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ILDO RODRIGUES OLIVEIRA INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA Salvador 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

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1

ILDO RODRIGUES OLIVEIRA

INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE

FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA

Salvador

2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

2

ILDO RODRIGUES OLIVEIRA

INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE

FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Geografia da Universidade Federal da

Bahia, como requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Brito.

Salvador

2012

3

O48 Oliveira, Ildo Rodrigues

Indústria de calçados e implicações socioespaciais: a grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão - BA. / Ildo Rodrigues Oliveira. – Salvador, 2012.

150f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Cristóvão de Cássio da Trindade Brito. Dissertação (mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Geografia

Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 2012.

1. Geografia econômica – Santo Estevão (BA). 2.Indústria – Aspectos sociais. 3. Investimentos – Indústria de calçados. 4. Desenvolvimento regional. I. Brito, Cristóvão de Cássio da Trindade. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título.

CDU 911.3:33(813.8) __________________________________________________________________________

Ficha elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências da UFBA

4

ILDO RODRIGUES OLIVEIRA

A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E AS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: a grande

fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA

Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia como requisito para a

obtenção do grau de Mestre em Geografia.

Banca Examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Critóvão de Cássio da Trindade Brito

Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Prof. Dr. Noélio Dantaslé Spinola

(UNIFACS).

Prof. Dr. Onildo Araujo da Silva

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

Salvador-Ba, _____/______/_____.

5

Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam na

possibilidade da construção de um espaço geográfico em

que a justiça social e a dignidade humana sejam os

objetivos centrais.

6

AGRADECIMENTOS

Ao orientador desta pesquisa, o professor Dr. Cristóvão Brito, por ter me atendido

tão prontamente nos momentos cruciais do processo de investigação e por ter possibilitado o

desenvolvimento de um diálogo extremamente agradável.

Ao Mestrado em Geografia da Universidade Federal da Bahia, pela acolhida. À

CAPES que, por meio de bolsa de pesquisa, possibilitou o financiamento deste trabalho.

Aos amigos e colegas do Mestrado em Geografia, por terem me proporcionado o

amadurecimento acadêmico durante as aulas; suas idéias e suas compreensões de mundo me

marcaram muito.

À minha esposa, meu filho, minha mãe e minha irmã por terem tolerado os longos

dias e horas que tive que subtrair do convívio com eles, pois precisava me dedicar às leituras,

escrita e trabalho de campo.

Aos meus amigos da cidade de Santo Estevão-BA que, com suas reflexões poéticas e

filosóficas, fizeram com que meu pensamento pudesse se expandir: José Agnaldo Barreto de

Almeida (Kiko), Ricardo Leal, Edson Oliveira, Tasciano Santa Isabel, Xan Falcão. Em

especial ao amigo, eterno patrão, Mestre em Políticas Públicas, José Agnaldo de Almeida, por

ter lido os originais deste trabalho e sugerido correções.

Aos trabalhadores, chefes e gerentes da fábrica de calçados Dass Clássico em Santo

Estevão-BA, por me atenderem com presteza quando da realização de entrevistas e aplicação

de questionários. Aos diretores e ex-diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de

Calçados (SINTRACAL) por terem aceitado abrir as portas do sindicato e responder os

questionários e entrevistas. Aos dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo

Estevão, principalmente a Senhora Jacirene e ao Senhor Otávio.

Aos integrantes da Secretaria de Obras (SEOBS) e da Secretaria de Finanças

(SEFIN), por fornecerem as informações solicitadas.

Aos professores da rede estadual e municipal de ensino da cidade de Santo Estevão.

Aos trabalhadores em educação das Escolas: Professora Maria Irene Santiago (em

Santo Estevão) e da Escola Estadual Ieda Barradas Carneiro (em Ipecaetá).

7

O desenvolvimento econômico, [...], é uma ilusão. A

riqueza do Ocidente é análoga à riqueza oligárquica de

Harrod. Não pode ser generalizada porque se baseia em

processos relacionais de exploração e de exclusão que

pressupõem a privação relativa continuamente

reproduzida da maioria da população mundial (ARRIGHI,

1998, p. 282).

8

RESUMO

O processo de instalação de fábricas de calçados na Bahia, a partir da década de 1990, tem sua

origem na reestruturação produtiva, no acirramento da competitividade mundial e na “guerra

fiscal”. O município de Santo Estevão-BA se insere nesta lógica de instalação de novas

fábricas a partir do ano 2001, com o funcionamento da fábrica de calçados do grupo

empresarial Dass Clássico. A proposta do presente trabalho de pesquisa foi analisar o

processo que resultou na instalação da fábrica de calçados Dass Clássico na cidade de Santo

Estevão – BA, enfocando as características da produção de calçados e as práticas espaciais

desenvolvidas pela empresa e suas principais implicações socioespaciais. Como resultado foi

possível compreender e identificar os principais motivos da instalação da fábrica de calçados

em Santo Estevão - BA, as práticas espaciais desenvolvidos pela empresa para manter a

localização geográfica da unidade produtiva, caracterizar e analisar as principais implicações

socioespaciais da instalação da fábrica de calçados no município.

Palavras-chave: Santo Estevão; Fábrica de calçados; Implicações socioespaciais.

9

ABSTRACT

The installation process of manufactures footwear in Bahia, starting from decade in 1990, has

its origin in the restructuring process, the intensification of global competition and “fiscal

war". The municipality of Santo Estevão-BA inserts in this logic of installation of new

factories starting in 2001, with operation of manufacture footwear business group Dass

Clássico. The propose of this research was to analyze the process that resulted in the

installation of manufactures footwear Dass Clássico in Santo Estevão-BA, focusing on the

features of shoes production and the spatial practices developed by the company and its main

implications sociospatial. As result was possible understand and identify the main reasons for

the installation of the manufactures footwear in Santo Estevão-BA, the spatial practices

developed by company to keep the geographic location of the plant, characterize and analyze

the main implications sociospatial of the installation manufactures of footwear in the

municipality.

Keywords: Santo Estevão-BA; manufactures footwear; sociospatial implications.

10

MAPAS E CROQUIS

Mapas – 1 Município de Santo Estevão..................................................................... 20

Mapas – 2 Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por

estado – 2007.....................................................................................

63

Mapas – 3 Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado

– 2009...............................................................................................

65

Mapas – 4 Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010).............. 66

Mapas – 5 Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do

Grupo Dass Clássico – 2011...............................................................

83

Mapas – 6 Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a

produção de calçados na Bahia – 2010................................................

108

Mapas – 7 Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira Livre de

Santo Estevão – BA, 2011.................................................................

134

Croqui – 1 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001.................................. 117

Croqui – 2 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010................................... 127

11

LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1 – Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004.............................. 36

Tabela 2 – Principais produtores mundiais de calçados: produção em milhões de

pares por ano (2004/2010).........................................................................

46

Tabela 3 – População absoluta e produção de calçados por país em 2011................. 47

Tabela 4 – Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de

transformação – Anos selecionados...........................................................

51

Tabela 5 – Importação brasileira de calçados – 2008............................................... 52

Tabela 6 – Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados -

2006...................................................................................................

53

Tabela 7 – Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011................ 82

Tabela 8 – Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008.......................................... 104

Tabela 9 – Relação de empresas, investimentos e mão de obra – 2006....................... 102

Tabela 10 – Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006....................................... 113

Tabela 11 – Santo Estevão-BA: PIB Municipal – 1999 a 2007..................................... 114

Tabela 12 – Unidades indústrias existentes em Santo Estevão-BA – 1996................... 115

Tabela 13 – Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009......... 119

Tabela 14 – Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006.................. 120

Tabela 15 – Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de bens

– 2010....................................................................................................

121

Tabela 16 – Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas

comerciais (2002 - 2010)..........................................................................

123

Tabela 17 – Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório

pendular – 2010..........................................................................................

124

Tabela 18 – Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010....................... 125

Tabela 19 – Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor

de atividade (R$ mil) – 2003 a 2008.........................................................

126

Tabela 20 – Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes -

1996 a 2010.........................................................................................

126

Tabela 21 – Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que possuem casa

própria – 2010............................................................................................

126

Tabela 22 – Santo Estevão-BA: primeiro emprego na fábrica de calçados – 2010....... 129

12

Tabela 23 – Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água

encanada, 1985 – 2011...............................................................................

129

Tabela 24 – Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e

sociais entre os municípios da Bahia – 2002 a 2006................................

130

Tabela 25 – Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010.... 133

Tabela 26 – Santo Estevão-BA: local de residência dos feirantes entrevistados, 2011... 135

Tabela 27 – Santo Estevão-BA: desigualdade de renda - índice de Gini, 1970 a 2006... 136

Tabela 28 – Município de Santo Estevão-BA: intensidade da pobreza, 1991 – 2003..... 137

Gráfico 1 – Brasil -exportações de calçados - 1970 a 2008.......................................... 35

Gráfico 2 – Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por

ano – 1970 a 1990.....................................................................................

58

Gráfico 3 – Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação – 2002 a 2010...... 75

Gráfico 4 – Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a

2007............................................................................................................

132

13

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e

resíduos-2010.......................................................................................

87

Quadro 2 – Relação de fábricas pertencentes ao Grupo FCC...................................... 101

14

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Industriais Calçadistas

APAEB – Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região

Sisaleira

APL – Arranjo Produtivo Local

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CME – Conselho Municipal de Educação

CDL – Câmara de Dirigentes Lojista

DEM – Partido Democrata

DESENVOLVE – Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração

Econômica

EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola

FCC– Grupo Empresarial Fornecedora

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano

IR – Imposto de Renda

ISS – Imposto Sobre Serviços

NPIs – Novos Países Industrializados

PFL – Partido da Frente Liberal

PIB – Produto Interno Bruto

OCPE – Orsa Celulose, Papel e Embalagens

PALNDEB – Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia

PROBAHIA – Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

RMS – Região Metropolitana de Salvador

SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

SEFIN – Secretaria de Finanças

15

SEOBS – Secretaria de Obras de Santo Estevão

SINE – Sistema Nacional de Emprego

SINTRACAL – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Calçados

SUDIC – Superintendência da Indústria e Comércio

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

16

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................... 18

1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA:................................................... 25

1.1 A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO..................... 25

1.2 A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO................. 27

1.3 A GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE

ACUMULAÇÃO.................................................................................................

34

1.4 AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS.................................................... 39

2 A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA..................... 44

2.1 A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO

DE UNIDADES PRODUTIVAS......................................................................

45

2.2 BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE

CALÇADOS À RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS.......................

55

2.3 A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA

COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM

DESTAQUE........................................................................................................

59

2.4 A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREEDIMENTOS INDUSTRIAIS NA

BAHIA..............................................................................................................

68

2.4.1 Os programas de atração empreendimentos industriais................................ 72

3 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS

ESPACIAIS........................................................................................................

78

3.1 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÃO

CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS................................................

80

3.2 AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL DASS

CLÁSSICO.........................................................................................................

84

3.2.1 Seletividade espacial......................................................................................... 84

3.2.2 Expansão espacial....................................................................................... 88

3.2.3 Marginalidade espacial...................................................................................... 90

3.2.4 Reprodução da região produtora...................................................................... 94

17

3.3 EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E

ASSESSÓRIOS.................................................................................................

100

3.3.1 A empresa Fortik e o grupo FCC..................................................................... 100

3.3.2 Brisa: indústria de tecidos tecnológicos........................................................... 102

3.3.3 Grupo ORSA...................................................................................................... 103

3.4 SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA EMPRESA DASS CLÁSSICO NO

MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA.......................................................

105

4 O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS

IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA

FÁBRICA DE CALÇADOS...........................................................................

111

4.1 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE

SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÂO DA FÁBRICA DE

CALÇADOS.......................................................................................................

111

4.2 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA URBANA............................. 114

4.3 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL............................. 133

4.4 ALGUNS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS......................................... 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 138

REFERÊNCIAS................................................................................................ 143

18

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1990, o estado da Bahia, bem como outros estados do Nordeste

brasileiro, a exemplo do Ceará, tem sido o destino para a instalação de inúmeras unidades de

produção de várias empresas, dentre elas fábricas de calçados oriundas do Rio Grande do Sul

e de São Paulo. Ao construírem suas redes de filiais industriais, de fornecimento de insumos e

componentes, essas empresas convergem no sentido de moldar a organização do espaço

geográfico, por meio de práticas espaciais que resultam em modificar algumas características

socioespaciais locais. Esse processo de instalação de fábricas obedece aos ditames da

reestruturação produtiva que ocorre globalmente, sobretudo com a inserção da China e da

Índia na produção industrial de baixo custo, e de uma nova lógica de divisão territorial do

trabalho nas distintas escalas espaciais: desde o local até o mundial.

As transformações ocorridas na economia capitalista mundial, notadamente no que se

refere aos novos padrões de concorrência e de competitividade entre os países, implicam

modificações na organização do espaço nacional, regional e local. O estado da Bahia, apesar

de historicamente não possuir tradição na produção calçadista, vem adquirindo posição de

destaque nesse segmento produtivo por causa das ações dos sucessivos governos estaduais,

desde 1990 quando implantou-se programas de atração de empresas via utilização dos

mecanismos de incentivos fiscais que dão origem à “guerra fiscal” e também pela ação das

próprias empresas em busca da redução de custos de operação.

Ao longo da década de 1990, os programas de atração de investimento, fortemente

influenciados pela ideias de competitividade divulgadas pela “onda” neoliberal que atinge o

Brasil, bem como outros países da América Latina, tiveram um êxito significativo em atrair e

instalar novas fábricas do setor calçadista em diversos municípios do interior baiano. As

vantagens econômicas adquiridas pelas empresas desse setor produtivo vão desde a

diminuição dos custos de produção até os benefícios advindos dos incentivos fiscais e

infraestrutura cedida pelos governos nas três escalas governamentais – federal, estadual e

municipal.

Todavia, as vantagens da localização geográfica para as empresas calçadistas não

estão separadas de um conjunto complexo de outras variáveis. Existe uma gama de fatores

que torna certas localidades do interior baiano muito atrativas para a expansão das atividades

19

fabris: a possibilidade de utilização de uma numerosa força de trabalho dócil1 e de baixa

remuneração; a fragilidade da organização classista em sindicatos; a oferta de infraestrutura

de transporte e energia elétrica, etc. Pode-se dizer que a expansão de parte da produção

calçadista para alguns estados do Nordeste brasileiro trata-se, com efeito, de mais um

processo de expansão do capital, renovado e específico, cujo motivo principal é o

esgotamento das condições objetivas de reprodução ampliada em outras localidades, tais

como na região Sul do Brasil e também em alguns países europeus.

Neste contexto de instalação da indústria calçadista na Bahia, o município de Santo

Estevão-BA, onde se encontra em atividade uma grande fábrica de calçados pertencente ao

grupo empresarial DASS CLÁSSICO (ex Dilly Nordeste), desde 2002, vem passando por

rápidas e significativas redefinições na organização socioespacial. Essas transformações que

passaram a envolver o município estão associadas, sobretudo, à forte dinâmica econômica

imposta pelo aumento da circulação de dinheiro com o aumento da massa de trabalhadores

formais que recebem salários e pela consequente desenvolvimento de novas redes geográficas

que tornam os fluxos comerciais e empresariais mais complexos.

A grande corporação empresarial não só pode tornar os espaços mais complexos nos

locais onde são instaladas as unidades fabris (atraindo também novas empresas comerciais)

como também cria um conjunto de práticas e relações corporativas que atravessa diversas

escalas espaciais. Conexões entre a grande fábrica de calçados, as lojas de varejo e demais

firmas fornecedoras de insumos e componentes contribuem para a efetivação e manutenção da

fabricação de mercadorias, originando assim verdadeiras redes empresariais que, em conjunto,

mantém as condições de lucratividade das empresas e a gestão da organização do espaço

geográfico.

Nesse processo, o município de Santo Estevão-BA, com 47.880 habitantes em 2010,

dos quais 27.690 residentes na área urbana, localizado na região Econômica do Paraguaçu,

redefinida e denominada, em 2007, pelo Governo do estado como “Território de Identidade

Portal do Sertão”, constitui a área de influência urbana da cidade de Feira de Santana-BA,

passou a fazer parte da rede coorporativa do Grupo Empresarial Dass Clássico. Esse

município passou a fazer parte, no ano de 2002, dos locais nos quais foram instaladas grandes

fábricas de calçados. Uma complexa rede corporativa calçadista que envolve fluxos de

insumos, acessórios, componentes, design, patentes, pontos de vendas etc. passou a ter, na

cidade de Santo Estevão-BA, um dos nós da conexão. As características produtivas e

1 O termo aqui está empregado no sentido de que a organização sindical dos trabalhadores ainda é muito

insipiente, o que os faz, à curto prazo, aceitar as regras estabelecidas pelos dirigentes da fábrica.

20

econômicas que até então vigoravam no município, tais como as atividades agropecuárias,

comerciais e de prestação de serviços, passaram a ter novas densidades e relações provocadas

pela instalação da fábrica de calçados Dass Clássico.

Mapa 1 – Município de Santo Estevão-BA, 2010

21

As novas atividades econômicas atraídas pelo crescimento do mercado consumidor na

cidade de Santo Estevão-BA e o fluxo migratório proveniente de municípios vizinhos e da

zona rural do próprio município desencadearam a instalação de lojas de redes comerciais

(vestuário, eletrodomésticos, motocicletas, calçados, utilidades etc.) e supermercados. O

crescimento do mercado imobiliário (bem como a especulação imobiliária) e o valor dos

alugueis criaram dificuldades para a população com renda baixa na medida em que comprar

ou alugar uma residência se tornou mais caro; o crescimento horizontal da cidade e o maior

número de carros e motocicletas contribuíram para a expansão do uso comercial da cidade;

além disso, houve a migração de parte da população do campo para a cidade. A divisão do

trabalho entre os municípios circunvizinhos, como também no interior do município, adquiriu

uma dimensão mais evidente, sendo que a cidade de Santo Estevão-BA se afirmou como um

centro comercial e de fornecimento de serviços.

Com base nesse contexto, compreende-se que, diante das transformações na economia

nacional e mundial nas últimas décadas (a reestruturação produtiva, desconcentração

industrial, divisão territorial do trabalho e redefinição no papel do Estado na economia) e

levando-se em conta as relações entre processo que se desenvolvem entre escalas de análise

que vão desde o global até o local (reproduzindo as relações sociais e de produção capitalistas

e a divisão territorial do trabalho) com a configuração de novos fluxos e redes geográficas,

busca-se entender e explicar nesta pesquisa os motivos da instalação da fábrica de calçados do

grupo empresarial DASS CLÁSSICO no município de Santo Estevão-BA e suas principais

implicações socioespaciais. Outros objetivos são: analisar e compreender as práticas espaciais

desencadeadas pelo Grupo Empresarial Dass Clássico tendo como referência a unidade fabril

localizada no município de Santo Estevão-BA, caracterizar e explicar as principais

implicações socioespaciais no município de Santo Estevão a partir da instalação da fábrica de

calçados.

Entende-se que esta pesquisa justifica-se pelo fato de ainda serem poucos os estudos

sobre a geografia da indústria de calçados na Bahia, sobretudo por ser uma atividade

inteiramente nova e robusta, no interior do estado, com muitas características do fordismo

periférico2, intensiva em mão-de-obra e que paga salários baixos a seus funcionários, mas

lança uma grande soma de dinheiro mensalmente na economia local a título de pagamento de

salários e atrai outros negócios, funções urbanas, populações externas e também jovens da

2 O fordimo periférico é caracterizado por Lipietz (1989) como um modelo de industrialização dos países

periféricos, com a adoção parcial e frequentemente ilusória do modelo de produção e de consumo dos países

centrais da economia capitalista. O modelo fordista periférico não possui e não desenvolveu as relações sociais

que correspondessem ou fossem similares às características do fordismo central.

22

área rural do próprio município.

Nesse sentido, foram elaboradas as seguintes questões de pesquisa:

1- No contexto da reestruturação produtiva mundial e diante das características inerentes a

produção de calçados, quais os motivos da instalação de uma grande fábrica calçadista no

município de Santo Estevão-BA?

2- Que práticas espaciais são desenvolvidas pela empresa de calçados em Santo Estevão-BA e

como tais práticas contribuem para a manutenção da localização da fábrica?

3- Quais as principais implicações socioespaciais ocasionadas pela instalação da grande

fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA?

Por ser uma pesquisa que tem como um dos objetivos analisar a dimensão socioespacial

da instalação de um grande empreendimento fabril sobre uma determinada escala geográfica,

os procedimentos metodológicos pautaram-se por um caminho que permitisse articular as

diferentes variáveis do processo de localização industrial (econômico, político e institucional)

e as principais dimensões das transformações socioespaciais (mudanças nas características

econômicas e sociais, adensamento e desenvolvimento de novas redes e fluxos). Por isso, a

pesquisa não se limita à fábrica em si, mas considera também todo o entorno geográfico que

se transforma com a instalação da unidade fabril. Compõe o campo desta pesquisa: o processo

de localização da grande fábrica de calçados esportivos, as práticas espaciais desenvolvidas

pela empresa e os efeitos do funcionamento da fábrica sobre o espaço geográfico.

A pesquisa envolveu dados quantitativos e o uso de técnicas qualitativas. Os primeiros

foram utilizados para dimensionar as mudanças pelas quais passaram a indústria calçadista no

Brasil e na Bahia, traçar o perfil de alguns trabalhadores empregados na fábrica calçadista no

município de Santo Estevão-BA e caracterizar algumas mudanças econômicas nos espaços

rural e urbano do município.

Alguns dados quantitativos foram adquiridos no site eletrônico da empresa DASS

CLÁSSICO, em informativos publicados pela empresa e no site da ABICALÇADOS, na

internet, e de empresas fornecedoras de componentes, pois a gerência da fábrica em Santo

Estevão-BA rechaçou qualquer possibilidade de prestar maiores informações alegando que as

empresas internacionais (sobretudo a norte-americana Nike) exigem completo sigilo quanto às

informações mais precisas sobre as fábricas que produzem os calçados que levam sua marca.

De posse das informações quantitativas disponíveis no site eletrônico, foi possível a

elaboração de um mapa com a rede corporativa do grupo empresarial Dass Clássico, bem

como a confecção de tabelas e quadros com número de trabalhadores e função de cada

unidade produtiva distribuída pelo Brasil e no exterior. Outros dados quantitativos foram

23

adquiridos com a aplicação de questionário a trabalhadores que estudam em escolas da rede

pública estadual durante o turno noturno. Também foram adquiridos dados junto ao site

eletrônico da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), na Agência

da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), no site do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), na Secretaria de Finanças do município de Santo Estevão-BA

(SEFIN).

Foram realizadas diversas entrevistas semi estruturadas3 junto a representantes e ex-

representantes de instituições sindicais, representantes de órgãos governamentais municipais,

ex-prefeitos, gerentes da fábrica e chefes de setor de produção. Cada entrevista possuía

objetivos preliminares, quais sejam: a entrevista junto a sindicalistas e ex-sindicalistas

associados a trabalhadores na produção de calçados visava conhecer a organização daqueles

que reivindicam melhores condições de trabalho, bem como buscar conhecer suas relações

com os representantes da empresa e do Governo do estado. As entrevistas junto aos ex-

prefeitos objetivavam elucidar o processo político de tomada de decisão quanto à instalação

da fábrica no município bem como as relações institucionais e políticas que a prefeitura

tinha/tem com a administração da empresa. As entrevistas com alguns chefes e gerentes da

fábrica objetivaram levantar informações quanto à rede de empresas fornecedoras de

materiais, componentes e acessórios para a fabricação dos calçados; no entanto, vale destacar

preliminarmente que não foi possível identificar todas as empresas que fornecem

componentes para a fábrica de calçados em Santo Estevão-BA. As entrevistas junto aos

líderes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA buscaram revelar

algumas mudanças ocorridas no espaço rural que sejam relacionadas à presença da fábrica de

calçados na cidade4.

Para conhecer melhor as características e funcionamento da fábrica, tentou-se por três

vezes, via ofício, solicitar a marcação de uma visita ao interior da mesma, porém não se

obteve respostas. Os dois únicos documentos produzidos pela empresa Dass Clássico,

analisados nesta pesquisa, foram um “Manual de Integração” que é fornecido aos

trabalhadores recém-ingressos na fábrica (que os informa quanto à organização interna da

empresa e da fábrica) e uma publicação intitulada “fala! Dass” em comemoração aos 9 anos

da empresa.

3 A escolha por este tipo de entrevista se deu em função da necessidade de combinar questões fechadas (ou

estruturadas) com questões abertas, possibilitando aos entrevistados mais liberdade para tratar algumas questões

e suscitar outras. 4 Haja vista que a produção de calçados precisa de uma grande quantidade de trabalhadores em decorrência da

elevada taxa de rotatividade.

24

O trabalho de campo foi utilizado para observar e mapear a expansão física da cidade de

Santo Estevão-BA, como também para observar e anotar os nomes das empresas contidos nos

veículos que transportavam materiais para o interior da fábrica. A partir do nome das

empresas foi possível constatar que a rede corporativa entre a fábrica de calçados e os seus

fornecedores ultrapassa as fronteiras do estado da Bahia e da região Nordeste. Foram feitas

várias anotações e observações de acontecimentos na cidade de Santo Estevão-BA que

estavam associados a alguma “prática espacial” exercida pela empresa Dass Clássico.

