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    Psych

    ISSN: 1415-1138

    [email protected]

    Universidade So Marcos

    Brasil

    Salinas, Paola; Santos, Manoel Antnio dos

    Servio de triagem em clnica-escola de psicologia: a escuta analtica em contexto institucional

    Psych, vol. VI, nm. 9, 2002, pp. 177-196

    Universidade So Marcos

    So Paulo, Brasil

    Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=30700914

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    Servio de triagem em clnica-escola de psicologia:

    a escuta analtica em contexto institucional

    Paola Salinas

    Manoel Antnio dos Santos

    RRRRResumoesumoesumoesumoesumo

    O presente estudo tem como ponto de partida a necessidade de revisar constantemente o

    funcionamento dos servios oferecidos em mbito institucional, em particular a clnica-escola de psicologia, refletindo sobre o estatuto de nossas prticas na rea de sademental na tentativa de evitar sua cristalizao. A questo bsica que norteou o trabalhoconsiste em saber em que medida uma orientao pautada na Psicanlise pode auxiliarna conduo do servio de inscrio e triagem para atendimento psicolgico, contribuin-do para um melhor acolhimento da clientela. Nesse contexto, proposto um novo modode recepo e a avaliao de sua efetividade, buscando-se investigar o quanto as mu-danas implantadas podem funcionar como facilitadoras do processo de implicao dopaciente em seu atendimento.

    UnitermosUnitermosUnitermosUnitermosUnitermos

    Clnica-escola de psicologia; servio de triagem psicolgica; sade mental; psicanlise/contexto institucional.

    Introduo: iniciando a tessitura

    Diversos estudos recentes tm enfocado as peculiaridades de que se re-

    veste a prtica clnica face aos desafios encontrados na contempora-

    neidade, questionando a organizao dos saberese dos fazeressobre opsiquismo humano diante das novas demandas e realidades emergentes (Ropae Duarte, 1985; Bezerra Jr., 1987; Tozoni Reis, 1994).

    Alguns trabalhos vm explorando os limites e as potencialidades da apli-cao do mtodo psicanaltico para a compreenso dos fenmenos psquicosnas mltiplas formas em que eles se configuram na atualidade, em particular

    no mbito institucional (Bleger, 1984; Costa, 1989; Alberti, 1996; Estvez,

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    1996; Etxegarai, 1996; Garcia, 1996; Laurent, 1996a, 1996b, 1996c; Monseny,

    1996; Barreto, 1999).Interroga-se, entre outros aspectos, que respostas a Psicanlise tem a

    oferecer para a compreenso e interveno sobre os problemas colocados pe-los modos contemporneos de constituio da subjetividade. As discussessobre o alcance e os limites da assistncia psicolgica no contexto das institui-es de atendimento pblico tm levado profissionais e pesquisadores a refle-tir sobre a necessidade de transformao da prtica psicoterpica (Bleger, 1984;Silva, 1992; Santos, Moura, Pasian e Ribeiro, 1992, 1993; Santos e Borges,1994b; Tozoni Reis, 1994; Santos, 1996b), visando atender s especificidadesda clientela abrangida pelos servios de sade mental.

    O presente trabalho insere-se dentro de uma perspectiva de revisar cons-

    tantemente o funcionamento institucional e da Clnica-escola de Psicologia, re-fletindo sobre o estatuto de nossas prticas, na tentativa de evitar que a regraassuma uma posio fechada ao ser utilizada como instrumento para organizara formao do aluno. Como nos diz Laurent (1996c, p. 15), a regra no inde-

    pendente de uma prtica regular desta. Ela no est no cu das regras e a prti-

    ca alhures. Isto quer dizer tambm: no h regra sem infrao s regras; ou

    ainda, no h regra sem uma prtica viva da interpretao das regras.

    Cabe verificar como funciona a regra na prtica e propor modificaesquando ela contribui para a perpetuao do status quo, independentementeda adequao do que est estabelecido. Tomamos regra aqui no que a Psican-lise nos ajuda a pensar a paralisao que pode ocorrer frente a ela: A hipteseda Psicanlise versa no somente sobre as relaes da identificao e da regra

    social, mas ainda sobre o que, entre as linhas da regra, se satisfaz a pulso.Esta hiptese tem o nome de teoria do Superego (Laurent, 1996c, p. 17).

    O trabalho institucional, pelas caractersticas intrnsecas prpria orga-nizao em que ele se assenta isto , a instituio, com sua tendncia secularde velar conflitos em nome da preservao do institudo(Bleger, 1988; Enriquez,1988; Kas, 1988) , pode facilmente assumir uma tendncia inercial. preciso,portanto, partir de uma postura que privilegia a constante reflexo crtica naanlise dos fazeres, que se pautam e se organizam em torno de determinadossaberese, desse modo, propor modificaes tanto em um quanto no outro plo.

