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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 1 1. Cultura, consumo e comunicação de massa Seis questões para entender a hegemonia midiática Por Dênis de Moraes 1. O sistema midiático contemporâneo demonstra capacidade de fixar sentidos e ideologias, selecionando o que deve ser visto, lido e ouvido pelo conjunto do público. Por mais que existam por parte de leitores, ouvintes e telespectadores expectativas e respostas diferençadas em relação aos conteúdos recebidos, são os grupos privados de comunicação que prescrevem orientações, enfoques e ênfases nos informativos; quais são os atores sociais que merecem ser incluídos ou marginalizados; quais as agendas e pautas que devem ser destacadas ou ignoradas. Os meios (de comunicação) difundem julgamentos de valor e sentenças sobre fatos e acontecimentos, como se estivessem autorizados a funcionar como uma espécie de tribunal, embora sem nenhuma legitimidade para isso. Sua intenção, assumida mas não declarada, é disseminar conteúdos, ideias e princípios que ajudem a organizar e unificar a opinião pública em torno de determinadas visões de mundo (quase sempre conservadoras e sintonizadas com o status quo). Os meios elegem os atores sociais, articulistas, analistas, comentaristas e colunistas que devem ser prestigiados em seus veículos e programações. Na maior parte dos casos, como observa (o sociólogo) Pierre Bourdieu, estes porta-vozes não fazem nada mais que reforçar o trabalho dos 'think tanks' neoliberais em favor da mercantilização geral da vida e da desregulação das economias e dos mercados. Com efeito, os 'intelectuais midiáticos' ou 'especialistas' dizem tudo aquilo que serve aos interesses de classes e instituições dominantes, combatendo e desqualificando ideias progressistas e alternativas transformadoras. Os grupos midiáticos mantem também acordos e relações de interdependência com poderes econômicos e políticos, em busca de publicidades pagas, patrocínios, financiamentos, isenções fiscais, participações acionárias, apoios em campanhas eleitorais, concessões de canais de radiodifusão, etc. Não são neutros e isentos, como querem fazer crer; são parciais, tomam partido, favorecem os interesses mercantis, defendem posições políticas, combatem ideologicamente os opositores. 2. Os meios se apropriam de diferentes léxicos para tentar colocar dentro de si todos os léxicos, a serviço de seus objetivos particulares. Palavras que pertenciam tradicionalmente ao léxico da esquerda foram resignificadas durante a hegemonia do neoliberalismo nas décadas de 1980, 1990 e parte de 2000. Cito, de imediato, duas palavras: reforma e inclusão. Da noite para o dia, passaram a ser incorporadas aos discursos dominantes e midiáticos, em sintonia com o ideário privatista. Trata-se de indiscutível apropriação do repertório progressista, que sempre associou reformas ao imaginário da emancipação social. As apropriações têm o propósito de redefinir sentidos e significados, a partir de óticas interpretativas próprias. 3. Ao celebrar os valores do mercado e do consumismo, o sistema midiático subordina a existência ao mantra da rentabilidade. A glorificação do mercado consiste em apresentá-lo como o âmbito mais adequado para traduzir desejos, como se só ele pudesse se converter em instância de organização societária. Um discurso que não faz mais que realçar e aprofundar a visão, claramente autoritária, de que o mercado é a única esfera capaz de regular, por si mesma, a vida contemporânea. Os projetos mercadológicos e as ênfases editoriais podem variar, mas menos em um ponto: as corporações operam, consensualmente, para reproduzir a ordem do consumo e conservar hegemonias instituídas.

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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 1

1. Cultura, consumo e comunicação de massa

Seis questões para entender a hegemonia

midiática

Por Dênis de Moraes

1. O sistema midiático contemporâneo demonstra

capacidade de fixar sentidos e ideologias,

selecionando o que deve ser visto, lido e ouvido pelo

conjunto do público. Por mais que existam por parte

de leitores, ouvintes e telespectadores expectativas e

respostas diferençadas em relação aos conteúdos

recebidos, são os grupos privados de comunicação

que prescrevem orientações, enfoques e ênfases nos

informativos; quais são os atores sociais que merecem

ser incluídos ou marginalizados; quais as agendas e

pautas que devem ser destacadas ou ignoradas.

Os meios (de comunicação) difundem julgamentos de

valor e sentenças sobre fatos e acontecimentos, como

se estivessem autorizados a funcionar como uma

espécie de tribunal, embora sem nenhuma

legitimidade para isso. Sua intenção, assumida mas

não declarada, é disseminar conteúdos, ideias e

princípios que ajudem a organizar e unificar a opinião

pública em torno de determinadas visões de mundo

(quase sempre conservadoras e sintonizadas com o

status quo).

Os meios elegem os atores sociais, articulistas,

analistas, comentaristas e colunistas que devem ser

prestigiados em seus veículos e programações. Na

maior parte dos casos, como observa (o sociólogo)

Pierre Bourdieu, estes porta-vozes não fazem nada

mais que reforçar o trabalho dos 'think tanks'

neoliberais em favor da mercantilização geral da vida

e da desregulação das economias e dos mercados.

Com efeito, os 'intelectuais midiáticos' ou

'especialistas' dizem tudo aquilo que serve aos

interesses de classes e instituições dominantes,

combatendo e desqualificando ideias progressistas e

alternativas transformadoras.

Os grupos midiáticos mantem também acordos e

relações de interdependência com poderes

econômicos e políticos, em busca de publicidades

pagas, patrocínios, financiamentos, isenções fiscais,

participações acionárias, apoios em campanhas

eleitorais, concessões de canais de radiodifusão, etc.

Não são neutros e isentos, como querem fazer crer;

são parciais, tomam partido, favorecem os interesses

mercantis, defendem posições políticas, combatem

ideologicamente os opositores.

2. Os meios se apropriam de diferentes léxicos para

tentar colocar dentro de si todos os léxicos, a serviço

de seus objetivos particulares. Palavras que

pertenciam tradicionalmente ao léxico da esquerda

foram resignificadas durante a hegemonia do

neoliberalismo nas décadas de 1980, 1990 e parte de

2000. Cito, de imediato, duas palavras: reforma e

inclusão. Da noite para o dia, passaram a ser

incorporadas aos discursos dominantes e midiáticos,

em sintonia com o ideário privatista. Trata-se de

indiscutível apropriação do repertório progressista,

que sempre associou reformas ao imaginário da

emancipação social. As apropriações têm o propósito

de redefinir sentidos e significados, a partir de óticas

interpretativas próprias.

3. Ao celebrar os valores do mercado e do

consumismo, o sistema midiático subordina a

existência ao mantra da rentabilidade. A glorificação

do mercado consiste em apresentá-lo como o âmbito

mais adequado para traduzir desejos, como se só ele

pudesse se converter em instância de organização

societária. Um discurso que não faz mais que realçar e

aprofundar a visão, claramente autoritária, de que o

mercado é a única esfera capaz de regular, por si

mesma, a vida contemporânea. Os projetos

mercadológicos e as ênfases editoriais podem variar,

mas menos em um ponto: as corporações operam,

consensualmente, para reproduzir a ordem do

consumo e conservar hegemonias instituídas.

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4. Os discursos mediáticos estão comprometidos com

o controle seletivo das informações, da opinião e dos

julgamentos de valor que circulam socialmente. Isso

se manifesta nas manipulações dos noticiários e na

interdição (censura, proibição) dos pontos de vista

antagônicos, afetando a compreensão das

circunstâncias em que certos fatos acontecem

(geralmente os que são contrários à lógica econômica

ou às concepções políticas dominantes).

Os meios massivos buscam reduzir ao mínimo o

espaço de circulação de ideias contestatórias – por

mais que estas continuem manifestando-se e

resistindo. A meta é neutralizar análises críticas e

expressões de dissenso. Um exemplo do que acabo de

dizer são os enfoques tendenciosos sobre as

reivindicações de movimentos sociais e comunitários.

São frequentemente subestimadas, quando não

ignoradas, nos principais periódicos e telejornais, sob

o argumento falacioso de que são iniciativas 'radicais',

'populistas', etc. A vida das comunidades subalternas

e pobres está diminuída ou ausente nos noticiários.

5. O sistema midiático rechaça qualquer modificação

legal que ponha em risco sua autonomia e seus lucros.

A qualquer movimento para a regulação da

radiodifusão sob concessão pública, reage com

violentos editoriais e artigos que apresentam os

governantes que se solidarizam com a causa da

democratização da comunicação como 'ditadores' que

querem sufocar a 'liberdade de expressão'. É uma

grosseira mistificação. O que há, na verdade, é o

bloqueio do debate sobre a função e os limites da

atuação social dos meios. As grandes empresas do

setor não têm nenhuma autoridade moral e ética para

falar em 'liberdade de expressão', pois negam

diariamente a diversidade informativa e cultural com

o controle seletivo da informação e da opinião. Se

confundem interesses empresariais e políticos com o

que seria, supostamente, a função de informar e

entreter. Tudo isso acentua a ilegítima pretensão dos

meios hegemônicos de definir regras unilateralmente,

inclusive as de natureza deontológica (relativo a

estudos sobre princípios morais), para se colocar

acima das instituições e os poderes constituídos,

exercendo não a liberdade de expressão, mas a

liberdade de empresa.

