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1 PORTABILIDADE NA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR Introdução ........................................................................................................................................3 1 O REGIME JURÍDICO DA RELACÃO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.................6 1.1 Importância do Tema à Compreensão do Instituto da Portabilidade ........................................6 1.2 A Relação de Previdência Social e a Relação de Previdência Privada em Comparação à Relação Nascida do Contrato de Seguro: Similaridades e Diferenças.............................................7 1.3 A Relação de Previdência Social e a Relação de Previdência Complementar ........................12 2 O CONTRATO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA......................................................................17 2.1 A Função Social do Contrato Previdenciário ..........................................................................22 2.1.1 A função social como essência do contrato ..........................................................................22 2.1.2 Os valores informativos à seguridade social ........................................................................25 2.1.3 Os princípios constitucionais endereçados ao legislador ordinário em matéria de previdência complementar ................................................................................................................................28 2.1.4 A interpretação do contrato previdenciário segundo sua função social e sua conseqüência lógica ao advento do instituto da portabilidade .............................................................................31 3 AS BASES TÉCNICAS DOS PLANOS PREVIDENCIÁRIOS ..............................................35 3.1 A Influência da Cobertura do Risco Social no Dimensionamento das Contribuições ............35 3.2 A Composição das Contribuições ...........................................................................................38 3.2.1 Breve histórico ......................................................................................................................38 3.2.2 A contribuição pura e a taxa de carregamento ......................................................................39 3.3 O Custeio dos Planos de Previdência Privada e suas Implicações à Discussão sobre os Valores Portados ............................................................................................................................43 3.3.1 O custeio do plano pelo patrocinador e sua reversão à esfera de interesses do participante.....................................................................................................................................45 4 A PORTABILIDADE ................................................................................................................51 4.1 Conceito e Distinções ..............................................................................................................53 4.2 A Natureza Jurídica da Portabilidade ......................................................................................59 4.2.1 A portabilidade como instituto próprio do regime complementar .......................................60 4.2.2 A portabilidade como direito do participante .......................................................................64 4.2.3 A portabilidade como garantia do regime complementar .....................................................66

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PORTABILIDADE NA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

Introdução ........................................................................................................................................3

1 O REGIME JURÍDICO DA RELACÃO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.................6

1.1 Importância do Tema à Compreensão do Instituto da Portabilidade ........................................6

1.2 A Relação de Previdência Social e a Relação de Previdência Privada em Comparação à

Relação Nascida do Contrato de Seguro: Similaridades e Diferenças.............................................7

1.3 A Relação de Previdência Social e a Relação de Previdência Complementar ........................12

2 O CONTRATO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA......................................................................17

2.1 A Função Social do Contrato Previdenciário ..........................................................................22

2.1.1 A função social como essência do contrato ..........................................................................22

2.1.2 Os valores informativos à seguridade social ........................................................................25

2.1.3 Os princípios constitucionais endereçados ao legislador ordinário em matéria de previdência

complementar ................................................................................................................................28

2.1.4 A interpretação do contrato previdenciário segundo sua função social e sua conseqüência

lógica ao advento do instituto da portabilidade .............................................................................31

3 AS BASES TÉCNICAS DOS PLANOS PREVIDENCIÁRIOS ..............................................35

3.1 A Influência da Cobertura do Risco Social no Dimensionamento das Contribuições ............35

3.2 A Composição das Contribuições ...........................................................................................38

3.2.1 Breve histórico ......................................................................................................................38

3.2.2 A contribuição pura e a taxa de carregamento ......................................................................39

3.3 O Custeio dos Planos de Previdência Privada e suas Implicações à Discussão sobre os

Valores Portados ............................................................................................................................43

3.3.1 O custeio do plano pelo patrocinador e sua reversão à esfera de interesses do

participante.....................................................................................................................................45

4 A PORTABILIDADE ................................................................................................................51

4.1 Conceito e Distinções ..............................................................................................................53

4.2 A Natureza Jurídica da Portabilidade ......................................................................................59

4.2.1 A portabilidade como instituto próprio do regime complementar .......................................60

4.2.2 A portabilidade como direito do participante .......................................................................64

4.2.3 A portabilidade como garantia do regime complementar .....................................................66

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5 ELEMENTOS DA PORTABILIDADE....................................................................................70

5.1 Os Sujeitos Envolvidos na Portabilidade .................................................................................70

5.1.1 O participante .......................................................................................................................71

5.1.2 As Entidades Cedente e Cessionária ....................................................................................75

5.2 O Objeto ..................................................................................................................................75

6 O NORTE TRAÇADO À REGULAMENTAÇÃO LEGAL E INFRALEGAL NO TEMA

PORTABILIDADE........................................................................................................................78

6.1 A Regulamentação Legal à Fixação dos Valores Portáveis....................................................80

6.1.1 Reserva constituída ...............................................................................................................82

6.1.2 Reserva matemática .............................................................................................................82

6.1.3 Reserva matemática e reserva constituída para fins de portabilidade ..................................84

6.2 A Regulamentação Infralegal à Fixação dos Valores Portáveis..............................................86

6.2.1 Planos instituídos antes da Lei Complementar n. 109/01 .....................................................88

6.2.2 Planos instituídos a partir da Lei Complementar n. 109/01 .................................................91

7 A PORTABILIDADE NAS DIVERSAS MODALIDADES DE PLANOS E SITUAÇÕES....93

7.1 Questões Relativas ao Tipo do Plano ......................................................................................93

7.2 Questões Relativas à Situação Financeira do Plano Cedente e seu Custeio ............................95

7.3 Questões Relativas ao Ingresso de Contribuições ...................................................................96

7.4 Questões Relativas à Situação Financeira do Plano Cessionário ............................................98

8 CONDIÇÕES LEGAIS AO EXERCÍCIO DO DIREITO À PORTABILIDADE...................100

8.1 Carência .................................................................................................................................101

8.2 Rompimento do Vínculo .......................................................................................................104

8.3 A Contratação de Plano de Renda Mensal Vitalícia ou por Prazo Determinado ..................107

9 REVOGABILIDADE, RETRATABILIDADE E NEGOCIABILIDADE NA

PORTABILIDADE .....................................................................................................................113

10 PROCEDIMENTO OPERACIONAL DA PORTABILIDADE ............................................116

11 CONCLUSÕES ......................................................................................................................118

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Introdução

A aquisição de direito e gozo de benefício previdenciário, quanto à maioria dos

riscos, notadamente o de pensão à velhice e aposentadoria, impõe como elemento essencial à

formação do direito subjetivo do segurado sua filiação ao sistema de proteção durante

determinado período em que, se atendidas certas condições (como o recolhimento de

contribuições, a mantença do vínculo empregatício, a permanência de engajamento ao sistema,

entre outros, a depender do ordenamento jurídico em questão), haverá amparo previdenciário se e

quando ocorrer o evento temido.

O traço característico do seguro previdenciário é a formação de uma reserva para

custeio de um benefício futuro, cuja razão de ser adota como premissa a de que o passar do

tempo, segundo a natureza das coisas, acarreta ao homem diminuição de sua força laboral,

colocando-o, assim como à sua família, se não em situação de risco de necessidade, no mínimo

em condições menos favoráveis que aquelas quando vivia o viço de suas forças.

Desse modo, o direito à prestação decorrente do seguro social, quer público, quer

privado, na generalidade dos benefícios, é um direito construído ao longo do tempo, apesar de o

direito à cobertura do risco verificar-se tão-só com o engajamento ao sistema protetivo.

O transcurso do tempo, como uma constante da relação jurídica em matéria de

seguridade, inclusive de seguridade social, é característica que foi observada e constatada pela

Doutrina.1

No âmbito da previdência complementar, por igual, o fator tempo tem importância

a determinar, por vezes, a existência ou não do direito ao benefício, tal qual ocorre no regime

geral, considerando que ambos os regime protetivos inserem-se no sistema maior da seguridade

social e, por isso, sujeitam-se aos princípios que regem essa matéria, guardadas as

particularidades próprias do regime complementar, atinentes à sua natureza de seguro social

voluntário e complementar ao seguro social público.

No campo da previdência privada, fica em relevo que esse planejamento para o

futuro, de forma calculada e previdente, é fomentado pelo Estado no indivíduo e que quanto

1 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Aspectos básicos do moderno direito das fundações de previdência suplementar. Revista de Direito Administrativo, Rio de janeiro, n.172, p. 20-36, abr./jun. 1988.

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maior o sacrifício, melhores serão as condições de vida do participante-segurado quando ele

deixar a atividade, ou mais eficaz será o amparo a seus dependentes no caso de sua morte.

A facultatividade de adesão à previdência complementar põe em evidência não só

a vontade como elemento primeiro à participação no sistema de proteção, mas também a vontade

de suportar certo sacrifício pessoal, consubstanciado na quantidade e no montante das

contribuições que alimentarão o plano durante o tempo estipulado.

Contudo, o que dizer do abandono dessa segurança caso o participante deixe o

plano antes de verificado o evento que lhe asseguraria o direito à prestação previdenciária?

Existiria resposta, no ordenamento jurídico, à diminuição patrimonial do

participante e ao acréscimo que restaria acumulado no fundo formado pelo grupo de seguro do

qual participava ?

Como incentivar o indivíduo a manter-se filiado a um plano de previdência

complementar, com vistas a promover seguridade social e, como resultado, bem-estar social?

É nessa ordem de idéias que se insere o tema deste estudo, atinente ao instituto da

portabilidade, o qual responde ou tenta responder às situações em que o curso de formação do

direito à fruição do benefício pleno encontra-se em risco de ser interrompido.

Adianta-se que na iminência da interrupção do vínculo jurídico estabelecido entre

o participante e a entidade de previdência privada, a opção pelo exercício da portabilidade opera

um traslado dos valores vertidos ao plano previdenciário para outro plano, administrado por

distinta entidade previdenciária, perante a qual o participante seguirá contribuindo até que reúna

os requisitos necessários à obtenção do direito ao benefício contratado, de modo que ainda que

desfeito o vínculo jurídico do participante com a entidade originária, mantém-se o engajamento

ao regime complementar.

Por meio da análise das proposições legais implementadas pelo Estado como

política de seguro social privado, serão examinados os mais freqüentes questionamentos à prática

do instituto da portabilidade, objetivando-se a apreensão de sua natureza jurídica e a forma como

se encontra disciplinado no ordenamento jurídico.

Desse modo, o principal conjunto normativo a ser analisado consiste nas

disposições constitucionais contidas no título que trata da Ordem Social, centrando-se o exame,

então, no art. 202 da Constituição Federal; em nível infraconstitucional, a investigação foca-se

nos comandos da Lei Complementar n. 109/01, bem como nos atos normativos infralegais que a

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regulamentam, especialmente na resolução do Conselho Gestor da Previdência Complementar

(resolução CGPC n. 6/03).

Em se tratando a portabilidade de instituto próprio da relação de previdência

privada, como se verá, urge o estudo dessa relação jurídica, assim como do regime jurídico que

a regulamenta, o que pode fornecer subsídios para, com maior segurança, desvendar a natureza

do instituto em exame.

Sob outro giro, sendo inerente ao plano previdenciário sua natureza de seguro

lastreado pelas contribuições do grupo segurado, é necessário o estudo das bases técnicas

indicativas do limite em que, feita a retirada por meio da portabilidade, tal não reflita em

desequilíbrio financeiro do plano originário e, conseqüentemente, em prejuízo dos demais

participantes.

Sendo assim, empreendemos a seguir investigação nesses dois aspectos, como

pressupostos lógicos à aferição da natureza jurídica da portabilidade, iniciando o estudo sob o

aspecto jurídico da relação de previdência privada, passando a seguir à análise das bases técnicas

dos planos, para então firmar conclusão sobre o instituto em exame.

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1 O REGIME JURÍDICO DA RELAÇÃO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

1.1 Importância do Tema à Compreensão do Instituto da Portabilidade

O regime de previdência complementar brasileiro caracteriza-se como um regime

privado, dependente da vontade do indivíduo quanto à adesão, assinalando-se que em decorrência

dessa característica, em contraposição ao regime público de previdência social, os termos

previdência privada e previdência complementar serão indistintamente utilizados, não obstante

ter sido adotado este último pela Constituição Federal.

No regime de previdência complementar a principal secção corresponde ao

segmento das entidades abertas de previdência complementar e ao segmento das entidades

fechadas de previdência complementar. No segmento das entidades fechadas, a adesão ao plano

depende da existência dos vínculos de emprego e associativo. No segmento das entidades

abertas, essa adesão independe da existência de vínculo empregatício ou associativo.

Distinguindo um e outro desses segmentos, Jerônimo Jesus dos Santos observa:

“São entidades constituídas unicamente sob a forma de sociedade anônima,

ou ainda sociedade civil sem fins lucrativos (SFL) com o objetivo de instituir

planos de pecúlio ou de renda, sendo, respectivamente, com ou sem fins

lucrativos; exceção está lançada nesta LC 109, em seu art. 77.

A chamada EAPC é a Entidade Aberta de Previdência complementar ou

Sociedade Seguradora autorizada a instituir planos de previdência aberta

complementar.

As EAPC’s estão enquadradas na área de competência do Ministério da

Fazenda (MF) e do CNSP, sendo fiscalizadas pela SUSEP.

Frise-se, são consideradas abertas principalmente por serem acessíveis a toda

e qualquer pessoa física que subscreve (contrate) um ou mais benefícios

constantes de seus planos.

[...]

São entidades fechadas aquelas cujos planos são endereçados a um público

específico, ou seja, aos empregados de uma empresa (caso a entidade tenha

patrocinador), grupo de empresas ou aos associados de entidade de classe ou

de representação (caso a entidade tenha “instituidor”). Tais entidades não

possuem fins lucrativos, e organizam-se sob a forma de fundação ou de

sociedade civil, sem fins lucrativos (SFL)

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As EFPC’s, também conhecidas como Fundos de Pensão, objetivam a

concessão de benefício previdenciário, de natureza suplementar ou

complementar aos benefícios concedidos pela previdência social.

Não custa repetir, as EFPC’s estão enquadradas na área de competência do

Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e do CGPC, sendo

fiscalizadas pela SPC).”2

No direito pátrio, o seguro de previdência social do regime geral, aliado à

assistência social e à saúde, compõe o conjunto maior da seguridade social, no qual também se

insere o regime privado de previdência complementar.

Estas duas vertentes de proteção previdenciária – a previdência pública do regime

geral e a previdência complementar do regime privado - coexistem em integração que visa

proporcionar proteção adicional àquela conferida pelo regime previdenciário público.

Discorre sobre o tema Eliane Romeiro Costa: “A seguridade social complementar refere-se ao conjunto de medidas protetivas inseridas no sistema de seguridade social, alcançando uma integração de benefícios adicionais à renda concedida pelo regime geral de seguridade social. Enquanto técnica de provisão, os planos dos fundos de pensão privados e da seguridade social pública utilizam-se de elementos atuariais, dos fatores e de variáveis de risco, antecipando o futuro e garantindo a segurança.”3

Na investigação acerca da natureza jurídica da portabilidade, instituto presente na

relação de previdência complementar, faz-se a seguir uma análise comparativa entre esta e duas

outras relações jurídicas – a de previdência social e a do contrato de seguro - , revelando

semelhanças e distinções as quais, ao final decantadas, servirão de instrumento para delinear os

elementos da relação de previdência complementar.

1.2 A Relação de Previdência Social e a Relação de Previdência Privada em Comparação à

Relação Nascida do Contrato de Seguro: Similaridades e Diferenças

O seguro social, aqui tomado como relação jurídica cujo objeto é a cobertura de

um risco social, não se distinguindo entre previdência pública e previdência privada para efeito

2 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 133. 3 COSTA, Eliane Romeiro. Previdência complementar na seguridade social: o risco velhice e a idade para aposentadoria. São Paulo : LTr, 2003, p. 51.

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de confronto com a relação jurídica securitária, guarda com esta similitudes quanto à estrutura

básica do contrato de seguro privado.

A previdência social e a previdência complementar, coesão que forma o conjunto

da seguridade social na vertente previdenciária, têm pontos de contato com o instituto do seguro

privado, na medida em que, de comum, servem à cobertura de um risco.

A potencial situação de sujeitar-se a um evento causador de prejuízo e a vontade

de forrar-se das conseqüências em caso da ocorrência do fato temido constituem a razão de ser do

pacto de seguro, um negócio jurídico por meio do qual o segurador pactua com o segurado o

pagamento de uma indenização, a depender da ocorrência de um acontecimento futuro e

incerto, devidamente previsto no contrato.

O pressuposto do contrato de seguro é, portanto, o risco a que se sujeita o

segurado e do qual quer forrar-se.

A possibilidade da ocorrência do risco e o temor de suas conseqüências imprimem

ao pacto daí decorrente suas principais características, expressando-se em contrato bilateral, já

que obrigações são assumidas tanto pelo segurado quanto pelo segurador; oneroso, considerando

ser de sua essência a prestação e a contraprestação; aleatório, visto que não há equivalência exata

entre a prestação e a contraprestação, além de ser incerta a ocorrência ou não do evento danoso,

o que possibilita ganho ou perda para um dos contratantes; formal, tendo em vista que,

necessariamente, o contrato de seguro deve revestir-se de forma escrita; de execução sucessiva ou

continuada, uma vez que o contrato persiste durante um interregno de tempo determinado;

adesivo, aperfeiçoando-se com a aceitação, pelo segurado, das cláusulas estabelecidas pelo

segurador; de boa-fé, tendo em vista que as declarações do segurado devem ser sinceras quanto

aos riscos.

Veja a respeito os ensinamentos de Orlando Gomes:

“Pelo contrato de seguro, uma empresa especializada obriga-se para com uma pessoa, mediante contribuição por esta prometida, a lhe pagar certa quantia, se ocorrer o risco previsto. As partes no contrato de seguro chamam-se segurador e segurado. Ao segurador compete pagar a quantia estipulada para a hipótese de ocorrer o risco previsto no contrato. Ao segurado assiste o direito de recebê-la, se cumprida a sua obrigação de pagar a contribuição prometida, que se denomina prêmio. A noção de seguro pressupõe a de risco, isto é, o fato de estar o indivíduo exposto à eventualidade de um dano à sua pessoa, ou ao seu patrimônio, motivado pelo acaso. Verifica-se quando o dano potencial se converte em dano efetivo. Quando o evento que produz o dano é infeliz, chama-se sinistro. Assim, o incêndio. Tal evento é aleatório, mas o perigo de que se verifique

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sempre existe. Por isso se diz, com toda procedência, que o contrato de seguro implica transferência de risco, valendo, portanto, ainda que o sinistro não se verifique, como se dá, aliás, às mais das vezes. O instrumento do contrato de seguro chama-se apólice. Verificado o evento a que está condicionada a execução da obrigação do segurador, presta ele a indenização, se o dano atingir o patrimônio do segurado; isto é, se for de coisas o seguro. Ao segurado compete o pagamento do prêmio, consistente em quantia ordinariamente parcelada no tempo. O contrato de seguro é bilateral, simplesmente consensual, e de adesão.”4 (destaques do autor)

Enquanto o risco, no seguro privado, é facilmente apreendido do contrato, sendo

afeto, com exclusividade, ao acautelamento de um bem de interesse estritamente privado, o risco

social que permeia o obrigatório engajamento ao sistema previdenciário público e o contrato de

previdência privada não é de simples conceituação. Aliás, sua dificuldade conceitual é reflexo

do traço igualmente complexo de aferição e especialmente distintivo entre o seguro de direito

privado e o seguro social.

Em razão da peculiaridade do risco coberto pelo seguro social, constata-se, pois,

uma homogeneidade no âmbito do regime complementar e do regime geral de previdência

social, a qual se contrapõe como traço eminentemente distintivo com relação ao contrato de

seguro privado.

Contudo, se feita a especificação entre a relação de previdência social e a relação

de previdência privada, explorando suas distinções e então confrontando-as em estudo

comparativo à relação de seguro privado, os pontos de contato entre a relação jurídica securitária

e a relação jurídica de previdência complementar destacam-se, na medida em que de essencial

apresentam-se como relações decorrentes de um contrato, ao passo que a relação de previdência

social tem sua origem num mandamento legal.

Dessa forma, a relação de seguro privado guarda notável particularidade com a

relação previdenciária em sua vertente complementar, já que a característica atinente à

contratualidade, ausente na relação de previdência social do regime geral, é encontrada tanto na

relação nascida do contrato de seguro como na relação originada no contrato previdenciário.

A inclusão do seguro social como uma classe integrante do gênero seguro, foi

observada por Orlando Gomes:

“No grupo das operações designadas como de ramos elementares, compreendem-se os seguros para a cobertura dos riscos de fogo, transportes, acidentes e outros acontecimentos danosos.

4 GOMES, Orlando. Contratos. Atualizado por Humberto Theodoro Jr. 24 ed.. Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 410-411.

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Constituem operações dessa classe os seguros marítimos, terrestres e aeronáuticos. No grupo dos seguros de vida, incluem-se os que garantem a pessoa do segurado contra os riscos a que estão expostas sua existência, sua integridade física e saúde. Pertencem a esta categoria os seguros sociais, que hoje constituem objeto de previdência, organizada em instituições paraestatais. Não são, com efeito, seguros privados. Dentre estes, têm importância maior os seguros de vida ‘stricto sensu’ e os seguros contra acidentes, A principal diferença entre os dois grupos reside na índole do pagamento devido pela empresa seguradora. Nas operações de seguros dos ramos elementares, a obrigação do segurador consiste numa indenização, se o sinistro ocorrer. Nos seguros de vida, não há reparação de um dano, sendo impossível, em conseqüência, o superseguro. Ademais, os seguros das duas classes não recebem o mesmo tratamento legal. A distinção segundo a natureza do risco faz-se, em doutrina, de modo mais correto, classificando-se modalidades do contrato, em seguros de pessoas e seguros de coisas ou de danos. Têm objeto diverso e obedecem a diferentes regras.”5 (destaques do autor)

De similar com a relação jurídica securitária, a relação jurídica de previdência

privada, como dito, tem origem na consensualidade, expressando-se por meio de um negócio que

é bilateral, oneroso e sinalagmático, em decorrência da existência de duas partes – a entidade e o

participante -, as quais têm obrigações mútuas e equivalentes – o participante, a obrigação de

custear o plano, e a entidade, a responsabilidade pelo pagamento do benefício, conforme valores

estipulados em contrato, o que destaca o paralelismo com o contrato de seguro, seus sujeitos e

obrigações: segurado e segurador, obrigando-se o primeiro ao pagamento do prêmio, e o segundo

ao adimplemento da obrigação de indenizar, à vista da ocorrência do sinistro.

A respeito da relação entre o seguro privado e o seguro social, os ensinamentos do

mestre Pontes de Miranda: “Precisões – (a) Rege, no direito privado, o princípio do auto-regramento da vontade, segundo o qual, se não há regra jurídica especial em sentido contrário, se podem concluir contratos de qualquer conteúdo. Em todo o caso, limitam a liberdade de estruturação do conteúdo as medidas tarifárias, as Leis de inquilinato, as leis sobre empresas de seguros e outras, como as que se encontram na legislação do trabalho. O contrato de seguro é contrato de direito privado, salvo se, tendo-se publicizado a empresa de seguros, também se submete ao direito público o próprio seguro. De ordinário, a publicizaçao, mesmo se atenua ou retira o caráter contratual do seguro, não pré-exclui a supletividade das regras jurídicas de direito privado. (b) A relação jurídica de seguro resulta, na ordinariedade dos casos, de contrato. Não sempre. Quando a lei estabelece dever de segurar-se, pode haver dever de contratar, ou dever de respeitar as Leis que retiram parte do que recebem as pessoas a título de regresso, automaticamente. Ainda assim é raro ocorrer que a figura do contrato não se componha, embora embutida na dívida remuneratória.

5 GOMES, Orlando. Contratos. Atualização por Humberto Theodoro Jr. 24 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 412.

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(c) O seguro privado, isto é, o seguro que não se pode classificar como seguro social, tanto pode ser feito por empresa de seguros regida pelo direito privado como pode ser por instituto de direito público. ”6

É da essência do contrato de seguro, assim como do contrato de previdência

privada, a aleatoriedade, já que o objeto em comum é a proteção de um risco, ainda que mais

previsível no caso da previdência privada, baseada que está a avença em estudos atuariais.

Sérgio de Andréa Ferreira, com fundamento nos ensinamentos de Pontes de

Miranda, repete o mestre, ao caracterizar o seguro como contrato cuja natureza “’é uma só para

todas as espécies’, inclusive o social, sendo sempre a mesma sua finalidade: ‘dar a alguém a

tutela contra o sinistro, acontecimento futuro e incerto, que, por vezes, só tem de incerto o

momento’”.7

Contudo, assim como a comparação da relação de previdência social com a

relação de previdência complementar acaba por revelar suas distinções, o confronto entre o

contrato de seguro e o contrato de seguro de previdência privada, ao identificar suas

coincidências, revela a parte em que desbordam seus contornos, de modo a indicar o quanto

diferem as relações jurídicas dele advindas, descortinando o regime jurídico próprio a que se

submete a relação jurídica de previdência privada.

Em se tratando o receio da ocorrência do risco como o motivo que igualmente

inspira a vontade de pactuar tanto o seguro privado quanto o seguro social, agora aqui tomado no

âmbito da previdência privada, a diferença está que neste a cobertura que se faz é de um risco

social.

A propósito do tema, os ensinamentos de Armando de Oliveira Assis:

“Os estudiosos da matéria, procurando dissipar os conflitos que a prática do seguro social tem engendrado com o seguro privado, em virtude de ser difícil o traçado preciso de uma linha divisória entre os dois, já tentaram, senão definir o seguro social, pelo menos isolar o seu objeto. [...] De qualquer maneira, a opinião que pareceu prevalecer foi aquela que dava como objeto do seguro social a incumbência de garantir uma substituição ao salário do trabalhador, quando determinados motivos o impedissem de o ganhar no exercício de uma atividade profissional. E essa parece ser a corrente mais geral, quase unânime, pois que as últimas conferências internacionais que versaram o assunto, embora tendendo dar-lhe feição nova, têm intitulado o seguro social como a ‘garantia dos meios de subsistência’, conforme o fez a Conferência Internacional do Trabalho, em sua 26a. Sessão, reunida em Filadélfia, em abril de 1944. Não há, portanto, uma

6 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 271. 7 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Aspectos básicos do moderno direito das fundações de previdência suplementar. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.172, p. 20-36, abr./jun. 1988.

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definição perfeita e acabada de seguro social, e muito menos uma de “risco social’. [...] E aqui queremos chamar a atenção para as características novas da acepção que perseguimos. Hoje em dia, como assinalamos linhas atrás, quando se se refere ao “risco social”, mesmo dentro das novas fórmulas de “seguridade social”, o que se faz é individualizar o risco, e sobretudo considerá-lo como típico, apenas do indivíduo que trabalha e que possui como únicos bens os proventos de sua atividade, isto é, encara-se tão somente o homem de escassos recursos; o risco é dado como um fenômeno intrínseco ao trabalho assalariado. Na concepção que defendemos, o risco se torna socializado, ameaça igualmente o indivíduo e a sociedade, ou quiçá, mais esta do que aquele. O homem deve ser protegido não porque seja um trabalhador, um produtor de riquezas: mas pelo simples fato de ser um cidadão, de conviver em sociedade.”8

Dessa forma, não obstante atraída pelo regime jurídico do seguro privado,

considerando as coincidências entre o contrato de seguro privado e o contrato previdenciário, a

relação jurídica de previdência privada mantém-se a gravitar em torno do núcleo da seguridade

social, restabelecendo contato com o seguro social público na parte em que com ele se identifica

quanto ao risco elementar da relação jurídica da qual decorre a proteção. Este o principal traço

que distingue o contrato de seguro privado e o contrato de previdência privada: a cobertura de um

risco social.

Tendo em vista, assim, o traço caracterizador da relação de previdência privada e

da relação de previdência social, consubstanciado na cobertura de um risco social, sob essa

perspectiva o regime complementar e o regime geral de previdência social formam um todo

uniforme que se contrapõe ao negócio do seguro privado.

1.3 A Relação de Previdência Social e a Relação de Previdência Complementar

Visto que a cobertura de um risco social é ponto harmonizante do conjunto

formado pela previdência social e pela previdência complementar, integrativo à vertente

previdenciária inserida no conjunto da seguridade social, passamos ao exame desse universo

menor, com o objetivo de extrair as peculiaridades de uma e de outra dessas relações jurídicas.

A primeira distinção que se faz entre a relação jurídica de previdência

complementar e a relação jurídica de previdência social é a origem contratual da primeira e a

decorrência de imposição legal da segunda.

8 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de “risco social”. Memória Histórica da Revista de Direito Social, n. 14, p. 149-173, 2004.

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À parte a figura do segurado facultativo, que se engaja excepcionalmente de forma

voluntária, na previdência social a regra é a da filiação compulsória, decorrente de uma situação

laboral prevista em lei.

Nos dizeres de Orlando Gomes, “o seguro social é, no entanto, um instituto de

direito público, regulado imperativamente em todos os seus aspectos e vicissitudes; tem como

fonte imediata a própria lei, que o impõe, tornando-o obrigatório; uma de suas partes é

necessariamente um ente público; a relação constitui-se ope legis;[...]” 9

Já a relação jurídica de previdência privada exterioriza-se por meio de um

contrato do tipo contrato de adesão, cuja característica a distinguí-lo dos demais contratos refere-

se à prévia fixação de suas cláusulas por uma das partes, de modo que a vontade expressa por

aquele que adere ao contrato, apesar de ser condição sem a qual, naturalmente, não se cogita da

existência do negócio, não interfere na disposição quanto aos direitos e obrigações previamente

estipulados.

O contrato previdenciário, além de caracterizar-se como um contrato de adesão, é

ainda disciplinado pelo ordenamento jurídico de modo que sua validade depende do atendimento

a certas exigências legais, em decorrência do interesse público que permeia o negócio que versa

sobre seguro social, como assinalado.

Nesse tipo de contrato, a consensualidade, apesar de presente, apresenta-se

mitigada, tanto pela prévia imposição das regras do negócio pela entidade de previdência

complementar, quanto pela interferência do Poder Público que traça balizas a fim de disciplinar

as relações nascidas do contrato previdenciário.

A adesão a plano de previdência complementar, equivalente à filiação ao regime

geral de previdência pública, se dá por intermédio da vontade do participante, expressa no mundo

fenomênico pelo contrato.

É a partir da manifestação de vontade do participante que há integração aos

compromissos unilateralmente assumidos pela entidade de previdência complementar em seus

estatutos, constatando-se então a característica da bipolaridade, presente nos contratos que

versam obrigação sinalagmática, classificação em que se encaixa a obrigação derivada da relação

jurídica de previdência complementar.

9 GOMES, Orlando. Escritos menores.São Paulo : Saraiva, 1981. p. 210.

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Neste ponto, observa Sérgio de Andréa Ferreira, em comentários à revogada Lei

n. 6.435/77, os quais se mantém, todavia, atuais, considerando a essência do contrato de seguro

social privado:

“Os atos de instituição, os estatutos e os respectivos atos complementares de regulamentação são autovinculativos para a entidade fundacional. Essa nota vinculativa se reforça, no tocante às fundações de seguridade, porque estamos no campo do direito das obrigações. Há oferta, proposta de contrato, nos termos do direito privado: o art. 42 da Lei n. 6435/77 fala de “propostas de inscrição”. É espécie do gênero oferta ao público, a um grupo social, ao conjunto, no caso fechado, de empregados de uma empresa ou grupo empresarial. O requerimento, do interessado, de admissão, de inscrição traduz a aceitação, selando o contrato, subjetivando a situação jurídica como participante. Há sucessividade nas duas expressões de vontade, como, aliás, é comum, e a segunda bilateraliza o que, até então, era unilateral. Está-se na área dos contratos de adesão, que supõem oferta a um conjunto de pessoas, cada uma delas aceitando, em cada caso, o que foi oferta a todos, ou, mais exatamente, a cada um.”10

Quanto ao custeio, na previdência social a obrigatoriedade de verter contribuições

na parte relativa ao segurado é decorrência de uma relação tributária em que este figura como

sujeito passivo, ou em que sua posição passiva é assumida pelo empregador como substituto

tributário.

Apesar da existência de custeio no regime geral, na previdência social pátria a

relação jurídica entre o segurado ou seu dependente e o Instituto Nacional do Seguro Social, que

presta o benefício, não pode ser identificada como uma relação sinalagmática, tendo em vista ser

forte a característica mutualista, ao passo que na previdência privada há correspondência entre as

contribuições e o futuro benefício, fixada no regulamento geral dos planos, ainda que em alguns

deles se apresente certo mutualismo, o que, contudo, não retira a necessidade da prévia

elaboração de um pormenorizado estudo atuarial, sendo vedado o aporte de recursos públicos

para entidade de previdência privada, de modo que persiste a equivalência entre o custeio e o

benefício contratado.

O benefício previdenciário do regime geral é previsto em lei, servindo para

proporcionar ao segurado que perde ou tem diminuída sua capacidade laborativa, ou a seus

dependentes no caso de sua morte, um patamar mínimo de bem-estar, quase sempre não

coincidente com aquele usufruído quando da atividade, sendo tal circunstância admitida pela lei,

visto que há limite-teto para contribuição, a firmar, assim, uma prestação máxima.

10 FERREIRA, Sérgio de Andréa. Aspectos básicos do moderno direito das fundações de previdência suplementar. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.172, p. 20-36, abr./jun. 1988.

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Na previdência privada, o limite do benefício é aquele convencionado no

regulamento geral do plano, e é permitida a adesão a mais de um plano de benefício, de modo

que por intermédio do regime complementar é possível obter benefícios que somados

proporcionem valores equivalentes ou maiores do que aqueles recebidos quando da atividade.

No entanto, a par da diferenciação quanto ao engajamento ao sistema de proteção,

contratual na previdência privada e ope legis na previdência social, da qual decorrem as demais

distinções vistas, a intimidade de um e outro desses sistemas de proteção previdenciária revela-se

pela identidade entre suas relações jurídicas quanto ao objeto, homogeneizado em prestação

previdenciária.

Veja que se pode afirmar que a razão de ser da previdência social e da previdência

privada é uma só, na medida em que ambos os regimes voltam-se à garantia do bem-estar

proporcionado por benefícios previdenciários.

A propósito, a previdência privada opera na parte em que não há proteção da

previdência social, seja complementando-a, seja suprindo sua falta, mas sem diferir

substancialmente.

