1. CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA E DECISÃO...
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1. CONCEPÇÃO ARQUITETÔNICA E DECISÃO MULTICRITÉRIO
O objetivo deste capítulo é apresentar o problema da decisão frente a uma
série de alternativas, ressaltando suas especificidades quando o problema for
relacionado à concepção de edifícios durante a fase de anteprojeto. Apresenta-se os
métodos e ferramentas de auxílio à concepção arquitetônica disponíveis e uma
descrição do método de análise multicritério utilizada para ordenação das soluções
de projeto.
1.1 – A Concepção Arquitetônica.
O processo de concepção pode ser compreendido como a exploração
simultânea de várias alternativas, por meio de saltos de níveis de abstração e
descrição distintos, ao longo dos quais exigências iniciais são recolocadas. É um ato
complexo, que exige a transformação de uma nuvem consistente de conhecimentos
e aspirações, em uma forma concreta pronta para ser executada. Em outros termos,
e para o caso específico das edificações, o processo de concepção representa, pois, a
maneira pela qual todo aquele que projeta sintetiza todos os dados de que dispõe,
numa solução arquitetônica capaz de suplantar as restrições ambientais, materiais,
financeiras e assim por diante.
Pode-se afirmar que estas restrições aumentam com a evolução do processo
de concepção. Em outras palavras, as alternativas de projeto reduzem-se na medida
em que o projeto amadurece. Isto acontece devido a maneira com que prédios são
projetados,
geralmente seguindo uma estratégia de ‘cima para baixo’. Esta estratégia consiste em
inicialmente começar com o prédio como um todo e então ir trabalhando para baixo
na direção dos detalhes, como cores e acabamentos. Este processo é dividido em
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diversas etapas de projeto, que variam conforme os projetistas, mas a idéia básica
permanece a mesma. Os estágios iniciais do projeto constituem o fundamento de
todos os novos edifícios e comumente, denomina-se “anteprojeto” a esta fase da
concepção arquitetônica. Durante esta fase, os aspectos gerais de tamanho, orientação
e construção do edifício são definidos. Todas as decisões subsequentes e cálculos
relativos ao projeto são baseados nestas características. Portanto, fica cada vez mais
difícil e oneroso alterar o projeto à medida que ele for desenvolvido. Decisões
tomadas nestas etapas têm então efeito direto na edificação. (ELLIS, 2001, p.1009 –
1010)
Sabendo disso, a abordagem mais natural seria incorporar ao anteprojeto
procedimentos de cálculos diversos ainda nesta fase, cálculos estes que auxiliassem
as decisões e viessem reduzir os possíveis efeitos negativos na edificação. Em outras
palavras, evitar desta forma que possíveis erros de concepção viessem comprometer
a qualidade do prédio em relação aos comportamentos: térmico, lumínico, de
infiltração de ar, etc. Porém, as indefinições ainda inerentes ao projeto nesta fase,
não permitem cálculos precisos destes comportamentos. Caso haja uma insistência
em se proceder a uma abordagem deste tipo, forçosamente ter-se-á que assumir
dados de entrada irreais para diversos parâmetros ainda desconhecidos (já que esses
só serão definidos em uma etapa da concepção posterior), como por exemplo, fixar
o tipo de material de revestimento, a dimensão das janelas, ou mesmo a disposição
espacial das diversas zonas (ou cômodos). Obter-se-á, certamente, um resultado
numérico, porém, a questão é se este resultado é confiável e pode ser considerado
como o real desempenho do prédio e ser então utilizado na tomada de alguma
decisão no contexto da concepção arquitetônica. A resposta é negativa. Em outros
termos,
para ser prática e útil, uma informação deve conter o grau de precisão estritamente
necessário a cada estágio de desenvolvimento do projeto. Este grau de decisão vai
aumentando a cada etapa, do croquis ao as-built. Não parece haver nenhum sentido no
cálculo detalhado de uma estrutura ou de um desempenho térmico no início do
projetar, já que o objeto em estudo será modificado ainda inúmeras vezes, mas parece
fazer todo sentido que as grandes linhas estruturais ou térmicas (orientação, forma, ...)
sejam integradas desde o início à concepção. (BARROSO-KRAUSE, 1998, p.39-40).