6. Os conglomerados detêm a propriedade da maioria

dos meios de difusão, da infraestrutura tecnológica e

das bases logísticas, o que lhes confere domínio dos

processos de produção material e imaterial. A

digitalização favoreceu a multiplicação de bens e

serviços de infoentretenimento; atraiu jogadores

internacionais para negócios em todos os continentes;

intensificou transmissões e fluxos em tempo real; e

agravou a concentração em setores complementários

(imprensa, rádio, televisão, internet, audiovisual,

editorial, telecomunicações, publicidade, marketing,

cinema, jogos eletrônicos, celulares, plataformas

digitais, etc.).

Tudo isso faz sobressair novas formas de mais valia na

economia digital: a tecnologia que possibilita sinergias

e convergências; a repartição e a distribuição de

conteúdos gerados nas mesmas matrizes produtivas e

plataformas; a racionalidade de custos e a planificação

de investimentos.

Se origina daí um sistema multimidiático com

flexibilidade operacional e produtiva, que inclui ampla

variedade de iniciativas e serviços digitais, fluxos

velozes, espaços de visibilidade, esquemas globais de

distribuição, campanhas publicitárias mundiais e

técnicas sofisticadas de conhecimento dos mercados.

A finalidade é garantir o maior domínio possível sobre

as cadeias de fabricação, processamento,

comercialização e distribuição dos produtos e

serviços, incrementando a rentabilidade e os

dividendos monopólicos.

30 de janeiro 2015

(Publicado originalmente em Alainet)

______________

* Dênis de Moraes es investigador senior del Consejo

Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq)

y de la Fundación Carlos Chagas Filho de Amparo a la

Investigación del Estado de Río de Janeiro (FAPERJ),

de Brasil. Autor, entre otros libros, de Medios, poder y

contrapoder, con Ignacio Ramonet y Pascual Serrano

(Biblos, 2013), La cruzada de los medios en América

Latina (Paidós, 2011) y Mutaciones de lo visible:

comunicación y procesos culturales en la era digital

(Paidós, 2010).

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Na telinha da sua casa você é cidadão? – Mídia e cultura no capitalismo globalizado

A partir da II Revolução Industrial no século XIX e da predominância das regras do mercado capitalista, as artes, a cultura e a mídia foram submetidas à ideologia da indústria cultural.

Ou seja, os produtos de criação da cultura dos homens foram submetidos à ideia de consumo, como produtos fabricados em série. As obras de arte se transformam em meras mercadorias, produtos de consumo, onde a maioria dos bens artísticos não são criados para a contemplação, para a busca do belo, e, sim, para a obtenção do lucro.

A indústria cultural massifica a cultura e as artes para o consumo rápido no mercado da moda e na mídia. Massificar é banalizar as artes e a produção das ideias e, também, vulgarizar os conhecimentos.

Marilena Chauí (1995) nos dá um exemplo disso afirmando:

"A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar. Fazê-lo ter informações novas que perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez".

Daí surgem as revistas de fofocas, o teclado, o MSN, os programas de TV sobre futilidades, os comerciais que tentam vender produtos sem qualidades, mas com ótima produção de marketing.

O poder da mídia - Expressão máxima da indústria cultural são os meios de comunicação de massa, ou mídia escrita ou eletrônica. Aqui vale destacar o poder da mídia enquanto manipulação, formação de opinião, infantilização e condicionamento de mentes e produção cultural do grotesco visando a despolitização. Essas características da mídia se expressam particularmente através da TV, rádio, jornais e revistas, que são de fácil acesso à grande maioria das pessoas.

Muitos estudiosos, jornalistas e políticos costumam dizer que a mídia - ou meios de comunicação de massa - representa um quarto poder (além dos poderes governamentais do judiciário, do legislativo e do executivo). Isto porque influencia comportamentos, opiniões e atitudes de forma constante e permanente.

Vejamos essa passagem do livro Convite à Filosofia, de Marilena Chauí (1995):

"Vale a pena, também, mencionar dois outros efeitos que a mídia produz em nossas mentes: a dispersão da atenção e a infantilização."

"Para atender aos interesses econômicos dos patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo

nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez minutos de programa e a desconcentrá-la durante as pausas para a publicidade."

"Pouco a pouco isso se torna um hábito. Artistas de teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o público ficar desatento a cada sete minutos. Professores observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em 'programa' e 'comercial'."

"Ora, um dos resultados dessa mudança mental transparece quando criança e jovem tentam ler um livro: não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de cada vez, não conseguem suportar a ausência de imagens e ilustrações no texto, não suportam a ideia de precisar ler 'um livro inteiro'. A atenção e a concentração, a capacidade de abstração intelectual e de exercício do pensamento foram destruídas. Como esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras de artes e de pensamento?"

"Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por ser fundamentalmente uma vendedora de cultura que precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil quando não consegue suportar a distância temporal entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e a satisfação é intolerável (por isso a criança pequena chora tanto)."

"Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação instantânea. Como o consegue? Criando em nós os desejos e oferecendo produtos (publicidade e programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o dial do aparelho de rádio continuamente e o telespectador que muda continuamente de canal o fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo será imediatamente satisfeito."

Além disso, como a programação se dirige ao que já sabemos e já gostamos, e como toma a cultura sob a forma de lazer e entretenimento, a mídia satisfaz, imediatamente nossos desejos porque não exige de nós atenção, pensamento, reflexão, crítica, perturbação de nossa sensibilidade e de nossa fantasia. Em suma, não nos pede o que as obras de arte e de pensamento nos pedem: trabalho sensorial e mental para compreendê-las, amá-las, criticá-las, superá-las. A cultura nos satisfaz se tivermos paciência para compreendê-la e decifrá-la. Exige maturidade. A mídia nos satisfaz porque nada nos pede, senão que permaneçamos para sempre infantis."

(Trecho extraído do livro: "Sociologia para jovens do século XXI", de OLIVEIRA, Luiz F. de & COSTA, Ricardo Cesar R. da)

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Noam Chomsky e as 10 estratégias de manipulação midiática

1. A estratégia da distração. O elemento primordial do controle

social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a

atenção do público dos problemas importantes e das mudanças

decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante o uso da

técnica de dilúvio, ou inundação contínua através de distrações e

informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente

indispensável para impedir que o público se interesse pelos

conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da

psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção

do público distraída, distante dos verdadeiros problemas sociais,

aprisionada por temas sem importância real. Manter o público

ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar;

retornando à granja como fazem com outros animais (citado do

texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Este método

também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um

problema, uma “situação” prevista, para causar certa reação no

público, com o objetivo de que este pareça o mandante das

medidas que se deseja fazer aceitar. Por ejemplo: deixar que se

desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar

atentados sangrentos, a fim de que o público solicite leis de

segurança e políticas austeras que acabem acarretando em perda

de liberdade. Ou ainda: criar uma crise econômica para que se

aceite como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e

o desmantelamento dos serviços públicos.

3. A estratégia do gradativo. Para fazer com que se aceite uma

medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, no estilo conta-

gotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições

socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram

impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo,

privatizações, precarização do trabalho, flexibilidade, desemprego

em massa, defasagem salarial, ou seja, uma série de mudanças

que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas

de uma só vez.

4. A estratégia de diferir, retardar. Outra maneira de convencer

de uma decisão impopular é apresentá-la como “dolorosa e

necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma

aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro que um

sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é realizado

imediatamente. E isto porque o público, a massa, tem sempre a

tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar

amanhã” e que o sacrifício exigido poderá, quem sabe, ser

evitado. Isto dá mais tempo ao público para se acostumar com a

idéia da mudança e assim aceitá-la com resignação quando

chegar o momento.

5. Dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade. A

maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos,

argumentos, personagens e entonações parti-cularmente infantis,

muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse

uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto

maior a intenção de enganar o expectador, mais se tende a adotar

um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma

pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então,

devido à sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade,

a responder ou reagir também desprovida de um sentido crítico

como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver

'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.

6. Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão.

Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para

causar um curto-circuito na análise racional, e finalmente no

sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do

registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente

para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores,

compulsões, ou induzir comportamentos…

7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer

com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e

os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A

qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser

a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da

ignorância que reina entre as classes inferiores e as classes

sociais superiores seja e permaneça impossíveis de ser alcançada

pelas classes inferiores (ver 'Armas silenciosas para guerras

tranqüilas')”.

8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.

Promover no público a crença de que é moda o fato de ser

estúpido, vulgar e inculto…

9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer com que o indivíduo

acredite que é somente ele o culpado por sua própria desgraça,

devida à sua insuficiência de inteligência, de capacidade ou de

esforço. Assim, no lugar de revoltar-se contra o sistema

econômico, o indivíduo se autodesvaloriza e se culpa, o que gera

um estado depressivo, cujo efeito, para citar apenas um, é a

inibição de sua ação. E, sem ação, não há revolução!

10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se

conhecem. No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços

acelerados da ciência gerou um crescente abismo entre os

conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas

elites dominantes. Graças à biología, à neurobiologia e a

psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um

conhecimento avançado do ser humano, tanto no seu aspecto

físico como em seu aspecto psicológico. O sistema tem

conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele se

conhece a si próprio. Isto significa que, na maioria dos casos, o

sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os

indivíduos, superior ao que os próprios indivíduos tem sobre si

mesmos.

(Publicado por Omar Montilla, no Blog Gramscimania)

15/9/2010

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Governos progressistas e transformações comunicacionais O debate sobre a participação do poder público nos sistemas de comunicação da América Latina ganhou ímpeto com o consenso estabelecido entre governos progressistas quanto à importância de se fortalecer a pluralidade e facilitar o acesso dos cidadãos à informação, ao conhecimento e às tecnologias.