A respeito do assunto, Manuel Sebastião Soares Póvoas leciona:

“A impossibilidade de os sistemas compulsórios satisfazerem completamente as necessidades dos segurados, as previsões que se fazem sobre o desequilíbrio que, inexoravelmente, se abaterá sobre eles e ainda a doutrinação das correntes neo-liberalistas de que o homem não deve entregar à ação exclusiva do estado a administração do seu bem-estar futuro, mas criar esquemas voluntários e alimentá-los para que na eventualidade de estados de necessidade possa sobrepassá-los, têm levado a criar esquemas específicos privados previdenciários.11”

Hodiernamente, considerando o baixo nível de proteção conferido pelo regime

geral de previdência social brasileiro, vem-se observando o aprimoramento do regime

complementar como instrumento de proteção social, constatando-se uma alteração na maneira

como era considerada a previdência privada, antes concentrada na particularidade da relação

entre participante e entidade, agora focada numa análise mais ampla, sistemática, cuja conclusão

é a de que a soma do bem-estar individual não resulta noutra coisa senão no bem-estar social.

Esse panorama aconselha ponderação quanto ao entendimento que se possa extrair

das nomenclaturas previdência complementar ou previdência privada, já que essas adjetivações

podem ensejar a falsa idéia de somenos importância dessa vertente previdenciária, visto que em

11 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 49/50.

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termos de valores os benefícios concedidos pela previdência privada são quase sempre maiores

que aqueles do regime geral.

Nesse sentido, pontua Arthur Bragança de Vasconcelos Weintraub: “O caráter sumplementar da Previdência Privada possui um cunho legal, pois nem sempre em termos pecuniários ocorre essa acessoriedade. Freqüentemente, em valores absolutos de benefícios, a Previdência complementar Privada oferece benefícios maiores do que a Previdência Oficial, até porque nesta última há um teto para os benefícios.”12

Confirmando o traço de correlação entre a previdência complementar e a

previdência social, temos que ambos os regimes protetivos compõem, harmonicamente, um

conjunto maior, que visa sistematizar a seguridade social em suas três esferas de atuação:

previdência, assistência social e saúde.

Sendo meio instrumental ao estado de bem-estar tanto quanto a previdência social,

a previdência complementar constitui-se em tema de interesse público e, portanto, objeto de

regime jurídico em que é marcante a presença do Estado como agente regulador da vontade.

Sob outro aspecto, contudo, a natureza contratual da previdência privada justifica

regime diverso do regime jurídico da previdência social.

Nascendo da livre manifestação da vontade, a relação jurídica previdenciária

destaca-se do regime legal que disciplina a previdência social, regrando-se, por conseguinte,

segundo um regime próprio, em que o campo é o da obrigação contratual, conforme concebido

pelo ius civile, guardadas as reservas previstas na lei como limite à atuação da vontade das

partes.

Desse modo, se tivéssemos de expressar em gráfico o quanto dito sobre a

previdência social, a previdência privada e o contrato de seguro, teríamos dois conjuntos em

intersecção, correspondendo o primeiro ao seguro privado, o segundo à previdência social, e a

intersecção à previdência complementar, a qual, destacada, resulta então num terceiro conjunto

dotado de institutos próprios e de particular regime jurídico.

Essa particularidade de regras específicas ao seguro social privado explica, por sua

vez, a natureza jurídica da portabilidade, justificando sua existência no mundo jurídico como

instituto típico da relação de previdência complementar, como se verá.

12 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcelos. Previdência complementar privada. Revista do Advogado, São Paulo, v.24, n. 80, p. 13-17, nov. 2004.

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2 O CONTRATO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

O negócio que versa sobre seguro, assim como o pacto do seguro social privado,

expressa-se por meio do contrato, o qual corporifica a vontade das partes nas cláusulas que

definem os direitos e obrigações contraídos.

Da paridade, na essência, entre o seguro e o seguro social privado, resulta a

homogeneidade relativa à presença da vontade das partes manifestada no contrato de seguro e no

contrato de seguro previdenciário.

No contrato que versa sobre plano previdenciário com entidade aberta, em que há

oferta ao público em geral, as partes contratantes não se distinguem substancialmente da figura

do segurado e do segurador do contrato de seguro, conforme já tivemos oportunidade de

assinalar.

Já o contrato de previdência privada no segmento das entidades fechadas de

previdência complementar apresenta o diferencial de envolver, além da entidade e do

participante, o patrocinador ou instituidor do plano, o que traz certa complexidade ao exame da

natureza das relações jurídicas tecidas entre tais sujeitos.

No segmento das entidades fechadas de previdência complementar, a oferta dos

planos restringe-se a um público definido segundo a presença de um vínculo comum com um

determinado empregador, ou de um vínculo associativo. Além do participante e da entidade

fechada de previdência complementar, tomam parte no plano o instituidor - responsável pela

iniciativa de sua criação – ou o patrocinador – instituidor do plano que contribui à formação do

fundo necessário ao pagamento dos benefícios.

Contudo, sob a perspectiva da esfera de direitos do participante frente à entidade

de previdência privada, quer se trate de plano de entidade aberta quer de entidade fechada, a

relação previdenciária pouco difere daquela concebida no âmbito do seguro privado.

Traga-se o exame comparativo entre os referidos contratos, segundo os

ensinamentos do mestre Pontes de Miranda:

“1. PRECISÕES. – A natureza do contrato de seguro é uma só para todas as espécies. Seja privado seja público (social, estatal) o seguro, a finalidade é a mesma: dar a alguém a tutela contra o sinistro, o acontecimento futuro e incerto, que às vezes apenas tem de incerto o momento. A contraprestação, essa pode ser em natura ou em dinheiro. O sinistro, o evento, é distinto para cada espécie de seguro, razão por que não se chegou a uniformidade de

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legislação. Aliás, essa é apenas uma das razões, pois o apego a textos antigos tem obstado a mesmeidade de trato legislativo. [...] O que importa é saber-se que há identidade de natureza nos seguros privados e nos seguros sociais (JULIUS VON GIERKE, Versicherungsrecht, I, 4 s; P. DURAND, La Politique contemporaine de sécurité sociale, 61; ANTIGONO DONATI, Trattato del Diritto delle assicurazioni private, I, 35 s.). A publicização não atinge a natureza do seguro. De ordinário, não desbilateraliza nem desplurilateraliza o negócio jurídico, pôsto que se possa conceber o seguro por declaração unilateral de vontade do segurador.”13 (destaque do autor)

A relação jurídica de previdência privada, assim como a relação securitária, nasce

de um contrato do tipo contrato de adesão. Nesse tipo de contrato, as cláusulas contratuais são

elaboradas por uma das partes sem qualquer participação da outra, de modo que a fixação de

direitos e obrigações ocorre em momento que precede ao negócio.

É no pacto firmado entre a entidade de previdência privada e o participante que se

estabelece o vínculo jurídico que, resumidamente, atribui ao primeiro a obrigação quanto à

cobertura do risco e ao segundo o dever quanto ao custeio do plano.

A vontade expressa por aquele que adere ao contrato, apesar de ser condição sem a

qual, naturalmente, não se cogita da existência do negócio, não interfere na disposição quanto aos

direitos e obrigações previamente estipulados.

Sobre o contrato de adesão discorre Orlando Gomes:

“No contrato de adesão uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus termos. O consentimento manifesta-se como simples adesão a conteúdo preestabelecido da relação jurídica. [...] O conceito de contrato de adesão torna-se difícil em razão da controvérsia persistente acerca do seu traço distintivo. Há, pelo menos, seis modos de caracterizá-lo. Distinguir-se-ia, segundo alguns, por ser oferta a uma coletividade, segundo outros, por ser obra exclusiva de uma das partes, por ter regulamentação complexa, porque preponderante a posição de uma das partes, ou não admitir discussão a proposta, havendo quem o explique como o instrumento próprio da prestação dos serviços privados de utilidade pública. A discrepância na determinação do elemento característico do contrato de adesão revela que a preocupação da maioria dos escritores não consiste verdadeiramente em apontar um traço que permita reconhecê-lo. Predomina o interesse de descrevê-lo ou de explicá-lo, antes que o de ensinar o modo de identificá-lo, como ocorre, por exemplo, com os que procuram caracterizá-lo pela circunstância de ter regulamentação complexa. É certo que o contrato de adesão é praticável quando os interesses em jogo permitem, e até impõem, a pluralidade de situações uniformes, de modo que, sob esse aspecto, é, com efeito, oferta feita a uma coletividade. A necessidade de uniformizar as cláusulas do negócio jurídico elimina a possibilidade de qualquer discussão da proposta, criando para o oblato o dilema de aceitá-lo em bloco ou rejeitá-lo.

13 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1984, p. 284.

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Nada disso o distingue porquanto tais características são comuns a outras figuras jurídicas. O traço característico do contrato de adesão reside verdadeiramente na possibilidade de predeterminação do conteúdo da relação negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta ao público.”14 (destaques do autor)

Desse modo, o conteúdo da relação obrigacional sujeito à disciplina por um dos

contratantes, identificado no contrato previdenciário como sendo relativo ao regulamento geral

do plano ou regulamento básico, é traçado pela entidade previdenciária como um conjunto de

obrigações assumidas por ela e por aquele que optar pela contratação do plano. O regulamento

do plano contém, além do conjunto de direitos e obrigações das partes contratantes, as

características gerais do plano previdenciário.

No entanto, essa preponderância da entidade quanto à elaboração do contrato não

se mostra suficiente à qualificação do contrato previdenciário como pertencente à espécie

contrato de adesão.

Para a qualificação de um contrato como contrato de adesão não basta a

constatação de que as cláusulas foram adrede estabelecidas por um dos contratantes, uma vez que

se pode imaginar um sem-número de contratos em que há proeminência da vontade de um dos

contratantes quanto ao conteúdo da relação obrigacional, sem que se cogite tratar-se de contrato

dessa espécie.

O contrato de adesão, além de apresentar a peculiaridade de conter cláusulas

elaboradas por uma só das partes, versa sobre negócio de certa forma imprescindível ao outro

contratante, de modo que lhe resta como escolha ou o pacto ou a insatisfação de um interesse em

razão de não ter efetivado o negócio.

Conclui Orlando Gomes:

“Para haver contrato de adesão no exato sentido da expressão, não basta que a relação jurídica se forme sem prévia discussão, aderindo uma das partes à vontade da outra. Muitos contratos se estipulam desse modo sem que devam ter essa qualificação. A predominância eventual de uma vontade sobre a outra e até a determinação unilateral do conteúdo do contrato não constituem novidade. Sempre que uma parte se encontra em relação à outra numa posição de superioridade, ou, ao menos, mais favorável, é normal que queira impor sua vontade, estabelecendo as condições do contrato. A cada momento isso se verifica, sem que o fato desperte a atenção dos juristas, justo porque essa adesão se dá sem qualquer constrangimento se a parte pode dispensar o contrato. O que caracteriza o contrato de adesão propriamente dito é a circunstância de que aquele a quem é proposto não pode deixar de contratar,

14 GOMES, Orlando. Contratos. Atualização por Humberto Theodoro Jr. 24 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 109-117.

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porque tem necessidade de satisfazer a um interesse que, por outro modo, não pode ser atendido.”15

As características que indicam tratar-se de um contrato da espécie contrato de

adesão conferem com o contrato previdenciário sob diversos aspectos, especialmente quanto à

prévia estipulação das cláusulas contratuais por uma das partes, à sua base necessariamente

disciplinadora de uma gama de situações semelhantes, conforme se verá, e à sua

imprescindibilidade para aquele que deseja contratar um seguro pessoal, não restando dúvidas

quanto ao acerto em classificá-lo como um contrato de adesão.

Não obstante a origem comum das relações jurídicas que expressam o seguro

privado e o seguro social do regime de previdência complementar, constata-se matiz diferenciado

quanto ao objeto do contrato previdenciário, o qual dispõe sobre a cobertura de um risco social.

A respeito, veja os ensinamentos de Wagner Balera:

“Outro contrato, cuja melhor nomenclatura há de ser a de contrato de previdência privada, é aquele mediante o qual são implementados os planos previdenciários. O objeto desse contrato de direito privado consiste na manutenção do padrão de vida dos respectivos participantes, mediante benefício complementar de seguridade social. O teor da facultatividade inerente ao plano de previdência privada não afasta, de pronto, a identificação do benefício complementar com o benefício devido ao sujeito protegido pelo regime geral de previdência social. O contrato deve, pois, dispor expressamente a respeito.”16

Observando servir o contrato previdenciário à garantia contra a materialização de

riscos sociais, Manuel Sebastião Soares Póvoas assim o define:

“Contrato previdenciário é o ato jurídico bilateral pelo qual uma pessoa – o participante, querendo garantir-se e aos seus contra as conseqüências da materialização de certos riscos sociais, acorda com uma pessoa legalmente autorizada a efetuar, no domínio privado, a compensação desses riscos – a entidade, mediante o pagamento (único ou continuado) de uma importância – a contribuição, receber, por ele ou pelas pessoas que designou como beneficiário a respectiva compensação ou reparação, na forma de benefícios pecuniários ou de serviços previdenciário.”17

O contrato previdenciário, além de caracterizar-se como um contrato de adesão, é

ainda disciplinado pelo ordenamento jurídico de modo que sua validade depende do atendimento

a certas exigências legais, em decorrência do interesse público que permeia o negócio que versa

sobre seguro social. 15 GOMES, Orlando. Contratos. Atualização por Humberto Theodoro Jr. 24 ed. Rio de Janeiro : Forense, 2001, p. 119. 16 BALERA, Wagner. Aspectos jurídicos dos fundos multipatrocinados de previdência complementar. Revista de Previdência social, São Paulo, v. 27, n. 267, p. 133-145, fev 2003. 17 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 203.

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Nesse tipo de contrato, a consensualidade, apesar de presente, mostra-se mitigada,

tanto pela prévia imposição das regras do negócio pela entidade de previdência complementar,

quanto pela interferência do Poder Público que traça balizas a fim de disciplinar as relações

nascidas do contrato previdenciário.

Tal especificidade autoriza dizer que a relação jurídica de previdência privada é

uma relação de seguro qualificada pelo objeto assegurado.

A partir desse ponto de divergência entre o seguro privado e o seguro social

constata-se distinção que traz conseqüências ao contrato previdenciário, especialmente quanto à

liberdade de disposição dos contratantes, balizada pela participação cogente do Poder Público por

meio dos órgãos de fiscalização.

Vale dizer, trata-se de negócio que afeta não só interesse individual, considerando

que ostenta, na origem de sua formação, a expressão da vontade das partes já mitigada pelo

interesse público que suscita o tema seguro social.

Essa peculiaridade que distingue o contrato de previdência privada de qualquer

outro, inclusive dos demais contratos da espécie contrato de seguro – cobertura de um risco

social -, além de justificar a ingerência do Poder Público, possibilita a determinação do custeio de

modo equivalente ao ônus assumido em decorrência do pagamento do benefício futuro, ensejando

a regulamentação pela lei e pelos órgãos de fiscalização também no aspecto das bases técnicas

dos planos, especialmente no ponto relativo ao cálculo das contribuições.

Firmadas as premissas básicas de atendimento obrigatório, especialmente quanto à

viabilidade financeira do plano, exame a cargo de conferência pelo Poder Público, o espaço que

sobra é disponibilizado à vontade das partes.

Assim sendo, o limite primeiro à liberdade do participante e da entidade que

pretende operar no segmento da previdência privada, com conseqüência nas disposições previstas

no contrato previdenciário, toca ao equilíbrio financeiro de cada plano, cuja regulamentação e

fiscalização, como assinalado, é de atribuição dos órgãos governamentais, refletindo-se

diretamente na composição da contribuição exigida pela entidade de previdência privada,

atuarialmente justificada quando da apresentação das notas técnicas relativas ao plano. Nesses

termos é o comando do art. 3o, inciso III, da Lei Complementar n. 109/01.

O interesse público, contudo, não se esgota na conferência quanto à preservação

do equilíbrio financeiro dos planos.

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Despertando especial interesse o tema Seguridade Social, a investigação acerca

da função social do contrato de previdência privada encontra norte fornecido já em nível abstrato,

pelo legislador, servindo de instrumento ao estudo do instituto da portabilidade, o qual deve ter

experiência segundo o esperado, pelo ordenamento jurídico, do negócio pactuado entre a

entidade e o participante.

Esses mesmos vetores legais, balizadores da atividade regulamentar, encontram

supedâneo nos princípios constitucionais em tema de Seguridade Social, os quais merecem leitura

pautada conforme os valores informativos da Ordem Social, o que, naturalmente, dita e justifica

não só a limitação da vontade das partes envolvidas no contrato previdenciário, mas também o

trabalho do legislador infraconstitucional e dos órgãos de fiscalização.

Nesse campo, qualquer incongruência com os fundamentos de sustentáculo à

ingerência pública na esfera do particular pode indicar desde ilegalidade até o vício da

inconstitucionalidade.

Assim sendo, de forma bem singela, mas útil ao estudo nos limites impostos pelo

tema, podemos conceituar contrato de previdência privada como o negócio jurídico cujo objeto é

a cobertura de um risco social, sofrendo, por isso, a intervenção do Poder Público quanto às

disposições contratadas entre as partes.

2.1 A Função Social do Contrato Previdenciário

2.1.1 A função social como essência do contrato

O entendimento primeiro e mais singelo sobre a conceituação do Direito é o de

que se trata de um conjunto de regras de conduta que serve à organização da vida em sociedade.

Não se cogita de uma norma senão a partir da premissa de sua necessidade com

fim de contemporizar a vontade de mais de um indivíduo, solucionando o possível conflito por

meio da aplicação da regra. Portanto, é da essência do Direito sua finalidade social.

O contrato, por sua vez, é veículo que corporifica a vontade, sendo instrumental à

assunção de direitos e obrigações, tudo amparado pelo ordenamento jurídico, já que, satisfeitos os

requisitos legais, o negócio vale nos exatos limites e condições previstos no ordenamento

jurídico, o que faz com que o contrato ostente exigibilidade conferida pela lei.

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O acolhimento do negócio pelo ordenamento jurídico é constatado sempre que se

reconhece a conveniência social de que os particulares pautem-se segundo as regras estabelecidas

no contrato.

Essa conveniência social, em expressão dada pelo direito contratual, coincide com

a constatação da licitude do objeto do contrato. Caso contrário, considerado certo negócio

inconveniente sob o ponto de vista do interesse social, a avença não contará com o amparo

jurídico, não apresentando valor conforme as regras do Direito. Traga-se a exemplo o contrato

que versa dívida de jogo, comércio de órgãos humanos etc.

Dessa forma, servindo o Direito como código de regras à vida social, e sendo

concebido o contrato, pelo ordenamento jurídico, como válida forma de regrar as relações entre

os indivíduos, parece expressão sem qualquer conteúdo inovador ou original a afirmativa de que

o contrato tem uma função social, mesmo porque não haveria de se cogitar em contrário,

imaginando-se um contrato que não tivesse um fim, uma serventia no âmbito das relações sociais.

Essa função inerente a todo e qualquer negócio legalmente admitido não somente

explica o sentido do acolhimento do contrato pela ordem jurídica, mas também justifica sua

obrigatoriedade perante as partes, já que as disposições contratuais têm força de lei nos campos e

limites permitidos pela ordem jurídica justamente por se apresentarem convenientes ao interesse

social.

Discorrendo sobre a função social do contrato, observa Caio Mário da Silva

Pereira:

“Todo contrato parte do pressuposto fático de uma declaração volitiva, emitida em conformidade com a lei, ou obediente aos seus ditames. O direito positivo prescreve umas tantas normas que integram a disciplina dos contratos e limitam a ação livre de cada um, sem o que a vida de todo o grupo estará perturbada. São os princípios que barram a liberdade de ação individual e constituem o conteúdo das leis proibitivas e imperativas (v. sobre estas o n. 19, supra, vol. I). A lei ordena ou proíbe dados comportamentos sem deixar aos particulares a liberdade de derrogá-los por pactos privados, ao contrário das leis supletivas, que são ditadas para suprir o pronunciamento dos interessados. Quando um contrato é ajustado, não é possível fugir da observância daquelas normas, sob pena de sofrer penalidades impostas inafastavelmente. Os contratantes sujeitam, pois, sua vontade ao ditado dos princípios da ordem pública e dos bons costumes. [...] Dentro desses campos, cessa a liberdade de contratar. Cessa ou reduz-se. Se a ordem jurídica interdiz o procedimento contra certos princípios, que se vão articular na própria organização da sociedade ou na harmonia das condutas, a sua contravenção penetra as raias do ilícito, e o ato negocial resultante é ferido de ineficácia.

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O contrato, que reflete por um lado a autonomia da vontade, e por outro submete-se à ordem pública, há de ser conseguintemente a resultante deste paralelogramo de forças, em que atuam ambas estas freqüências. Como os conceitos de ordem pública e bons costumes variam, e os conteúdos das respectivas normas por via de conseqüência, certo será então enunciar que em todo tempo o contrato é momento de equilíbrio destas duas forças, reduzindo-se o campo da liberdade de contratar na medida em que o legislador entenda conveniente alargar a extensão das normas de ordem pública, e vice-versa. [...] No começo, porém, deste século compreendeu-se que, se a ordem jurídica prometia a igualdade política, não estava assegurando a igualdade econômica. O capitalismo desenvolto, com a industrialização crescente, e a criação das grandes empresas, conduziu à defasagem dos contratantes. Aparentemente iguais, estes se achavam via de regra desnivelados economicamente. E o negócio que realizam sofre a influência desta diferenciação. Conseqüentemente, o contrato, com as vestes de um ato emanado de vontades livres e iguais, contém muitas vezes uma desproporcionalidade de prestações ou de efeitos em tal grau que ofende aquele ideal de justiça que é a última ratio da própria ordem jurídica. Por outro lado, o ambiente objetivo, por ocasião da execução do contrato, às vezes difere fundamente do que envolveu sua celebração, em conseqüência de acontecimentos estranhos à vontade das partes, e totalmente imprevistos. [...] Em termos gerais, todo este movimento pode enquadra-se na epígrafe ampla do dirigismo contratual, ou intervenção do Estado na vida do contrato, o que conflita com as noções tradicionais da autonomia da vontade, e defende aquela das partes que se revela contratualmente inferior contra os abusos do poderoso, que uma farisaica compreensão da norma jurídica antes cobria de toda proteção.”18 (destaques do autor)

Portanto, os negócios admitidos pelo ordenamento jurídico como validamente

possíveis de serem realizados sempre tiveram no contrato um instrumento dotado de função

social, e sua interpretação havia mesmo de ser tirada segundo a finalidade que ensejou o

acolhimento do negócio pelo ordenamento jurídico.

Muito antes do advento do novel Código Civil, que alude expressamente à função

social do contrato, Manuel Sebastião Soares Póvoas já parecia identificá-la, inclusive quanto ao

contrato de seguro previdenciário, apesar de aludir à feição social : “O contrato previdenciário empresarial, tal como foi definido pelo CNPS é um contrato sui-generis, no sentido de que tem características próprias, derivadas de seu coletivismo, de suas exigências processuais e técnicas, da sua feição social, etc, não seguindo qualquer modelo de contrato já definido na lei, a não ser, bem entendido, o contrato de seguros de vida, com o qual se identifica.”19

Sendo assim, insta assinalar que a função social do contrato, antes de se tratar de

uma inovação de vanguarda ao direito obrigacional, é elemento inerente e indissociável ao

contrato, o qual desde sempre apresentou função social, e sua interpretação, evidentemente, deve

18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10 ed. v. 3. Rio de Janeiro : Forense, 1998, p.10-13. 19 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: planos empresariais. v. II. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1991, p. 302.

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ter em mira o quanto esperado pelo ordenamento jurídico ao acolher o negócio como validamente

pactuado.

Na esteira da abordagem do tema em questão, a proclamação feita pelo Código

Civil, sendo meramente declarativa, não autoriza entendimento restrito no sentido de que tão-

somente a partir da vigência do novo código a interpretação do contrato observará sua função

social, mas sim de que todo o contrato, qualquer que fosse a data da celebração, tem função

social, a qual deve nortear sua interpretação.

Nesses termos, a virtude da disposição legal é a de lembrar uma regra de

interpretação que sempre esteve latente, indicando ao intérprete a busca da essência do contrato

segundo o desejado pelo ordenamento jurídico ao acolher a realização do negócio como sendo de

interesse social.

No que tange ao contrato previdenciário, é negócio não só concebido pelo

ordenamento jurídico como avença válida de ser pactuada, como também sofre grande ingerência

do Poder Público na esfera da livre disposição das partes tendo em vista referir-se seu objeto à

cobertura do risco social, tema diretamente afeto ao interesse público, sendo, por isso,

cuidadosamente agasalhado pela ordem jurídica.

Assim sendo, a aferição primeira da função social do contrato previdenciário deve

ter em mira a objetivação pretendida pelo ordenamento jurídico ao acolher a previdência privada

como um dos pilares da seguridade social, o que pressupõe o conhecimento dos valores e dos

princípios que regem esse assunto.

2.1.2 Os valores informativos à seguridade social

O fundamento à afirmação de que o seguro social é seara em que se faz presente o

interesse coletivo é facilmente extraído da forma como tratada a matéria em nível constitucional,

haja vista que houve destinação de todo um capítulo da Constituição Federal ao tema seguridade

social, o que explica a interferência do Poder Público como limitador da vontade do particular,

neste campo.

Além disso, o capítulo I do Título Da Ordem Social inauguralmente proclama, a

título de disposição geral, que o bem-estar e a justiça sociais são objetivos da ordem social (art.

193 da Constituição Federal), esta tendo como base o primado do trabalho, de modo que

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parecem desnecessárias maiores argumentações para comprovar o que pode ser extraído, sem

dificuldades, de simples interpretação sistemática: que o primado do trabalho, o bem-estar e a

justiça sociais são vetores às demais proposições constitucionais alocadas nas seções seguintes

do mesmo título.

Portanto, o primado do trabalho, o bem-estar e a justiça sociais são valores

acolhidos pelo ordenamento jurídico no tema seguridade social, valores estes informadores dos

princípios extraídos das disposições constitucionais específicas à previdência privada, os quais,

por sua vez, devem balizar o trabalho legislativo ordinário, de modo que o cumprimento da lei,

regulamentada no ponto em que assim for necessário, deve materializar os valores homenageados

pela Lei Fundamental.

Com a profundidade e a importância que merece o estudo dos valores eleitos a

informar o tema seguridade social, a lição do Professor Wagner Balera:

“O direito constitucional positivo resume e compendia os valores considerados importantes, defensáveis e indispensáveis para a vida e o desenvolvimento da sociedade. Em nosso direito, é catalogado como fundamento da República o valor social do trabalho (art. 1o., IV, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988). Ora, encarar o trabalho humano como valor social já significa, de per si, opção dentro de determinada escala de valores que subjazem a todo o ordenamento constitucional. Eis a ratio do sistema de proteção do trabalhador que a Lei Suprema erige em dois subsistemas: o do trabalho e o da seguridade social. [...] Ao qualificar o valor social do trabalho como fundamento do Estado brasiLeiro, a ordem jurídica dota tal valor de importância primacial e trata de colocá-lo junto a outro grande valor – a dignidade da pessoa humana – de que cuida o inciso III do art. 1o., da Constituição.”20

A classificação das proposições lançadas pela Constituição Federal como valores

do sistema implica categorizá-los como precedentes ao direito positivo, cuja concepção

pressupõe como ratio essendi a de potencializar a valoração pretendida e traçada como um

projeto a ser executado em nível normativo, motivo pelo qual a transgressão de um valor resulta

conseqüência ainda mais grave que a inobservância de uma regra constitucional: a regra

positivada que fere um valor eleito como informativo ao sistema jurídico não é regra de direito,

senão na aparência.

20 BALERA, Wagner. Incidências do INSS: contribuições sociais. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 85, p. 348-371, 2002.

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A negação da natureza de regra de direito, à proposição normativa que infringe

valores adotados pelo sistema jurídico, é amparada pela teoria Tridimensional do Direito, fruto da

mente brilhante de Miguel Reale.

Com fulcro nessa teoria, qualquer discrepância entre a norma e os valores mais

caros à sociedade resulta regra que não pode ser reconhecida como norma jurídica.

Buscando a realização de um determinado valor, o Direito tende a ser

instrumental. Porém, um valor pode induzir uma multiplicidade de resultados possíveis e,

conseqüentemente, uma gama de condutas tendentes a alcançá-lo, abrindo-se espaço para um

momento de escolha, o que, para a formação da norma, importa na atuação do poder, dotando ao

ferramental do valor o imperativo da obrigatoriedade. A regra engendrada, então, pode ser

definida como norma jurídica.

Com isso queremos afirmar que o Direito revela-se por intermédio da regra, mas

nela não se contém em sua essência, na medida em que realiza um valor que foi objeto de uma

precedente opção, pelo poder, e tudo assim resultando da necessidade criada pelo fato social. Sua

roupagem como regra positivada é aquela que se torna sensível ao mundo empírico. Porém, a

aparência fenomênica não importa em coincidência com a essência.

Direcionado o processo de formação da regra positivada para atender à

necessidade social segundo um determinado valor, a eventual opção do poder regulamentar por

uma proposição conflitante com os ditames valorativos transfigura a função do Direito, e o

produto daí resultante não poderá ser denominado norma. Disso decorre a permanente dialética

entre fato, valor e norma, impondo seguidas conferências ao longo da vida jurídica da regra.

A respeito do tema, o mestre Miguel Reale:

“A nosso ver, duas são as condições primordiais para que a correlação entre fato, valor e norma se opere de maneira unitária e concreta: uma se refere ao conceito de valor, reconhecendo-se que ele desempenha o tríplice papel de elemento constitutivo, gnoseológico e deontológico da experiência ética; a outra é relativa à implicação que existe entre o valor e a história, isto é, entre as exigências ideais e a sua projeção na circunstancialidade histórico-social como valor, dever ser e fim. Do exame dessas duas condições é que resulta a natureza dialética da unidade do Direito, como passamos a expor.”21

Ressaltada a função dos valores notáveis ao sistema jurídico, e assim dos valores

informativos à seguridade social, passamos à análise do resultado aferido em termos de

21 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. 2a. tiragem. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 543.

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normatização, iniciando pelo estudo dos princípios constitucionais, avançando então na

conferência feita em nível legal e regulamentar.

2.1.3 Os princípios constitucionais endereçados ao legislador ordinário em matéria de

previdência complementar

A previdência privada é disciplinada pelo art. 202 da Constituição Federal, inserto

na seção III, que trata da previdência social, tópico que integra o capítulo I do Título Da Ordem

Social e que, por isso, sujeita-se à força diretiva dos valores eleitos à ordem social, já referidos,

com a anotação de que a proeminência da primazia do trabalho humano parece ser instrumental à

efetivação do bem-estar e da justiça sociais. Nesses termos é que se deve fazer a leitura dos

princípios constitucionais, extraídos do art. 202.

Veja a respeito a lição de Wagner Balera:

“A seguridade social é sistema calcado em básico pressuposto: o art. 193, preceito inaugural da Ordem Social e a chave hermenêutica de todo o Título em que se insere. O ponto de partido do art. 193 é a primazia do trabalho humano – pedra angular do sistema e fundamento da República (art. 1o., IV) – e o escopo da Ordem Social que o mesmo preceito enuncia consiste no atingimento dos ideais de bem-estar e de justiça sociais, objetivos estampados, também, no art. 3o da Lei Suprema.”22

O art. 202 da Constituição Federal dispõe sobre a previdência privada como um

regime dotado de caráter complementar organizado de forma autônoma em relação ao regime

geral, facultativo e baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado.

Da análise do caput do referido art. 202, o que primeiro se põe em relevo é o

contorno da previdência privada como regime facultativo, o que explica a conseqüência lógica de

sua complementaridade e organização autônoma com relação ao regime geral da previdência

social.

A facultatividade da previdência privada tem referência com a democratização do

seguro social, na medida em que franqueia a cobertura independentemente da situação

profissional daquele que a pretende.

22 BALERA, Wagner. Aspectos gerais da reforma previdenciária. Revista de Direito Social, Sapucaia do Sul, v. 3, n. 10.,p. 11-28, abr./jun. 2003.

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Em se tratando de um regime complementar ao regime público, a previdência

privada não substitui a previdência oficial; é proteção paralela, adicional àquela prestada pelo

regime geral da previdência social, como assinalado.

Situando-se em campo estrangeiro à atuação da previdência oficial, a previdência

complementar havia mesmo de ser dotada de autonomia. Disso decorre sua independência

administrativa, de organização e de gestão em relação à previdência social.

A menção à constituição de reservas que garantam o benefício contratado,

conforme o art. 202 da Constituição Federal, indica não ter passado despercebida do legislador

constitucional a função do equilíbrio financeiro e atuarial como sendo da essência dos planos,

vedado o aporte de recursos públicos à entidade de previdência privada, salvo se operado pelos

entes públicos na condição de patrocinador, em paralelo ao que se faculta ao empregador.

Essa regra compatibiliza-se com a característica da facultatividade na adesão, já

que no âmbito da previdência privada o indivíduo tem na esfera de sua livre disposição o

planejamento de seu futuro, sendo, por isso, o principal responsável pelo custeio do benefício.

Sendo assim, os planos de previdência privada devem ter base financeira formada

por contribuições dos participantes e do patrocinador, não se distinguindo o ente público do

empregador privado para fins de previdência complementar, de modo que a garantia do

pagamento dos benefícios deve formar-se a partir do sacrifício pessoal daqueles que se

propuseram a aderir ao plano e patrociná-lo. É o que se resume dos parágrafos terceiro a quinto,

art. 202 da Constituição Federal.

Sob outro prisma, a exigência de constituição de reservas que garantam o

benefício contratado é norma disciplinadora do setor de previdência privada, impedindo atuações

aventureiras que ponham em risco a segurança dos participantes quanto ao adimplemento das

obrigações assumidas pelas entidades.

Observação nesse sentido é colhida da exposição sobre o assunto feita por

Jerônimo Jesus dos Santos, em comentários à Lei Complementar n.109/01, com referência ao art.