    Nosso questionamento se articula dentro de uma proposta de institui-esparticulares, definidas no que servem a cada sujeito em particular. pre-

    ciso esclarecer que:

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    querer instituies particulares no querer mais um domnio do reserva-

    do, uma nova segregao, querer que em cada espao constitudo pelasnovas determinaes institucionais se pretenda orientao, nas questes

    de sofrimento psquico, sobre a existncia da cadeia inconsciente, traos de

    insucesso prprio a cada um, e no sobre a identificao comum (Laurent,

    1996c, p. 19).

    Assim, colocamo-nos a questo: em que uma orientao pautada na Psi-canlise pode auxiliar a conduo de um servio de triagem para atendimentopsicolgico ou, de que modo pode contribuir para um melhor acolhimento daclientela?

    J em 1918, Freud coloca a questo da Psicanlise na instituio. Ques-tionando as modificaes necessrias e o teor do atendimento, afirma que,embora possa ocorrer

    fundir o ouro da anlise livre com o cobre da sugesto direta. (...) A

    psicoterapia para o povo, (...) quaisquer que sejam os elementos dos quais se

    componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continua-

    ro a ser, certamente, aqueles tomados Psicanlise estrita e no tendencio-

    sa (Freud, 1918, p. 210-211).

    Trata-se, portanto, de adequar a tcnica e no a tica.

    No presente trabalho pretendemos relatar a experincia vivida dentrode um servio de inscrio e triagem de uma Clnica-escola de Psicologia ediscutir as propostas de alteraes no seu funcionamento, decorridos dez anosde organizao do servio. Uma anlise da literatura nessa rea permite desta-car alguns estudos que apontam a relevncia de um trabalho de investigao

    sistemtica que se proponha a descrever, analisar e avaliar procedimentos,programas e servios de atendimento psicolgico oferecidos comunidade(Santos, 1987; Santos e Borges, 1994a; Peres, 1997), em particular os novosdispositivos de acesso aos servios de sade mental.

    As malhas do casulo: o enquadramento institucional

    O servio de triagem foi estruturado como resultado do esforo contnuode psiclogos e docentes, que estiveram frente de atividades organizadorasdo servio desde 1987 (Santos, 1996a). Esse servio responsvel pelo regis-tro sistematizado dos atendimentos oferecidos aos clientes que procuram aClnica Psicolgica do CPA e tem como funo realizar uma avaliao inicial do

    caso, buscando esclarecimento diagnstico e definio do encaminhamento a

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    ser dado. Atualmente as possibilidades de encaminhamento dentro da insti-

    tuio so: avaliao psicodiagnstica e psicoterapia (em duas diferentes orien-taes tericas).

    O processo de triagem e indicao teraputica dentro da clnica do CPAobedece a critrios de incluso e de excluso da clientela. Determinadas pro-blemticas so consideradas contra-indicadas para o tratamento oferecido naclnica-escola. Desse modo, casos de psicose, deficincia mental, dependnciaqumica, transtornos de personalidade e presena de ideao suicida no soindicados para atendimento no servio.

    Tais critrios foram definidos pelo Servio de Inscrio e Triagem, a par-tir de uma consulta aos supervisores de estgio (Santos, 1996a). Contudo, possvel a tomada de deciso no caso-a-caso, tendo cada supervisor autono-mia para aceitar determinado paciente que possa no se encaixar estritamentenesses critrios, aps uma discusso clnica com o servio de triagem.

    Os atendimentos so realizados, em sua maioria, por estagirios de gra-duao do curso de Psicologia do quarto e quinto anos, sob superviso de psi-clogos e professores da faculdade ou profissionais colaboradores no-vincu-lados diretamente instituio.

    No ano de 1996, a situao institucional se caracterizava por apresentaruma fila de espera de 160 pessoas inscritas (clientes adultos). Esses pacientesno haviam sido triados, pela impossibilidade de serem absorvidos pelas va-gas disponveis no servio, alm de problemas decorrentes da sada da psic-loga encarregada do servio.

    Nesse mesmo ano foi contratada a atual psicloga e, ao iniciar suas ati-vidades no servio, iniciou um processo de atendimento da demanda represa-da, com o objetivo de reduzir a fila de espera. Pudemos verificar, j no incio,que muitos casos no tinham mais interesse no atendimento ou por j oterem iniciado em outro servio, ou pela remisso espontnea das queixas, oumesmo por no manifestarem mais motivao. Em outros casos, o motivo deconsultapreenchido na ficha de inscrio permitia hipotetizar que alguns in-divduos no se encaixariam na clientela normalmente atendida, por apresen-tarem quadros de internao recorrente, uso abusivo de substncias qumi-cas, ou dificuldades de aprendizagem como queixa principal.