Por fim, a dissertação está dividida em quatro capítulos:

No capítulo 1, destaca-se a concepção de espaço geográfico que permeia todo o trabalho

de pesquisa, colocando-o à luz do processo de industrialização que ocorre nos NPIs (Novos

Países Industrializados), sobretudo após a crise do fordismo, a formulação de um novo

modelo de acumulação e a reestruturação produtiva. Nesse capítulo, também se evidencia a

importância das redes e das escalas geográficas como mecanismos teórico-conceituais

relevantes para entender as novas configurações do espaço geográfico.

O capítulo 2 situa o debate a respeito do processo de relocalização de unidades

produtoras de calçados nas escalas mundial e nacional, fazendo-se um breve resumo do

surgimento das primeiras fábricas de calçados no Brasil até o processo de relocalização das

unidades fabris, mencionando o papel da região Nordeste brasileira e do estado da Bahia em

particular.

O capítulo 3, intitulado “O grupo empresarial Dass Clássico e as práticas espaciais”,

versa sobre a história do Grupo Empresarial Dass Clássico, seu crescimento, a distribuição de

suas unidades produtivas, a rede funcional entre as unidades fabris (bem como a lógica da

divisão territorial do trabalho) e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa tendo como

referência a unidade produtiva localizada na cidade de Santo Estevão-BA.

O capítulo 4 tem como objetivo caracterizar e analisar as principais implicações

socioespaciais ocorridos no município de Santo Estevão-BA após a instalação e

funcionamento da fábrica de calçados DASS CLÁSSICO. Expõe-se algumas características

econômicas e sociais do município antes do efetivo funcionamento da fábrica de calçados,

comparando com as características socioeconômicas presentes até o ano de 2010.

25

1. ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA

A localização das atividades industriais e suas implicações na transformação do espaço

geográfico têm sido um tema frequentemente discutido na geografia e nas demais ciências que

estudam o desenvolvimento local e regional (economia, sociologia, administração etc.).

Autores importantes para os estudos geográficos como Harvey (2005), Santos, M., (2003,

2006, 2008), Smith (1988), Lipietz (1988), entre outros, contribuem diretamente para a

interpretação dos fatos, processos e para o enriquecimento dos debates sobre a produção do

espaço. Subjacente ao fenômeno da produção, esses autores fazem referência à importância

que possui o grande capital representado pelas grandes corporações e suas implicações na

produção do espaço geográfico.

Os estudos disponíveis sobre o tema “indústria e espaço geográfico” são diversos.

Centraremos as análises e investigações contidas neste trabalho nas referências produzidas por

autores que estão mais próximos das discussões teóricas e metodológicas da geografia em

razão da importância ímpar dessa ciência no entendimento da produção do espaço social:

vide, por exemplo, a localização dos agrupamentos humanos, das lavouras, das jazidas de

minério, das atividades produtivas em geral e a organização do espaço subjacente a elas. No

âmbito da geografia é, prioritariamente, a produção e organização do espaço, como mediação

entre a sociedade e a natureza por meio do trabalho, que se constitui o centro da investigação,

sobretudo porque as atividades econômicas, entre as quais as industriais, fomentam, de

maneira acelerada, transformações substanciais no espaço geográfico, a partir dos locais onde

estão instaladas.

1.1. A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

Com relação ao conceito de espaço geográfico, vários autores formularam contribuições

teóricas e metodológicas que possibilitaram, cada vez mais, novos avanços no entendimento

dos processos de produção e organização do espaço e suas respectivas formas espaciais.

Durante a década de 1970, com base nos pressupostos da dialética e da geografia crítica

marxista, Santos, M., (1978) defendia a ideia de que o espaço geográfico se constituía como

26

uma linguagem do modo como a sociedade se reproduz. O autor ressaltou que o espaço

geográfico não é apenas o reflexo da sociedade de uma determinada época, como se fosse um

espelho. Como em uma relação dialética, o espaço geográfico seria uma instância que ao

mesmo tempo em que é condicionada pela sociedade, também a condiciona.

Desta forma, abordando o espaço geográfico como uma totalidade social, Santos, M.,

(1978, p. 145) destaca que “[...] o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas

sociais, uma estrutura subordinada-subordinante. E como as outras instâncias, o espaço,

embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia [...]”. Em obras posteriores e

com uma abordagem mais complexa no que se refere à totalidade dos processos sociais,

Milton Santos concebe o espaço geográfico como sendo formado por “[...] um sistema

indissociável, solidário e também contraditório, de sistema de objetos e sistemas de ações, não

considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS,

M.,1996, p. 51).

Nessa perspectiva, entende-se que o espaço geográfico é produzido pela sociedade, por

meio de relações sociais em seus mais diversos aspectos (econômicos, políticos e culturais),

sendo que o espaço é também uma instância que influencia a forma como a própria sociedade

se reproduz. Assim, escreve Milton Santos: “A organização do espaço é também uma forma,

um resultado objetivo de uma multiplicidade de variáveis atuando através da história”

(SANTOS, M., 2008, p. 45). Na sociedade capitalista, diferenciada internamente por uma

complexa organização de classes e desigual desenvolvimento das forças produtivas, a

organização espacial resultante é necessariamente desigual, em qualquer parte do mundo, por

causa da dinâmica própria do sistema capitalista que se baseia essencialmente no lucro dos

diversos empreendimentos econômicos, nas diferenças entre as próprias classes e frações de

classes sociais, na divisão social e territorial do trabalho e no desenvolvimento

geograficamente desigual.

A instalação intencional de objetos no espaço geográfico, segundo Santos, M., (1996),

faz com que a natureza artificializada funcione como máquina. É por meio da existência de

hidroelétricas, fábricas, portos, estradas, cidade etc. que o espaço é marcado por conteúdos

técnicos. Assim, “[...] o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais,

povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais

tendentes a fins estranhos ao lugar e aos seus habitantes” (SANTOS, M., 1996, p. 51).

No contexto das transformações sociais proporcionadas pela indústria, desde a

Revolução Industrial, na Inglaterra, a expansão do modo de produção capitalista, tendo por

base a atividade industrial, ganhou força a ponto de influenciar grandemente a organização do

27

espaço geográfico segundo a lógica da produção e reprodução ampliada do capital (grandes

corporações empresariais nacionais e transnacionais). Em termos gerais, como a história tem

evidenciado, grande parte da população tende a migrar das áreas rurais para pequenas, médias

e grandes cidades, sobretudo como resultado da expropriação dos meios de produção e das

condições de sobrevivência; as trocas comerciais são ampliadas; as atividades agropecuárias e

extrativistas no campo passam a ter como mercado consumidor preferencial os médios e

grandes centros urbanos, transformando sua lógica de produção e, consequentemente,

organizando o espaço geográfico segundo as necessidades de reprodução das mercadorias e

sua troca.

Desta forma, a acumulação capitalista está assentada na ampliação da taxa de lucro, na

internacionalização das trocas comerciais e na produção industrial como mecanismos para a

reprodução ampliada do sistema social. A expansão para “novos” espaços, muitas vezes

classificados como “áreas reserva”, onde o custo da força de trabalho é mais baixo e onde as

matérias primas são mais abundantes e baratas, possibilita o aumento da taxa de mais-valia,

levando à expansão crescente e de maneira seletiva da atividade industrial em países (e

regiões) periféricos, que são assim, mais efetivamente integrados em um amplo e complexo

sistema econômico mundial por meio das redes corporativas (CORRÊA, 2001).

1.2. A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO

A costumeira relação de equivalência entre industrialização, crescimento e

desenvolvimento atravessou as escolas de pensamento da “Dependência” e da

“Modernização”. Para ambas as escolas, desenvolver-se era equivalente a crescimento da

produção industrial. A rápida industrialização de países classificados como pobres foi, em

geral, considerada como equivalente ao “desenvolvimento” nos moldes ocidentais. Os

defensores desta idéia de desenvolvimento (muitas vezes sinônimo de crescimento

econômico) viam na industrialização o único meio de buscar a produção de riqueza, ou de

poder, ou de bem estar, ou da combinação disso (ARRIGHI, 1997). Porém os

questionamentos elaborados por Arrighi (1997), com base nas idéias de Emmanuel

Wallerstein, colocam um ponto de interrogação na possibilidade de os países periféricos e

semiperiféricos da economia capitalista mundial conseguirem adquirir riquezas, poder e bem-

estar, alicerçando-se nos pressupostos e premissas de equivalência entre industrialização e

28

crescimento produtivo difundidos até então.

Nesses termos, é importante esclarecer que a ideia de “desenvolvimento”, veiculada

pelos organismos internacionais durante o século XX (OMC, BID, FMI etc.), foi construída

tomando como modelo as características econômicas e industriais que predominavam em

alguns países europeus (França, Alemanha, Inglaterra) e nos Estados Unidos da América.

Esse modelo de “desenvolvimento” que foi propagado com fórmulas pensadas e arquitetadas

nos países do “Norte”, desconsiderava as características culturais, históricas e ambientais das

diferentes localidades dos países do “Sul”. Mais uma vez as regiões do mundo que não se

enquadravam no modo capitalista ocidental de vida foram atingidas por ideias “colonialistas”

que visavam subjugá-las. Com relação à produção desse modelo, Esteva (2000) afirma que:

O modo de produção industrial, que era nada mais que uma entre as muitas formas

de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear para

a evolução social. Esse estágio, por sua vez, passou a ser visto como a culminância

natural de potenciais já existenetes no homem neolítico e como sua evolução lógica.

Assim, a história foi reformulada nos termos Ocidentais (ESTEVA, 2000, p. 63).

Presumir que o modelo de crescimento econômico, criado por países capitalistas

europeus e pelos Estados Unidos, seja o melhor exemplo a ser seguido pela humanidade rumo

a um suposto desenvolvimento faz pensar também que todas as localidades ou regiões do

planeta onde vivem comunidades indígenas, ribeirinhos, comunidades rurais cooperativas etc,

que não se enquadram nas metas de industrialização e produções crescentes, sejam

classificadas com termos pejorativos como: atrasados, pobres, subdesenvolvidos etc. Tal visão

capitalista e ocidental deixa de levar em conta todas as mazelas criadas pela expansão do

modelo capitalista. Como afirma Esteva, “a metáfora do desenvolvimento deu hegemonia

global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos com culturas

diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social” (ESTEVA, 2000, p. 63).

A compreensão a respeito da concentração de riquezas e capital nos países centrais do

capitalismo mundial, e consequentemente das desigualdades regionais e nacionais, não pode

estar desvinculada de um entendimento a respeito da colonização e subjugação de vários

povos africanos, asiáticos e americanos que tiveram seu habitat destruído pela força do

crescimento econômico. Neste caso, pode-se afirmar que o “subdesenvolvimento” é

consequência do “desenvolvimento”. Segundo Esteva (2000):

Ninguém parece compreender que “subdesenvolvimento” é um adjetivo

comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não

demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo.

Ela exibe uma falsificação da realidade produzida através de um desmembramento

29

da totalidade de processos interligados que compõem a realidade mundial e a

subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento,

isolamento dos demais, como ponto de referencia geral (ESTEVA, 2000, p. 66)

O dito crescimento capitalista ocidental (em muitos casos, restrito à vertente

econômica), por meio da industrialização, não seria possível de ser alcançado nos países

considerados “pobres” pelo fato de que as trocas comerciais, entre os países, na economia de

mercado, são desiguais por natureza, existindo também diferenças de nível salarial entre os

trabalhadores, diferenças de produtividade e de taxas de lucros, além da transferência de

capital a título de remessa de lucros dos países pobres para os países ricos. Por conta da

dinâmica própria da economia capitalista, que promove reconcentrações de capital em

diferentes locais e épocas, a idéia de desenvolvimento econômico permanente, considerando

apenas determinados recortes espaciais, não seria possível (ARRIGHI, 1997).

Para dois terços da população mundial, o modelo de crescimento econômico difundido

por países ocidentais capitalistas significou completamente o contrário daquilo que

geralmente se prometia. Profundamente enraizado, após dois séculos de sua construção social,

esse modelo faz com que muitos povos se lembrem de uma condição indesejável e indigna,

efetivada a partir da escravização às experiências e sonhos alheios (ESTEVA, 2000).

De acordo com a teoria da análise do “sistema mundo” (ARRIGHI, 1997;

WALLERSTEIN, 2009), a capacidade de um país em se apropriar dos benefícios da divisão

mundial do trabalho está relacionada à hierarquia de riquezas entre os próprios países. Essa

capacidade é determinada principalmente por sua posição, não apenas numa rede de trocas,

mas numa hierarquia de riqueza. As oportunidades de avanço econômico não constituem

oportunidades equivalentes de avanço na riqueza para todos. A riqueza e o suposto

“desenvolvimento” apregoados pelos governos dos países que ocupam o núcleo orgânico do

capitalismo mundial “[...] não podem se generalizar porque se baseiam em processos

relacionais de exploração e processos relacionais de exclusão que pressupõem a reprodução

continua da pobreza da maior parte da população mundial” (ARRIGHI, 1997, p. 217).

Mesmo centrando sua análise na vertente econômica, Arrighi (1997) traz contribuições

substanciais para o entendimento das relações entre países ricos e pobres. Na análise contida

na obra “A ilusão do desenvolvimento”, fica claro que o modelo calcado na industrialização

não pode ser generalizado e não conduz à distribuição da renda e da riqueza produzida

mundialmente, tampouco promove o bem estar para a maioria da população. Isso, pois,

segundo Arrighi (1997):

30

Os processos de exclusão são tão importantes quanto os processos de exploração.

[...], esses últimos se referem ao fato de a pobreza absoluta ou relativa dos Estados

periféricos ou semiperiféricos induzir continuamente seus dirigentes e cidadãos a

participar da divisão mundial do trabalho por recompensas marginais que deixam o

grosso dos benefícios para os dirigentes e cidadãos dos Estados do núcleo orgânico

(ARRIGHI, 1997, p. 217).

Seguindo essa análise, compreende-se que os processos de exclusão e concentração de

riqueza são complementares no modo de produção sociometabólico do capital (MÉSZÁROS,

2011). Os processos de exploração fornecem aos países do núcleo orgânico do capital e a seus

agentes os meios para iniciar e sustentar os processos de exclusão. Os processos de exclusão,

por sua vez, geram a pobreza necessária para induzir os dirigentes e cidadãos dos países

periféricos e semiperiféricos a buscar continuamente a reentrada na divisão mundial do

trabalho em condições desfavoráveis a eles próprios. Arrighi (1997) compreende que a

industrialização da periferia e da semiperiferia foi, em último caso, um canal, não de

subversão, mas de reprodução da hierarquia da economia mundial.

Ao trazer para dentro de suas fronteiras algumas das características dos países mais

ricos, como a industrialização e a urbanização, os governos dos países periféricos e

semiperiféricos esperavam (e de certa forma ainda esperam) desvendar o segredo do sucesso

e, dessa maneira, atingir o nível de riqueza e poder dos países mais ricos. A célebre metáfora

do “bolo” (“é preciso primeiro esperar o bolo crescer, para só então distribuí-lo”), proferida

pelo ex-ministro da fazenda do Brasil, Delfin Neto, nos anos 1970, talvez seja fruto desta

“ilusão” em acreditar que a industrialização promoveria o crescimento e, logo após, a

distribuição da riqueza. Os países ricos, com isso, conseguiram manter o padrão de renda e

riqueza relativamente na mesma proporção de distância com relação aos países pobres e, em

alguns casos, a diferença de renda entre as populações dos países ricos e a população dos

países pobres chegou a aumentar significativamente na década de 1980 (ARRIGHI, 1997).

A busca desenfreada pela industrialização, como sinônimo de crescimento econômico

generalizado, que pudesse ser permanentemente sustentado e levasse os países pobres a

condições econômicas e sociais similares aos países ricos, constituiu-se numa verdadeira

ilusão. De acordo com Arrighi (1997),

Quanto mais os Estados nacionais competem entre si no fornecimento de espaços

produtivos seguros, rentáveis e de suprimento de mão-de-obra barata e disciplinada,

piores eram os termos que cada um deles obtinha pelo desempenho dessas funções

subordinadas na acumulação global do capital (ARRIGHI, 1997, p. 236).

As condições de trabalho para as quais são submetidos milhões de trabalhadores em

diferentes regiões dos países pobres e em países considerados ricos indicam que a

31

industrialização não apenas deixou de promover o tão sonhado “desenvolvimento”, mas, pelo

contrário, promoveu a mutilação, a carga horária de trabalho excessiva e, em muitos casos, a

ausência de direitos trabalhistas que pudessem promover a integridade e a dignidade dos

trabalhadores. Basta ressaltar que os índices de mutilação e de doenças laborais que

acometem os trabalhadores da indústria calçadista espalhados por vários países do mundo são

bastante altos, sobretudo em países como Vietnã, China, Índia e Brasil (SANTOS, L., 2008).

A análise crítica feita por Arrighi (1997) traz uma contribuição muito peculiar quanto à

compreensão do processo de industrialização e do desenvolvimento econômico. Porém, de

acordo com Souza (1997), a ideia de desenvolvimento, sobretudo a de desenvolvimento

socioespacial, deve ser encarada numa vertente multiescalar (global, nacional, regional e

local) que possa abrir margem à autonomia dos agentes posicionados nessa escala para a

decisão a respeito das estratégias e políticas de desenvolvimento. Segundo Souza (1997),

urge, nos dias atuais, a formulação de uma “teoria aberta do desenvolvimento sócio-espacial”,

onde o caráter multidimensional, multifacetado e multiescalar possam não apenas levar em

conta a escala mundial, mas também as escalas nacional, regional e local.

Para Souza (1997; 2003), o conceito de desenvolvimento não se esgota na dimensão

puramente econômica. Refletindo a respeito da importância do espaço geográfico para a

“teoria do desenvolvimento”, o autor busca fomentar a dimensão socioespacial do mesmo, de

modo que os aspectos econômicos, políticos, culturais e ambientais possam ser expostos e

levados em conta na formulação de novas abordagens a respeito da temática.

Ratificando a crítica, àqueles que limitam a ideia de desenvolvimento apenas ao viés

econômico, Souza (1997) destaca que as tentativas de quantificação de elementos que

pudessem “medir” o grau de desenvolvimento de determinado país, inclusive por meio da

noção de renda per capita, podem representar uma ficção estatística, uma vez que nada

revelam a respeito da distribuição da riqueza socialmente produzida. Os milhares de

empregos, gerados com a industrialização, em inúmeros países e regiões pobres em todo o

mundo, não produziram verdadeiros saldos positivos na distribuição da riqueza. Pelo

contrário, a industrialização desses países ocorreu em virtude dos baixos salários pagos à

força de trabalho e da possibilidade das grandes empresas transnacionais conseguirem

concentrar mais riqueza e ampliar a exploração sobre a força de trabalho.

A obsessão pelos números, pela posição no ranking industrial, a euforia por vencer a

concorrência na atração de novos investimentos, o crescimento do PIB, tudo isso parece

suplantar qualquer ideia de desenvolvimento mais amplo do ponto de vista de possibilitar a

maior autonomia da população dos municípios onde, por exemplo, as grandes fábricas de

32

calçados estão instaladas. Autonomia essa que deve ser respeitada até mesmo quando

determinados grupos humanos resolvem rejeitar os padrões de sociabilidade e consumo

difundidos pelo mundo moderno.

Apesar da multiplicidade de visões e críticas a respeito da ideia de desenvolvimento

capitalista, o crescimento econômico continua a se constituir como o grande objetivo dos

governos nas diferentes escalas de análise. A oportunidade de uma interação local e até

mesmo regional efetiva que possa fazer emergir os distritos industriais “marshallianos” ou os

arranjos produtivos locais com possibilidades para incluir amplos setores de diversos

seguimentos produtivos/criativos/educacionais e culturais (e, por que não, autonomia política

classista), não entram na pauta da discussão quando da decisão da instalação de grandes

empreendimentos industriais, sem mencionar que as populações locais podem ter sua base

produtiva completamente alterada e criar um vínculo de dependência com uma única

empresa5.

O espaço das grandes empresas é tratado pelo Estado como um espaço diferenciado do

espaço “banal” e é favorecido pelas ações de planejamento e aplicações orçamentárias

estatais. O resultado desse favorecimento para as grandes empresas e discriminação para com

os outros espaços é o quase abandono das populações (SANTOS, M., 2003). É sabido que a

supervalorização da abordagem econômica e industrial não pode ser encarada como a única

vertente do desenvolvimento em geral e, até mesmo, deve ser criticada pelo fato de que,

segundo Souza (1997), o modo de produção vigente não pode abdicar do imperativo do

crescimento, da espiral da degradação ambiental e da exclusão socioespacial. Tais

características do capitalismo parecem ser um fato bastante sério e não podem ser corrigidas

mediante ajustes econométricos.

Dessa forma, a abordagem escalar é importante no sentido de entender o processo, não

só de industrialização, mas também das estratégias de desenvolvimento. Evocando a

particularidade dos recortes espaciais e temporais, Souza (1997) entende que o

“desenvolvimento” (enquanto meta aceita e acordada entre os membros de uma sociedade)

deve ser atrelado a cada um destes recortes, levando-se em conta o universo cultural e social

particular, sendo logo, em um nível de detalhe que se preste à operacionalização, variável,

plural.

O termo “autonomia” é evocado por Souza (2003) para questionar a imposição de uma

5 Às vezes, nem mesmo essa grande fábrica interage com o local, agindo como um enclave; é como se não

existisse e somente sugam do lugar suas forças – a juventude e a energia dos trabalhadores, os recursos

ambientais etc.

33

determinada concepção e “estratégia de desenvolvimento” (acrescentaríamos: de

industrialização) de cima para baixo. A autonomia se constitui, para Souza (2003), na base do

desenvolvimento, o processo de auto-instituição da sociedade rumo a mais liberdade e menos

desigualdade. A repartição do poder de decisão entre as populações de determinado recorte

espacial, não raro doloroso (pois encontra a resistência de determinados agentes

privilegiados), mas muito fértil, não está presente nos planos governamentais, sobretudo nos

planos de alocação de grandes fábricas. O autor esboça uma concepção de desenvolvimento

onde a territorialidade assume importância capital. Segundo o autor:

[...] sem que se aborde preliminarmente essa questão, que é a questão do exercício

do poder de decidir em uma sociedade (e não apenas no âmbito amesquinhado de

um “projeto de desenvolvimento”), o discurso da emancipação cultural, da

tecnologia adaptada etc. cairá no vazio (SOUZA, 2003, p. 103).

Levando-se em conta esta abordagem a respeito do poder decisório, pode-se afirmar que

o fenômeno da expansão das indústrias em direção aos países “pobres” deve ser analisado não

como uma garantia de desenvolvimento socioespacial, mas apenas de crescimento econômico

e produtivo. Dessa forma, os ganhos de eficiência e produtividade econômica dos países e

regiões onde essas indústrias são instaladas promovem uma aceleração da circulação de bens

e pessoas, porém a objetividade dessa eficiência embutida no próprio espaço é o pré-requisito

da acumulação de capital, e não a melhoria das condições de vida. Assim, afirma Souza

(1997):

[...] a organização espacial precisa estar em consonância com as relações de

produção e necessidade tecnológica, com as relações de poder e com as

representações sociais – enfim, com o imaginário instituído – de uma dada

sociedade, e precisará ser modificado para adaptar-se a cada transformação social

(SOUZA, 1997, p. 29).

O espaço geográfico, em suas múltiplas dimensões e escalas, tem um papel importante

na concepção e formulação de estratégias de desenvolvimento, sobretudo no que se refere à

efetivação da autonomia das populações de determinadas regiões e países periféricos. A forma

como o espaço se apresenta está estreitamente ligada à forma como se dão os processos

sociais. Os processos desencadeados pela dinâmica do sistema econômico capitalista, nesse

sentido, imprimiram uma suposta homogeneização econômica e funcional do espaço para

atender os objetivos de acumulação e exclusão. Conforme Brandão (2007):

O processo homogeneizador é atinente à imposição do capital, em qualquer espaço,

de seus pressupostos imanentes; à capacidade do capital em incorporar massas

34

humanas à sua dinâmica; à atração de todos os entes à órbita de seu mercado; à

subordinação a si de todas as unidades societárias; busca de construção de um

espaço uno de acumulação à destruição de quaisquer barreiras espaciais e temporais

que possam gerar atrito e fricções a seu movimento geral (BRANDÃO, 2007, p.73).

Deixando de considerar as características e fatores sociais próprios nas diferentes

regiões e localidades, os governos dos estados nacionais (principalmente em países

sulamericanos e asiáticos) aceitam a suposta homogeneização imposta pelas forças

econômicas industriais e formulam estratégias para a alocação de grandes empreendimentos

produtivos. As populações de diferentes países, estados e regiões do mundo, principalmente

as populações dos países de industrialização tardia (Brasil, México, Chile etc), não são

incluídas nos diálogos a respeito dos projetos de desenvolvimento e de instalação de fábricas

em suas localidades, tendo, muitas vezes, modificada fortemente a dinâmica de suas vidas e

ampliadas as péssimas condições de sobrevivência a que são submetidas.