202 da Constituição Federal:

“Por outro lado, o regime de previdência complementar é baseado na constituição de reservas que tem que garantir o benefício pactuado, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal. Ora, tanto o legislador constitucional quanto o desta Lei Complementar tiveram o cuidado de resguardar os direitos dos optantes do regime de previdência privada complementar quando impõem que a entidade constitua reservas

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conhecidas como reservas técnicas. Estas são reservas econômico-financeiras que objetivam garantir o pagamento dos benefícios contratados. Aliás, as chamadas Reservas Técnicas são, na verdade, Provisões Técnicas, pois trata-se aqui de obrigações potenciais das Entidades com os seus participantes. As entidades recolhendo uma pequena contribuição de cada participante, correspondente à probabilidade de ocorrência e os efeitos do evento danoso e outros elementos estatísticos, garantem o pagamento dos benefícios aos participantes. Contudo, para que essa garantia seja eficaz, as entidades estão obrigadas a constituir Provisões Técnicas. ”23

No § 1o do art. 202 da Constituição Federal há mandamento atinente ao pleno

acesso às informações relativas à gestão dos respectivos planos, implementada, em certa parte,

por intermédio dos comandos contidos no § 6o, relativo à composição das diretorias das entidades

fechadas de previdência privada, e da inserção dos participantes nos colegiados.

Confirmando os valores informadores à seguridade social, relativos ao primado do

trabalho, bem-estar e justiça sociais, o §2o do art. 202 da Constituição Federal aparta a relação

previdenciária das relações trabalhistas, com o aviso expresso de que as contribuições do

empregador, os benefícios e as condições contratuais relativas a planos de benefícios das

entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho.

Os princípios em matéria de previdência complementar, cujos vetores

interpretativos à lei e seu regulamento têm como inspiração os valores constitucionais indicam,

pois, que o legislador ordinário deve dotar a previdência privada das seguintes características:

- regime complementar ao regime geral da previdência social;

- de adesão voluntária;

- baseado na constituição de reservas que garantam o pagamento do benefício,

cuja formação se fará a partir das contribuições do participante e do

patrocinador, estas não integrativas do contrato de trabalho;

- independência entre as relações trabalhistas e a relação previdenciária;

- gestão baseada no pleno acesso de informações ao participante, inclusive quanto

à designação dos membros das diretorias das entidades fechadas.

Este o modelo ditado em nível constitucional como parâmetro à atuação do

legislador ordinário.

23 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p.75-76.

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2.1.4 A interpretação do contrato previdenciário segundo sua função social e sua

conseqüência lógica ao advento do instituto da portabilidade

Feitas as considerações quanto aos princípios que devem nortear a atividade do

legislador em matéria de previdência complementar, a aferição acerca do atendimento ao

ordenamento jurídico não se esvazia com a constatação de que foram observados os ditames

constitucionais em nível de normatização hipotética, como a que se desenvolve no campo

legislativo.

Cediço que, posta a norma, corporificada na lei, resta espaço à regulamentação,

nos pontos em que assim se fizer necessário, bem como à interpretação do conjunto normativo,

em solução aos possíveis conflitos verificados em nível ainda maior de concreção, a partir do

contrato previdenciário em exame.

Dito que, por princípio, o regime previdenciário complementar é de adesão

voluntária, o pacto previdenciário deve ser inspirado por uma vontade livre de qualquer vício, o

que pressupõe o cabal conhecimento do negócio, encadeando-se o princípio do pleno

conhecimento, pelo participante, quanto à gestão do plano e à administração da entidade.

Sendo assim, os contratos previdenciários devem ser claros em suas regras,

possibilitando o conhecimento do participante de modo a garantir adesão inspirada por vontade

livre de qualquer vício. Caso contrário, o contrato previdenciário não cumpre sua função social,

merecendo interpretação integrativa, ou anulação, segundo os preceitos da lei civil na parte em

que trata dos vícios contratuais.

A liberdade do indivíduo em matéria de previdência privada, abarcando a livre

adesão e a plenitude de informações, de nada valeria se o ordenamento jurídico não

disponibilizasse mecanismos que possibilitassem ao participante a alteração do destino da relação

previdenciária, nas hipóteses de insatisfação com a administração do fundo ou de impossibilidade

de manutenção das obrigações assumidas por ocasião da contratação do plano.

Com efeito, não haveria sentido no conjunto das previsões constitucionais,

claramente atinentes à salvaguarda dos interesses dos participantes e ao fortalecimento da

previdência privada, se nada restasse senão a desvinculação ao regime complementar nas

hipóteses referidas, significando que, muito longe de assumir o participante uma situação de

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impotência perante a entidade, mantém-se ele senhor de sua vontade ao longo do cumprimento do

contrato previdenciário.

Portanto, a análise do conjunto dos princípios constitucionais que norteiam a

previdência privada indica não só o respeito à liberdade em matéria de previdência

complementar, mas também comandos no sentido de incentivar o indivíduo a manter-se engajado

ao regime complementar, o que pressupõe a liberdade de optar por este ou aquele plano, de

mudar de entidade, de não ver prejudicado seu direito previdenciário se alterada sua situação

profissional etc.

Enfim, admite-se a máxima flexibilização do planejamento previdenciário ao

longo do tempo, visando manter a proteção conferida pelo regime complementar, com o que a

previdência privada deixa de interessar estritamente ao indivíduo, ou a este e seu empregador,

alçando matéria de interesse público segundo os valores adotados pelo Estado como notáveis no

âmbito da Ordem Social.

Entendimento no sentido de eliminar ou mesmo limitar o direito do participante de

manifestar sua opção, em diversas oportunidades durante a execução do contrato previdenciário,

é idéia reducionista que despreza a característica do contrato previdenciário como pacto que vai

além do estrito interesse particular dos sujeitos nele envolvidos, resultando, já de pronto, em

inobservância da sistematização feita pela Constituição Federal quanto à indicação da previdência

complementar, ao lado da previdência social, como um dos pilares da seguridade social.

A partir do advento do art. 202 da Constituição Federal, o amadurecimento da

idéia previdenciária como ferramenta do estado de bem-estar reclamava soluções normativas que

tornasse sensível a concreção dos princípios constitucionais ditados em matéria de previdência

privada, especialmente quanto ao interesse público despertado pela adesão do indivíduo ao

regime complementar.

Em resposta à liberdade de participação em plano de previdência privada, com a

amplitude já sublinhada, inclusive quanto ao incentivo à manutenção do indivíduo nesse regime,

carecia de ser introduzido um mecanismo que propiciasse a alteração da relação previdenciária

sem prejuízo ao vínculo do participante com o regime complementar.

Sob essa mesma perspectiva, no âmbito das entidades fechadas, o paralelo

indissociável às implicações decorrentes da liberdade de adesão e do interesse público latente no

tema previdência complementar reclamava a introdução de um mecanismo que fizesse valer a

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independência entre a relação previdenciária e a relação trabalhista, já que de outra forma seria

inimaginável o exercício pleno da vontade, tendo em vista as pressões que poderiam sofrer os

trabalhadores, próprias de sua condição, frente ao empregador, instituidor ou patrocinador do

plano.

Portanto, mais que os princípios constitucionais, explícitos e implícitos, o contrato

previdenciário deve ter execução norteada segundo os valores do primado do trabalho, do bem-

estar e justiça sociais, cabendo à lei e ao regulamento extrair em regras o suficiente para pautar a

vontade das partes nesse sentido, por uma razão conseqüencial lógica: em se tratando de negócio

que vem a lume sob o pálio do regime jurídico do direito previdenciário, e sendo este ramo do

direito interpretado a partir do primado do trabalho24, outro não seria o vetor mais adequado para

nortear as cláusulas contratuais, segundo o que objetivou a ordem jurídica ao emprestar validade

ao contrato previdenciário.

Aprimorado o sistema previdenciário, no estágio em que se encontra, a

conseqüência lógica foi o espaço à normatização da portabilidade, instituto que possibilita a

alteração da relação previdenciária sem dissolução do planejamento previdenciário, o que confere

com a vocação da previdência privada como instrumento à promoção do bem-estar social.

Insta observar que no segmento das entidades abertas, à época da vigência da Lei

n. 6.435/77, havia mecanismo parecido com o da portabilidade, regulamentado conforme o

Decreto n. 81.402/78, sendo possível ao participante certa alteração quanto à entidade que

administrava o plano, ainda que não regulamentada a matéria de forma explícita, como o fez a

Lei Complementar n. 109/01.

No regime geral da previdência social, algo parecido já se colhia desde 1976,

possibilitando a compensação entre regimes, por meio da regra de “contagem recíproca de tempo

de contribuição”, atualmente disciplinada pela Lei n. 9.796/99.

Com a independência entre a relação previdenciária e a relação trabalhista,

proclamada expressamente pelo art. 202, § 2o , da Constituição Federal, a observância quanto à

liberdade do participante, inclusive em plano gerido por entidade fechada, erige-se em questão

de atendimento à ordem constitucional, aqui se identificando importante inovação.

24 BALERA, Wagner. A interpretação do direito previdenciário. Revista de Previdência Social, São Paulo, v.24, n. 236, p. 669-682, jul. 2000.

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Como resultado, a função social do contrato previdenciário deve ser conferida

segundo sua capacidade para regulamentar a relação jurídica entre entidade e participante a partir

de uma base em que o tom seja o da liberdade na contratação, o que pressupõe o pleno acesso às

informações e à gestão do plano, a disposição em manter-se ou não como participante perante a

entidade, e a independência entre a relação previdenciária e a relação trabalhista, panorama que

reclama instituto como o da portabilidade.

Dessa forma, o contrato previdenciário deve transparecer – e, se assim não for,

sua interpretação deve buscar – não só a livre disposição das partes, a partir do pleno

conhecimento do negócio, mas também os mecanismos mantenedores da liberdade do

participante, indicando os meios suficientes para que, caso queira, libere-se da entidade e/ou do

plano sem qualquer prejuízo previdenciário, inclusive no que concerne às contribuições vertidas

pelo empregador, expressamente declaradas pelo § 2o do art. 202 da Constituição Federal como

não integrantes do contrato de trabalho.

Neste cenário, a portabilidade é veículo à garantia constitucional da liberdade do

participante.

Portanto, a interpretação conforme a função social do contrato não pode ser outra

que não a de valorização da relação previdenciária como instrumento da promoção do bem-estar,

de modo que tudo deve ser tirado no sentido de tornar mais atrativo ao participante sua

manutenção no regime complementar do que seu desligamento. Qualquer obstáculo ou

desvantagem a que o participante transfira os valores acumulados para outra entidade, por meio

da portabilidade, deve ser tido como distoante da função social do contrato previdenciário, uma

vez que o negócio pactuado vale em nosso ordenamento se e conforme com os princípios

constitucionais, estes, por sua vez, postos segundo os valores da Ordem Social.

Outra conseqüência, naturalmente implícita, é a de que, a despeito de não

encontrar assento constitucional em texto expresso, o instituto da portabilidade, ao atender aos

ditames constitucionais, não pode ser desprezado pelo legislador infraconstitucional, de modo

que sua eventual retirada do cenário jurídico resvalaria em inconstitucionalidade, considerando a

forma como contemporaneamente fixada a matéria pela Constituição Federal.

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3 AS BASES TÉCNICAS DOS PLANOS PREVIDENCIÁRIOS

O contrato previdenciário tem seus fundamentos regrados segundo o gênero a que

pertence: o contrato de seguro.

Nesse gênero de contrato, o que indica a segurança do negócio é o fato de

encontrar base num universo maior de contratos idênticos ou muito semelhantes, os quais

compõem uma carteira de contratos em que o conjunto do pagamento dos prêmios assegura o

cumprimento da obrigação do segurador, com relação àqueles em que se verificar o sinistro.

A respeito do tema, as ponderações de Manuel Sebastião Soares Póvoas:

“Quem faz um contrato de seguro, sabe que existem muitos outros contratos idênticos, feitos com o mesmo segurador, e é essa constatação que lhe dá a certeza de ver respeitados os seus direitos de segurado, pois sem a coexistência de um grande número de pessoas com os mesmos interesses, protegidos por idênticos contratos, o contrato que celebrou não teria qualquer utilidade ou, melhor, teria a utilidade que oferece um contrato de jogo.”25

Em se tratando de espécie do gênero contrato de seguro, o contrato previdenciário

também tem a garantia de seu cumprimento baseada no conjunto formado pela carteira de

contratos semelhantes, apresentando, porém, a especificidade própria quanto ao risco em relação

ao qual promete cobertura, o que traz conseqüências às bases financeiras adotadas quando da

formação do plano, tornando-o ainda mais peculiar se comparado, sob esse aspecto, à base

técnica que inspira a formação da carteira de contratos de seguro.

3.1 A Influência da Cobertura do Risco Social no Dimensionamento das Contribuições

O regime de previdência privada, na forma como disciplinado em nível

constitucional no art. 202, tem como base a constituição de reservas que garantam o benefício

contratado, o que põe em relevo a importância do tema atinente ao custeio do plano, já deixando

antever que nesse campo o poder de disposição dos contratantes é limitado pelo Poder Público.

Ao disciplinar que a constituição de reservas deverá garantir o benefício

contratado, o mandamento constitucional pressupõe a validade da instituição do plano

previdenciário desde que sua base técnica comprove a suficiência das contribuições ao

pagamento dos benefícios. Esse requisito é mais um limitador à vontade dos sujeitos da relação

25 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 201.

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de previdência complementar, já que traz implícita a idéia de que, a despeito do desejo do

participante de assumir riscos, a validade da instituição de qualquer plano sujeitar-se-á à

constatação de base técnica fundada na constituição de reservas garantidoras do cumprimento das

obrigações assumidas pela entidade.

Manuel Sebastião Soares Póvoas assim define contribuição:

“A prestação paga pelo participante à entidade chama-se contribuição, e corresponde ao custo do serviço previdenciário que a entidade vai prestar ao participante. Esta contribuição é constituída de duas partes: uma correspondente ao risco, a que chamamos, por paralelismo à terminologia do seguro, contribuição pura; outra, correspondente ao carregamento. Para chegar a esta composição, foi percorrido um longo caminho, cujo conhecimento é de grande importância, para a compreensão do atual sistema de contribuição da previdência privada no que respeita, sobretudo, às despesas de comercialização do produto e a uma realidade espúria de que incidentalmente já falamos, chamada taxa de inscrição.”26

A equivalência entre contribuições e benefícios contratados é possível tendo em

vista que no contrato previdenciário há uma projeção das despesas em certa equivalência ao

pagamento dos benefícios, graças a tábuas de mortalidade consideradas nos cálculos que

subsidiam o plano.

Essa especificidade do contrato previdenciário em relação ao contrato de seguro

tem a ver com o risco coberto na avença, visto que no âmbito da relação previdenciária a

cobertura refere-se a um risco social a que se expõe o participante e sua família no caso do

afastamento da atividade, quer por morte, por incapacidade, ou em razão da sobrevivência a certa

idade.

A cobertura de um risco social, no contrato previdenciário, minora a aleatoriedade,

típica e mais intensa no contrato de seguro, já que o risco no contrato previdenciário toca a

acontecimento certo, em data incerta, como no caso da morte, ou tem data determinada, sendo

indeterminada a ocorrência, na hipótese em que o risco é a sobrevivência.

Sendo assim, para o cálculo das contribuições, é possível valer-se de tábuas

biométricas segundo técnicas atuariais que indicam a organização do plano de modo a conferir

maior certeza quanto à capacidade da entidade em honrar seus compromissos, o que também

permite o cálculo das contribuições em equivalência muito próxima ao suficiente para permitir o

pagamento do benefício.

26 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 262.

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A esse respeito, discorre Manuel Sebastião Soares Póvoas:

“O contrato previdenciário respeita a um conjunto básico de condições técnicas definidas ou impostas por órgãos normativos e executivos específicos, que objetivam, considerando a enorme quantidade de contratos previdenciários idênticos, a expressão científica das contribuições a pagar e dos benefícios a receber quando se verificarem os eventos geradores. Na verdade, a mutualidade aberta baseia a sua operacionalidade na lei dos grandes números, e serve-se do cálculo atuarial, o que exige a indicação de tábuas biométricas a serem seguidas, a taxa financeira e o regime financeiro dos planos em que os planos previdenciários têm que ser estruturados.”27

O cálculo das contribuições de forma bem aproximada à suficiência do pagamento

dos benefícios futuros oferece valioso instrumento à compreensão do instituto da portabilidade,

bem assim ao dimensionamento dos valores a serem portados, uma vez que nada além das

despesas administrativas deve permanecer na entidade cedente, sob pena de restar no plano

originário um valor sem função atuarial, o que desequilibraria o plano tanto quanto se

transportados valores além do devido, considerando que o ideal é a verificação de uma conta de

acerto ao final do plano.

Adianta-se a necessidade de bem equacionar o embate valores portados X

equilíbrio do plano como garantia ao próprio sistema, tendo em vista que o desequilíbrio

decorrente da saída de participantes e de seus capitais, antes de fomentar a permanência de longo

prazo na previdência privada, objetivo almejado pelo instituto da portabilidade, induziria

incerteza quanto à capacidade financeira da entidade.

Por outro lado, a portabilidade de valores há de se fazer vantajosa ao participante,

de modo a incentivar sua permanência no regime complementar.

O exame do custeio no regime complementar, feito a seguir, tem o escopo de

servir à compreensão dos limites possíveis em termos de retirada de capitais de um plano a outro,

fornecendo subsídios para equacionar a necessidade do equilíbrio financeiro e o prestígio ao

desejo do participante de contar com o seguro previdenciário perante outra entidade, o que

possibilitará uma análise crítica quanto ao acerto das disposições legais e regulamentares no que

concerne à fixação dos valores a serem portados, segundo o princípio básico que garante, a um só

tempo, o cumprimento das obrigações assumidas pela entidade e o direito de liberdade do

participante. Este o desafio que, se bem solucionado, propiciará ambiente favorável ao

fortalecimento dos setores da economia habilitados a operarem planos de previdência privada.

27 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 237.

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3.2 A Composição das Contribuições

3.2.1 Breve histórico

No prenúncio do seguro social, em que a discussão gravitava em torno do seguro

de vida e de sua aceitabilidade social, tendo em vista ser imensurável o valor da existência

humana, firmou-se o entendimento de que a atividade empresarial que se fizesse nesse campo era

possível, desde que suportasse regulamentação pelo Estado.

Em 1774 foi promulgada, na Inglaterra, a lei sobre o seguro de vida (The Life

Assurance Act ou Gambling Act), dispondo sobre o atendimento a determinados requisitos na

contratação do seguro, especialmente prova do interesse em contratar sobre a vida de outrem que

lhe fosse caro e certa equivalência entre esse interesse e o valor contratado.

Já nessa época rejeitava-se a formação de fundos previdenciários que revertessem

em grandes somas de capitais sem função senão a de servir ao pagamento dos benefícios,

comumente relativos a pecúlios.

Tanto assim que mesmo com a atuação de sociedades por ações, no setor de

seguro de vida, então no século XIX, o lucro, se é que se poderia assim denominar eventual

superávit de capitais dos fundos, era compartilhado entre os próprios segurados e os quotistas,

denunciando que não se tratava de mera operação mercadológica, em que a liberdade da

sociedade e sua titularidade sobre o capital auferido com a atividade empresarial indicassem

acréscimo patrimonial de livre disposição.

A divisão do “lucro” entre os quotistas e os segurados intuía sobre certo vínculo

entre o participante e os valores amealhados pelo fundo, ainda que ingressos em cumprimento da

obrigação contratual assumida por aquele que contratou o seguro.

Nas mútuas, esse fenômeno era ainda mais nítido, pois eventual sobra sem

destinação ao pagamento de benefícios era dividida entre os segurados, iniciando como

abatimento no preço e, após, como aumento nos valores do capital segurado.

Essa sistemática de divisão dos resultados refletiu-se no cálculo em que se baseava

o valor da contribuição, sendo este cada vez mais próximo do suficiente ao pagamento do

benefício, visto que nessa época foi notável o avanço dos estudos de atuária, cada vez melhor

servidos por tábuas de mortalidade mais próximas da realidade.

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O valor estritamente equivalente à obrigação assumida pela entidade denominou-

se “prêmio puro”, sendo o primeiro componente da contribuição.

Na composição da contribuição, ao prêmio puro soma-se o valor necessário às

despesas de administração e de comercialização dos planos, nomeado “taxa de carregamento”.

A decantação contábil da contribuição, a seguir, é feita sem exploração da

profundidade possível ao tema, mais afeito ao domínio do atuário, sendo aqui operada no limite

suficiente a fornecer subsídios à compreensão do instituto da portabilidade.

Importa ao tema em estudo a reflexão de que o pagamento das contribuições deve

servir aos custos com a comercialização do plano, bem como ao pagamento dos benefícios, de

modo que todo o valor vertido apresentará uma destinação conforme aquela prevista nos cálculos

atuariais, os quais, em termos técnicos, possibilitam a análise da contribuição dessa forma

seccionada.

3.2.2 A contribuição pura e a taxa de carregamento

Com a experiência dos contratos de seguro de vida verificou-se um

aprimoramento desse setor por intermédio da crescente certeza quanto ao adimplemento das

obrigações contraídas pelas seguradoras, graças ao lastro do negócio em cálculos científicos,

baseados em tábuas biométricas.

O planejamento relativo ao pagamento do prêmio, a partir de dados cada vez mais

exatos quanto à ocorrência dos infortúnios cobertos pelo seguro e às projeções das taxas médias

obtidas no mercado, possibilitou desenhar planos de seguro em que se podia precisar qual o

montante bastante ao adimplemento das obrigações contraídas frente ao segurado. Com isso era

possível calcular o prêmio na parte em que se destinaria à contraprestação ao segurado e naquela

que reverteria em pagamento da seguradora.

A essa técnica de cálculo denominou-se teoria do prêmio puro ou teoria da

contribuição pura.

Sobre o assunto, Manuel Sebastião Soares Póvoas discorre:

“Especificamente, no que respeita à composição da contribuição, ou melhor dizendo do prêmio do seguro de vida, a evolução apresenta soluções técnicas do maior interesse, mas sobretudo dará uma idéia do que foi o processo técnico-atuarial das entidades seguradoras de vida e previdenciárias e a confiabilidade que, por isso mesmo, elas podem oferecer se cumprirem as

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regras que, em obediência à segurança, lhe são estabelecidas pelos organismos executivos e de controle. Tinha-se chegado, por meados do século XIX, a uma consciência generalizada de que o seguro de vida tinha de ter, na sua base, um cálculo científico de forma a, por um lado, dar mais segurança às entidades, para não se lançarem em operações, cuja previsão sendo empírica, poderia comprometê-las no cumprimento de suas obrigações, e, por outro lado, mostrar ao público interessado, a seriedade do processo. Irrompeu, então, a teoria do prêmio puro que, baseando-se em tábuas de mortalidade que representavam um quadro de mortalidade muito próximo da mortalidade real e, considerando como taxa de investimento a taxa média conseguida no mercado (nesse tempo, essa taxa apresentava uma boa estabilidade) determinou o cálculo do respectivo prêmio puro. Tal prêmio, que era calculado atendendo às características biométricas de grupos sociais, portanto, com uma determinada probabilidade de morte, capitalizado à taxa de juro considerado, devia permitir, quando se desse o evento gerador dos benefícios, a entidade satisfazer integral e pontualmente esses benefícios, se as realidades da mortalidade e da taxa de juro se comportassem dentro do que tinha sido previsto. Sem dúvida que o cálculo do prêmio puro foi um marco decisivo na evolução do seguro de vida. As seguradoras só tinham que juntar ao prêmio puro, uma importância para ocorrer aos desvios negativos, tanto da taxa da mortalidade real como da taxa de juros conseguida e também para ocorrer aos gastos com a concessão dos ‘bonus’ que operacionalmente já não se justificavam, mas aos quais os segurados se haviam acostumado e, por isso, se traduziam em importante elemento promocional, e para ocorrer, também, às despesas de administração e de comercialização e à formação do lucro. Como se verifica, a evolução deu-se no sentido de se ter trocado o método de elaboração do prêmio, atendendo a elementos empíricos, por um método que dividia o prêmio em duas partes: o prêmio puro, resultado da análise matemática e o carregamento que, não obstante, ser determinado empiricamente, já beneficiava de uma base estatística que a experiência de mais de um século lhe tinha dado.”28

A contribuição pura passou a representar, assim, a cifra encontrada a partir de

dados relativos à mortalidade, à soma das contribuições e à taxa média obtida no mercado de

investimentos, de modo a resultar num valor muito aproximado do suficiente ao pagamento do

benefício contratado, à época em que se espera seja devido.

Essa conta de acerto em relação à suficiência ao pagamento do direito contratado

pelo segurado imprimiu ao seguro de vida a garantia de que o negócio seria certamente honrado,

desde que atendidos os cálculos científicos que lhe indicavam os corretos valores do prêmio, o

que se refletiu, à evidência, no que até então se projetava em termos de contribuições a planos

previdenciários.

28 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 268-269.

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A base científica no cálculo do seguro, assim como no planejamento dos contratos

previdenciários, permitiu uma aferição segmentada dos valores que deveriam servir ao

pagamento dos benefícios e dos valores necessários às despesas das entidades, fundidos nas

contribuições.

Junto aos valores calculados para o pagamento do benefício – contribuição pura -

o participante paga, ao recolher a contribuição, as despesas administrativas da entidade, o que

inclui gastos com a comercialização dos planos. É a taxa de carregamento.

A taxa de carregamento, destinada a custear as despesas com a administração e a

comercialização, era cobrada como uma porcentagem do prêmio no decorrer do cumprimento do

contrato. Sua exigência se fazia de forma linear, ou seja, a correspondência da taxa de

carregamento em relação à contribuição expressava-se no mesmo percentual do início ao fim do

contrato.

Com a experiência dos contratos, comumente de longa duração, as despesas pagas

pela taxa de carregamento passaram a integrar as contribuições não mais de forma linear, mas

como percentuais decrescentes, com maior intensidade nos dois ou três primeiros anos.

Essa manobra garantia às entidades reaver com acentuada brevidade o custo pela

operação dos planos, já que eventual desistência do participante refletiria em prejuízo do

montante destinado ao pagamento do benefício, cuja aquisição, naturalmente, ainda não se

operara.

Tal amortização da comissão pela comercialização dos planos, já nos primeiros

anos do contrato, objetivava fomentar o setor.

A propósito do desenvolvimento das técnicas ao cálculo das contribuições, com

abandono do cálculo nivelado da taxa de carregamento, Manuel Sebastião Soares Póvoas

escreve:

“Mas, o processo do prêmio não estabilizou; o parque das sociedades de capitais que ia aumentando em número, teve necessidade de ativar a comercialização para conseguir a indispensável produção de novos contratos quando os agentes, encontrando cada vez mais dificuldades para angariar novos segurados, começavam a desinteressar-se da profissão, pois cada vez perdiam mais tempo com o cliente e a comissão recebida continuava a ser a mesma. Como os contratos eram de longa duração, as seguradoras verificaram que o comissionamento poderia ser atribuído de forma diferente, isto é, abandonando a forma tradicional de uma percentagem do prêmio ao longo do contrato, por uma outra, em que a comissão fosse mais elevada nos 2 ou 3 primeiros anos e mais baixo ou nula nos anos seguintes, dado que, depois de pagar os primeiros anos o segurado, dependendo embora da modalidade que

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subscrevesse, se mantém, pois é de seu interesse continuar a pagar os prêmios até ao fim do contrato. E esta foi a solução dada ao problema, não apenas para motivar os antigos agentes, mas para motivar o aparecimento de novos. Como o prêmio na uniformidade da sua expressão (nivelado) não permitia que o carregamento ocorresse a esta necessidade, ou as seguradoras tinham fundos de capital que lhes permitissem ocorrer ao comissionamento mais pesados nos primeiros anos e ressarcir-se com o carregamento dos anos seguintes que excedida o comissionamento concedido nesses, ou tinham de encontrar soluções operacionais, sob pena de não conseguirem ativar o mercado.”29

Pendia, pois, equacionar a necessidade das seguradoras em se ressarcirem do

comissionamento de seus agentes sem que dispusessem de fundos de capital para isso.

Dentre as técnicas objetivando a amortização das despesas de comercialização

desde os primeiros anos dos planos, a mais adotada foi apresentada pelo atuário Zillmer Stettein,

que utilizava a metodologia de reverter ao custeio do plano, no primeiro ano, não só o

correspondente à taxa de carregamento, mas também parte ou toda a contribuição relativa ao

prêmio puro, deixando de formar a reserva matemática, a qual seria recuperada nos anos

seguintes.

Dessa forma, no primeiro ano do contrato, o ressarcimento das despesas

administrativas e de comercialização se faz não apenas por meio do carregamento do prêmio, mas

também do próprio prêmio puro, de modo que nesse período não se forma reserva matemática, o

que é justificado pelo fato de que no mesmo período a apólice não apresenta valor de resgate.

Nos anos seguintes, forma-se a reserva matemática, a qual então se faz necessária para fazer

frente ao pagamento dos benefícios, segundo as projeções atuariais.

Referida cota, destacada contabilmente das contribuições, ficou conhecida como

“cota de Zillmer”.

Veja a respeito do assunto as referências feitas por Manuel Sebastião Soares

Póvoas:

“A solução mais importante, pelo nome por que ficou conhecida, é objeto de uma grande curiosidade, sobretudo por parte dos advogados, quando tomam contato com ele, nos processos em que se discute o direito ao resgate. Ela se deve ao atuário Zillmer e o método que a objetivou, ficou conhecido por Zillmeragem; ainda hoje, esta solução é usada. Tal método consiste, em resumo, em utilizar como despesa de comercialização, não apenas o carregamento do prêmio do primeiro ano, como o próprio prêmio puro, o que

29 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 269-270.

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significa que no primeiro ano não é constituída a reserva matemática, e que é recuperado nos quatro ou cinco anos seguintes.”30

A sistemática de reaver os custos com a comercialização dos planos nos primeiros

anos do contrato propiciou o robustecimento e a estabilidade financeira das entidades, já que com

maior rapidez acumulavam valores dos quais poderiam dispor para enfrentar situações de

anormalidade, tendo em vista variantes não consideradas quando da formação do plano, no caso

de inesperado distanciamento da realidade em relação às projeções indicadas pelas tábuas

biométricas em que foi inspirado.

Os componentes indicativos do cálculo da contribuição, apesar de decantados para

fim de estudo, somam-se indissoluvelmente, fenômeno informado pelo princípio da unicidade da

contribuição, segundo os ensinamentos de Manuel Sebastião Soares Póvoas,31 significando que

nem a entidade nem o participante podem decompor a contribuição.

Apesar da referida unicidade a caracterizar a contribuição, é importante a força

com que cada fator negativo busca nela a contraprestação, a fim de conferir se a regulamentação

da matéria quanto ao transporte de valores de um fundo para outro, por meio da portabilidade,

respeita o equilíbrio financeiro dos planos, e até que limite haverá o aporte de recursos pelo

participante.

Esses dados acerca da composição das contribuições, naturalmente, devem ser

considerados por ocasião da análise da regulamentação da matéria, já que, extraídos os valores

relativos ao carregamento, devidamente previstos no contrato, tudo o mais é destinado ao

pagamento do benefício contratado, não se admitindo, por isso, sobra na entidade cedente ou

valores na entidade cessionária destituídos da devida função atuarial, buscando-se, assim e

sempre, uma conta de acerto ao final do plano, como anteriormente assinalado.

3.3 O Custeio dos Planos de Previdência Privada e suas Implicações à Discussão sobre os

Valores Portados

Tratando-se de seguro social em que impera a liberdade do participante quanto à

iniciativa em tomar parte de plano de previdência privada, o custeio toca ao indivíduo, sendo

30 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 270. 31PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada, filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1985, p. 278

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mesmo proibida a subvenção do Poder Público, salvo na condição de patrocinador, conforme

previsto na Constituição Federal, art. 202, § 3o.

A princípio, pois, o sacrifício pela cobertura extra, representada pela previdência

privada, é suportado pelo indivíduo que pretende a proteção, ou seja, pelo participante do plano

de previdência privada.

A constituição de reservas, a propósito, é característica inerente à essência dos

planos previdenciários, uma vez que é a constituição de um patrimônio que propiciará o

pagamento dos benefícios futuros. Portanto, não se cogita de plano previdenciário sem a

correlata idéia de acumulação de capitais a partir das contribuições vertidas pelos participantes.

Suportado o custeio pelo participante, frente à entidade que gere o plano, entre

esses sujeitos resolver-se-á a sorte do patrimônio acumulado na hipótese de restarem sem função

os valores amealhados, caso opte o participante por deixar o plano antes da ocorrência do evento

que ensejaria o pagamento do benefício.

Portanto, o valor vertido ao plano, assim como sua disposição pelo participante em

caso de abandono, revela-se ponto de interesse entre este e a entidade que administra o fundo

previdenciário.

Em nível infraconstitucional, o art. 15 da Lei Complementar n. 109/01, ao dispor

sobre a portabilidade, preceitua que direito acumulado para esse fim corresponde “às reservas

constituídas pelo participante ou à reserva matemática, o que lhe for mais favorável”.

Nessa esteira, na hipótese de plano de previdência privada sustentado pelo

participante, o foco de discussão inicial refere-se à conceituação legal de reserva matemática e

reserva constituída, o que apresenta complexidade já pela fluidez que representam tais conceitos,

reservados pela lei à fixação pelos órgãos fiscalizadores segundo aferição técnica própria da

ciência atuária.

Todavia, é possível o custeio, de forma total ou subsidiária, por instituidor do

plano, denominado patrocinador, o que introduz um complicador à assertiva de que o abandono

do plano interessa, com exclusividade, ao participante e à entidade.

Em se tratando de plano cujo montante foi acumulado com o auxílio do

patrocinador, no domínio da previdência fechada, a problemática intensifica-se, somando

discussão que precede à fixação dos conceitos legais na mensuração do quantum portado, já que,

à primeira vista, pareceria estar-se dispondo, para o participante, sobre valores pertencentes ao

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patrocinador e por eles vertidos com destinação própria e estrita ao financiamento do plano de

previdência, de modo a serem excluídos por ocasião do exercício da portabilidade.

3.3.1 O custeio do plano pelo patrocinador e sua reversão à esfera de interesses do

participante

O exercício do instituto da portabilidade, envolvendo o traslado de valores

acumulados no plano, permite antever certo domínio titularizado pelo participante sobre uma

fração devidamente individualizada e destacada para financiar seu futuro benefício. A essa fração

convencionou a Lei Complementar n. 109/01 nomear “direito acumulado”.