    Nessa oportunidade, levantou-se a seguinte questo: os pacientes se ins-crevem para atendimento, esperam por mais de um ano j que a vaga era

    prevista para 1998 e, ainda, para alguns na triagem, seria lhes comunicado

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    que no fazem parte da clientela eletiva do servio, devendo ento ser encami-

    nhados.

    Os ritos da metamorfose: o processo de mudana

    De entrada, era preciso agilizar o contato entre o paciente e a psicloga doservio, ainda que no houvesse vagas para atendimento com os estagirios nomomento. Uma vez que essa fila foi extinta, iniciamos o cuidado com os casosnovos. Para tanto, foi necessrio fechar novas inscries no ano de 1997, a fimde que se pudessem avaliar as perspectivas e indicao de atendimento doscasos da fila, bem como evitar o acmulo de novos casos em uma nova fila.

    Assim, estabelecemos o contato um a um, encaminhando casos no-

    eletivos, oferecendo possibilidades de atendimento mais rpido em nossa ins-tituio (nesse momento foram abertas vagas para psicoterapia, pois muitoscasos que estavam no servio h mais de dois ou trs anos receberam alta), ouem outros servios da rede pblica. No caso de clientes que dispunham dealguma condio financeira, recorremos ao encaminhamento a profissionaisinscritos em nosso cadastro, que oferecem atendimento em um valor acess-vel, condizente com a realidade de cada caso.

    Em maio de 1998 iniciamos o Atendimento Imediato de Triagem (AIT).No incio, esse atendimento restringiu-se apenas aos pacientes com idade su-perior a 18 anos, considerados dentro dos critrios adotados pelo servio comoadultos, j que a fila para pacientes adolescentes era menor tanto em decor-

    rncia das desistncias, como do maior nmero de vagas oferecidas para essesegmento da populao.

    Essa atividade (AIT) consiste no agendamento imediato da triagem nomomento da inscrio. Inicialmente, no nos propomos responder demanda,mas acolh-la. Isso pode criar um efeito de escuta dos pacientes, que tantopossibilita uma melhor compreenso diagnstica, quanto um melhor delinea-mento do encaminhamento a ser sugerido. medida que damos ouvidosdemanda, o paciente pode se ver, de imediato, responsvel por ela ou seja,fala instituio e recebe desta uma resposta em forma de pergunta: o quevoc quer?.

    No decorrer de nossa prtica, observamos que no eram raros os casos

    que procuravam o servio justamente porque sabiam que o atendimento iria

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    demorar aspecto que ficava claro na conduo do caso no servio de

    psicoterapia e em discusses clnicas realizadas posteriormente.

    Os casos que no puderam ser atendidos imediatamente participaramde uma outra atividade, intitulada Grupo de Espera, que objetiva oferecer umsuporte psicolgico, alm de funcionar como extenso da triagem(aprofundamento diagnstico) e avaliao do encaminhamento a ser dado.Somente participam desse grupo, coordenado pela psicloga, pacientes quemantm sua procura e no conseguem vaga imediatamente, recebendo esseatendimento de suporte, no qual so discutidas questes relativas ao atendi-mento psicoterpico e espera pelo mesmo. Posteriormente, cada caso aten-dido individualmente, por ocasio do surgimento de novas vagas.

    O panorama geral dos pacientes atendidos pode ser assim esquematizado:

    Passaremos, agora, descrio de alguns casos, nos quais entendemosque o processo de recepo assim estruturado funcionou como problematizadore facilitador do esclarecimento da posio subjetiva em questo, no momento

    da procura de atendimento.

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    Caso A

    Paciente do sexo feminino, 28 anos, casada, duas filhas, trabalhava namercearia do pai.

    Momento da chegada: disse estar surpresa com a rapidez da entrevista,pois pensava que seria necessrio esperar por um ano para passar pela tria-gem, pra depois comear (sic).

    Queixa: relata ter problemas com a filha mais velha, de 7 anos deidade. No consegue ser boa me, embora sempre o desejasse. Em um primei-ro momento, a queixa voltava-se contra o pai e o marido; o primeiro tratavamal a neta mais velha e paparicava a neta mais nova. O marido era descritocomo ausente. Entendia que seu pai estava fazendo com sua filha o mesmoque fizera com ela: menosprezando-a, fazendo diferena porque tinha umamenor. Entendia que essa atitude prejudicava a auto-estima da criana e queisso teria conseqncias para a filha que, na vida adulta, acabaria se achandosempre preterida.

    Tendo escutado essa histria, cabia a questo: em que um atendimentopoderia ajud-la? Qual, de fato, era a demanda? De atendimento para a filha,que j comeava a apresentar problemas de comportamento; ou para a pacien-te em questo?

    Percurso das entrevistas: iniciou falando do seu desejo de ser me; sem-pre sonhou com isso, imaginava-se uma gestante bonita, mas passou muitomal no perodo da gravidez, emagreceu bastante e as pessoas no notavamque ela estava grvida. Passou o maior parte do tempo da gestao internada.