Os presidentes Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Cristina Kirchner são ostensivos na rejeição ao monopólio privado da mídia e ao desmedido predomínio na vida social. “Não se pode aceitar a usurpação de funções pelos meios de comunicação que funcionam como partidos políticos e o negam, que operam como grupos de pressão e o negam, cujas linhas editoriais não provêm dos que trabalham nelas, isto é, os jornalistas, e sim de seus donos, uma família ou um grupo econômico”, declarou Chávez em seu programa radiofônico Alô Presidente, de 10 de maio de 2009. Na abertura do V Encontro Mundial de Intelectuais e Artistas em Defesa da Humanidade, realizado em maio de 2007 na cidade boliviana de Cochabamba, Morales criticou a mercantilização da informação e disseque os governos progressistas devem ajudar a criar “consciência popular sobre a importância de os meios de comunicação defenderem os valores da vida, e não os valores do capital, do egoísmo e do individualismo”. Correa avalia que, na prática, “mais do que liberdade de imprensa, há liberdade de empresa, porque muitas empresas de comunicação não cumprem com sua missão de informar e querem direcionar a cidadania em função de seus interesses, e isso não podemos permitir”. Para Cristina, a mídia assume uma aparente objetividade diante dos fatos para disfarçar um discurso que é “diretamente atentatório contra as possibilidades de mobilidade social, de redistribuição de renda e de participação democrática”.

Chávez, Morales, e mais Raúl Castro, de Cuba, e Daniel Ortega, da Nicarágua, assinaram o Manifesto do Bicentenário durante a Cúpula da Aliança Bolivariana das Américas, realizada em Caracas, em 19 de abril de 2010. O documento denuncia as aleivosias [NDP: injúrias e falsificações] da mídia contra seus adversários político-ideológicos:

“Os países da ALBA alertam sobre o perverso papel desempenhado por importantes meios de difusão de massa a serviço dos interesses do imperialismo e na contramão dos interesses e aspirações dos movimentos sociais e os povos do Terceiro Mundo. Condenam o uso, por parte destes meios, da mentira, da distorção, da calúnia e da omissão deliberada, amparados pelo monopólio dos canais de comunicação e os grandes recursos financeiros à sua disposição. Recusam a tendência à hipocrisia rasteira de importantes meios informativos europeus e norte-americanos, cujas

respectivas políticas editoriais respondem a objetivos inimigos dos governos revolucionários e progressistas da América Latina e Caribe e dos povos da região”.

A reação possível e desejável consiste em valorizar a produção informativa, as artes e o patrimônio cultural como partes da continuidade identitária que permite a expressão das diferenças e a participação individual e coletiva na vida social. Implica questionar e recusar o monopólio privado da mídia e a concepção neoliberal de cultura como negócio competitivo e rentável. Tornam-se essenciais a discussão e a fixação de critérios e parâmetros de interesse social para a definição das linhas gerais de programação das empresas concessionárias de rádio e televisão, bem como a renovação de marcos regulatórios para as outorgas de canais; a descentralização dos meios de veiculação; o fomento ao audiovisual independente; o estabelecimento de cotas de produção, distribuição e exibição de conteúdos nacionais nos cinemas e nas televisões aberta e paga; e a integração cultural em bases cooperativas e não mercantis.

O fato alentador é a conversão de algumas dessas premissas em fontes inspiradoras de políticas públicas. Há uma série de coincidências nos modos de repensar a atuação do Estado, a começar pelo entendimento de que as questões comunicacionais dizem respeito, na maioria das vezes, aos interesses coletivos. Não podem cingir-se a vontades particulares ou corporativas, pois envolvem múltiplos pontos de vista. Cabe ao Estado um papel regulador, harmonizando anseios e zelando pelos direitos à informação e à diversidade cultural. Também existe consenso quanto à importância de se repor o papel do Estado como articulador e gestor de plataformas de comunicação e como fomentador de espaços autônomos de expressão no seio da sociedade civil, evitando-se que os canais informativos e de entretenimento fiquem concentrados no setor privado.

Verificaremos, a seguir, as direções tendenciais que se delineiam nas atuais políticas públicas de comunicação na América Latina e os desdobramentos alcançados nas ações dos governos progressistas.

A comunicação estatal contra o bloqueio midiático

Os sistemas estatais de comunicação incluem atividades e veículos diretamente concebidos, financiados, geridos, produzidos e difundidos por organismos do Estado, tais como canais de rádio e televisão, portais informativos na internet, agências oficiais de notícias e publicações impressas. Divulgam atos e realizações governamentais, convertendo-se também em instrumentos ideológicos, já que eles põem em evidência posicionamentos do Executivo sobre as conjunturas social, econômica e

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política, frequentemente minimizados, ou mesmo, ignorados pela mídia comercial.

De maneira geral, os governos progressistas latino-americanos herdaram sistemas de difusão burocratizados e ineficientes, agravando problemas acumulados desde a época das ditaduras militares, entre os anos 1960 e 1980. A falta de investimentos provocou um curto-circuito na comunicação estatal, que se ressentia das limitações impostas por orçamentos escassos e infraestrutura tecnológica defasada. Isso tem a ver não apenas com a obsessão neoliberal de desmontar o aparelho do Estado, como também com o desinteresse em reforçar a área oficial de divulgação, em função do maciço apoio da mídia comercial aos governos que rezavam pela cartilha do Consenso de Washington. Em contrapartida à adesão política, os grupos midiáticos receberam outorgas de licenças de canais de rádio e televisão, volumosas verbas publicitárias, facilidades de importação de equipamentos, isenções fiscais para o papel-imprensa e financiamentos a juros baixos ou reescalonamento de dívidas em bancos e agências oficiais.

A reorganização da comunicação estatal decorreu da necessidade de se contar com meios mais eficientes de difusão para se contrapor a noticiários negativos da mídia, sobretudo quando entram em pauta assuntos relacionados à radiodifusão ou à defesa da soberania nacional sobre as riquezas naturais. Os governos da Venezuela, da Bolívia, do Equador e da Argentina, em particular, tentam reinserir seus meios de divulgação no território de disputa pela hegemonia simbólica. É uma disputa desigual porque esses veículos estão longe de alcançar a penetração social dos grupos midiáticos. Mesmo assim, existem esforços para alargar os espaços de comunicação com a sociedade, sem intermediação midiática. Uma das ações incisivas é a criação de jornais e canais de televisão estatais, que intentam reverberar outros modos de compreender, interpretar e refletir o mundo.

O surgimento de jornais estatais

Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Fernando Lugo decidiram lançar jornais impressos, com versões na internet, para tentar furar o bloqueio à divulgação de suas ações na mídia impressa. O público-alvo são as classes de menor poder aquisitivo e acesso mais restrito à informação. São basicamente, três os objetivos perseguidos pelas publicações: a) conquistar uma fatia do público com distribuição dirigida e preços de capa simbólicos, o que se torna viável porque os custos são cobertos com recursos públicos (geralmente, anúncios e patrocínios de empresas estatais); b) abordar fatos e acontecimentos a partir de lógicas interpretativas afins com o ideário governamental; c) rebater acusações e críticas alardeadas pela mídia massiva.

O primeiro jornal estatal foi criado no Equador. El Ciudadano (http://www.elciudadano.gov.ec/), “periódico do governo da revolução cidadã”, chegou às bancas na segunda quinzena de abril de 2008. Com 16 páginas e tiragem de 60 mil exemplares, circula quinzenalmente, sendo que, em Quito, também é distribuído aos usuários nas estações dos trólebus. Sua diretriz editorial: “El Ciudadano difunde, através de suas linhas, as informações da atividade governamental sobre diversos aspectos, para que se conheça de perto a grande obra que se leva adiante e que outros meios de comunicação se recusam a divulgar”.

Em setembro de 2010, surgiu outro diário ligado ao governo equatoriano. PP [Periódico Popular], El Verdadero, é um tablóide de 16 páginas com impressão em cores e paginação atraente, matérias curtas, títulos fortes e muitas fotos, além de suplemento de variedades. Dispõe-se a divulgar “notícias positivas”: crônicas sobre a vida cotidiana, prestação de serviços aos consumidores e orientação aos que desejam abrir micronegócios. “Todos devem comprá-lo e ajudar a derrotar as empresas voltadas para o lucro e que dizem fazer comunicação: na verdade, só defendem os próprios negócios e interesses", disse Rafael Correa. Para chegar a leitores de menor poder aquisitivo, o preço de capa (equivalente a R$ 0,68) é o mais baixo da imprensa equatoriana. A estratégia de marketing assemelha-se à de jornais de penetração popular, incluindo promoções como as raspadinhas premiadas, nas quais o leitor pode ganhar recargas para celulares ou dinheiro. Semanalmente dois canais de televisão realizam sorteios de eletrodomésticos com os números que saem no PP. Mensalmente, os leitores concorrem a um carro zero quilômetro. Umas das razões da orientação mais agressiva do ponto de vista mercadológico foi a insatisfação de Correa com os rumos de El Telégrafo. A BBC Mundo divulgou que o governo equatoriano estava gastando US$ 6 milhões anuais e não conseguia alcançar mais do que 1% do público, o que teria levado o presidente a optar por uma reestruturação editorial de El Telégrafo e pelo lançamento do PP, a fim de aumentar a penetração em áreas populares.