1.3. GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE ACUMULAÇÃO

Para facilitar a fluidez do capital e proporcionar às empresas uma maior lucratividade,

os Governos dos países têm negociado protocolos bilaterais, o que leva, preponderantemente,

a desobrigações dos Estados para com os serviços públicos e ao favorecimento das atividades

privadas (SANTOS, 2001). As ideias neoliberais6 tornam-se hegemônicas, e o estímulo à

concorrência provoca disputas entre Governos estaduais e municipais por investimentos

privados.

No Brasil, a partir da década de 1990, a concorrência entre municípios e estados no

sentido de atrair investimentos econômicos, sobretudo unidades fabris que pudessem dar

origem a um número significativo de empregos, passou a ser chamada de “guerra fiscal” ou

“guerra dos lugares”. Esse processo de competição entre os países e unidades subnacionais

pode ser interpretado como o resultado de uma busca mais voraz e constate das grandes

corporações empresariais no sentido de manter favoráveis as taxas de lucros. Isso reflete as

transformações no modelo de acumulação pós-fordista.

Após a Segunda Guerra Mundial, o fordismo, regime de acumulação intensiva, pôde ser

aplicado em alguns países considerados subdesenvolvidos. Isso porque a produção havia

6 Apesar de em alguns países da América Latina ter ocorrido a chegada ao poder de governantes que se

intitulam contrários às ideias neoliberais, o livre comércio continua a ser apregoado por muitos integrantes

desses governos (vide o caso Brasil) como a única via necessária para se alcançar o crescimento econômico.

35

incorporado o consumo de massa no mercado interno, em países centrais da economia

capitalista, sobretudo nos Estados Unidos da América, em proporção aos ganhos de

produtividade. Em outras palavras, a produtividade e a lucratividade estavam

proporcionalmente associadas à incorporação do consumo. Com o crescimento dos salários

nos países centrais sob modelo fordista de acumulação (Estados Unidos, Inglaterra etc.), o

objetivo principal era um novo modo de regulação que permitisse o pleno crescimento

econômico, pelo acréscimo de uma vertente na qual a adaptação contínua do consumo de

massa fizesse crescer os ganhos de produtividade (LIPIETZ, 1988).

Para Lipietz (1988), a crise do modelo fordista de acumulação tornou-se mais clara

entre os anos 1967 – 1974. Segundo ele, o fato mais claro da crise do regime de acumulação

consiste na desaceleração geral dos ganhos de produtividade nos países centrais, que começou

no fim da década 1960 e afetou até os ramos mais tipicamente fordistas, como, por exemplo, a

indústria automobilística. Justamente durante a década de 1970, o Brasil e outros países de

industrialização tardia começaram a obter ganhos significativos na produção e exportação de

calçados. Conforme se pode observar nos dados a respeito das exportações de calçados

contidos no Gráfico 1, houve um crescimento significativo nos últimos 40 anos.

Gráfico 1: Brasil - exportações de calçados - 1970 a 2008

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009

Entre 1994 a 2004, a produção mundial de calçados deslocou seu eixo de produção em

direção aos países asiáticos, tanto por um aumento do consumo interno em algumas partes do

mundo como por uma verdadeira revolução em termos de terceirização, exportação e

1970 1980 1990 1992 1994 1998 2000 2008 1996 Ano

36

afirmação de marcas.

Os números contidos na Tabela 1 podem evidenciar o grande avanço do continente

asiático e, em particular, da Ásia oriental; passaram de um percentual total de 67,7% de

produção mundial de calçados, em 1994, para 83,3%, em 2004 (SANTOS, F; DIAS, A. M.,

2007).

Tabela 1

Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004

Países Milhões de pares

em 1994

Milhões de pares em

2004

Variação %

China 3.750 8.800 135

Índia 540 850 57

Brasil 590 750 27

Indonésia 436 564 29

Itália 471 281 -40

Vietnã 135 445 230

Tailândia 350 260 -26

Paquistão 175 250 43

França 155 53 -66

Portugal 110 86 -22

Espanha 190 147 -23

Reino Unido 106 16 -85

E.U.A 234 35 -85

Japão 245 102 -58

Demais países 2.269 1.751 -23

Produção Mundial 9.756 14.390 47 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SANTOS, F; DIAS, AIRTON

M., 2007.

É evidente o declínio dos países tradicionalmente produtores de calçados,

principalmente no período de 1994/2004. A Itália, que se constituía em uma referência

mundial em produção e exportação de calçados na década de 1970, passou de 471 milhões de

pares produzidos em 1994 para 281 milhões de pares em 2004; a Espanha caiu de 190

milhões para 147 milhões de pares; Portugal passou de 110 milhões de pares para 86 milhões;

França caiu de 155 milhões para 53 milhões; Reino Unido teve queda de 106 milhões para 16

milhões (SANTOS, F; DIAS, AIRTON M., 2007).

Com a crise do modelo fordista de produção, desenvolvem-se novos mecanismos para

manter os ganhos de produtividade das empresas calçadistas. Além de muitas empresas

instalarem suas unidades fabris em países considerados subdesenvolvidos (como o Brasil e a

China), o toyotismo tornou-se, no Japão, uma resposta à crise do modelo fordista.

No modelo toyotista de gestão da produção, contrariamente ao fordismo, o operário

torna-se polivalente; no lugar da linha de montagem individualizada, os operários são

37

integrados em uma equipe; em vez da produção em massa, a empresa produz sob demanda

para evitar custos com perdas e estoques. Com o toyotismo, a produção é variada,

diversificada e pronta para suprir as encomendas dos consumidores. É o consumo que

influencia a decisão a respeito do que será produzido e não o contrário como se procedia na

produção em série e de massa do fordismo (ANTUNES, 2010).

Considerando a crise do fordismo no final da década de 1960, com a dificuldade em

manter a regularidade do crescimento dos ganhos de capital e manter também a regularidade

do crescimento do consumo, o grande capital, representado por empresas transnacionais, vê

no exterior (sobretudo na China, Índia e Brasil) um reservatório onde existe aquilo que não

poderia, naquele momento, estar disponível nos países centrais da economia capitalista: força

de trabalho barata e matéria prima em abundância, bem como a ampliação do mercado de

consumo.

Dados divulgados pelo Banco Mundial, em 1995, apontam que a força de trabalho

global dobrou de tamanho entre 1966 e 1995, sendo que a maior parte dessa força de trabalho

assalariada vivia nas mais lamentáveis condições (HARVEY, 2006). Nesse contexto de

precarização das condições de vida em diversos países, começam a surgir os Novos Países

Industrializados (NPIs), onde uma espécie de fordismo periférico é colocada em prática com o

objetivo de aumentar os ganhos de produtividade e de lucratividade das grandes empresas

monopolistas, através da utilização intensa de força de trabalho e da grande demanda

encabeçada pelas pessoas do grupo de renda classes média e alta dos países periféricos.

Segundo Harvey (1992),

Foi também perto dessa época [1966 - 1967] que as políticas de substituição de

importação em muitos países do Terceiro Mundo (da América Latina em particular),

associada ao primeiro grande movimento das multinacionais na direção da

manufatura no estrangeiro (no Sudeste Asiático em espacial), gerando uma onda de

industrialização fordista competitiva em ambientes inteiramente novos, nos quais o

contrato social com o trabalho era fracamente respeitado ou inexistente (HARVEY,

1992, p. 135, acréscimo nosso).

Corroborando com os argumentos de Harvey (1992), Wallerstein (2009) destaca que no

bojo das mudanças geopolíticas no sistema-mundo a década de 1970 foi intitulada pelas

Nações Unidas como a década do desenvolvimento. Conforme Wallerstein (2009), o que se

presenciou nessa década do desenvolvimento foi justamente o contrário do que se poderia

vislumbrar:

Os anos 1970 se tornaram a década da morte do desenvolvimento como idéia e

como política. O que aconteceu foi que a expansão da economia-mundo tinha

38

alcançado os limites de muitos produtores na indústria de ponta (resultado da

reconstrução da Europa Ocidental e da Ásia Oriental) e, por conseguinte, um agudo

declínio dos níveis de lucros nos setores mais lucrativos da produção mundial. Esse

é um problema recorrente na operação da economia-mundo capitalista, e levou a

resultados padrões: remanejamento de muitas dessas indústrias para países

semiperiféricos, onde os níveis salariais eram mais baixos (com esses países

considerando esse remanejamento como sendo “desenvolvimento”); crescimento do

desemprego no mundo (mais notadamente nos países mais ricos), levando ao

declínio dos salários reais e dos níveis de tributação nesses países; concorrência na

“tríade” dos Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão com a Ásia Oriental para

exportar reciprocamente o desemprego; transferência do capital de investimento das

empresas produtivas para a especulação financeira; e aguda crise da divida pública (WALLERSTEIN, 2009, p. 61).

Com o crescimento da atividade industrial nos países periféricos, disseminou-se o que

Lipietz (1988) chamou de “fordismo periférico” que seria um “fordismo incompleto” em suas

características essenciais, se comparadas às características do fordismo nos países centrais do

capitalismo. Segundo esse mesmo autor:

Esse modelo de industrialização das periferias, por adoção parcial e frequentemente

ilusória do modelo central de produção e de consumo, porém sem a adoção das

relações sociais correspondentes, fracassou efetivamente na sua inserção no “círculo

virtuoso” do fordismo central (LIPIETZ, 1988, p.77).

Lipietz (1988) aponta os motivos do fracasso do fordismo periférico adotado nos países

pobres como possibilidade de crescimento econômico similar aos países centrais da economia

capitalista. Os principais argumentos do autor têm como base as seguintes ideias: não se pode

importar tecnologias e máquinas nos países pobres sem construir relações sociais de trabalho

que sejam compatíveis com o potencial produtivo; os operários dos países periféricos não

apresentavam a qualificação e experiência que os operários dos países centrais haviam

acumulado durante seu percurso histórico. Lipietz (1988) ainda considera que, nos países

periféricos, não houve uma ampliação significativa do poder aquisitivo dos operários e do

campesinato, como ocorreu na maioria dos países centrais do fordismo. Com isso, o consumo

de massa, ou a inserção das classes populares no mundo do consumo, não ocorreu. Nesse

caso, os mercados continuavam limitados à população dos grupos de renda elevada e média

(LIPIETZ, 1988).

Dessa forma, o fordismo, enquanto modelo, possui características que não foram

sistematicamente adotadas em todos os países periféricos. De certa forma, as características

sociais, culturais e epoliticas influenciaram decisivamente na forma como o modelo foi sendo

executado. A forma como a organização da produção em massa e padronizada foi implantada

em diversos locais guardam características singulares em todos os países periféricos em que o

modelo foi sendo colocado em prática.

39

1.4. AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS

Buscando compreender os processos socioespaciais e as formas resultantes

desencadeadas com a instalação de uma importante atividade econômica, como a indústria

calçadista, em uma localidade sem tradição industrial e ligada a atividades comerciais de

baixa complexidade e agropastoril, julga-se necessário utilizar os conceitos de rede e de

escala geográfica como recurso de análise, no intuito de decifrar algumas interações espaciais

que envolvem tal fenômeno no contexto de expansão do setor calçadista brasileiro cuja

competitividade das empresas baseia-se no menor custo de produção, que para tanto explora

os mecanismos de “guerra fiscal”, incorporando localidades periféricas e os integrando

produtivamente nas redes corporativas.

Levando em conta o conceito de escala geográfica, Castro (2003) avalia que a

investigação geográfica enfrenta o problema básico do “tamanho”, que pode variar da escala

espacial local ao global. Destaca ainda que, na relação entre fenômeno e tamanho, não se

transfere leis de um tamanho a outro sem que surjam alguns problemas.

Pensando dessa maneira, entende-se que a escala geográfica não deve ser vista como

relação de proporção, isso se aplica à cartografia para ampliar ou reduzir determinado recorte

espacial representado em carta/figura. A escala geográfica deve ser entendida como uma

dimensão espacial descontínua de pertinência dos fenômenos/ fatos. Assim, concorda-se com

Harvey (2006) quando o mesmo afirma que:

O exame do mundo em qualquer escala particular revela de imediato uma série de

efeitos e processos que produzem diferenças geográficas nos modos de vida, nos

padrões de vida, no uso dos recursos, na relação com o ambiente e nas formas

políticas e culturais. A longa geografia histórica da ocupação humana da superfície

da Terra e da evolução das distintas formas sociais (línguas, instituições políticas e

valores e crenças religiosas) inseridas integralmente em lugares com qualidades

todas suas tem produzido um extraordinário mosaico geográficos de ambientes e de

modos de vida socioecológicos. [...] Mas as diferenças geográficas são bem mais do

que legados histórico-geográficos. Elas estão sendo perpetuamente reproduzidas,

sustentadas, solapadas e reconfiguradas por meio de processos político-econômicos

e socioecológicos que ocorrem no presente (HARVEY, 2006, p. 110 – 111).

Entende-se, assim, que a questão da escala deve ser decifrada mediante a capacidade

analítica de superação das aparências. A análise transescalar é, então, o mecanismo

fundamental do reconhecimento e caracterização dos processos e fenômenos socioespaciais.

A questão primordial é, então, entender o fenômeno, indo de uma escala a outra, mas sem

hierarquizá-la para dar visibilidade ao mesmo. Conforme Castro (2003): “A escala é, na

40

realidade, à medida que confere visibilidade ao fenômeno. Ela não define, portanto, o nível de

análise, nem pode ser confundida com ele, estas são noções independente conceitual e

empiricamente” (CASTRO, 2003, p. 123).

O estudo das transformações socioespaciais está diretamente associado à coerência da

escolha deste ou daquele fenômeno e à objetivação dos espaços na escala em que o

pesquisador julgue que o fenômeno pode ser apreendido. Assim, o fenômeno objeto de

estudo, mesmo em sua particularidade, deve ser encarado como articulado a um conjunto

maior de localizações. Mesmo contido em determinado recorte de análise, o fenômeno

constitui-se um elo entre as escalas da realidade por meio de redes geográficas a fim de evitar

o isolamento e não perder a ideia de totalidade. Castro (2003), pautada nas concepções de

Merleau-Ponty (1964), destaca que a aparente fragmentação do real que ocorre quando nos

aproximamos da realidade é apenas perspectiva, uma vez que cada objeto percebido possui o

mesmo valor, já que cada um participa conjuntamente de uma realidade tal que este ou aquele

fenômeno se destaca apenas como uma projeção particular.

A formulação de Castro (2003) sugere que não há hierarquias entre as escalas, pois elas

não constituem projeções mais ou menos aumentadas de um real em si, já que o real está

contido e/ou projetado em cada uma delas. Por outro lado, também significa dizer que o

importante é a percepção resultante, em que o real está presente, assim “[...] a escala é,

portanto o artifício analítico que dá visibilidade ao real” (CASTRO, 203, p. 133). A referida

autora estabelece três pressupostos para o entendimento da escala como conceito de análise:

1) não há escala mais ou menos válida, a realidade está contida em todas elas; 2) a

escala da percepção é sempre ao nível do fenômeno percebido. Para a filosofia este

seria o macrofenômeno, aquele que dispensa instrumentos; 3) a escala não

fragmenta o real, apenas permite a sua apreensão (CASTRO, 2003, p. 132).

Smith (1988), por sua vez, sugere uma perspectiva importante sobre a análise das

escalas sob a égide do sistema econômico capitalista. Segundo ele, a análise escalar de alguns

fenômenos socioespaciais, sobretudo o processo de reprodução ampliada do capital, deve ser

entendida no contexto das diferentes formas como o capital aparece fixado, ou materializado

no espaço – daí sua relevância na compreensão da produção dos padrões de desenvolvimento

desigual. Podemos inferir que a produção das diferentes escalas geográficas corresponde a um

conjunto de determinações políticas, ideológicas, econômicas, culturais e espaciais, que

mediam os padrões de produção, estruturação e reestruturação do espaço.

As regiões e locais do mundo são imersos em tal lógica e, segundo Silveira (2004), é a

41

“[...] funcionalização dos eventos no lugar que produz uma forma, um arranjo, um tamanho

do acontecer. Mas, no instante seguinte, outra função cria outra forma e, por conseguinte,

outros limites” (SILVEIRA, 2004, p. 90).

O acontecer dos processos desencadeados nas escalas global, nacional, regional e local

pressupõe a existência de redes geográficas que conectam as ações e eventos no espaço

geográfico. Para tanto, as empresas normalmente constroem novas redes técnicas nos locais

onde se instalam, associando-as a redes criadas em escala regional, nacional e mundial, dando

condição para determinadas modificações das relações entre determinados recortes de escalas

geográficas. Quando uma empresa age introduzindo novas redes geográficas, recria as

condições de organização do espaço geográfico, seguindo a lógica da divisão internacional e

nacional do trabalho.

Os diferentes agentes sociais têm acesso às redes de maneira diferenciada, de acordo

com o seu poder econômico. “No dia-a-dia é costume pensar nas redes, na sua constituição,

sua forma, sua fisionomia e sua estrutura. As pessoas apenas usam as redes, e usando, as

constroem e as reconstroem” (SANTANA, 2006, p. 33).

Segundo Corrêa (2001),

Por rede geográfica entendemos um conjunto de localização geográfica inter

conectadas entre si por um certo número de ligações. Este conjunto pode ser

constituído também por uma sede de cooperativa de produtores rurais e as fazendas

a elas associada; como pelas ligações materiais e imateriais que conectam a sede de

uma empresa, seu centro de pesquisa e filiais de venda. Pode ser ainda constituído

pela agência de um banco e o fluxo de informações que circulam entre elas; pela

sede da igreja católica, as dioceses e paróquias; ou ainda pela rede ferroviária de

uma dada região. Há, em realidade, inúmeras e variadas redes que recobrem, de

modo visível ou não, a superfície terrestre (CORRÊA, 2001, p. 107).

Está claro que as redes são constituídas enquanto ligações entre pontos-localidades e

entre espaços visando determinados fins. No entanto, as redes geográficas possuem

propriedades fundamentais que não devem ser negligenciadas nas análises socioespaciais: a

conectividade, a seletividade e, em alguns casos, a instantaneidade. A conectividade está

associada à capacidade das redes em ligar localidades e fenômenos. A seletividade é a escolha

das conexões e localidades a serem incorporadas ao objetivo de existência da rede. A

instantaneidade é o compartilhamento dos processos sociais inerentes à rede geográfica.

Estudando as redes técnicas, Dias (2003, p. 141) afirma que “[...] a história das redes é a

história das inovações que, uma após a outra, surgem em resposta a uma demanda social antes

localizada que uniformemente distribuída”. Todavia, em sentido mais amplo, o conceito de

rede ultrapassa a concepção material e pode ser abordado do ponto de vista imaterial no

42

sentido de conectar, por meio da internet, pessoas e empresas em diversas regiões e lugares da

Terra.

Com relação às redes técnicas a serviço da produção do espaço capitalista, as redes

geográficas constituem um mecanismo essencial para a manutenção e ampliação do capital,

pois são criadas e modificam os espaços nacionais, regionais e locais, doravante sulcados por

linhas técnicas que permitem maior velocidade na circulação de bens, de pessoas e de

informações (DIAS, 2003).

A organização espacial da sociedade é significativamente influenciada pela presença das

redes. De acordo com Santana (2006),

A rede por ser vista como técnica que se impõe na organização espaço-temporal,

uma vez que pode criar elementos espaciais sobre o território, elementos que darão

temporalidades diferenciadas aos fluxos ou poderão suprir ou ampliar

temporalidades relativas às distâncias nestes territórios e que dependerão de sua

matriz técnica, [...] (SANTANA, 2006, p.43).

As redes parecem se constituir, na maioria das vezes, como a infraestrutura básica

visível e invisível da sociedade em seu viés econômico e produtivo. As redes são tecidas por

diversos agentes, porém, no atual estágio de organização da globalização capitalista e

neoliberal, as empresas transnacionais, em parceria com o Estado, traçam as principais redes

econômicas e políticas de conexão entre vários lugares. A partir da distribuição de unidades

fabris e escritórios de administração, pontos de vendas etc. sobre determinados pontos da

superfície terrestre, as localizações são articuladas aos mais variados fluxos e vias.

Portanto, deve-se ter em mente que as redes são resultado do trabalho de numerosos

agentes que, em diferentes lugares e momentos, e com capacidades distintas de ação, exercem

seu papel como sujeitos históricos e geográficos. As conexões entre as redes são instrumentos

de determinados agentes sobre o espaço. O propósito das redes é manter a circulação dos

fluxos. Conforme Santana (2006),

A circulação, motivo principal da existência das redes se fará, então, de forma

desigual de acordo com o desenho, quantidade, qualidade, e capacidade de cada um

dos pontos e linhas em transmitir os fluxos com o mínimo de retenção possível,

além da própria qualidade do elemento em transporte, dado por sua viscosidade e

atrito dentro da rede (SANTANA, 2006, p. 46).

Quanto à adaptação dos espaços regionais às demandas externas, Silveira (2003)

destaca que os vetores da transformação não encontram espaços totalmente submissos às

determinações. Segundo a autora:

43

Existe uma totalidade prévia, um mundo construído. É um arranjo de objetos e

normas que, ao mesmo tempo que é transformado, obriga os vetores a uma

adaptação. [...] um verdadeiro limite normativo, porque material e organizacional, ao

processo de totalização (SILVEIRA, 2003, p. 92).

Ante o “mundo construído” encontrado pelos vetores das grandes corporações

empresariais nos locais onde as mesmas almejam aumentar o faturamento, torna-se regra

comum a disseminação do pensamento neoliberal hegemônico e a ação estatal em

favorecimento aos empreendimentos capitalistas. Percebe-se isso, por exemplo, no contexto

da reestruturação produtiva, observando principalmente o recorte temporal do início dos anos

1990, quando houve uma crescente concorrência entre os produtos da indústria brasileira de

calçados e os produtos chineses (mais baratos).

44

2. A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA

Neste capítulo, são analisadas as principais características da produção mundial de

calçados, destacando sua distribuição mundial, as características e evolução da distribuição

espacial da produção calçadista no Brasil e o papel do estado da Bahia no processo de

relocalização de fábricas. Este exercício de análise busca colocar a ciência geográfica em

evidência, sobretudo porque essa ciência tem, no âmago de suas reflexões, a análise da

produção do espaço e o estudo da localização geográfica dos fenômenos. Porém, não se

podem desconsiderar as contribuições de outras ciências para o estudo da localização

industrial, haja vista serem contribuições imprescindíveis os estudos desenvolvidos por

economistas, sociólogos e administradores que colocam a localização industrial e o

desenvolvimento regional como questões principais em suas pesquisas.

Tal investigação está diretamente vinculada à tentativa de desdobrar uma reflexão sobre

as transformações socioespaciais provocadas pela grande fábrica de calçados nos locais onde

esse segmento industrial instala suas unidades fabris. No âmbito da geografia, é prioritária a

análise da distribuição espacial das atividades produtivas e suas implicações sobre a produção,

organização e/ou reestruturação do espaço, como mediação entre a sociedade e a natureza,

que se constitui o centro da investigação.

Assim, pode-se inicialmente afirmar que existem diversas variáveis – econômicas,

políticas, institucionais, culturais etc. – que interferem na produção do espaço e na localização

das atividades industriais. A decisão da localização industrial dependerá do tipo de

empreendimento, tipo de produto fabricado, matéria prima utilizada, ambiente institucional e

político do país ou localidade de interesse dos empresários.

Neste ínterim, o espaço geográfico, transformado e produzido pela sociedade

capitalista, constitui o que hoje se caracteriza como conjunto indissociável de sistemas de

objetos e sistemas de ações, sendo que: “Através da presença desses objetos técnicos:

hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro,

cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente

técnico (SANTOS, 1997, p. 51)”. A respeito dessa funcionalidade do espaço, Santos (1997)

afirma ainda que:

Em realidade, não há apenas objetos, novos padrões, mas igualmente, novas formas

de ação. Como um lugar se define como um ponto onde se reúne feixes de relações,

45

o novo padrão espacial pode dar-se sem que as coisas sejam outras ou mudem de

lugar. É que cada padrão espacial não é apenas morfológico, mas, também,

funcional. Em outras palavras, quando há mudança morfológica, junto aos novos

objetos, criados para atender a novas funções, velhos objetos permanecem e mudam

de função (SANTOS, 1997, p. 77).

Comentando a respeito da expansão das relações capitalistas pós-Revolução Industrial

e suas implicações sobre a hierarquia entre as cidades, Corrêa (2001) destaca que:

Com o capitalismo verifica-se a ampliação em escala até então nunca vista da

divisão social e territorial do trabalho, a perda dos meios de produção de parcela

considerável dos que ainda detinham estes meios, e o aumento do trabalho

assalariado, levando àquilo que Lenin se refere como a criação de um mercado

interior para a crescente produção capitalista, onde tanto os meios de produção como

os de subsistência, bem como a própria força de trabalho, se constituem em

mercadorias a serem vendidas e compradas. Com o capitalismo a atividade

comercial ganha novo significado social (CORRÊA, 2001, p. 18).

A respeito da emergência de um mercado mundial criado pelas forças capitalistas de

produção e o processo de modernização, Berman (2001) cita as características do que para ele

seriam centrais na modernidade, ensejadas pelo capital em escala mundial:

Em primeiro lugar, dá-se a emergência de um mercado mundial. Enquanto se

dissemina, esse mercado absorve e destrói todos os mercados locais e regionais em

que toca. A produção e consumo – e as necessidades humanas – tornam-se cada vez

mais internacionais e cosmopolitas. O escopo das exigências e dos desejos humanos

se amplia muito além da capacidade das indústrias locais, que consequentemente

quebram. A escala das comunicações torna-se mundial, e surgem meios de

comunicação de massa tecnologicamente sofisticados (BERMAN, 2001, p. 119).

