mouvement, qui ne s' arrête pas, et dont Ies effets sont diversementmodifiés par Ies circonstances, produit à chaque instant quelque com-binaison nouvelle, quelque nouveau fait, quelque résultat nouveau.

Une foule de choses sont donc nécessairement abandonnées àl' empire de l' usage, à Ia discussion des hommes instruits, à l' arbitragedes juges.

L' office de Ia Ioi est de fixer, par de grandes vues, Ies maximesgénérales du droit; d' établir des principes féconds en conséquences, etnon de descendre dans Ie détaiI des questions qui peuvent naitre surchaque matiere.

C' est au magistrat et au jurisconsulte, pénétrés de l' esprit généraIdes Iois, à en dirige r l'application.

De Ià, chez toutes Ies nations policées, on voit toujours se former,à côté du sanctuaire des Iois, et sous Ia surveillance du Iégislateur, undépôt de maximes, de décisions et de doctrines qui s' épure journcllc-

"Articolo 7 (Norme in materia disciplinare nonché in tema disituazioni di incompatibilità, infennità e trasferimento d'ufficio).

"1. Nell'attuazione della delega di cui all'art.I, comma 1, Iettera'F', iI Governo si attiene ai seguenti principi e criteri direttivi:

"(omissis);

"c) prevedere che costituiscono illeciti disciplinari nell'eserciziodelle funzioni:

"(omissis);

"7. L' attività di interpretazione di norme di diritto che palesemen-te e inequivocabilmente sia contra Ia Iettera e Ia volontà della Iegge oabbia contenuto creativo. Fermo quanto sopra e quanto previsto daInumero 3, non puà dar Iuogo a responsabilità disciplinare l' attività divalutazione deI fatto e della prova."

Anexo: Trechos do Discurso Preliminar sobre o Projeto de CódigoCivil, escrito por Portalis [1992:7-15] em nome da Comissão incum-bida da sua redação93

"Tout prévoirest un but qu'iI est impossible d'atteindre. (...) Nousn' avons donc pas cru devoir simplifier Ies Iois au point de Iaisser Iescitoyens sans regIes et sans garantie sur Ieurs plus grands intérêts.

93. Este mesmo trecho é transcrito por Gény no Méthode d'lnterprétarioll[1919:98-100).

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ment par Ia pratique et par le choc des débats judiciaires, qui s'accroitsans cesse de toutes les connaissances acquises, et qui a constammentété regardé comme le vrai supplément de Ia législation.

On fait à ceux qui professent Ia jurisprudence le reproche d'avoirmultiplié les subtilités, les compilations et les commentaires. Ce repro-che peut être fondé. Mais dans quel art, dans quelle science ne s'est-onpas exposé à le mériter? Doit-on accuser une classe particuliered'hommes de ce qui n'est qu'une maladie générale de l'esprit? Il est destemps ou l'on est condamné à I'ignorance parce qu'on manque de livres;il en est d'autres ou il est difficile de s'instruire parce qu'on en a trop.

Si I'on peut pardonner à l'intempérence de commenter, de discu-ter et d'écrire, c'est surtout en jurisprudence. On n'hésitera point à lecroire, si l' on réfléchit sur les fils innombrables qui lient les citoyens,sur le développement et Ia progression successive des objets dont lemagistrat et le jurisconsulte sont obligés de s'occuper, sur le cours desévénements et des circonstances qui modifient de tant de manieres lesrelations sociales; enfin sur l' action et Ia réaction continue de toutes lespassions et de tous les intérêts diverso Tel blâme les subtilités et lescommentaires, qui devient, dans une cause personnelle, le commenta-teur le plus subtil et le plus fastidieux.

II serait sans doute désirable que toutes les matieres pussent êtreréglées par des lois.

Mais à défaut de texte précis sur chaque matiere, un usage ancien,constant et bien établi, une suite non interrompue de décisions sembla-bles, une opinion ou une maxime reçue, tiennent lieu de Ia loi. Quandon n'est dirigé par rien de ce qui est établi ou connu, quand il s'agitd'un fait absolument nouveau, on remonte aux principes du droit natu-reI. Car si Ia prévoyance du législateur est limitée, Ia nature est infinie;elle s'applique à tout ce qui peut intéresser les hommes.

Tout cela suppose des compilations, des recueils, des traités, denombreux volumes de recherches et de dissertations.