Não há dúvida quanto à titularidade desse direito acumulado se, na origem, há

contribuições exclusivamente vertidas pelo participante, restando como campo à pesquisa a

mensuração dos valores sujeitos à portabilidade.

Já quanto à hipótese em que parte ou a totalidade dos valores acumulados

formou-se a partir de contribuições do empregador, na qualidade de patrocinador do plano

previdenciário, abre-se espaço à investigação a ser solucionada a partir de uma leitura

consentânea com os princípios constitucionais potencializados segundo os valores da Ordem

Social.

A menção a patrocinador remete ao caso de empregador que engendra, para seus

empregados, plano de previdência privada e vai além da posição do mero instituidor,

denominando-se patrocinador por tratar-se de um instituidor qualificado pela assunção total ou

parcial do custeio do fundo que servirá ao plano de benefícios.

Sem dúvida que a disposição de um plano de previdência privada é uma vantagem

ofertada ao empregado e, no caso de ser custeada pelo patrocinador, representa um custo ao

empregador.

Não se identifica uma, mas diversas razões para que o empregador anime-se a

patrocinar um plano de previdência privada.

Pertencendo ao domínio da vontade, a diversidade de objetivos que levam o

empregador a patrocinar plano de previdência privada inviabiliza uma resposta de unicidade

categórica, de modo que, antes de se falar em razão de ser do notável desenvolvimento da

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previdência privada, há de se buscar um conjunto de motivos que induz ao desenvolvimento

desse pilar da seguridade social.

No universo de possíveis razões que podem explicar a opção do empregador em

patrocinar plano de previdência privada, temos desde motivos humanitários, no sentido de não

abandonar o empregado após vários anos de trabalho prestados na empresa, semelhantemente a

um prêmio de lealdade, ou de promover um ajuste do quadro de empregados, desligando de

forma socialmente aceitável o empregado no topo da carreira já sem o mesmo rendimento, até

explicações destituídas de qualquer fundo moral, sendo puramente econômicas, como resposta à

necessidade da empresa, a fim de disputar, em situação vantajosa, a melhor mão-de-obra.

Everett T. Allen Jr., Joseph Melone, Jerry S. Rosenbloom, Jack L. Vanderhei

defendem idéia nesse mesmo sentido.

Referidos estudiosos, ao explicarem a previdência privada norte-americana,

indicam, ademais, razões de ordem a servir os benefícios previdenciários como uma vantagem

salarial indireta, no período das grandes guerras mundiais, em que vigia um programa de

estabilização salarial e controle de preços:

“O crescimento dos fundos privados é atribuível, como vimos acima, a uma variedade de motivos. É difícil determinar a medida de contribuição de cada fator. Na verdade, parece razoável concluir que as razões predominantes que levaram ao estabelecimento de planos específicos variam de acordo com as circunstâncias. Em outras palavras, o fator produtividade foi a força propulsora na criação de alguns planos, enquanto que em outros os fatores predominantes foram as pressões dos trabalhadores, os aspectos fiscais e assim por diante. Com essa variedade tão grande de motivações, é difícil caracterizar os planos privados de pensão em termos de uma única filosofia ou raciocínio. Isso não impediu que, ao longo dos anos, tentasse-se explicar os planos privados em termos de um conceito ou filosofia subjacente. [...] Assim, poderíamos muito bem classificar o desenvolvimento dos primeiros planos com base em um único conceito: conveniência do negócio.” 32

Seja como for, desde motivações altruístas, até explicações meramente capitalistas

no sentido de aumentar o desempenho da atividade empresarial e, conseqüentemente, o lucro da

corporação, as verdadeiras razões que nascem e morrem no âmago da consciência dos

empresários não alteram o fato de que as contribuições vertidas ao plano, pelo patrocinador,

devem e são mesmo contabilizadas como custos da empresa, a qual as suporta, naturalmente, com

valores auferidos dos produtos de suas atividades.

32 EVERET T. Allen Jr., Joseph J. Melone, Jerry S. Rosenbloom, Jack L. Vanderhei. Planos de aposentadoria: aposentadoria, participação nos lucros e outros planos de remuneração diferida. tradução, Áurea Dal Bó, Norma Pinto de Carvalho; coordenação, Rachel Rosenblum; revisão técnica, Mário Dias Lopes. Rio de Janeiro: Consultor: São Paulo : ICSS, 1994, p. 17.

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A conclusão sobre a inclusão ou não das contribuições vertidas pelo patrocinador,

na hipótese de portabilidade, pressupõe um discurso coerente com o dado sobre como referida

despesa é contabilizada e o que pode obter o empregador com o financiamento do plano tendo em

mira o modelo de previdência complementar ditado pela ordem constitucional.

Como ressaltado, o primado do trabalho é valor informativo de todo o título da

Ordem Social, refletindo seu conteúdo sobre tudo o quanto dispõe a Constituição Federal a

respeito da previdência social.

O trabalho, tanto aquele desempenhado pelo empregado, quanto aquele

empreendido e disponibilizado pelo empresário na forma de empregos, é um valor da Ordem

Social com vistas a promover a justiça e o bem-estar sociais, tratando-se, à evidência, de

atividades que devem ser fomentadas pelo Poder Público.

A propósito, a livre iniciativa é um dos fundamentos da República.

Uma interpretação sistemática dos fundamentos da República, sintetizados no art.

1o., incisos I a IV da Constituição Federal, remete à conclusão de que esses fundamentos –

soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa, pluralismo político - têm ligação com a Ordem Social, não só pela repetida alusão ao

trabalho como um valor social, mas também pelo sentido que apresentam como instrumentos

voltados ao bem-estar e à justiça sociais.

A livre iniciativa, portanto, é um fundamento da República, desde que e enquanto

não sobrepuje os demais.

Naturalmente que não cabe desvirtuar a iniciativa privada, pretendendo que

assuma os encargos sociais típicos do Estado.

A busca pelo lucro é da natureza da atividade empresarial, sendo legítimo que o

empresário objetive o ganho em seus negócios. Nada há nisso que contrarie os fundamentos sobre

os quais se assenta o Estado brasileiro.

Na hipótese de o empregador optar por patrocinar plano de previdência a seus

empregados, pauta-se conforme a Ordem Social, ciente de que dentre as regras constitucionais

que definem a previdência complementar há uma que deixa fora de qualquer dúvida a

independência entre a relação trabalhista e a relação previdenciária, sendo a regra minuciosa

nesse aspecto a ponto de afirmar que as contribuições do empregador não integram o contrato de

trabalho dos participantes.

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É clara a sinalização normativa para aqueles que entendam conveniente ao

negócio o patrocínio de previdência a seus empregados: a sorte da relação trabalhista não

interferirá na relação previdenciária, inclusive quanto às contribuições do empregador.

A assunção, pelo empregador, dos encargos com eventual plano previdenciário de

seus empregados não constitui um dever moral, muito menos legal; por outro lado, também não é

benesse.

Dessa forma, o custo suportado pelo empregador com o patrocínio do plano é

contabilizado como despesas operacionais, inserindo-se na esfera de disposição da livre

iniciativa, pelo que descaberia perquirir se essa opção é ou não vantajosa ao negócio, tampouco

servindo a resposta como justificativa à questão acerca da titularidade do empregado participante

em relação aos valores vertidos ao plano pelo empregador.

Hodiernamente se fala, no jargão próprio do mundo dos negócios, em “empresas

com responsabilidade social”, incorporando ao valor econômico da sociedade comercial um

importante dado de marketing que objetiva promover aquelas que desempenham suas atividades

com respeito ao direito das crianças, ao meio ambiente, à saúde do trabalhador, etc.

Não se vislumbra diferença de essência na aferição contábil das despesas com

previdência privada em comparação ao custo com salários, propaganda, tributos, matéria-prima

ou qualquer outro insumo necessário ao desempenho empresarial, da mesma forma que não

haveria sentido em retirar o mérito das empresas que se pautam na vanguarda quanto ao

desempenho de sua função social sob o argumento de que assim operam com fim de, por meio do

marketing de suas boas ações, angariar um maior ou mais qualificado mercado consumidor.

Tudo é custo do negócio, pouco importando se o investimento tem caráter

“socialmente desejado”, ou se o lucro contabilizado terá destino de aplicação altruísta ou

puramente mercadológica.

Portanto, não se vê razão lógica para distinguir, dentre os diversos itens que

integram o custo, aquele atinente às despesas com previdência privada, já que, por natureza, em

nada diferem dos demais consectários necessários ao desempenho da atividade empresarial, não

servindo para justificar, por ocasião da portabilidade, eventual pretensão relativa a desconto das

contribuições vertidas pelo empregador, se desfeito o vínculo laborativo.

A respeito da natureza da contribuição do empregador ao plano de previdência

privada, pontua Wagner Balera:

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“Contratando, livremente, plano previdenciário privado em favor dos seus empregados, os instituidores vertem valores que posso considerar promessa de futuro bem-estar social. Ao adquirir, mediante contribuição, o benefício devido ao participante, nos termos do contrato previdenciário, o instituidor compromete os valores vertidos com a finalidade específica. Cada parcela vertida pelo patrocinador vai se incorporando às reservas garantidoras do benefício complementar entre partes contratado. O negócio previdenciário supletivo se situa, deveras, no horizonte de seguridade social do trabalhador e, de logo, se coloca como algo a ser atingido a seu tempo. O benefício a ser pago ao participante, no negócio jurídico previdenciário privado, merece equiparação à indenização pelo desgaste provocado pelo trabalho e, enquanto tal, é figura genuína do contrato de seguro. Indenização que, em termos atuais, é incorporada ao patrimônio jurídico do trabalhador como sua cota parte nas reservas adjudicadas ao condomínio social responsável pelas obrigações do Plano. O vínculo que amarra as reservas já demonstra que nenhum outro credor, a não ser o participante, pode pretender se saciar no acervo requerido para a prestação dos benefícios.”33

Consentâneo com essa realidade, o § 2o do art. 202 da Constituição Federal, como

assinalado, claramente dispõe sobre o fato de as contribuições do empregador não integrarem o

contrato de trabalho dos participantes, de modo que em nível constitucional parece ter sido bem

equacionada a questão, restando evidente que o quanto vertido pelo patrocinador integra a esfera

de direitos do participante.

Conseqüentemente, não se admite distinção entre os valores amealhados a partir

de contribuições do patrocinador e o valor acumulado com o sacrifício exclusivo do participante,

inclusive para fins de portabilidade, considerando que o dispositivo constitucional, ao dispor

sobre o absoluto destaque das contribuições do empregador com relação ao contrato de trabalho,

não faz nenhuma ressalva à hipótese de se romper a relação empregatícia antes da oportunidade

ao pagamento dos benefícios contratados, situação que enseja o exercício do instituto da

portabilidade e que, por isso, continua a ser regrada segundo o comando que prevê referida

independência .

Em nível infraconstitucional, o art. 15, parágrafo único da Lei Complementar n.

109/01, dispõe que, para fins de portabilidade, o direito acumulado corresponderá à reserva

constituída pelo participante ou à reserva matemática, o que for maior.

Nesse sentido, a leitura da Lei Complementar n. 109/01 em compatibilidade com

os ditames constitucionais aplicáveis à matéria indica ser consentânea com os princípios

33 BALERA, Wagner. A proteção jurídica dos bens que integram o patrimônio das entidades de previdência complementar. Revista de Direito Social, Sapucaia do Sul, v. 2, n.8, p. 85-105, out./dez. 2002.

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constitucionais uma interpretação além da literalidade imposta pela restrição da expressão

“reservas constituídas pelo participante”, contida no parágrafo único do art. 15 da referida

norma.

A respeito do tema, os ensinamentos de Arthur Bragança de Vasconcellos

Weintraub:

“A Lei Complementar n. 109 aprofundou, e até mesmo criou novos aspectos regulatórios da Previdência Privada, tais como o benefício proporcional diferido (vesting), onde o participante pode optar pelo recebimento futuro de um benefício, proporcional ao valor de suas contribuições, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou instituidor antes da aquisição do direito pleno ao benefício (já existia em nosso ordenamento, mas de forma latente); e a portabilidade, que se caracteriza pela possibilidade da transferência das reservas técnicas depositadas pelo trabalhador (incluindo a parte paga pela empresa) das quais é titular, de um fundo de previdência para outro.”34

Portanto, a conclusão que deflui do quanto até aqui exposto é que o sentido do art.

15 da Lei Complementar n. 109/01, ao dispor sobre “reserva constituída pelo participante”, deve

ir além de sua literalidade, alcançando tudo quanto foi vertido em nome do participante - por ele

e por seu patrocinador - , e não apenas o que derivou do seu esforço próprio.

34 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. O regime de previdência privada e a lei complementar n. 109, de 29 de maio de 2001. Revista de Previdência Social, São Paulo, v.25, n. 250, p. 642-646, set. 2001.

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4 A PORTABILIDADE

A portabilidade é instituto que se apresenta na previdência privada, tanto no

segmento das entidades abertas quanto no segmento das entidades fechadas.

Vale lembrar que a previdência privada constitui-se num regime de proteção

previdenciária, de adesão voluntária, em que o participante contrata um seguro de cobertura de

um risco social, atinente à velhice, à invalidez e à morte. Sua disciplina principia no art. 202 da

Constituição Federal, regulamentando-se pela Lei Complementar n. 109/01, a qual dispõe ainda

sobre a competência administrativa para normatizar o tema com o fim de executar seus

comandos, conferindo-a a órgãos de fiscalização.

A efetividade da cobertura desse risco social expressa-se por meio do pagamento

dos benefícios contratados, estes qualificados pela Lei Complementar n. 109/01 como benefícios

de caráter previdenciário, implementados nos termos previstos nos planos de benefícios,

conforme o art. 2o.

Jerônimo Jesus dos Santos assim conceitua plano de benefício e benefício

previdenciário:

“Entende-se por plano de benefícios de caráter previdenciário o documento contendo um conjunto de regras estabelecidas em regulamento e Nota Técnica Atuarial – NTA, com o objetivo de atender as condições gerais, especiais e particulares, às necessidades previdenciárias dos participantes. O plano é previamente elaborado pela entidade e aprovado pelo órgão regulador e fiscalizador, no qual deve constar, dependendo da modalidade do plano, o prazo, os valores de contribuição e de benefício etc. Normalmente, são estipulados quando da adesão do participante ao respectivo plano. A prestação do participante, a sua obrigação principal é o pagamento em dinheiro da contribuição calculada atuarialmente, correspondendo ao evento danoso e/ou aos benefícios pretendidos e pactuados. Já o benefício é o pagamento em dinheiro efetuado pela entidade ao participante ou assistido, em contraposição às contribuições feitas para custeio do plano.”35

A previdência privada estrutura-se em planos oferecidos por entidades abertas de

previdência privada, que disponibilizam sua proteção ao público em geral, e por entidades

fechadas de previdência privada, que conferem proteção a um grupo determinado de

trabalhadores de certa categoria ou de determinadas empresas ou grupo de empresas, ou ainda a

um grupo cujo vínculo é de natureza associativa, sendo essa a principal seção do regime privado

35 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p.77-78.

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de previdência, resultando na distinção entre os órgãos responsáveis pela fiscalização e pela

regulamentação infralegal do instituto da portabilidade, já que as entidades abertas submetem-se

ao Ministério da Fazenda, por intermédio do Conselho Nacional de Seguros Privados e da

Superintendência de Seguros Privados, e as entidades fechadas ao Ministério da Previdência

social, por meio do Conselho de Gestão da Previdência complementar e da Secretaria de

Previdência complementar.

Como já assinalado, o instituto da portabilidade, no regime privado, é de relativa

novidade no direito brasiLeiro, tanto que introduzido no âmbito da previdência complementar

fechada tão só a partir da Lei Complementar n. 109/01, enquanto nos planos de previdência

aberta encontrava previsão no Decreto n. 81.402/78.

Por meio da portabilidade é assegurada ao participante de plano de previdência

privada a manutenção dessa condição, mesmo à vista do desligamento prematuro frente à

entidade que se obrigou pela cobertura do infortúnio.

Como um novel direito subjetivo do participante, conforme se verá, a

portabilidade encontra supedâneo legal na Lei Complementar n. 109/01, sendo instituto com

franca objetivação prática de fortalecer o sistema de proteção complementar, tendo em vista a

realidade nacional que indica instabilidade nas relações de emprego e mesmo grande

instabilidade financeira, revelando as dificuldades do indivíduo em suportar o custeio da

previdência privada por longos períodos, de modo que a experiência parece construir a definição

de sua natureza jurídica, ainda pendente de estratificação.

A portabilidade é tratada pela Lei Complementar n. 109/01 nos arts. 14 e 15

quanto aos planos de entidade fechada e no art. 27 quanto aos planos de entidade aberta.

Em nível infralegal, a portabilidade no segmento aberto é disciplinada em diversas

circulares da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), enquanto no plano das entidades

fechadas a principal norma a ser observada é a resolução do Conselho Gestor da Previdência

complementar (resolução CGPC n. 06/03), ainda que no correr deste estudo sejam feitas

referências à resolução CGPC n. 09/02, o que se dará para fim de exame sistemático do tema,

considerando que essa última encontra-se revogada.

A abordagem a seguir reúne, sob o mesmo enfoque, a portabilidade no plano

fechado e no plano aberto de previdência complementar, sendo que as particularidades constarão

de ressalvas específicas.

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4.1 Conceito e Distinções

A portabilidade é um instituto jurídico e um instituto técnico da previdência

privada, cuja novidade inspira dificuldades na sua definição, de modo que a maioria dos estudos,

até agora empreendidos, parte de seus elementos básicos, sensíveis, e não de sua conceituação

jurídica.

De início pode-se afirmar que a portabilidade tem como finalidade possibilitar ao

participante do regime complementar a transferência dos valores acumulados no plano de

benefício previdenciário para outro plano de entidade apta a operar no setor de previdência

privada, admitindo-se, pois, a alteração da entidade originária.

A propósito do tema, explica Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub:

“Caracteriza-se a portabilidade pela possibilidade de transferência dos valores existentes em nome do participante, de um plano para outro, no caso de perda do vínculo empregatício. Ou seja, os valores acumulados (a Lei utiliza o termo “direito acumulado”) em um plano específico de uma entidade de Previdência privada, no nome do participante, podem ser transferidos para outro plano de outra entidade, desde que haja a cessação do vínculo empregatício do participante com o patrocinador (art. 14, II e § 1o. da Lei Complementar n. 109). Portabilidade não se confunde com resgate.”36

Da objetivação do instituto em exame, como meio de transferir valores

acumulados destinando-os a outro fundo de pensão ou plano, percebe-se que o momento para

exercitar a portabilidade precede a fruição do benefício, o que significa dizer que o participante

em situação de portar os valores para outra entidade não se encontra no gozo de benefício, sendo

mesmo regra, na generalidade dos casos em que se opera a portabilidade, o abandono do plano

antes de constatada a elegibilidade, esta entendida como sendo a situação em que a percepção do

benefício depende apenas da iniciativa do participante ou de seus dependentes em requerê-lo,

tendo em vista a ocorrência do risco coberto pelo contrato previdenciário.

Apesar disso, é cristalina a distinção entre a portabilidade e os outros dois

institutos que operam nessa mesma situação, ou seja, quando da retirada do participante antes do

exercício da pretensão ao benefício pleno: o resgate e o vesting.

Em comum com a portabilidade, afora a identidade quanto à oportunidade do

exercício, o resgate resulta na retirada de certo valor por conta não só do desligamento do plano

de benefícios, mas também do abandono do regime complementar. Há interrupção do

36WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. O regime de previdência privada e a lei complementar n. 109, de 29 de maio de 2001. Revista de Previdência Social, São Paulo, v.25, n. 250, p. 642-646, set. 2001.

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planejamento previdenciário, deixando o participante de contar com a proteção extra da

previdência privada.

No resgate, os valores são livremente disponibilizados ao participante, enquanto

na portabilidade é vedado que os recursos financeiros correspondentes transitem pelos

participantes, sob qualquer forma, segundo a expressa literalidade do inciso II do art. 15 da Lei

Complementar n. 109/01, de modo que parece redundância o aviso de que não se confundem os

dois institutos, consignado no inciso I do referido dispositivo legal.

De qualquer modo, a expressa disposição de que a portabilidade não caracteriza

resgate tem a virtude de pontuar a idéia previdenciária presente no instituto, em distinção ao

resgate, denotando a possível mobilidade do capital acumulado pelo participante graças à

liberdade quanto à escolha da melhor proposta de planejamento, durante todo o tempo em que se

executa o contrato previdenciário. Isso, sem dúvida, é novidade em matéria de previdência

privada no Brasil.

Veja a respeito as observações de Jerônimo Jesus dos Santos:

“Este inciso confirma a modernização do regime de previdência complementar que passa, necessariamente, pelo caminho da flexibilização, ao reconhecer a dinâmica do mercado de trabalho no Brasil. O legislador desta LC n. 109, de 2001 introduz a figura da portabilidade, que, como vimos, se constitui na possibilidade de o participante de uma entidade de previdência complementar, em razão do término de seu vínculo com o patrocinador ou instituidor, transferir sua poupança acumulada para o plano de benefícios de outra entidade, seja aberta ou fechada. Assim, a portabilidade não caracterizará o resgate de poupança e sua conversão em liquidez, mas tão-somente uma transferência inter-institucional de ativos, evitando que haja perdas súbitas de solvência no regime de previdência complementar. É a consagração do princípio da não-surpresa econômica no regime de previdência complementar.”37

Em se tratando de plano de benefício de entidade fechada, ainda que varie

conforme o regulamento dos diversos planos, a regra é de que os valores acumulados em

decorrência das contribuições do patrocinador não integrarão o montante a ser resgatado,

enquanto na portabilidade a soma será composta pelas contribuições do participante e pelos

aportes do patrocinador, em conformidade à tese defendida neste estudo.

Jerônimo Jesus dos Santos assim define resgate:

“Define-se o instituto resgate como sendo a obrigação da seguradora que opera no seguro vida ou da EAPC (durante o período de diferimento fase de acumulação), efetuar ao segurado ou ao participante o pagamento dos

37 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 255.

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recursos da Provisão Matemática de Benefícios a Conceder e da Provisão Técnica de Excedentes Financeiros, quando for o caso, por sua expressa solicitação ou, no caso de sua morte, ao beneficiário. Assim, entende-se por resgate o instituto que faculta ao participante o recebimento de valor decorrente do seu desligamento do plano de benefício.”38

A portabilidade envolve o participante, a entidade primitiva e aquela que

administra o plano que receberá os valores portados, ao passo que no resgate os sujeitos da

relação resumem-se no participante e na entidade em relação à qual será efetuada a retirada.

O resgate importa no desligamento do regime de proteção da previdência

complementar; a portabilidade é premissa de que o participante continuará a desfrutar de

cobertura, porém perante outra entidade.

A esse respeito, observa Wladimir Novaes Martinez:

“No resgate sobrevém liberdade total de uso do seu conteúdo, o segurado dispõe do recurso financeiro como desejar; na portabilidade isso só acontecerá no futuro, quando da fruição do benefício no fundo de pensão receptor. Logo, o resgate não é idéia previdenciária, mas a portabilidade sim.”39

Já o benefício proporcional diferido ou vesting é “instituto que faculta ao

participante, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo

com o instituidor antes da aquisição do direito ao benefício pleno, optar por receber, em tempo

futuro, o benefício decorrente dessa opção”, conforme definição colhida da resolução CGPC n.

6/03.

Em conceituação apresentada por Jerônimo Jesus dos Santos, temos a seguinte

definição de benefício proporcional diferido:

“Entende-se, pois, por Benefício Proporcional Diferido – BPD o instituto que faculta ao participante, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo com o instituidor e antes da aquisição do direito ao benefício pleno programado, optar por receber, em tempo futuro, benefício de renda programada, calculado de acordo com as normas do plano de benefícios, consoante dispõe o art. 2o da Res. CGPC n. 06, 2003. ”40

A opção pelo benefício proporcional diferido não impede posterior opção pela

portabilidade ou pelo resgate, conforme previsto na resolução CGPC n. 6/03, em seu art. 3o.

Aqui o ponto de contato com a portabilidade é a oportunidade à opção pelo

benefício proporcional diferido, a qual, da mesma forma que o resgate, ocorre em razão da

38 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 14. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p.56. 40 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 237.

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interrupção na busca pelo benefício pleno, mas com uma especificidade, também identificada na

hipótese de portabilidade operada na previdência complementar fechada: o abandono do plano

deriva da cessação do vínculo empregatício.

Rompido tal vínculo, abre-se a oportunidade à portabilidade ou ao benefício

proporcional diferido, desde que preenchidos certos requisitos.

Todavia, a semelhança do benefício proporcional diferido com a portabilidade,

identificada na oportunidade ao exercício, não vai além desse aspecto, já que, conforme definição

do instituto, enquanto o vesting significa direito a um benefício diferente do contratado,

benefício proporcional de concessão diferida, a portabilidade garante ao participante manter-se

engajado ao regime de previdência complementar com o fim de possibilitar o recebimento do

benefício inicialmente estipulado, ou seja, o benefício pleno.

Na esteira das observações de Wladimir Novaes Martinez “o vesting prorroga o

momento de fruição da poupança realizada, enquanto a portabilidade é ato instantâneo, ainda

que os seus efeitos previdenciários sejam protelados para a data da reunião dos elementos da

elegibilidade”.41

Observa-se que, no que toca ao benefício proporcional diferido ou vesting, o art.

14, inciso I, da Lei Complementar n. 109/01 prevê expressamente que tal instituto terá espaço

desde que rompido o vínculo com o patrocinador ou o vínculo associativo com o instituidor; essa

circunstância não é repetida pelo inciso II, complementado pelo § 1o, de modo que para a

portabilidade a previsão legal contida na referida lei complementar limita-se exclusivamente à

cessação do vínculo empregatício com o patrocinador, silenciando quanto ao rompimento do

vínculo associativo com o instituidor, expressamente exigido na hipótese do vesting.

Há que se investigar se esse silêncio importa em distinção de regimes jurídicos

entre a portabilidade e o benefício proporcional diferido.

Ademais, enquanto no vesting a lei prevê como condição a seu exercício a

cessação do vínculo antes da aquisição do direito ao benefício pleno (art. 14, I, Lei

Complementar n. 109/01), na portabilidade ela silencia, restando saber se o participante poderá

exercer a portabilidade no caso de encontrar-se em situação de elegibilidade, mas ainda não no

exercício da pretensão à prestação previdenciária.

41 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 57.

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Todas essas questões serão tema de abordagem no correr deste estudo, sendo aqui

adiantadas no intuito de evidenciar as dúvidas que suscita o instituto da portabilidade tão-só pelo

confronto do quanto sobre ele dispõe a Lei Complementar n. 109/01, em comparação com outros

institutos nela também tratados.

Outro instituto que de igual forma opera na hipótese de rompimento do vínculo

empregatício com o patrocinador, em plano fechado de previdência privada, é o autopatrocínio.

Sua distinção com a portabilidade é de essência, na medida em que o principal

traço caracterizador da portabilidade, que é alteração do plano e a possibilidade de alteração da

entidade que o administra por meio da transferência de valores, não existe no autopatrocínio.

No autopatrocínio é mantido o liame contratual entre o participante e a entidade

fechada, mesmo à vista do rompimento do vínculo que ensejou a inscrição no plano de benefício.

Desfeito o contrato de trabalho, o participante mantém sua posição frente à

entidade, assumindo as contribuições inclusive na parte em que tocava ao empregador

patrocinador do plano.

Por fim, cabe anotar a distinção entre migração e portabilidade, tendo em vista que

naquela há, semelhantemente à portabilidade, uma transferência dos valores de um fundo de

previdência para outro.

A diferença a ser anotada é que na migração não se altera a entidade, a qual é a

mesma a gerir o fundo primitivo e o fundo para o qual foram transferidos os valores.

Vale anotar também a hipótese em que há transferência de valores de um fundo a

outro, sem que se cogite de portabilidade, tendo em vista a ausência de rompimento do vínculo

com o patrocinador, idéia muito semelhante à migração, mas que, no entanto, dela difere por

ocorrer modificação quanto à entidade de previdência. É o caso da transferência da carteira dos

planos à administração de outra entidade. Veja a respeito os comentários de Wladimir Novaes

Martinez:

“Quando a patrocinador opta por transferir o plano de benefício da entidade fechada para entidade aberta ou vice-versa, em conjunto, os participantes migram da EFPC para a EAPC, ou ao contrário. Tal procedimento, que seria forma de migração coletiva, não é portabilidade, até porque sem sobrevir a rescisão contratual.”42

Referidas situações sempre existiram na previdência privada brasileira, sem que se

cogitasse tratar-se de portabilidade, mesmo porque ausente o traço que caracteriza o instituto, e

42 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 60

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que se identifica com a liberdade do participante de, individualmente, dispor dos valores

amealhados, o que não ocorre na migração ou na transferência da carteira dos planos.

A propósito, a necessidade de um mecanismo que facultasse ao participante a

manutenção de sua posição no plano previdenciário, no caso de perda do vínculo empregatício,

era observada e ressaltada à época anterior ao advento da Lei Complementar n. 109/01,

confirmando o aprimoramento normativo da portabilidade no segmento aberto e sua absoluta

novidade no âmbito da previdência fechada.

Traga-se a respeito a ponderação lançada por Manuel Sebastião Soares Póvoas, ao

comentar os mandamentos da revogada Lei n. 6.435/77:

“Repete-se que, no Brasil, ainda não se chegou ao apuro de um sistema previdenciário privado, que permita ao inscrito num plano de benefícios, quando deixa de trabalhar na empresa que o instituiu, continuar inscrito no plano sem pagamento de contribuição, esperando sua entrada numa outra empresa, para ser incluído no plano que esta tenha instituído, a qual receberia sua reserva matemática.”43

Comentando a introdução do instituto da portabilidade pela Lei Complementar n. 109/01, Jerônimo Jesus dos Santos observa:

“Este inciso II estabelece também um novo instituto, que visa permitir a transferência de empregados entre empresas e seus fundos de pensão. É uma inovação introduzida pela Lei n. 9.477, de 24.7.1997, que institui o Fundo de Aposentadoria Programada Individual (FAPI), bem como o Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada Individual. É um instituto reclamado pelo mercado, mas que, embora previsto, depende de detalhada regulamentação, dado que a sua implementação é polêmica junto aos técnicos do regime. Nesse passo, veio a Res. CGPC 9, de 27.6.2000, para disciplinar o instituto da portabilidade em planos de benefícios de EFPC’s instituídos por patrocinadores, ora revogada, pela Res. CGPC 6, de 2003. Aquele normativo revogado conceituou no art. 2o, I, portabilidade como o instituto que faculta ao participante, nos termos da Lei, portar os recursos financeiros correspondentes ao seu direito acumulado para outro plano de benefícios operado por entidade de previdência complementar ou sociedade seguradora autorizada a operar planos de benefícios de previdência complementar.”44

Vistas as distinções entre a portabilidade e os demais institutos derivados da

relação jurídica de previdência privada, resta perquirir se se trata de instituto típico dessa relação

ou se presente em relações jurídicas semelhantes, das quais já se fez estudo comparativo: a

relação de seguro privado e a relação de previdência social do regime geral.

43 PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência Privada: planos empresariais. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1991, p.308. 44 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 240.

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59

4.2 A Natureza Jurídica da Portabilidade

A portabilidade é instituto que foi explicitamente acolhido pela Lei Complementar

n. 109/01, norma que determina sua presença obrigatória em todo negócio que versa sobre plano

de previdência complementar.

Wladimir Novaes Martinez define portabilidade como sendo:

“[...] instituto técnico e jurídico de previdência complementar. Apresenta características próprias que a distinguem de outros instrumentos operacionais do segmento protetivo, permitindo conceituação genérica. Suscita noção econômico-financeira quantificada monetariamente, presença da escolha jurídica, pessoalidade, função social, e impõe condições legais e convencionais. Assim, pode ser conceituada como o meio técnico de transferência do capital acumulado pelo titular durante certo tempo mínimo, entre dois fundos de pensão, denominados cedente e cessionário, por ocasião do seu afastamento do primeiro provedor.”45

Acrescenta-se a essa definição, em complementaridade, a importante

conseqüência jurídica de, por meio da portabilidade, extinguir-se o vínculo entre participante e

entidade, liquidando direitos e obrigações. Futuras diferenças, como se verá, não são mais do que

decorrência da estrita relação que se findou, de modo que após o exercício da portabilidade nada

resta senão a efetivação da transferência dos valores portados, nas exatas cifras a que fizer jus o

participante.

Desse modo, a portabilidade apresenta-se como meio técnico de transferência do

capital acumulado durante certo tempo mínimo pelo participante de plano de previdência privada

entre dois fundos de pensão ou planos, denominados cedente e cessionário, cujo exercício

condiciona-se às exigências previstas em lei e resolve as obrigações e os direitos assumidos pelo

participante e pela entidade, estipulados no regulamento geral do plano contratado.

Veja a respeito os termos do art. 13 da resolução CGPC n. 06/03:

Art. 13. A portabilidade do direito acumulado pelo participante no plano

de benefício originário implica a portabilidade de eventuais recursos

portados anteriormente e a cessação dos compromissos deste plano em

relação aos participantes e seus beneficiários.

A portabilidade é disciplinada em nível legal como instituto da relação de

previdência privada nos termos da Lei Complementar n. 109/01, o que evidencia depender seu

contorno da vontade do legislador, com a anotação de que, a despeito de não encontrar expressa

45 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 26

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previsão constitucional, sua existência é instrumental para os princípios constitucionais em

matéria de previdência complementar, de modo que sua eventual retirada do cenário jurídico

resvalaria em inconstitucionalidade, conforme defendido no tópico em que se examinou a função

social do contrato previdenciário.

Essas observações quanto a tratar-se de instituto técnico que põe fim à relação

jurídica entre participante e entidade, por meio do traslado de valores acumulados no plano,

fornecem os dados sensíveis da portabilidade, mas não a completa aferição de sua natureza

jurídica.

A natureza jurídica de um instituto é de apreensão que depende de uma análise

quanto a seu regime jurídico, inclusive e especialmente sob o aspecto de se tratar de um regime

jurídico próprio.

Dessa forma, passamos à identificação da relação jurídica em que se apresenta a

portabilidade e de seu respectivo regime, dele extraindo a natureza jurídica do instituto em

exame.