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Assim, diante da impossibilidade de se proceder a cálculos precisos durante a
etapa de anteprojeto, deve-se questionar quais grandezas estão disponíveis durante
esta etapa e que poderão ser utilizadas para algum cálculo PRELIMINAR. Nesta
pesquisa, deu-se prioridade a algumas grandezas e ignorou-se outros aspectos não
menos importantes, como por exemplo, o fator custo. Partiu-se do princípio de que
nesta fase de anteprojeto, o projetista possui plena liberdade de criação, não se
preocupando com o custo da solução esboçada, pois este, de qualquer forma, é
impossível de ser estimado com um mínimo de precisão nesta etapa. Na realidade, é
exatamente isso que ocorre na prática cotidiana. Ressalta-se ainda que,
normalmente, o incorporador-construtor quer gastar o mínimo possível na obra,
deixando para os futuros usuários os gastos inerentes ao uso da edificação (aí
incluídos o consumo energético para climatização, etc). Estes gastos representam
um enorme montante ao longo da vida do prédio e não são considerados pela lógica
empresarial atual. Assim, à luz da sustentabilidade, a análise econômica do
investimento a ser feito requer que não somente o custo de realização da edificação
seja considerado, mas também que seja dado uma valoração econômica à questão da
qualidade ambiental da mesma. Ou seja, deve ser levado em consideração os custos
relativos ao uso da edificação e inclusive a um futuro desmonte da mesma, e assim
por diante, numa análise global econômica, o que é praticamente impossível de ser
realizado na fase de anteprojeto (OYARZUM, 1994). Por todos estes motivos, o
critério PREÇO, sempre importante, foi excluído deste estudo.
Considerando o exposto, pode-se verificar que na fase inicial de concepção,
visando atender às questões de sustentabilidade e de eficiência energética, a atenção
do projetista deve ser voltada para as características do entorno físico da edificação e
do seu envelope, aspectos estes já bem definidos. Assim sendo, pode-se dispor das
condições ambientais ao qual o prédio será construído e dos aspectos gerais
externos da edificação, que interagem com o ambiente. As condições ambientais a
serem consideradas durante o anteprojeto, podem ser especificadas como:
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• posição geográfica do terreno (altitude, latitude, longitude, topografia);
• orientação do terreno e interferências do entorno (outras edificações,
vegetação);
• orientação da edificação (orientações das fachadas);
• direção e velocidade dos ventos;
• condições climáticas, incidência da radiação solar;
• sombreamentos exteriores ao envelope;
e como aspectos gerais da edificação, disponíveis nesta etapa:
• volumetria externa;
• orientação das fachadas em relação ao terreno e aos pontos cardeais;
• áreas externas opaca e envidraçada expostas à radiação solar;
• área externa aberta à ventilação;
• nível de sombreamento da fachada devido a dispositivos integrados;
• materiais construtivos básicos;
São apenas estes, portanto, os parâmetros com os quais pode-se trabalhar na
fase de anteprojeto e que são passíveis de serem utilizados na análise de soluções de
projeto. Esta evidente escassez de dados indica que tipo de informação poderá ser
obtido. Os resultados obtidos de qualquer análise do prédio realizada com um
número tão pequeno de parâmetros, certamente não fornecerá como resultado um
número significativo em termos de valor absoluto, mas deverá antes ser encarado
como significativo em termos de uma certa tendência do comportamento estudado,
ou ainda, como um índice de um certo desempenho relativo. Trata-se, assim, de
trabalhar com um conceito voltado para aspectos mais qualitativos do que
quantitativos. Aceitando esta limitação (ou esta maneira de enxergar o problema),
poder-se-á realizar análises e observar seus resultados sem incorrer no medo da falta
de precisão.
Mas em que nível pode-se intervir nesta etapa da concepção para alcançar a
eficiência do futuro prédio? A resposta é que pode-se apenas trabalhar com estes
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parâmetros, porque é tudo o que se dispõe, tentando encontrar uma combinação
ideal entre eles que se aproxime do desempenho desejado, sempre baseado em um
determinado critério qualquer, como consumo de energia, conforto térmico, etc.
