1. FAUSTO, B. ''História Do Brasil''_I Reinado_Regência

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Copyright © 2006 by BS Fausto - Ciências Humanas Ltda. 1'edição 1994 2* edição 1995 3* edição 1995 4" edição 1996 5° edição 1997 6" edição 1998 T edição 19J9 8" edição 2000 9'edição 2001 10* edição 2002 11° edição 2003 12'edição 2004 12 a edição, I a reimpressão 2006 12 a edição, 2 a reimpressão 2007 13'edição 2008 13 a edição, 1'reimpressão 2009 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CiP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Fausto, Boris, História do Brasil / Boris Fausto. - 13. ed., l.reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. - (Didática, 1) Bibliografia, ISBN 978-85-314-0240-1 1. Brasil - História 2. Brasil - História (Ensino Médio) 1. Título. 11. Se*rie. 94-3180 CDD-981.007 índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: História: Ensino Médio 981.007 CM CM OO O CD c '05 ai 8 d) E Q. O oo CD O O CN D. CO =) o LU ra £ CL O >co C/3 co CD O C/3 3 CL < H LL. T- 00 CO 3.1. A CONSOLIDAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA O CT> >CD io A consolidação da Independência se deu em poucos anos, mas isso não o. se fez sem alguns conflitos militares relativamente graves. Os brasileiros "O '—' CD favoráveis à Independência reuniram forças consideráveis para lutar contra as (Q vj- 00 oo tropas portuguesas que aqui estavam desde a vinda da família real, em 1808. ,1 Papel importante na mobilização das tropas brasileiras foi desempenhado por n oo (Comandantes europeus, entre os quais o oficial francês Pedro Labatut, que, ! « to <<D •r a -O CD •8 cr i< antes da Independência, fora nomeado pelo príncipe regente para organizar os contingentes de terra leais a ele. Labatut teve um papel destacado nessa tarefa, embora .tenha sido substituído após um motim das tropas pelo general brasileiro José Joaquim de Lima e Silva, em maio de 1823. Outro comandante europeu importante na consolidação da Independência foi Lorde Cochrane, contratado pelo imperador para enfrentar a esquadra lusa. Cochrane era um aristocrata inglês que fora excluído da Marinha britânica por um escândalo ^ ^ ocorrido na Bolsa de Valores, em 1814, e, a seguir, se tornara figura central da independência do Chile e do Peru.

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    9 ' ed i o 2001 10* edio 2002 11 edio 2003 12 'edio 2004 12a edio, Ia reimpresso 2006 12a edio, 2a reimpresso 2007 13 'ed io 2008 13a edio, 1 ' re impresso 2009

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CiP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Fausto, Boris,

    Histria do Brasil / Boris Fausto. - 13. ed., l.reimpr. - So Paulo:

    Editora da Universidade de So Paulo, 2009. - (Didtica, 1)

    Bibliografia, ISBN 978-85-314-0240-1

    1. Brasil - Histria 2. Brasil - Histria (Ensino Mdio) 1. Ttulo.

    11. Se*rie.

    94-3180 CDD-981.007

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Brasil: Histria: Ensino Mdio 981.007

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    3.1. A CONSOLIDAO DA INDEPENDNCIA

    O CT> >CD io A consolidao da Independncia se deu em poucos anos, mas isso no

    o. se fez sem alguns conflitos militares relativamente graves. Os brasileiros "O '' CD favorveis Independncia reuniram foras considerveis para lutar contra as

    (Q vj-

    00 oo tropas portuguesas que aqui estavam desde a vinda da famlia real, em 1808. ,1 Papel importante na mobilizao das tropas brasileiras foi desempenhado por

    n oo (Comandantes europeus, entre os quais o oficial francs Pedro Labatut, que, ! to

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    Os conflitos mais importantes ocorreram no Sul dqpas e na Bahia. Na Provncia Cisplatina, atual Uruguai, as tropas portuguesas resistiram, mas acabaram se retirando em novembro de 1823. A comearia uma longa guerra pela independncia uruguaia, mas j agora contra os brasileiros e no contra os portugueses. Na Bahia, as lutas entre as tropas portuguesas, lideradas pelo general Madeira de Melo, e as favorveis Independncia resultaram em cen-tenas de faortos^ A faco lusa foi de incio vitoriosa at que as foras brasi-leiras de terra, apoiadas pelos senhores de engenho do Recncavo e por uma frota sob o comando de Cochrane, foiaram a retirada final dos portugueses, em 2 de julho de 1823. Esta data considerada por muitos baianos pelo menos to significativa quanto o 7 de setembro de 1822 para marcar a inde-pendncia do Brasil. A ao de Cochrane se estendeu logo depois ao Maranho e ao Par, provncias que tinham contatos mais prximos com Portugal do que com o resto do Brasil.

    No plano internacional, os Estados Unidos reconheceram a Indepen-dncia em maio de 1824. Informalmente, ela j era reconhecida pela Inglater-ra, interessada em garantir a ordem na antiga Colnia. Assim, os ingleses pre-servavam suas vantagens comerciais em um pas que, quela altura, j era seu terceiro mercado externo. O reconhecimento formal s foi retardado porque os ingleses tentaram conseguir do Brasil a imediata extino do trfico de escravos. Mas, direta ou indiretamente, estiveram presentes na consolidao da Independncia, servindo tambm de mediadores no reconhecimento da nova nao por Portugal.

    Isso' ocorreu em agosto de 1825, por um tratado em que o Brasil con-cordou em compensar a Metrpole em 2 milhes de libras pela perda da anti-ga colnia e em no permitir a unio de qualquer outra colnia com o Brasil. A necessidade de indenizar a Coroa portuguesa deu origem ao primeiro em-prstimo externo, contrado pelo Brasil em Londres. A segunda clusula, apa-rentemente estranha, explica-se pelo fato de interesses brasileiros, ligados ao comrcio de escravos, estarem fortemente implantados em algumas regies da costa da frica. Quando chegaram a Angola as notcias da separao, sur-giram panfletos impressos no Brasil, convidando Benguela a aderir "causa brasileira". A preveno portuguesa no era, pois, sem fundamento.

    O PRIMEIRO REINADO

    Retraio de D. Pedro i, g ravura e m meta! de Henr ique Jos da Si lva (autor) e U r b a n - M a j s a r c

    vado r ) .

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    3.2. UMA TRANSIO SEM ABALOS

    lugar-comum na historiografia brasileira contrastar a relativ facilidade da consolidao da Independncia,do Brasil com o complicado processo de emancipa da Amrica espanhola. Ressalta-se ainda que, enquanto o Brasil permaneceu danificado, a Amrica espanhola se fragmentou em vrias naes. Os dois teni&s est^o inter-relacionados, mas vamos tratar aqui apenas do primeiro e deixar o segundo para depois da anlise dos acontecimentos ocor-ridos entre 1822 e 1840, quando ento ficar mais claro.