4.2.1 A portabilidade como instituto próprio do regime complementar

Poder-se-ia questionar se a portabilidade estaria talhada a apresentar-se em

relações jurídicas concebidas em diferentes searas do direito obrigacional, ou se assim também se

faria presente no campo em que os vínculos jurídicos independem da vontade, como ocorre no

regime geral da previdência social, dado importante para embasar a afirmação sobre ser um

instituto próprio da previdência privada.

A portabilidade não existe na relação de seguro privado.

O prêmio vertido pelo segurado, que faz as vezes da contribuição na previdência

privada, integra definitivamente o patrimônio da seguradora, em contraprestação à cobertura do

risco, sendo indiferente a ulterior ocorrência ou não do sinistro. A contraprestação é devida pela

cobertura do risco, e não pela indenização decorrente do prejuízo temido pelo segurado.

Na relação de previdência privada, as contribuições são prestações que cumprem

sua função sinalagmática, em correspondência à cobertura do risco social eleito nos termos

estipulados no regulamento geral do plano. Enquanto este não se verifica, são devidas as

contribuições.

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Tal qual ocorre no contrato de seguro, na previdência privada não se cogita da

pretensão de reaver as contribuições vertidas ao plano sob o argumento de que não se concretizou

o risco. A propósito, a inocorrência do risco durante certo período em que são vertidas as

contribuições é premissa atuarial consubstanciada em cláusula contratual da relação jurídica em

questão.

Nesse sentido, pontua Flávio Jahmann Portugal:

“A Entidade de previdência Privada Aberta recebendo a Proposta e implantando-a, assume o risco de garantir o benefício subscrito, fazendo jus ao recebimento da contribuição. A garantia, que é concedida desde a contratação ou aceitação da Proposta pela Entidade, é a sensação de conforto para o participante e consiste apenas no meio, para que o fim colimado, dependente de acontecimento futuro e incerto, seja realizado. O que a Entidade garante ao Participante é o – RISCO – que se renova cada mês com o pagamento da contraprestação (contribuição).”46 (destaques do autor)

Porém, a principal distinção entre o negócio do seguro privado e a contratação de

plano de previdência, identificada na peculiaridade do risco coberto pelo seguro social, implica a

possibilidade de o participante reaver as contribuições vertidas, não sob o argumento de que o

risco não se efetivou, mas por meio de institutos próprios do regime complementar, inclusive da

portabilidade.

Como adiantado, enquanto no contrato de seguro a ocorrência do evento (sinistro)

é incerta, no contrato de previdência privada sua verificação é esperada, identificando-se a

incerteza tão-somente na data em que se consumará, sendo que, a depender do benefício

contratado, nem sob esse aspecto há aleatoriedade, tal como ocorre no caso de prestação

previdenciária devida por sobrevivência, em que a incerteza, todavia, desloca-se para o foco de

sua ocorrência ou não.

Sendo assim, espera-se que em cada plano as contribuições sejam fixadas a partir

de estudos atuariais, de modo que o conjunto de prestações do grupo segurado sirva ao

implemento das prestações previdenciárias tidas como certamente devidas, o que significa dizer

que no contrato de previdência privada as contribuições servem à contraprestação da cobertura do

risco e também ao custeio do benefício. Enquanto não se verifica a situação em que é devido o

benefício, há margem ao participante para reaver parte das contribuições, sem que tal resulte em

desequilíbrio ao plano e às obrigações contratadas com a entidade. 46 PORTUGAL, Flávio Jahrmann. A Contribuição na previdência complementar. Moreau – Advogados. Estudos em Homenagem ao Professor Wagner Balera, São Paulo, 2004, p. 20-22.

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Vale lembrar que as contraprestações devidas às entidades não se exaurem nas

contribuições suficientes ao custeio dos benefícios. Parcela delas é destacada sob a rubrica de

taxas de administração ou carregamento, inexistentes no contrato de seguro privado, no qual a

contraprestação à seguradora resume-se no prêmio.

Esse aspecto justifica atuarialmente a retirada dos valores acumulados pelo

participante antes da aquisição do direito à pretensão da prestação previdenciária, já que, uma vez

pagas as despesas administrativas, conforme o carregamento embutido nas contribuições, a sobra

antes destinada ao pagamento do benefício restaria no plano sem função atuarial,

desequilibrando-o, ainda que positivamente.

No contrato de seguro, diferentemente, a aleatoriedade apresenta-se com maior

vigor, e o prêmio não encontra equivalência na indenização decorrente do risco coberto, o que

justifica a absoluta impropriedade de se cogitar da devolução do prêmio no contrato de seguro

privado.

Sob a perspectiva do caráter instrumental às finalidades ditadas pelos princípios

constitucionais, a portabilidade serve ao interesse público na promoção do estado de bem-estar

social na medida em que incentiva o participante a permanecer sob a proteção previdenciária

complementar, do que se conclui tratar-se de instituto compatível com os princípios da

seguridade social.

Sendo assim, a conclusão é de que a portabilidade apresenta-se como um instituto

da relação de seguro social, sendo estranho ao seguro privado.

Resta examinar se se trata de instituto exclusivo da relação de previdência privada

ou se é comum a esta e à relação de previdência social do regime geral.

Certo tipo de aproveitamento do tempo de contribuição, no âmbito da previdência

social pública, já se operava desde a Lei n. 3.841/60.

A Lei n. 8.213/91, em seus artigos 94 a 99, prevê a contagem recíproca do tempo

de serviço no regime geral e no regime especial, com a correlata compensação entre eles.

Mais recentemente, a Lei n. 9.796/99 disciplinou a compensação financeira entre o

regime geral de previdência social e os regimes de previdência dos servidores da União, do

Estado, do Distrito Federal e dos Municípios.

Todavia, a par de semelhante a idéia, não se pode afirmar tratar-se essa

compensação entre os regimes de portabilidade, tal qual desenhado o instituto no âmbito da

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previdência privada, já que na seara do regime complementar os valores acumulados e passíveis

de transferência pertencem ao participante, o qual pode deles dispor em determinadas situações,

inclusive por puro desejo de assim proceder, o que acena à hipótese de que a titularidade que

exerce o participante sobre tal quantia ocorre na condição de nu-proprietário.

Veja a respeito o pensamento de Wladimir Novaes Martinez:

“Antes mesmo que os fundos de pensão abertos praticassem a transferência de depósitos individuais de um para outro plano, interno e externo à entidade, na esfera da previdência social pública, desde a Lei 3841/60, com alguma semelhança de idéias, sucedia a contagem recíproca de tempo de serviço. Que evoluiu com as Leis ns. 6226/75 e 8213/91 (arts. 94/99). Representava, agora com a Lei n. 9.676/99 mais ainda, a translação de numerário de um regime para outro (in casu, do serviço público para a iniciativa privada e vice-versa). [...] Ao instituí-lo, nas entidades fechadas (arts. 14/15) e reciclar o das abertas (art. 27), depois de fixar alguns pressupostos exigíveis, a LC n. 109/01 disciplinou a pretensão legal a esse deslocamento jurídico de recursos. Relação deflagrada com a pretensão do pertencente ao plano (a), a expectativa de próximo da realização das condições (b), com direito, garantido pelo pleno atendimento dos requisitos legais pactuados (c), bem como aquele com direito adquirido (d), isto é, exercendo a portabilidade a destempo. Nessas condições, quem atende às determinações da lei faz jus a movimentar os meios financeiros como nu-proprietário da quantia, despido do domínio sem poder acessar a soma pecuniária. Trata-se de particularidade do sistema privado, atualmente inexistente no bojo do RGPS (vedação vigente desde 1960, quando a LOPS eliminou a restituição de contribuições devidas) ou no regime de servidor público Destarte, para a previdência complementar, embora com algumas restrições de uso, o participante seria “dono” das cotizações vertidas e das aportadas pela patrocinador, e delas dispõe em algumas circunstâncias. Tal concepção, mais verdadeira ainda no segmento aberto, estranha um pouco às idéias de previdência social, mutualismo e à solidariedade inerentes da proteção social, conferindo-lhe indesejável configuração de poupança e de aplicação financeira.”47

E conclui referido Doutrinador, linhas após:

“Diferentemente do RGPS, em virtude de sua natureza de previdência complementar (seguro, poupança, aplicação), o participante sente-se um nu-proprietário do acumulado e, por isso, em certas circunstâncias, dispõe de fração dele na forma de restituição (resgate).”48

Portanto, da forma como se encontra o ordenamento jurídico, constata-se que a

portabilidade é instituto incompatível com a relação jurídica que nasce do contrato de seguro,

inexistindo também na relação jurídica concebida no âmbito do regime geral da previdência

social, relações jurídicas estas entre as quais gravita a relação de previdência privada, tendo sido

47 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p.99/100. 48 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 105.

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eleitas ao estudo comparativo em virtude do contato que apresentam na origem, mas que o

desenvolvimento da seguridade social, em seu conjunto, encarregou-se de destacar, carreando ao

regime complementar a peculiaridade de acolher instituto que se conclui ser-lhe próprio.

A razão sobre como se fez possível o aprimoramento da idéia previdenciária a

ponto de conceber a portabilidade no regime de previdência complementar centra-se, em última

análise, no binômio que caracteriza essa seara da proteção social, marcada pela dualidade cujo

equilíbrio pressupõe uma permanente tensão entre seus componentes: o interesse público

suscitado pela cobertura do risco social e a submissão ao regime privado, decorrente da presença

da vontade do participante em contratar o plano.

Servindo à cobertura de um risco social, ponto de interesse público, as

contribuições são tratadas pelo ordenamento não como mero “prêmio” a integrar o patrimônio

das entidades que operam os planos de previdência privada, como ocorre no seguro privado, mas

como reserva para o financiamento de um benefício que visa minimizar um prejuízo que vai além

do interesse individual do participante.

Por outro lado, não obstante o tom publicista presente no regime complementar,

decorrente da presença do Estado como regulador da vontade, justificada por sua condição de

agente promotor do bem-estar, o instituto da portabilidade serve para lembrar o traço voluntário

que caracteriza a adesão a plano de previdência privada, ausente no regime geral da previdência

social.

Ausente, pois, das relações de seguro privado e das relações geradas no âmbito da

previdência social, concluiu-se tratar-se a portabilidade de um instituto próprio da relação jurídica

de previdência privada, submetendo-se, pois, a regime jurídico peculiar, considerando o destaque

do regime complementar frente ao regime geral da previdência social e do regime jurídico que

disciplina o seguro privado, conforme consignado por ocasião do estudo comparativo entre as

relações jurídicas do seguro, da previdência complementar e da previdência social.

4.2.2 A portabilidade como direito do participante

A Lei Complementar n. 109/01, em seu art. 14, inciso II, dispõe que os planos de

benefícios deverão prever, entre outros institutos, a portabilidade do direito acumulado pelo

participante para outro plano, de modo que nesse ponto os contratantes não têm campo para

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livre disposição: a oportunidade ao exercício da portabilidade constará de todo e qualquer plano

de benefício previdenciário.

Sob o aspecto da valia do instituto ao participante, como ressaltado por ocasião do

exame da função social do contrato previdenciário, não há dúvidas de que se trata de um direito

subjetivo daquele que adere a plano de previdência privada.

Vale lembrar que o contrato previdenciário é típico contrato de adesão, o que

significa dizer que o participante emite sua vontade tendo em vista regras adrede estipuladas pela

entidade, evidenciando possível e provável desvantagem se sopesados seus interesses e o

resguardo dos interesses da entidade que dispôs sobre as cláusulas contratuais.

A possibilidade então de o participante poder dispor dos numerários acumulados,

transferindo-os a outra entidade, sem qualquer prejuízo ao financiamento de seu seguro social,

significa uma constante e lícita pressão a que a entidade administre o plano da melhor forma

possível, apresentando-se ao participante, ao longo do contrato, com a mesma atratividade

demonstrada por ocasião da celebração do negócio.

Essa excelência na administração inclui, naturalmente, uma boa gerência dos

recursos do plano sob o aspecto de ganhos financeiros, uma gestão segura quanto à aplicação dos

recursos do fundo e, evidentemente, a mais absoluta transparência na administração, até mesmo

para demonstrar o bom desempenho nos dois primeiros quesitos mencionados, isso tudo valendo,

especialmente, no segmento das entidades abertas de previdência complementar.

No âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, o direito à

portabilidade é meio de resguardar a liberdade profissional do participante, assegurando a busca

pela melhor colocação sem que isso se reflita em prejuízo ao planejamento de seu futuro

previdenciário.

A constância do exercício da portabilidade privilegia o direito à obtenção do

benefício pleno na forma mais vantajosa possível, e, sob esse aspecto, trata-se de um direito do

participante sobre o qual não se admite qualquer disposição.

Maria da Glória Chagas Arruda partilha da idéia de tratar-se a portabilidade de um

direito do participante:

“A portabilidade é o direito de o participante transferir as cotas adquiridas em determinado plano para Fundo de Aposentadoria Programada Individual

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administrado por outra instituição financeira ou seguradora, ou para outro fundo.”49

Nesse mesmo sentido, identificando o instituto como um direito do participante,

escreve Jerônimo Jesus dos Santos:

“A portabilidade é direito inalienável do participante, veda sua cessão sob qualquer forma, prevê o art. 10 da Res. CGPC 6, 2003. Também é o direito do proprietário do fundo mudar de gestor todas as vezes que estiver insatisfeito ou inseguro.”50

Em conclusão baseada no quanto identificado até esta fase da investigação,

podemos conceituar a portabilidade como um instituto próprio do regime de previdência

complementar, o qual assegura um direito subjetivo do participante de plano de previdência

privada, cujo exercício voluntário e condicionado nos termos da lei resolve o contrato -

liquidando direitos e obrigações assumidas nos termos do regulamento básico do plano - e cria,

simultaneamente, outra relação jurídica previdenciária, em que distinta entidade de previdência

privada assume obrigação relativa a prestações previdenciárias nos termos do regulamento de seu

plano, mediante o traslado de valores acumulados perante a entidade primitiva.

No entanto, a portabilidade não se resume a um direito do participante; também

não se contém na explicação de tratar-se de um instituto típico da relação jurídica concebida no

regime complementar. A portabilidade é tudo isso, e mais: na forma como disciplinada a

previdência privada no âmbito constitucional, trata-se de uma garantia ao regime complementar,

como se verá.

4.2.3 A portabilidade como garantia do regime complementar

Vistos os princípios constitucionais em matéria de previdência complementar, e

tudo quanto espera o ordenamento jurídico desse sistema de proteção social, considerando sua

importância ao implemento do estado de bem-estar, o instituto da portabilidade afigura-se como

uma garantia ao regime complementar.

Como antes mencionado, a portabilidade serve ao exercício da liberdade do

participante, não só em termos de adesão a plano previdenciário, mas também como ferramenta

ao exercício do pleno acesso ao conhecimento da gestão e participação na administração dos 49ARRUDA, Maria da Glória Chagas. A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo : LTr, 2004, p. 102-103. 50 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 241.

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planos e como concreção da desvinculação entre a relação previdenciária e a relação trabalhista,

tudo no sentido de que o regime complementar seja mais e mais acessível, propiciando melhor

cobertura dos riscos sociais, com resultados que vão além do interesse individual do participante,

alçando a importância de tema de interesse público, atinente à concreção do bem-estar social.

Cumpre lembrar, por isso, a conclusão quanto ao fundamento de sustentáculo do

instituto da portabilidade diretamente do texto constitucional, não se cogitando, pois, de sua

retirada do cenário jurídico em nível legal, ou do mau trato de seu regramento nesse nível ou em

nível regulamentar, a não ser admitindo-se inconstitucionalidade.

Sob o aspecto de que no setor que opera planos de previdência complementar a

regência é a da iniciativa privada, a portabilidade apresenta potencialidade quiçá ainda não bem

explorada.

Configurando-se, por meio da portabilidade, uma espécie de “propriedade” sobre

cotas individualmente expressas em valor determinado, com permissão a que o participante

transfira tais valores à entidade de sua escolha, resta clara a sinalização no sentido de tornar mais

transparente a atuação das diversas entidades que operam no setor, inspirando segurança a que o

participante confie suas economias, depositando-as em fundo de plano de previdência privada sob

a promessa de que, no momento em que assim desejar, poderá dispor desses valores para outro

plano, sem qualquer desvantagem.

O instituto em exame presta-se, sob esse prisma, como constante estímulo ao

aperfeiçoamento das entidades de previdência, já que o mau desempenho na administração dos

planos pode ocasionar o abandono por parte dos participantes, e isso, repita-se, sem prejuízo ao

implemento das condições à obtenção do benefício pleno perante entidade que se mostre mais

eficiente no desempenho de suas atividades, de modo que a permanência dos valores depende da

manutenção da atratividade do plano tal qual se mostrava por ocasião da adesão do participante.

Sob esse aspecto Jerônimo Jesus dos Santos faz observação no sentido de

compartilhar do entendimento de que a portabilidade serve como um fator de concorrência entre

as operadoras de previdência privada51, apresentando, contudo, anotação que traz referência a um

51 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 241.

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artigo publicado no jornal Gazeta Mercantil, o qual pontua o receio de que a portabilidade

estimule uma competição desenfreada, como ocorre no Chile.52

É salutar o incentivo a que as entidades que operam a previdência complementar

prezem pela excelência de seus serviços.

No entanto, tal concorrência não pode desprezar a necessária segurança quanto à

capacidade financeira das entidades para cumprir suas obrigações.

A concorrência no setor de previdência complementar merece criteriosa

fiscalização, considerando o interesse público em tema de seguridade social, de modo que seria

absolutamente impróprio permitir que as entidades assumissem riscos típicos daqueles possíveis

de serem adotados em searas da iniciativa privada em que o possível desastre do negócio ficasse

limitado aos contratantes, o que definitivamente não se coaduna com o setor da previdência

complementar, tanto em vista do interesse público suscitado, como já ressaltado, quanto pelo

número de participantes envolvidos e, em última análise, pela reação em cadeia que poderia advir

da insegurança decorrente do descumprimento das estipulações contratuais por parte de uma das

entidades do setor.

A concorrência “saudável”, portanto, seria aquela demonstrada atuarialmente

como possível de ser empreendida sem que representasse risco ao interesse dos participantes.

Neste ponto, registra-se a opinião de que a portabilidade, apesar de indiretamente

representar um potencial fomento à disputa pelo capital de titularidade do participante, não pode,

por si, consubstanciar uma promessa de vantagem, constando no regulamento do plano que, se

futuramente operada, o participante portaria os valores em tal ou qual proporção mais favorável

se comparada a outros planos postos à sua escolha.

Nesse passo é que, com base em tudo quanto se afirmou em termos de servir a

portabilidade como instituto sem o qual não se operam os princípios constitucionais eleitos em

matéria de previdência complementar, o traslado de valores deve ser feito nos limites máximos

permitidos pelo equilíbrio dos planos, o que deslocaria o foco da concorrência, centrando-o nos

valores adotados pelas entidades em contraprestação por seus serviços, item em que restaria

possível margem de negociação.

52 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 240.

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Dessa forma o desejado aprimoramento da portabilidade, permitindo o traslado

máximo à possibilidade dos planos em termos de equilíbrio financeiro-atuarial, abriria campo a

uma legítima e segura concorrência entre as entidades do setor.

Assim se daria, como anotado, não em decorrência de vantagens ofertadas ao

participante no que toca especificamente à portabilidade, uma vez que se espera a

regulamentação de seu exercício em nível normativo já pelo limite máximo a não desequilibrar o

plano, de modo que a portabilidade não seria, por si, meio eficiente para atrair participantes; a

disputa seria possível, contudo, no aspecto das despesas administrativas exigidas por meio da

taxa de carregamento, de modo que as entidades com menor custo operacional poderiam garantir

vantagens ao participante que portasse seus recursos com lastro no diminuto custo de seus

serviços.

Desnecessário argumentar sobre a segurança do participante e o correlato

robustecimento que se constataria no setor de previdência privada se alcançada essa situação de

certeza quanto à solvabilidade das entidades graças à clareza com que disputariam no mercado.

Partindo-se, pois, das conclusões estabelecidas por ocasião do estudo dos

princípios constitucionais e de seus reflexos no contrato previdenciário, somadas às ponderações

lançadas neste tópico específico à tratativa do instituto como uma garantia do regime

complementar, resta evidenciada a obrigatória previsão da portabilidade como instituto inerente

ao tipo de previdência privada pretendida pelo legislador constitucional, ao editar o art. 202 da

Constituição Federal em sua redação contemporânea.

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5 ELEMENTOS DA PORTABILIDADE

O fim imediatamente colimado com a portabilidade é a transferência de valores

acumulados no fundo primitivo, para outro plano administrado por entidade distinta.

Na portabilidade, atuam como sujeitos, necessariamente envolvidos em seu

exercício, o participante e as entidades cedente e cessionária.

Temos, pois, como elementos a serem estudados, nesses termos, os sujeitos

envolvidos – participante e entidades - e o objeto – transferência de valores.

As condições legais ao exercício da portabilidade são premissas que devem ser

atendidas pelos sujeitos envolvidos ao operar-se o traslado dos valores acumulados, situando-se,

pois, além da classificação sobre quais seriam seus elementos.

5.1 Os Sujeitos Envolvidos na Portabilidade

A portabilidade pressupõe uma relação triangular, em que comparecem duas

entidades de previdência privada – a cedente dos valores e a cessionária - e o participante.

Ficam alheios à portabilidade os patrocinadores do plano, assim como os

instituidores das entidades associativas, no caso em que a cessão se faz a partir de uma entidade

fechada.

A razão para a afirmação de que a portabilidade não afeta o interesse do

patrocinador, ou ao menos não o afeta com adjetivação suficiente para obter qualquer resposta do

ordenamento jurídico, é tirada do quanto exposto por ocasião do exame do ingresso de valores

vertidos pelo empregador, patrocinador do plano, tópico ao qual se remete para maior

aprofundamento da matéria, neste ponto.

Quanto às entidades envolvidas na portabilidade, a transferência pode se dar entre

duas entidades fechadas de previdência, entre entidades abertas e de uma entidade fechada para

uma aberta, ou vice-versa.

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5.1.1 O participante

Participante é a pessoa que aderiu ao plano de previdência privada, assumindo a

qualidade de segurado do regime complementar.

Forrando-se de um risco social tipicamente ameaçador da pessoa humana, o

participante é sempre pessoa física dotada de capacidade civil, uma vez contratante; de

capacidade econômica, considerando que terá de verter contribuições; e de aptidão física e

previdenciária para vir a exercer a pretensão aos benefícios, visto que deve ser potencialmente

apto a exercer atividade laboral, tendo em conta que o ingresso na condição de inapto para o

trabalho, quer por ser menor de dezesseis anos, quer por sofrer de invalidez, não conferirá direito

ao benefício complementar.

Wladimir Novaes Martinez assim define participante:

“Somente a pessoa física tem autorização para ser participante ou beneficiária. A jurídica não é destinatária de norma de cobertura de previdência complementar. Por se tratar de pessoa humana, o indivíduo terá de ter capacidade física, civil, econômica e previdenciária; quem ingressa inapto para o trabalho não faz jus à complementação de benefício por incapacidade. O mesmo se passando com aquele que foi aprovado no exame admissional da patrocinador, mas adquire incapacidade para o trabalho antes da admissão na entidade. Só o maior civilmente tem permissão legal para exercer atividade. Ninguém será empregado ou autônomo sem idade mínima legal. Para ser segurado é preciso que possua, no mínimo, 16 anos.”53

Basta a qualidade de participante para ensejar o potencial exercício do direito à

portabilidade, o que se extrai do art. 27, que assim assegura tal faculdade aos participantes nos

planos abertos, bem como da referência a participante encontrada no § 1o do art. 14 nos planos

fechados, ambos da Lei Complementar n. 109/01.

Já quanto ao assistido, assim entendido nos termos da definição legal dada pela

Lei Complementar n. 109/01 como sendo o participante ou seu beneficiário que se encontra em

fruição do benefício de prestação continuada, a lei não o refere quando trata da portabilidade, o

que autoriza entendimento de que o participante em gozo de benefício não tem direito de portar o

quanto verteu ao plano.

Pela mesma razão, não há fundamento legal ao exercício da portabilidade pelo

beneficiário que logrou tal posição em razão de sua relação de dependência com o participante.

53 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 32.

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A questão, contudo, é polêmica, inclinando-se a Doutrina a uma interpretação

elástica da Lei Complementar n. 109/01, ao passo que, no sentido diametralmente oposto, a

regulamentação parece restringir o sentido da lei a ponto de resvalar em ilegalidade, impedindo a

portabilidade não apenas àquele em gozo do benefício, mas também para os que se encontram em

situação de elegibilidade, ou seja, na iminência de gozar do benefício.

Registra-se a opinião de Wladimir Novaes Martinez, nos seguintes termos:

“Tanto na Resolução CGPC ns. 9/02 e 06/03 (art. 14), quanto nas Resoluções CNSP ns. 92/02 (art. 5o.) e 93/02 (art. 5o.), constatam-se objeções administrativas à portabilidade em relação àqueles titulares que estejam em gozo dos benefícios. Pela sua enorme importância, trata-se de impedimento que consta da lei (e dele efetivamente não faz parte) ou não existe, extrapolando os órgãos supervisores dos MPS ao impedi-la. As razões freqüentemente apresentadas pela doutrina são válidas, mas nem sempre se sustentam.”54

A despeito da balizada opinião, acreditamos carecer de amparo legal a pretensão

do assistido à portabilidade, mormente considerando não haver justificativa para entender o termo

participante, adotado pela lei, senão em seu sentido técnico, em contraposição a assistido.

Veja a distinção feita pela Lei Complementar n. 109/01:

Art. 8º Para efeito desta Lei Complementar, considera-se:

I - participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e

II - assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de

prestação continuada.

Tratando-se de instituto jurídico, a portabilidade tem seu exercício estritamente

condicionado à lei. Dessa forma, a lei, ao reservar o exercício da portabilidade ao participante,

impõe o entendimento de que não conta com esse direito o assistido, ou seja, aquele participante

que se encontra já em gozo do benefício, mormente porque os distingue, definindo um e outro

conforme o art. 8o da Lei Complementar n. 109/01.

Mencione-se, a propósito do tema, a resolução CGPC n. 9/02, e as resoluções

CNSP n. 92/02 e 93/02, as quais impedem a portabilidade àqueles em gozo dos benefícios, e

especialmente a atual resolução CGPC n. 6/03, a qual veda a portabilidade a quem preencheu os

requisitos de elegibilidade ao benefício pleno (art. 14), aqui se identificando, porém, um

54 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p.

34/35.

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desbordamento dos limites legais traçados pela Lei Complementar n.109/01, a qual não prevê

qualquer objeção à portabilidade em relação ao participante em situação de elegibilidade.

Na tentativa de tirar da resolução uma interpretação que obedeça aos limites

traçados pela Lei Complementar n. 109/01, constatamos ponderações de que o art. 14 da

resolução CGPC n. 6/03 disciplinaria sobre a portabilidade para aqueles que optaram, em

momento precedente, pelo benefício proporcional diferido ou pelo autopatrocínio (art. 3o,

resolução CGPC n. 6/03) e, tempos depois, manifestaram o desejo de exercer a portabilidade, não

tendo, pois, preenchido os requisitos ao benefício pleno, pelo que não se trataria de regra

proibitiva à portabilidade para aqueles que preencheram os requisitos de elegibilidade, mas

apenas alusiva à manutenção da qualidade de participante daqueles que antes optaram pelo

vesting ou pelo autopatrocínio, em encadeamento lógico ao artigo 3o e art. 29 da resolução CGPC

n. 6/03.

No entanto, interpretação do art. 3o da resolução CGPC n. 6/03 consentânea com

a Lei Complementar n. 109/01 deve ter em mira que o arrependimento previsto no referido

dispositivo regulamentar é aquele anterior à efetivação do vesting, já que esse dispositivo limita-

se a mencionar não ser causa impeditiva à portabilidade a opção pelo benefício proporcional

diferido.

Feita a opção, isto é, antes da fruição do benefício proporcional diferido, mantém-

se a condição de participante; iniciado o gozo do benefício proporcional diferido, a figura

presente é a do assistido, em relação ao qual a Lei Complementar n. 109/01 não prevê o direito à

portabilidade, segundo a interpretação restritiva aqui adotada, a qual se harmoniza com o

parágrafo único do art. 3o da resolução CGPC n. 6/03.

Sendo assim, a interpretação sugerida ao art. 14 da resolução nada acrescentaria,

não obstante salvasse a regra do vício da ilegalidade.

Quanto a querer referir-se o art. 14 da resolução CGPC n. 6/03 ao caso de

precedente opção pelo autopatrocínio, a situação nem de longe ensejaria dúvida atinente à figura

do assistido, já que o autopatrocínio não tem qualquer referência com benefício previdenciário,

sendo antes modo pelo qual se mantém a qualidade de participante, com a assunção do

financiamento do plano na parte que lhe cabia somada aos valores antes a cargo do empregador,

patrocinador do plano. Também nesse ponto persistiria sem qualquer sentido o pretenso

aclaramento feito pelo art. 14.

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Na verdade, o que transparece é que de fato a resolução CGPC n. 6/03, em seu

art. 14, teve mesmo a intenção de recusar a portabilidade ao participante em situação de

elegibilidade, de modo que as objeções na tentativa de lhe emprestar interpretação harmoniosa

com a Lei Complementar n. 109/01 resultariam em retirar qualquer sentido ao referido artigo

regulamentar.

A incidência da regra contida no art. 14 da resolução CGPC n. 6/03, em sua

literalidade – e outra forma não se vê - infringe a Lei Complementar n. 109/01, a qual assegura

ao participante do plano previdenciário o direito à portabilidade, não cabendo ao poder

regulamentar distinguir se o participante encontra-se ou não em situação de elegibilidade, o que

significa dizer que eventual proibição ao exercício da portabilidade ao participante em situação

de elegibilidade, baseada no art. 14 da resolução CGPC n. 6/03, equivaleria a uma ilegalidade.

Sob outro giro, cabe registrar a interessante hipótese de se cogitar da portabilidade

no caso de falecimento do segurado, optando seus dependentes por usufruírem o benefício

perante outra entidade, portando os valores até então acumulados pelo participante.

Em resposta, temos como possível o exercício da portabilidade no caso aventado,

desde que os dependentes não iniciem o gozo do benefício. Admitida a portabilidade para o

participante nessa situação, fundando-se no entendimento de que mantém a condição de

participante e não de assistido, não há razão para negar semelhante direito aos dependentes em

elegibilidade.

No que diz respeito ao participante que exerceu o resgate, não há previsão legal

para optar pela portabilidade, o que segue a lógica do sistema, considerando tratar-se o resgate de

instituto que faculta ao participante o recebimento de valor decorrente do seu desligamento do

plano de benefícios, nos exatos termos da resolução CGPC n. 6/03.

Desligando-se do plano de benefícios incondicionalmente à sua adesão a outro

plano, o participante abandona a proteção do regime complementar, podendo a ele retornar como

se assim fizesse originalmente, pouco importando se a contribuição inicial compõe-se de valores

levantados por meio do resgate de plano previdenciário anterior.

A propósito, ao efetivar o resgate, o participante deixa de ostentar essa qualidade –

a de participante de plano previdenciário -, pelo que não haveria fundamento legal para amparar

sua condição subjetiva ao exercício da portabilidade, conferido pelo inciso II do art. 14 da Lei

Complementar n. 109/01.

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5.1.2 As entidades cedente e cessionária

As entidades envolvidas na portabilidade podem ser tanto abertas quanto

fechadas.

Como assinalado, a portabilidade é atualmente admitida indistintamente nos

planos de previdência fechada e nos planos de previdência aberta.

As particularidades, como se verá, tocam mais ao tipo de plano do qual ou para o

qual se pretende portar, do que especificamente em relação às entidades envolvidas.

Todavia, cabe adiantar que a portabilidade para entidade aberta apresenta condição

legal própria desse segmento, prevista no § 4o. do art. 14 da Lei Complementar n. 109/01.

No âmbito das entidades abertas, a adesão aos planos ofertados depende,

evidentemente, da manifestação de vontade de ambos os contratantes.

No âmbito das entidades fechadas, não cabe à entidade recusar o recebimento dos

valores portados pelo participante que tenha vínculo empregatício com o patrocinador do plano.

Nesse sentido dispunha a revogada resolução CGPC n. 9/02, em seu artigo 10.

A atual resolução CGPC n. 6/03 silencia a respeito.

A Lei Complementar n. 109/01, contudo, consigna no art. 16 que os planos de

benefícios devem ser, obrigatoriamente, oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores

ou associados dos instituidores, o que indica a vedação legal quanto à recusa, pela entidade

fechada, tanto dos empregados dos patrocinadores ou dos instituidores, quanto daqueles que

apresentem um vínculo associativo com o instituidor do plano.

Nesse ponto, pois, prescindia-se mesmo de regulamentação normativa, pelo que

fez bem a atual resolução em silenciar a respeito do tema.

5.2 O Objeto

Por intermédio da portabilidade opera-se uma retirada de valores que integravam o

fundo formado no plano de previdência, retirada esta tipificada por uma destinação específica e

inerente ao instituto, expressa pela indisponibilidade ao participante dos valores portados, os

quais inexoravelmente ingressarão no plano gerido por outra entidade de previdência privada.

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O objeto da portabilidade é, pois, uma retirada de capital qualificada pelo destino

de servir ao custeio de outro plano de previdência.

Ao dispor sobre “direito acumulado”, a lei, por certo, não se valeu da expressão

em sua acepção precisa, já que em geral distingue-se direito de valores com definição

pecuniária, se bem que tecnicamente não se pode afirmar que determinados valores atribuídos a

certa titularidade não sejam um direito de seu titular.

Veja os termos legais em que restou disciplinada a matéria:

Art. 14. Os planos de benefícios deverão prever os seguintes institutos,

observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e

fiscalizador:

I- [...]

II- portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro

plano;

III- [...]

IV- [...]

Ainda que se admita a equivalência entre os termos legais atinentes a direito

acumulado e valores jacentes por acumulação no fundo previdenciário, considerando que soma

em dinheiro não deixa de integrar o conceito de direito do seu titular, uma possível explicação

para a opção legislativa quanto à referida expressão talvez seja obtida pelo exame do assunto no

âmbito da previdência privada norte-americana, em que o planejamento previdenciário por

iniciativa particular encontra-se sedimentado na cultura dos cidadãos por anos de aprimoramento.