    O marido, muito apegado me, no dava importncia a seu estado fsico. Asogra dizia que ela era muito mimada, que o marido no tinha que se impor-tar com ela. Nesse contexto de rivalidade, saa perdendo, ficando sempre comoltima, era sempre a ltima, para qualquer coisa, sempre eu me coloco porltimo e eu no quero que isso acontea com minha filha tambm, tenho medode eu mesma passar isso pra ela.

    Deciso: aps centrar sua fala nesse significante ltima, comeou a sequestionar quanto ao incio do seu atendimento. Pela poca do ano em queprocurou o servio, teria que aguardar cinco meses, enquanto participaria dogrupo de espera. Contudo, contava com certa condio financeira, que lhepossibilitaria procurar um profissional do cadastro. Decidiu no esperar mais,pois j o havia feitodurante toda a sua vida isto , havia se deixado espe-

    rar, se deixado por ltimo e no queria mais isso.

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    Nesse caso, o atendimento imediato na triagem foi essencial para que a

    paciente no se fixasse ainda mais na posio subjetiva que mantinha na vida, oque poderia ser facilitado pela instituio, caso se sustentasse uma espera silen-ciosa de cinco meses. Foi-lhe oferecida a possibilidade do grupo de espera (al-guns encontros por um perodo inferior a um ms), no qual concluiu que deseja-va de fato procurar um profissional do cadastro, que poderia acompanh-la semtempo determinado para encerrar o atendimento. Percebia que j tinha espera-do muito. Chegara o momento de mobilizar-se para fazer algo por si prpria.

    Caso B

    Paciente do sexo feminino, 35 anos, casada, dois filhos, do lar.

    Momento da chegada: a paciente se apresenta na entrevista dizendo:Eu procurei primeiro para minha filha (sic). Refere que, depois que a filha foiatendida e que fez orientao de pais, percebeu que ela tambm precisava deatendimento psicolgico.

    Queixa: Tem vezes que eu fico deprimida... ah, no dorme direito, e agente no tem com quem falar. Encuca e, s vezes, no to srio quanto agente pensa (sic). Refere tambm que o relacionamento com o marido oprincipal aspecto que a motivou a procurar atendimento. Eu no consigo con-versar com ele, no consigo dialogar... se tivesse dilogo a gente poderia sofrermenos, se entender melhor.

    Percurso da triagem: inicialmente colocou a demanda de atendimento

    psicolgico como uma necessidade generalizada todo mundo precisa , epassou a se queixar postura do marido, que no estabelece dilogo com ela,nem com os filhos. Afirma que todos os problemas que tem, desde os de natu-reza financeira at os de ordem sexual, incluindo seu desnimo etc, devem-seao fato de o marido no ter dilogo. Passa a se definir como algum quegosta muito de conversar, em qualquer fila eu paro e fico conversando, e quesempre tenta ajudar os outros. Diz atuar como uma espcie de conselheirareligiosa. Nesse contexto discursivo, terminou por concluir que o marido pre-cisaria muito de um atendimento psicolgico mais do que ela.

    Nesse momento a entrevista interrompida, pedindo-se que ela pense so-bre como ela est inserida na situao que descreve e que reflita se realmentedeseja realizar um atendimento, independentemente do seu marido. Ela havia

    dito que demorara dez anos para perceber que precisava de atendimento.

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    Posio do sujeito:ao retornar, diz que conversou com o marido e aca-

    bou concluindo que ela precisa de atendimento. Relata que tambm seu jeitomuito intelectual, racional atrapalha a conversa, alm de ter outros pontosque gostaria de conversar com uma psicloga. Em um terceiro contato, colo-cou de forma crtica suas dificuldades, mostrou-se reflexiva, cedendo um pou-co racionalizao inicial. Questionou sobre o percurso da psicoterapia e danecessidade de aprofundamento aps o atendimento no servio.

    A possibilidade de repensar, ainda que em um primeiro momento, a suaparticipao nas queixas que trazia a respeito do marido, viabilizou um maioresclarecimento da demanda, inicialmente voltada para um pedido de inter-veno junto ao cnjuge. Pde ento colocar que achava que seu jeito de serinibia o marido. Ela tinha um grau maior instruo, o que o marido sempremarcava, dizendo que s porque ela estudou achava que era dona da verdade.

    Chamava-a de sabe-tudo. Disse que sua inteno no era de se colocar comosuperior ao marido, mas que percebia que isso acabava acontecendo: pareceque eu j sei qual a resposta daquela situao que a gente t discutindo, masele no enxerga.

    Este questionamento pareceu ser importante para a deciso de iniciarum atendimento e no demand-lo para o marido ou para a filha novamente. Apaciente foi atendida individualmente durante todo o ano e, aps o trmino doperodo combinado na instituio, deu continuidade ao atendimento em con-sultrio particular com a mesma estagiria que havia conduzido o processoinicialmente.