    No faltam objees tese segundo a qual a consolidao da Indepen-dncia foi fcil. Seus crticos salientam que a Independncia sob a forma de unio em torno do Rio de Janeiro resultou de uma luta e no de um consenso geral. Nessa luta foram vencidos nas provncias os movimentos autonomistas e os que sustentavam a permanncia da unio com Portugal, como aconteceu no Par. As objees tm o mrito de chamar a ateno para o fato de que a Independncia no correspondeu a uma passagem pacfica. Mas elas no invalidam a constatao de que, admitido o uso da fora e as mortes da resultantes, a consolidao da Independncia se fez em poucos anos, sem grandes desgastes. Mais do que isso, a emancipao do Brasil no resultou em maiores alteraes da ordem social e econmica, ou da forma de governo. Exemplo nico na histria da Amrica Latina, o Brasil ficou sendo uma monarquia entre repblicas.

    Uma das principais razes dessa continuidade se encontra na vinda da famlia real para o Brasil e na forma como se deu o processo de independncia. A abertura dos portos por. parte de Dom Joo VI estabeleceu, como vimos, uma ponte .entre a Coroa portuguesa e os setores dominantes da Colnia, especialmente os que se concentravam no Rio de Janeiro, So Paulo e Minas Gerais. Os benefcios trazidos para a regio fluminense, com a presena do rei no Brasil, vinham incentivar a expanso econmica daquela rea, ligada aos negcios do acar, do caf e do trfico de escravos. Por certo, muitos descontentamentos com a Corte permaneceram, mas nada que lembrasse a in-satisfao de algumas regies do Nordeste, onde despontaram as idias de re-pblica. A elite poltica promotora da Independncia no tinha interesse em favorecer rupturas que pudessem pr em risco a estabilidade da antiga Colnia. E significativo que os esforos pela autonomia, que desembocaram na Inde-

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    pendncia, concentraram-se na figura do rei e depois na do prncipe regente. Nos primeiros anos aps a Independncia, a monarquia se transformou em um smbolo de autoridade, mesmo quando Dom Pedro I era contestado.

    Na esfera internacional, vimos como a Inglaterra garantiu e apressou o reconhecimento da Independncia. O Brasil no fez1 restries ao comrcio ingls, estabeleceu relaes de dependncia com o mundo financeiro britnico e, contrariando "as tendncias republicanas e desagregadoras" do resto do continente, adotou o regime monrquico.

    A afirmativa de que a Independncia se realizou em tempo curto e sem grandes abalos no nos deve levar a duas concluses errneas. Uma consistiria em dizer que nada mudara, pois o Brasil passava da dependncia inglesa via Portugal dependncia direta da Inglaterra. A outra seria supor a existncia de uma elite poltica homognea, com uma base social firme e um projeto claro para a nova nao.

    A primeira concluso seria equivocada por vrias razes. A nova relao de dependncia, que vinha se afirmando desde 1808 com a abertura dos portos, representava mais do que uma simples troca de nomes, importando em uma mudana da forma como a antiga Colnia se inseria no sistema econmico internacional. Alm disso, a Independncia impunha a tarefa de se construir um Estado nacional para organizar o pas e garantir sua unidade.

    A segunda concluso seria igualmente equivocada porque, mesmo no interior do ncleo promotor da Independncia, com Jos Bonifcio frente, no havia um acordo sobre as linhas bsicas que deveria ter a organizao do Estado. Pelo contrrio, os anos entre 1822 e 1840 seriam marcados por uma ^norme flutuao poltica, por uma srie de rebelies e por tentativas con-trastantes de organizar o poder.

    3.3. A CONSTITUINTE

    Nos dois primeiros anos aps a Independncia, o debate poltico se concentrou no problema da aprovao de uma Constituio. Como vimos, as eleies para uma Assemblia Constituinte, encarregada de elaborar a Consti-tuio, j estavam previstas meses antes da Independncia. Elas ocorreram aps o 7 de setembro e a Constituinte comeou a ser reunir no Rio de Janeiro,

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    em maio de 1823. Na fala de abertura dos trabalhos, Donj Pedro usou uma expresso indicativa do que poderia acontecer. A frase no era sua, sendo cpia da existente na carta constitucional da Frana, de junho de 1814, por meio da qual o Rei Lus XVIII tentou retomar a tradio monrquica, aps a derrota de Napoleo. O imperador jurava defender a futura Constituio "se fosse digna do Brasil dele prprio". O condicional deixava em suas mos a ltima palavra.

    Os membros integrantes da Constituinte no tinham nada de radicais. Eleito pela Bahia, Cipriano Barata - revolucionrio de 1817 e nacionalista intransigente - negou-se a participar dela, por v-la "cercada de mais de 7 mil baionetas, tropas formadas de grande nmero de nossos inimigos portugue-ses". Mesmo liberais com ativa presena no movimento da Independncia, como Jos Clemente Pereira, Gonalves Ledo e o Cnego Janurio Barbosa, tinham sido presos ou exilados. A maioria dos constituintes adotava uma postura liberal moderada, consistente em defender uma monarquia consti-tucional que garantisse os direitos individuais e estabelecesse limites ao poder do monarca.

    Logo surgiram desavenas entre a Assemblia e Dom Pedro, apoiado a princpio por seu ministro Jos Bonifcio. Elas giraram em torno do campo de atribuies do Poder Executivo (no caso, o imperador) e do Legislativo -uma contenda que iria repetir-se, em situaes muito diversas, em outros momentos da histria brasileira. Os constituintes queriam que o imperador no tivesse o poder de dissolver a futura Cmara dos Deputados, forando assim, quando julgasse necessrio, novas eleies. Queriam tambm que ele no tivesse o poder de veto absoluto, ou seja, o direito de negar validade a qualquer lei aprovada pelo Legislativo. Para o imperador e os crculos polticos que o apoiavam, era necessrio criar um Executivo forte, capaz de enfrentar as tendncias "democrticas e desagregadoras", justificando-se assim a con-centrao de maiores atribuies nas mos do imperador.

    Os tempos eram de incerteza poltica. Menos de um ano aps a Inde-pendncia, em julho de 1823, Jos Bonifcio foi afastado do ministrio, porque ficara espremido entre a crtica dos liberais e as insatisfaes dos conservadores. Estes viam com maus olhos o comando pessoal do governo pelo ministro, que lhes fechava o acesso direto ao trono. Da para a frente, na Constituinte, para a qual foram eleitos, e nas pginas do jornal O Tamoio,

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    Jos Bonifcio e seus irmos Antnio Carlos e Martim Francisco fariam constante oposio ao governo e aos democratas, insinuando que a indepen-dncia do pas se via ameaada tanto pelos "corcundas" (reacionrios) e "ps-de-chumbo" (portugueses) como pelos "radicais".

    3.4. A CONSTITUIO DE 1824

    A disputa entre os poderes acabou resultando na dissoluo da Assem-blia Constituinte por Dom Pedro, com o apoio dos militares. Foram presos Vrios deputados, entre eles os trs Andradas. Logo a seguir, cuidou-se de elaborar um projeto de Constituio que resultou na Constituio promulgada a 25 de maro de 1824. Ela no diferia muito da proposta dos constituintes anterior dissoluo da Assemblia, mas h ufna diferena a ser ressaltada. A primeira Constituio brasileira nascia de cima para baixo, imposta pelo rei ao "povo", embora devamos entender por "povo"' a minoria de brancos e mestios que votava e que de algum modo tinha participao na Vida poltica.