Tomando como exemplo dois prédios idênticos que se distinguem apenas pela suas
orientações em relação aos pontos geográficos, verifica-se que cada uma dessas
edificações está exposta a uma incidência de radiação solar distinta, acarretando em
cargas térmicas globais também diferentes. Se for possível estimar o grau de
diferença entre as cargas térmicas absorvidas por cada um dos prédios, pode-se
determinar qual dos dois apresenta melhor desempenho e qual deles representa,
portanto, uma melhor solução de projeto. Obviamente, isto pode e deve ser feito
considerando vários parâmetros e vários critérios, tornando a questão bem mais
complexa.
1.2 – Métodos e Ferramentas de Auxílio à Concepção de Edifícios.
Os cálculos para avaliação dos comportamentos de uma edificação, mesmo
na fase de anteprojeto, pode ser feita através de simulação computacional. Em
termos de classificação das ferramentas de auxílio à concepção arquitetônica,
distinguem-se três tipos básicos (DEPECKER et al, 2000):
1) regras inteligentes (savoir-faire): são conhecimentos gerais (baseadas no
sítio, no envelope da edificação e no clima) ou locais (componentes da
edificação) elaboradas por profissionais ou pesquisadores especializados,
sobre um assunto determinado. Elas tomam a forma de regras formuladas de
maneira simplificada, como regras de escolha ou regras de tendência de
comportamentos.
2) códigos simplificados: são códigos de cálculo baseados a partir de modelos
físicos, matemáticos e numéricos simplificados, mas capazes de fornecer
resultados com precisão satisfatória para a fase de anteprojeto. Prestam-se
muito bem para estudos de sensibilidade e modificação de soluções de
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projeto, através de um processo de concepção interativo (escolha →
avaliação → modificação=nova escolha), devido à rapidez com que realizam
os cálculos de desempenho e das interfaces simplificadas.
3) códigos especializados: são códigos de cálculo baseados a partir de
modelos físicos, matemáticos e numéricos sofisticados e muito precisos,
provenientes de pesquisa universitária. Requerem um grande conhecimento
dos fenômenos térmicos, lumínicos ou de dinâmica de fluidos para serem
adequadamente utilizados. Geralmente não possuem uma interface de fácil
utilização e apresentam uma curva de aprendizagem lenta.
Figura 1.1 – Atores, fases do projeto e ferramentas de auxílio à concepção
Fonte: Adaptado de QUEIROZ (2002)
Muitas ferramentas computacionais de auxílio à concepção de edifícios, antes
só disponíveis em sistemas de grande porte, surgiram como aplicações para
microcomputadores a partir da década de 80. Dessas, as mais utilizadas por
arquitetos são voltadas apenas para a parte de representação gráfica do projeto, ou
“desenho” da edificação. As ferramentas disponíveis para simulação dos
comportamentos do edifício (térmico, lumínico, ventilação, etc.), geralmente fazem
parte do terceiro grupo (códigos especializados) e ainda não são empregadas
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correntemente na prática de projeto. Isto se dá principalmente devido à inadequação
destas ferramentas aos profissionais envolvidos no processo de concepção,
principalmente arquitetos. Esta inadequação gera dificuldades em relação ao seu uso,
que podem ser enumeradas da seguinte forma (DEPECKER et al, 2000):
• existe um fosso cultural entre o arquiteto e o pesquisador-cientista, no
domínio de áreas da física e termodinâmica, devido principalmente às
características de formação de ambos os profissionais, dificultando a
comunicação entre os dois campos de atuação;
• usualmente os arquitetos consideram que problemas térmicos, lumínicos
ou de ventilação podem ser resolvidos facilmente por um arsenal
tecnológico (ar-condicionado, luz artificial, ventilação mecânica), ou seja,
a dimensão energética do projeto não é considerada significativa como
um parâmetro da concepção;
• as ferramentas computacionais existentes possuem um caráter ultra-
especializado, requerendo conhecimentos aprofundados dos fenômenos
físicos e termodinâmicos envolvidos, além de interfaces complexas
pouco amigáveis em relação à formação do arquiteto e mesmo do
engenheiro não-pesquisador;
• As ferramentas computacionais existentes exigem um tempo
relativamente longo de aprendizagem, desestimulando seu uso por
profissionais do setor privado, em que o tempo disponível é geralmente
escasso.