    Caso C

    Paciente do sexo feminino, 25 anos, sem filhos, casada, do lar.

    Momento inicial: chegou ao servio dizendo que a me havia insistido emtraz-la. No via razo na insistncia materna que, posteriormente, revelou sertambm dos irmos, de que procurasse um atendimento urgente. Contudo, co-locou quegostaria de conversar com uma psicloga, porque sempre tem coisasque bom conversar, pegar opinio (sic).No motivo de consulta, preenchidopela prpria cliente por ocasio de sua inscrio no servio, foi colocada umafrase vaga, que no especificava ou caracterizava suas dificuldades.

    Entrevista: em um primeiro contato nada tinha a dizer, uma vez que

    estava tudo bem. A psicloga permitiu que falasse sobre o que quisesse,

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    pois parecia estar muito vontade na situao. Nesse momento, prolongar o

    tempo de fala, apesar do aparente pouco interesse demonstrado (afinal, diziaestar ali apenas para cumprir uma demandada me), foi um manejo para queo sujeito pudesse colocar seu discurso no dispositivo da triagem e poder entoconcluir algo a respeito de sua demanda. Acabou por contar episdios de suavida, relacionados a seu casamento, ao relacionamento com o filho. Descreviaesses aspectos enfatizando sempre que estava tudo bem. Tambm dizia seruma pessoa muito sensvel. Essa colocao quanto a sua sensibilidade abriuespao para que falasse de vrias situaes em que pde verificar seu dom deadivinhar fatos (sic). Relatou que teve alguns sonhos e pensamentos, por meiodos quais soube que seu pai iria morrer; em outra ocasio, soube que algumestava falando dela s de olhar para essa pessoa.

    Queixa: isso, de modo algum, se constitua em uma queixa para ela. Pelo

    contrrio, era um dom, explicado em parte pela religio, enquanto outra partemantinha certo lugar de enigma.

    Demanda: nesse caso no havia uma demanda de tratamento, mas umademanda de escuta. Ela falou por um bom tempo de suas histrias, contando-as detalhadamente.

    A famlia: a me confirmou que ela era muito nervosa e ficava aindamais quando pensava em algo que no tinha acontecido, mas que iria aconte-cer. Assim foi quando pensou que seu pai morreria o que de fato ocorreu,quando pensou que algo aconteceria a seu irmo, ou a ela prpria (o que nose confirmou).

    Encaminhamento: como dissemos, havia uma demanda de escuta. Apaciente gostava e queria falar dessas coisas com algum, porque minha mefala que besteira, que pra eu esquecer... meus irmos no do bola pramim (sic). Contudo, o servio no atende a clientela que pode apresentar umaestruturao de personalidade psictica e era essa a hiptese diagnstica. Fo-ram marcados outros retornos, nos quais foi abordado seu desejo em falar comalgum e a viabilidade desse atendimento. O processo foi finalizado com oencaminhamento para o hospital universitrio, que poderia acolh-la, umavez que no havia, no momento, outro servio que oferecesse vaga imediata,nem a paciente dispunha de condies financeiras para a procura de um pro-fissional do cadastro.

    A dilatao do tempo de entrevista mostrou-se interessante pois, a prin-

    cpio, em uma avaliao mais superficial, o caso poderia ser rapidamente dis-

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    pensado pela demanda no genuna, pelo fato dos sintomas no serem to-

    mados pela paciente como fonte de sofrimento e no haver desejo de mudanaou tratamento. Ou ento, aps avaliada a importncia do atendimento, pode-ria ter sido feito um encaminhamento para o mesmo hospital universitrio,sem que houvesse uma escuta prvia da paciente. Nesse contexto, o encami-nhamento seria norteado exclusivamente pela necessidade teraputica de ofe-recer o tratamento adequado, no dando lugar para que a fala do sujeito pu-desse alinhavar essa deciso. Possivelmente o encaminhamento, assim como aprpria procura inicial por atendimento, seriam associados demanda fami-liar de tratamento e no demanda da paciente em ser escutada. Como disse, bom poder falar com algum que no ache que besteira o que para elafaz toda a diferena.

    A singularidade da trama institucional: o

    processo de acolhimento em discusso

    Acreditamos que esse novo modo de recepo da instituio pode fun-cionar como um facilitador no processo de implicao do cliente em seu aten-dimento, medida que ele chamado a colocar as questes que o motivam aprocurar atendimento no momento que lanou essa procura. Evita-se, assim,o efeito iatrognico produzido pelas vastas filas de espera, que habitualmentese formam em servios de natureza similar, devido ao excedente de demanda.