As tendências de expansão das relações capitalistas industriais se mostraram claras nas

últimas quatro décadas (1970 – 2010). A procura por espaço onde as condições de produção

propiciassem maior lucratividade provocou a instalação da atividade industrial em países ditos

“subdesenvolvidos”. A atividade industrial que estava concentrada majoritariamente em

países centrais da economia capitalista passa a se instalar também em países periféricos.

2.1. A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO DE

UNIDADES PRODUTIVAS

O Brasil figura, atualmente, entre os países de maior produção de calçados do mundo

(terceiro maior produtor), concorrendo internacionalmente, neste segmento industrial, com a

46

China e a Índia. Comecemos, portanto, a discutir as características da indústria calçadista

mundial, utilizando um recorte geográfico global, relacionando as reflexões gerais obtidas a

partir da economia mundial e entendendo as tendências e alguns pressupostos da localização

de unidades fabris calçadistas. Cabe, no entanto, ressaltar que a divisão analítica em recortes

espaciais, desenvolvida nestas páginas, não tem como objetivo hierarquizar a relação entre as

escalas geográficas, mas buscar um entendimento dinâmico dos processos que favorecem ou

influenciam a instalação de fábricas de calçados em determinadas localidades.

Entre os países de maior produção de calçados na atualidade, destacam-se a China,

Índia e Brasil, conforme se pode observar na Tabela 2. Preponderantemente, esses países

possuem os operários com as mais baixas remunerações no setor couro-calçadista e de

confecções. A utilização intensiva de força de trabalho na produção dos calçados, a

“necessidade” de as empresas disporem de um número grande de indivíduos como força de

trabalho “livre”, vendendo seu labor em troca de uma remuneração que apenas provê suas

necessidades mínimas de existência, é de suma importância para a cadeia produtiva couro-

calçadista.

Tabela 2

Principais produtores mundiais de calçados: produção em

milhões de pares por ano (2004/2010)

País Ano

2004 2007 2010

China 8.800 10.209 10.682

Índia 850 980 1.117

Brasil 750 796 835

Vietnã 445 665 825

Indonésia 564 565 559

Tailândia 260 268 273

Itália 281 242 228

Paquistão 250 246 242

México 244 172 155

Turquia 224 170 142

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em

www.couromoda.com (acesso em 02/03/2012)

A associação entre a produção de calçados e a disponibilidade de força de trabalho

abundante e barata vem sendo apontada nas duas últimas décadas, por alguns pesquisadores,

como Garcia (2010), Costa (2002), Brito (2010), Santos, L.(2008), como um fator de grande

relevância na competitividade e nos lucros das grandes companhias internacionais produtoras

de calçados, sobretudo por conta da reestruturação produtiva que diversos segmentos

industriais tiveram que programar e executar. Conforme se pode observar na tabela 3, os

47

principais produtores de calçados estão entre os países que possuem grandes contingentes

demográficos.

Tabela 3

População absoluta e produção de calçados por país em 2011

País População absoluta Posição quanto a

população

% Produção mundial de

calçados

China 1.354.146.443 1ª 64

Índia 1.214.464.312 2ª 6

Indonésia 232.516.799 3ª 4

Brasil 190.755.799 5ª 5

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2011.

Seguindo os argumentos supracitados, observa-se que os quatro maiores produtores de

calçados do mundo, na atualidade, estão entre os cinco países que possuem os maiores

contingentes populacionais absolutos. Apenas o Vietnã, que é o quarto maior produtor de

calçados, não figura entre os dez países que possuem os maiores contingentes de população.

Mesmo assim, pode-se considerar que o Vietnã, com uma população absoluta de 89.028.741

habitantes em 2010 (IBGE, 2011), figura entre aqueles países que possuem um número

grande de força de trabalho disponível e com baixo custo de remuneração para trabalhar

conforme as exigências de lucratividade do setor calçadista mundial. Em âmbito mundial, a

indústria de calçados empregava, até o ano de 1995, cinco milhões de trabalhadores e

produzia mais de 10 bilhões de pares anuais, sendo que dois terços dessa produção foram

realizados em países asiáticos (TECNOCOURO, 1995 apud COSTA, 2002).

A remuneração da força de trabalho, diretamente associada à produção de calçados, é

um fator que interfere diretamente no preço do produto. O grande acirramento na

concorrência mundial para a produção e comercialização de calçados, fortemente crescente a

partir da abertura comercial durante a década de 1990 com o crescimento econômico de

alguns países asiáticos, especialmente da China, obrigou muitas empresas produtoras de

calçados a adotar estratégias de reestruturação produtiva, com forte implicação sobre as

tendências de instalação de unidades fabris. “Em geral, esse processo guiou-se pela busca de

novas fontes de suprimentos que apresentassem custos mais baixos, especialmente aqueles

associados com a força de trabalho” (GARCIA, 2010, p. 98). Ainda, segundo Garcia (2010),

O crescimento dos países asiáticos esteve fortemente vinculado com a organização

da cadeia global dessas indústrias, em que os compradores globais buscam

incessantemente fontes de suprimentos diversos, que apresentem as melhores

condições em termos dos atributos do produto, com destaque para o preço

(GARCIA, 2010, p. 98).

48

Assim, quanto menor for a remuneração oferecida aos trabalhadores do setor

industrial calçadista, maior será a possibilidade das empresas que utilizam esta força de

trabalho vencerem a concorrência para a venda dos produtos no mercado internacional7, haja

vista ser o preço do calçado o requisito principal na concorrência internacional. O trabalho

intensivo exigido pelas cadeias têxtil e couro calçadista em diversas partes do mundo, o

crescimento do consumo e o processo de abertura econômica em muitos países fizeram a

distribuição geográfica das fábricas de calçados ganhar uma nova dinâmica.

Segundo Harvey (2006), vem crescendo em todo o mundo a produção de mercadorias

que exigem uma grande quantidade de trabalhadores na linha de produção (a indústria de

confecções e a calçadista têm destaque neste segmento). Harvey (2006) cita o Programa de

Desenvolvimento das Nações Unidas para evidenciar o processo de expansão da produção de

“manufaturas trabalho intenso”:

A parcela de manufaturas trabalho intensivo com relação ao total de exportações

passou de 36% em 1975 a 74% em 1990. Entre 1985 e 1993, a taxa de emprego na

indústria têxtil passou por um incremento de 20%, a de produtos de vestuário e de

fibras por um incremento de 43%, e produtos derivados do plástico por um

incremento de 51%. A China é agora um importante exportador de produtos trabalho

intensivo para muitos países industrializados [...] (UNIDAS, 1996 apud HARVEY,

2006, p.64).

Como a China e a Índia, em grande medida, não possuem leis trabalhistas que

possibilitem aos trabalhadores direitos similares aos direitos adquiridos por trabalhares de

países capitalistas ocidentais, o saldo total das despesas para a manutenção da produção, em

muitas empresas que atuam nestes países, é significativamente reduzido. Assim, a mais valia

adquirida neste processo ganha proporções enormes. Por exemplo: direitos como décimo

terceiro salário, seguro desemprego, férias remuneradas, limite de horas de trabalho por dia

etc. não são assegurados, em muitos países asiáticos. Nesse sentido, as maiores companhias

que produzem calçados esportivos, tais como a norteamericana Nike e a alemã Adidas,

mantêm grande quantidade da produção em países periféricos.

Fazendo um paralelo entre as condições de vida dos trabalhadores, descritas por Karl

Marx em O Capital, Harvey (2006), tomando como referência a pesquisa desenvolvida por

Herbert (1997), cita um trecho que descreve as condições de trabalho dos operários, nas

fábricas de calçados e vestuários no Vietnã.

7 Tendo por base a concorrência pelo preço, o que predomina na competitividade entre as empresas calçadistas

nos países periféricos. Pois, nas fábricas ainda existentes nos países ricos, a concorrência é pela qualidade do

produto.

49

[...] o tratamento dos trabalhadores pelo gerente da fábrica no Vietnã (de modo

geral coreanos e taiwaneses) é uma “fonte constate de humilhação”, que ocorrem

maus-tratos verbais e assédio sexual com freqüência e que é “comum o uso de

punições corporais”. [...]. “É uma ocorrência comum”, escreve o senhor Nguyen em

seu relatório, “o desmaio de vários trabalhadores por exaustão, por causa do calor e

da má nutrição, durante a troca de turnos. Disseram-nos que vários trabalhadores

chegaram a vomitar sangue antes de desmaiar” (HERBERT, 1997 apud HARVEY,

2006, p.67).

Vale ressaltar que o exemplo citado por Harvey (2006) diz respeito a operários que

produzem, em uma fábrica subcontratada pela empresa norte-americana Nike, uma das

maiores marcas de calçados esportivos do mundo.

As condições a que são submetidos os trabalhadores da indústria calçadista, nos países

periféricos, parecem ter características bastante similares, apesar de algumas diferenças. Veja-

se, então, a caracterização feita por Brito (2010), tomando como referência entrevistas feitas

com um representante sindical dos trabalhadores calçadistas a respeito da forma como os

operários de uma grande fábrica de calçados, na cidade de Ipirá-BA, eram tratados no dia a

dia de trabalho, antes de terem fundado o seu sindicato:

Imposição de horas extras não remuneradas, computadas como banco de horas,

sobre o que os trabalhadores não tinham a menor condição de discussão, e jornadas

de trabalho excessivas – das 05h até 19h ou 20h, quando o horário oficial era até

14:48h.

Gravidade e conseqüência dos acidentes de trabalho sofridos pelos operários,

causados pelas condições do processo fabril (queimaduras, luxações e até casos de

mutilação) [...].

Cárcere privado, ocorrido quando os trabalhadores decidiram reunir-se em

assembléia para a fundação do sindicato [...].

[...] maus tratos ou a prática do assédio moral, que ocorriam abertamente, com

proibição ou fiscalização de idas dos funcionários ao banheiro, escárnio público dos

funcionários que não conseguiam atender às metas de produção, cada vez mais

inatingíveis e distinções pejorativas para com os operários baianos, chamados de

preguiçosos, burros e famintos (BRITO, 2010, p. 172 – 173).

Com uma organização sindical mais acentuada nas regiões tradicionais de produção de

calçados no Brasil, nas regiões Sul e Sudeste, dificilmente as humilhações descritas acima

seriam toleradas sem uma postura de embate em que os trabalhadores exigissem respeito aos

seus direitos. Assim, corroborando com este pensamento, pode-se afirmar que a falta de uma

organização sindical mais efetiva, que defenda os direitos dos trabalhadores, favorece a

instalação de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste brasileiro, em especial nos

estados da Bahia e no Ceará. Em muitos casos, a baixa escolaridade e a falta de alternativa

para os trabalhadores das localidades onde se instalam esses grandes empreendimentos fabris

favorecem a subserviência aos ditames dos gerentes das fábricas.

A falta de outras oportunidades de emprego e a pouca exigência na qualificação para o

50

trabalho na indústria calçadista contribuem, assim, diretamente para que a relocalização da

produção se torne um processo exequível. O nível de escolaridade necessário para que os

trabalhadores lidem com as máquinas e com todo o processo produtivo na fabricação dos

calçados é praticamente inexistente. Não é necessária a escolaridade completa em nível de

ensino básico (ensino médio), pois a produção dos calçados se dá por meio da utilização de

máquinas que, em muitos casos, exigem apenas a execução de movimentos sequenciais e

repetitivos na linha de produção. Essa característica da produção de calçados torna maior a

disponibilidade de força de trabalho nos países populosos como a China, a Índia e o Brasil.

Sobre o aspecto da necessidade de qualificação da força de trabalho para a produção de

calçados, um dos gerentes responsáveis pela linha de produção da marca Nike, na maior

unidade produtiva do grupo empresarial Dass Clássico, localizada no município de Santo

Estevão-BA, afirmou que:

A qualificação se dá dentro do próprio processo de trabalho assim que o funcionário

adentra o espaço da fábrica. Para a produção de calçados não há exigências muito

grandes; as pessoas passam um mês conhecendo e se adaptando às exigências de

manuseio das máquinas e acabam se acostumando ao trabalho repetitivo (Entrevista

concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 16/02/2011).

Analisando as palavras do gerente de produção dos calçados de marca Nike, pode-se

constatar que, na execução do trabalho repetitivo na linha de produção de calçados, não há

exigência de formação e preparo técnico; segundo ele, basta se “acostumar” com a repetição

dos movimentos das máquinas e desenvolver os movimentos repetitivos necessários para

confeccionar os produtos. Nesse sentido, tem-se um modelo de produção que se assemelha ao

fordismo e à produção de mercadorias em massa. Estudos disponíveis sobre as implicações

desse modelo de produção sobre a saúde dos trabalhadores das fábricas de calçados

comprovam que as graves lesões provocadas por movimentos repetitivos assolam uma

quantidade significativa dos operários (SANTOS, L., 2008).

Classificados pela empresa como “trabalhadores polivalentes da indústria de calçados”,

esses trabalhadores, após passarem alguns anos desenvolvendo uma atividade mecânica e

repetitiva, embora possam vir a desempenhar outras funções dentro da fábrica, podem

alcançar um alto grau de cansaço físico e adquirirem doenças relacionadas às funções que

desenvolvem e serem demitidos quando não atenderem mais às metas de produção exigidas

diariamente. Essa condição de trabalho associada à confecção dos calçados, contribui para

promover a mais alta taxa de rotatividade de trabalhadores neste segmento da indústria de

transformação, conforme índice de desligamentos do trabalho na tabela 4:

51

Tabela 4

Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de transformação – Anos selecionados.

Setores e subsetores da indústria

de transformação

Taxa do

subsetor

(%)

Taxa do

subsetor

(%)

Taxa do

subsetor

(%)

Taxa do

subsetor

(%)

Taxa do

subsetor

(%)

2001 2004 2007 2008 2009

Mineração não-metálica 43.8 39.8 44.9 52.6 48.5

Metalúrgica 37.3 35.6 40.8 48.8 43.5

Mecânica 39.0 36.5 45.0 53.9 44.3

Material elétrico e comunicação 44.8 32.9 40.7 44.0 39.2

Material de transporte 25.5 20.6 22.9 32.2 25.7

Madeira e mobiliário 52.0 53.3 53.5 57.1 52.5

Papel e gráfica 35.9 32.2 35.8 40.3 38.3

Borracha, fumo e couro 47.3 48.3 52.8 56.9 51.0

Química. 37.0 31.9 37.2 43.8 39.4

Têxtil 47.6 42.4 48.9 54.0 50.7

Calçados 64.5 57.3 65.3 73.8 58.8

Alimentos e bebidas 54.2 54.6 62.2 67.2 62.7

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em DIESSE, 2011

É frequente a necessidade da disponibilidade de pessoas para ocupar os postos de

trabalho na produção de calçados deixados pelos trabalhadores acometidos pelas doenças

ocupacionais, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e as Doenças Osteomusculares

Relacionadas ao Trabalho (DORT) (SANTOS, L,.2008)8. Têm-se, nesse caso, mais um dos

fatores que explicam a estratégia, empreendida pelas grandes empresas de calçados, de

instalarem suas unidades produtivas ou subcontratarem empresas, durante as últimas décadas,

em países ou regiões que possuam um grande contingente populacional. A procura por locais

com disponibilidade de uma numerosa população com baixo custo de remuneração tem como

objetivo repor a grande quantidade de desligamentos mensais de trabalhadores nas linhas de

produção de calçados, o que confirma a elevada rotatividade da força de trabalho no setor.

De acordo com o exposto até agora sobre as variáveis para a localização de

empreendimentos produtivos, em particular das fábricas de calçados, pode-se inferir que cada

empresa ou corporação pode utilizar ou organizar o espaço geográfico em função de suas

próprias demandas ou interesses, e, exclusivamente, em função desses interesses. Assim, os

trabalhadores empregados nas unidades produtivas dessas empresas, distribuídas por todo o

mundo, em especial nos países periféricos da economia capitalista e nos países “emergentes”,

são tratados como objetos, como mercadorias que, após serem utilizadas e “gastas”, são

“jogadas fora”. Os trabalhadores, na visão funcional que lhe é atribuída pelas empresas, são

como uma espécie de “bateria” que vão ceder energia para manter a produção das

8 O trabalho na produção de calçados é enfadonho e como o setor emprega a maioria de jovens, eles não

permanecem por muito tempo no emprego.

52

mercadorias (produtos) e, uma vez que estiverem “descarregadas”, serão descartadas e novas

“baterias” serão incorporadas, repetindo o círculo de dispensa e contratação até a última turma

ser esgotada e a empresa mudar a fábrica de lugar, se o sindicato operário não intervier antes;

se isso acontece, a fábrica vai embora mais cedo. Para Santos (2001):

As empresas apenas têm olhos para os seus objetivos e são cegas para tudo o mais.

Desse modo, quanto mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto

menos tais regras serão respeitosas do entrono econômico, social, político, cultural,

moral e geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de

perturbação e mesmo de desordem (SANTOS, M., 2001, p. 85).

Para além de as empresas calçadistas se deslocarem, nas últimas décadas, para países

com grande contingente populacional, pode-se constatar, como um dos fatores preponderante

no deslocamento da produção, a existência de mercados consumidores potenciais para os

calçados produzidos. Há uma associação entre a absorção de um grande contingente de

trabalhadores para a produção de “mercadorias trabalho intensiva” e um crescimento do

mercado consumidor nos países emergentes, sendo o consumo, o mecanismo que garantirá o

ciclo de manutenção das relações de produção em seu objetivo maior que é o lucro

Percebendo a dinâmica do consumo e da produção de mercadorias, favorável à maior

competitividade nestes países “emergentes”, empresas brasileiras do setor têxtil e couro-

calçadista, como o Grupo Empresarial Dass Clássico, começam a montar unidades

administrativas na China para subcontratar força de trabalho para a produção de calçados e

confecções, haja vista as vantagens competitivas que existem nesse país, somando-se ao fato

de ser a China o maior exportador de pares de calçados para o Brasil (85% dos calçados

importados pelo Brasil em 2008 vieram deste país), conforme se pode visualizar na Tabela 5.

Tabela 5

Importação brasileira de calçados – 2008.

País US$ % Número de pares %

China 218.715.996 71.1 33.572.118 85,4

Vietnã 47.098.722 15.5 3.213.898 8,2

Indonésia 15.459.810 5.0 1.026.922 2,6

Itália 8.566.597 2.8 74.678 0,2

Tailândia 3.919.715 1.3 223.638 0,6

Argentina 3.049.593 1.0 191.780 0,5

Taiwan 2.611.360 0.8 261.646 0,7

Espanha 1.107.236 0.4 47.279 0,1

Hong Kong 730.827 0.2 171.574 0,4

Reino Unido 725.932 0.2 31.331 0,1 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009.

53

Outras empresas, entre elas as do segmento têxtil, a exemplo da experiência

internacional, desativaram unidades produtivas no Brasil e também em outros países, e

passaram a subcontratar parte da produção em países asiáticos, sobretudo na China. Os

segmentos têxteis e calçadistas têm destaque significativo entre os produtos mais consumidos

no mercado de países emergentes e nos países considerados de economia capitalista

desenvolvida.

Nos últimos anos (1990 a 2010), os países denominados “emergentes” vêm

alcançando índices de crescimento econômico que favorecem a expansão do consumo interno,

a exemplo da China, Índia e Brasil9. Com uma política econômica que visa atrair investidores

externos, esses países assumem a liderança no processo de expansão industrial em alguns

segmentos, sobretudo o têxtil e calçadista. Conforme se pode observar na tabela 6, esses

países ganham destaque entre as maiores economias do mundo, com uma dinâmica muito

forte de importação e exportação de calçados.

Tabela 6

Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados - 2006

Países PIB (US$

Trilhões)

Exportação

(US$ Milhões)

Importação

(%)

Importação (US$

Milhões)

Importação

(%)

EUA 14,7 822,6 1,1 20.091,4 26,1

China 5,9 27.784,7 39,3 5.862 7,6

Japão 5,5 X X 3.771,1 4,9

Alemanha 3,3 2.823,9 3,9 5.888,9 7,6

França 2,6 1.572,7 2,2 4.876,8 6,3

Reino Unido 2,2 942,5 1,3 5.025,1 6,5

Brasil 2,1 1.966,5 2,7 149 0,1

Itália 2,1 9.407,9 13,3 4.939,7 6,4

Canadá 1,6 X X 1.520,2 1,9

Índia 1,5 1.215,3 1,7 140 0,1

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 e 2011; FIESP, 2007

NOTA: X dado não encontrado

Para além dos fatores de custo de remuneração de força de trabalho, baixa escolaridade

da população, disponibilidade de população numerosa e um potencial de demanda interna

para os calçados, existem também fatores institucionais que tornam determinados países ou

regiões do mundo suscetíveis à instalação das fábricas de calçados.

Entre os fatores históricos que fizeram algumas regiões se tornarem o destino para a

9 Nos últimos anos, o Brasil vem obtendo números crescentes e significativos nos índices de consumo interno

devido, entre outras coisas, ao surgimento do que alguns especialistas chamam de “nova classe média”. Ao

mesmo tempo em que contribui para o crescimento do consumo interno, a “nova classe média” brasileira

também contrai significativos índices de endividamento de seus rendimentos, o que pode comprometer

futuramente a continuidade do ciclo do consumo e a sustentação dos índices de crescimento.

54

migração de inúmeras atividades industriais, inclusive a produção de calçados, pode-se

destacar algumas em particular. A intensificação da concorrência entre empresas e os salários

cada vez mais altos, que o capital empresarial de alguns países desenvolvidos tinha que pagar

à força de trabalho (da metade para o final da década de 1960), não formam um fenômeno

isolado em determinadas localidades. O conjunto da economia mundial passou por mudanças

importantes, principalmente a partir da década de 1960, conforme explica Arrighi (1997):

[...] entre 1968 e 1973 – isto é, antes do primeiro “choque do petróleo” do final de

1973 – essa intensificação geral das pressões competitivas e dos custos crescentes de

mão-de-obra em localidades do núcleo orgânico se combinou a uma súbita

aceleração da expansão transnacional de empresas capitalistas do núcleo orgânico

(ARRIGHI, 1997, p. 77).

Desse modo, com o acirramento da concorrência intercapitalista e do crescimento do

valor pago pela remuneração da força de trabalho, nos países do núcleo orgânico do

capitalismo, o fluxo anual de investimentos estrangeiros diretos, saído de muitos países

desenvolvidos, que haviam aumentado em menos de 50% entre 1963 e 1968, mais do que

dobrou entre 1968 e 1973 (ARRIGHI, 1997); investir na produção em países periféricos ao

núcleo orgânico do capitalismo tornou-se a alternativa para manter os índices de

lucratividades. Conforme Arrighi:

Muita, se não a maior parte, dessa aceleração, remonta a uma tentativa generalizada,

por parte de empresas capitalistas do núcleo orgânico, de escapar, através de uma

diversificação espacial de sua atividade, da diminuição das margens de lucro que

resultou da competição cada vez mais intensa e dos salários cada vez mais altos nas

localidades do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 77 - 78).

Concomitante a esse processo de expansão da atividade industrial em diversos países,

ocorre também a inserção do setor industrial calçadista brasileiro na concorrência

internacional, principalmente a partir da década de 1960 com uma significativa mudança em

sua trajetória de crescimento. Conforme Costa (2002),

A abertura do setor ao mercado externo em fins da década de 1960 introduz uma

inflexão em sua trajetória de crescimento. A manufatura do calçado do Vale dos

Sinos sofre um impacto de modernização. Aumenta a parte mecânica se seu

processo de fabricação, a qualidade do produto recebe maior atenção, assim como

passam a ser observados prazos de entrega e outros atributos de eficiência (COSTA,

2002, p. 56).

Dessa forma, a indústria brasileira de calçados, para criar vantagens competitivas a

ponto de concorrer internacionalmente com os países que se destacam na produção e

55

comercialização de calçados, tem um ambiente propício para a relocalização ou instalação de

fábricas calçadistas. Concorreram diretamente para a configuração deste “ambiente propício”:

a abertura econômica, concorrência internacional, reestruturação produtiva, disponibilidade de

mão de obra com baixa remuneração (sobretudo no Nordeste brasileiro), mercado consumidor

e os instrumentos de flexibilização tributária que deram origem à chamada “guerra fiscal”.

2.2. BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE CALÇADOS À

RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS

Durante as últimas três décadas (de 1980 a 2010), o Brasil vem se destacando no

cenário internacional da produção, exportação e importação de calçados. Figurando entre os

principais países emergentes no cenário econômico mundial, o Brasil vem se consolidando

como a sexta mais importante economia capitalista do mundo, no ano de 2011. Nesse

processo de crescimento econômico, a produção calçadista brasileira foi reestruturada para

concorrer com a produção de calçados da China, Índia, Indonésia e Vietnã.

O processo de desenvolvimento da produção de calçados, no Brasil teve início em 1824,

com a chegada de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Instalados no Vale do Rio dos

Sinos, mais especificamente no município de São Leopoldo, os imigrantes alemães

trabalhavam na agricultura e na pecuária. Entre esses imigrantes já havia aqueles que

possuíam habilidades na produção artesanal, sobretudo artigos de couro, o que facilitou a sua

inserção na produção direta de calçados de couro (ABICALÇADOS, 2009; COSTA, 2002).