Nesse contexto, verifica-se a necessidade do desenvolvimento de ferramentas
capazes de transpor essas barreiras de modo a serem utilizadas na prática cotidiana
da concepção de edifícios, incorporando à esta prática a dimensão energética e de
conforto. Devido às dificuldades relacionadas às ferramentas especializadas acima
citadas, o ideal é desenvolver ferramentas baseadas ou em regras inteligentes, ou em
códigos simplificados. As estratégias para utilização da luz e ventilação naturais que
o presente trabalho busca desenvolver, insere-se na categoria de REGRAS
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INTELIGENTES. Como foi dito, estas regras devem ser elaboradas por profissionais
ou pesquisadores especializados. Porém, verifica-se
que na prática profissional, as regras gerais e leis de tendência não estão disponíveis de
forma inteligível, ou seja, não estão formuladas pelos profissionais envolvidos. Existe a
possibilidade de elaborá-las a partir de uma metodologia rigorosa de seleção dos
componentes do projeto a serem estudados. [...] A partir da definição de um conjunto
de ambientes ou modelos de edifícios, mesmo em se tratando de uma fase de estudos
preliminares de um projeto, é possível simular numericamente, observar e identificar
tendências gerais de variação no desempenho de parâmetros arquitetônicos. [...]
Algumas regras gerais podem direcionar rapidamente as melhores soluções
arquitetônicas, limitar o número de testes de escolha e respectivas interações, com
auxílio de códigos adaptados para simulação. (QUEIROZ, 2002, p.75-76)
Percebe-se, portanto, que em termos da implementação da ferramenta de
auxílio à concepção, o resultado pode ser uma aplicação com a interface amigável de
um código simplificado, e que contenha rotinas de cálculos baseadas nas regras
inteligentes determinadas através de simulações realizadas com o uso de códigos
especializados. Esta foi a abordagem utilizada.
Entretanto, mesmo após o desenvolvimento de uma ferramenta capaz de
calcular os desempenhos da edificação segundo alguns parâmetros arquitetônicos,
estes desempenhos devem ser avaliados sob vários critérios, para então serem
utilizados no processo de escolha da solução arquitetônica. Trata-se, neste caso, de
um problema de decisão, que deve ser incorporado à ferramenta de auxílio à
concepção.
1.3 – A Decisão Diante da Multiplicidade de Critérios.
O estudo da concepção arquitetônica, e mais precisamente durante a etapa de
anteprojeto, revela o tipo de problema existente quando o objetivo é encontrar
soluções satisfatórias e eficientes para a edificação. Diante de um certo número de
variáveis importantes (área de janelas, superfícies dos cômodos, altura do prédio,
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etc.), o projetista estabelece valores para elas, formando uma combinação que
representa apenas uma dentre as infinitas possibilidades possíveis. Várias dessas
“composições” podem ser satisfatórias aos olhos dos projetista, mas ele não tem,
intuitivamente, como mensurar o desempenho global dessas soluções. Entretanto,
pode-se lançar mão de técnicas para se determinar, segundo alguns critérios, qual a
solução ótima para o projeto e então comparar as alternativas com esta solução ideal
ou, se não for possível obter essa solução ótima, encontrar uma boa solução de
compromisso.
1.3.1 – Otimização multicritério
As noções básicas na formulação de um problema de otimização
multicritério são as variáveis de decisão, as restrições e os critérios de otimização. As
variáveis de decisão são quantidades que descrevem estruturas sujeitas à variação ao
longo do processo de otimização, e são expressas, geralmente, na forma de um vetor
dentro de um espaço n-dimensional denominado espaço de decisão. Cada ponto
desse espaço corresponde, no caso da concepção arquitetônica, a uma solução de
projeto com “n” variáveis de decisão. As restrições impostas às variáveis
determinam o contorno da região de soluções exequíveis do espaço de decisão, e
tomam a forma de igualdades ou desigualdades que descrevem certas condições que
devem ser satisfeitas pelas soluções de projeto. No espaço n-dimensional, as
restrições formam uma hipersuperfície contendo os pontos (alternativas de projeto)
que atendem os limites estabelecidos (MARKS, 1997).