    O processo de triagem tomado aqui como um espao de fala para opaciente, que, por si s, pode aliviar a angstia e permitir uma ratificao ou

    uma retificao da procura feita. Ou seja, permite verificar quem de fato man-ter a demanda um sujeito desejante.

    Essa persistnciado cliente colocada em pauta, mas no sentido deromper com a formao de compromisso que o sintoma implica e no comouma persistncia em que o indivduo aparece como um mrtir-das-enormes-filas-do-servio-pblico. Trata-se de trazer o sujeito baila tambm e nosomente o conjunto instituio-fila-carncia. Ou seja, levar em conta a relaodo sujeito com seu sintoma.

    Nesse contexto, a Psicanlise nos auxilia na consolidao dessa propos-ta, uma vez que acreditamos que, oferecer um espao que privilegia a escutado paciente, pode nos ajudar a verificar melhor quem realmente tem deman-

    da. Em outras palavras, quem de fato sustenta a procura, de incio difusa, que

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    endereada instituio. Seguindo as observaes de Gurgel (1996), a Psi-

    canlise pode se colocar a como um norteador da escuta, oferecendo um outrolugar ao paciente, um lugar que o coloque como sujeito desejante. Podemosnos questionar: Desejante de qu?Vemos que isso varia em cada caso.

    Gurgel afirma:

    Acreditamos ser possvel pensar que o analista, nestes casos, seja capaz

    de criar um espao para operar com a dimenso subjetiva do indivduo,

    acolhendo a demanda de saber, suportando os outros discursos e, quando

    possvel, mantendo a especificidade da psicanlise. O analista vai a uma

    Instituio de Sade no com a especificidade de fazer psicanlise, mas sim

    para ofertar o discurso analtico, ciente de que nos movemos em uma tica

    que no se encerra no consultrio, mas que se encontra em qualquer lugar

    no qual o psicanalista pensa luz da palavra e da linguagem (1996, p. 24).

    Poderamos pensar na proposta freudiana de um tratamento de ensaio(Freud, 1913) anterior ao incio do atendimento, como um desses eixosnorteadores do processo de triagem, levando em conta, contudo, as especifici-dades deste ltimo.

    No que nos concerne, pautados em uma orientao psicanaltica, busca-mos utilizar esses instrumentos no que eles colocam da dimenso subjetiva,abrindo um espao para sua emergncia no contexto institucional.

    A proposta utilizar o matema da clnica psicanaltica do U 1, comocoloca Beneti (1999, p. 2), ou seja, do universal (U) retirar o particular (um).Necessria a generalizao, mas impossvel concluir somente a partir dela.

    Assim, a proposta de ouvir de imediato cada sujeito em questo, realizar umaavaliao clnica do caso, considerar os critrios da instituio e a disponibili-dade de oferta de acolhimento em determinado momento, nos fazem acreditarna possibilidade de uma melhor conduo de cada caso, no sentido estrito desua recepo, anterior interveno psicoteraputica propriamente dita.

    Temos como hiptese que uma porta de entrada assim estruturadapode facilitar a implicao subjetiva de cada paciente, retirando a responsabi-lidade do Outro institucional acerca de sua procura, colocando a dimenso doseu desejo em relao a mesma.

    No se trata tambm de produzir sujeitos barrados em srie (Benedicto,1999, p. 2), ou seja, demonstrar a castrao, a impotncia ou o desejo incons-

    ciente a todos os clientes. Tampouco sustentar o pressuposto de que no fun-

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    do ele no quer se livrar do sintoma no que essa afirmao tem de conotao

    moral e ajuizadora. Em outros termos, no tomamos a formao de compro-misso inerente ao sintoma neurtico como standardpara supor uma falta devontade a prioride cada sujeito.

    Temos variantes caso a caso pois, como j dissemos, trata-se de um es-pao de escuta na recepoestruturada em uma instituio e isso tambmcoloca limites quanto ao que possvel compreender de cada caso nesse con-tato inicial (Freud, 1913; Davanzo, 1998). Para tanto, temos mantido discus-ses peridicas para aprofundar questes especficas de cada caso e melhordecidir a respeito do seu encaminhamento ou conduo. Essa tomada de deci-so, que inclui o paciente, no tomada como algo padro, uma vez que oencaminhamento feito caso a caso, de modo diferente.

    Isto posto, passemos a um modelo grfico, muito usado na obra de Lacan(1940-1945), referentes aos trs tempos lgicos, para compreender o lugar datriagem na instituio:

    1) I.O.: Instante de olhar

    2) T.E.: Tempo de elaborar

    3) M.C.: Momento de concluir

    FIGURA 1

    Trs tempos lgicos para a demanda do paciente frente instituio.

    O que este modelo nos mostra?