Na Bolívia, Evo Morales lançou, em 22 de janeiro de 2009, Cambio (http://www.cambio.bo/). São 16 páginas em formato tablóide, 5 mil exemplares diários e preço de capa equivalente a R$ 0,70. “Cansamos das mentiras difundidas pela mídia. São por demais conhecidas as agressões de alguns meios de comunicação: ofensas, humilhações, mentiras atrás de mentiras. Por isso, decidimos que o Estado terá seu próprio jornal”, afirmou Morales, completando: “Todos devem ter um espaço para expressar suas opiniões e fazer suas observações ao Executivo, mas com a verdade. O nosso diário fará um jornalismo sem discriminação, sem racismo, sem exclusões e com igualdade”. Segundo o diretor de

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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 7

Cambio, Delfin Arias Vargas, a missão do jornal não é de ser pró-governamental, e sim estatal: “Estamos manejando a informação como um bem social ao qual o povo boliviano tem direito. Aqui não há militantes, há jornalistas profissionais. Em nenhum momento se perguntou se eram filiados a algum partido ou movimento social; o que examinamos foi seu currículo profissional”. Segundo ele, desde a posse de Evo Morales, “os meios de comunicação viraram trincheiras; hoje eles fazem oposição política frontal ao governo, tratam a informação sem nenhum respeito, tratam-na como bem comercial, não como bem social”. Vargas rejeita a agressividade da mídia e da oposição conservadora contra a criação do novo jornal: “Dizem que estamos violando a liberdade de expressão. Mas apesar de se terem cometidos vários abusos, não há nenhum jornalista preso ou processado aqui. A liberdade de imprensa é plena na Bolívia. Só não podemos permitir que ela não seja usada para tratar a informação como bem social que é”. Morales transmitiu apenas uma orientação editorial ao diretor de Cambio: “Ele nos disse que está apoiando o jornal, mas não quer propaganda do governo. ‘Quero que vocês deem informações corretas sobre nossa gestão’. ‘Vocês devem dar uma aula de jornalismo aos meios comerciais’, ele completou”. Delfin Vargas disse, ainda, ter sido procurado por dirigentes partidários e de movimentos sociais que apoiam o governo na semana seguinte ao lançamento do jornal, cada um com uma receita editorial própria. “Eu até entendo, porque estão desesperados para que haja mais meios alternativos no país. O que nós faremos será simplesmente tratar a informação como bem social, com manejo plural, responsável e veraz da informação. Isso nos fará independentes”, observou o jornalista.

Na Venezuela, Correo del Orinoco (http://www.correodelorinoco.gob.ve/) chegou às bancas em 30 de agosto de 2009 com 32 páginas e 50 mil exemplares diários. O título é idêntico ao jornal que circulou de 27 de junho de 1818 a 23 de março de 1822, durante a guerra de independência da Venezuela. Foi criado por Simón Bolívar para contrabalançar a influência da Gazeta de Caracas, que se pôs ao lado da Coroa Espanhola. Hugo Chávez afirmou que o jornal foi concebido para reforçar o enfrentamento com o “terrorismo midiático”:

“Um jornalismo da verdade e para a verdade, que sempre é e será revolucionária: isso é o que se propõe nosso Correo del Orinoco, ainda mais nestes momentos quando novamente os interesses imperiais pretendem impedir a liberdade e unidade de nossos povos. A tarefa do Correo del Orinoco, criado por nosso libertador faz 191 anos, não terminou, e ainda temos o enorme compromisso de atingir nossa definitiva independência, de todo domínio, de todo o colonialismo, de todo

império. É a hora de fortalecer a luta no campo das ideias. É a hora de vencer...”

Correo del Orinoco faz sobressair as intervenções de Chávez (discursos, artigos, entrevistas), ilustradas com fotos ou vídeos de atos e eventos de que participa. Embora haja variedade temática (política, economia, educação, energia, saúde, comunicação e cultura, meio ambiente, ecologia, ciência e tecnologia, esportes, segurança pública, direitos humanos, internacional, regiões do país), a maioria das notícias reflete o ponto de vista governamental, seja através dos esclarecimentos de autoridades, seja pela ênfase com que são destacadas as realizações presidenciais, ou ainda na seleção de articulistas alinhados politicamente com o Palácio Miraflores.

Em fins de 2010, Fernando Lugo lançou o primeiro semanário governamental...

{Trecho interrompido pelo professor: O presidente paraguaio Fernando Lugo foi deposto por um golpe parlamentar orquestrado pela Monsanto, a CIA e os EUA em 25/06/12}.

A mídia dos quatro países recriminou Chávez, Morales, Correa e Lugo por supostos desperdício do dinheiro público com propaganda oficial, “proselitismo político” e “falta de isenção e neutralidade” dos jornais estatais.

A alegação de falta de isenção e de neutralidade não resiste a um exame aprofundado da própria práxis jornalística. Em primeiro lugar, o jornalismo baseia-se nos acontecimentos do mundo e na vida cotidiana, assumindo critérios de valor nas escolhas temáticas, nas linhas de abordagem e nas estratégias de veiculação. Está longe de ser uma atividade contemplativa, muito menos dissociadas do jogo de forças e das disputas de sentido e poder que se manifesta na sociedade. Se a atualidade histórico-social, em si mesma, é repleta de contradições, antagonismos e dissonâncias, o que significa exatamente ser objetivo e imparcial diante dela? Abster-se, alienar-se, evadir-se? E como exigir “isenção e neutralidade” frente a conflitos de classes, de greves, de escândalos de corrupção, rixas políticas, interesses econômicos e temas que dividem opiniões e pressupõem alinhamentos ou recusas?

Em segundo lugar, omite-se que a chamada grande imprensa é a primeira a faltar com isenção e neutralidade quando intenta orientar ideologicamente os leitores, em editoriais e artigos; quando adota juízos particulares para selecionar, tratar e hierarquizar as informações; quando exerce controle sobre o que vai ser difundido, restringindo, silenciando ou amplificando questões e pontos de vista; quando nos diz quais são os escândalos, as crises, os banhos de sangue e as tragédias que devem ser conhecidos, discutidos, aceitos, rejeitados ou tolerados; quando espetaculariza situações e até guerras e atentados, ora para despertar comoção e

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adesão, ora para infundir ódio e preconceito, ora para naturalizar desigualdades; quando descontextualiza e isola as notícias de suas causas e consequências históricas, políticas e culturais; quando incentiva modismos e ondas consumistas, acentuando ganhos, lugares de mando, estratificações e subalternidades.

(...) Seja como for, as impugnações da mídia comercial contra os meios estatais visam impedir que o Estado disponha de veículos próprios para esclarecimento e convencimento da opinião pública a partir de seus pressupostos de compreensão da realidade, com os comprometimentos daí resultantes. Em última análise, a mídia quer conter, sem nunca assumir tal intenção publicamente, a pluralidade na produção de sentido e a emergência de oponentes nos embates pela hegemonia, sobretudo aqueles que questionam a concentração monopólica e se confrontam com o pensamento único neoliberal.

Exemplos de canais de televisão financiados por verbas públicas:

- TELESUR: http://www.telesurtv.net/ – Com o slogan “Nosso norte é o sul”, a Telesur está no ar desde 2005. Sediada em Caracas, é financiada pelos governos de Venezuela (51% das cotas), Cuba, Argentina, Bolívia, Equador e Nicarágua.

- ECUADOR TV – Equador: http://www.ecuadortv.ec/

- ENCUENTRO – Argentina: http://www.encuentro.gob.ar

- EBC – Brasil: http://www.ebc.com.br/

Fonte: MORAES, Dênis de. “Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação”. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2011. P. 61-90 (trechos)

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Nuevo libro revela efectos nocivos del Internet

21 febrero 2015

Los pioneros de la web esperaban que las ventajas que esta ofrecía transformaran la sociedad, ampliara el conocimiento humano. Un nuevo libro, lleno de escepticismo al respecto, revela de qué manera Internet nos está matando y está llevando el mundo a la ruina.

“Es fácil olvidar las intenciones batalladoras con las que la revolución de Internet comenzó”, dice el escritor británico Andrew Keen. “Pero luego el paquete pasó de los magos técnicos y visionarios a los hombres de negocios. Internet perdió el sentido de una causa común, una decencia general y quizás perdió su alma. El dinero sustituyó todas esas cosas”.

El autor, citado por el periódico ‘Daily Mail’ propone echar un vistazo a la aplicación de fotos Instagram, que permite a cualquiera compartir sus instantáneas para que otros puedan verlas. Cuando el equipo que la mantenía la vendió a Facebook por mil millones de dólares en 2012, solo tenía 13 empleados a jornada completa. Pero debido en parte a la aparición de esta aplicación, Kodak cerró 13 fábricas y 130 laboratorios de fotografías y despidió a 47.000 trabajadores.

“El impacto en el empleo es enorme”, subraya Keen en referencia a todo el sector del comercio por Internet. Mientras las cadenas minoristas emplean a 47 personas por cada 100 millones de dólares en ventas, Amazon emplea solo a 14. Por este motivo, dice, se le puede considerar un “asesino de trabajo más que un creador de empleo”.

La vida personal de tres mil millones de internautas ha sido transformada por las increíbles ventajas del correo electrónico, los medios sociales, el comercio electrónico y las aplicaciones para móviles, recuerda el escritor. “En lugar de propiciar un renacimiento intelectual, Internet ha creado una cultura del voyerismo y narcisismo centrada en los ‘selfies’”.