Na otimização, aceita-se que uma expressão matemática descreve alguma
propriedade do objeto de estudo (o prédio), na forma de uma função. À essa
expressão, dá-se o nome de função objetivo. O resultado calculado para a função
objetivo é a base para a seleção da melhor artenativa para o problema proposto.
Observa-se que essa função pode não ser uma função linear. Neste trabalho, as
funções objetivos são representadas pelas diversas REGRAS INTELIGENTES obtidas
com as simulações da edificação e que descrevem o desempenho do prédio segundo
os critérios escolhidos. Nesse caso de otimização multicritérios, o problema se
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transforma no cálculo de um vetor contendo as diversas funções objetivo, cada uma
para um critério selecionado. A solução arquitetônica que faz cada função objetivo
atingir um valor máximo (seu extremo) independentemente das outras funções é
chamada de solução ideal. Na prática, as funções objetivo geralmente estão em
confito umas com as outras e a solução ideal não pode ser encontrada. A solução
que pode ser obtida é então chamada de não-dominante ou solução eficiente, e pode
não ser única. Por isso, é necessário selecionar, entre as soluções não-dominantes, a
melhor solução, a qual se denomina solução preferida. Esta, é considerada como o
ponto situado mais próximo da solução ideal, no espaço de soluções exequíveis.
O problema de otimização multicritério é, portanto, solucionado em duas
etapas. A primeira é a determinação do conjunto das soluções eficientes. A segunda,
a determinação da solução preferida. Existem algumas técnicas para se encontrar o
conjunto de soluções não dominantes, que visam, basicamente, converter as
múltiplas funções objetivo numa única função. A mais comum é conhecida como o
método dos pesos, e consiste em obter essa função única como uma soma
ponderada das funções objetivo individuais. A escolha da solução preferida, por sua
vez, pode ser feita através de métodos clássicos, em que se procura, utilizando o
cálculo diferencial, determinar os máximos e mínimos da função objetivo
“unificada”. Entre esses, pode-se citar o Método do Gradiente, o Método Jacobiano
(ou das Derivadas Restritas), o Método Lagrangeano, Programação Convexa
Separável, Programação Quadrática, Método das Combinações Lineares e outros,
que têm sua utilização definida pelo tipo da função e das restrições do problema.
1.3.2 – Análise multicritério
No caso da concepção arquitetônica, o uso da otimização multicritério
apresenta algumas dificuldades que estão relacionadas com o tipo de problema a ser
resolvido. Em primeiro lugar, os critérios utilizados fazem com que as funções
objetivos sejam conflitantes em termos dos desempenhos do prédio, e uma solução
ideal não possa ser encontrada. A busca, então, é sempre por uma solução de
compromisso. Por exemplo, o aumento do tamanho das janelas, significa não só a
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utilização de mais luz natural nos ambientes, mas também o aumento da carga
térmica no interior da edificação e uma possível piora das condições de conforto
térmico. Em segundo lugar, os valores numéricos atribuídos às alternativas para
alguns critérios estão sujeitos à imprecisões, incertezas e indeterminações, devido à
própria natureza da atividade de projeto. Isso se deve, principalmente, ao fato de
que neste trabalho, as “funções objetivo” disponíveis (as REGRAS INTELIGENTES)
são determinadas através de simulações em que as imprecisões são inerentes à
modelagem da edificação. Assim, é impossível definir acuradamente valores para
todos os critérios. Em outras palavras, as funções não são bem definidas.
Nesse caso, é preferível descartar a busca pelo “ótimo” e utilizar
procedimentos de análise de decisão, que envolvem o uso de processos racionais
para selecionar a melhor entre diversas alternativas (TAHA, 2003). Métodos
baseados em análise multicritério também são largamente utilizados na seleção de
projetos em desenvolvimento na área de serviços de saúde, na escolha entre diversas
opções industriais para resolução da poluição química, na avaliação de alternativas
energéticas públicas para fazer face às demandas de eletricidade em diversos países,
na melhor localização para instalação de uma usina, e assim por diante. Desta forma,
aplica-se este tipo de método quando as variáveis do problema não podem ser
descontextualizadas (SHARLIG, 1985).