Após o ano de 1870, a produção de calçados, no Rio Grande do Sul, começou a

crescer e ganhar importância com a expansão também da atividade agropecuária e da

produção de charque, conforme relatório estatístico da Associação Brasileira das Indústrias de

Calçados:

A produção que inicialmente era caseira e caracterizada pela confecção de arreios

de montaria, ganhou mais força com a Guerra do Paraguai, que ocorreu nos anos

1864 – 1870. Após o episódio, surgiu a necessidade de ampliar o mercado

comprador. Assim, surgiram alguns curtumes e a fabricação de algumas máquinas,

que tornavam a produção mais industrializada (ABICALÇADOS, 2009, p. 3).

No Brasil, a primeira fábrica de calçados com características de indústria, com a

utilização de máquinas, surgiu em 1888, no Vale do Rio dos Sinos. Chefiada por descendentes

56

de alemães, as primeiras unidades fabris criaram um “Arranjo Produtivo Local” (APL) que

ligava a criação de gado em fazendas, de onde se retirava o couro, às demandas de matéria-

prima para a fabricação de calçados. Assim, muitos descendentes de alemães que possuíam

fábrica de calçados e que também eram donos de curtumes, ocupavam-se com a criação de

animais, utilizando couro como matéria-prima para a confecção dos calçados. Nota-se que,

subjacente a esta ligação entre produção de calçados e a pecuária, existia uma “prática

espacial” que visava sustentar a produção de calçados; a necessidade de expansão da pecuária

por parte dos produtores de calçados, visando obter matéria-prima (couro), é evidente.

O estado gaúcho fomentava a demanda por calçados, fazendo com que a produção se

expandisse a cada ano, formando, ao longo do tempo, um dos maiores clusters calçadista do

mundo, associado a uma grande cadeia de APLs distribuídas por toda a região do Vale do Rio

dos Sinos. Os principais municípios gaúchos tradicionalmente ligados à produção de calçados,

especializados em calçados femininos, são: Novo Hamburgo, São Leopoldo, Estância Velha,

Campo Bom, Sarapiranga, Taquara, Três Coroas, Rolante e Igrejinha.

Necessitando ampliar a comercialização de calçados para também ampliar os lucros das

empresas do ramo calçadista, sobretudo com a intenção de exportar calçados, iniciaram-se, na

década de 1960, às primeiras exportações de calçados brasileiros. Precisamente em 1968

ocorreu a primeira exportação de calçados brasileiros em larga escala para os EUA. Não

obstante, atualmente, os EUA continuam sendo o principal destino das exportações brasileiras

de calçados, com 25,7% do valor da exportação (ABICALÇADOS, 2010).

O ano de 1968 não só é importante para o início das exportações brasileiras de calçados,

mas também simboliza um período de mudanças substanciais na produção industrial em

diversos setores produtivos em todo o mundo. É sintomático que estudiosos como David

Harvey e Lipietz classifiquem o final da década de 1960 e o início da década de 1970 como o

período em que o modelo de acumulação fordista começou a apresentar os primeiros sinais de

crise, e algumas atividades produtivas começaram a crescer em países considerados ou

classificados como “subdesenvolvidos”, com a ativação da chamada política de substituição

de importações. A partir desse período, passou a haver um deslocamento de grande parte da

produção de calçados dos países economicamente mais poderosos em direção a regiões

periféricas que apresentavam condições mais favoráveis de competitividade. Soma-se a isso a

ideia que o final dos anos de 1960 constitui-se na “[...] fase derradeira dos chamados ‘anos

dourados’, período de acelerado crescimento econômico que se iniciou ao término da Segunda

Guerra Mundial” (COSTA, 2002, p. 58).

Segundo Harvey (1992), o modelo de acumulação fordista em seu núcleo essencial

57

manteve-se forte até pelo menos o ano de 1973, baseado numa produção e consumo em

massa. Segundo esse autor, os padrões de vida da população trabalhadora dos países

capitalistas centrais mantiveram relativa estabilidade, e os lucros monopolistas também eram

estáveis. Porém, depois da aguda recessão instalada a partir de 1973, teve início um processo

de transformação no interior do processo de acumulação de capital e expansão da atividade

industrial.

Países com grande contingente de população formam um mercado consumidor potencial

para os calçados e confecções produzidos pelas empresas que decidiram pela relocalização de

fábricas ou pela expansão da produção com a instalação de novas unidades de produção.

Como exemplos, pode-se citar o Brasil, a Índia e a China, países que atualmente figuram entre

as dez maiores economias do mundo, sendo classificados como países emergentes, com um

grande potencial de consumo interno.

Na década de 1960, a produção média brasileira de calçados por ano somava 80 milhões

de pares, no final da década de 1980, a produção de pares de calçados ultrapassava os 140

milhões. Com o transcorrer dos anos, novos mercados no exterior começaram a surgir e as

exportações aumentaram significativamente, aumentando também o faturamento das

empresas e favorecendo a expansão das unidades produtivas. Nesse período, começou a

ganhar forma a organização produtiva das empresas calçadistas em redes transnacionais,

articulando os fluxos de mercadoria e capital que estimularam a modificação de alguns

aspectos competitivos do setor calçadista brasileiro. Segundo Costa (2002),

Esse é um período marcado por um acúmulo de pedidos dos importadores de

calçados, gerando um intenso crescimento externo do setor com incorporação de

recursos e mão-de-obra, bem como a ampliação da escala das firmas. Esse caminho

foi facilitado pelas encomendas dos importadores de alto volume de calçados –

pedidos de 100 a 150 mil pares – padronizados e de preços baixos (menos do que

cinco dólares o par) permitindo uma maior mecanização da produção e a difusão de

técnicas tayloristas-fordistas de organizar o processo de trabalho (COSTA, 2002, p.

56).

As empresas brasileiras de calçados começavam a fazer os contatos com as empresas

internacionais compradoras de calçados (em sua maioria compradores norteamericanos) e

começaram também a trabalhar diretamente com os responsáveis pela criação das “linhas” de

calçados, haja vista serem as empresas brasileiras, naquela época, pouco desenvolvidas em

termos de criação de design. Até o início dos anos 2000, o setor de design das empresas

fabricantes de calçados no Brasil era considerado pouco competitivo se comparado com

países como França e Itália, países estes que têm uma tradição na produção de calçados de

alta qualidade e o desenvolvimento frequente de novos materiais para a produção.

58

No Brasil, houve um crescimento da produção e exportação de calçados de baixo custo

gradativamente a partir do final da década de 1970. Essa tendência de crescimento da

produção e de exportação de calçados foi acompanhada também pelo crescimento da

produção na China e na Índia. Conforme se pode visualizar no Gráfico 2, em uma linha

ascendente, as exportações atingiram um significativo saldo entre as décadas de 1980 e 1990

(ABICALÇADOS, 2009).

Gráfico 2 - Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por ano -

1970/1990

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em MDIC/ SECEX in ABICALÇADOS, 2009.

Desde a década de 1970 até a presente data, o Brasil se consolidou como o maior

produtor de calçados da América Latina. Apesar de ter surgido na região Sul do Brasil, onde

concentra a maior parcela de fábricas e pessoas empregadas na atividade de produção de

calçados, nos últimos anos, a produção brasileira de calçados está sendo deslocada para outras

regiões do país que, tradicionalmente, não eram ocupados com a confecção de tal produto.

Na Bahia, em particular, a atividade industrial calçadista foi ampliada

consideravelmente com a instalação de fábricas de calçados de grande porte, ou seja, unidades

fabris com mais de 1000 trabalhadores. No geral, as grandes fábricas são responsáveis por

58% da produção brasileira de calçados. Considerando a produção brasileira de calçados de

modo geral, pode-se constatar que conjuntamente a região Sul e a região Nordeste, são

responsáveis por 78% da produção nacional, sendo o Nordeste responsável por 44% e o Sul

Milhões de pares

Ano

59

por 34% da produção calçadista. Pelo volume de produção geral, a região Nordeste foi a que

mais cresceu em percentual produtivo. O Sudeste aparece com 21% da produção total de

calçados (ABICALÇADOS, 2009).

2.3. A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA

COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM DESTAQUE

No contexto de expansão do modelo de acumulação fordista para os países periféricos e

semi-periféricos, os Estados se inserem no mundo produtivo frequentemente para estimular e

garantir a necessária fluidez e lucratividade do grande capital representado pelas grandes

empresas. Não é que o Estado se ausente ou se torne menor, ele apenas se omite quanto aos

interesses dos cidadãos e se torna mais forte, mais ágil, mais presente, a serviço da economia

dominante (SANTOS, M., 2001). Em nome da ordem econômica, implantam-se

infraestruturas que barateiam o valor final do produto e organizam o fluxo de capital na escala

planetária. Nessa relação, as corporações acumulam o capital e o Estado, liderado pelos

Governos (federal, estadual e municipal), banca com recursos públicos o papel estruturante,

formando uma alavanca que distribui a indústria e elimina a velha divisão do mundo em

países industriais e países agrários.

Para Santos, M., (2001), as empresas são os grandes agentes que têm como objetivo a

produção e a reprodução do capital em grande escala, ao qual o Estado está subordinado,

provocando mudanças no espaço. A postura tomada por muitos Governos de países centrais e

periféricos da economia capitalista em estimular a produção e maior eficiência competitiva de

grandes empresas no mercado global é uma marca recorrente, sobretudo atualmente, com as

transformações nos meios de transporte e das telecomunicações, que favorecem a localização

geográfica das unidades de gerenciamento e administrativas em áreas específicas do mundo,

enquanto as unidades produtivas estão localizadas onde os fatores que levam a uma maior

competitividade são mais favoráveis.

A competitividade acirrada entre as nações e regiões estimulou a criação de

mecanismos fiscais e creditícios cujo objetivo é estimular a produção industrial, sobretudo a

produção industrial que demanda uma grande quantidade de força de trabalho. Porém,

segundo Porter (1999), a competitividade entre as nações se dá através de um conjunto muito

grande de variáveis. Esse autor defende a ideia que as determinações das vantagens nacionais

60

podem ser divididas, de modo geral, em: estratégia, estrutura e rivalidade das empresas;

condições de fatores; condições de demanda; indústrias correlatas e de apoio. Para ele, as

condições de fatores para a competitividade podem ser discriminadas da seguinte forma:

1. Condições de fatores. A posição dos países nos fatores de produção, como

trabalho especializado ou infra-estrutura, necessária à competição em determinadas

indústria.

2. Condições de demanda. A natureza da demanda interna para os produtos ou

serviços da indústria.

3. Indústrias correlatas e de apoio. A presença ou ausência, no país, de indústrias

abastecedoras e indústrias correlatas que sejam internacionalmente competitivas.

4. Estratégia, estrutura e rivalidade das empresas. As condições que, no país,

governam a maneira pela qual as empresas são criadas, organizadas e dirigidas, mais

a natureza da rivalidade (PORTER, 1999, p. 87).

De modo geral, existem elementos que favorecem ou não a ação das empresas e sua

localização de acordo com os elementos de competitividade disponíveis no mercado. Tais

elementos da competitividade encontram variações de acordo com as características do país,

região, estado e setor da produção industrial. Segundo Porter (1999), a indústria italiana de

calçados de couro, que tem uma qualidade em termos de acabamento e desenhos mais

sofisticados e de alto custo, tem um poder de competitividade internacional muito grande,

pois contribuiu com o surgimento e aprimoramento das indústrias fornecedoras. Segundo

Porter (1999):

Particularmente valiosa num país é a presença de grandes segmentos que exigem

formas mais sofisticadas de vantagens competitivas. Sua presença proporciona um

caminho visível para as firmas locais aperfeiçoarem sua vantagem competitiva com

o tempo e as posições nesses segmentos são mais sustentáveis (PORTER, 1999, p.

106)

Existe, na Itália10

, um conjunto de empresas que desenvolvem novas tecnologias de

materiais e insumos para atender a demanda da indústria de calçados. Conforme se pode

visualizar no organograma contido na Figura 1, várias empresas contribuem para formar os

Arranjos Produtivos Locais (APLs) da indústria de calçados. Na indústria de sapatos de couro,

por exemplo, os produtores se comunicam regularmente com os fabricantes de couro sobre

novos estilos e técnicas de manufatura. Segundo Porter (1999):

Os fabricantes de calçados informam-se sobre novos materiais e cores de couro na

prancheta de desenho. Os fabricantes de couro, por sua vez, têm conhecimento

10 A Itália é um tradicional produtor de calçados em escala mundial. Utilizando materiais primas “top de linha”,

a indústria de calçados italiana segue promovendo o desenvolvimento de novos materiais e tecnologia para a

confecção desse produto.

61

prévio das tendências da moda, o que os ajuda a planejar novos produtos (PORTER,

1999, p. 122)

Porte (1999) atribui à existência de indústrias de abastecimento ou indústrias correlatas

a terceira posição na ordem de fatores que favorecem a competitividade internacional.

Figura 1 – Indústrias italianas de êxito internacional ligadas à indústria de calçados.

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em PORTER, 1999.

As vantagens competitivas de algumas indústrias fornecedoras podem conferir

vantagens potenciais às indústrias de calçados de um país, pois produzem insumos

amplamente utilizados e importantes para qualidade do produto. Um dos principais fatores de

fortalecimento de vantagens competitivas é o acesso eficiente, precoce, rápido e, por vezes,

preferencial à maioria dos insumos economicamente rentáveis.

No entanto, no Nordeste brasileiro, onde se encontram instaladas diversas fábricas de

calçados, não existia uma tradição na fabricação de calçados; a infraestrutura geralmente é

precária, como praticamente também não existiam indústrias de apoio ou correlatas que

pudessem fornecer matérias primas ou produtos acessórios para a fabricação de calçados. Isso

62

ocorre, pois as empresas escolhem verticalizar a produção, incorporando outros locais à rede

produtiva.

Para Costa (2002), a competitividade da indústria de calçados no Brasil não se dá

apenas pela formação de APL (Arranjos Produtivos Locais) ou pela formação de distritos

industriais, como ocorre no Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul. O padrão de competição da

indústria de calçados está centrado no valor de remuneração da força de trabalho e na

existência de incentivos fiscais e financeiros a esta atividade, elementos importantes para

explicar a localização de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste, principalmente

na Bahia e no Ceará.

Nessa dinâmica por uma localização onde a força de trabalho seja abundante e barata,

bem como os incentivos fiscais e creditícios se constituem como política de Estado, as

grandes corporações não só disputam diferentes fatias de mercado, mas também contribuem

para dinamizar, embora em níveis baixos, as economias locais, podendo até transformar a

vida das pessoas e das instituições. Refletindo a respeito das modificações provocadas pelas

grandes empresas sobre as localidades onde as mesmas atuam, Milton Santos (2001) afirma

que:

É assim que também se alteram as relações sociais dentro de cada comunidade.

Muda a estrutura do emprego, assim como as outras relações econômicas, sociais,

culturais e morais dentro de cada lugar, afetando igualmente o orçamento público,

tanto da rubrica da receita como no capítulo da despesa. Um pequeno número de

empresas que se instala acarreta para a sociedade como um todo um pesado processo

de desequilíbrio (SANTOS, 2001, p. 68).

Atrelado a esta capacidade dos empreendimentos em dinamizar a economia local,

tornou-se recorrente, durante a década de 1990, o discurso do “desenvolvimento local”.

Tomando como base uma concepção puramente econômica de desenvolvimento, muitos

municípios, no Brasil, empreenderam uma verdadeira política de atração de empresas.

Argumentando criticamente a respeito da “guerra” travada entre lugares que disputam a

instalação de empreendimentos econômicos produtivos como forma de favorecer o

“desenvolvimento local”, Brandão (2009) afirma que:

Essa luta dos lugares para realizar a melhor “venda da região ou da cidade”, com a

busca desenfreada de atratividades a novos investimentos, melhorando o “clima

local dos negócios”, subsidiando os custos tributários, logísticos, fundiários e

salariais dos empreendimentos, tem conduzido a um preocupante comprometimento,

a longo prazo, das finanças locais e embotado o debate das verdadeiras questões

estruturais do desenvolvimento (BRANDÃO, 2009, p. 39).

63

Neste contexto, no Brasil durante a década de 1990, seguindo as orientações das ideias

neoliberais, inicia-se uma maior abertura ao mercado externo e à competitividade

internacional entre empresas e entre países, uma significativa reestruturação produtiva, um

movimento de caráter estrutural que emergiu como consequência da maior concorrência

internacional, visando reduzir custos de produção e aumentar a competitividade dos produtos,

que vai estimular a desconcentração da indústria calçadista do Rio Grande do Sul e de São

Paulo em direção ao Nordeste (NAVARRO, 2006). Estados como a Bahia e o Ceará, que em

anos anteriores à década de 1990 tinham uma tímida participação na produção de calçados,

passaram a figurar com percentuais significativos de absorção de força de trabalho neste

segmento, conforme se pode constatar no Mapa 2.

Mapa 2: Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por estado - 2007

Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009

64

Os grandes pólos produtores de calçados no Brasil (Vale dos Sinos - RS e Franca - SP)

tiveram que reorganizar e dinamizar sua produção, diversificando os modelos de calçados,

para conseguir competir principalmente com a China, a Índia, Vietnã e Indonésia, onde os

custos de produção são muito baixos, devido, sobretudo, aos baixos salários pagos e a

ausência de leis trabalhista que sejam orientadas pela Organização Internacional do Trabalho

(OIT). Quanto ao processo de reestruturação e suas consequências no setor calçadista,

destaca-se que:

Nesta década [1990], mudaram as condições de produção e concorrência na cadeia

produtiva de calçados. O aumento da concorrência externa, sobretudo, no mercado

interno, que adotou os padrões internacionais, fez com que as empresas buscassem a

redução de custos de produção e o aumento de participação no mercado externo

(SANTOS, A., et al., 2002, p. 65, acréscimo nosso).

Em sintonia com a necessidade de as empresas aumentarem seu grau de

competitividade, os Governos de alguns estados do Nordeste brasileiro adotaram mecanismos

fiscais e creditícios para atrair fábricas de calçados para a região. Esse tipo de estratégia

ganhou fôlego durante a década de 1990 e se transformou em “política de Estado” devido às

mudanças na legislação tributária e político-administrativas previstas e não previstas na

Constituição Federal de 1988. Segundo Dulci (2002):

É inegável o sentido democrático da descentralização estabelecido na carta de 1988;

porém, ela estimulou uma espécie de anomia no que diz respeito ao quadro tributário

no âmbito da federação, ao atribuir a cada estado o poder de fixar autonomamente as

alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - imposto

que constitui a base da receita estadual (DULCI, 2002, p. 96).

Com isso a região Nordeste, na década de 1990, começa a se projetar nacionalmente

como uma região de destaque neste ramo produtivo. As fábricas de empresas de calçados

foram sendo instaladas em um grande número de municípios, participando diretamente do

crescimento da produção nacional. No Nordeste brasileiro, em 2007, apenas os estados do

Ceará, Bahia, Paraíba e Sergipe possuíam fábricas de calçados. No Ceará, existiam 236

unidades produtivas que geravam 52.746 postos de trabalho diretos; na Bahia, existiam 106

unidades que geravam 28.134 postos de trabalho; na Paraíba, existiam 111 unidades com

geração de 12.070 postos de trabalho e, em Sergipe, 15 unidades que geravam 3.000

(ABICALÇADOS, 2009). De modo geral, as empresas de médio e grande porte que são

originárias do Rio Grande do Sul e de São Paulo mantêm poucas fábricas no local de origem.

Por outro lado, as sedes administrativas dessas empresas permanecem nestes estados,

erigindo, assim, uma divisão territorial do trabalho em escala nacional.

65

Mapa 3: Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado - 2009

Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009

Com a atração de diversas unidades fabris de calçados, via programas de incentivos

fiscais e creditícios aplicados pelo Governo do estado, a Bahia é um dos grandes destaques da

produção nacional de calçados. No primeiro semestre de 2011, a Bahia já abrigava 48 fábricas

ligadas diretamente à produção de calçados. Até então, outras 13 unidades fabris estavam em

processo de licitação para ampliação ou solicitação de áreas. O reflexo da expansão da

produção de calçados na Bahia é evidente:

Antes, a Bahia ocupava o oitavo lugar entre os exportadores do setor calçadista do

País, atrás de Rio Grande do Sul (líder com vendas externas superiores a US$ 1

bilhão ao ano), São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.

Hoje, o Estado já superou os três últimos e ocupa o quinto lugar no ranking

(BAHIA, 2011, p. 7).

Diversos municípios no interior do estado da Bahia receberam as instalações de fábricas de

66

calçados, conforme se pode constatar no Mapa 4; em sua maioria, fábricas de grande porte

que produzem calçados esportivos de baixo custo. Os empregos gerados alcançam um número

de 33,5 mil em todo o estado, segundo a Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do

Estado da Bahia (SICM).

Mapa 4 – Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010).

67

Os reflexos econômicos sobre o espaço geográfico no interior do estado são marcantes,

sobretudo porque os incentivos oferecidos pela política de atração de novos investimentos são

tanto maiores quanto maior a interiorização dos empreendimentos. Há a isenção de 99% do

Imposto sobre Circulação e Mercadorias e Serviços (ICMS) para empresas que se dirigem

para áreas fora da capital e da Região Metropolitana de Salvador (RMS), onde o desconto é de

75%.

Para além da atração de unidades fabris, o estado da Bahia tem acompanhado o

crescimento do número de fábricas que fornecem acessórios e componentes para a produção

de calçados. O número de postos de trabalho se multiplica, pois, além de a indústria calçadista

ter um grande potencial de absorção de força de trabalho, demanda também um conjunto de

outras indústrias para fornecer os acessórios e componentes necessários para a fabricação dos

calçados, principalmente se a produção for majoritariamente de calçados esportivos, pois estes

demandam um grande número de componentes e acessórios sintéticos.

As transformações importantes por que passou a cadeia global de produção de calçados,

com impactos substanciais sobre a dinâmica de competição por maiores mercados e menor

custo dos produtos finais, liderados principalmente por países asiáticos, fez o cenário

brasileiro, neste segmento industrial, se reorganizar ou se reestruturar nos últimos 30 anos. De

acordo com Garcia:

Um dos elementos desse movimento de reestruturação foram as estratégias de

desverticalização produtiva, pois diversas empresas passaram a focalizar as suas

atividades principais. Foram intensificadas as práticas de subcontratação produtiva,

muitas vezes com utilização de formas de evasão de impostos e encargos sociais

com o intuito de rebaixamento de custos (GARCIA, 2010, p. 99).

As modificações na distribuição geográfica das unidades produtivas de calçados no

Brasil, além de estarem intrinsecamente associadas à reestruturação produtiva, pela qual passa

diversos setores da atividade industrial em geral, estão relacionadas também a um conjunto de

fatores, tais como: incentivos ao investimento, benefícios fiscais relacionados com a

devolução de parte dos impostos indiretos pelos Governos estaduais e custos mais baixos com

a remuneração da força de trabalho11

(GARCIA, 2010).

No caso da tributação indireta, a exemplo do ICMS, muitos governos de estados

nordestinos, a exemplo da Bahia, reduzem as alíquotas para as empresas que se enquadram

nos projetos de atração de investimentos. Com relação à redução do Imposto de Renda (IR), a

11 Havia outra razão que motivava empresas a instalarem unidades fabris na região Nordeste, que era a prática de

formas de evasão de encargos sociais por meio da criação de “cooperativas” de trabalho, em que os

trabalhadores não obtinham algumas garantias trabalhistas. A remuneração dos mesmos se dava por peça

fabricada, o que dava à empresa maior flexibilidade e redução de custos. Diversas ações do Ministério Público

reduziram bastante a adoção dessas práticas (GARCIA, 2010).

68

Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) também tem um papel de

destaque na atração de grandes empresas calçadistas para a região.

2.4. A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS INDUSTRIAIS NA

BAHIA

Muitos estados brasileiros (a exemplo da Bahia e do Ceará) iniciaram o século XXI

influenciados fortemente por uma política de crescimento econômico calcada no fiscalismo12

como meio de promover a atração de novos empreendimentos cujo objetivo mais apregoado

era gerar emprego e renda. Para muitos governos estaduais e municipais que empreendem tais

ações, o mercado é interpretado como o grande agente norteador e estruturador das bases

produtivas.

Esse processo culmina com a prática da política fiscalista, sobretudo os programas de

isenções e incentivos fiscais, sendo gestado desde o final do século XX, quando o pensamento

neoliberal começou a ditar as metas para a efetivação e distribuição geográfica dos

empreendimentos econômicos e a formulação da reestruturação produtiva como mecanismo

para que os espaços ditos “subdesenvolvidos” alcançassem as tão sonhadas vantagens

competitivas e a falsa ideia de “desenvolvimento”.