    Antes de entrar no exame da Constituio, dois pontos devem ser res-saltados. Um contingente pondervel da populao - os escravos - estava excludo de seus dispositivos. Deles no se cogita, a no ser obliquamente, quando se fala dos libertos. O outro ponto se refere distncia entre os princpios e a prtica. A Constituio representava um avano, ao organizar os poderes, definir atribuies, garantir direitos individuais. O problema que, sobretudo no campo dos direitos, sua aplicao seria muito relativa. Aos direitos Se sobrepunha a realidade de uni pas onde mesmo a massa da popu-lao livre dependia dos grandes proprietrios rurais, onde s um pequeno grupo tinha instruo e onde existia uma tradio autoritria.

    A Constituio de 1824 vigorou com algumas modificaes at o fim do Imprio. Definiu o governei como monrquico, hereditrio e constitucional. O Imprio teria uma nobreza, mas no uma aristocracia, Ou seja, existiriam no-bres por ttulos concedidos pelo imperador (baro, conde, duque etc.), porm os ttulos no seriam hereditrios, eliminando, portanto, a possibilidade de uma "aristocracia de sangue". A religio catlica romana continuava a ser reli-gio oficial, permitindo-se apenas o culto particular de outras religies, "sem forma alguma exterior de templo".

  • 15. D. Pedro / e SmfdhaMaria da Glria, l i tograf ia f e i t a e m Par i s , e m 1826 , s e g u n d o q u a d r o a l e o d e D . A . S i q u e i r a .

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    O Poder Legislativo foi dividido em Cmara e Senado, prevendo-se eleies para as duas casas, com diferenas essenciais. A eleio para a Cma-ra era temporria, enquanto a do Senado era vitalcia. Alm disso, o processo eleitoral, no caso do Senado, destinava-se a eleger uma lista trplice em cada provncia, cabendo ao imperador escolher um dos trs nomes eleitos. Na prtica, essas restries fizeram com que o Senado fosse um rgo cujos membros eram nomeados pelo imperador, em carter vitalcio.

    O voto era indireto e censitrio. Indireto, porque os votantes, corres-pondentes hoje massa dos eleitores, votavam em um corpo eleitoral, nas eleies chamadas de primrias; esse corpo eleitoral 6 que elegia os deputados. Censitrio, porque s podia ser votante, fazer parte do colgio eleitoral, ser deputado ou senador quem atendesse a alguns requisitos, inclusive de natureza econmica, chamados de "censo".

    A eleio para a Cmara de Deputados se processava da seguinte forma. Nas eleies primrias, votavam os cidados brasileiros, inclusive os escravos libertos, mas no podiam votar, entre outros, os menores de 25 anos, os criados de servir, os que no tivessem renda anual de pelo menos 100 mil-ris pro-venientes de bens de raiz (imveis), indstria, comrcio ou emprego. Os candidatos, por sua vez, s podiam ser pessoas que, alm dos requisitos dos votantes, tivessem renda de, no mnimo, 200 mil-ris anuais e no fossem escravos libertos. Os escolhidos nessas eleies primrias formavam o corpo eleitoral que elegeria os deputados. Para ser candidato nessa segunda etapa, as exigncias aumentavam: alm dos requisitos anteriores era necessrio ser catlico e ter uma renda mnima anual de 400 mil-ris. No havia referncia expressa s mulheres, mas elas estavam excludas desses direitos polticos pelas normas sociais. Curiosamente, at 1882 era praxe admitir o voto de grande nmero de analfabetos, tendo em vista o silncio da Constituio a esse respeito.

    O pas foi dividido em provncias cujos presidentes seriam nomeados pelo imperador. Asseguraram-se os direitos individuais, entre eles a igualdade perante a lei, a liberdade de religio, com as restries j apontadas, e a liberdade de pensamento e de manifestao.

    Finalmente, instituram-se o Conselho de Estado e o Poder Moderador, que desempenhariam papel de grande relevo na histria poltica do Imprio.

  • i n ^ - r / i n o PRA ":V.

    O Conselho de Estado era um rgo composto por conselheiros vitalcios nomeados pelo imperador dentre cidados brasileiros com idade mnima de quarenta anos (uma idade avanada para a poca), renda no inferior a 800 mil-ris e que fossem "pessoas de saber, capacidade e virtude". O Conselho de Estado deveria ser ouvido nos "negcios graves e medidas gerais da pblica administrao", como declarao de guerra e ajustes de pagamento.

    O Poder Moderador provinha de uma idia do escritor francs Benjamin Constant, cujos livros eram lidos por Dom Pedro e por muitos polticos da poca. Benjamin Constant defendia a separao entre o Poder Executivo, cujas atribuies caberiam aos ministros do rei, e o poder propriamente imperial, chamado de neutro ou moderador. O rei no interviria na poltica e na admi-nistrao do dia-a-dia e teria o papel de moderar as disputas mais srias e gerais, interpretando "a vontade e o interesse nacional". No Brasil, o Poder Moderador no foi to claramente separado do Executivo. Disso resultou uma concentrao de atribuies nas mos do imperador. Pelos princpios cons-titucionais, a pessoa do imperador foi considerada inviolvel e sagrada, no estando sujeita a responsabilidade alguma. Cabia a ele, entre outros pontos, a nomeao dos senadores, a faculdade de dissolver a Cmara e convocar elei-es para renov-la e o direito de sancionar, isto , aprovar ou vetar, as decises da Cmara e do Senado.

    3.5. A CONFEDERAO DO EQUADOR

    Dissolvendo a Constituinte e decretando a Constituio de 1824, o impe-rador deu uma clara demonstrao de seu poder e dos burocratas e comer-ciantes, muitos deles portugueses, que faziam parte de seu crculo ntimo.

    Em Pernambuco, esses atos discricionrios puseram lenha em uma fo-gueira que no deixara de arder desde 1817 e mesmo antes. A propagao das idias republicanas, antiportuguesas e federativas (opostas centralizao do poder) ganhou mpeto com a presena no Recife de Cipriano Barata, vindo da Europa, onde representara a Bahia nas Cortes. importante ressaltar, de passagem, o papel da imprensa na veiculao de crticas e propostas polticas, nesse perodo em que ela prpria estava nascendo. Os Andradas, que tinham passado para a oposio depois das medidas autoritrias de Dom Pedro, iana-

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    ram seus ataques atravs de O Tamoio; Cipriano Barata e Frei Caneca comba-teram a monarquia centralizada, respectivamente, na Sentinela da Liberdade e no Tfis Pernambucano.

    A atividade de Cipriano, em Pernambuco, no demorou muito. Aps a dissoluo da Constituinte, foi preso e enviado para o Rio de Janeiro, onde ficaria detido at 1830. Como figura central das crticas ao Imprio, passou ento a destacar-se Frei Joaquim do Amor Divino - o Frei Caneca que participara ativamente da insurreio de 1817. O apelido indicava sua origem humilde, como vendedor de canecas, quando garoto, nas ruas do Recife. Educado no Seminrio de Olinda, centro de difuso das idias liberais, con-veiteu-se em intelectual erudito e homem de ao.