Diante de um conjunto discreto de alternativas descrito por uma série de
critérios, existem quatro diferentes tipos de análise que podem ser feitos
considerando o apoio à decisão:
• identificar a melhor alternativa ou selecionar um número limitado de
melhores alternativas (problema de ESCOLHA);
• classificar as alternativas segundo grupos homogêneos pré-definidos
(problema de CLASSIFICAÇÃO OU TRIAGEM);
• construir um ranking de alternativas indo das melhores para as piores
(problema de ORDENAÇÃO);
• identificar ao aspectos principais das alternativas e descrevê-las segundo
aqueles aspectos (problema de DESCRIÇÃO);
19
Para o caso específico de ter que decidir entre várias alternativas de projeto, o
projetista de uma maneira geral se encontra frente a um problema ou de ESCOLHA,
ou de ORDENAÇÃO. A princípio, a opção por resolver um problema de escolha da
melhor alternativa parece mais apropriada, pois, aparentemente, deixa uma margem
menor para a dúvida. Se for possível dizer, sem hesitação, qual a melhor solução de
projeto, o processo de tomada de decisão torna-se mais simples. Entretanto, deve-se
levar em conta que um projeto arquitetônico é uma obra que envolve muitos atores
e não só o projetista. Exemplificando, pode ser que os incorporadores do prédio
tenham uma visão apenas ligeiramente diferente daquela do projetista, e diante de
duas ou mais alternativas quase semelhantes, optem por uma diferente daquela
escolhida pelo arquiteto, privilegiando um outro critério. E que para uma mesma
situação, o engenheiro encarregado pelos sistemas mecânicos do prédio opte ainda
por uma terceira, e assim por diante. Desta forma, é prudente considerar o
problema de decisão como sendo do tipo ORDENAÇÃO. Isto garante que o resultado
do processo decisório retenha mais informação do que um processo de ESCOLHA, o
qual elimina todas as outras alternativas. Desta forma, um problema de ordenação
pode ser considerado uma evolução do problema de escolha, cuja direção favorável
é uma exploração da informação com mais nuances. (MAYSTRE et al, 1994). Além
disso, diante de um ranking de soluções, pode-se sempre retirar a posteriori a
solução mais adequada, ou tão favorável quanto possível.
Definido então que é atraente considerar o problema de decisão relacionado
à concepção de edifícios como sendo de ordenação, pode-se enumerar as etapas a
serem percorridas na pesquisa do ranking das soluções de projeto. São elas:
• listar as soluções possíveis ou consideráveis;
• listar os critérios a se considerar;
• julgar cada uma das soluções com base em cada um dos critérios;
• agregar estes julgamentos para designar a solução que apresenta
globalmente as melhores avaliações;
20
A primeira etapa é a definição do conjunto das ações potenciais que serão
consideradas no processo de decisão. Neste trabalho, representam todas as possíveis
ou desejadas soluções imaginadas pelo autor do projeto. Assim, para uma mesmo
pré-requisito, por exemplo, a área total construída, teoricamente o prédio poderá ter
um número praticamente infinito de soluções que vão desde um arranha-céu de
muitos pavimentos de pequena superfície unitária, até um prédio ocupando uma
grande área de terreno porém com reduzido número de pavimentos. Na realidade,
na maior parte das vezes, o número de soluções arquitetônicas é restringido por
fatores como o código de obras, a tipologia, referências culturais, etc.