A esto se suma el problema de la pornografía, omnipresente en Internet. Con unas herramientas de control de acceso inadecuadas, los niños están en cada vez más expuestos. Y la lógica del uso de Internet, según Keen, se reduce a una opción cerrada: o buscas en la web a otra gente en cueros o te buscas a ti mismo.

(Con información de RT)

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Uma agenda de curto prazo para o Ministério das Comunicações 30/01/2015 - Nesta quarta-feira (28), o ministro das Comunicações Ricardo Berzoini recebeu a executiva do Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC), que reúne os principais movimentos e organizações que defendem a liberdade de expressão e o direito à comunicação no país. O Intervozes esteve presente. Na pauta, necessariamente, o debate sobre como Berzoini pretende conduzir as discussões públicas sobre a elaboração de um novo marco regulatório para o setor no Brasil. O ministro reafirmou as declarações já feitas na imprensa: esta gestão Dilma quer enfrentar o tema, “desmistificando conceitos e compartilhando informações”, como explicou.

O processo de construção e aprovação de um novo marco regulatório, entretanto, levará tempo e encontrará obstáculos não apenas junto ao empresariado, mas também no Congresso Nacional.

Como o quadro atual do sistema midiático brasileiro requer ações urgentes, bastando para isso vontade política e uma mudança de postura do Ministério das Comunicações, o FNDC apresentou a Berzoini questões que podem ser tratadas no curto prazo, independentemente da aprovação de uma nova lei geral para o setor. Isso porque o marco normativo atualmente em vigor no Brasil já garante os elementos necessários para que tais desafios sejam finalmente enfrentados por essa gestão do governo federal. É só querer.

Compartilhamos abaixo algumas delas, na expectativa de que o novo ministro efetivamente cumpra o que tem anunciado: fazer diferente.

1. Proibição de outorgas para deputados e senadores

O artigo 54 da Constituição aponta, em seus dois primeiros parágrafos, como fundamento da República, que deputados e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. O artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações também determina, em seu parágrafo primeiro, que não pode exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial. No entanto, há 40 deputados federais e senadores, da legislatura que termina neste domingo (1), que controlam diretamente pelo menos uma emissora de rádio ou televisão em seu estado de origem.

2. Combate aos arrendamentos/subconcessões

Levantamento de arrendamentos na grade de programação da TV aberta, feito pelo Intervozes, aponta que algumas emissoras chegam a ter 92% do seu tempo

vendido para terceiros, como a Rede 21, do Grupo Bandeirantes. Há casos também de emissoras maiores, como a RedeTV, que cresceu, nos últimos quatro anos, de 32% para 50% o percentual de sua grade arrendada. As igrejas cristãs são as responsáveis pela parte mais significativa dessas compras. A Igreja Universal do Reino de Deus, proprietária da Record e da TV Universal, por exemplo, paga cerca de 12 milhões por mês para o Canal 21 e para a CNT. Recentemente, o Ministério Público Federal de São Paulo entrou com três ações contra arrendamentos ilegais. Foram acionados na Justiça o grupo de TV CNT e o Canal 21 do grupo Bandeirantes pelo arrendamento ilegal de 22 horas diárias das suas programações para a Igreja Universal do Reino de Deus. O Ministério das Comunicações é réu nas ações, pois o MPF considera que o órgão deveria impedir a prática, e não o faz.

Segundo o MPF, a subconcessão é inconstitucional pois (i) viola o princípio da licitação e a regra da isonomia, e (ii) a concessão possui caráter personalíssimo. Ainda que se admita a legalidade da subconcessão, seriam necessárias (i) a previsão no edital de licitação inicial da outorga, (ii) a permissão contratual, (iii) a prévia autorização do Poder Executivo e (iv) a realização de concorrência pública. Na venda de programação, nada disso é feito. Já se for considerado o aspecto mercadológico do negócio, a legislação brasileira também está sendo desrespeitada, visto que o art. 124 Código Brasileiro de Telecomunicações e o art. 28, §12, “d”, do Decreto Presidencial nº 52.795/63 determinam que o tempo destinado à publicidade comercial não poderá exceder 25% da programação. O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) determina fim do direito à outorga se a concessionária ou permissionária descumprir o contrato de concessão ou permissão, ou as exigências legais e regulamentares (art. 67). Mas o Ministério das Comunicações e o Congresso nacional nunca fizeram isso.

3. Enfrentamento ao livre mercado de compra e venda de outorgas de rádio e TV

A radiodifusão, além de ser um serviço público, utiliza um bem público: o espectro eletromagnético. Apesar disso, muitos concessionários utilizam a outorga obtida junto à União como uma mercadoria por meio das vendas declaradas ou das negociações não públicas conhecidas como "contratos de gaveta". Ao mesmo tempo, transferências diretas e indiretas de outorgas também revelam a apropriação privada de recursos públicos. Previstas em lei, desde que autorizadas pelo Poder Executivo, as transferências de outorgas já são consideradas inconstitucionais – há jurisprudência nesse sentido e uma ação da Procuradoria Geral da República questiona um dispositivo análogo na lei de concessões.

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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 10

Além disso, uma série de transferências ocorrem sem a anuência do Poder Executivo.

4. Garantia do respeito aos limites à concentração de propriedade já existentes

A legislação brasileira veda que um mesmo ente possua mais de cinco emissoras em VHF ou mais de 10 em UHF no território nacional, bem como duas outorgas do mesmo serviço na mesma localidade. No entanto, esses limites são burlados cotidianamente no país. Um primeiro problema é o uso de estruturas societárias diferentes dentro de um mesmo grupo comercial. Um segundo problema é a afiliação em rede, cuja ausência de regramento permite, além da concentração de veículos por poucos grupos econômicos, contratos com obrigações excessivas para as afiliadas e a verticalização da produção audiovisual brasileira. Normas infralegais poderiam constituir mecanismos que identificassem os grupos comerciais, aplicando os limites à concentração de propriedade já existentes para estes.

5. Responsabilização das emissoras por violações de direitos humanos na programação

Em busca de audiência, canais multiplicam violações com a profusão de programas policialescos e conteúdos baseados na estigmatização e humilhação. Denúncias crescentes nas Procuradorias dos Direitos do Cidadão comprovam uma questão sistemática. No processo de fiscalização das obrigações de conteúdo, além de não realizar um acompanhamento sistemático do que é veiculado, o MiniCom trabalha e orienta a Anatel a considerar apenas as normas dispostas no CBT e no regulamento do serviço de radiodifusão. O Código afirma que constitui abuso no exercício da radiodifusão o emprego dos meios de comunicação para a promoção de campanha discriminatória de classe, cor, raça ou religião. Já o Decreto Presidencial 52.795/63 proíbe as concessionárias de “transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico” (Art.28, item 12).

Além de ser complexo enquadrar determinada programação na definição de campanha discriminatória, o MiniCom não considera as demais leis e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que tratam do tema, como o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê, por exemplo, que o poder público deve garantir medidas para “coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas”(Art. 26). Em relação às eventuais sanções aplicadas, apesar de serem gradativas, elas não podem ser consideradas cumulativas em casos de reincidência. Assim, mesmo que uma emissora tenha como prática sistemática a difusão de conteúdos

atentatórios contra os direitos humanos, ela nunca chegará a perder sua licença por este motivo. O valor aplicado também não é dissuasivo. Em 2013, as multas tinham como teto R$ 76.155,21, sendo que, por apenas 30 segundos de inserção publicitária, as emissoras cobram o valor médio de R$ 15 mil.

6. Fim da criminalização às rádios comunitárias

É urgente promover uma mudança institucional no sentido de barrar a criminalização histórica das rádios comunitárias. Principal veículo de exercício da liberdade de expressão de milhares de comunidades em todo o país, essas rádios sofrem a frequente repressão por parte da Anatel, movida na maior parte dos casos por denúncias de rádios comerciais concorrentes. Ações de fechamento e lacração de emissoras tem levado, sem qualquer justificativa, além da detenção de líderes comunitários, à apreensão de equipamentos preciosos para a população e à cobrança de multas que colocam as associações em situação mais precária do que a em que já se encontram. A anistia dessas multas e a devolução dos equipamentos confiscados é uma medida urgente para a sobrevida deste movimento. A desburocratização dos processos de autorização (há casos de espera de quase 10 anos) e a criação de um mecanismo de financiamento para as rádios comunitárias, que seja compatível com a lei 9612/98, também são estratégicos para a sustentabilidade dos canais.

7. Universalização do acesso à banda larga

O Programa Nacional de Banda Larga foi lançado em maio de 2010 com objetivo de ampliar os acessos à Internet de alta velocidade no país. Embora os acessos tenham crescido desde então, mais da metade dos domicílios brasileiros permanece desconectada, o que se soma a uma considerável desigualdade regional e um profundo fosso entre áreas urbanas e rurais. O cenário atual é reflexo de uma das falhas mais graves do Programa – a não consideração do serviço de banda larga como essencial e a crença de que meros incentivos ao mercado são capazes de superar desigualdades e garantir direitos. O plano de banda larga popular e as metas destinadas à área rural são também retratos dessa insuficiência e precisam ser revistos. A Presidenta Dilma tratou esse tema com prioridade em sua campanha e se comprometeu com a universalização do acesso à banda larga. Contudo, isso deve ser feito de acordo com a legislação brasileira, com a sua prestação também em regime público, conferindo ao poder público instrumentos regulatórios suficientes para exigir obrigações das empresas. Deve ser feito também com investimentos em redes de fibra ótica e fortalecimento da Telebras. Por fim, a concepção e implementação de uma nova fase do PNBL deve ter a participação social como um de seus pilares, assim como ocorreu com o Marco Civil da Internet.