Em matéria de previdência complementar, muito de nossa sistemática atual foi

copiada da previdência privada norte-americana, inclusive com tradução literal dos termos nela

correntes, o que nem sempre se mostrou salutar para a pronta compreensão dos diversos institutos

brasileiros nessa matéria, quiçá mais facilmente aferidos se nomeados em termos mais próximos

de seu verdadeiro sentido para nós. A esse respeito, remetemos à consulta o artigo elaborado por

Arthur Bragança Vasconcellos Weintraub.55

55 WEINTRAUB, Arthur Bragança de Vasconcellos. A influência da previdência privada dos EUA no Brasil. Revista de Direito Social, v. 4, n. 15, p. 59-66, jul../set. 2004.

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Seja como for, na portabilidade não há “direito” transferido pelo participante para

gozo perante outra entidade. O que há é o traslado de valores, com perfeita expressão monetária,

os quais cumprirão função atuarial no novo plano de benefícios.

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6 O NORTE TRAÇADO À REGULAMENTAÇÃO LEGAL E INFRALEGAL NO TEMA

PORTABILIDADE

Dentre os resultados do exercício da portabilidade, o que de mais concreto se

evidencia ao participante é a exata aferição do quantum lhe pertence até o momento, para o fim

de servir como aporte no financiamento de seu futuro benefício.

Em última análise, o que aguarda o participante é a tradução, em valores, do

correspondente a seu direito acumulado.

A aferição do direito acumulado pelo participante é construída a partir dos

preceitos legais, integrados pelas disposições dos órgãos reguladores, conforme art. 15 da Lei

Complementar n. 109/01.

Naturalmente que o espaço reservado à regulamentação, e mesmo à interpretação

dos dispositivos legais, devem ter em mira os princípios constitucionais que regem a previdência

complementar, o que reclama certas premissas como de atendimento obrigatório pelo legislador e

pelos órgãos reguladores.

Despertando interesse público a sorte do indivíduo por ocasião de sua inatividade,

o Estado determina em certos aspectos como se expressará a vontade na contratação do seguro

social privado, este considerado importante instrumento ao bem-estar social.

Sob esse enfoque, a novidade é o comando que indica às partes, como ponto além

do alcance da disposição dos contratantes, a liberdade não só na contratação do plano de

previdência privada, mas a livre disposição do participante em optar por manter a programação

de seu futuro previdenciário perante outra entidade previdenciária, inclusive em se tratando de

plano mantido junto à entidade de previdência fechada, o que reflete a evolução do seguro social,

inicialmente objeto de interesse de determinadas categorias profissionais e, após, dotado de

importância sob o aspecto coletivo dos trabalhadores, com seu aprimoramento contemporâneo

como meio de proteção voltado indistintamente a todo indivíduo, independentemente do

desempenho de atividade remunerada, com o que se aparta, definitivamente, das relações

trabalhistas.

A contratação de plano de previdência complementar - e o correspondente bem-

estar que proporciona, por si, sem qualquer outra agregação valorativa a depender de qual o

grupo social assegurado - é tida pelo Estado como tema de interesse social na medida em que

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confere, a todo e a cada um, melhores condições de vida, indicativo do ideal de bem-estar geral

assumido como objetivo a ser concretizado pelo Estado moderno.

No exame da regulamentação da matéria, tanto em nível legal como infralegal, há

de se buscar não só a efetividade dos comandos normativos segundo os indicativos

constitucionais – o que já não é pouco -, mas o ideal de tratar o tema em conformidade com os

valores que informam o ordenamento jurídico, o que remete à objetivação pretendida por nosso

sistema normativo ao acolher o negócio do seguro social privado e às desejadas implicações

sociais dele decorrentes, conforme tratado por ocasião do exame do contrato previdenciário e de

sua função social.

As ponderações quanto a refugir a matéria relativa à previdência complementar ao

estrito interesse das partes contratantes, bem como os fundamentos a justificá-las, foram lançados

já de início, motivo pelo qual não serão retomadas, a não ser como premissas postas a explicar a

ingerência do Poder Público na vontade dos sujeitos da relação previdenciária.

Pelas mesmas razões, não serão repetidos os princípios constitucionais assinalados

em matéria de previdência privada, assim como o alcance que merecem ter em sua função

balizadora à atividade legislativa e regulamentar. Tais princípios servirão como molde à

conferência quanto ao acerto do arcabouço legal editado a partir do art. 202 da Constituição

Federal.

Portanto, a premissa primeira é aquela que concerne ao interesse público que

permeia o incentivo ao planejamento previdenciário, de modo a despertar no indivíduo a

preocupação com seu futuro e de sua família, minimizando o risco social, o que potencializa o

bem-estar objetivado pelo Estado.

Dessa premissa decorrem a liberdade na contratação do seguro social privado e a

preservação da vontade do participante ao longo do cumprimento do contrato - inclusive com

opção de variar a entidade que administra o plano -, bem como a independência entre a relação

previdenciária e a relação trabalhista, cabendo, ao legislador, editar normas nesse sentido, e aos

órgãos regulamentares, dispor sobre mecanismos que tornem simples e claras as regras de modo

a, sem interferir na livre disposição do indivíduo, tornar sempre mais atrativa a participação em

plano de previdência privada, ainda que perante outra entidade, em comparação ao desligamento

do regime complementar.

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Dito isso, é decorrência lógica que a disciplina normativa da portabilidade deve

ser influenciada pela valoração positiva do ordenamento jurídico quanto à adesão e manutenção

do indivíduo em plano de previdência privada, mormente considerando que o instituto em exame

expressa, como nenhum outro, um meio de preservar o liame previdenciário a despeito do

possível descontentamento com a entidade que administra o plano, e apesar de toda sorte de

revezes que podem ser verificados no âmbito das relações trabalhistas.

Portanto, a nota deve ser a da facilitação do exercício da portabilidade, tornando-o

mais atrativo que o abandono do regime complementar, e sempre mais vantajoso que a opção por

qualquer outro instituto de previdência privada que interrompa o curso da busca pelo benefício

pleno.

É sob tais balizas que se espera o regramento da portabilidade. Caso contrário,

impende conclusão no sentido da transgressão dos preceitos postos em matéria de previdência

complementar.

6.1 A Regulamentação Legal à Fixação dos Valores Portáveis

O que de mais palpável resulta da experiência da portabilidade é a transparência

que esse instituto jurídico empresta ao sistema, visto evidenciar o quanto, até então, foi custeio do

plano, e quanto resultou em valor certo como pertencente ao participante, caso opte pelo traslado

a outra entidade, em prosseguimento ao planejamento de seu futuro previdenciário.

A certeza do participante de que dispõe de uma reserva a qual o acompanhará,

mesmo à vista do rompimento do vínculo empregatício, ou em decorrência de seu simples desejo,

no caso de plano administrado por entidade aberta, acentua que não foi em vão o sacrifício até

então decorrente do custeio do plano, propiciando antever o planejamento da previdência privada

como um negócio confiável, transparente, com resultado certo e protegido.

No exercício da portabilidade a primeira pergunta que se põe, naturalmente,

refere-se à força com que o valor amealhado servirá como investimento perante outra entidade de

previdência privada, ou seja, em quais cifras exatas ocorrerá o traslado por meio da portabilidade.

Como mencionado, o art. 14 da Lei Complementar n. 109/01 trata de portabilidade

do direito acumulado pelo participante.

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O art. 15, parágrafo único, da Lei Complementar n. 109/01, referindo-se à

portabilidade, diz que o direito acumulado é a reserva constituída, ou a reserva matemática.

Estes os exatos termos:

Art. 15. Para efeito do disposto no inciso II do caput do artigo anterior,

fica estabelecido que:

I- a portabilidade não caracteriza resgate; e

II- é vedado que os recursos financeiros correspondentes transitem

pelos participantes dos planos de benefícios, sob qualquer forma.

Parágrafo único. O direito acumulado corresponde às reservas

constituídas pelo participante ou à reserva matemática, o que lhe for

mais favorável.

Não é novidade atrelar-se o valor a ser portado àquele relativo ao da reserva

matemática.

Apesar de o instituto em exame ter sido acolhido com amplitude condizente à

independência entre a relação trabalhista e a relação previdenciária somente a partir da Lei

Complementar n. 109/01, em atendimento ao art 202, § 2o, da Constituição Federal, a

possibilidade quanto à transferência de valores de um a outro fundo previdenciário, uma vez

rompido o vínculo empregatício, já era procedida segundo a reserva matemática, nos tempos em

que vigia a Lei n. 6.435/77, assinalando-se que na época havia a exigência de que essa

transferência se efetivasse a plano instituído pelo novo empregador, o que, evidentemente,

limitava sobremaneira a liberdade do participante, em comparação aos termos atuais.

Veja comentários de Manuel Sebastião Soares Póvoas, feitos à Lei n. 6.435/77:

“No estágio atual da instituição, quando o inscrito se desliga da empresa que o inscreveu e é admitido noutra, é possível, exclusivamente no caso da nova empregadora ter instituído um plano, noutra entidade, aberta ou fechada, que a reserva matemática acumulada em nome dele, seja transferida para o novo plano, com o que a primeira entidade deixa de ter qualquer responsabilidade previdenciária em relação a ele.”56

Neste ponto a inovação da Lei Complementar n. 109/01 refere-se ao mandamento

legal que determina a adoção do valor correspondente à reserva constituída na hipótese desta

superar o montante equivalente à reserva matemática.

56 POVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada,:planos empresariais. Fundação Escola Nacional de Seguros Editora, 1991, p. 307.

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O aprofundamento na aferição do conceito de reserva constituída e de reserva

matemática tem sua importância assinalada pelo fato de que sob o foco de sua conceituação

técnica restar dimensionado o valor a ser portado, o que, em última análise, é o quanto se percebe

como fenômeno da experiência do instituto da portabilidade.

6.1.1 Reserva constituída

Grosso modo, pode-se dizer que reserva constituída abarca as contribuições

ingressas no plano, mais seus rendimentos.

A reserva constituída corresponde ao montante das contribuições pagas mais os

rendimentos do capital, enquanto a reserva matemática tem referência com o custo do benefício.

Na reserva constituída, a princípio, serão computadas todas as contribuições

efetivadas, se bem que, conforme se verá, há casos especificamente referentes à posição assumida

pelo patrocinador que importarão em portabilidade sobre valores que não ingressaram no plano.

6.1.2 Reserva matemática

Sob a rubrica reserva matemática encontramos não um, mas vários apontamentos

contábeis, cada qual com sua função atuarial, todos do gênero reserva matemática.

São espécies de reserva matemática a reserva matemática de benefícios a

conceder, as reservas matemáticas de benefícios concedidos, as reservas matemáticas de

obrigações em curso, contrapondo-se a reservas não matemáticas, as quais têm caráter

administrativo.

A reserva matemática constitui-se num conjunto da soma entre três grandezas que

expressam as contribuições originais do participante, as do patrocinador, se o caso, e as despesas

operacionais, estas como o fator negativo na referida operação.

Traga-se o ensinamento de Wladimir Novaes Martinez quanto à amplitude dos

questionamentos que podem surgir neste tema:

“A idéia mais simples de reserva matemática consiste em ser o nível de garantia das obrigações assumidas com os participantes, incluindo os contribuintes ativos e os atuais e futuros aposentados. [...]

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Os arts. 14/15 (fechada) e 27 (aberta) da LBPC nada dizem quanto à dedução das verbas de administração do plano, mas, à evidência, elas diminuem o encargo do fundo cedente. Aliás, certamente, ao menos coletivamente sua contabilidade já terá definido previamente esse montante. Quando define o resgate há menção de dedução das despesas, mas isso não significa que a contrario sensu isso não sucederá na portabilidade. Pela sua importância a matéria merece disciplina própria, em que sejam indicadas claramente as parcelas incluídas, pois abusos podem ser cometidos, não só na apuração dos valores quanto em sua definição.”57

Em conceituação singela, reserva matemática é o quanto deve dispor o plano de

modo a garantir as obrigações assumidas com os participantes.

A reserva matemática é formada a partir dos valores ingressos e ainda não gastos

com o pagamento de benefícios, de modo que acumulam-se as contribuições até que sejam

necessárias a fazer frente às despesas com o pagamento dos benefícios.

Isso é possível uma vez que os planos são instituídos à luz de consideração de

contribuições uniformes, as quais não apresentam variação segundo a oscilação do risco da

cobertura prevista no contrato, ou seja, no contrato previdenciário a contribuição não acompanha,

em sua quantificação, a acentuação do risco.

No início do plano, o participante suporta um valor maior que o necessário para

assegurar o risco (ex., morte, invalidez, doença), risco este crescente, sem contrapartida

equivalente nas contribuições, as quais permanecem inalteradas e, com o tempo, passam a

representar a exata suficiência à cobertura; mais tarde, demonstram-se insuficientes à gravidade

do risco, então muito provável ou até mesmo iminente.

O equilíbrio financeiro da entidade é mantido na medida em que o inicial acúmulo

de valores, capitalizados ao longo do desenvolvimento do plano, constitui-se em reserva à época

em que é concentrada a verificação do risco, sendo então recorrente o pagamento de benefícios

aos diversos participantes.

Sendo assim, no conjunto de participantes, ainda que se verifique um ou outro

evento que contrarie as projeções ditadas quando da instituição do plano, de saída haverá uma

superação de valores ingressos frente a pouca ou nenhuma verificação de configuração do risco

coberto, excedente o qual, no entanto, terá sua função atuarial à época em que for grande a

constatação dos eventos que ensejam o pagamento de benefícios, apresentando-se insuficiente a

soma de contribuições contemporâneas, frente à incidência de casos em que é chamada a entidade

57 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 47/48

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a cumprir suas obrigações. É neste período que se espera ver cumprido o equilíbrio ditado

segundo os cálculos do atuário que engendrou o plano, formando-se a reserva matemática no

período precedente, em que há previsão de acúmulo de capitais.

6.1.3 Reserva matemática e reserva constituída para fins de portabilidade

Na parte em que interessa ao estudo da portabilidade, insta examinar reserva

constituída e reserva matemática para o fim específico de quantificar o valor a ser portado,

restando fora do alcance de análise tantas outras espécies de reserva matemática, conforme acima

exemplificativamente indicado, assim como o gênero reservas não-matemáticas, ao qual se fez

menção.

Reserva constituída tem referência com o valor vertido ao plano pelo participante,

com o que se distingue de reserva matemática, na medida em que essa grandeza é extraída do

confronto entre o benefício a conceder e os valores das contribuições ainda devidas pelo

participante.

A distinção entre reserva constituída e reserva matemática é evidenciada,

portanto, já pela origem do referencial adotado na aferição de uma e de outra dessas grandezas.

A reserva constituída é a soma das contribuições individualmente consideradas,

voltadas a fazer frente aos benefícios contratados, descontadas as despesas administrativas.

A reserva matemática resulta do valor do benefício futuro, subtraído o montante

correspondente às contribuições ainda não pagas.

Traga-se a distinção observada por Newton Cezar Conde:

“A legislação define “direitos acumulados” como maior valor entre as “reservas constituídas pelo participante” e a respectiva “reserva matemática”. A primeira é definida como as contribuições pessoais destinadas ao custeio dos benefícios programados (não computadas aquelas para benefícios de risco e despesas administrativas) e a segunda, a reserva matemática, que é a diferença entre o somatório dos benefícios a pagar e as contribuições futuras a recolher”.58

Atribuindo valores hipotéticos à conceituação lançada, temos, num plano cujo

benefício é de 10.000,00 unidades monetárias, com contribuições mensais de 1.000,00 unidades

monetárias, no sexto mês:

58 CONDE, Newton Cezar. Portabilidade e vesting. In: REIS, Adacir (Coordenador). Fundos de Pensão em Debate, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 161/169.

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10.000,00 (valor do benefício) - 4.000,00 (contribuições que faltam) = 6.000,00

unidades monetárias (reserva matemática).

Para a apuração do valor relativo a reserva constituída, o eminente atuário indica

que o cálculo deve partir do montante vertido pelo participante, descontados os valores pagos

pelo empregador.59

Na hipótese proposta, se o empregador patrocina o plano com 400,00 unidades

monetárias, e o participante assume o custeio de 600,00 unidades monetárias, a reserva

constituída, no sexto mês, resultaria em 3.600,00 unidades monetárias.

Observa-se que no hipotético exemplo, se consideradas as contribuições feitas

pelo patrocinador, resultaria equivalência entre a reserva constituída e a reserva matemática.

Isso deriva, no entanto, da desconsideração do rendimento do capital a que, na

realidade, sujeita-se a apuração da reserva constituída, excluído da hipótese de modo a tornar

mais singela a apreensão de ambos os conceitos, com objetivo de evidenciar a contraposição

principal a distinguir a reserva constituída da reserva matemática, calcada no referencial adotado

na aferição de uma e de outra: o valor acumulado com base nas contribuições, para a reserva

constituída, e o valor faltante em consideração ao benefício contratado, para a reserva

matemática.

Em termos estritamente atuariais, esses os parâmetros à idéia de reserva

constituída e reserva matemática, valendo lembrar que a regulamentação da matéria deve ter em

mira a aplicabilidade de tais conceitos técnicos com as adaptações necessárias à efetivação dos

princípios constitucionais regentes da previdência complementar.

Desse modo, conforme anteriormente assinalado, a reserva constituída deve

alcançar tudo quanto vertido ao plano em nome do participante, o que inclui as contribuições

feitas pelo patrocinador no caso de portabilidade de plano de entidade fechada.

A defesa desse entendimento se faz a partir de uma interpretação calcada nos

princípios constitucionais ditados pelo § 2o do art. 202 da Constituição Federal, resultando

entendimento que elimina a aparente restrição contida no parágrafo único do art. 15 da Lei

Complementar n. 109/01, o qual define direito acumulado como correspondente às reservas

constituídas pelo participante.

59 CONDE, Newton Cezar. Portabilidade e vesting. In: REIS, Adacir (Coordenador). Fundos de Pensão em Debate, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 161/169.

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6.2 A Regulamentação Infralegal à Fixação dos Valores Portáveis

Conforme assinalado, o parágrafo único do art. 15 da Lei Complementar n. 109/01

contém os comandos que definem a apuração do valor a ser transferido como resultado do

exercício da portabilidade, determinando que o quantum portado será o maior dentre aquele

correspondente à reserva matemática e à reserva constituída.

Esse comando normativo deve ser entendido com sentido potencializado pelos

ditames do § 3o do art. 14, em interpretação sistemática, visto que apesar de a lei complementar

regulamentar a previdência privada em sua totalidade, não escapou ao legislador a distinção

inerente a cada tipo de plano, bem como o fato de que os saques em decorrência da portabilidade

não haviam sido considerados pelo atuário nos planos já em andamento, de modo que a

observância dessas peculiaridades impunha-se como garantia de preservação do equilíbrio

financeiro dos planos.

Tanto assim que os incisos II e III do § 3o do art. 14 da Lei Complementar n.

109/01 prevêem a regulamentação do instituto pelo órgão regulador e fiscalizador, com

necessária observância da modalidade do plano de benefícios e da data em que foi instituído, se

antes ou depois da Lei Complementar.

Estes os termos dos incisos II e III, § 3o, art. 14 da Lei Complementar n. 109/01,

sendo, a um só tempo, permissão e baliza à atividade dos órgãos reguladores:

Art. 14. [...]

§ 3o. Na regulamentação do instituto previsto no inciso II do caput deste

artigo, o órgão regulador e fiscalizador observará, entre outros

requisitos específicos, os seguintes:

I- se o plano de benefícios foi instituído antes ou depois da publicação

desta Lei Complementar;

II- A modalidade do plano de benefícios.”

A regulamentação resultante expressa-se nos termos da resolução CGPC n. 06/03,

desta forma:

Art. 15. O direito acumulado pelo participante no plano de benefícios

originário, para fins de portabilidade corresponde:

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I- nos planos instituídos até 29 de maio de 2001, ao valor previsto no

regulamento para o caso de desligamento do plano de benefícios,

conforme nota técnica atuarial, observado como mínimo o valor

equivalente ao resgate, na forma definida no Capítulo III desta

Resolução;

II- nos planos instituídos a partir de 30 de maio de 2001:

a) em plano cuja modelagem de acumulação do recurso garantidor do

benefício pleno programado seja de benefício definido, às reservas

constituídas pelo participante ou reserva matemática, o que lhe for mais

favorável, na forma regulamentada e conforme nota técnica atuarial do

plano de benefícios, assegurado no mínimo o valor do resgate nos

termos desta Resolução;

b) em plano cuja modelagem de acumulação do recurso garantidor do

benefício pleno programado seja de contribuição definida, à reserva

matemática constituída com base nas contribuições do participante e do

patrocinador ou empregador.

§ 1o. Em plano que, na fase de acumulação do recurso garantidor do

benefício pleno programado, combine alternativamente características

das alíneas “a” e “b” do inciso II deste artigo, a reserva matemática

corresponderá ao maior valor que resultar da aplicação das regras

previstas nas alíneas “a” e ”b”.

§ 2o. Em plano que, na fase de acumulação do recurso garantidor do

benefício pleno programado, combine cumulativamente características

das alíneas “a” e “b” do inciso II deste artigo, a reserva matemática

corresponderá à soma dos valores resultantes da aplicação isolada das

regras previstas nas alíneas “a” e “b”.

§ 3o. Para fins de aplicação da alínea “a”, do inciso II deste artigo,

entende-se por reserva constituída pelo participante o valor acumulado

das contribuições vertidas por ele ao plano, destinadas ao financiamento

do benefício pleno programado, de acordo com o plano de custeio,

ajustado conforme o regulamento do plano de benefícios.

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§ 4o. O regulamento do plano de benefícios poderá prever outros

critérios para apuração do direito acumulado pelo participante que

resultem em valor superior ao previsto neste artigo, sempre respeitando

as especificidades do plano de benefícios.

§ 5o. Os critérios e a metodologia de apuração do direito acumulado

pelo participante, para fins de portabilidade, considerando eventuais

insuficiências de cobertura do plano de benefícios, deverão constar do

regulamento e da nota técnica atuarial do plano de benefícios.

Vejamos, pois, se a regulamentação do parágrafo único, art. 15 da Lei

Complementar n. 109/01 obedeceu as disposições legais, bem como se observou os limites

permitidos pelo § 3o do art. 14.

6.2.1 Planos instituídos antes da Lei Complementar n. 109/01

Como adiantado, a delegação ao poder regulamentar autorizada pela Lei

Complementar n. 109/01, conforme referência expressa dos incisos II e III do § 3o do art. 14,

limita-se à operacionalidade da portabilidade segundo os critérios da modalidade de cada plano e

da data de sua instituição, o que interessa para o fim de estabelecer prazo de carência ao seu

exercício, procedimentos, formalidades que sirvam a cada qual segundo sua estruturação, enfim,

tudo quanto, naturalmente, não adrede estabelecido pela lei.

É verdade que a introdução do instituto da portabilidade nos planos em que não

havia previsão de saque a esse título poderia gerar desequilíbrio.

O eminente atuário Newton Cezar Conde assinala que para os planos instituídos

antes da Lei Complementar n. 109/01, a previsão necessária deveria resumir-se ao resgate das

contribuições pessoais, já que a portabilidade e o benefício proporcional diferido poderiam

devolver ao participante mais que suas contribuições, ocasionando desequilíbrio ao plano60.

Contudo, fato é que a Lei Complementar n. 109/01 dispôs sobre a portabilidade

também para os planos precedentes à sua vigência, tanto assim que a eles expressamente se

60 CONDE, Newton Cezar. Portabilidade e vesting. In: REIS, Adacir (Coordenador). Fundos de Pensão em Debate, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 161/169.

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refere, não havendo espaço para que em nível regulamentar admita-se distinção sob o aspecto do

critério de aferição dos valores portáveis.

Anota-se que ao se referir à portabilidade, a Lei Complementar n. 109/01 não dá

margem a dúvidas quanto a sua correspondência à reserva constituída ou à reserva matemática, o

que for maior.

Pendia, pois, regulamentação com esforço no sentido de mais se aproximar à

vontade da lei, assim até o limite estritamente necessário à preservação do equilíbrio financeiro-

atuarial do plano.

A necessidade era estabelecer norma regulamentar que obtivesse a máxima

eficácia possível dos comandos do parágrafo único do art. 15, respeitando-se, naturalmente, o

essencial equilíbrio financeiro do plano.

No entanto, referindo-se a plano instituído antes da Lei Complementar n. 109/01,

o inciso I, art. 15 da resolução CGPC n. 6/03, ao equiparar o montante portado àquele que teria

direito o participante em caso de mero resgate, parece engendrar solução simplista, que vai de

encontro à inspiração do instituto da portabilidade, já que a regra não serve como incentivo a que

o participante mantenha-se engajado na busca do benefício pleno.

Estes os termos do art. 26 da resolução CPPC n. 6/03, indevidamente adotado pela

mesma resolução como parâmetro à portabilidade nos casos de planos instituídos antes da Lei

Complementar n. 109/01:

Art. 26. O valor do resgate corresponde, no mínimo, à totalidade das

contribuições vertidas ao plano de benefícios pelo participante,

descontadas as parcelas do custeio administrativo que, na forma do

regulamento e do plano de custeio, seja de sua responsabilidade.

Pondera-se que a depender da situação financeira do plano, poder-se-ia cogitar de

condição suficiente para permitir a portabilidade segundo a reserva matemática sem que se

verificasse qualquer desequilíbrio, caso se mostrasse ela superior ao valor apurado nos termos do

art. 26, de modo que a disposição contida no inciso I do art. 15 da resolução CGPC n. 6/03

nivelou “por baixo” a capacidade de as entidades de previdência arcarem com retiradas maiores

para o fim de atender ao exercício da portabilidade.

Com ressalva à opinião de que o resgate seria a única opção ao participante em

planos anteriores à Lei Complementar n. 109/01, defendida por Newton Cezar Conde, traga-se o

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quanto exposto por esse estudioso em abordagem que aqui é considerada como solução possível

para equacionar a questão da fixação dos valores a serem portados de planos formados antes da

lei complementar, na hipótese de restar a reserva matemática, segundo a sistemática que ora se

propõe, mais vantajosa que a retirada conforme o equivalente ao resgate:

“Os planos instituídos antes da Lei Complementar n. 109 não precisavam ter a portabilidade e o benefício proporcional diferido, e sim o resgate das contribuições pessoais. No entanto, esses dois mecanismos podem proporcionar aos participantes valores superiores aos resgates e, com isso, provocar um desequilíbrio financeiro-atuarial no plano de benefícios, de tal sorte a inviabilizá-lo. [...] Do ponto de vista técnico-atuarial, os planos existentes não poderiam se comprometer, para efeitos de portabilidade e benefício proporcional diferido, com valores diferentes das reservas matemáticas. Entendemos que, para os Planos de “BD”, que podem gerar situações deficitárias ou superavitárias, deve-se agregar esses resultados às reservas matemáticas. Ou seja, o valor ideal seria liberar, para o participante que optou por um dos institutos em questão, as reservas matemáticas, acrescidas do correspondente superávit ou reduzidas do respectivo déficit.”61

A resolução CGPC n. 6/03, ao equiparar o valor portado ao montante ao qual teria

direito o participante na hipótese de abandono do regime complementar, desestimula a opção pela

portabilidade, na medida em que confere ao participante direito sobre montante em nada superior

ao resgate, com a desvantagem da indisponibilidade dos valores, traço inerente à portabilidade, o

que faz evidentemente mais vantajoso o desligamento, em comparação à persistência do

participante no regime complementar.

Nesse aspecto, a resolução CGPC n. 6/03 contraria o espírito da Lei

Complementar n. 109/01, que albergou o instituto da portabilidade como modo de incentivar a

persistência em plano de previdência privada, desbordando ainda dos limites impostos pelo

parágrafo único do art. 15 da referida norma, já que neste ponto a lei não permite regulamentação

diferenciadora, nada dispondo que fizesse inferir sobre qualquer particularidade a depender da

modalidade do plano ou da data em que foi instituído quanto à fixação de parâmetro outro que

não o da superioridade entre a reserva constituída e a reserva matemática para fim de

dimensionamento dos valores portáveis.

61 CONDE, Newton Cezar. Portabilidade e vesting. In: REIS, Adacir (Coordenador). Fundos de Pensão em Debate, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, p. 161/169.

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6.2.2 Planos instituídos a partir da Lei Complementar n. 109/01

No que respeita aos planos instituídos a partir da Lei Complementar n. 109/01,

cujos cálculos atuariais devem considerar os saques decorrentes da portabilidade, a

regulamentação pautou-se segundo o disposto no parágrafo único do art. 15 da referida norma,

limitando-se às adaptações necessárias segundo o tipo de plano tratado, salvo a questão quanto à

composição das reservas constituídas nos planos de benefícios definidos.

Observe-se quanto aos planos de benefício definido que o quantum portado tomará

por base o maior valor dentre a reserva constituída e a reserva matemática, enquanto nos planos

de contribuição definida tal equivalerá à reserva constituída com base nas contribuições do

participante e do patrocinador ou empregador, o que é facilmente justificado, já que neste tipo de

plano o valor do benefício é definido apenas na data da concessão.

Até aqui, o poder regulamentar foi fiel às disposições legais, apenas adaptando os

comandos normativos de modo a torná-los concretos segundo os tipos de planos.

Contudo, não se vê fundamento legal, ou razão de ordem atuarial, que justifique a

distinção de como se apura a reserva constituída em plano de benefício definido.

Veja que, nos termos da resolução, em plano de contribuição definida a reserva

matemática corresponderá às contribuições do participante e do patrocinador ou empregador,

conforme já referido (b, II, art. 15, resolução CGPC n. 6/03), ao passo que nos planos

organizados segundo o benefício definido as reservas constituídas seriam formadas tão-só com

os valores acumulados pelas contribuições vertidas pelo participante (§ 3o, art. 15, resolução

CGPC n. 6/03).

É fato que o mutualismo é mais presente em planos do tipo benefício definido, o

que dificulta a apuração do quinhão ao qual teria direito o participante em caso de portabilidade,

havendo ainda previsão regulamentar de que se a reserva matemática for maior, ela servirá como

parâmetro a fixar o valor portado, ao invés da reserva constituída.

Porém, tal não justifica separar os valores vertidos pelo patrocinador, esvaziando a

reserva constituída, a qual, no caso concreto, poderia resultar maior que a reserva matemática se

considerado o conjunto das contribuições do participante e do patrocinador.

A regra normativa em exame trata de plano formado a partir da Lei Complementar

n. 109/01, de modo que o empregador, ao optar por patrocinar plano de benefício definido,

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deveria considerar essa modalidade de plano mais o instituto da portabilidade, levando em conta

isso tudo por ocasião dos cálculos atuariais, o que bastaria para evitar inconvenientes ao

equilíbrio financeiro do plano.

Sob outro giro, vale lembrar o quanto dito no tópico em que se discorreu sobre as

contribuições vertidas pelo patrocinador e seu reflexo à esfera de interesses do participante, de

modo que a premissa à interpretação conforme os ditames constitucionais, especialmente aquele

relativo à independência entre a relação trabalhista e a relação previdenciária, pressupõe o sentido

de que as reservas constituídas são aquelas relativas à totalidade das contribuições vertidas, não

importando em qual percentagem foram suportadas pelo participante ou pelo patrocinador.

Nesse sentido é que se interpreta o disposto no parágrafo único, art. 15 da Lei

Complementar n. 109/01 quanto à definição legal de direito acumulado como sendo

correspondente às reservas constituídas pelo participante, conforme já defendido, e neste

parâmetro é que deveria ter-se operado a regulamentação do dispositivo legal.

Além de não encontrar ressonância no mandamento constitucional indicativo de

como deve ser disciplinada a matéria em nível legal e, conseqüentemente, infralegal, a resolução

do Conselho Gestor da Previdência Complementar, na parte em que despreza as contribuições

vertidas pelo patrocinador em caso de participante de plano de benefício definido que opta pela

portabilidade, desconsidera a razão de ser do patrocínio, tornando mera ilusão a idéia do

participante de que a vantagem considerada, quando da celebração do contrato de trabalho,

relativa ao patrocínio do plano, reverteria em seu interesse mesmo que desfeito o vínculo laboral.

Fixada a aferição dos termos reservas constituídas pelo participante de modo

compatível aos princípios constitucionais, a disposição regulamentar conflita com o ordenamento

jurídico na parte em que define reserva constituída pelo participante como sendo o valor

acumulado das contribuições vertidas por ele ao plano. (§ 3o, art. 15, resolução CGPC n. 6/03).

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7 A PORTABILIDADE NAS DIVERSAS MODALIDADES DE PLANOS E SITUAÇÕES

7.1 Questões Relativas ao Tipo do Plano

A portabilidade é instituto cujo exercício não se apresenta de forma idêntica, visto

que seu caráter atuarial propicia variações a depender da modalidade do plano adotado.

Neste ponto, os questionamentos em decorrência do exercício da portabilidade são

ocasionados muito mais em razão da modalidade dos planos envolvidos do que por conta do tipo

de entidades que comparecem na condição de cedente e cessionária – entidades abertas e

entidades fechadas.

Linhas gerais, os planos organizam-se segundo duas grandes vertentes: os planos

de contribuição definida e os planos de benefícios definidos.

Nos planos de contribuição definida, o valor da contribuição é fixado quando da

adesão ao plano, e o benefício tem definição por ocasião de sua concessão.

Os valores vertidos pelos participantes são, portanto, individualizados, de modo

que a mensuração do valor a ser portado é operação de relativa simplicidade.

Os planos de benefícios definidos podem ou não se apresentar com características

mutualistas, hipótese em que a portabilidade de valores torna-se operação bem mais complexa.

Há planos de benefícios definidos organizados a partir de cálculos que fixam o

valor do benefício e o montante da contribuição suficiente a seu pagamento. Neste caso, apesar

de se tratar de plano do tipo benefício definido, há marcante caráter individualista, o que torna

relativamente fácil a aferição do quinhão pertencente ao participante em caso de portabilidade.

Já nos planos de benefícios definidos em que os valores considerados no cálculo

do benefício seguem parâmetros distintos daqueles relativos às contribuições, comumente

adotados no âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, os benefícios, a

despeito de estimados, somente serão calculados com grau de certeza por ocasião da concessão, e

enquanto se desenvolve o plano os recursos vertidos são compartilhados em razão do mutualismo

característico deste tipo de plano, o que dificulta sobremaneira a individualização de valores para

fins de portabilidade.