As ideias colocadas em prática pelos sucessivos governos da Bahia, desde 1990, quando

da consolidação de seus programas de atração de empreendimentos industriais por meio de

incentivos e isenções fiscais, apontaram para um Estado cada vez mais atuante no que se

refere à efetivação dos interesses do mercado. É a deificação do mercado como motor da

diversificação e alicerce da ideia de “desenvolvimento” veiculado pelos órgãos que compõem

o aparelho estatal. Os programas de atração de empresas para a Bahia têm entre seus objetivos

a interiorização de vários segmentos produtivos, acompanhados por um “jogo” de relações

político-eleitorais, cuja meta é viabilizar e consolidar as bases eleitorais de políticos

vinculados aos governantes estaduais e municipais até então em vigência (SANTOS, L.,

2008).

O aumento do número de firmas atraídas pelos programas de industrialização do estado

da Bahia, que vem ocorrendo nos últimos 20 anos, em grande parte, está vinculado ao

12 Ação de governo para a atração de investimentos industriais pautada na isenção e nos incentivos fiscais.

69

contexto da “guerra fiscal”. Desde o início dos anos 1990, a Bahia vem ganhando destaque na

atração e instalação de novos empreendimentos produtivos, sobretudo de fábricas de calçados

esportivos. Em sucessivos governos, o Estado foi munido de prerrogativas que favorecem a

criação de programas de atração de segmentos empresariais variados. De acordo com Andrade

(2011):

Essa política de atração de investimentos industriais adotada pelo Governo do estado

da Bahia, com o objetivo de incentivar a vinda de empresas dos mais variados

segmentos, vem ao longo dos anos contribuindo de forma positiva para o

desenvolvimento econômico e social do estado, com a diversificação do parque e a

mudança, mesmo que gradativa, do perfil da sua matriz, com a instalação de

empreendimentos dos mais variados segmentos (ANDRADE, 2011, p. 56).

Essa decisão de atrair empresas ou investimentos por meio de incentivos fiscais e

creditícios, sobretudo com a diminuição do ICMS, coloca a Bahia no rol dos estados

brasileiros que mais disputam investimentos produtivos por meio da concorrência na “guerra

fiscal”. Essa concorrência entre estados, na disputa pela atração de empresas de diversos

segmentos produtivos, é consequência da dificuldade de o governo federal equilibrar

interesses regionais em face da histórica concentração econômico-industrial, no eixo Rio/São

Paulo. Porém, a concentração não se revela apenas no âmbito nacional (SANTOS, 2008). Na

Bahia, a despeito de muitos Governos colocarem como meta e objetivo do planejamento

estatal a tentativa de modificar esse quadro, há uma grande concentração de investimentos

produtivos industriais na RMS que evidencia um significativo hiato entre essa região e outras

regiões do estado.

Um dos pontos mais discutidos entre os objetivos e metas dos programas do Governo da

Bahia, nos últimos 30 anos, no tocante à industrialização é, sem dúvida, a intenção de

promover a interiorização de atividades industriais como mecanismo de levar o crescimento

econômico às áreas onde esse tipo de atividades praticamente não existe. O segmento

industrial calçadista, com o grande potencial que tem de geração de empregos, ganha destaque

por ter instalado um significativo número de unidades fabris em áreas afastadas da RMS. Esse

setor industrial cria inúmeros empregos diretos e emprego “fator renda” em cidades

interioranas, promovendo, assim, mudanças importantes na economia local.

A princípio, as tentativas dos Governos estaduais baianos de promover a

desconcentração dos empreendimentos industriais da RMS anteveem uma preocupação com

relação à distribuição geográfica das firmas que trariam repercussões sobre a melhoria dos

indicadores sociais da população local onde estão instaladas.

Apesar das ponderações com relação aos programas de atração de empresas, criados

70

pelo Governo baiano, e da mudança no comando do Governo estadual, no ano de 2006, a

industrialização, calcada na atração de novos investimentos por meio de concessão de

incentivos fiscais e creditícios, não foi alterada, devido, sobretudo, à vigência de leis

tributárias que mantêm as disputas entre os estados da federação brasileira. A obsessão pela

competitividade, uma consequência do medo de ficar fora da corrida em busca do aumento

das taxas de crescimento econômico, obriga muitos Governos estaduais a aceitarem o jogo da

“guerra fiscal” e se inserirem em planos transnacionais condizentes com as demandas do

mercado mundial e a legitimação da divisão internacional do trabalho. Nessa linha de

pensamento e considerando a insustentabilidade socioeconômica de tal concorrência por

investimentos industriais, Brandão (2004) propõe, como um dos meios de organizar e

coordenar o “sistema socioeconômico e decisório regional”, a “Repactuação Federativa

Cooperativa, assumindo que somos um Estado Federativo e não Unitário”. Caso essa nova

repactuação não seja viabilizada, os governos estaduais não poderão fugir das premissas até

então seguidas por muitos de seus predecessores.

A vitória eleitoral obtida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) na Bahia, consolidada na

esfera federal na Presidência da República, e a derrota do Partido da Frente Liberal (PFL) 13

,

não levaram ao esboço de grandes rupturas nos rumos da política industrial baiana. A

efetivação dos programas industriais do novo Governo indica a permanência dos mecanismos

de atração de investimentos, calcados nas mesmas premissas até então criticadas pelos arautos

do PT, que assumiu o mando no Governo estadual em 2006. As previsões para os próximos

anos apontam a continuidade dos programas que promovam o investimento industrial,

conforme destaca Andrade (2011): “Os investimentos industriais para o estado da Bahia

devem chegar a R$ 33,3 bilhões; espera-se que sejam implantadas e/ou ampliadas 664

empresas de diversos setores, que deverão gerar cerca de 113.093 mil empregos diretos até

2013” (ANDRADE, 2011, p. 56).

Segundo estudos feitos por Pessoti e Sampaio (2009), a economia da Bahia nos últimos

17 anos tem revelado o caráter industrialista com medidas fomentadas pelo governo estadual

no sentido de promover transformações nas bases estruturais produtivas. Os caminhos

adotados pelo governo do estado não são novos, trata-se da já bastante utilizada política de

isenções ficais, “[...] usada desde os tempos remotos como mecanismos de atração de agentes

econômicos e dinamizadores da economia” (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 36). Nessa

13 Partido que comandou o governo baiano durante vários anos e que foi a organização partidária responsável

por colocar em prática programas de atração de investimentos produtivos alicerçados numa política fiscalista

agressiva. O PFL trocou de nome e atualmente é denomina DEM (Partido Democratas).

71

perspectiva, o crescimento do número de fábricas calçadistas na Bahia é uma evidência deste

processo, conforme consta em documentos oficiais.

A fase de expansão da economia baiana se consolidou, em 2010, com o investimento do

Governo de cerca R$ 42 milhões. Em 2009, graças também ao apoio estadual, o setor

fechou a balança com mais de 35 milhões de pares de calçados produzidos na Bahia, num

valor global de R$ 850 milhões (BAHIA, 2011, p. 7).

As medidas adotadas pelos governos estaduais (de 1990 a 2012) ao elaborar programas

de investimento com base em incentivos fiscais para atração de novos investimentos

empresariais se enquadram na falta de um projeto nacional e integrado de desenvolvimento, o

que estimula a concorrência desenfreada de estados e Governos na atração de atividades que

possam gerar emprego e renda. Há muito abandonados pelo Governo federal, os programas de

desenvolvimento que incluem todo o espaço nacional são considerados arcaicos e anacrônicos

pelos defensores das ideias neoliberais. Segundo Pessoti; Sampaio (2009), esta falta de um

projeto nacional que enquadre todos os estados é consequência das

[...] mudanças ocorridas no cenário econômico mundial, no decurso das últimas

décadas do século XX, mostrando um novo panorama, em que o processo de

internacionalização do capital se intensificara e as fronteiras econômicas entre as

nações tornaram-se mais tênues (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 38).

Nesse processo, há uma presença maior das iniciativas provenientes do mercado, quase

que completamente livres para implantar unidades industriais14

em diferentes locais.

Vários estados da federação brasileira, a exemplo da Bahia, recorrem à utilização das já

conhecidas isenções fiscais. Assim, os Governos implantam e ampliam os programas de

incentivo a empreendimentos econômicos, sobretudo e principalmente de grande porte

industrial. Esse olhar “especial” para os grandes empreendimentos parece reforçar as palavras

de Magdoff (1978) ao afirmar que “[...] qualquer sucesso das políticas do governo resulta da

manutenção ou restauração da saúde da economia por meio da promoção do poder de

empresas gigantes, pois sem a prosperidade dessas empresas a economia só pode ir ladeira

abaixo” (MAGDOFF, 1978 apud MÉSZAROS, 2011, p. 230).

Segundo Pessoti; Sampaio (2009), a política de incentivos fiscais do governo da Bahia

conseguiu atrair empreendimentos dos mais variados segmentos industriais, dentre esses

podem ser citados os setores têxtil, de calçados, eletrônicos, químico, automobilístico e de

14 Apesar da oferta de crédito e isenções fiscais em diversos estados brasileiros, a economia nacional vem

passando por um processo de desindustrialização em diversos segmentos produtivos. A participação da indústria

manufatureira na economia brasileira, que chegou a ser de 19,2% em 2004, caiu para 15,8% em 2010

(http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2011/09/12/siderurgicas-apontam-desindustrializac).

72

papel e celulose. Assim, esclarecem os autores:

No período entre 1999 e 2005 foram investidos aproximadamente R$ 30,7 bilhões

no setor industrial resultando em cerca 135 mil empregos diretos. Do montante das

inversões realizadas no período, 80% foram direcionadas para a implantação de

novos empreendimentos e os 20% restante foram destinados à reativação de

indústrias já existentes (PESSOTI; SAMPAIO, 2009, p. 39).

Pensando retrospectivamente, pode-se afirmar que a política de atração de novos

empreendimentos industriais na Bahia teve, no ano de 1990, com o então governador Antônio

Carlos Magalhães, instituídas as diretrizes de um plano de crescimento econômico que se

originou com o Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLADEB). Desde 1959 com

o PLANDEB, no governo de Antônio Balbino de Carvalho Filho (1954/1958), existe um

conjunto de estudos que aponta para a efetivação de práticas diversas, tais como:

diversificação da matriz industrial da Bahia e a interiorização dos empreendimentos.

Sucessivos programas de industrialização foram colocados em prática, dando primazia a uma

política de crescimento produtivo pautada nas isenções fiscais e creditícios, inserida na lógica

da “guerra fiscal”. Por falta de uma política nacional de desenvolvimento regional, o Estado

da Bahia vem utilizando essa política fiscal para atrair empreendimentos econômicos,

propagando a ideia de que tais empreendimentos promoverão o “desenvolvimento” das áreas

“subdesenvolvidas”.

2.4.1. OS PROGRAMAS DE ATRAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS

A Bahia foi um dos primeiros estados brasileiros a colocar em prática a atividade de

planejamento e pesquisa aplicados ao desenvolvimento econômico. Desde 1959, com o Plano

de Desenvolvimento do Estado da Bahia (PLANDEB), no governo de Antônio Balbino de

Carvalho Filho (1954/1958), existiam propostas precedidas por um conjunto de estudo sob o

título “Situação e Problemas da Bahia-1955: Recomendações de medidas de governo”. Em

1961, no governo de Juracy Magalhães (1958/1962), foi criado o Conselho de

Desenvolvimento Industrial (CDI), cujos objetivos eram estudar a conjuntura econômica da

Bahia e aplicar incentivos fiscais e estaduais à indústria (SPINOLA, 2009).

Apesar de não ter sido aprovado de imediato, por causa da resistência dos grupos que

dominavam a política estadual – fortemente alicerçados em uma oligarquia atrasada e

73

coronelista – as indicações do PLANDEB foram sendo implantadas com o passar dos anos.

De acordo com Spinola (2009):

[...], muitas das indicações do PLANDEB foram sendo gradativamente implantadas

na Bahia até o final da década de 1980, à medida que a sociedade local se

modernizava e sempre que existia o respaldo coincidente de programas e projetos do

governo federal e/ ou correspondência com os interesses do capitalismo nacional e

internacional (SPINOLA, 2009, p. 17)

No início da década 1990, o “carro chefe” da política de “desenvolvimento” do estado

da Bahia era o Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia, o PROBAHIA (Lei Nº

6.335 de 31 de outubro de 1991), que estabelecia objetivos calcados nas seguintes premissas:

I – promover a diversificação de indústrias, complementando a matriz industrial do

Estado;

II – estimular a transformação, no próprio Estado, dos seus recursos naturais,

interiorizando o processo industrial;

III – incentivar o aumento da capacidade tecnológica, da qualidade e produtividade

dos bens do parque industrial baiano, visando a sua maior competitividade (BAHIA,

1991, p. 9).

Esse programa buscava diversificar o setor industrial na Bahia e dinamizar a economia

em várias regiões do estado. Outros programas foram sendo criados com base nas diretrizes

estabelecidas pelo PLANDEB e o PROBAHIA. Como exemplo dos programas associados

pode-se citar: Programa Estadual de Desenvolvimento da Indústria de Transformação de

Plástico na Bahia (Bahiaplast), o qual visa fomentar a indústria de transformação plástica por

meio da concessão de créditos; o Programa de Incentivo ao Comércio Exterior (Procomex),

voltado ao setor produtivo exportador, principalmente o ramo calçadista e seus derivados; o

Programa Especial de Incentivo ao Setor Automobilístico da Bahia (Proauto), destinado à

concessão de incentivos fiscais para montadoras de automóveis e fabricantes de autopeças e

acessórios (PESSOTI; SAMPAIO, 2009).

O programa PROBAHIA teve uma abrangência que incluía não só as atividades

produtivas industriais, mas também incluía os segmentos da agroindústria, a mineração,

turismo, geração de energia elétrica e outros empreendimentos “considerados relevantes para

o desenvolvimento do estado”. Os projetos que estivessem com suas atividades paralisadas

também poderiam requerer isenções e incentivos desde que dessem garantias de implantação

de modernos padrões de competitividade. O programa PROBAHIA propunha também a

utilização de recursos financeiros de órgãos oficiais de crédito do estado da Bahia.

Os empreendimentos industriais, que produziam bens ainda não fabricados na Bahia,

74

foram beneficiados com incentivos diretos. Considerando-se o fato de que a Bahia não

possuía tradição na fabricação de calçados, o setor produtivo calçadista apareceu como um

dos maiores beneficiários dos programas de atração de empresas, tendo em vista as condições

até então presentes para a competitividade do setor no Brasil: preço “maior” dos salários nas

regiões produtoras pioneiras, bem como, obviamente, os impostos, sobretudo o ICMS – no

Estado da Bahia as empresas de calçados obtêm redução de 99% deste imposto, se instaladas

fora da RMS, no Estado do Rio Grande do Sul há uma alíquota de 12% de cobrança do ICMS,

enquanto que o Estado de São Paulo cobra alíquota de 18%.

Os projetos industriais localizados em diferentes regiões do estado da Bahia, destinados

à fabricação de bens que ainda não estivessem sendo produzidos, seriam beneficiados com as

reduções decrescentes na alíquota do ICMS. De acordo com o programa, as alíquotas de

isenção do ICMS iniciariam com desconto de 75% nos primeiros dois anos, 65% no terceiro e

quarto, 55% no quinto e sexto, 40% no sétimo e oitavo e 25% no nono e décimo ano de

vigência do projeto.

O Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica do Estado da

Bahia (DESENVOLVE) substituiu os programas anteriores sem deixar de lado a lógica

fiscalista e a “guerra fiscal”. A partir de 2003, o então recém eleito e empossado governador

do estado, Paulo Ganem Souto15

, autorizou a instalação de várias fábricas calçadistas nos

municípios, preferencialmente naqueles governados por seus aliados políticos. Mais uma vez

a ideia principal era levar o “desenvolvimento” aos espaços econômica e socialmente

atrasados. O próprio nome do programa traz, em si, uma tentativa de transmitir ou propagar a

ideia do suposto “desenvolvimento”.

Com a implantação do programa DESENVOLVE, o estado da Bahia conseguiu disputar

em escala nacional, e até mesmo internacional, a atração de empreendimentos industriais em

diferentes segmentos produtivos. A montadora de automóveis norteamericana Ford foi um

dos grandes empreendimentos a serem instalados na Bahia via concessão de incentivo e

isenções fiscais alicerçados nas promessas e propostas de geração de milhares de empregos

diretos e indiretos que ajudariam a “desenvolver” o estado e “retirar a pessoas da pobreza”.

Tendo em vista os dados disponíveis a respeito do crescimento econômico da Bahia, no

quesito de indústria de transformação, o estado teve um crescimento substancial, desde 2002

até 2010, no que se refere ao PIB, evidenciando o poder de atração de novos investimentos.

Conforme se pode constatar no Gráfico 3.

15 Paulo Souto sucedeu o Governador César Borges, ambos compunham os quadros dirigentes filiados ao

Partido da Frente Liberal (PFL) e grandes aliados do ex-governador Antônio Carlos Magalhães.

75

Gráfico 3 - Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação –

2002-2010*

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010.

*Considerando que o valor do PIB industrial em 2002 equivale a 100

A continuidade do modelo de atração de novos empreendimentos com a utilização de

isenções fiscais é levada ao extremo no governo liderado por Paulo Ganem Souto, sendo

caracterizada por Pessoti; Sampaio (2009) como uma verdadeira “renúncia fiscal”. No

entanto, o novo programa, DESENVOLVE, tinha um perfil mais ambicioso que os anteriores

no que se refere à ampliação dos objetivos propostos até aquele momento. Para além de

manter uma das metas principais dos programas anteriores, que era a promoção da

desconcentração dos investimentos industriais da RMS, o programa tem como meta dinamizar

a economia de outras regiões e melhorar a integração econômica entre elas, conforme o

Decreto da Lei que estabelece as diretrizes do programa:

I – o fomento à instalação de novos empreendimentos industriais ou agro-industriais

e à expansão, reativação ou modernização de empreendimentos industriais ou

agroindustriais já instalados;

II – a desconcentração espacial dos adensamentos industriais e formação de

adensamentos industriais nas regiões com menor desenvolvimento econômico;

III – a integração e a verticalização das cadeias produtivas essenciais ao

desenvolvimento econômico e social e à geração de emprego no Estado;

IV – o desenvolvimento tecnológico dos processos produtivos e assimilação de

novas tecnologias;

V – a integração da empresa com as comunidades em que pretende atuar;

VI – a geração de novos produtos ou processos de redução de custos de produtos ou

processos já existentes;

VII – prevenção dos impactos ambientais dos projetos e o relacionamento da

Evolução do PIB

76

empresa com o ambiente (BAHIA, Decreto Lei nº 8.205 de 3 de Abril de 2002).

Apesar de expor em suas diretrizes a necessidade da integração das empresas às

comunidades onde as fábricas são instaladas, o programa não evidencia como isso seria

possível. A instalação de fábricas em determinadas localidades tende a privilegiar as

necessidades de escoamento da produção, acesso a matérias primas, disponibilidade de força

de trabalho abundante e barata e disponibilidade de energia.

Após o ano de 2006, com a mudança no comando do Governo do estado, liderado pelo

PT, aparentemente a política de industrialização da Bahia ganharia novas abordagens, haja

vista as críticas direcionadas ao modelo praticado pelos governantes anteriores feitas pelos

arautos do novo Governo. A partir desse pressuposto, a política de desconcentração industrial,

as tentativas de interiorização dos empreendimentos, a efetivação de arranjos produtivos

locais e a valorização dos micro e pequenos empreendimentos, que pudessem incluir as

potencialidades ambientais e sociais da geografia do semi-árido baiano e a efetivação do tão

propalado desenvolvimento com geração de emprego, renda e com o respeito às diversidades,

era o mote de alguns dos defensores e colaboradores que vieram a compor o novo governo

reeleito para o segundo mandato, em 2010 16

.

Apesar do discurso crítico com relação ao modelo de fomento a novos

empreendimentos fabris adotado pelos governantes anteriores, as forças que compõem o novo

Governo estadual deram continuidade, em grande medida, ao modelo em vigência. O

Governo comandado pelo PT não promoveu mudanças substanciais nos programas de atração

de investimento. Uma das medidas a ser ressaltado como mecanismo de diferenciação do

Governo do PT, na Bahia, foi a criação do Programa de Incentivo a Micro e Pequena Empresa

(ACELERA BAHIA).

Com a ação do Governo do estado da Bahia, comandado pelo PT, o número de

protocolos de intenções para a instalação de empresa chegou a 259, englobando 59

municípios para a instalação de fábricas, com investimento de 63 bilhões de reais e uma

expectativa de geração de 97 mil empregos. A resolução de incentivo fiscal, contida no

programa DESENVOLVE, atraiu 257 empresas para o estado da Bahia, enquanto o programa

PROBAHIA atraiu 60 empresas (SICM, 2011).

16 Alguns colaboradores do projeto da Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidários da Região

Sisaleira (APAEB), na cidade de Valente, cujo exemplo de associação entre pequenos agricultores rurais,

conhecido nacional e internacionalmente pela formação de um grande Arranjo Produtivo que incluiu diversas

pessoas, criticavam os governos baianos anteriores por tentarem desarticular o empreendimento da associação

com a instalação de uma grande indústria de calçados no município de Valente. A APAEB não tinha apoio do

governo por ser considerada uma entidade partidária, enquanto as grandes fábricas de calçados gozavam de

prioridade.

77

O Programa ACELERA BAHIA concede crédito às empresas que adquirem

mercadorias junto às micro e pequenas empresas industriais, em percentual que varia de

acordo com o volume de compras e o tipo de produto comprado. O mecanismo é o seguinte:

as empresas que realizarem até 40% de compras internas, junto às micro e pequenas

empresas, terão direito a 10% de crédito presumido17

. Já a empresa que comprar mais de 40%

alcançará 12% de crédito presumido (SEBRAE, 2008, p.12).

Tanto a região Nordeste, quanto o estado da Bahia, apresentam fortes indícios de que a

presença da indústria não representa efetivamente a elevação dos níveis de condições de vida.

Com salários pagos aos operários da indústria calçadista, no Nordeste brasileiro, bem mais

baixos que os salários médios pagos por este mesmo setor industrial nas regiões Sul e Sudeste

do país (em média 40% menos), a exploração do trabalho e a produção da mais-valia não só

induzem a efetivação de um quadro de desigualdade econômica, social e regional, mas

também consolida uma divisão territorial do trabalho. Essa, por sua vez, está estreitamente

ligada à divisão internacional do trabalho que cria áreas econômicas de baixos salários. O

discurso escrito nos documentos oficiais do Governo da Bahia indica o que, para o próprio

Governo, parece ser mais importante: a busca pelos números e índices de crescimento

econômico que, muitas vezes, não levam em conta as condições reais de vida da maioria da

população. As palavras a seguir são reveladoras da obsessão pelos números do crescimento

econômico:

Antes a Bahia ocupava o oitavo lugar entre os exportadores do setor calçadista do

País, atrás de Rio Grande do Sul (líder com vendas externas superiores a US$ 1

bilhão ao ano), São Paulo, Ceará, Paraíba, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná.

Hoje, o Estado já superou os três últimos e ocupa o quinto lugar do ranking

(BAHIA, 2011, p. 7).

Apesar de o Programa ACELERA BAHIA beneficiar também as micro e pequenas

empresas, o grande foco do Governo continua sendo os grandes investimentos. A ideia de

desenvolvimento apregoada até então segue sem grandes sinais de modificação. Essa

concepção de desenvolvimento, muitas vezes, é concebida como a legitimação das forças

excludentes do livre mercado, da destruição dos ecossistemas, da insustentabilidade, do

desrespeito à identidade e à cultura dos grupos humanos.

17 Crédito presumido é uma técnica de apuração do imposto devido que consiste em substituir todos os créditos,

passíveis de serem apropriados em razão da entrada de mercadorias ou bem, por um determinado percentual

relativo ao imposto debitado por ocasião das saídas de mercadorias ou prestações de serviço.

78

3. O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS ESPACIAIS

Desde 2001, acompanhado o movimento de reestruturação produtiva e relocalização de

fábricas, a empresa Dass Clássico vem instalando fábricas de calçados no Nordeste brasileiro

e, em particular, na Bahia. Ao longo deste processo de relocalização, o Nordeste brasileiro foi

o destino da instalação de 3 fábricas de calçados e 1 fábrica de confecções pertencentes à

empresa Dass Clássico. Imersa no contexto de relocalização de unidades produtivas de

calçados, essa empresa desenvolve diversas práticas de manutenção das condições objetivas

de produção e organização das condições geográficas que implicam a divisão territorial do

trabalho, a produção desigual do espaço e as condições socioespaciais dos lugares onde

começam a operar.

Neste capítulo, coloca-se em destaque as características corporativas do grupo

empresarial Dass Clássico: surgimento, crescimento, distribuição de unidades produtivas, a

rede corporativa entre as unidades fabris, bem como a lógica da divisão territorial do trabalho

e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa para manter as condições favoráveis à

produção de calçados, inserindo no transcorrer a análise da unidade produtiva localizada no

município de Santo Estevão-BA.

A forma como a produção industrial se realiza, no espaço geográfico, implica diversas

estratégias: seletividade espacial, fragmentação espacial, marginalidade espacial, reprodução

da região produtora, e interações espaciais em fluxos de mercadorias e matérias-primas, além

de informações e serviços, muitos dos quais se realizam por meio de redes geográficas.