    Este grfico significa que, dentro de uma srie, s depois que se chega

    ao ltimo elemento que o primeiro adquire significado(Leite, 1992, p. 22).

    somente no ao depois(aprs-coup)que podemos concluir algo a respeito da

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    procura que o sujeito enderea instituio e a triagem pode se posicionar

    nesse tempo para a compreenso da demanda lanada. Esse esquema tambmse aplica para os diferentes momentos do percurso do sujeito na instituio eno seu atendimento.

    Podemos supor que uma das preocupaes ticas presentes em nossotrabalho oferecer o atendimento psicolgico a quem realmente o deseja, emconsonncia com as colocaes de Batista, ao tratar da necessidade de ofere-cer a possibilidade de fala ao sujeito como forma de no exclu-lo do processoque ele prprio desencadeou com sua procura. Assim, recomenda falar dosujeito, relembrar que o sujeito aparece pela palavra... (Batista, 1996, p. 31),evitando tom-lo como um objeto de estudo. Contudo, ao pedir ao sujeito quefale, necessrio saber escut-lo. Para a Psicanlise, essa necessidade de es-cuta tem extrema relao com a desarmonia do sujeito com a realidade. Ou

    seja, com o mal-estar constitutivo da condio de cada sujeito frente a seuinconsciente.

    A triagem deve ser entendida e praticada como algo mais do que um mo-mento de concluso e fechamento. Freqentemente reduzida a uma coleo deinformaes reunidas pelo profissional na verdade, pouco mais que um amon-toado de relatos supostamente relevantes , a triagem deve ser mais do que amera coleta de dados sistematizados para subsidiar a construo de um encami-nhamento. Entendida como um processo, um espao privilegiado para refle-xo, no sentido de permitir avaliar com o paciente as reais possibilidades deatendimento no servio naquele momento, bem como discutir alternativas deacolhimento nos demais servios pblicos e particulares da cidade. Nesse senti-

    do, a triagem figura como um elo a mais na rede dos atendimentos oferecidos clientela e se constitui como uma proposta de interveno em si mesma.

    Assim, a busca pela responsabilidade do paciente quanto procura deatendimento um eixo central no processo. preciso responsabilizar aqueleque procura de algum modo, entendendo aqui por responsabilizara implica-o subjetiva do paciente frente a seu sofrimento. Essa responsabilizao, por-tanto, no est articulada a um discurso moral.

    Tambm no se trata de priorizar um ou outro tipo de encaminhamento.Temos absorvido grande nmero dos casos,mas buscamos esclarecer, antesde mais nada, comoestamos assimilando essa demanda, com que objetivo,com que competncia, problematizando se o tipo de atendimento que a insti-

    tuio tem a oferecer pode ser recomendado e quais os limites da interveno

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    disponvel, levando-se em conta a especificidade do contexto de ensino-apren-

    dizagem em que se insere a clnica-escola.Verificamos que, apesar das mudanas que operamos na sistemtica de

    recepo dos novos casos, nem todos os inscritos mantm a procura, ou seja,nem todos comparecem de fato triagem agendada. Nem todos se dispem avir falar de si. Vale dizer que, j no momento da inscrio, os pacientes soorientados quanto ao tempo de espera e esclarecidos que na triagem terouma dimenso de qual ser esse perodo, bem como a oportunidade de con-versar com uma psicloga para discutir suas dificuldades1.

    A maior parte dos casos mantm a procura e comparece triagem. Ob-servamos que, nos casos de desistncia no decurso da triagem, questes rela-tivas necessidade do atendimento j foram tocadas e, de alguma forma, o

    paciente no quer que esse processo tenha continuidade. Cabe ressaltar que,implantado esse novo modelo, o agendamento da triagem no tem excedidouma semana. Referimo-nos aqui desistncia da busca de atendimento nainstituio no momento de entrada, mas sabemos que outra a dinmica doscasos que desistem no decorrer do processo de interveno. No tomamosessa escolha por abandono ou como algo predominantemente conscientemas, medida que o paciente tem a possibilidade de iniciar a fala sobre seusofrimento e no continua vindo ao atendimento ou o interrompe, ele tambm responsvel por sua escolha.

    Parece ser uma posio bem mais difcil de ser sustentada, do ponto devista do funcionamento neurtico, quando se diz: Desisti, no sabia se era bemisso que eu queria, ao invs de colocar a questo fora de si como por exemplo,dizendo: estou esperando na fila h um ano e at agora no me chamaram.

    Alinhavando alguns fios: consideraes finais

    Consideramos que ainda relativamente cedo para medir a efetivididadedo trabalho pautado nessa lgica do acolhimento da demanda e a responsabi-lidade (no moral) do sujeito por ela, j que essa experincia ainda recente.

    Contudo, os resultados preliminares apresentados sugerem que a reor-ganizao do servio tem permitido otimizar os recursos (limitados) da insti-tuio, atendendo melhor aos objetivos de disponibilizar clientes com indica-

    o de psicoterapia para atendimento por estagirios de psicologia, bem como

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    oferecer um espao para o acolhimento da clientela que priorize cada sujeito

    em questo, em detrimento de uma prtica massificadora.