Extraído de: “http://www.alainet.org/active/80495”.

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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 11

O PRISM e a ascensão de um novo fascismo

por John Pilger

No seu livro, Propaganda, publicado em 1928,

Edward Bernays escreveu: "A manipulação consciente

e inteligente dos hábitos organizados e das opiniões

das massas é um elemento importante na sociedade

democrática. Aqueles que manipulam este

mecanismo que não se vê da sociedade constituem

um governo invisível, o qual é o verdadeiro poder

dominante no nosso país".

Bernays, o sobrinho americano de Sigmund Freud,

inventou a expressão "relações públicas" como um

eufemismo para propaganda de estado. Ele advertiu

que seria uma ameaça permanente ao governo

invisível aqueles que dizem a verdade e um público

esclarecido.

Em 1971, Daniel Ellsberg trouxe a público os arquivos

do governo estadunidense conhecidos como "The

Pentagon Papers", revelando que a invasão do Vietnã

fora baseada numa mentira sistemática. Quatro anos

depois, Frank Church dirigiu audiências sensacionais

no Senado dos EUA: um dos últimos lampejos da

democracia americana. Estas puseram a nu a plena

extensão do governo invisível: a espionagem e

subversão internas e a provocação de guerra pelas

agências de inteligência e "segurança", bem como o

apoio que recebiam do big business e dos media,

tanto conservadores como liberais.

Ao referir-se à Agência de Segurança Nacional (NSA,

na sigla em inglês), o senador Church afirmou: "Sei da

capacidade que há para instaurar tirania na América e

devemos verificar que esta agência e todas as

agências que possuem esta tecnologia operem dentro

da lei... de modo a que nunca cruzemos esse abismo.

Trata-se do abismo do qual não há retorno".

Em 11 de Junho de 2013, seguindo no Guardian as

revelações de Edward Snowden, contratado pela NSA,

Daniel Ellsberg escreveu que os EUA agora caíram

dentro "daquele abismo".

A revelação de Snowden, de que Washington utilizou

a Google, o Facebook, a Apple e outros gigantes da

tecnologia para espionar quase toda a gente, é uma

nova evidência da forma moderna de fascismo – esse

é o "abismo". Tendo alimentado fascistas tradicionais

por todo o mundo – desde a América Latina à África e

à Indonésia – o gênio libertou-se e voltou para casa.

Entender isto é tão importante quanto entender o

abuso criminoso da tecnologia.

Fred Branfman, que revelou a destruição "secreta" do

pequeno Laos pela US Air Force nas décadas de 1960

e 70, proporciona uma resposta àqueles que ainda se

admiram como um presidente afro-americano, um

professor de direito constitucional, pode comandar

tamanha ilegalidade. "Sob o sr. Obama", escreveu ele,

"nenhum presidente fez mais para criar a

infraestrutura para um possível futuro estado

policial". Por que? Porque Obama, tal como George

W. Bush, entende que o seu papel não é satisfazer

aqueles que nele votaram, mas sim expandir "a mais

poderosa instituição da história do mundo, uma

instituição que matou, feriu ou privou de lar bem mais

de 20 milhões de seres humanos, principalmente civis,

desde 1962".

No novo ciber-poder americano, só as portas

giratórias mudaram. O diretor da Google Ideas, Jared

Cohen, era conselheiro de Condaleeza Rice, a antiga

secretária de Estado na administração Bush que

mentiu quando disse que Saddam Hussein podia

atacar os EUA com armas nucleares. Cohen e o

presidente executivo da Google, Eric Schmidt – eles

encontraram-se nas ruínas do Iraque – escreveram

um livro em coautoria, "The New Digital Age",

apresentado como visionário pelo antigo diretor da

CIA Michael Hayden e pelos criminosos de guerra

Henry Kissinger e Tony Blair. Os autores não

mencionam o programa de espionagem "Prism",

revelado por Edward Snowden, que proporciona à

NSA acesso a todos nós que utilizamos o Google.

Controle e domínio são as duas palavras que dão o

sentido disto. São exercidos através de planos

políticos, econômicos e militares, entre os quais a

vigilância em massa é uma parte essencial, mas

também pela propaganda insinuante na consciência

pública. Este era o ponto de Edward Bernay. As suas

duas campanhas de RP com mais êxito foram

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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 12

convencer os americanos que deveriam ir à guerra em

1917 e persuadir as mulheres a fumarem em público;

os cigarros eram "archotes da liberdade" que

acelerariam a libertação da mulher.

É na cultura popular que o "ideal" fraudulento da

América como moralmente superior, como "líder do

mundo livre", tem sido mais eficaz. Mas, mesmo

durante os períodos mais patrioteiros de Hollywood

houve filmes excepcionais, como aqueles de Stanley

Kubrick no exílio e audaciosos filmes europeus que

encontravam distribuidores nos EUA. Nestes dias, não

há Kubrick, nem Strangelove e o mercado

estadunidense está quase fechado a filmes

estrangeiros.

Quando apresentei meu filme, "A guerra à

democracia" ("The War on Democracy"), a um grande

distribuidor dos EUA de mentalidade liberal, recebi

uma lista de mudanças exigidas para "assegurar que o

filme fosse aceitável". A sua inesquecível cedência

para mim foi: "OK, talvez pudéssemos deixar Sean

Penn como narrador. Isso o satisfaria?" Ultimamente,

o filme de apologia da tortura "Zero Dark Thirty", de

Katherine Bigelow, e "We Steal Secrets", um trabalho

de machadinha contra Julian Assange, foram feitos

com o apoio generoso da Universal Studios, cuja

companhia-mãe até recentemente era a General

Electric. A GE fabrica armas, componentes para

aviões-caça e tecnologia avançada de vigilância. A

companhia também tem interesses lucrativos no

Iraque "libertado".

O poder dos que contam verdades, como Bradley

Manning, Julian Assange e Edward Snowden, é que

eles refutam toda uma mitologia construída

cuidadosamente pelo cinema corporativo, pela

academia corporativa e pela mídia corporativa. A

WikiLeaks é especialmente perigosa porque

proporciona aos que contam a verdade um meio para

a por cá fora. Isto foi conseguido em "Collateral

Murder", o vídeo filmado a partir da cabine de um

helicóptero Apache dos EUA que alegadamente foi

revelado por Bradley Manning. O impacto deste único

vídeo marcou Manning e Assange para a vingança do

Estado. Ali estavam pilotos dos EUA a assassinar

jornalistas e mutilar crianças numa rua de Bagdad, a

divertirem-se claramente com isso e a descrever a sua

atrocidade como "linda". Mas, num sentido vital, eles

não escaparam sem punição; somos agora

testemunhas e o que resta é para nos tramar.

20/Junho/2013

O original encontra-se em New Statesman e em

www.counterpunch.org/2013/06/21/prism-and-the-

rise-of-a-new-fascism/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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O Panóptico ou a casa de inspeção Jeremy Bentham

Carta I

A idéia do princípio da inspeção

Crecheff, Rússia Branca, 1787

Caro ***, vi, outro dia, em um de seus jornais ingleses, que se

falava, em um anúncio, de uma Casa de Correção, planejada

para *****. Ocorreu-me que o plano de um edifício concebido

por meu irmão que, sob o nome de Casa de inspeção ou

Elaboratório, ele está para construir aqui, para propósitos, sob

alguns aspectos, similares aos daquela casa, pode

proporcionar algumas sugestões para o estabelecimento acima

mencionado. Em consequência, obtive alguns desenhos

relativos a esse plano, os quais anexo a esta carta. Com efeito,

por razões que você logo perceberá, eu o vejo como capaz de

aplicações da mais ampla natureza.

Para dizer tudo em uma palavra, ver-se-á que ele é aplicável,

penso eu, sem exceção, a todos e quaisquer estabelecimentos,

nos quais, num espaço não demasiadamente grande para que

possa ser controlado ou dirigido a partir de edifícios, queira-se

manter sob inspeção um certo número de pessoas. Não

importa quão diferentes, ou até mesmo quão opostos, sejam os

propósitos: seja o de punir o incorrigível, encerrar o insano,

reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o

desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os

que estejam dispostos em qualquer ramo da indústria, ou

treinar a raça em ascensão no caminho da educação, em uma

palavra, seja ele aplicado aos propósitos das prisões perpétuas

na câmara da morte, ou prisões de confinamento antes do

julgamento, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou

casas de trabalho, ou manufaturas, ou hospícios, ou hospitais,

ou escolas.

É óbvio que, em todos esses casos, quanto mais

constantemente as pessoas a serem inspecionadas estiverem

sob a vista das pessoas que devem inspecioná-las, mais

perfeitamente o propósito do estabelecimento terá sido

alcançado. A perfeição ideal, se esse fosse o objetivo, exigiria

que cada pessoa estivesse realmente nessa condição, durante

cada momento do tempo. Sendo isso impossível, a próxima

coisa a ser desejada é que, em todo momento, ao ver razão

para acreditar nisso e ao não ver a possibilidade contrária, ele

deveria pensar que está nessa condição. Esse aspecto, como

você pode imediatamente ver, é completamente assegurado

pelo plano de meu irmão; e, penso eu, parecerá igualmente

evidente que não pode ser abrangido por nenhum outro ou,

para falar mais apropriadamente, que se for abrangido por

algum outro, ele o será apenas na medida em que esse outro

possa dele se aproximar.