Associadas às ações das empresas, as práticas espaciais necessariamente contribuem

para moldar e organizar o espaço geográfico, atendendo à lógica da geração de lucros,

sobretudo para as grandes corporações nacionais e internacionais. Sem a possibilidade de

expansão, incorporação de “novos espaços” e sua organização segundo a lógica do capital,

promovendo o desenvolvimento geograficamente desigual, a ação das grandes empresas,

alicerçadas no sistema capitalista, enfrenta sérios obstáculos para a reprodução ampliada do

capital, haja vista ser característica inerente ao próprio sistema capitalista manter e criar

condições constantes para o aumento dos lucros (HARVEY, 2006).

As diversas corporações empresariais e suas respectivas unidades fabris distribuídas

pelo globo, regidas pelas forças de ampliação de lucros e concentração do capital, submetem

diversas frações do espaço geográfico a sua lógica e ações de manutenção de domínio

econômico e político. As práticas de tais corporações, mesmo que não sejam visíveis de forma

79

imediata, somam-se ao contexto social para manter ou criar determinadas características

sociais, econômicas e políticas favoráveis no que se refere à expansão de seus interesses e

manutenção de um domínio relativo sobre o espaço geográfico.

Corrêa (1992) analisa a relação entre a forma de gestão do espaço praticada pela grande

corporação e a criação ou manutenção de uma organização espacial que favoreça as próprias

empresas. Partindo do conceito de gestão do território18

, Corrêa (1992) estuda a ação do grupo

empresarial Souza Cruz e as diversas práticas espaciais deste grupo que repercutem na

organização espacial, que estão intrinsecamente associadas a um modelo de gestão do

território. Segundo o autor:

Entendemos por gestão do território o conjunto de práticas que visa, no plano

imediato, à criação e ao controle da organização espacial. Trata-se da criação e

controle das formas espaciais, suas funções e distribuição espacial, assim como de

determinados processos, como concentração e dispersão espacial, que conformam a

organização do espaço em sua origem e dinâmica (CORRÊA, 1992, p. 115).

Apesar de o autor citado ter estudado uma corporação produtora de cigarros, entende-se

que a análise feita por ele pode servir de alicerce para investigar outras corporações

empresariais e suas respectivas práticas espaciais. Assim, concebe-se as práticas espaciais

como ações inseridas na lógica da organização do espaço geográfico como parte integrante do

processo de “gestão do espaço geográfico” das grandes empresas que vem a se constituir em

mecanismos de criação e um relativo controle da organização espacial. Desta forma, as

diversas ações das empresas interferem, direta e indiretamente, na produção e organização do

espaço em diferentes escalas.

Estudando a gestão do território e as “práticas espaciais” do grupo Souza Cruz19

, Corrêa

(1992) caracterizou as ações dessa grande corporação empresarial na produção e

comercialização de cigarros no Brasil, bem como sua dimensão espacial. As práticas espaciais

identificadas pelo autor foram: seletividade espacial; fragmentação/remembramento espacial;

antecipação espacial; marginalidade espacial e reprodução da região produtora. Utilizar-se-á,

nas próximas seções deste trabalho, algumas ideias elaboradas por Corrêa (1992) para

identificar e explicar as antigas e novas práticas espaciais desenvolvidas pelo grupo Dass

Clássico, tomando como referência a fábrica de calçados instalada em Santo Estevão-BA.

18 O conceito de território utilizado por Corrêa (1992) se confunde muitas vezes com o conceito de espaço

geográfico. O autor não estabelece uma diferenciação clara entre os conceitos de espaço geográfico e território,

pois não evidencia as relações de poder subjacentes e fundamentais para a caracterização do conceito de

território. Quanto ao conceito de território, Brito (2008) traz contribuições importantes. 19 O grupo Souza Cruz, controlado pelo conglomerado londrino Britsh American Tabaco (BAT), atua no Brasil

no segmento de fumo, cigarro, celulose, papel, sucos, filmes de prolipopileno, biotecnologia e diversos serviços.

80

3.1. O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÂO

CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS

O grupo empresarial DASS CLÁSSICO surgiu em 2003 com a fusão entre duas

empresas, a Clássico e a Dilly. O nome DASS é a junção da letra “D” do nome Dilly e das

letras “ASS” do nome Clássico. Na composição entre as empresas, o Grupo Clássico adquiriu

45% das cotas empresariais; o Grupo Dilly detém 27,5% e a American Fashion, 27,5%.

Assim, o Grupo Clássico controla o Grupo DASS, detendo quantidade suficiente de ações da

companhia que lhe permite determinar e controlar a gestão desse último. Formando uma

holding, essa empresa se configura como a maior fabricante nacional de artigos para prática

esportiva e de lazer, estando entre os três maiores grupos industriais do Brasil e entre os cinco

maiores na America Latina, no setor de materiais esportivos (DASS, 2010). Segundo material

informativo divulgado pela empresa:

A fusão dos Grupos Dilly e Clássico cria uma nova força no segmento de marcas

esportivas: o Grupo Dass. Ao somar a expertise de gestão do Grupo Clássico com a

experiência na fabricação de artigos esportivos do Grupo Dilly, o Grupo Dass

potencializa as forças das duas organizações e permite a construção de uma única

cultura corporativa (DASS, 2010, p. 3).

Além da produção direta de confecções e de calçados masculinos e femininos, as

empresas que compõem o grupo Dass Clássico estão há mais de 45 anos desenvolvendo

soluções industriais e mercadológicas para marcas esportivas, sendo responsável pela

produção de artigos com marcas próprias ou marcas sob concessão, como Fila, Tryon, Dilly e

Umbro, e de clientes estrangeiros, como Nike, Adidas, Oakley e Converse. A empresa

American Fashion Confecções e Comércio Ltda compõe o grupo Dass Clássico com o

atributo de especialidade em moda, vestuário e confecções, atuando principalmente no estado de

São Paulo.

As duas principais empresas que compõem o Grupo DASS, a Clássico e a Dilly, são

oriundas, respectivamente, dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e possuem

larga experiência na indústria de calçados e materiais esportivos. As duas empresas atuam na

produção de calçados para atender a demanda, do mercado externo e interno, de materiais

esportivos, com potencial para a produção de 10 milhões de peças anuais entre calçados

esportivos, calçados femininos e peças de vestuário. A formação da holding propiciou um

faturamento para a Dass Clássico em torno de R$ 527 milhões em 2008.

81

O grupo Clássico, fundado em 1979, na cidade de Saudade, oeste catarinense, dedica-se

à produção de vestuário para a prática esportiva e de lazer, a exemplo de agasalhos e

uniformes oficias de clubes de futebol. Nos últimos anos, o Grupo Clássico ganhou

notoriedade quando firmou acordos para produzir uniformes para clubes de futebol, no Brasil

e no exterior. Em Santa Catarina, o grupo produz confecções com diversas marcas e ainda

detém todo o processo de gestão da produção e comercialização das marcas Kappa (japonesa),

Umbro (inglesa) e Fila (italiana). No ano de 2007, a Clássico assinou contrato para produzir

calçados e materiais esportivos para uma das maiores marcas esportivas mundiais, a

norteamericana Nike. A empresa Clássico é fornecedora, basicamente, de artigos para lazer

cujo modelo segue os padrões da empresa contratante. Nesse caso, a Nike, uma das marcas a

contratar os serviços por meio da terceirização, tornou-se parceira da Dass Clássico no sentido

de que a produção é desenvolvida pela empresa brasileira, ficando a Nike apenas com a

logística de distribuição e controle de qualidade.

No Rio Grande do Sul, na cidade de Venâncio Aires, o grupo empresarial Clássico

possui uma unidade de produção de calçados esportivos, onde se produz principalmente

artigos para futebol, com capacidade para produzir 1,4 milhão de pares anuais. São feitos

produtos com as marcas Kappa (empresa japonesa), desde 1994, e Umbro (empresa inglesa),

desde 1999, ambas sob compra de concessão de licença.

O Grupo Dilly foi criado sob o comando dos empresários José Dacilo Dilly, Aloísio

Dalson Dilly e Nilson Inácio Führ, em 1965, na cidade de Ivoti (colonizada por imigrantes

alemães), a 55 quilômetros de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Segundo consta

nos documentos oficiais da empresa, o maior mérito do grupo empresarial Dilly foi ter

investido fortemente em tecnologia, o que fez o grupo empresarial se transformar em uma das

organizações industriais calçadistas mais modernas da América Latina (DASS, 2010).

Com fábricas instaladas em quatro estados brasileiros, o grupo Dass Clássico emprega

aproximadamente 10.000 trabalhadores; é responsável pela produção anual de mais de 15

milhões de peças de artigos esportivos (calçados esportivos, uniforme para futebol, chuteiras,

confecções) e teve um faturamento de R$ 15 milhões, em 2008.

Conforme a Tabela 7, observa-se que, nos últimos 10 anos, o Grupo Dass criou 5 novas

unidades de produção, 3 unidades para a produção de calçados na Bahia e 2 para a produção

de confecções, uma na Bahia e outra em Santa Catarina. A instalação destas novas fábricas de

calçados na Bahia vem acompanhando, desde a década de 1990, um movimento de expansão

de unidades produtivas de diversos outros tipos de indústrias do Sudeste e Sul do Brasil em

direção ao Nordeste.

82

Tabela 7

Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011 Estado Cidade Atividade

produtiva

Ano de instalação Número de

trabalhadores

BA Santo Estevão Calçados 2001 2.596

CE Itapipoca Calçados 1996 2.186

BA Vitória da Conquista Calçados 2004 1.130

BA Itaberaba Calçados 2005 1.011

BA Vitória da Conquista Confecções 2005 900

RS Ivoti Confecções 1964 680

SC Saudades Confecções 1980 542

RS Venâncio Aires Calçados 1998 202

SC São Carlos Confecções 2004 142

SC Pinhalzinho Confecções X 120

SP São Paulo Sede

administrativa

X 104

RS Nova Hamburgo Solado X 16

Fonte: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em: http://www.grupodass.com.br (acesso em

05/06/2011)

NOTA: x dados não encontrados.

Entre as 5 maiores unidades produtivas de confecções e calçados do grupo empresarial

Dass Clássico, 4 estão na Bahia e 1 no Ceará. Do total de 9.625 empregos gerados no Brasil

pela empresa Dass Clássico, 7.823 estão em fábricas instaladas no Nordeste; isso representa

81,2% do total de empregos gerados. Todas as unidades administrativas e comerciais do

Grupo estão localizadas no Sudeste e Sul do Brasil, entre elas pode-se citar: a unidade sede

em São Paulo-SP, a unidade administrativa e sede do grupo em Saudade-SC e a unidade

administrativa em Ivoti-RS. Essas localizaçãos geográficas das unidades produtivas da

empresa Dass consolida a divisão regional e espacial do trabalho em âmbito nacional e

internacional .

Encontra-se também em São Paulo a sede Anvel que é a divisão de varejo do Grupo

Dass Clássico e que administra a rede de lojas Dass Outlet. Ao todo, o grupo Dass Clássico

possui sete lojas Dass Outlet que comercializam os produtos fabricados pela empresa, mais

três lojas de marcas específicas que estão sob concessão ao grupo Dass Clássico e ainda

possui o site de compras SportsOn.com.br.

Observa-se que há um recorte claro de divisão do trabalho entre a região que produz as

mercadorias a serem comercializadas (o Nordeste) e a região que administra as operações

comerciais e financeiras do grupo DASS CLÁSSICO (Sul e Sudeste). Conforme o Mapa 5,

pode-se identificar, em dimensão nacional, a divisão territorial e regional do trabalho erigida

pela corporação empresarial Dass Clássico e ligações funcionais entre as unidades da

empresa.

83

Mapa 5 – Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do Grupo Dass Clássico –

2011

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.dass.com.br

As principais marcas de calçados produzidas pelo grupo Dass Clássico, na fábrica

instalada no município de Santo Estevão-BA, são a Nike e Fila. A Nike é uma empresa

norteamericana de artigos esportivos que figura entre as maiores produtoras do mundo e que

tem como uma de suas características corporativas a terceirização da maior parte da produção,

em países como China, Índia, Brasil, Indonésia e Vietnã. Ao todo, a Nike possui mais de 700

fornecedores em todo o mundo e frequentemente enfrenta críticas por explorar a força de

trabalho de homens, mulheres, crianças e idosos em países considerados economicamente

pobres. A Fila é uma marca de origem italiana (Milão) da qual a Dass Clássico comprou os

direitos de fabricação e comercialização dos produtos no Brasil. Além dessas marcas, o Grupo

Dass Clássico produz calçado também para as marcas: Kappa (Japão), Puma (Alemanha),

Umbro (Inglaterra).

84

3.2. AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO

As práticas espaciais, identificadas através da análise de documentos, informações

disponíveis nos endereços eletrônicos da própria empresa e de instituições públicas e privadas

associadas ao grupo empresarial Dass Clássico, e entrevistas feitas a trabalhadores e gerentes

da unidade fabril, demonstram que essa corporação desenvolve diversas ações que podem ser

enquadradas nas seguintes práticas espaciais: seletividade espacial, marginalização espacial,

expansão espacial20

e reprodução da região produtora. Tais práticas estão imersas em um

ambiente de reestruturação produtiva do mercado e da produção internacional e nacional da

indústria calçadista, vinculada a um novo ciclo de expansão das relações produtivas iniciadas

desde a crise do modelo fordista, na década de 1970, e a uma nova configuração da divisão

territorial do trabalho nas escalas global e nacional nas quais o estado da Bahia e a cidade de

Santo Estevão-BA estão inseridos.

3.2.1. SELETIVIDADE ESPACIAL

As corporações empresariais no processo de organização de seus espaços de produção,

que envolve várias localizações, agem seletivamente. A localização geográfica de unidades

produtivas (fábricas), escritórios administrativos e escritórios comerciais, além de laboratórios

para o aprimoramento de materiais, estão estreitamente ligados às necessidades das empresas

capitalistas de manterem e ampliarem os lucros. A distribuição geográfica e a forma como se

dá a articulação entre as localidades nas redes corporativas fazem parte de um conjunto de

medidas que visam criar e gerir uma determinada organização do espaço geográfico. A

distribuição geográfica de unidades corporativas e a articulação funcional fazem com que as

empresas se constituam em um dos mais importantes agentes de produção e organização do

espaço geográfico em diferentes escalas.

Decidir sobre o lugar onde a corporação instala suas unidades leva em conta um

conjunto de variáveis indissociáveis que está estreitamente ligada a funcionalidade das

20 Optou-se por esta denominação para o fenômeno de instalação de novas fábricas de calçados em outras regiões

do Brasil e do mundo onde a empresa Dass Clássico não possui unidades fabris. Com a incorporação de novas

áreas à rede produtiva da empresa, a Dass Clássico faz uma verdadeira espacial de sua área de atuação.

85

unidades no interior da rede corporativa das empresas, ao tipo de produto fabricado, às

matérias- primas e insumos utilizados; relações institucionais com o Estado e com os

diferentes Governos (vantagens fiscais e infraestrutura física) e outras empresas (fornecedores

de matérias-primas, componentes, insumos e serviços), características da força de trabalho

empregada; organização sindical dos trabalhadores; o acesso ao mercado consumidor; a

proximidade de vias de circulação em boas condições de tráfego para o escoamento da

produção e a escala da produção, entre outras. Esses fatores podem ser denominados de

ambiente organizacional e estão ligados às características produtivas internas à empresa, bem

como ao contexto econômico externo a ela.

Os itens/fatores comumente citados para a explicação da localização de unidades fabris

fazem parte de um conjunto de variáveis e elementos indissociáveis, modificados de lugar

para lugar de acordo com os contextos econômico, social, político e histórico. Ao longo do

tempo, com as transformações socioespaciais e as mudanças na conjuntura de competitividade

nacional e internacional, as corporações puderam reavaliar os índices de lucratividade e as

condições de manutenção dos ganhos reais de capital. Planejando suas ações de maneira

articulada, as empresas criaram estratégias em médio e longo prazo para decidir sobre a

permanência ou não de determinados segmentos produtivos em determinados locais.

Neste contexto, vê-se que o processo de seleção de lugares para a produção de calçados

esportivos dá-se desde o início das operações das empresas que vieram compor o grupo

empresarial Dass Clássico. Nos últimos anos, mesmo antes da fusão entre as empresas Dilly e

a Clássico (empresas que compõem o Grupo DASS), a produção de calçados, organizada pela

corporação, tinha na localização das unidades produtivas uma variável muito importante para

a manutenção dos lucros e gestão corporativa. Mais especificamente, na produção de calçados

esportivos, a Dilly tem uma história peculiar com relação à seleção de espaços onde instala

suas unidades produtivas, comerciais e administrativas. Para demonstrar esse processo de

seletividade espacial, é necessário remontar, de forma sintética, à dinâmica espaço/temporal

da empresa, desde suas origens até os dias atuais.

Historicamente, a empresa Dilly Calçados tem sua origem na cidade de Ivoti-RS, em

1965, na região do Vale do Cai21

, dedicando-se à produção de calçados femininos. Em 1990, a

Dilly ingressou no segmento de calçados esportivos (masculino e feminino) compostos

21 O Vale do Cai é composto por vinte municípios do Rio Grande do Sul: Alto Feliz, Barão, Bom Princípio,

Brochier, Capela de Santana, Feliz, Harmonia, Linha Nova, Maratá, Montenegro, Pareci Novo, Portão, Salvador

do Sul, São José do Hortêncio, São José do Sul, São Pedro da Serra, São Sebastião do Caí, São Vendelino,

Tupandi,Vale Real.

86

majoritariamente por materiais de origem sintética. A produção de calçados femininos era

100% exportada para o mercado norteamericano com marcas como: Cole Hann, Hugo Boss e

Unisa. Os modelos fabricados pela Dilly possuem alto valor agregado, destinado a um público

que procura produtos com alto padrão de qualidade e padrões exclusivos.

Fabricando calçados esportivos, confeccionados com materiais sintéticos, a empresa

negocia grandes volumes de componentes com empresas fornecedoras, isso favorece a

barganha quanto ao preço dos componentes adquiridos. Esse fator se constitui como uma

variável importante na seleção espacial dos lugares onde as unidades fabris serão instaladas.

Mesmo após a fusão com o grupo empresarial Clássico, a Dilly continua (agora sob a

denominação Dass) instalando suas unidades produtivas em locais distantes das empresas que

produzem componentes. Há, nesse caso, uma diferença entre as empresas de calçados que

utilizam intensamente o couro animal e as empresas que produzem calçados utilizando

materiais sintéticos. A utilização do couro animal na produção de calçados estimula a

formação de determinado Arranjo Produtivo Local (APL), ligando as fábricas aos curtumes e

à pecuária, como ocorria no século XVIII quando do funcionamento das primeiras fábricas de

calçados no Rio Grande do Sul, onde muitas empresas produtoras de calçados detinham o

controle de curtumes e de grandes fazendas para a criação de gado.

Uma das variáveis importantes que interferem na localização geográfica das unidades

produtoras de calçados é a necessidade das empresas em utilizar uma grande quantidade de

trabalhadores na produção. Esse fator obriga a empresa a selecionar espaços onde a

disponibilidade de força de trabalho seja abundante. Geralmente, o valor do salário pago aos

trabalhadores é baixo, haja vista ser o preço final do produto (calçados) um fator

imprescindível para determinar a competitividade do mesmo no mercado. Aos trabalhadores

não há a exigência de formação escolar para a operação das máquinas no processo produtivo,

o que permite às empresas, deste setor produtivo industrial, certa flexibilidade na seletividade

espacial, sobretudo no Nordeste brasileiro onde há uma significativa disponibilidade de mão

de obra com baixa escolaridade.

A partir de 1998, a Dilly Calçados passou a produzir calçados esportivos

confeccionados com materiais sintéticos, para a empresa norteamericana Nike e, em 1999,

passou a produzir também calçados esportivos para a empresa italiana Fila. Entre as cidades

do Nordeste brasileiro, com fábricas de calçados que pertenciam exclusivamente à Dilly,

estão: Vitória da Conquista e Santo Estevão (ambas na Bahia) e Itapipoca (no Ceará). Na

fábrica instalada em Santo Estevão-BA, a empresa utiliza os produtos e insumos que constam

no Quadro 1.

87

Quadro 1

Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e resíduos-2010 Produto Insumo Resíduos

Tênis Sintético

Calçados para esporte

Tênis: sola de borracha e cabedal

tecido

Sapato: sola sintética e cabedal couro

Sapato: sintético e cabedal sintético

Forro sintético PVC

Solado de borracha

EVA

Nylon

Contraforte

Espuma

Papel

Papelão

Plástico

Retalho de forro sintético

Retalho de espuma

Embalagens vazias FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo, 2011.

Observando-se os dados disponíveis (RAIS/MTE), pode-se verificar o aumento do peso

relativo da região Nordeste do Brasil na geração de emprego na atividade de fabricação de

calçados, que passou de 7% do emprego total, em 1995, para 27%, em 2005, ano em que a

região Nordeste foi a segunda maior empregadora de força de trabalho nessa atividade

(GARCIA, 2010).

A disponibilidade de mão de obra para atender a alta rotatividade de trabalhadores tem

sido uma necessidade patente onde as fábricas de calçados passam a operar. Para além de

atender a necessidade de disponibilidade de força de trabalho, a grande empresa busca

também superar as dificuldades em colocar seus produtos no mercado externo, em particular

no mercado argentino, submetido a controle de importações. Dessa forma, o grupo Dass

Clássico anunciou, no ano de 2010, a ampliação de uma de suas unidades fabris na Argentina,

na cidade de Eldorado, Misiones, com clara intenção de manter o fornecimento de seus

produtos para o mercado consumidor argentino e, assim, manter o crescimento de lucros da

empresa.

A planta industrial localizada na Argentina tinha uma previsão de aumentar a produção

de calçados em 60 mil pares por mês (das marcas Nike, Fila e Converse), utilizando uma

força de trabalho de 1000 funcionários em 2011, 400 trabalhadores a mais que os contratados

em 2010. Outras empresas brasileiras, como a Penalty, também começam a instalar plantas

industriais nesse país. A empresa Penalty anunciou investimentos de R$ 10,6 milhões para

produzir 400 mil pares de calçados por ano, em parceria com sócios argentinos. A instalação

de algumas fábricas na Argentina acontece desde 2005, quando o país passou a proteger sua

indústria de calçados por meio da administração de volumes de produtos que são importados,

nisso infere-se uma ação para evitar o pagamento de tarifas alfandegárias crescentes.

Especificamente no município de Santo Estevão-BA, os fatores ou variáveis para a

seletividade espacial podem ser explicados ao se analisar vários itens, tais como: políticas

estaduais de isenções e incentivos fiscais, o baixo valor de remuneração da força de trabalho,

88

a organização sindical incipiente e a existência de rodovias como a BR 116, que interliga as

regiões Sul, Sudeste e Nordeste, facilitando o escoamento da produção. De acordo com um

dos gerentes da fábrica em Santo Estevão:

De modo geral, a Bahia oferece isenções e incentivos fiscais; em primeiro lugar

estão estes itens. Depois o baixo valor da mão-de-obra. Durante o período em que

nós discutimos a vinda para a Bahia, observamos que o Governo do estado fez um

mapeamento das regiões onde mais interessava instalar indústrias que gerassem

empregos. Portanto a maior preocupação do Governo da época era gerar emprego

em determinadas regiões. Nós da empresa só exigimos que ficasse próximo a

rodovias que facilitassem o escoamento da produção (Gerente da fábrica Dass

Clássico - Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 05/05/2010).

Assim, a seletividade espacial praticada pelo grupo Dass Clássico está articulada a um

conjunto de variáveis indissociáveis que tem, nas políticas de Estado (isenções e incentivos

fiscais), na existência de força de trabalho em abundância que pode ser submetida à baixa

remuneração, e na oferta de infraestrutura (rodovias, energia elétrica, água etc.), os critérios

principais para a sua localização geográfica.

Figura 2 – Propaganda de incentivos e benefícios fiscais da SUDENE –

2012

FONTE: Ildo Rodrigues Oliveira, pesquisa de campo, 2010.

3.2.2. EXPANSÃO ESPACIAL

Na dinâmica de uma dada corporação, o espaço geográfico e sua funcionalidade na rede

89

corporativa podem ser submetidos à fragmentação e/ou remembramento espacial. Ao

reorganizar a sua configuração e distribuição espacial, a corporação interfere na organização

do espaço de um país, uma região ou de um município. A fragmentação representa-se

consolidada com o processo de divisão “[...] em razão da intensificação da atuação da

corporação, que leva à implantação de novas unidades vinculadas quer ao processo de

produção, quer à distribuição atacadista ou varejista” (CORREA, 1992, p. 117).

Considerando a dinâmica de criação e instalação de novas unidades produtivas de

calçados e confecções, colocadas em prática pelas empresas que formaram o grupo Dass

Clássico, pode-se perceber que as fábricas e o processo produtivo não foram fragmentados, no

entanto houve uma tendência à criação de novas fábricas no Nordeste brasileiro e em países

da América Latina, ou seja, houve uma tendência ao que será denominado de expansão

espacial das unidades de produção. Um percentual significativo dos índices de produção de

calçados está sendo deslocado para o Nordeste e para países da América Latina, o que não

impossibilitou a existência das fábricas pertencentes à Dass Clássico já instaladas no Sul e

Sudeste do Brasil.