Le peuple, dit-on, ne peut dans ce dédale démêler ce qu'il doit évi-ter ou ce qu'il doit faire pour avo ir Ia sílreté de ses possessions et de sesdroits.

Mais le code même le plus simple serait-il à Ia portée de toutesles classes de Ia société? Les passions ne seraient telles pas perpétuel-lement occupées à en détourner le vrai sens? Ne faut-il pas une certai-

ne expérience pour faire une sage application des lois? Qucllc cstd'ailleurs Ia nation à Iaquelle des lois simples et en petit nombre aicntlongtemps suffi?

Ce serait donc une erreur de penser qu'i! pílt exister un corps delois qui eílt d'avance pourvu à tous les cas possibles, et qui cependantfílt à Ia portée du moindre citoyen.

(...).Les matieres criminelles, qui ne roulent que sur certaines actions,

sont circonscrites; les matieres civiles ne le sont pas. Elles embrassentindéfiniment toutes les actions et tous les intérêts compliqués et varia-bles qui peuvent devenir un objet de litige entre des hommes vivant ensociété. Conséquemment, les matieres criminelles peuvent devenirl' objet d'une prévoyance dont les matieres civiles ne sont pas suscep-tibles.

En second lieu, dans les matieres civiles, le débat existe toujoursentre deux ou plusieurs citoyens. Une question de propriété, ou touteautre question semblable ne peut rester indécise entre eux. On est forcéde prononcer; de quelque maniere que ce soit, il faut terminer le litige.Si les parties ne peuvent pas s'accorder elles-mêmes, que fait alorsl'état? dans l'impossibilité de leur donner des lois sur tous les objets, illeur offre, dans le magistrat public, un arbitre éc1airé et impartial dontIa décision les empêche d'en venir aux mains, et leur est certainementplus profitable qu'un litige prolongé, dont elles ne pourraient prévoir niles suites ni le terme. L'arbitre apparent de l'équité vaut encore mieuxque le tumulte des passions.

Mais dans les matieres criminelles, le débat est entre le citoyenet le publico. La volonté du public ne peut être représentée que parcelle de Ia loi. Le citoyen dont les actions ne violent point Ia loi, nesaurait dont être inquiété ni accusé au nom du publico Non-seulementalors on n'est pas forcé dejuger, mais il n'y aurait pas même matiereàjugement.

La loi qui sert de titre à l'accusation doit être antérieure à l'actionpour laquelle on accuse. Le législateur ne doit point frapper sans aver-tir: s'il en était autrement, Ia loi, contre son objet essentiel, ne se pro-poserait donc pas de rendre les hommes meilleurs, mais seulement deles rendre plus malheureux; ce qui serait contraire à I'essence mêmedes choses.

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Ainsi, en matiere críminelle, ou il n'y a qu'un texte formeI et prée-xistant qui puisse fonder l'action du juge, il faut des lois précises etpoint de jurisprudence. 11en est autrement en matiere civile: là, il fautune jurisprudence, parce qu'il est impossible de régler tous les objetscivils par des lois, et qu'il est nécessaire de terminer, entre particuliers,des contestations qu' on ne pourrait laisser indécises sans forcer chaquecitoyen à devenir juge dans sa propre cause, et sans oublier que Ia jus-tice est Ia premiere dette de Ia souveraineté.

Sur le fondement de Ia maxime que les juges doivent obéir auxlois, et qu'illeur est défendu de les interpréter, les tribunaux, dans cesdemieres années, renvoyaient par des référés les justiciables au pouvoirlégislatif, toutes les fois qu'ils manquaient de loi, ou que Ia loi existan-te leur paraissait obscure. Le tribunal de cassation a constamment répri-mé cet abus comme un déni de justice.

11est deux sortes d'interprétations: l'une par voie de doctrine, etl'autre par voie d'autorité.

L'interprétation par voie de doctrine, consiste à saisir le vrai sensdes lois, à les appliquer avec discernement, et à les suppléer dans les casqu'elles n'ont pas réglés. Sans cette espece d'interprétation pourrait-onconcevoir Ia possibilité de remplir l' office de juge?

L'interprétation par Ia voie d'autorité consiste à résoudre les ques-tions et les doutes par Ia voie de reglements ou de dispositions généra-leso Ce mode d'interprétation est le seul qui soit interdit au juge.