A segunda etapa é a escolha dos critérios a serem considerados ao longo do
processo de decisão. Esses critérios são expressões qualitativas ou quantitativas de
pontos de vista, objetivos ou restrições relativas ao contexto real, que permitem
julgar objetos ou eventos. Para que tais expressões possam se tornar critérios, elas
devem ser úteis para o problema considerado. Em que concerne ao seu número, em
princípio, a análise multicritério deveria considerar uma lista exaustiva e não
redundante de critérios. Contudo, foi descoberto pela prática que o método torna-se
impraticável com mais de 12 critérios. (ROULET et al, 2002) Aos critérios são
associados uma escala em valores ordinais ou cardinais. Neste trabalho, considerar-
se-á cinco critérios para a avaliação das soluções de projeto:
• consumo energético da edificação (relacionado aos fenômenos de
transferência térmica);
• conforto térmico dos ocupantes;
• quantidade de luz natural nos ambientes;
• conforto visual dos ocupantes;
• qualidade do ar nos ambientes; Portanto, estes cinco critérios serão utilizados para definir os desempenhos
individuais de cada solução de projeto definida na primeira etapa. Esses critérios
foram escolhidos por duas razões: inicialmente, porque entre eles encontram-se os
objetivos que norteiam este estudo, ou seja, interessa aqui os desempenhos
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diretamente ligados à área da engenharia mecânica; outra razão para a escolha desses
critérios é que como foi visto, eles estão entre os poucos que podem ser utilizados
durante a fase inicial de concepção.
1.4 – O método ELECTRE III
Foram desenvolvidos vários métodos para ordenação (ranking) de diversas
alternativas segundo uma ordem de preferências. Uma revisão bibliográfica de
grande parte deles foi realizada por Zopounidis e Doumpos (2002). Entre eles,
ressalta-se o método desenvolvido por Roy (1977) denominado ELECTRE III.
Considerando um número n de alternativas ai, i = 1,2,...,n, que resumem o
conjunto de soluções possíveis para o problema, A = {ai} e C1, C2,..., Cm, os m
critérios adotados, então cada alternativa ai é caracterizada por um vetor
multiatributo {ei1, ei2, ..., eim } que é a avaliação da alternativa perante os múltiplos
critérios. O método ELECTRE III trabalha com uma estrutura de modelagem de
preferências, segundo a qual compara-se cada duas alternativas, obtendo-se: uma
PREFERÊNCIA FORTE ou FRACA por uma das ações, uma INDIFERENÇA entre as
duas ações ou uma INCOMPARABILIDADE entre elas. As situações de preferência ou
indiferença são caracterizadas em função de limites de preferência “p” e limites de
indiferença “q”, especificados pelo analista da decisão.
O limite de preferência indica a diferença, absoluta ou relativa, a partir da
qual uma preferência estrita pode ser estabelecida entre duas avaliações. O limite de
indiferença, por sua vez, indica a diferença absoluta ou relativa para a qual nenhuma
preferência pode ser estabelecida entre as alternativas, devido à imprecisão das
medidas ou dos dados.
Introduz-se ainda um limite de veto “v” para cada critério “C”. Este índice
permite definir a incomparabilidade da alternativa “B” em relação à “A”, se “A” é
melhor que “B” para todos os critérios menos um, e sob este único critério “B” é
melhor que “A”. O índice “v” representa a diferença a partir da qual ignora-se a
comparação entre as duas alternativas.
22
A importância dos critérios é estabelecida atribuindo-lhes pesos individuais.
Estes pesos definem a importância de cada critério segundo a visão do agente
decisor ou, melhor, a preferência relativa dos critérios determinada pelos atores do
processo decisório. Uma pequena modificação nos pesos pode ainda ser utilizada
para “quebrar” uma ordem de classificação em que duas alternativas apresentem
uma mesma posição no ranking encontrado, refinando o processo decisório
(MIETTINEN e SALMINEN, 1999).
Com todos estes dados (critérios, pesos, limites e alternativas), monta-se uma
matriz de avaliações do tipo:
Tabela 1.1 – A matriz de avaliações
c1 c2 c3 ... Cm p1 p2 p3 ... Pm
a1 e11 e12 e13 ... e1m
a2 e21 e22 e23 ... e2m
a3 e31 e32 e33 ... e3m... ... ... ... eij ... an en1 en2 en3 ... enm
A análise da matriz inicia-se com
as comparações, em geral duas a duas: comparações de ações potenciais, por exemplo,
para ver se uma sobreclassifica a outra; ou ainda comparações de classificações de
ações, para ver qual está mais de acordo com a estabelecida. Após o que tenta-se,
numa segunda fase, operar uma síntese do que se tenha constatado. Uma síntese que
sabemos, a priori, não será perfeita.... (SCHARLIG, 1985, p.139).