Para abreviar o assunto tanto quanto possível, considerarei,

imediatamente, suas aplicações para aqueles propósitos que,

por serem os mais complexos, servirão para exemplificar o

poder e a força máxima do dispositivo preventivo, isto é,

aqueles que são sugeridos pela ideia de casas penitenciárias,

nas quais os objetos da custódia segura, do confinamento, da

solidão, do trabalho forçado e da instrução, devem, todos eles,

ser considerados. Se todos esses objetivos podem ser

alcançados em conjunto, naturalmente o serão – com, no

mínimo, igual certeza e facilidade – em qualquer número menor

deles.

Carta II

Plano para uma casa de inspeção penitenciária

Antes de ver o plano, tenha, em palavras, uma ideia geral dele.

O edifício é circular.

Os apartamentos dos prisioneiros ocupam a circunferência.

Você pode chamá-los, se quiser, de celas.

Essas celas são separadas entre si e os prisioneiros, dessa

forma, impedidos de qualquer comunicação entre eles, por

partições, na forma de raios que saem da circunferência em

direção ao centro, estendendo-se por tantos pés quantos forem

necessários para se obter uma cela maior.

O apartamento do inspetor ocupa o centro; você pode chama-

lo, se quiser, de alojamento do inspetor.

Será conveniente, na maioria dos casos, se não em todos, ter-

se uma área ou um espaço vazio em toda volta, entre esse

centro e essa circunferência. Você pode chamá-lo, se quiser,

de área intermediária ou anular.

Cerca do equivalente da largura de uma cela será suficiente

para uma passagem que vai do exterior do edifício ao

alojamento.

Cada cela tem, na circunferência que dá para o exterior, uma

janela, suficientemente larga não apenas para iluminar a cela,

mas para, através dela, permitir luz suficiente para a parte

correspondente do alojamento.

A circunferência interior da cela é formada por uma grade de

ferro suficientemente fina para não subtrair qualquer parte da

cela da visão do inspetor.

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SOCIOLOGIA - 3º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 14

Uma parte suficientemente grande dessa grade abre-se, na

forma de uma porta, para admitir o prisioneiro em sua primeira

entrada; e para permitir a entrada, a qualquer momento, do

inspetor ou qualquer de seus assistentes.

Para impedir que cada prisioneiro veja os outros, as partições

devem se estender por alguns pés além da grade, até a área

intermediária: eu chamo essas partes protetoras de partições

prolongadas.

Pensa-se que a luz, vindo dessa maneira através das celas e,

assim, passando pela área intermediária, será suficiente para o

alojamento do inspetor. Mas para esse propósito, ambas as

janelas nas celas e aquelas que lhes correspondem no

alojamento deverão ser tão largas quanto o permita a

resistência do edifício e o que se possa considerar como uma

necessária atenção à economia.

As janelas do alojamento devem ter venezianas tão altas

quanto possa alcançar os olhos dos prisioneiros – por

quaisquer meios que possam utilizar – em suas celas.

Para impedir uma luz plena, pela qual, não obstante as

venezianas, os prisioneiros pudessem ver, a partir das celas,

se há ou não uma pessoa no alojamento, o apartamento é

dividido em quatro partes, por partições formadas por dois

diâmetros do círculo, cruzando-se em ângulos retos. Para

essas partições podem servir os materiais mais finos; e elas

devem ser feitas de forma que possam ser removidas quando

se queira; sua altura deve ser o suficiente para impedir que os

prisioneiros se vejam mutuamente a partir das celas. As portas

dessas partições, se deixadas abertas em qualquer momento,

podem produzir uma luz plena. Para impedir isso, divida cada

partição em duas, em qualquer parte que for preciso, fazendo

com que a distância entre elas seja igual à metade da abertura

de uma porta.

Essas janelas do alojamento do inspetor abrem-se para uma

área intermediária, na forma de portas, em tantos lugares

quanto se julgarem necessários para que ele possa se

comunicar prontamente com qualquer das celas.

Lâmpadas pequenas, no exterior de cada janela do alojamento,

tendo por trás um refletor para lançar luz nas celas

correspondentes, estenderão à noite a segurança do dia.

Para poupar o esforço problemático de voz que poderia, de

outro modo, ser necessário, e para impedir que um prisioneiro

saiba que o inspetor está ocupado, a distância, com outro

prisioneiro, um pequeno tubo de metal deve ir de uma cela ao

alojamento do inspetor, passando através da área, indo, assim,

até o lado da janela correspondente do alojamento. Por meio

desse implemento, o menor murmúrio de um pode ser ouvido

pelo outro, especialmente se ele for orientado a aplicar seu

ouvido ao tubo.

Com respeito à instrução, nos casos em que ela não possa ser

devidamente ministrada sem que o instrutor esteja próximo ao

trabalho, ou sem que ele possa colocar sua mão nele, como

exemplo, diante do rosto do aprendiz, o instrutor deve, aqui,

como, na verdade, em outros casos, mudar seu lugar tão

frequentemente quanto for possível para atender diferentes

trabalhadores; a menos que ele convoque os trabalhadores

para que cheguem até ele, o que, em alguns dos casos em que

esse tipo de edifício é aplicável, tal como o de indivíduos

aprisionados, não pode ser feito assim tão facilmente. Mas em

todos os casos em que instruções, dadas verbalmente ou a

distância, são suficientes, esses tubos poderão ser

considerados úteis. Eles evitarão, por um lado, o esforço de

voz que seria necessário, por parte do instrutor, para ministrar

instrução aos trabalhadores sem deixar seu posto central no

alojamento; e, por outro, a confusão que se seguiria se

diferentes instrutores ou diferentes pessoas no alojamento

estivessem falando com as celas ao mesmo tempo. E, no caso

de hospitais, o silêncio que pode ser assegurado por esse

pequeno dispositivo, por menos importante que possa parecer

à primeira vista, propicia uma vantagem adicional.

Um sino, destinado exclusivamente aos propósitos de alarme,

ficará suspenso em um campanário com o qual se coroa o

edifício, comunicando-se por meio de uma corda com o

alojamento do inspetor.

A forma mais econômica, e talvez a mais conveniente, de

aquecer as celas e a área, seria por tubos em torno delas, com

base no princípio dos existentes nos viveiros. Uma

necessidade total de – por todos os meios – produzir calor

artificial poderia, em um clima como o que temos, algumas

vezes, na Inglaterra, ser fatal às vidas dos prisioneiros; em

qualquer hipótese, seria, com frequência, totalmente

incompatível com seu trabalho em qualquer atividade

sedentária. Os tubos, entretanto, e as fornalhas

correspondentes, em vez de ficarem no exterior, como nos

viveiros, deverão ficar no interior. Por esse meio, não haverá

nenhum desperdício de calor, e a corrente de ar que correria

em todos os lados através das celas, para fornecer as chamas

feitas pelo fogo, atenderia, até aqui, ao propósito da ventilação.

Mas mais sobre isso será dito no capítulo dos Hospitais.

(Trecho do livro O Panóptico, de Jeremy Bentham. Belo

Horizonte, Autêntica, 2008. Org.: Tomaz Tadeu).

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A 27 de Janeiro de 1945

Soviéticos libertaram «Fábrica da Morte» Assinala-se amanhã 67 anos sobre a libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho, o mais conhecido dos campos de extermínio construídos pelos nazis. Horrorizados com o cenário que encontraram, os soviéticos denominaram o complexo de «Fábrica da Morte».

A libertação de Auschwitz pelos soviéticos vindos da frente ucraniana ocorreu na tarde do dia 27 de Janeiro de 1945. Sete a oito mil prisioneiros permaneciam no campo, os últimos de um total de pelo menos um milhão e trezentos mil que, entre 1940 e 1945, ali foram assassinados. Escassos foram os que sobreviveram às câmaras de gás, aos fornos crematórios, ao trabalho escravo, às torturas, ao arbítrio sádico dos biltres, à inanição, ao frio, às doenças, às experiências macrabas nas quais seres humanos eram usados como cobaias.

Sendo o maior entre uma extensa rede de campos espalhados pela Europa, Auschwitz era um complexo de três campos.

No início da campanha militar destinada a impor uma nova ordem mundial que perdurasse mil anos, as autoridades do III Reich mandaram construir Auschwitz I com o objectivo de encarcerar opositores políticos. Os primeiros ocupantes, em Maio de 1940, foram alemães e polacos transferidos dos campos de concentração de Sachsenhausen, na Alemanha, e de Lodz, na Polónia.

Judeus, militantes comunistas, sindicalistas e antifascistas, democratas e intelectuais,

homossexuais, ciganos, deficientes, testemunhas de Jeová, doentes psiquiátricos e indivíduos com comportamentos que fugissem ao ideal-tipo do homem ariano, eram todos inimigos do regime criminoso liderado por Adolf Hitler. Dachau, Sachenhausen ou Buchenwald foram dos primeiros campos construídos pela canalha nazi.

No início de 1942, começou a funcionar Auschwitz II (Auschwitz-Birkenau), uma ampliação do primeiro campo. Em Outubro de 1942 entrou em funcionamento o Auschwitz III, que mais tarde seria renomeado de Monowitz. Este último campo era vocacionado para a exploração extrema da mão-de-obra escrava.