    A contrariedade provocada na provncia pela nomeao de um gover-nador no-desejado abriu caminho para a revolta. Seu chefe ostensivo, Manuel de Carvalho, proclamou a Confederao do Equador, a 2 de julho de 1824. Carvalho foi uma figura curiosa, casado com uma americana e grande ad-mirador dos Estados Unidos. No dia da outorga da Constituio de 1824, antes pois da rebelio, enviou ofcio ao secretrio de Estado amsricano, solicitando a remessa de uma pequena esquadra ao porto do Recife, para contrabalanar as ameaas liberdade resultantes da presena de navios de guerra ingleses e franceses. No ofcio, invocava a recente doutrina fixada pelo presidente Monroe, contrria interveno de potncias europias nas Amricas.

    A Confederao do Equador deveria reunir sob forma federativa e re-publicana, alm de Pernambuco, as provncias da Paraba, Rio Grande do Norte, Cear e, possivelmente, o Piau e o Par. O levante teve contedo acentjuadamente urbano e popular, diferenciando-se da ampla frente regional, com a liderana de proprietrios rurais e alguns comerciantes, que carac-terizara a Revoluo de 1817.

    A viajante inglesa Maria Graham, que esteve no Recife tentando alcanar um acordo entre as partes, comparou, guardadas as propores, o ambiente do palcio governamental ocupado pelos rebeldes ao da Conveno Nacional, na Revoluo Francesa. Viu as dependncias palacianas ocupadas por ele-mentos populares - verdadeiros sans culottes - de olhos arregalados e ouvidos escuta, espera de traies e ciladas.

    Apesar de seu contedo nacionalista, diramos melhor antilusitano, a rebelio contou com a presena de vrios estrangeiros. Dentre eles, destacou-

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    se a figura de um liberal portugus, filho de polons, chamadp Joo Guilherme Ratcliff.

    A Confederao do Equador no teve condies de se enraizar e de resistir militarmente s tropas do- governo, sendo derrotada nas vrias pro-vncias do Nordeste, at terminar por completo em novembro de 1824. A punio do^ revolucionrios foi alm das expectativas. Um tribunal mani-pulado pelc^imper^dor condenou morte, entre outros, Frei Caneca, Ratcliff e o major de pretos Agostinho Bezerra Cavalcanti. Os prprios adversrios, entre eles comerciantes portugueses, enviaram ao rei pedidos de clemncia em favor do ltimo, que evitara excessos e mortes. Mas no foram ouvidos. Levado forca, Frei Caneca acabou sendo fuzilado diante da recusa do car-rasco em realizar o enforcamento.

    As marcas da revoluo de 1824 no se apagariam facilmente. De fato, ela pode ser vista como parte de uma srie de rebelies e revoltas ocorridas em Pernambuco entre 1817 e 1848, que fizeram da provncia um centro irradiador de muitas insatisfaes do Nordeste.

    3.6. A ABDICAO DE DOM PEDRO I

    Por mais dignas de ateno que tenham sido as rebelies nordestinas, o fato que os rumos do pas foram traados, com menores sobresaltos e mu-danas, a partir da capital e das provncias sua volta. Foi assim na In-dependncia, e seria assim no episdio da queda do primeiro imperador. Em maro de 1824, Dom Pedro I dominava a cena, tendo condies polticas para dissolver a Constituinte e baixar uma Constituio. Sete anos depois, foi obrigado a abandonar o trono.

    Que teria ocorrido nesse intervalo de tempo? Comecemos por uma rea at aqui pouco tocada: a poltica externa. O

    recm-criado Imprio brasileiro herdou os problemas gerados com a ocupao da Banda Oriental, sob a forma artificiosa de Provncia Cisplatina. Em 1825, uma rebelio regional proclamou a separao do Brasil e a incorporao s Provncias Unidas do Rio da Prata - futura Argentina. Este fato precipitou a guerra entre o Brasil e Buenos Aires, a partir de dezembro de 1825. A guerra foi um desastre militar para os brasileiros, vencidos m Ituzaing (1827), e

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    uma catstrofe financeira para as duas partes envolvidas. A paz foi alcanada com a mediao da Inglaterra, interessada em restaurar as transaes comer-ciais normais que o conflito aniquilara. O tratado que ps fim ao conflito ga-rantiu o surgimento do Uruguai como pas independente e a livre navegao do Prata e de seus afluentes. Este ltimo ponto interessava s potncias euro-pias, especialmente Inglaterra, e tambm ao Brasil. No caso brasileiro, s razes econmicas mesclavam-se razes de natureza geopoltica, pois a nave-gao fluvial era a principal via de acesso regio de Mato Grosso.

    Internamente, a guerra provocou o temido e impopular recrutamento da populao atravs de mtodos de pura fora. O rei decidiu contratar tropas no exterior para completar as fileiras do exrcito. A maioria dessas tropas era formada por pessoas pobres, que nada tinham de militares profissionais e que se inscreveram na Europa com a perspectiva de se tornarem pequenos proprie-trios no Brasil. Como seria de se esperar, em nada contriburam para fazer a guerra pender em favor do Imprio. Para piorar as coisas, algumas centenas de mercenrios alemes e irlandeses, que faziam parte dessas tropas, se amoti-naram no Rio de Janeiro em julho de 1828. A situao se tornou muito grave, e o governo viu-se forado a recorrer humilhante proteo de navios ingleses e franceses.

    Os gastos militares vinham agravar os problemas econmico-financeiros j existentes. O volume fsico de alguns produtos de exportao, como o caf, aumentou consideravelmente ao longo da dcada de 1820, mas os preos do algodo, couro, cacau, fumo e do prprio caf tenderam a cair. As rendas do governo central, dependentes em grande medida do imposto sobre as impor-taes, eram insuficientes. A Inglaterra imps, em agosto de 1827, um tratado comercial que mantinha a tarifa privilegiada de 15% sobre a entrada de seus produtos. Essa medida foi estendida depois s demais naes.

    O Banco do Brasil, criado por Dom Joo VI em 1808, entrou em difi-culdades desde 1821, quando o rei, pouco antes de partir para Portugal, retirou o ouro nele depositado. Dom Pedro recorreu emisso de grande quantidade de moedas de cobre, dando origem a falsificaes e ao aumento do custo de vida, sobretudo nos centros urbanos. Ainda no se empregava o termo "infla-o", mas o deputado mineiro Bernardo de Vasconcelos j falava em algo parecido, quando aludia "inchao" do meio circulante.

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    Mesmo o papel-moeda emitido pelo Banco do Brasil e(, pelo Tesouro era mal recebido fora do Rio. Em 1829, por exemplo, o papel-moeda circulava em So Paulo por 57% de seu valor nominal. Assim, uma nota de 100 mil-ris eqivalia na provncia a 57 mil-ris. O Banco do Brasil foi afinal fechado em 1829. Lembremos, por ltimo, que a moeda brasileira se desvalorizou se-guidamente^ com relao libra inglesa, no curso da dcada de 1820. Isso favoreceu as exportaes, mas, ao mesmo tempo, encareceu as importaes de bens de consumo, to desejados pelas elites e pelos nascentes setores mdios urbanos. Os descontentamentos aprofundaram os atritos entre brasi-leiros e portugueses. Os portugueses, que controlavam boa parte do comrcio de varejo, eram um alvo privilegiado dos ataques nativistas.