A portabilidade no plano de benefício definido apresenta maiores dificuldades no

que concerne à especificação dos valores tendo em vista que parte da contribuição destina-se aos

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benefícios não programados, e parte aos programados, sendo necessária a separação de um e de

outro montante, e ainda das prestações imprevisíveis. O valor, assim, independe das

contribuições realizadas, apresentando relação apenas com os benefícios futuros, considerados na

perspectiva da data do desligamento do plano.

Wladimir Novaes Martinez observa o mutualismo próprio desse tipo de plano e o

regime financeiro de repartição como indicadores da iliquidez de valores, anotando que o que se

pode determinar é o custo da cobertura de prestações imprevisíveis.62

Sistematizando os diversos tipos de planos em três principais – planos de

contribuição definida e planos de benefício definido, estes subdivididos segundo a característica

mutualista ou não - Newton Cezar Conde assinala a maior facilidade em operacionalizar a

portabilidade nos dois primeiros tipos de planos, ponderando que em planos mutualistas

organizados segundo o tipo benefício definido a aferição do valor a ser portado dependerá de uma

simulação da liquidação do plano, com elaboração de um rateio patrimonial, de modo a

individualizar o valor do participante que deseja a portabilidade.63

A respeito do exercício da portabilidade nos diversos planos, os comentários de

Wladimir Novaes Martinez:

“À evidência, a portabilidade encontra nicho ideal no plano CD e nas prestações programadas, em que mais baixos os níveis de solidariedade do mutualismo jacente. Enfrentando dificuldades operacionais de adequação no plano BD e nas prestações imprevisíveis. Mas, em ambos, não impossibilidade de aplicação.”64

Regulamentando o disposto na Lei Complementar n. 109/01, a resolução CGPC n.

6/03 tratou dos planos instituídos antes dela, e depois de seu advento, neste último caso

distinguindo entre os planos de benefício definido, contribuição definida ou híbridos.

Guardadas as ressalvas ao art. 15 da resolução CGPC n. 6/03, nos pontos

indicados como em discordância com o ordenamento jurídico balizado segundo os princípios

constitucionais, reproduz-se, em resumo, a forma como se encontra regulamentado o instituto da

portabilidade, conforme a modalidade dos planos para aqueles formados a partir da Lei

Complementar n. 109/01, já que para os instituídos anteriormente, ou seja, para os planos

constituídos até 29 de maio de 2001, não houve distinção segundo o critério do tipo do plano:

62MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 47. 63 CONDE, Newton Cezar. Portabilidade e vesting. In: REIS, Adacir (Coordenador). Fundos de Pensão em Debate, Brasília : Brasília Jurídica, 2002, 161/169. 64 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 38.

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Plano de Benefício Definido – a maior expressão entre as reservas constituídas,

estas consideradas o valor acumulado das contribuições vertidas pelo participante, e a reserva

matemática, na forma regulamentada e conforme nota técnica atuarial, não podendo ser inferior

ao valor do resgate; (art. 15, II, “a” e § 3o, resolução CGPC n.6/03).

Plano de Contribuição Definida – a reserva matemática constituída com base nas

contribuições do participante e do patrocinador; (ar. 15, II, “b”, resolução CGPC n. 6/03).

Plano Híbrido - se na fase de acumulação do recurso garantidor do benefício

pleno combinar alternativamente características de planos de benefício definido e de planos de

contribuição definida, a reserva matemática corresponderá ao maior valor que resultar da

aplicação das regras previstas para apurar a reserva matemática num e noutro destes planos (art.

15, § 1o, resolução CGPC n. 6/03);

Plano Híbrido – se na fase de acumulação do recurso garantidor do benefício

pleno combinar cumulativamente características de planos de benefício definido e de planos de

contribuição definida, a reserva matemática corresponderá à soma dos valores resultantes da

aplicação isoladas das regras previstas para apurar reserva matemática num e noutro destes

planos (art. 15, § 2o, resolução CGPC n. 6/03).

Traga-se que a resolução mencionada permite que o regulamento do plano preveja

outros critérios para apurar o “direito acumulado”, desde que resulte superior ao apurado

conforme as regras nela previstas. (art. 15, § 4o, resolução CGPC n. 6/03)

7.2 Questões Relativas à Situação Financeira do Plano Cedente e seu Custeio

Outras circunstâncias que interferem no exercício da portabilidade, e que podem

gerar questionamentos, referem-se à situação financeira verificada no plano cedente, o qual pode

encontrar-se superavitário ou deficitário, e ainda à possível constatação de pendências quanto ao

recolhimento de contribuições.

Na hipótese de plano originário deficitário, a Lei Complementar n. 109/01 oferece

como solução o equacionamento do resultado negativo, admitindo, para tanto, o aumento do

valor das contribuições, ou a redução do valor dos benefícios a conceder, e quanto aos assistidos,

para os quais fica vedada a diminuição das prestações, a exigência de contribuições adicionais,

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tudo isso, naturalmente, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram

causa ao prejuízo da entidade (art. 21 e parágrafos, Lei Complementar n. 109/01).

Tais soluções, contudo, não servem no caso do participante em exercício da

portabilidade, em relação ao qual, evidentemente, não há como cobrar contribuições aumentadas,

cumprindo lembrar que a portabilidade importa no desligamento do plano, resolvendo-se direitos

e obrigações, o que inviabilizaria esse futuro acerto de contas.

Pela mesma razão, a diminuição do valor dos benefícios a conceder demonstra-se

solução imprópria no caso do participante na iminência da portabilidade.

Uma alternativa seria, portanto, descontar do total a ser portado o montante

relativo ao necessário para reequilibrar o plano, e que será exigido dos demais participantes na

forma de aumento das contribuições.

Equacionamento simétrico se daria nos planos superavitários, tratados pela Lei

Complementar n. 109/01 no art. 20, caso em que deveria ser acrescido ao montante portado o

quanto seria revertido aos participantes em forma de reserva de contingência, ou abatimento nas

contribuições.

Essas soluções foram tiradas do entendimento de Wladimir Novaes Martinez65,

cumprindo assinalar que, considerando a ausência de comando legal nestes pontos, e parecendo

consentâneas com a essência do instituto da portabilidade, inclusive sob o aspecto de sua função

atuarial, não se vê razão para rejeitá-las.

7.3 Questões Relativas ao Ingresso de Contribuições

Na iminência de se verificar a portabilidade, são chamados o participante e a

entidade para o fim de liquidarem direitos e obrigações assumidos nos termos do regulamento,

fixando o valor que será portado para outro plano de previdência privada.

Neste momento, no âmbito das entidades fechadas de previdência, pode ocorrer a

constatação de valores não ingressos no plano, relativos a contribuições que deixaram de ser

recolhidas por inadimplência do patrocinador, ou em decorrência da ausência de retenção nos

salários do participante ou ainda da ausência do repasse à entidade quanto ao desconto havido.

65 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 51/52

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Tanto na inadimplência do patrocinador, quanto na hipótese de obrigar-se perante

a entidade ao desconto das contribuições do participante, assim previsto no regulamento do plano

como de ocorrência presumida, a portabilidade se fará pelo total do montante que deveria ter sido

amealhado, ainda que parte não tenha efetivamente ingressado no plano, restando a liquidar a

obrigação do patrocinador perante a entidade.

A razão de assim se afirmar se faz tendo em conta que o patrocinador assume

perante a entidade uma obrigação contratual, de modo que sua exigência cabe à entidade perante

o patrocinador, não havendo, pois, qualquer vínculo jurídico, neste ponto, que atribua ao

participante o ônus de suportar as conseqüências pelo descumprimento de obrigação que não era

de sua atribuição, e cuja exigência não lhe cabia, mas sim à entidade que administra o plano.

Como conseqüência, não se cogita de prejuízo ao direito do participante pelo

descumprimento da avença por parte do patrocinador.

Se o desconto não é presumido pelo regulamento básico, e se de fato não foi

realizado nos salários do participante, deverá constar do termo de portabilidade a soma que

haveria de ter sido acumulada, mencionando-se que tal crédito será realizado oportunamente.

Veja, nesse sentido, as observações de Wladimir Novaes Martinez:

“Onerado por força do acordado no Regulamento Básico a promover a dedução da contribuição do trabalhador, restando presumida essa retenção, se os valores não foram aportados pela patrocinadora, em parte ou no todo, o crédito virtual do participante se mantém, devendo contar do Termo de Portabilidade o valor devido, devendo mencionar aquele crédito a ser realizado a posteriori. Entre a patrocinador e a entidade. Numa outra solução, sem a presunção do desconto fazer parte do Regulamento Básico, o efetivamente recolhido seria transportado, constando do documento o faltante, até que a pendência seja resolvida. Com isso defende-se a tese de haver implementação da portabilidade. Diante da dedução e do não recolhimento, isto é, em face do atraso das contribuições descontadas, a situação tem semelhança com a anterior, justificando as mesmas medidas”.66

A conclusão de carrear ao patrocinador a responsabilidade pela ausência de

recolhimento das contribuições, quer porque não adimpliu sua parte no custeio, quer porque

deixou de cumprir a obrigação de repassá-las à entidade, indica o aprimoramento do sistema, em

reconhecimento de que o seguro social privado, antes de se constituir em benesse do patrocinador

a seus empregados, é estipulado também no interesse do negócio, o que reforça o argumento de

não haver justificativa que impeça conseqüências legais ao descumprimento de suas obrigações

66MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 41.

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perante a entidade, assim como ocorre em caso de descumprimento de qualquer outra estipulação

validamente ajustada.

Veja a respeito da natureza jurídica da contribuição previdenciária vertida pelo

patrocinador, os ensinamentos de Wagner Balera:

“As patrocinadoras, em conformidade com os planos previdenciários a que livremente aderiram, após haverem instituído, há seu tempo, a entidade, vertem contribuições mensais ao fundo de previdência privada. Qual a natureza jurídica específica dessa contribuição? Não se trata de dotação, como a inicial, nem de doação. É, conforme estabelecem a lei e o Estatuto, obrigação livremente assumida pela patrocinadora, no âmbito do negócio jurídico de previdência privada que mantém com a entidade. Tal obrigação, conforme o regime jurídico que ordena as entidades multipatrocinadas, se comprova mediante formalidades de natureza instrumental, dentre as quais merece destaque o denominado convênio de adesão.”67

Descumprida a obrigação, pelo patrocinador, a entidade deve a ele acorrer a fim de

haver a contribuição, quer na parte relativa ao patrocínio, quer no montante sujeito ao repasse, o

que implica na preservação dos direitos do participante por ocasião da portabilidade, inclusive

quanto aos valores que não ingressaram no fundo.

7.4 Questões Relativas à Situação Financeira do Plano Cessionário

O art. 12 da resolução CGPC n. 6/03 regulamenta o ingresso dos valores portados

para o plano cessionário, prevendo a obrigatoriedade de que sejam mantidos em separado com

relação aos valores que se vão acumulando.

Os valores vertidos ao plano em decorrência da portabilidade têm a função de

servir como pagamento de aporte inicial e, se assim não utilizados, resultarão em benefício

adicional ou em melhoria de benefício, a depender do regulamento do plano.

Nos termos da resolução, a portabilidade do plano originário implica em

portabilidade de eventuais recursos portados anteriormente, o que significa dizer que,

implicitamente, o art. 13 da resolução CGPC n. 6/03 veda a portabilidade de parte dos valores

acumulados, estipulando que assim se faça sempre pela totalidade.

Esse comando, a par de não encontrar seu correlato em termos expressamente

literais na Lei Complementar n. 109/01, parece consentâneo com a natureza jurídica do instituto 67 BALERA, Wagner. Aspectos jurídicos dos fundos multipatrocinados de previdência complementar. Revista de Previdência social, São Paulo, v. 27, n. 167, p. 133-145, fev 2003.

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em exame, tendo em vista a importante conseqüência da portabilidade quanto à eliminação do

vínculo jurídico entre o participante e a entidade, o que não ocorreria se se cogitasse sobre o

traslado parcial de valores.

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8 CONDIÇÕES LEGAIS AO EXERCÍCIO DO DIREITO À PORTABILIDADE

Como salientado, a arquitetura do ordenamento jurídico contemporâneo, sob a

inspiração dos valores informadores à Ordem Social, tem como diretriz o fomento à segurança

propiciada pela cobertura do risco social, o que permeia de interesse público tanto a previdência

social quanto a previdência complementar.

Sob essa perspectiva, o instituto da portabilidade funciona como um flexibilizador

da relação entre o participante e o regime complementar, possibilitando a extinção da relação

jurídica entre ele e a entidade, com a preservação, no entanto, do liame estabelecido com a

previdência privada, o qual terá seguimento perante outra entidade, prosseguindo-se a marcha na

direção do benefício pleno e, pois, da melhor cobertura possível.

Essa mobilidade, contudo, pede regramento cuidadoso, e assim por duas razões

básicas: primeiro, o direito ao benefício é, por essência, construído ao longo do tempo, de modo

que decisões de momento, impensadas, imediatistas, seguidas de diversas transferências,

poderiam prejudicar o participante, desanimando-o quanto à espera pelo benefício pleno;

segundo, o saque de valores, por meio da portabilidade, não podem prejudicar os demais

participantes, ou seja, o equilíbrio financeiro-atuarial do plano é um elemento de importância que

vai além de um plano específico, dotando o sistema de segurança sem a qual ruiria o regime

complementar.

Portanto, o condicionamento legal ao exercício da portabilidade é consentâneo

com o arquétipo da seguridade social enquanto servir para resguardar os interesses do

participante, estimulando-o a preservar o vínculo com o regime complementar, bem como

enquanto não afrontar o necessário equilíbrio atuarial do plano.

Estas as balizas que servirão como norte na análise das condições legais à

portabilidade, observando que tudo quanto disciplinado, desde que entre tais fronteiras, insere-se

no campo da válida disposição legislativa, já que o instituto tem seus contornos estritamente

dependentes da lei.

A lei prevê situações que obstaculizam a portabilidade, assim como requisitos que

deverão ser atendidos, de modo que, agrupados, compõem o conjunto que reúne as condições ao

exercício da portabilidade.

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Apesar de não erigir óbices à portabilidade entre entidades fechadas e abertas, a lei

prevê certas condições a serem atendidas especificamente em cada segmento, assim como no

caso de portabilidade de entidade fechada para entidade aberta, as quais serão objeto de ressalvas

próprias, lançadas por ocasião do exame do quanto tem em comum a portabilidade no segmento

das entidades abertas e das entidades fechadas.

Tendo em vista a melhor sistematização do tema, adianta-se que a carência é

requisito a ser atendido tanto no âmbito das entidades abertas como das entidades fechadas.

O rompimento do vínculo é requisito específico à portabilidade no segmento das

entidades fechadas.

A contratação de plano de renda mensal vitalícia ou por prazo determinado é

requisito à portabilidade operada para plano de entidade aberta, com a observação de que apesar

de a princípio não se apresentar no segmento das entidades fechadas, foi de certa forma adotado

em decorrência de disposição regulamentar, sob roupagem não de condição ao exercício à

portabilidade para entidade fechada, mas como uma limitação ao posterior exercício do resgate,

ponto de contato este que ensejou a abordagem do tema em seu conjunto.

Todos esses aspectos serão objeto de exame mais aprofundado nos tópicos

seguintes.

8.1 Carência

A carência, a par de distinta quanto ao prazo, é condição a ser adimplida tanto nos

planos de entidades abertas quanto nos planos de entidades fechadas.

Como dito anteriormente, a portabilidade era instituto previsto tão só para os

planos de entidades abertas de previdência privada, sendo novidade instituída a partir da Lei

Complementar n. 109/01 nos planos de entidades fechadas, assim ao menos com a amplitude

contemporânea.

Muito interessante a abordagem do tema feita por Wladimir Novaes Martinez, na

parte em que investiga quais os argumentos do embate travado no Poder Legislativo quanto à

instituição de um prazo de carência à portabilidade:

“A exigência de tempo mínimo de permanência no fundo de pensão é concessão do legislador, diante de pressões e lobbies orquestrados em confronto, e em face de suas dúvidas quanto à técnica criada, pois os estudiosos não prevêem como ela vai se consubstanciar. Só o tempo dirá. Traz

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em si um contra-senso: se o tempo de cotização, por exemplo, menor do que 36 meses for pequeno, o quantum acumulado é inexpressivo e não importaria muito sua saída do plano (a rigor, não prejudicaria a entidade emissora nem beneficiaria a entidade receptora); por outro lado, se o período de aportes é longo, as contribuições somariam níveis significativos e a subtração do primeiro plano poderia comprometê-lo, mas melhoraria o segundo. A idéia incorpora a concepção arcaica de que a previdência complementar é extensão da política de recursos humanos da empresa. Essa filosofia, que inspirou a carência, tentaria reter o profissional.68”

Não obstante a balizada opinião acima destacada, cujas ponderações amoldam-se à

liberdade do participante, tom característico do regime complementar, uma reflexão sob outro

prisma poderia bem justificar o acerto à opção legislativa em indicar prazo para carência ao

exercício da portabilidade.

É verdade que a proposta de modernização da previdência privada, com superação

da vetusta idéia de tratar-se de tema afeto às relações trabalhistas, encontra diretriz nas reformas

introduzidas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 20/98, a teor do § 2o do art.

202.

Desse modo, o vetor ao legislador ordinário é o de engendrar política de

previdência complementar cujo traço seja o da liberdade do participante, aguardando-se que a

prática da portabilidade, ao sedimentar suas vantagens e descortinar solução aos possíveis

inconvenientes que possa ocasionar, encoraje alterações normativas que mais e mais facilitem o

curso de valores entre os planos.

Contudo, vale repisar que as contribuições vertidas ao plano têm, em sua função

atuarial, amarras que determinam a fixação de seus próprios valores. A pouca margem que deve

sobrar livre da finalidade de pagamento do benefício serve ao custo administrativo e de colocação

do plano no mercado, ressarcido nos primeiros anos de desenvolvimento do contrato

previdenciário, de modo que o prematuro traslado de valores, antes do acerto das despesas

administrativas, poderia ocasionar no plano originário um desequilíbrio inconveniente ao

fortalecimento do setor que opera a previdência privada.

Cumpre remeter ao tópico em que foi examinada a composição da contribuição ao

plano previdenciário.

Dessa forma, a previsão de certo prazo de carência à portabilidade, minimamente

suficiente ao pagamento das despesas administrativas do plano, não impede a flexibilização

68 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 63/64.

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compatível com o instituto em exame e, por outro lado, garante o equilíbrio financeiro-atuarial,

na medida em que a retirada do capital ocorre em momento posterior ao ressarcimento dos

custos administrativos, recaindo, conseqüentemente, sobre montante então destinado ao

pagamento do benefício perante outra entidade, o que afasta eventual cogitação de prejuízo ao

equilíbrio do plano originário.

A conveniência quanto à estipulação de um prazo de carência pouco mais

delongado no segmento da previdência complementar fechada é também justificado,

considerando que os planos apresentam-se, com freqüência, sob organização dotada de caráter

mutualista, implicando em situação ainda mais delicada caso fosse permitido o traslado de

valores independentemente de prazo.

Seja como for, só a experiência da portabilidade indicará a melhor solução para o

embate entre a liberdade do participante e a necessidade do equilíbrio financeiro dos planos de

previdência complementar.

A condicionante de um determinado prazo a ser atendido para o fim do exercício

da portabilidade é encontrada na Lei Complementar n. 109/01, a qual delega sua fixação ao órgão

regulador e fiscalizador (art. 14, § 2o).

Não cumprida a carência, tal resulta na permanência do participante no plano, ou

na obrigatoriedade em proceder ao resgate.

Para os planos de entidades fechadas, a carência, nos termos da resolução CGPC

n. 9/02, era de cinco anos.

Na atual regulamentação, a resolução CGPC n. 6/03 prevê prazo de até três anos

de vinculação ao plano.

Em se tratando de valores portados, não há prazo de carência para repetição do

exercício da portabilidade no plano receptor. Nesse sentido dispõe o art. 14, § 1o, da resolução

CGPC n. 6/03:

Art 14 [...]

I - [...]

II - cumprimento de carência de até três anos de vinculação do

participante ao plano de benefícios.

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§ 1o O disposto no inciso II deste artigo não se aplica para a

portabilidade, nos planos instituídos por patrocinador, de recursos

portados de outro plano de previdência complementar.

Já para os planos abertos, talvez pela tradição da portabilidade nesse segmento, e

ainda pela maioria dos planos apresentarem-se com característica individualista, o prazo de

carência varia entre 60 dias e 24 meses, independentemente do número de contribuições pagas

(circular SUSEP n. 211/02).

Na regulamentação da carência, o § 3o do art. 14 da Lei Complementar n. 109/01

admite, expressamente, a possibilidade de que se faça distinção com base na data em que foi

instituído o plano – se antes ou depois da publicação da Lei Complementar -, ou segundo sua

modalidade, conforme incisos I e II. Regulamentando esse dispositivo legal, a resolução CGPC n.

9/02 dispunha ser de cinco anos o prazo de carência para os planos instituídos após 30/05/2001, e

de dez anos se criados antes dessa data.

A resolução CGPC n. 6/03 não contempla tal distinção, além de prever prazo de

carência de três anos. Disso resulta que bastam três anos de permanência no plano para se facultar

a portabilidade, assim constatado dos dias 31.08.2004 ou 30.04.2004 em diante, prazos fixados

pelo art. 32 da resolução CGPC n. 8/04 para a adaptação dos planos de benefício definido e das

demais modalidades, respectivamente.

Por outro lado, não há decadência do direito à portabilidade.

Atendidos os requisitos legais, não há termo final para o exercício da

portabilidade, cumprindo assinalar que a ele não se aplica o art. 75 da Lei Complementar n.

109/01 que, ao tratar do tema decadência, reporta-se a prestações, o que evidentemente não

alcança a portabilidade, tendo em vista que esse instituto não se apresenta como um benefício

previdenciário.

8.2 Rompimento do Vínculo

A disposição legal atinente ao rompimento do vínculo em razão do qual se deu a

participação no plano de previdência é condição, evidentemente, do segmento fechado da

previdência complementar.

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A Lei Complementar n. 109/01, no art. 14, § 1o, preceitua, ao se referir à

portabilidade, que ela não será admitida na inexistência de cessação do vínculo empregatício do

participante com o patrocinador.

Estes os termos da Lei:

Art. 14 [..]

§ 1o. Não será admitida a portabilidade na inexistência de cessação do

vínculo empregatício do participante com o patrocinador”

A princípio, pois, cogita-se de portabilidade, no âmbito das entidades fechadas de

previdência, desde que cessado o vínculo empregatício entre o participante e seu empregador,

patrocinador do plano. Esta a interpretação literal do dispositivo.

Uma leitura apressada poderia ensejar o entendimento de que a portabilidade só

teria lugar se desfeito o vínculo do participante com o empregador que contribuía a plano fechado

por ele instituído, hipótese que se refere à figura do patrocinador, não sendo possível, assim, no

caso de rompimento do vínculo associativo e de cessação do vínculo empregatício com

empregador que não contribui ao fundo previdenciário, caso em que se põe a figura de mero

instituidor do plano previdenciário.

Leitura mais detida e sistemática da Lei Complementar n. 109/01, porém, aponta

para interpretação diversa, e bem mais ampliativa do que a que de início se aludiu, tanto para

firmar convicção de que há espaço para a portabilidade nos casos de cessação de vínculo com o

empregador instituidor e de vínculo associativo, quanto para concluir que seu exercício, nesses

casos, sequer tem o rompimento do vínculo como condição à portabilidade, tal qual exige o § 1o,

art. 14 da Lei Complementar n. 109/01 na hipótese de participante de plano de benefício em que

o empregador figura como patrocinador.

Sendo da natureza da previdência privada a voluntariedade na participação, e

apresentando-se como seara de interesse público no sentido fomentar a iniciativa do indivíduo em

planejar seu bem-estar, seria estranho que o participante que aderisse a um plano de previdência

privada ficasse a ele inexoravelmente restrito, assistindo inúmeras ofertas de melhores condições

de cobertura dos risco sem que, contudo, lhe fosse permitido assim optar, baseada essa limitação

da vontade tão-só na circunstância de participar de plano de previdência fechada em razão de

vínculo associativo ou de plano fechado em que o empregador é mero instituidor.

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Observa-se ainda que em ambos os casos – o de vínculo associativo e o de vínculo

empregatício com empregador que não contribui ao plano -, o custeio encontra-se a cargo do

participante, com exclusividade, o que mais justifica o livre exercício da portabilidade.

A propósito, tal situação muito se aproxima daquela verificada nos planos

abertos, em que o sacrifício econômico é suportado exclusivamente pelo participante,

apresentando-se com maior vigor sua condição de titular do montante acumulado no plano, o que

explica a maior tradição do instituto da portabilidade no segmento dos planos abertos, conforme

previsão desde o Decreto n. 81.402/78.

Não fossem suficientes esses argumentos, veja que os termos do parágrafo

primeiro do art. 14 da Lei Complementar n. 109/01 indicam um requisito negativo ao exercício

da portabilidade – não será admitida a portabilidade na inexistência de cessação do vínculo

empregatício com o patrocinador – de modo que pende a conclusão de que no universo restante

de hipóteses, sob o aspecto do vínculo associativo ou empregatício, sempre é possível a

portabilidade.

Sendo assim, a interpretação que se extrai do disposto no § 1o do art. 14 da Lei

Complementar n. 109/01 é de que, no caso de plano fechado de previdência, em que há

participação contributiva do empregador, admite-se a portabilidade desde que rompido o vínculo

empregatício, sendo tal comando uma exceção à regra de que a portabilidade é sempre permitida

no plano fechado, haja ou não rompimento do vínculo associativo, em se tratando de plano de

entidade associativa, ou do vínculo empregatício no caso de plano de previdência em que o

empregador é mero instituidor.

Cabem aqui as considerações quanto aos limites legais dos quais depende o

instituto, em conjugação à necessidade de uma interpretação sistemática compatível com a

coerência da norma em seu todo, o que parece confirmar o acerto em restringir o

condicionamento legal atinente ao rompimento do vínculo à hipótese de vínculo de natureza

empregatícia, estabelecido, especificamente, com empregador que figura como patrocinador do

plano, tendo em vista o espírito da Lei Complementar n. 109/01 no sentido de modernizar a

previdência privada, adequando-a à liberdade de mobilidade do trabalhador, e à independência

entre a relação laborativa e a relação previdenciária, mormente considerando que nas hipóteses

em questão o sacrifício patrimonial pelo custeio do plano é exclusivamente suportado pelo

participante, conforme assinalado.

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Por fim, vale lembrar que a minuta da resolução CGPC n. 9/02 dispunha que “Nos

planos acessíveis aos associados ou membro de pessoas jurídicas de caráter profissional,

classista ou setorial, a portabilidade ocorrerá com a manifestação formal do participante, não

havendo necessidade de cessação do vínculo associativo com o Instituidor.”

É certo que tal disposição não prevaleceu no texto, e que a atual resolução que

cuida da matéria silencia a respeito - resolução CGPC n. 6/03.

Todavia, temos que essa ausência de regulamentação, antes de resultar no desejo

de revogação do comando previsto na minuta da resolução CGPC n. 9/02, se faz pela conclusão

de que seria desnecessário constar do regulamento interpretação tirada diretamente da Lei

Complementar n. 109/01.

Por outro lado, disposição em contrário, evidentemente, padeceria não do vício da

inutilidade, mas de ilegalidade, já que levantaria objeção à portabilidade sem fundamento legal,

na esteira do entendimento aqui defendido.

No âmbito das entidades abertas de previdência complementar, não há vínculo

outro senão aquele contratual com a entidade, de modo que a questão ora examinada não se põe.

Nesse segmento, a portabilidade é tratada no art. 27 da Lei Complementar n.

109/01, o qual dispõe sobre a proibição da transferência de recursos entre participantes, o que se

mostra consentâneo com o ordenamento, já que referida transferência equivaleria ao

desligamento do regime complementar quanto a um dos participantes, além de fazer equivaler

esse traslado de valores a uma mera cessão de direitos, retirando qualquer idéia previdenciária, o

que, evidentemente, não se compatibiliza com o desiderato do instituto, sempre no sentido da

preservação do vínculo entre o participante e o regime complementar.

8.3 A Contratação de Plano de Renda Mensal Vitalícia ou por Prazo Determinado

Como adiantado, de forma geral a lei pouco distingue quanto às entidades

envolvidas na portabilidade, permitindo que os valores transitem de entidades abertas para

fechadas, e entre umas e outras.

Contudo, há uma particularidade prevista no art. 14, § 4o, da Lei Complementar n.

109/01 que se erige como condição legal ao exercício da portabilidade, a princípio relativa tão

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somente à hipótese de se tratar de portabilidade para entidade aberta de previdência

complementar.

Referido dispositivo legal admite a portabilidade para entidade aberta desde que os

recursos sacados sejam utilizados, na integralidade, para a contratação de renda mensal vitalícia

ou por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a

respectiva reserva foi constituída, limitado ao mínimo de quinze anos, observadas as normas

estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador. (art. 14, § 4o, da Lei Complementar n. 109/01).

Estes os termos do dispositivo legal em exame:

Art. 14 [...]

§ 4o. O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quando efetuado para

entidade aberta, somente será admitido quando a integralidade dos

recursos financeiros correspondentes ao direito acumulado do

participante for utilizada para a contratação de renda mensal vitalícia ou

por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao

período em que a respectiva reserva foi constituída, limitado ao mínimo de

quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e

fiscalizador.”

Ao dispor sobre a transformação do capital portado em valor de renda mensal, a

Lei Complementar n. 109/01 implicitamente proíbe o resgate das importâncias portadas às

entidades abertas, silenciando, contudo, quanto às entidades fechadas, apesar de prever o art. 21

da resolução CGPC n. 6/03 tal vedação.

Esta a literalidade do referido artigo regulamentar:

Art. 21 . É vedado o resgate de valores portados.

Comentando essa disposição infralegal no âmbito das entidades fechadas,

Wladimir Novaes Martinez assim se expressa:

“Como antecipado, a LBPC silencia quanto ao resgate das importâncias portadas, preferindo impedi-lo nas abertas, obrigando a transformação do valor em renda mensal, mas o art. 21 da Resolução CGPC n. 06/03 veda “o resgate de valores portados”. Ora, estes capitais constantes do Termo de Portabilidade são compostos por contribuições vertidas anteriormente pelo participante, no fundo cedente, que lhe permitiam o resgate e por contribuições vertidas anteriormente pela patrocinadora, de tal sorte que o preceito restringe o seu direito. Não constando a limitação na LC n. 109/01, não poderia o CGPC fixar esse impedimento. Na verdade, as contribuições pessoais anteriores e posteriores à

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transferência continuam sendo “suas”, no sentido que a previdência complementar atribui propriedade aos recursos.”69

Além da crítica ao dispositivo regulamentar, acima transcrita, também não faltam

críticas ao próprio dispositivo legal que prevê como indispensável a contratação de renda mensal

vitalícia ou por prazo determinado como condição a ser atendida no caso de portabilidade para

entidade aberta.

Veja a esse respeito as pertinentes ponderações lançadas por Jerônimo Jesus dos

Santos, ao comentar o § 4o do art. 14 da Lei Complementar n. 109/01:

“Este parágrafo quarto deve sofrer uma campanha empreendida, principalmente pelos órgãos de defesa do consumidor em face de, à nossa visão, flagrante e inquestionável inconstitucionalidade. As penalizações para os resgates no curto prazo e no médio prazo são realmente eficientes para a manutenção das reservas por longo prazo, quer em produtos de acumulação pura, quer em seguros resgatáveis como ocorre no regime de previdência complementar em diversos países. No País, foi criada a taxa de saída, um exemplo de pena ou sanção inibidora do resgate, além do pagamento de IR, entre outros tributos. Prima facie, só isso bastaria, ao meu ver. Todavia, tenho em conta, que esse dispositivo tem nuanças de inconstitucionalidade, visto que impõe uma regra impeditiva de direito voluntariamente constituído pelo próprio participante com seu esforço contributivo e de seus entes familiares. Primeiro, esse preceptivo legal impõe que somente se admite a portabilidade da EFPC para a EACP da integralidade dos recursos financeiros correspondente ao direito acumulado pelo participante. Nem tampouco a parcialidade dos recursos pode fazer uso o participante. Aqui, flagrantemente, o Estado, mais uma vez, paternalizando as EFPC’s, com custos alheios fez benesses, que deve ser fruto de lobby dos defensores do mercado “fechado’, engessa assim todo sistema previdenciário complementar, interrompendo o fluxo de caixa entre EFPC’s e EAPC’s, afrontando direitos subjetivos privados do participante constitucionalmente assegurados pela Carta Maior. Segundo, essa integralidade só deve ser utilizada para a contratação de renda mensal vitalícia. Mais uma vê, em nome de uma psíquica, neurótica, adivinhatória desordem sistêmica previdencial, impõe, por goela a dentro, a contratação de uma renda mensal vitalícia que talvez o participante não queira acordar (se) livremente (estivesse). Intervenção estatal totalmente desnecessária. O próprio mercado com sua fluidez e normalidade comercial poderia chegar a suas próprias regras em benefício do sistema previdenciário no interesse presente e futuro do participante e assistido. Terceiro, alternativamente, essa integralidade dos recursos financeiros pertencente ao participante deve ser usada por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, limitado ao mínimo de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.

69 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004 p. 66-67.

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Aqui, um exagero sem dó, arbitrar um tempo de vida ou sobrevida, que muitas das vezes o participante não vai alcançar para gozar de seus benefícios contratados. Ora, há que se conjugar, pelo menos, com a idade atual do participante com vistas à cobertura do plano contratado anteriormente, ou com a média de tempo para os planos possíveis de ser contratados naquela situação egressa.”70

Vale lembrar, contudo, o quanto dito por ocasião do exame da distinção entre

portabilidade e resgate, e que depõe a favor da regulamentação que proíbe o resgate de valores

portados à entidade fechada e, por tabela, de certa forma, a favor do § 4o, art. 14 da Lei

Complementar n. 109/01.

O resgate, ao contrário da portabilidade, não encerra idéia previdenciária.

Por meio do resgate o participante abandona a proteção do regime complementar,

de modo que transparece evidente que ao ordenamento jurídico cabe regulamentar a matéria de

modo a tornar mais vantajoso o exercício da portabilidade, considerando que o interesse

suscitado pelo seguro social complementar transcende a esfera do indivíduo, galgando tema de

interesse público.