«Solução final»

Estrategicamente colocado no centro da Europa, Aschwitz-Birkenau foi o campo que mais prisioneiros exterminou, sobretudo judeus (quase um milhão num total de 2,7 milhões de semitas mortos em todos os campos de extermínio, e num total de seis milhões liquidados pelos nazis).

O assassínio nas câmaras de gás foi instituído no final de 1941. Os testes com Zyklon-B, usado para combater pragas, foram efectuados com sucesso em soviéticos e polacos. A partir de então, em Auschwitz-Birkenau e noutros campos semelhantes, aquele era o principal instrumento de extermínio.

Em Janeiro de 1942, durante a Conferência de Wannsee, os líderes nazis discutiram em detalhe a «Operação Reinhardt» ou «solução final» da questão judaica, como diziam. Adolf Eichmann administrou o holocausto organizado com minúcia. Reinhardt Heydrich respondia pela coordenação geral.

A Auschwitz-Birkenau chegava uma linha de comboio cuja circulação era ininterrupta. Vagões apinhados descarregavam vítimas a toda a hora e de todos os pontos da Europa ocupada e das ramificações nazis nos regimes vassalos e aliados. Na Croácia fascista funcionava um outro campo de extermínio, em Jasenovac.

Entre a chegada a Auschwitz-Birkenau e a entrada nas câmaras de gás, após selecção dos aptos e inaptos para o trabalho escravo, podiam passar apenas duas horas.

A «Fábrica da Morte» chegou a aniquilar seis mil seres humanos por dia. Quando os fornos crematórios não carbonizavam os milhares de cadáveres com celeridade, os corpos eram empilhados e queimados ao ar livre.

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Horror multiplicado

Nos últimos meses de 1944, face ao imparável avanço do Exército Vermelho, os nazis mandaram destruir as câmaras de gás e crematórios de Auschwitz-Birkenau. A ocultação das provas dos crimes cometidos não conheceu limites, e em Janeiro de 1945 tudo servia para matar prisioneiros.

A 17 desse mesmo mês foi dada ordem de evacuação dos três campos de Auschwitz. Mais de 60 mil prisioneiros foram obrigados a marchar dia e noite. Milhares sucumbiram pelo caminho ou foram abatidos. Noutros campos de concentração, trabalho e extermínio evacuados antes da chegada das tropas aliadas, centenas de milhares de prisioneiros foram igualmente obrigados a percorrer quilómetros nas famosas «Marchas da Morte».

Para além de Auschwitz-Birkenau, a Alemanha nazi instalou outros seis campos dedicados quase exclusivamente ou definitivamente ao genocídio. Em Chelmo, Maly Trostenets, Majdanek, Treblinka, Bełżec ou Sobibór executou-se milhões de inimigos do III Reich.

Experiências cruéis e bizarras

Tal como noutros campos de concentração e extermínio, também em Auschwitz-Birkenau o poder nazi ordenou experiências cruéis e bizarras em seres humanos. No Bloco 10 do campo, Joseph Mengele, responsável pela triagem dos prisioneiros enviados para extermínio ou para trabalho escravo, ficou conhecido como o «anjo da morte».

Usando seres humanos como cobaias, Mengele testou a esterilização em mulheres, injectou substâncias para mudar a cor dos olhos a crianças e bebés, amputou e feriu para apurar métodos de estancamento de hemorragias, coleccionou milhares de órgãos após cirurgias violentas e vivissecações, uniu gémeos para tentar criar siameses, injectou substâncias várias para «tratar» o nanismo, o síndroma de Down ou a homosexualidade.

Nos campos de Dachau, Sachsenhausen e Buchenwald, homens eram mergulhados em tanques de água para testar os efeitos da hipotermia ou sujeitos a compressão e descompressão, agonizando enquanto os carrascos tiravam notas. Eram infectados com

tifo, peste, lepra, cólera, ou sujeitos a inalação de produtos tóxicos.

As práticas não eram marginais ou iniciativa de um punhado de sádicos, mas financiadas e acompanhadas com interesse e fascínio pelos máximos responsáveis do III Reich. Foram publicados artigos e criados institutos. As ossadas de judeus, ciganos, mestiços ou deficientes eram enviadas para Berlim para demonstração da superioridade da raça ariana. Empresas sustentáculo do poder nazi, como a IG Farben (Bayer), compravam seres humanos para

os usar nos laboratórios.

Grande capital lucrou

No complexo de Auschwitz, o campo de Monowitz funcionava fundamentalmente como pólo de trabalho forçado. Deutsche- Ausrüstungs-Werk – DAW (empresa de armamento das SS), IG Farben-Bayer (que era também a fornecedora do gás Ziklon-B) ou Krupp foram algumas das

empresas que ali instalaram unidades alimentadas pela mão-de-obra escrava. A abundância colmatava a exclusão semanal dos inaptos e doentes, imediatamente sentenciados à morte. A esperança média de vida dos prisioneiros sujeitos a jornadas brutais em condições inumanas rondava os três meses.

Em Auschwitz-Birkenau foram fundados quase 40 subcampos onde milhares de pessoas produziam produtos agrícolas e industriais; eram enviados para a extracção de carvão ou pedra. Em Dachau, que administrava mais de 30 outros grandes campos de trabalho, em Buchenwald, que administrava mais de 80 estruturas, ou em Sachsenhausen, donde eram geridos 60 campos de trabalho espalhados por toda a Alemanha, a consigna era igualmente fazer lucrar o capital à custa da escravatura.

Nos latifúndios germânicos e nas casas dos senhores do III Reich e militantes nazis, milhares de eslavos foram explorados até à exaustão. Quando morriam, compravam-se outros escravos.

Cúmplices na impunidade

Derrotada a besta, muitos dos criminosos foram capturados, julgados e sentenciados. Muitos mais furtaram-se à justiça. Não poucos escaparam porque, aniquilado o imperialismo alemão, o alvo voltava a ser a URSS.

Contra o primeiro Estado de operários e camponeses, a reacção mundial havia atiçado as

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hordas nazi-fascistas, que foram derrotadas e empurradas até ao seu covil, em Berlim, pelos heróicos soviéticos que sabiam estar a defender a pátria de todo o proletariado.

Logo após a capitulação do regime hitleriano, os EUA, através da «Operação Paperclip»,

empenharam-se na caça dos especialistas nazis, particularmente os envolvidos na máquina militar e de inteligência.

O responsável pelo programa de foguetes da Alemanha hitleriana e membro do Partido Nazi, Wernher von Braun, é um dos quase dois mil cientistas e técnicos resgatados. A posterior carreira de sucesso de von Braun no programa espacial norte-americano não é caso isolado.

No rol de colaboradores das fugas de criminosos nazis, destaca-se ainda a neutral Suíça, a Argentina e o Vaticano do papa Pio XII (que enquanto cardeal obrigou os bispos católicos alemães a jurar fidelidade a Hitler).

Através de um complexo processo de recriação de identidades e emissão de passaportes, centenas de nazis deram o salto para as pampas sul-americanas do fascista Juan Perón, e daí para outros territórios da América Latina. Joseph Mengele, o «anjo da morte de Auschwitz» foi um deles.

Revoltas e resistência

Em Auschwitz, à semelhança do que acontecia noutros campos de concentração e de extermínio, funcionavam orquestras compostas por prisioneiros, cuja finalidade era não deixar entediar os algozes e pacificar as multidões que chegavam nos comboios com terminal na morte ou os prisioneiros enviados em cacho para o trabalho escravo.

Mas face ao horror nazi, não havia pacificação possível, e apesar da brutal repressão e da morte certa, e não raras vezes, eclodiram revoltas nos campos.

Em Auschwitz centenas de prisioneiros ter-se-ão rebelado em 1944. Mataram guardas e fizeram explodir um dos edifícios onde funcionavam as câmaras de gás e os fornos crematórios, usando granadas trazidas de uma fábrica de armamento onde trabalhavam.

Calcula-se que cerca de 700 prisioneiros tenham tentado fugir de Auschwitz. Menos de metade terão tido êxito.

Um dos casos de resistência e revolta passou-se no campo de Buchenwald e chegou até nós escrito por Bruno Apitz, comunista alemão que transpôs no romance «Nu entre Lobos», editado recentemente pela Avante!, a experiência vivida

por si e por muitos dos seus camaradas.

Em Buchenwald foi assassinado Ernst Thaelmann, presidente do Partido Comunista Alemão, revolucionário tenaz que os nazis nunca conseguiram quebrar durante os 11 anos passados nos cárceres do III Reich, a exemplo de milhares de outros que resistiram à barbárie nas condições mais extremas e perante os maiores obstáculos, conservando a centelha de vida e esperança donde germina o futuro.

Tarrafal

Identificando-se com os métodos, partilhando a ideologia e servindo os mesmos interesses de classe do regime nazi, a ditadura fascista de Salazar criou o Campo de Concentração do Tarrafal. A 29 de Outubro de 1936 chegaram ao «Campo da Morte Lenta», inspirado nos congéneres nazis, os primeiros 152 de um total de 340 antifascistas que ao longo dos anos para lá foram deportados (comunistas, sobretudo).

No total, os presos do Tarrafal cumpriram mais de dois mil anos de pena, a maioria sem ter comparecido a qualquer julgamento.

Tal como nos campos nazis, também no Tarrafal quem chegava vinha «para morrer», como dizia o seu director, Manuel dos Reis. 32 morreram mesmo, sucumbindo aos maus-tratos, aos trabalhos forçados, à biliosa, entre os quais o secretário-geral do PCP, Bento Golçalves.