    Na poca de Dom Pedro, a elite poltica se dividia entre liberais e abso-lutistas. Estes eram defensores da ordem e da propriedade, garantida por seu imperador forte e respeitado. Temiam que a "liberdade excessiva" pusesse em risco seus privilgios e aceitavam, em nome da ordem, os atos imperiais contrrios legalidade. Os liberais se alinhavam na defesa da ordem e da propriedade, como os absolutistas, mas defendiam a liberdade constitucional para garanti-las, eram partidrios das "novidades", especialmente da grande novidade de estar em oposio ao governo e ao prprio monarca.

    Muitos membros da elite brasileira se colocaram ao lado de Dom Pedro, por desconfiarem do liberalismo e por terem assumido cargos na adminis-trao e recebido ttulos honorficos fartamente concedidos pelo imperador. certo, porm, que no correr dos acontecimentos os brasileiros foram cada vez mais engrossando as fileiras liberais, enquanto os portugueses se apegavam figura do imperador. Na populao urbana e no Exrcito, o sentimento antiluso teve forte poder mobilizador. Havia no ar uma suspeita de que Dom Pedro tentaria voltar aos tempos do Reino Unido de Portugal e Algarves, espe-cialmente porque, com a morte de Dom Joo VI, em 1826, abriu-se a possi-bilidade de ele assumir tambm, como filho mais velho, o trono portugus.

    O Exrcito foi-se afastando do imperador. Sua base era recrutada entre a populao mais pobre dos centros urbanos; a maioria dos soldados era for-mada por mulatos que sofriam com as ms condies de vida, o atraso no pagamento do soldo, a rgida disciplina. A cpula do Exrcito estava descon-tente com as derrotas militares e a presena de oficiais portugueses em postos de comando. -

    O PRIMEIRO REINADO 147 156

    16. Dona Leopoldina de Habsburgo, Mulher de Pedro 1, e Seus Filhos (D. Pedro II no colo e

    esquerda D. Maria da Glria), d e D o m e n i c o Fa i lu t l i .

  • HISTRIA DO BRASIL

    A partir de meados de 1830, os fatos se precipitaram^A queda de Carlos X na Frana e o incio da Monarquia de Julho, tida como liberal, repercutiram no Brasil, sendo objeto de discusses inclusive no Conselho d Estado. Em maro de 1831, a temperatura poltica subiu no Rio de Janeiro. O imperador regressava'de uma viagem a Minas, onde fora recebido com a maior frieza. Os portugueses decidiram realizar festejos, promovidos pela sociedade secreta Coluna do*Tronoj para demonstrar seu apoio a ele. Houve reao dos bra-sileiros, da nascendo os primeiros tumultos, que se prolongaram por cinco dias. Uma noite desses cinco dias passou pra o anedotrio histrico, pois nela ocorreu uma briga juvenil travada por gente grande: foi a "noite das garrafadas", quando os cabras (brasileiros) atacaram as casas iluminadas dos "ps-de-chumbo" (portugueses) e estes responderam atirando garrafas e cacos de vidro.

    Seguiram-se tentativas de formao de um novo ministrio e novas manifestaes de protesto. Os comandantes militares brasileiros de maior prestgio, como os irmos Lima e Silva, um deles pai do futuro Duque de Caxias, aderiram revolta. Por fim, Dom Pedro foi forado a abdicar em favor de seu filho, Dom Pedro II, a 7 de abril de 1831.

    O Brasil teria agora a perspectiva de sagrar um rei nascido no pas, mas quase uma dcada se passaria antes disso. O menino Pedro tinha apenas cinco anos, quando o pai abdicou e partiu para a Inglaterra, sonhando em recuperar outro trono, o portugus, ocupado por seu irmo Dom Miguel.

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    A REGNCIA 1831-1840

  • O perodo posterior abdicao de Dom Pedro I chamado de Regncia porque nele o pas foi regido por figuras polticas em nome do imperador at a maioridade antecipada deste, em 1840. A princpio os regentes eram trs, passando a ser apenas um, a partir de 1834.

    O perodo regencial foi um dos mais agitados da histria poltica do pas e tambm um dos mais importantes. Naqueles anos, esteve em jogo a unidade territorial do Brasil, e o centro do debate poltico foi dominado pelos temas d* centralizao ou descentralizao do poder, do grau de autonomia das provncias e da organizao das Foras Armadas.

    As reformas realizadas pelos regentes so um bom exemplo das dificul-dades em se adotar uma prtica liberal que fugisse aos males do absolutismo. Nas condies brasileiras da poca, muitas medidas destinadas a dar alguma flexibilidade ao sistema poltico e a garantir as liberdades individuais aca-baram resultando em violentos choques entre as elites e no predomnio do interesse de grupos locais.

    Nem tudo se decidiu na poca regencial. Podemos mesmo prolongar a periodizao por dez anos e dizer que s por volta de 1850 a Monarquia centralizada se consolidou, quando as ltimas rebelies provinciais cessaram.

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    Um ponto importante a ser ressaltado para a cojnpreenso das difi-culdades desse perodo o de que, entre as classes e os grupos dominantes, no havia consenso sobre qual o arranjo institucional mais conveniente para seus interesses. Mais ainda, no havia clareza sobre o papel do Estado como organizador dos interesses gerais dominantes, tendo para isso de sacrificar, em certa circunstncias interesses especficos de um determinado setor social

    A tendncia poltica vencedora aps o 7 de abril foi a dos liberais mo-derados, que se organizaram de acordo com a tradio manica na Sociedade Defensora da Liberdade e Independncia Nacional. Entre eles, havia uma alta proporo de polticos de Minas, So Paulo e do Rio de Janeiro. Havia tambm uma presena significativa de padres e alguns graduados por Coimbra. Muitos eram proprietrios de terras e de escravos. Foram nomes de destaque entre os liberais moderados: Bernardo Pereira de Vasconcelos, magistrado mineiro educado em Coimbra; o Padre Diogo Feij, nascido em So Paulo e futuro regente; e Evaristo da Veiga, responsvel pela edio no Rio de Janeiro da Aurora Fluminense, o mais importante jornal liberal de seu tempo.

    Na oposio, ficavam, de um lado, os "exaltados", e de outro, os abso-lutistas. Os exaltados defendiam a federao, ou seja, a efetiva autonomia das provncias, e as liberdades individuais; alguns, como Cipriano Barata e Borges da Fonseca, eram adeptos da Repblica. Os absolutistas chamados de "cara-murus", muitos deles portugueses, com postos na burocracia, no Exrcito e no alto comrcio, lutavam pela volta ao trono de Dom Pedro I. Os sonhos res-tauradores no duraram muito, pois Dom Pedro I morreu em Portugal em 1834.

    No faltavam apelidos depreciativos para os portugueses, variando ape-nas de acordo com a poca e a regio: "marinheiros", "ps-de-chumbo", "marotos", "caramurus". Em represlia, eles chamavam os brasileiros de "cabras".

    4.1. AS REFORMAS INSTITUCIONAIS

    As reformas do perodo regencial, entre outros pontos, trataram de su-primir ou diminuir as atribuies de rgos da Monarquia e criar uma nova forma de organizao militar, que reduzisse o papel do Exrcito.