Os métodos ELECTRE se baseiam na noção de RELAÇÃO DE
SOBRECLASSIFICAÇÃO. Esta relação é uma relação binária definida sobre o conjunto
das alternativas tal que: uma alternativa “A” sobreclassifica uma alternativa “B” se
for possível afirmar pelo agente decisor que “A” é pelo menos tão boa quanto “B”.
Os argumentos que permitem esta afirmação, partem de dois testes aos quais é
submetida a hipótese “A” SOBRECLASSIFICA “B”. Inicialmente, um teste de
concordância, que estabelece que há uma maioria de critérios que favorecem “A”. E
23
depois, um teste de discordância que estabelece que não há uma FORTE minoria em
favor de “B”.
Na prática, considerando g(Ai) a avaliação da ação ou alternativa segundo o
critério “g”, as relações de sobreclassificação são determinadas conformes as
possíveis relações de ordenação entre quaisquer duas ações “A” e “B”, conforme
haja uma preferência forte de uma pela outra, uma preferência fraca, uma
indiferença ou uma incomparabilidade entre elas, calculadas da seguinte forma:
“A” é FORTEMENTE PREFERIDA em relação à “B” se g(A)-g(B) > p
“A” é FRACAMENTE PREFERIDA em relação à “B” se q < g(A)-g(B) ≤ p
“A” é INDIFERENTE em relação à “B” se |g(A)-g(B)| ≤ q
Pode-se assim, para o par “A,B” calcular:
a) o Índice de Concordância c(A,B), que mede o grau de confiança para com a
hipótese “A” SOBRECLASSIFICA “B”.
b) o Índice de Discordância d(A,B), que mede o grau de desconfiança para com a
hipótese “A” SOBRECLASSIFICA “B”.
Estabelece-se então duas matrizes, uma de concordância e outra de
discordância, nas quais são comparados todos os possíveis pares de alternativas
“A,B”. Quando devidamente combinadas, as duas matrizes derivam uma outra
matriz, denominada de credibilidade, que provê uma medida quantitativa da força da
assertiva “A” SOBRECLASSIFICA “B”, ou “A” É NO MÍNIMO TÃO BOA QUANTO “B”.
O ranking das alternativas pode então ser determinado, baseado nessa matriz
de credibilidade. A ordenação das alternativas no método ELECTRE III
normalmente é realizada através de um procedimento de destilação, em que as
alternativas são posicionadas segundo sua qualificação indo da melhor para a pior e
depois da pior para a melhor. Desta maneira, essencialmente, duas pré-ordens Z1 e
Z2 são construídas, respectivamente, por processos de destilação descendente e
ascendente. Finalmente, a ordenação final é obtida utilizando-se os resultados das
duas pré-ordens derivadas da destilação das alternativas.
24
Figura 1.2 – O método ELECTRE III Fonte: adaptado de MAYSTRE (1994)
1.5 – O Código Computacional CELECTRE
Para implementar o método de análise multicritério ELECTRE III em
termos computacionais, foi desenvolvido, neste trabalho, um software o qual foi
denominado CELECTRE. A aplicação, desenvolvida em Object Pascal/Delphi 3.0,
permite ordenar 10 alternativas avaliadas sob 5 critérios distintos, cada um
25
possuindo um peso individual. Uma rotina específica permite estabelecer
automaticamente os valores para os limites de Concordância Estrita, Concordância
Relativa e Veto, para cada um dos critérios.
Estruturado em duas telas, na primeira é feita a entrada dos dados da Matriz
de Avaliações (figura 1.3). Na segunda, após a execução dos cálculos inerentes ao
método ELECTRE III, é mostrado os resultados da Matriz de Graus de
Credibilidade, e o ranking das alternativas (figura 1.3).
Figura 1.3 – Tela de entrada da Matriz de Avaliações e Tela de Resultados do CELECTRE
Fonte: Autor
Esse software foi desenvolvido como uma versão inicial para o cálculo da
ordenação de alternativas de projetos utilizado na ferramenta de auxílio à concepção
de edifícios.