Quand Ia loi est claire, il faut Ia suivre; quand elle est obscure, ilfaut en approfondir les dispositions. Si l'on manque de loi, il faut con-sulter l'usage ou l'équité. L'équité est le retour à Ia loi naturelle, dansle silence, l'opposition ou l'obscurité des lois positives.

Forcer le magistrat de recourir au législateur, ce serait admettre leplus funeste des principes; ce serait renouveler parmi nous Ia désastreu-se législation des rescrits; car, lorsque le législateur intervient pour pro-noncer sur des affaires nées et vivement agitées entre particuliers, iln'est pas plus à l'abri des surprises que les tribunaux. On a moins àredouter l'arbitraire réglé, timide et circonspect d'un magistrat qui peutêtre réformé, et qui est soumis à l' action en forfaiture, que l' arbitraireabsolu d'un pouvoir indépendant qui n'estjamais responsable.

Les parties qui traitent entre elles sur une matiere que Ia loipositive n'a pas définie, se soumettent aux usages reçus ou à l'équité

univcrselle, à défaut de tout usage. Or, constater un point d'usage et('appliquer à une contestation privée, c'est faire un acte judiciaire etnon un acte législatif. L'application même de cette équité ou de cettejustice distributive, qui suit et qui doit suivre, dans chaque cas particu-licr, tous les petits fils par lesquels une des parties litigantes tient àI' autre, ne peut jamais appartenir au législateur, uniquement ministre deccttc justice ou de cette équité générale, qui, sans égard à aucune cir-constance particuliere, embrasse l'universalité des choses et des per-sonnes. Des lois intervenues sur des affaires privées seraient donc sou-vcnt suspectes de partialité, et toujours elle seraient rétroactives etinjustes pour ceux dont le litige aurait précédé l'intervention de ces lois.

De plus, le recours au législateur entrainerait des longueurs fatales'lU justiciable, et, ce qui est pire, il compromettrait Ia sagesse et Ia sain-tcté des lois.

En effet, Ia loi statue sur tous: elle considere les hommes en masse,jamais comme particuliers; elle ne doit point se mêler des faits indivi-ducls ni des litiges qui divisent les citoyens. S'il en était autrement, ilfaudraitjournellement faire de nouvelles lois; leur multitude étoufferaitleur dignité et nuirait à leur observation. Le jurisconsulte serait sansfonctions, et le législateur, entrainé par les détails, ne serait bientôt plusque jurisconsulte. Les intérêts particuliers assiégeraient Ia puissancelégislative; ils Ia détourneraient, à chaque instant, de l'intérêt général deIa société.

11y a une science pour les législateurs, comme il y en a une pourles magistrats; et l'une ne ressemble pas à l' autre. La science du légis-lateur consiste à trouver, dans chaque matiere, les principes les plusfavorables au bien commun: Ia science du magistrat est de mettre cespríncipes en action, de les ramifier, de les étendre, par une applicationsage et raisonnée, aux hypotheses privées; d'étudier l'esprit de Ia loiquand Ia lettre tue, et de ne pas s'exposer à être tour à tour esclave etrebelle, et à désobéir par esprit de servitude.

Il faut que le législateur veille SUl' Ia jurisprudence: il peut êtreéc!airé par eUe, et il peut, de son côté, Ia corrige r; mais il faut qu 'il yen ait une. Dans cette il1ll1lensité d'objets divers, qui cOl1lposent les11latieresciviles, et dont le jugement, dans le plus grand nombre de cas,est 11loinsI'application d'zl1l tcxte précis, que Ia combinaison de plu-sieurs textes qui conduisent à Ia décision bien plus qu 'ils ne Ia renfer-

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ment, onne peut pas plus se passerde jurisprudence que des lois.94 ar,c' est à Ia jurisprudenee que nous abandonnons les eas rares et extraor-dinaires qui ne sauraient entrer dans le plan d'une législation raisonna-ble, 1es détails trop variab1es et trop eontentieux qui ne daivent pointoeeuper 1e 1égis1ateur, et taus les objets que 1'on s'effareerait inutile-ment de prévoir, ou qu'une prévoyanee préeipitée ne pourrait définirsans danger. C' est à l' expérienee à eomb1er sueeessivement les videsque naus laissons. Les eodes des peuples se Jont avec le temps; mais, àproprement parler, on ne les Jait pas".

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