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    Em 1832, entrou em vigor o Cdigo de Processo Criminal, que fixou normas para a aplicao do Cdigo Criminal de 1830. O Cdigo de Processo deu maiores poderes aos juizes de paz, eleitos nas localidades j no reinado de Dom Pedro I, mas que agora podiam, por exemplo, prender e julgar pessoas acusadas de cometer pequenas infraes. Ao mesmo tenipo, seguindo o mode-lo americano e ingls, o Cdigo de Processo instituiu o jri, para julgar grande maioria dos crimes, e o habeas corpus, a ser concedido a pessoas presas ilegalmente, ou cuja liberdade fosse ameaada. Logo adiante, ao tratar da questo da escravatura e do poder local, veremos como essas medidas, em princpio positivas, acabaram muitas vezes por resultar na impunidade de traficantes e assassinos.

    . Uma lei de agosto de 1834, chamada de Ato Adicional, porque fez adi-es e alteraes na Constituio de 1824, determinou que o Poder Moderador no poderia ser exercido durante a Regncia. Suprimiu tambm o Conselho de Estado. Os presidentes de provncia continuaram a ser designados pelo governo central, mas criaram-se Assemblias Provinciais com maiores po-deres, em substituio aos antigos Conselhos Gerais.

    Alm disso, legislou-se sobre a repartio de rendas entre o governo central, as provncias e os municpios. Atribuiu-se s Assemblias Provinciais competncia para fixar as despesas municipais e das provncias e para lanar os impostos necessrios ao atendimento dessas despesas, contanto que no prejudicassem as rendas a serem arrecadadas pelo governo central. Essa fr-mula vaga de repartio de impostos permitiu s provncias a obteno de recursos prprios, custa do enfraquecimento do governo central. Uma das atribuies mais importantes dadas s Assemblias Provinciais foi a de nomear e demitir funcionrios pblicos. Desse modo, colocava-se nas mos dos pol-ticos regionais uma arma significativa, tanto para obter votos em troca de favores como para perseguir inimigos.

    Quando comeou o perodo regencial, o Exrcito era uma instituio mal organizada, vista pelo governo com muita suspeita. Mesmo aps a abdicao de Dom Pedro, o nmero de oficiais portugueses continuou a ser significativo. A maior preocupao vinha, porm, da base do Exrcito, formada por gente mal paga, insatisfeita e propensa a aliar-se ao povo nas rebelies urbanas.

    Uma lei de agosto de 1831 criou a Guarda Nacional, em substituio s antigas milcias. Ela era cpia de uma lei francesa do mesmo ano. A idia

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    consistia em organizar um corpo armado de cidados cpnfiveis, capaz de reduzir tanto os excessos do governo centralizado como as ameaas das "clas-ses perigosas'.'. Na prtica, a nova instituio ficou incumbida de manter a ordem no-municpio onde fosse formada. Foi chamada, em casos especiais, a enfrentar rebelies fora do municpio e a proteger as fronteiras do pas, sob o comandogdo Exrcito. Compunham obrigatoriamente Guarda Nacional, como regra geral! todos os cidados com direito de voto nas eleies primrias que tivessem entre 21 e 60 anos. O alistamento obrigatrio para a Guarda Nacional desfalcou os quadros do Exrcito, pois quem pertencesse primeira ficava dispensado de servir no segundo. At 1850, os oficiais inferiores da Guarda Nacional eram eieitos pelos integrantes da corporao, em eleio presidida pelo juiz de paz. A realidade nacional e as necessidades de esta-belecer uma hierarquia se sobrepuseram ao princpio eletivo. As eleies foram se tornando letra morta e desapareceram antes mesmo que a lei fosse mudada.

    4.2. AS REVOLTAS PROVINCIAIS

    As revoltas do perodo regencial no se enquadram em uma moldura nica. Elas tinham a ver com as dificuldades da vida cotidiana e as incertezas da organizao poltica, mas cada uma delas resultou de realidades especficas, provinciais ou locais. Muitas rebelies, sobretudo at meados da dcada iniciada em 1830, ocorreram nas capitais mais importantes, tendo como pro-tagonistas a tropa e o povo. No Rio de Janeiro, houve cinco levantes, entre. 1831 e 1832. Em 1832, situao s tornou to sria que o Conselho de Estado foi consultado sobe que medidas deveriam ser tomadas para salvar o impe-rador menino, caso a anarquia se instalasse na cidade e as provncias do Norte se separassem das do Sul.

    4.2.1. A S REVOLTAS NO NORTE E NO NORDESTE

    Muito diferente dessas revoltas foi a Guerra dos Cabanos, em Pernam-buco, entre 1832 e 1835, um movimento essencialmente rural que se dife-

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    tenciou tambm das anteriores insurreies pernambucanas, por seu contedo. Os cabanos reuniam pequenos proprietrios, trabalhadores do campo, ndios, escravos e, no incio, alguns senhores de engenho. Sob alguns aspectos, sonstituram uma antecipao do que seria a revolta sertaneja de Canudos, no incio da Repblica. Lutaram em nome da religio, pelo retorno do imperador ;ontra os chamados "carbonrios jacobinos", em uma referncia feita por seus-lderes aos revolucionrios franceses e s sociedades secretas liberais euro-pias do sculo XIX. Dessa forma, camadas pobres da populao rural ex-pfessavam suas queixas contra mudanas que no entendiam e eram distantes de seu mundo. Os cabanos contaram com o apoio de comerciantes portugueses do P.ecie e de polticos restauracionistas na capital do Imprio.

    Depois de uma guerra de guerrilhas, os rebeldes foram afinal derrotados, ironicamente, por Manuel Carvalho Pais de Andrade, a mesma pessoa que ^proclamara em 1824 a Confederao do Equador e era agora presidente da provncia.

    Aps o Ato Adicional de 1834, ocorreram a Cabanagem, no Par (1835-1840), que no deve ser confundida com a Guerra dos Cabanos em Per-nambuco, a Sabinada, na Bahia (1837-1838), a Balaiada, no Maranho (1838-1840), e a Farroupilha, no Rio Grande do Sul (1836-1845).

    Quando se sabe que muitas das antigas queixas das provncias se vol-tavam contra a centralizao monrquica, pode parecer estranho o surgimento de tantas revoltas nesse perodo. Afinal de contas, a Regncia procurou dar alguma autonomia s Assemblias Provinciais e organizar a distribuio de rendas entre o governo central e as provncias. Ocorre porm que, agindo nesse sentido, os regentes acabaram incentivando as disputas entre elites regionais pelo controle das provncias cuja importncia crescia. Alm disso, o governo perdera a aura de legitimidade que, bem ou 'mal, tivera enquanto um imperador esteve no trono. Algumas indicaes equivocadas para presidente de provn-cias fizeram o resto.