A premissa, pois, é de que regulamentação legal e infralegal consentânea com os

objetivos traçados à previdência complementar não poderia nivelar a portabilidade ao resgate, de

modo a inverter ou tornar nulas as vantagens oferecidas pelo primeiro dos referidos institutos, em

comparação ao segundo.

Veja, neste ponto, os comentários de Wladimir Noaves Martinez, quanto à

diferenciação em termos de valores entre a portabilidade e o resgate:

“Um protótipo da portabilidade, a figura mais parecida que se conhece, sem ser idêntica, é o resgate (LBPC, art. 14, III). Diferença fundamental diz respeito à natureza do montante liberado e sua disponibilidade financeira. Variando aqui e ali, conforme cada Regulamento Básico, de modo geral ele refere-se às contribuições do participante, enquanto aquele adiciona os aportes da patrocinador. Sob esse aspecto, a desigualdade é expressiva.”71

Desse modo, permitir-se o levantamento de valores portados à entidade fechada

sob argumento de que assim estaria autorizado em razão da aparente ausência de comando

normativo semelhante àquele expressamente referendado no âmbito das entidades abertas,

agrediria a Lei Complementar n. 109/01 na medida em que tal sistemática possibilitaria ao

70 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 253-254 71 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Portabilidade na Previdência complementar. São Paulo : editora LTr, 2004, p. 55.

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participante, via transversa, a disponibilidade de valores que se expressariam em maior vulto

graças à idéia previdenciária presente no instituto da portabilidade, e ausente no resgate.

Essa observação se faz especialmente considerando a hipótese em que a

portabilidade envolva o traslado das contribuições vertidas pelo patrocinador, na esteira do

entendimento defendido neste estudo.

Sendo assim, a admissão do resgate dos valores portados à entidade fechada, sob o

argumento de ausência de expressa proibição legal, equivaleria à burla da Lei Complementar n.

109/01 na parte em que essa norma dispõe sobre todos os contornos que diferenciam o instituto

da portabilidade e o instituto do resgate, podendo ocasionar evidente vantagem indevida àquele

que, de forma maliciosa, acena continuar engajado ao regime complementar apenas com fim de

resgatar valores em montante maior a que teria direito, se assim fizesse sem subterfúgios no

plano originário.

Ademais, tal panorama criaria desigualdade entre o participante que sinceramente

opta pelo resgate, e aquele que se utiliza da manobra acima descrita para exercê-lo frente ao

plano para o qual portou a totalidade dos valores vertidos.

Portanto, com ressalva de respeitáveis entendimentos em contrário, temos que a

vedação ao resgate na hipótese prevista no art. 21 da resolução CGPC n. 6/03, antes de desbordar

dos limites legais, limitando um direito, encontra-se conforme a interpretação sistemática da Lei

Complementar n. 109/01.

Quanto aos comandos contidos no § 4o do art. 14 da Lei Complementar n. 109/01,

é clara a intenção de forçar a permanência dos valores portados, o que de certa forma se justifica

pelos mesmos motivos assinalados em defesa da vedação regulamentar ao resgate, no âmbito dos

planos fechados, desde que haja uma real vantagem pela escolha da portabilidade, como deve ser.

Todavia, há de se reconhecer que o prazo estipulado no referido parágrafo é

exagerado, e pode mesmo inviabilizar a fruição do benefício pelo participante, a depender da

idade em que se verifica o desligamento do plano cedente.

Nesse ponto, é urgente a necessidade de reforma do dispositivo legal, muito bem

servindo as ponderações de Jerônimo Jesus dos Santos quanto à conjugação desse prazo à

cobertura do plano contratado anteriormente ou à média de tempo para os planos possíveis de

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serem contratados naquela situação egressa, conforme trecho acima transcrito, extraído da obra

em que referido autor comenta a Lei Complementar n. 109/01.72

Enquanto essa adaptação não vem, abre-se ao participante a via jurisdicional para

fazer valer seu direito à manutenção no regime complementar, já que, em última análise, o

resultado prático de inviabilizar a busca do benefício pleno perante outra entidade equivale à

extirpação, no caso concreto, do direito à portabilidade, o que resvala em inconstitucionalidade.

Vale lembrar que, a despeito da dependência do contorno do instituto à vontade do

legislador infraconstitucional, como pontuado, a portabilidade tem sustentáculo de existência

tirado diretamente do texto constitucional, de modo que sobra espaço apenas à regulamentação

do instituto, mas não à opção legislativa pela sua presença ou não no cenário jurídico, conforme

entendimento defendido neste estudo.

72 SANTOS, Jerônimo Jesus dos. Previdência privada. 2 ed. Rio de Janeiro : Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005, p. 254.

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9 REVOGABILIDADE, RETRATABILIDADE E NEGOCIABILIDADE NA

PORTABILIDADE

Operando-se por intermédio da portabilidade, além da transferência de valores, o

equacionamento entre direitos e obrigações do participante frente à entidade, por ocasião da

mensuração do quantum a ser portado deverá haver o acerto de contas no caso de se encontrar o

participante em débito, bem com se for credor da entidade, servindo aqui tudo o que se observou

quanto à portabilidade em planos deficitários e superavitários.

Da posição ora assumida resulta como conseqüência lógica admitir-se correções,

para mais ou para menos, quanto ao valor fixado à portabilidade, inclusive decorrentes de

equívoco nos cálculos, de solução de pendências administrativas e judiciais com a entidade e/ou o

patrocinador, e de retorno financeiro relativo ao ingresso dos recursos equivalentes ao déficit,

obtido graças a ação judicial ou providência administrativa nos termos previstos pelo § 3o, art. 21

da Lei Complementar n. 109/01.

Temos, todavia, que o desenvolvimento dessa linha de idéias não serve à

conclusão de que a eventual oscilação do valor a ser portado permitiria entendimento no sentido

de ser possível a revogabilidade e a retratabilidade da opção pela portabilidade.

Em se tratando a portabilidade de instituto que uma vez exercido pelo participante

resolve seus direitos e obrigações frente à entidade, não se vê fundamento lógico – assinalando a

ausência de fundamento legal - para que seja desfeita situação consolidada na esfera jurídica e

dependente, tão-só, da estabilização quanto à exatidão numérica do montante portado, cumprindo

observar que a possível variação dos valores portados parece, por isso, aspecto secundário,

dependente de mero acerto de cálculo e de correções por vezes incertas de serem verificadas,

tanto com relação às suas ocorrências como a seus reflexos quantitativos, a exemplo do que

ocorre nas hipóteses mencionadas, de modo que sustentar, apenas com base na oscilação do

dimensionamento quântico da portabilidade, a possibilidade de desfazer tal ato significaria lançar

instabilidade nociva às relações jurídicas em exame, especialmente considerando que os planos

são instituídos tendo em vista a cobertura de uma massa de participantes que pode vir a ser

atingida conforme o resultado tirado da relação jurídica individualmente estabelecida entre um

dos participantes e a entidade.

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Nessa esteira, a despeito de não contemplada a questão pela Lei Complementar n.

109/01, parece consentâneo com a natureza jurídica do instituto a disposição regulamentar que

prevê o caráter irrevogável e irretratável quanto ao exercício do direito de portar (parágrafo

único, art. 10 da resolução CGPC n. 6/03).

Sendo assim, não obstante respeitáveis opiniões divergentes, a irrevogabilidade e a

irretratabilidade da opção pela portabilidade servem não só ao resguardo do direito do

participante, mas à segurança jurídica das relações decorrentes do contrato de previdência

privada, socorrendo também os interesses da entidade e, em última análise, do grupo segurado.

Portanto, uma vez exercido o direito à portabilidade nos exatos moldes da lei, não

há que se cogitar em prejuízo ao participante, restando injustificável a pretensa volatilidade nesta

matéria.

Quanto à inegociabilidade do direito de portar os valores acumulados no plano,

trata-se de garantia ao participante, preservando-o frente ao poder econômico da entidade, que

poderia exercer pressão de molde a prejudicar sua livre disposição ao exercício da portabilidade

nos exatos termos que a lei lhe confere, o que justifica a revogada Resolução CGPC n. 9/02, a

qual dispunha sobre a excepcionalidade em se autorizar a transferência parcelada dos recursos

portados, a depender das devidas justificativas da entidade frente aos órgãos fiscalizadores.

Na atualidade, o art. 10, caput, da resolução CGPC n. 6/03, declara ser a

portabilidade um direito inalienável do participante, vedada sua cessão sob qualquer forma.

Referido dispositivo, além de proibir a alienação e a cessão do direito de portar –

para nós, justificadamente, conforme acima defendido -, expressa outra conseqüência importante:

livra de constrição o montante passível de ser portado.

O fundamento a essa conclusão baseia-se nos comandos contidos no art. 10 da

resolução CGPC n. 6/03, uma vez que, ao dispor sobre a vedação à cessão dos valores

acumulados no plano, faz equivaler o “direito acumulado” pelo participante a um bem fora do

comércio, restando, por isso, impróprio como objeto passível de sofrer qualquer constrição,

mesmo aquela decorrente de ordem judicial.

A normatização no sentido da inegociabilidade do direito de portar, aqui incluída a

garantia da impenhorabilidade, evidencia o caráter protetivo ao participante e, especialmente, a

idéia previdenciária latente no instituto da portabilidade, pontuando a transcendência do interesse

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individual ao interesse público quanto ao bem-estar objetivado por meio da previdência

complementar.

Sendo assim, o montante a ser portado, indisponível para o participante conforme

regra ditada pelo inciso II do art. 15 da Lei Complementar n. 109/01, não é passível de ser dado

em garantia, de sofrer penhora ou seqüestro, ou de ser objeto de transferência civil ou comercial.

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10 PROCEDIMENTO OPERACIONAL DA PORTABILIDADE

A portabilidade é instituto que tem operacionalidade complexa sob o ponto de

vista formal, sendo ainda carente de regulação administrativa, visto que esta não abrange a

previsão de todas as questões que podem surgir por ocasião da efetivação da transferência de

valores de um fundo previdenciário a outro.

Essa assertiva, contudo, não é lançada senão com o fim de reconhecer, dada a

relativa novidade do instituto, que só com sua reiterada experiência haverá o aprimoramento do

ordenamento jurídico, inclusive regulamentar, de modo a preencher as lacunas que vierem a ser

constatadas como carentes de regulamentação.

É justamente no âmbito da prática da portabilidade que são suscitadas muitas das

dúvidas que envolvem o instituto, as quais se refletem na aferição do valor a ser portado, tanto

em situação de normalidade quanto nas hipóteses de déficit ou superávit dos planos, e ainda

quando analisada a condição de participante para fim do exercício da portabilidade, o

rompimento do vínculo, a decadência do direito e o cumprimento do prazo de carência, entre

outros, conforme examinado nos tópicos acima. Há espaço, pois, para uma regulamentação mais

abrangente.

O exercício do direito à portabilidade pressupõe o atendimento às condições legais

e às exigências regulamentares, bem como a adequação às estipulações previstas no regulamento

básico do plano, submetendo-se à fiscalização do patrocinador ou instituidor, dos entes

supervisores ministeriais e dos participantes ativos, assistidos e beneficiários, sendo expressa a lei

quanto às atividades fiscalizadoras dos órgãos reguladores e fiscalizadores (art. 41, § 2o da Lei

Complementar n. 109/01).

Não há taxação fiscal à transferência de capital operada pela portabilidade, já que

não existe qualquer ganho real. A propósito, por definição, não há ingresso algum no patrimônio

do participante, considerando a indisponibilidade dos valores, exigência legal que caracteriza a

essência do instituto.

O traslado de valores materializa-se no termo de portabilidade, previsto na

resolução CGPC n. 9/02, sem regulamentação atual, visto que sobre ele silencia a resolução

CGPC n. 6/03.

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O termo de portabilidade representa a relação econômico-financeira decorrente da

transferência de valores, consubstanciada em título, o qual, anota-se, não é título comercial, mas

tão só ordem de pagamento de valor. Deve ser emitido em pelo menos três vias, destinadas a cada

um dos envolvidos na operação: participante, entidade cedente, entidade cessionária.

Expressando o exercício da portabilidade, em todos os seus aspectos legais,

inclusive o de se tratar de um direito do participante a depender de sua vontade, o termo de

portabilidade deve apresentar espaço próprio para essa declaração, assim como todos os dados

pessoais do participante, as informações atinentes à sua participação no plano cedente, tempo de

filiação, condição de participante ativo, período de trabalho no antigo patrocinador etc. Também

não lhe devem escapar a qualificação da entidade cedente e a qualificação da entidade

cessionária.

O valor transferido, evidentemente, sendo a conseqüência mais concreta do

exercício da portabilidade, deve encontrar-se com destaque no referido termo, e de forma

particularizada quanto às parcelas resultantes das contribuições do patrocinador, e aquelas

decorrentes das contribuições vertidas pelo participante, assim como os rendimentos das

aplicações financeiras, sem olvidar da devida especificação quanto aos encargos eventualmente

deduzidos.

Se pendente discussão administrativa ou judicial quanto ao valor a ser portado, tal

deve constar do termo de portabilidade, admitindo-se posterior adendo, relativo à importância

faltante.

O termo de portabilidade deverá apontar a data-base de apuração e o prazo para a

transferência dos valores.

O montante a ser portado varia para mais ou para menos a depender do momento

em que é quantificado, de modo que a data para apuração é de importância à quantificação.

A resolução CGPC n. 9/02 fixava algumas datas.

A resolução CGPC n. 6/03 regulamentou a matéria atribuindo a eleição da data

aos planos de benefício, conforme estipulação em seus regulamentos básicos (art. 17, resolução

CGPC n. 6/03).

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11 CONCLUSÕES:

As garantias e liberdades individuais dependem de um ambiente em que o cidadão

conte com mínimas condições de vida que lhe possibilitem tal exercício, o que se denominou, no

seio do Estado moderno, estado de bem-estar, sendo-lhe instrumental a proteção conferida por

meio do seguro social.

O desenvolvimento da prática do seguro social, de notável interesse público

distintivo em relação ao contrato de seguro privado, guia-se no sentido de que a proteção social

deve alcançar todo aquele que compõe o corpo social, sobrepondo-se a perspectiva do interesse

público no fomento da proteção social à idéia de que tal segurança seria prerrogativa de uma

determinada categoria profissional, ou que seria própria daquele que exerce uma atividade

remunerada, o que resultou na secção que compartimenta as relações jurídicas previdenciárias,

antes dependentes das relações concebidas no âmbito trabalhista.

A confirmar essa ordem de idéias, notadamente no campo da previdência

complementar, a Constituição Federal sofreu alteração, a qual calou, de vez, questionamentos

quanto à independência entre a relação previdenciária e a relação jurídica decorrente do contrato

de trabalho, evidenciando o reconhecimento da liberdade do indivíduo no que tange ao

planejamento de seu futuro, conforme se infere dos comandos do § 2o do art. 202 da Constituição

Federal, dispositivo constitucional que também prevê o regime de previdência privada como

sendo dotado de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime

geral de previdência social, sendo facultativo e baseado na constituição de reservas que

garantam o benefício contratado.

A relação jurídica de seguro social, espécie do gênero seguro, destaca-se pela

tônica de disponibilizar uma cobertura a um risco social.

Esse seguro social, no ordenamento jurídico brasileiro, apresenta-se em duas

vertentes: uma relativa à previdência social oficial e outra à previdência social complementar.

A relação jurídica de previdência complementar, por sua vez, rege-se por meio de

um regime jurídico próprio, uma vez reunir o que há de similar à relação jurídica do seguro

privado – natureza contratual -, e à relação jurídica da previdência oficial – cobertura de um risco

social.

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Essa peculiaridade da relação jurídica originada do contrato previdenciário

explica, em parte, a introdução da portabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive no

âmbito das entidades fechadas de previdência complementar, visto que a opção pelo exercício da

portabilidade opera um traslado dos valores vertidos ao plano previdenciário para outro plano, de

modo a propiciar o prosseguimento do planejamento previdenciário com fim de obter o benefício

pleno, ainda que desfeito o vínculo trabalhista, sem prejuízo à entidade previdenciária que

contratou o seguro.

Todavia, a compreensão do conjunto normativo regente do instituto em exame,

com a amplitude condizente aos preceitos constitucionais traçados em matéria de previdência

complementar, pressupõe a apreensão da natureza jurídica do instituto.

Essa investigação indica a necessidade de um aprofundamento na comparação

entre a relação jurídica securitária - gênero ao qual pertence a relação jurídica de seguro social -,

a relação de previdência social e relação de previdência complementar, assim como o

aprofundado exame das bases técnicas próprias dos contratos previdenciários.

Comparando a relação securitária, a relação de previdência complementar e a

relação de previdência social, constata-se a homogeneidade das duas primeiras quanto à natureza

de vínculos jurídicos originados de um contrato de seguro, ao passo que o exame comparativo

entre as duas últimas ressalta homogeneidade quanto ao objeto desse vínculo, identificado na

cobertura de um risco social.

A expressão gráfica do quanto dito sobre o seguro, a previdência social e a

previdência privada evidencia o contorno próprio de regência desta última. Esse diagrama

comparativo expressa-se por meio de dois conjuntos em intersecção, sendo o primeiro relativo ao

seguro, o segundo à previdência social, e a intersecção à previdência privada, a qual, destacada,

resulta num terceiro conjunto dotado de institutos próprios e de particular regime jurídico.

Nesse universo menor, em que as relações jurídicas são disciplinadas pelo regime

complementar, o contrato apresenta peculiaridades que o tipificam como contrato previdenciário.

Aliadas às características comuns ao contrato de seguro, gênero ao qual pertence o

contrato previdenciário, a tipicidade que lhe empresta distinção, da qual decorrem importantes

conseqüências à restrição da vontade dos contratantes, refere-se ao interesse público que suscita o

tema do seguro social, e que permeia esse tipo de contrato, já que a previdência complementar e

a previdência social, em conjunto, formam a vertente previdenciária da seguridade social.

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Essa peculiaridade que distingue o contrato de previdência privada de qualquer

outro, inclusive dos demais contratos da espécie contrato de seguro – cobertura de um risco

social -, além de justificar a ingerência do Poder Público, possibilita a determinação do custeio de

modo equivalente ao ônus assumido em decorrência do pagamento do benefício futuro, ensejando

a regulamentação pela lei e pelos órgãos de fiscalização também no aspecto das bases técnicas

dos planos, especialmente no ponto relativo ao cálculo das contribuições. Vale dizer, trata-se de

negócio que afeta não só interesse individual, considerando que ostenta, na origem de sua

formação, a expressão da vontade das partes já mitigada pelo interesse público.

Tal ingerência encontra limites ditados pelo ordenamento jurídico segundo os

valores eleitos à Ordem Social, título do qual a seguridade social compõe um de seus capítulos, e

que, por isso, submete-se às proposições do art. 193, que prevê como objetivos da ordem social,

esta tendo como base o primado do trabalho, o bem-estar e a justiça sociais.

Estes, pois, os vetores que indicam o norte à conferência do resultado do trabalho

legislativo.

Neste campo, a transgressão de um valor resulta conseqüência ainda mais grave

que a inobservância de uma regra constitucional: a regra positivada que fere um valor eleito como

informativo ao sistema jurídico não é regra de direito, senão na aparência.

A leitura que segue, focada então nos princípios constitucionais em matéria de

previdência complementar, deve inspirar o legislador infraconstitucional e o poder regulamentar

com vistas a um resultado que potencialize os valores da Ordem Social.

A normatização tirada nessas balizas deve regrar os limites da vontade dos

contratantes, expressa no contrato previdenciário, o qual, para atender à sua função social, há de

assegurar a liberdade do participante à adesão a um regime complementar de previdência social

que ofereça plano baseado na constituição de reservas que garantam o pagamento do benefício a

partir das contribuições do participante e do patrocinador, estas não integrativas do contrato de

trabalho, cuja gestão seja baseada no pleno acesso de informações do participante, inclusive

quanto à designação dos membros das diretorias das entidades fechadas.

Esses contornos são ditados na forma de princípios constitucionais ao regime de

previdência complementar, na esteira do que dispõe o art. 202 da Constituição Federal.

Constatadas as peculiaridades próprias do regime jurídico ao qual se submete a

relação de previdência complementar, impõe-se o estudo acerca das bases técnicas sobre as quais

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se assenta o contrato de seguro social, a fim de reunir subsídios à completa aferição da natureza

jurídica da portabilidade.

Nessa esteira, enquanto no seguro privado o prêmio serve à contraprestação pela

cobertura do risco, no contrato de seguro social as contribuições destinam-se ao pagamento de

um benefício previdenciário certamente devido, considerando que nesta espécie de seguro a

configuração do risco é esperada pelos contratantes.

É possível, pois, cogitar-se da retirada de parte das contribuições vertidas, sem

prejuízo à entidade, desde que assim ocorra em parcela equivalente ao financiamento da

prestação previdenciária, visto que o cálculo das contribuições tem lastro num estudo atuarial que

considera a contribuição pura, destinada ao pagamento do benefício, e a taxa de carregamento,

que corresponde à contraprestação devida à entidade.

Dessa forma, constata-se que a portabilidade é instituto talhado a apresentar-se no

seguro social, mas não no contrato de seguro privado.

Sob outro giro, no regime complementar, o participante, ao contar com liberdade

quanto à adesão a plano de previdência privada, mantém-se dono de sua vontade durante todo o

cumprimento do contrato, inclusive para exercer a faculdade de, a depender do atendimento a

certos requisitos legais, optar por esta ou aquela entidade, transferindo os valores até então

acumulados no plano para outra entidade, perante a qual prosseguirá em busca do benefício

pleno.

Essa liberdade, concretizada na titularidade de valores determinados os quais

acompanharão o participante ao longo do planejamento de seu futuro previdenciário, não existe

no regime geral da previdência social.

Portanto, a primeira conclusão sobre a natureza jurídica do objeto em estudo é a de

tratar-se a portabilidade de um instituto próprio do regime de previdência complementar.

Por meio da portabilidade é assegurada ao participante de plano de previdência

privada a manutenção dessa condição, mesmo à vista do desligamento prematuro frente à

entidade que se obrigou pela cobertura do infortúnio, por meio do traslado dos valores

acumulados no plano original, os quais servirão ao custeio do benefício pleno perante outra

entidade.

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A Lei Complementar n. 109/01 dispõe no art. 14 que os planos deverão prever,

entre outros, o instituto da portabilidade, evidenciando tratar-se de ponto em que os contratantes

não têm campo para livre disposição.

Sob a perspectiva da valia do exercício da portabilidade ao participante, não há

dúvidas de que se trata de um direito indisponível e instrumental à sua liberdade de contratação,

considerando que a faculdade de transpor os valores das contribuições, para outra entidade,

implica numa constante pressão sobre a entidade, a qual deverá apresentar-se com a mesma

atratividade demonstrada por ocasião da celebração do contrato.

Essa desejada excelência na administração do plano abarca, naturalmente, não só a

boa gerência dos recursos do plano quanto aos ganhos financeiros, mas também uma gestão

segura e a mais absoluta transparência como meio de demonstrar o bom desempenho nos dois

primeiros quesitos, o que, resumidamente, cumpre os princípios constitucionais previstos no art.

202 da Constituição Federal, que dita uma previdência complementar de caráter facultativo,

baseada na constituição de reservas que garantam o benefício e dotada de administração em que

seja livre o acesso de informações ao participante.

No segmento das entidades fechadas de previdência complementar, o direito à

portabilidade assegura a liberdade profissional do participante, propiciando a busca pela melhor

colocação sem que isso reverta em prejuízo ao planejamento de seu futuro previdenciário, o que

cumpre, sob esse prisma, os mandamentos constitucionais contidos no § 2o do art. 202, o qual

dispõe sobre a independência entre a relação previdenciária e a relação trabalhista.

Servindo, pois, à efetividade dos princípios constitucionais previstos no art. 202 da

Constituição Federal, concluiu-se que a portabilidade encontra sustentáculo no ordenamento

jurídico extraído diretamente do texto constitucional, a par de dependerem seus contornos da

vontade do legislador infraconstitucional, o que indica que sua eventual retirada do ordenamento

jurídico, ou sua disciplina normativa em descompasso com esses princípios, resulta

inconstitucionalidade.

Em conclusão, sob os aspectos até agora analisados, a portabilidade apresenta-se

como um instituto próprio do regime de previdência complementar, o qual assegura um direito

subjetivo do participante de plano de previdência privada, cujo exercício voluntário e

condicionado nos termos da lei resolve o contrato - liquidando direitos e obrigações assumidas

nos termos do regulamento básico do plano - e cria, simultaneamente, outra relação jurídica

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previdenciária, em que distinta entidade de previdência privada assume obrigação relativa a

prestações previdenciárias nos termos do regulamento de seu plano, mediante o traslado de

valores acumulados perante a entidade primitiva.

Contudo, outro enfoque indica ainda uma nova feição do instituto, perspectiva em

que a portabilidade assume contornos de potencial instrumento à salvaguarda do regime de

previdência complementar, sob a forma de instituto instrumental à segura concorrência no setor

de previdência complementar.

Defende-se aqui a opinião de que a portabilidade não poderia, por si,

consubstanciar uma promessa de vantagem, constando no regulamento do plano que se

futuramente operada o participante portaria os valores em cifras mais favoráveis se comparadas a

outros planos à sua escolha, visto que o traslado de valores há de ser determinado nos limites

máximos permitidos pelos equilíbrio dos planos, assim já em nível abstrato, pelo conjunto

normativo que disciplina o instituto. É o que se espera com o aprimoramento de sua prática.

A portabilidade abriria campo a uma legítima e segura concorrência entre as

entidades do setor a ser travada não quanto ao montante portado – maximizado por igual -, mas

quanto ao item relativo às despesas exigidas por meio da taxa de carregamento embutida nas

contribuições, de modo que as entidades com menor custo operacional poderiam garantir

vantagens a que o participante portasse seus recursos.

Partindo-se das conclusões firmadas por ocasião do estudo dos princípios

constitucionais e de seus reflexos no contrato previdenciário, somadas às observações lançadas

quanto à natureza do instituto como garantia do regime complementar, mostra-se obrigatória a

previsão da portabilidade como instituto inerente ao tipo de previdência privada pretendida pelo

legislador constitucional ao editar o art. 202, em sua contemporânea redação.

A partir deste ponto, a conferência quanto ao acerto do trabalho do legislador

infraconstitucional e do poder regulamentar foi feita sob a régua ditada pelos princípios

constitucionais informados pelos valores da Ordem Social.

Nessa conferência constatou-se, em alguns pontos, a necessidade de interpretação

da Lei Complementar n. 109/01 de modo a harmonizá-la aos ditames constitucionais, destacando-

se, pela importância fulcral que representa ao exercício da portabilidade, a inclusão, no montante

portado, das contribuições vertidas pelos patrocinadores de plano de previdência complementar

de entidade fechada.

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Observou-se também um desbordamento dos limites legais impostos ao poder

regulamentar no ponto em que a resolução CGPC n. 6/03 proíbe a portabilidade ao participante

em situação de elegibilidade, bem como no ponte em que trata do critério a ser adotado na

mensuração dos valores portados de planos instituídos antes da Lei Complementar n 109/01,

assim como nos planos formados a partir da referida lei, organizados pelo patrocinador como

plano de benefício definido.

Outra constatação é a da necessidade de norma regulamentar que discipline

situações peculiares aos planos cedente e cessionário, especialmente sob o aspecto do equilíbrio

financeiro de um e de outro apresentado no momento em que o participante porta seu direito

acumulado, assim como nas situações em que não ocorreu o ingresso de valores no plano em

razão do descumprimento de obrigação contratual assumida pelo patrocinador.

No que concerne às condições legais ao exercício da portabilidade, verifica-se o

acerto da adoção legal de um período de carência, a ser fixado pelo poder regulamentar, bem

como da regra que dita sobre a necessidade da contratação de renda mensal vitalícia ou por prazo

determinado, com ressalva feita aos prazos previstos no § 4o do art. 14 da Lei Complementar n.

109/01, os quais podem resultar, a depender do caso concreto, em impedimento à portabilidade.

Creio serem essas, em síntese, as principais conclusões tiradas deste estudo,

cumprindo lembrar que o desenho da previdência privada, feito pela Constituição Federal, indica

um regime complementar que preserva a iniciativa individual e, a um só tempo, serve como meio

em potencial para desonerar em parte a sociedade quanto à função de propiciar o bem-estar, já

que o limitado campo protetivo da previdência social foca patamares mínimos, os quais tendem a

ser ampliados segundo as forças do custeio assumido voluntariamente pelo participante por

intermédio da adesão aos planos de previdência privada.

A obtenção da renda global prometida pela previdência complementar por certo

interromperia a engrenagem que faz retornar ao mercado de trabalho grande quantidade de

inativos que não conseguem sobreviver com os módicos benefícios previdenciários, o que agrava

a já limitada oferta de empregos, lançando os jovens e mais um sem-número de trabalhadores na

informalidade, num ciclo vicioso que sufoca o sistema público de previdência, engessado em seus

recursos mais em razão do reduzido número de segurados participantes do que por conta do

pagamento dos benefícios, concomitantemente impondo ao trabalhador um estado de miséria tal

que desenha, cuidadosamente, um quadro trágico para as finanças públicas, as quais também

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sustentarão a assistência social, pilar da seguridade social que, infelizmente, tem sido provocado

mais e mais a atuar, o que confere com os dados acerca do crescente empobrecimento da

população.

Esta a equação em parte a cargo de solução pela previdência complementar e que

reclama interpretação da Lei Complementar n. 109/01 no sentido de que seja facilitada a adesão

ao regime privado e incentivada a permanência do participante, mesmo que perdido o vínculo

empregatício ou a qualificação profissional.

Com o fim de atender a tais exigências, o instituto da portabilidade promete maior

mobilidade ao participante de plano de previdência complementar, inclusive e especialmente no

segmento das entidades fechadas, cumprindo os comandos constitucionais contidos nos

parágrafos do art. 202 da Constituição Federal.

Esse instituto serve como um flexibilizador; para o participante, quase um

resseguro do seguro social privado, na medida em que tende a preservar o vínculo com o regime

complementar enquanto percorre o longo caminho na busca pelo benefício pleno, considerando

possíveis variáveis como a perda do vínculo empregatício, a modificação na capacidade de

custear o plano e mesmo alterações que impliquem desvantagem se mantida a relação com

determinada entidade de previdência privada.

Aprimorado o sistema previdenciário até o estágio em que se encontra, a

normatização esperada em matéria de portabilidade é a de que se desenhe um instituto que

propicie e facilite a alteração da relação previdenciária sem dissolução do planejamento

previdenciário, em sintonia com os vetores constitucionais indicativos de um regime

previdenciário complementar cujo tom é o da liberdade individual, inclusive no que concerne à

opção por esta ou aquela entidade de previdência privada, pondo em relevo o interesse público

que permeia o esforço em manter o participante sob a proteção extra conferida pelo regime

complementar.

Referido instituto é talhado à vazão do princípio da liberdade na contratação de

plano de previdência privada, na medida em que durante todo o curso de execução do contrato

previdenciário o participante mantém-se senhor de seu futuro, único responsável pelo melhor

planejamento, sendo dotado da faculdade de mudar de plano, ou de entidade previdenciária,

transpondo os valores acumulados no plano original.

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Instituto próprio da relação jurídica de previdência complementar, direito

indisponível do participante e garantia do regime complementar, ainda incipiente de

desenvolvimento e assimilação por todos os atores envolvidos nessa relação, a portabilidade

exige exame aprofundado e solução compatível com os vetores constitucionais, desafiando à

sedimentação do seguro social como instrumento ao estado de bem-estar e à coesão do regime

público e do regime privado como meio de efetivar uma sociedade livre, justa e solidária,

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3o, Constituição Federal). Seu

aprimoramento legislativo reclama resposta à luz dos princípios constitucionais, sempre

informados pelos valores do primado do trabalho, do bem-estar e justiça sociais, cabendo à lei e

ao regulamento extrair em regras o suficiente para pautar a vontade das partes nesse sentido.

Mais que regular a vontade das partes, o que se põe ao legislador, às entidades que

operam a previdência complementar, aos participantes, patrocinadores e instituidores, ao jurista, e

aos órgãos reguladores, é dosar o exato equilíbrio entre a preservação dos direitos do participante

que deixa o plano, levando consigo o máximo de valores possível, e a preservação dos interesses

dos demais participantes que nele permanecem, lembrando a razão de ser não só da previdência

complementar, mas também das raízes do seguro social, calcadas na solidariedade.

Neste ponto do desenvolvimento da idéia previdenciária no ordenamento jurídico

brasileiro, o direito à portabilidade funde, por meio de seu exercício, as conseqüências legais dos

princípios constitucionais postos em salvaguarda do participante e do próprio regime

complementar, já que de nada valeria contar com liberdade na contratação, crença na

independência entre as relações trabalhistas e previdenciárias, direito ao pleno acesso de

informações e à gestão do plano, se a sorte do vínculo entre participante e entidade restasse

inalterada, do que decorre a conclusão de que sua eventual retirada do cenário jurídico resvalaria

em inconstitucionalidade, considerando a forma como contemporaneamente fixada a matéria pela

Constituição Federal.

Quiçá esta seja a mais importante conclusão tirada deste estudo, persistindo como

desafio a todos os que se interessam pelo tema conferir sobre seu acerto, infirmar-lhe, ou

aprimorar-lhe os fundamentos.

De todo modo, mais que aguçar o interesse investigativo no tema portabilidade,

persiste a importância de se aprofundar o exame do seguro social, sem descurar da matização de

interesse público, mais e mais presente no âmbito da previdência complementar.

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Afinal, o conjunto normativo que, em última análise, forma o Direito, não é senão

um sem-número de trilhas que tendem a saciar o anseio humano de bem conviver; mais que isso,

o de conviver com dignidade, o que passa pelo respeito à natureza humana e, por isso, pressupõe

tudo quanto pretendido obter por meio do bem-estar social, de modo que a importância da pessoa

humana, valoração presente em todos os campos do Direito e fim expressamente confessado pelo

Direito Previdenciário, é norte seguro a guiar todos os atores que se aventuram na transposição

do vazio que, por vezes, inadvertida ou calculadamente, quer se fazer permear nas palavras que

contêm valores tão caros à ordem jurídica.

É hora de o desiderato do bem-estar social ser mais que uma política de Estado;

ser sentido na concreção dos fatos diários, por todos e por cada um, como um bem-viver em

solidariedade.

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