    Por outro lado, temos constatado alguns problemas nessa tarefa de levaradiante nossa proposta. Em primeiro lugar, o tempo despendido com cada tria-gem extenso, levando-se em conta que, para que o processo seja concludo, preciso aplicar um roteiro de entrevista detalhado, necessrio ao estabeleci-mento de um diagnstico provisrio, associado tambm dificuldade de re-cursos humanos. Pensamos, ento, como possvel alternativa, manter a escu-ta aberta, o que diferente de uma porta aberta. Manteremos esse acolhi-mento da demanda sob a forma de grupos de acolhimento. A estratgia grupalser acompanhada de contatos individuais. O objetivo priorizar a escuta psi-canaltica das questes de cada sujeito quer na interveno grupal, quer na

    individual entendendo-se, assim, a aplicao do discurso psicanaltico nainstituio (Laurent et al, 1998).

    Acreditamos que a tica que nos norteia pode ser um caminho e um eixobalizador. A Psicanlise pode evitar que a instituio faa massa (Freud, 1921),ou seja, que se transforme em uma instituio onde ocorre o regulamento

    pelo regulamento, aquela da hierarquia e segregao subjetiva, aquela da iden-

    tificao exaltada potncia de um lder(Laurent et al, 1998, p. 258).

    Nesse sentido, no que concerne massa, a conceituao freudiana adefine como produto especfico de uma identificao a um nico e mesmoobjeto, situado no lugar de Ideal de eu (Freud, 1921).

    Lembramos aqui que:a hiptese freudiana do inconsciente implica em que a particularidade no

    se alcana somente respeitando os direitos da pessoa, o que uma prelimi-

    nar necessria, mas sim deixando o sujeito falar; preciso de incio no lhe

    falar nem sujeit-lo regra, fosse ela at a melhor (Laurent, 1996c, p. 18).

    Privilegiamos a orientao psicanaltica como recurso terico-metodolgicoporque se prioriza a escuta do sujeito e as questes subjetivas que se atrelam procura e espera por atendimento. Assim, no nosso entender, a presena doanalista na instituio se vincula a uma tica. No se trata de fazer psicanlisena instituio, mas sim de ofertar o discurso analtico (Lacan, 1969-1970). Nessatarefa, a tica que nos move ultrapassa as paredes do consultrio e nos pe a

    indagar e intervir no sujeito, onde quer que ele esteja.

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    Notas

    1. Nesse servio possvel prever quantas vagas sero abertas, bem como definir o nmero decasos triados, proporcionalmente ao nmero de vagas disponveis.

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    PPPPPatient screening service in a psychological university clinic:atient screening service in a psychological university clinic:atient screening service in a psychological university clinic:atient screening service in a psychological university clinic:atient screening service in a psychological university clinic:

    a psychoanalitic approach in institutional contea psychoanalitic approach in institutional contea psychoanalitic approach in institutional contea psychoanalitic approach in institutional contea psychoanalitic approach in institutional contextxtxtxtxt

    AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

    This work has as a starting point the need to provide a constant overview to the servicesoperating offered in the institutional context, particularly in the psychological universityclinic, to think upon the stage our procedures are in the mental health in order to avoid thestagnation of the procedures themselves. This study had as a basic question to know howthe psychoanalysis can help in the guidance of the registration and patient screening servicefor psychological treatment and in what way it can also improve the patient reception.Here a new way of patient reception is presented and evaluated trying to investigate if theproposed changes can ease the process of patient responsability for his treatment. Theaim is not to do psychoanalysis, but to offer the analytic discourse.

    KKKKKeyeyeyeyey-words-words-words-words-words

    Psychological university clinic; patient screening service; mental health; psychoanalysis;institutional context.

    Paola Salinas

    Membro da Escola Brasileira de Psicanlise/So Paulo; Psicloga Clnica e do NEPP Ncleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia Clnica (Dept Psicologia e Educao FFCLRP-USP); responsvel pelo Servio de Inscrio e Triagem de Adolescentes e Adultos da Clni-ca Psicolgica do CPA.

    R. Pedro Pegoraro, n. 433 14096-440 Ribeirnia Ribeiro Preto/SPtel.: (16) 624-3176

    e-mail: [email protected]

    Manoel Antnio dos Santos

    Doutor em Psicologia Clnica; Docente do Departamento de Psicologia e Educao eCoordenador do NEPP Ncleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia Clnica do Departa-mento de Psicologia e Educao (FFCLRP-USP).

    Av. Bandeirantes, 3900 14040-901 Monte Alegre/Campus USP Ribeiro Preto/SPtel.: (16) 602-3645e-mail: [email protected]

    Recebido em 31/03/00 Verso revisada recebida em 29/06/00