    A Cabanagem explodiu no Par, regio frouxamente ligada ao Rio de Janeiro. A estrutura social no tinha a a estabilidade de outras provncias, nem havia uma classe de proprietrios rurais bem estabelecida. Era um mundo de ndios, mestios, trabalhadores escravos ou dependentes e uma minoria branca, formada por comerciantes portugueses e uns poucos ingleses e fran-ceses. Essa minoria se concentrava em Belm, uma pequena cidade de 12 mil

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    habitantes. Por a escoava a modesta produo de tabacp, cacau, borracha e arroz, Uma contenda entre grupos da elite local, sobre a nomeao do pre-sidente da provncia, abriu caminho para a rebelio popular. Foi proclamada a independncia do Par. Uma tropa cuja base se compunha de negros, mestios e ndios tacou Belm e conquistou a cidade, aps vrios dias de dura luta. A partir da|, a revolta se estendeu ao interior da provncia.

    Em meio huta, destacou-se na liderana dos rebeldes Eduardo Angelim, um cearense de apenas 21 anos que migrara para o Par aps uma grande seca ocorrida no Cear, em 1827. Angelim tentou organizar um governo, colocando como seu secretrio um padre, uma das poucas pessoas capazes de escrever fluentemente.

    Os cabanos no chegaram a oferecer uma organizao alternativa ao Par, concentrando-se no ataque aos estrangeiros, aos maons, e na defesa da religio catlica, dos brasileiros, de Dom Pedro n , do Par e da liberdade. curioso observar que, embora entre os cabanos existissem muitos escravos, a escravido no foi abolida. Uma insurreio de escravos foi mesmo reprimida por Angelim. Como se v, aparecem na Cabanagem paraense alguns traos j encontrados na Guerra dos Cabanos de Pernambuco, embora entre os dois movimentos tenha havido apenas uma relao de nome.

    A rebelio foi vencida pelas tropas legalistas, depois do bloqueio da entrada do Rio Amazonas e uma srie de longos e cruis confrontos. Belm acabou sendo praticamente destruda e a economia, devastada. Calcula-se que 30 mil pessoas morreram, entre rebeldes e legalistas, ou seja, cerca de 20% da populao estimada da provncia.

    A Sabinada deriva a designao de seu principal lder, Sabino Barroso, jornalista e professor da Escola de Medicina de Salvador. A Bahia vinha sendo cenrio de vrias revoltas urbanas desde a Independncia, entre as quais rebelies de escravos ou com sua participao. A Sabinada reuniu uma base ampla de apoio, incluindo pessoas da classe mdia e do comrcio de Salvador, em torno de idias federalistas e republicanas. O movimento buscou um compromisso com relao aos escravos, dividindo-os entre nacionais - nas-cidos no Brasil - e estrangeiros - nascidos na frica. Seriam libertados os cativos nacionais que houvessem pegado em armas pela revoluo; os demais continuariam escravizados.

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    Os "sabinos" no conseguiram penetrar no Recncavo, onde os senhores de engenho apoiaram o governo. Aps o cerco de Salvador por terra e mar, as foras governamentais recuperaram a cidade atravs de uma luta corpo a corpo que resultou em cerca de 1 800 mortos.

    A Balaiada maranhense comeou a partir de uma srie de disputas entre grupos da elite local. As rivalidades acabaram resultando em uma revolta popular. Ela se concentrou no sul do Maranho, junto fronteira do Piau, uma rea de pequenos produtores de algodo e criadores de gado. frente do movimento estavam o cafuzo Raimundo Gomes, envolvido na poltica local, e Francisco dos Anjos Ferreira, de cujo ofcio - fazer e vender balaios -derivou o nome da revolta. Ferreira aderiu rebelio para vingar a honra de uma filha, violentada por um capito de polcia. Paralelamente, surgiu um lder negro conhecido como Cosme - sem sobrenome pelo menos nos relatos histricos - frente de 3 mil escravos fugidos.

    Os balaios chegaram a ocupar Caxias, segunda cidade da provncia. De suas raras proclamaes por escrito constam vivas religio catlica, Cons-tituio, a Dom Pedro II, "santa causa da liberdade". Temas de natureza social ou econmica no so evocados, mas difcil imaginar que Cosme e seus homens no estivessem lutando por sua causa pessoal de liberdade, fosse ela santa ou no.

    As vrias tendncias existentes entre os balaios resultaram em desen-tendimentos. Por sua vez, a ao das tropas do governo central foi rpida e eficaz. Os rebeldes foram derrotados em meados de 1840. Seguiu-se a con-cesso de uma anistia, condicionada reescravizao dos negros rebeldes. Cosme foi enforcado em 1842. No comando das tropas imperiais estava um oficial com presena constante nos confrontos polticos e nas batalhas do Segundo Reinado: Lus Alves de Lima e Silva, que na ocasio recebeu o ttulo de Baro de Caxias.

    4.2.2. A GUERRA DOS FARRAPOS

    A milhares de quilmetros do Norte e do Nordeste, eclodiu em 1835, no Rio Grande do Sul, a Guerra dos Farrapos, ou Farroupilhas. "Farrapos" e "farroupilhas" so expresses sinnimas, que significam "maltrapilhos", "gen-

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    te vestida com farrapos". Elas parecem ter-se referido inicialmente aos trajes usados por Cipriano Barata nas ruas de Lisboa, com o acrscimo de um chapu de palha. Assim, ele se distinguia dos portugueses como se fosse um matuto brasileiro. Os adversrios dos farrapos gachos deram a eles esse apelido para depreci-los. Mas a verdade que se suas tropas podiam ser farroupilhas, os dirigente^ pouco tinham disso, pois representavam a elite dos estancieiros, criadores3,de gado da provncia.

    O Rio Grande do Sul era um caso especial entre as regies brasileiras, desde os tempos da Colnia. Por sua posio geogrfica, formao economica e vnculos sociais, os gachos tinham muitas relaes com o mundo platino, em especial com o Uruguai. Os chefes de grupos militarizados da fronteira -os caudilhos - , que eram tambm criadores de gado, mantinham extensas relaes naquele pas. A possuam terras e se ligavam pelo casamento com muitas famlias.

    Por outro lado, a economia rio-grandense, do ponto de vista da desti-nao de seus produtos, estava tradicionalmente ligada ao mercado interno brasileiro. A criao de mulas teve importante papel no transporte de meiv cadorias no Centro-Sul do pas, antes da construo das ferrovias. No perodo de renascimento agrcola das ltimas dcadas do sculo XVIII, colonos vindos dos Aores plantaram trigo no Sul, consumido nas outras regies do Brasil. Quando foi proclamada a Independncia, em 1822, esse perodo de expanso do trigo j se encerrara, devido s pragas e concorrncia americana, mas os vnculos com o resto do pas permaneceram.

    A criao de gado se generalizou, na regio, assim como a transformao da carne bovina em charque (carne-seca). O charque era um produto vital, destinado ao consumo da populao pobre e dos escravos do Sul e do Centro-Sul do Brasil. Criadores de gado e charqueadores formavam dois grupos separados. Os criadores estavam estabelecidos na regio da Campanha, situada na fronteira com o Uruguai. Os charqueadores tinham suas indstrias ins-taladas no litoral, nas reas das lagoas, onde se concentravam cidades como Rio Grande e Pelotas. Criadores e charqueadores se utilizavam de mo-de-obra escrava, alm de trabalhadores dependentes deles.

    As queixas do Rio Grande do Sul contra o governo central vinham de longe. Os gachos achavam que, apesar da contribuio da provncia para a economia brasileira, ela era explorada por um sistema de pesados impostos.

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    As reivindicaes de autonomia, e mesmo de separao, eram antigas e feitas, muitas vezes, tanto por conservadores como por liberais.

    A Regncia e o Ato Adicional no abrandaram as queixas. As provncias que no podiam arcar com todas as suas despesas recebiam recursos do go-verno central provenientes em parte de outras provncias. Isso acontecia antes do Ato Adicional e continuou a acontecer depois dele. O Rio Grande do Sul mandava, seguidamente, fundos para cobrir despesas de Santa Catarina e de outras regies.

    Entretanto, a revolta no uniu todos os setores da populao gacha. Ela foi preparada por estancieiros da fronteira e algumas figuras da classe mdia das cidades, obtendo apoio principalmente nesses setores sociais. Os char-queadores que dependiam do Rio de Janeiro - maior centro consumidor bra-sileiro de charque e de couros - ficaram ao lado do governo central.

    Alm das queixas gerais j apontadas, os estancieiros tinham razes prprias de descontentamento. Eles pretendiam acabar com a taxao de gado

    .na fronteira com o Uruguai ou reduzi-la, estabelecendo a livre circulao dos rebanhos que possuam nos dois pases. Alm disso, como j estavam orga-nizados militarmente com seus pequenos exrcitos particulares, baseados em uma chefia indiscutvel, consideravam uma novidade perigosa a criao da Guarda Nacional, com cargos eletivos de oficiais.

    Os farrapos contaram com o concurso de alguns oficiais do Exrcito, chegados recentemente ao Rio Grande do Sul, entre eles Joo Manuel de Lima Silva, irmo de um dos primeiros regentes e tio de Caxias. Nas fileiras dos revoltosos. destacaram-se pelo menos duas dezenas de revolucionrios italia-no^ refugiados no Brasil, sendo o mais clebre deles Giuseppe Garibaldi. A figura mais importante do movimento foi Bento Gonalves, filho de um rico estancieiro, com larga experincia militar nas guerras da regio. Ele organizou lojas manicas na fronteira e usou o servio postal dos maons como alterna-tiva para sua correspondncia secreta. Estendeu, assim, fronteira as socie-dades manicas que proliferavam em todo o Rio Grande.

    A luta foi longa e baseada na ao da cavalaria. Garibaldi e Davi Cana-harro levaram a guerra para o norte da provncia, assumindo por uns tempos o controle de Santa Catarina. Na regio gacha dominada pelos rebeldes, foi proclamada na cidade de Piratini, em 1838, a Repblica de Piratini cuja presidncia coube a Bento Gonalves. A Repblica no existiu apenas no

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    papel, mas teve uma existncia real, incluindo o estmulo, criao de gado e exportao de charque e de couros.

    A posio ,do governo central foi entremeada de combat e concesses aos rebeldes. Os farrapos no eram gente esfarrapada, e a regio onde lutavam tinha para o Imprio grande importncia estratgica. Por exemplo, em prin-cpios d 1840, o governo central cedeu a uma das principais exigncias econmias dosffarrapos, decretando uma taxa de importao de 25% sobre a carne salgada vinda do Prata e que concorria com a nacional.

    Um passo importante para pr fim ao conflito ocorreu quando, em 1842, Caxias foi nomeado presidente e comandante de armas da provncia. Ele combinou habilmente uma poltica de ataque militar e medidas de apazi-guamento.

    Afinal, em 1845, aps acordos em separado com vrios chefes rebeldes, Caxias e Canabarro assinaram a paz. No era uma rendio incondicional. Foi concedida anistia geral aos revoltosos, os oficiais farroupilhas integraram-se de acordo com suas patentes ao Exrcito brasileiro e o governo imperial assumiu as dvidas da Repblica de Piratini.

    H controvrsia entre os historiadores sobre se os farrapos desejavam ou no separar-se do Brasil, formando um novo pas com o Uruguai e as pro-vncias do Prata. Seja como for, um ponto comum entre os rebeldes era o de fazer do Rio Grande do Sul pelo menos uma provncia autnoma, com rendas prprias, livre da centralizao do poder imposta pelo Rio de Janeiro.

    A revoluo farroupilha forou o Brasil a realizar uma poltica externa na regio platina, bem diferente da tradicional. Durante anos, o Brasil seria forado a no ter uma poltica agressiva no Prata e a buscar acordos com Buenos Aires, para ocupar-se de uma revoluo no interior de suas fronteiras.

    O fim da farroupilha reacendeu as pretenses brasileiras de manter forte influncia no Uruguai e os temores de que um mesmo poder - a Argentina -controlasse as duas margens do rio da Prata. Estes temores cresciam na medida em que, naquele pas, frente de Buenos Aires e outras provncias, Juan Manuel de Rosas promovia uma tentativa de consolidao do poder.

    Uma coalizo anti-rosista se formou entre o Brasil, a faco dos "colora-dos", tradicionais aliados do Brasil no Uruguai, e as provncias argentinas de Comentes e Entre Rios, rebeladas contra Rosas. A presena brasileira foi dominante, na guerra iniciada em 1851, quando o Imperador Pedro II j

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    assumira o trono. Cerca de 24 mil soldados brasileiros, recrutados principal-mente no Rio Grande do Sul, participaram do conflito. Garantido o controle do Uruguai pelos "colorados", as tropas rosistas foram derrotadas em territrio argentino (Monte Caseros, fevereiro de 1852).

    4 3. A POLTICA NO PERODO REGENCIAL

    Enquanto as rebelies agitavam o pas, as tendncias polticas no centro dirigente iam-se definindo. Apareciam em germe os dois grandes partidos imperiais - o Conservador e o Liberal. Os conservadores reuniam magistrados, burocratas, uma parte dos proprietrios rurais, especialmente do Rio de Ja-neiro, Bahia e Pernambuco, e os grandes comerciantes, entre os quais muitos portugueses. Os liberais agrupavam a pequena classe mdia urbana, alguns padres e proprietrios rurais de reas menos tradicionais, sobretudo de So Paulo, Minas e Rio Grande do Sul.

    O sistema poltico porm ainda no se estabilizara. Nas eleies para a regncia nica, realizadas em abril de 1835, o Padre Feij derrotou seu prin-cipal competidor, Holanda Cavalcanti, proprietrio rural de Pernambuco. O corpo eleitoral era extremamente reduzido, somando cerca de 6 mil eleitores. Feij recebeu 2 826 votos, e Cavalcanti, 2 251. Pouco mais de dois anos depois, em setembro de 1837, Feij renunciou. Ele sofrer presses do Con-gresso, sendo acusado de no empregar suficiente energia na represso aos farrapos, entre cujos chefes estava um de seus primos. Nas eleies que se seguiram, triunfou Pedro de Arajo Lima, futuro Marqus de Olinda, antigo presidente da Cmara e senhor de engenho em Pernambuco.

    A vitria de Arajo Lima simbolizou o incio do "regresso". A palavra indica a atuao da corrente conservadora desejosa de "regressar" cen-tralizao poltica e ao reforo da autoridade. Uma das primeiras leis nesse sentido consistiu em uma "interpretao" do Ato Adicional (maio de 1840), que retirava das provncias vrias de suas atribuies, especialmente no que dizia respeito nomeao de funcionrios pblicos.