O grupo Dass Clássico ao expandir a distribuição espacial de suas unidades produtivas

tem estabelecido fábricas maiores para os estados do Ceará e Bahia. Nas primeiras atividades

industriais da empresa Dilly Calçados, desenvolvidas no Rio Grande do Sul, as fábricas eram

também unidades administrativas da corporação. A necessidade de expansão da produção e o

vínculo frequente à empresa Clássico fizeram com que as novas fábricas instaladas no

Nordeste brasileiro tivessem apenas o caráter produtivo, sendo que o processo de gerência e

administração da empresa se concentra no Sul e Sudeste do país, reafirmando assim uma

divisão territorial do trabalho.

Com o crescimento constante da produção calçadista chinesa, devido, sobretudo, ao

baixo valor da força de trabalho e à falta de consolidação de leis trabalhistas nos moldes da

maioria dos países ocidentais regidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o

grupo Dass Clássico instalou uma unidade de outsourcing na China para aumentar a

lucratividade. A unidade outsourcing contrata uma entidade exterior à empresa para executar

serviços, em vez de produzi-los internamente. A grande vantagem econômica da unidade de

outsourcing reside na redução de custos em diversos aspectos, sobretudo no valor pago pela

força de trabalho.

A expansão da produção de calçados, a criação de empresas e a instalação de novas

fábricas pertencentes a Dass Clássico, em países da América Latina, têm ocorrido

substancialmente desde o ano de sua criação (2007). Em 2011, a Dass instalou unidade

90

produtiva no México (Dass México), no Peru (Dass Peru), no Chile, e incorporou uma fábrica

no Uruguai. Em 2012, está prevista a inauguração da Dass Paraguai.

A evolução da distribuição geográfica das unidades produtivas e administrativas do

grupo Dass Clássico divide espacialmente a corporação em unidades que produzem os

calçados/confecções e unidades que gerenciam comercial e administrativamente a empresa,

além de unidades que subcontratam empresas para a fabricação de calçados. Das 9 unidades

do grupo Dass, que desenvolvem atividades eminentemente produtivas no Brasil, 7 foram

criadas a partir da década de 1990, das quais 5 estão na região Nordeste brasileira.

A distribuição espacial das unidades fabris e administrativas/gerenciais do grupo Dass

Clássico aponta para a ampliação da unidade outsourcing na China e a ampliação da fábrica

na Argentina e em outros países da América Latina no intuito de ampliar as margens de lucro

e competitividade. No Brasil, a consolidação do Nordeste como área com disponibilidade de

“vantagens competitivas” projeta a região como grande responsável pela produção de

calçados esportivos do grupo Dass Clássico.

As fábricas pertencentes ao grupo Dass Clássico na Bahia são, em determinados

aspectos, desarticuladas entre si; são ilhas de produção. Existe uma tênue integração

produtiva, pois as fábricas são quase que totalmente autossuficientes em termos de aquisição

de insumos e matérias primas, limitando a possibilidade de integração horizontal. Quase todo

insumo e matéria prima da fábrica de calçados Dass Clássico, no início de seu funcionamento,

eram trazidos de fora do estado da Bahia. A cola, tecido sintético ou outros materiais, como

um assemelhado à borracha sintética atualmente são adquiridos no Pólo Industrial de

Camaçari, no município de Camaçari-BA.

3.2.3. MARGINALIDADE ESPACIAL

Alterações nas condições competitivas e nas condições de produção podem provocar

mudanças constates na dinâmica das corporações e levar a um processo de abertura de novas

unidades e fechamento de outras. O preço das matérias primas, dos componentes, da

remuneração da força de trabalho, dos insumos, e a alteração da carga tributária sobre os

produtos fabricados pelas empresas são apenas alguns dos itens que podem provocar o

fechamento ou a abertura de novas unidades produtivas.

O processo de encerramento de atividades fabris corporativas em um determinado local

91

e a abertura de unidades em outros pode levar à seleção de lugares que no passado foram

avaliados como sendo pouco atrativos para a implantação de unidades de uma corporação.

Porém, o que pode causar problemas sociais e econômicos de grande vulto é o abandono de

lugares que anteriormente foram considerados atrativos e que participavam efetivamente da

rede de localidades da corporação. O processo de abandono de lugares pelas grandes

corporações é classificado por Corrêa (1992) como marginalidade espacial.

Segundo Corrêa (1992), são diversas as implicações socioespaciais advindas da

marginalização espacial. Segundo esse autor:

A marginalização espacial tem impactos diversos, afetando, por exemplo, o nível de

emprego e de impostos via fechamento das unidades da corporação e daquelas

diretas e indiretamente ligadas a elas. Afeta também as interações espaciais dos

lugares marginalizados, situados fora da rede de ligações internas da corporação

(CORRÊA, 1992, p. 119).

Em diversos momentos, o grupo empresarial Dass Clássico, por meio das empresas

Dilly e Clássico, praticou a marginalização espacial. Visando manter a taxa de lucro e os

ganhos crescentes de capital, em dezembro de 2005, devido a fortes restrições tributárias

criadas pelo governo argentino para a importação de calçados brasileiros e por causa da taxa

de câmbio desfavorável, a empresa Dilly Calçados fechou uma fábrica que funcionava há 23,

anos na cidade de Mato Leitão - RS, a 140 km de Porto Alegre-RS. Cerca de 300 funcionários

foram demitidos, contingente que se somou, na mesma semana, a mais 800 trabalhadores

demitidos por conta do fechamento de uma fábrica de calçados da Azaléia, localizada no

município de São Sebastião do Cai - RS (ABICALÇADOS, 2011).

Outras empresas calçadistas desativaram fábricas em municípios do Rio Grande do Sul

e colocaram milhares de trabalhadores nas filas de desempregados. Em junho de 2007, uma

das maiores empresas do setor calçadistas brasileiro, a empresa Reichert, fechou suas fábricas

e 5.500 trabalhadores ficaram desempregados no município de Campo Bom - RS. Centenas de

famílias que sobreviviam dos rendimentos adquiridos com o trabalho na empresa ficaram

desempregadas (COLOMBO, 2007). Toda a experiência de trabalho e rendimento salarial de

famílias inteiras do município de Campo Bom - RS se resumia à esteira de montagem da

indústria de calçados. Além dos trabalhadores diretos, os trabalhadores dos ateliers de

calçados também perderam o emprego. Tal quantidade de trabalhadores demitidos pela

empresa Reichert provavelmente não será absorvida rapidamente pelo mercado de trabalho

em outras empresas. Muitos deles deverão se qualificar em outras atividades profissionais

para serem inseridos novamente no mercado de trabalho. Em outras palavras, a vida de

92

centenas e até mesmo milhares de pessoas ficam submetidas à dinâmica das empresas.

As implicações da desativação de uma fábrica de calçados para a população dos

municípios onde as mesmas funcionam podem ser de grande magnitude, a depender da

quantidade de pessoas empregadas. Na cidade de Parobé - RS, por exemplo, o fechamento da

fábrica da Vulcabras/Azaléia, em maio de 2011, além de demissão de 800 trabalhadores,

provocou impactos sobre a economia municipal. Houve a diminuição da arrecadação de

impostos, entre eles o ICMS cujo percentual de 22% provinham da unidade desativada

(PAROBE, 2011). A competição desenfreada do capital industrial submete os trabalhadores a

uma condição de apêndice do processo. Esses trabalhadores são “usados” e descartados como

verdadeiros objetos no processo produtivo. Essa condição reforça as palavras de Galeano

(2011) quando o mesmo afirma que “o sistema vomita homens, mas a indústria se dá ao luxo

de sacrificar mão de obra numa proporção maior que na Europa” (GALEANO, 2011, p. 348).

Quatro outros municípios do Rio Grande do Sul, com destaque para os municípios do

Vale dos Sinos, também tiveram mudanças econômicas por conta do fechamento da empresa

Doublexx Calçados. Os municípios de Estância Velha, Boa Vista do Buricá, Horizontina e

Humaitá onde operavam unidades produtoras de calçados ligadas à Doublexx tiveram ao todo

700 pessoas demitidas. As maiores implicações são as reduções da arrecadação do ICMS. No

município de Boa Vista do Buricá, a empresa Doublexx correspondia com 30% da

arrecadação do ICMS, ISS e IPTU; em Humaitá – RS, a perda foi de 15% da arrecadação

(UNISINOS, 2012).

Essa situação toma ares diferenciados no Rio Grande do Sul, sobretudo no Vale do Rio

dos Sinos, haja vista a formação de APLs (Arranjos Produtivos Locais) e cadeias produtivas

que estão diretamente associados à produção de calçados de couro com o fornecimento de

matérias-primas e componentes:

Pode-se localizar o começo dessa cadeia produtiva na atividade pecuária, passando

pelo abate dos animais, pelo descarne nos abatedouros, pelo tratamento das peles

animais, pelo tratamento das peles animais nos frigoríficos ou nos curtumes, onde se

realiza o processamento do couro, chegando, finalmente, na indústria calçadista,

cujas empresas desenvolvem atividades de modelagem, corte da matéria-prima,

costura, montagem, acabamento e embalagem do produto final (ABDI, 2009, p 1).

Após as fábricas de calçados estarem instaladas e funcionando em municípios da Bahia,

muitos deles distantes da Região Metropolitana de Salvador (a exemplo da fábrica de calçados

no município de Santo Estevão), é comum a utilização de argumentos por parte de alguns

governos e dos próprios empresários do setor calçadista de que, caso estas fábricas não

estivessem nas localidades onde foram instaladas, as pessoas não teriam outra oportunidade

93

de emprego. Tal discurso busca impor a ideia de que não há alternativa à política de

crescimento econômico via relocalização de fábricas. Esse discurso impõe um modelo

econômico e social à população que limita as possibilidades da existência de

empreendimentos coletivos que viabilizem a sobrevivência dos trabalhadores que não sejam

subordinados aos grandes empreendimentos fabris. Pode-se afirmar, nesse contexto, que o

modelo produtivo, apregoado e difundido pelas empresas calçadistas e pelos sucessivos

governos do estado da Bahia, desde a década de 1990, tenta reafirmar um modo único de

produção baseado na atração de empreendimentos de outros estados brasileiros e até mesmo

de fora do país.

Os discursos de subserviência e aceitação da implantação de grandes fábricas de

calçados no interior da Bahia indicam uma reprise da obediência aos ditames das elites

conservadoras. O coronelismo de outrora, que subjugava e segregava milhares de pessoas no

sertão semi-árido, ganha nova roupagem com a ideia de que a única alternativa para a

população é aceitar o trabalho precário e degradante nas fábricas.

No município de Santo Estevão-BA em particular, onde a empresa Dass Clássico

emprega mais de 2.500 pessoas, observa-se que o fenômeno do “emprego efeito-renda22

” é

marcante e frequentemente utilizado como um “fenômeno extremamente positivo”. Por outro

lado, criou-se uma dependência evidente da economia local para com a única fábrica de

calçados existente no município. Nessas condições, é comum se ouvir da população o

argumento que reafirma a ideia da dependência com relação aos empregos que são gerados. É

comum se ouvir dos dirigentes do governo municipal e dos gerentes da fábrica que, caso o

grupo Dass Clássico resolva pela escolha de outra localidade para instalar sua fábrica, a

marginalidade atingirá o município de Santo Estevão-BA e a população não terá outra

possibilidade de sobrevivência.

A retirada da fábrica de calçados do município de Santo Estevão-BA para outra

localidade é verdadeiramente factível, considerando as mudanças nas condições de

competição entre empresas e entre nações e estados. Torna-se preocupante para a maioria dos

trabalhadores a possibilidade do crescimento do número de desempregados e a estagnação da

economia local, juntamente com todas as implicações socioespaciais negativas. Na maioria

das vezes, tal prognóstico não leva em conta que a permanência da fábrica no município pode

dar origem a uma legião de mutilados e inválidos por conta do trabalho repetitivo, o que pode

22 O Emprego Efeito-Renda é obtido por meio da transformação da renda dos trabalhadores em consumo. Os

trabalhadores gastam parte de sua renda adquirindo produtos e serviços diversos, segundo seu perfil de consumo,

estimulando a produção de um conjunto de setores e realimentando o processo de geração de emprego

(NAJBERG; PERREIRA, 2004).

94

causar também implicações negativas para o futuro da economia local e para população de

modo geral.

Apesar do discurso de dependência com relação aos empregos originados pela

instalação da fábrica em Santo Estevão-BA, é importante salientar que a associação coletiva e

comunitária dos trabalhadores da cidade e do campo pode criar alternativas de geração de

emprego e renda que levem em conta as potencialidades e características ambientais e

culturais das localidades e do município, o que pode dar origem a condições mais dignas de

trabalho para a maioria das pessoas. Melhor seria que as localidades e regiões comportassem

uma grande variedade de atividades econômicas, o que permitiria uma complementaridade

entre elas.

3.2.4. REPRODUÇÃO DA REGIÃO PRODUTORA

As corporações empresariais necessitam frequentemente reafirmar e manter uma

determinada organização socioespacial no intuito de ampliar os lucros. Mesmo que as

atividades produtivas sejam desenvolvidas com baixo ou alto grau de articulação e

complexidade, há uma organização do espaço inerente a elas e que precisa ser mantida.

A produção de calçados utiliza uma quantidade grande de trabalhadores, daí se afirmar

que o calçado é um produto intensivo em força de trabalho. Geralmente, os salários pagos

pelas grandes corporações que instalam unidades produtivas na região Nordeste do Brasil são

baixos, em média 40% menores que os salários pagos às mesmas categorias de operários nas

regiões de tradição calçadista (como Rio Grande do Sul e São Paulo). As práticas

desenvolvidas pela administração da empresa, como a imposição de horas extras e o banco de

horas, provocam um descontentamento entre os trabalhadores. Além disso, os frequentes

casos de mutilações no manuseio das máquinas e os casos de Lesões por Esforço Repetitivo

(LER) e Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT) são frequentes. Essas

características associadas à produção calçadista, sobretudo a produção de calçados esportivos

que utilizam material sintético, conduz os trabalhadores e a população dos municípios onde as

fábricas são instaladas à construção de um imaginário negativo sobre o processo produtivo na

indústria de calçados.

A vigilância e a exigência de ritmo acelerado na produção de calçados provocam

mazelas graves na saúde dos trabalhadores. Ante a visão negativa associada às fábricas de

95

calçados, as empresas buscam diminuir essa imagem negativa e reproduzir as condições para

a manutenção de suas atividades. Essas ações das empresas são denominadas de “reprodução

da região produtora” (CORRÊA, 1992).

Uma dessas práticas se baseia em estratégias de relação com o “capital humano”.

Segundo documento da própria empresa, o “Manual de Integração”, em seu item intitulado

“Relação com a comunidade”, a empresa abre oportunidades para a promoção de eventos para

o recebimento de visitas técnicas e de familiares de trabalhadores.

Estas visitas são coordenadas pelo setor de Recursos Humanos e divididas em dois

momentos: apresentação institucional do Grupo Dass e apresentação das

dependências da unidade. A visita de familiares tem programação bimestral e

divulgação antecipadas nos placares (DASS, 2010, p. 12).

As visitas à unidade fabril do grupo Dass Clássico, em Santo Estevão-BA, são feitas

preponderantemente por alunos de escolas do ensino fundamental acompanhados de seus

professores. O maior interesse dos gerentes e do setor de Recursos Humanos (RH) da fábrica

é mostrar que a empresa tem preocupação com a saúde dos trabalhadores e que as pessoas que

trabalham na Dass Clássico têm carteira assinada e um conjunto de direitos trabalhistas

garantidos.

Sem dúvida, “assinar a carteira” do trabalhador provoca uma euforia entre as pessoas,

haja vista que, antes da instalação da fábrica, os trabalhadores que conseguirem um emprego

cujo empregador garantisse o pagamento do salário mínimo e o respeito às leis trabalhistas

não era uma coisa frequente, sobretudo se levarmos em consideração os trabalhadores mais

jovens e com baixa escolaridade.

Há indícios de que o intuito de tal ação seja tentar criar um discurso contrário à

repercussão negativa dos casos de problemas de saúde que acometem os trabalhadores da

fábrica de calçados. Os dados adquiridos por meio da aplicação de questionário com os

operários da fábrica apontam que o trabalho na produção de calçados em Santo Estevão-BA

compromete negativamente a saúde das pessoas, deixando-os adoentados com LER/DORT.

Os números apontam que 90% dos funcionários não possuem plano de saúde; dores

constantes são os principais tipos de queixas registradas por 47% dos empregados; 33%

sentem dores na coluna; 30% sentem dores nas pernas; 24% sentem dores de cabeça e/ou

tonturas; 13% sentem dores nos braços.

Todos os trabalhadores que responderam ao questionário aplicado afirmaram que

passaram a sentir esses desconfortos depois de terem começado a trabalhar na fábrica de

calçados. As queixas não são somente de ordem física, há também as pressões psicológicas

96

com vários registros de assédio moral. De acordo com Ramos e Brito (2012), na fábrica de

calçados em Santo Estevão-BA: “22% dos trabalhadores já sofreram algum tipo de mau trato,

com adjetivações como “a batata podre do saco”, “burro”, “inútil”, entre outras distinções

pejorativas, inclusive com um caso de “castigo” de uma funcionária colocada pela chefia da

fábrica” (RAMOS; BRITO, 2012).

Segundo informação do sindicato dos trabalhadores que representa os funcionários da

fábrica (associado ao Sintracal23

), têm ocorrido casos de acidentes graves durante o processo

de produção, a exemplo de mutilações de membros superiores ou parte deles. O motivo

principal apontado pelos dirigentes sindicais como causa dos acidentes é a exigência cada vez

mais excessiva e rigorosa para que os trabalhadores cumpram as metas de produção, o que

implica o aumento da velocidade e a exigência de destreza dos operadores das máquinas.

Seguindo um modelo de produção similar ao fordismo, a produção de calçados na

fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA possui um mecanismo de controle de produção

em que a função de cronometrista exige que os trabalhadores cumpram as metas pré-

estabelecidas. O trabalhador, nesse caso, é incessantemente pressionado a cumprir as metas,

tendo, inclusive (segundo informações dos próprios trabalhadores) pré-estabelecido também o

número de vezes que podem ir ao banheiro ou beber água. Os mecanismos de exigência de

produtividade são uma das marcas principais da fabricação de calçados. Conforme

informativo da empresa Dass Clássico:

[...] as 12 operações se tornaram três grandes sistemas e foram colocadas em linha

de fluxo contínuo. Assim, o caminho de produção está mais curto e controlado, com

aumento significativo de eficiência. Além disso, os estoques foram reduzidos e as

ferramentas para gerenciamento visual, com painéis e demarcação, colocadas em

prática (DASS, 2012).

O controle do tempo de produção e a exigência frequentes para que se atinja uma maior

produtividade podem induzir os operários a intensamente repetir várias vezes durante o dia de

trabalho os mesmos movimentos. Esses movimentos mecânicos e repetitivos exigem a

utilização exaustiva dos membros superiores (braços e mãos), o que ocasiona as lesões e em

muitos casos mutilações, conforme se pode observar, na Figura 3, a mão de um operário que

teve seu dedo indicador amputado ao lidar com uma das máquinas no interior da fábrica

(casos como estes são freqüentes na linha de produção de calçados não só do Brasil mas em

todo o mundo).

23 Sindicato dos Trabalhadores Calçadistas

97

Figura 3 – Ex-trabalhador da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA

com amputação do dedo indicador.

FONTE: pesquisa de campo do autor.

Esses funcionários lesionados são afastados e amparados pela previdência social pública

e, ao retornar ao trabalho, geralmente são demitidos sem demais esclarecimentos. Esse é um

dos motivos da alta rotatividade da força de trabalho nas empresas desse setor. Segundo o

Sistema Nacional de Emprego (SINE) 24

, essa rotatividade de trabalhadores na fábrica, em

Santo Estevão-BA, chega a 20 trabalhadores por semana a depender da época do ano; aliado a

isso, há o desconhecimento dos direitos trabalhistas e a precariedade da formação política

classista, o que se comprova pela quantidade de filiados ao sindicato (30 trabalhadores

filiados). Segundo um dos ex-dirigentes do sindicato:

Após a criação do sindicato conseguimos filiar até 403 trabalhadores. Destes

filiados, 183 tinham a contribuição sindical descontada em folha e os outros

pagavam em boleto bancário por medo dos gerentes da fábrica os perseguir e

demitir. Durante determinado período chegou a existir 50 rescisões de contratos em

1 único dia (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 12/05/2010).

As visitas oferecidas pelo setor de recursos humanos da fábrica Dass Clássico, em

24 O Sistema Nacional de Emprego é uma instituição ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego.

98

Santo Estevão-BA, visam convencer as crianças e adolescentes de que o trabalho na Dass não

é ruim como algumas pessoas dizem; e que eles podem ser futuramente “colaboradores” 25

da

empresa, trabalhando na produção de calçados. Para enfatizar tal “interesse” na condição

social da população, o setor de RH (Recursos Humanos) da Dass Clássico também promove

apoios a diversos projetos “sociais” com ênfase em educação, cultura e esportes.

A necessidade de repor trabalhadores na linha de produção obriga a administração da

fábrica a utilizar diversos mecanismos de propaganda e promoção de eventos para evitar ou

minimizar uma suposta “imagem” negativa criada na população. Convencer os jovens a,

futuramente, ter a possibilidade de trabalharem na produção industrial de calçados torna-se

vital para a Dass Clássico na medida em que a rotatividade de trabalhadores neste segmento

produtivo é muito grande.

Entre as diversas atividades criadas pela administração de recursos humanos da fábrica

Dass Clássico, em Santo Estevão-BA, pode-se mencionar, além da promoção e incentivo às

visitas de estudantes do ensino fundamental e de familiares de trabalhadores à fábrica, o

oferecimento de 30% de desconto aos trabalhadores da Dass Clássico que comprarem na loja

Dass Outlet (loja da fábrica) e 20% de desconto a funcionários públicos municipais e

estaduais. As compras podem ser parceladas e descontadas diretamente na folha de

pagamento dos trabalhadores; o valor das parcelas referentes às compras na loja não podem

exceder o valor da remuneração mensal de cada trabalhador. Segundo alguns operários

entrevistados, alguns dos calçados na loja Dass Outlet têm pequenos defeitos de fabricação.

A rede de lojas Dass Outlets é administrada pela empresa Anvel (Comércio de Artigos

Esportivos), pertencente à divisão de varejo do Grupo Dass Clássico. Além da rede de lojas, a

Anvel também administra o endereço virtual na internet para comercialização de artigos

esportivos Sportson.com.br (DASS, 2012).

A oferta de patrocínio a eventos populares locais também é utilizada pela empresa

como forma de divulgar sua marca. Diversas festas recebem o patrocínio da Dass, no entanto,

as festas juninas são o marco maior de mobilização de patrocínio na empresa, pois mobiliza

toda a cidade, atraindo também pessoas que residem em municípios vizinhos. O grupo Dass

Clássico se referencia como um dos grandes agentes da iniciativa privada (se não o maior) a

patrocinar a festa, conforme se pode observar nas figuras 4.

25 Em meio à metamorfose do mundo do trabalho nos últimos anos, com o advento da “produção flexível”,

desregulamentação econômica, o neoliberalismo, crescente competitividade entre empresas e entre países, além

das ideias localistas de desenvolvimento, os trabalhadores passam a ser chamados de colaboradores. Tal

denominação visa inseri-los na dinâmica da gestão produtiva e do desenvolvimento local no sentido de

colocados como co-responsáveis pelo desenvolvimento local e responsabilizá-los também pela manutenção de

seus postos de trabalho (ANTUNES, 2010; BRANDÃO 2007).

99

Figura 4 – Propaganda Dass Clássico nas festas juninas em Santo Estevão-BA – 2011

Fonte: Ildo Rodrigues Oliveira, pesquisa de campo.

Outros eventos, como passeios ciclísticos, maratonas, torneios de futebol, sorteio de

cestas básicas, grupo de dança e semanas de apresentações artísticas e de talentos, também

são promovidos pela empresa, a fim de minimizar as constantes críticas e reclamações dos

operários e da população para com as condições de trabalho que são impostas no interior da

fábrica. Um dos eventos internos da fábrica que mobiliza quase todos os operários é a

“Semana Dass”, que em 2011, teve sua terceira edição, promovendo competições entre

modalidades de talentos como “arte, cultura, culinária, esporte, diversão, estética,

entretenimento, ornamentação”. Nesse evento a competitividade entre os trabalhadores é a

característica principal. Os trabalhadores que mais destacam nesse evento ganham prêmios e

se destacam perante aos outros.

Sendo assim, pode-se constatar que, para reprodução da região produtora, ou seja, para

a manutenção da disponibilidade de uma grande quantidade de pessoas para o trabalho na

linha de produção de calçados, a empresa Dass Clássico utiliza intensamente diversos

mecanismos, tentando dirimir assim a má impressão ou imagem negativa criada na população

e nos operários que trabalham na própria fábrica de calçados.

100

3.3. EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E ASSESSÓRIOS.

Constituindo variadas e diversificadas ligações em rede entre as suas unidades

produtivas e as diversas empresas fornecedoras de componentes para a fabricação de

calçados, o grupo Dass Clássico, direta e indiretamente, constrói determinadas características

espaciais que são de suma importância para a manutenção da produção de mercadorias

(calçados) em larga escala, nos locais onde possui unidades fabris.

Haja vista ter instalado grande parte de suas unidades produtivas em locais onde a

produção de calçados esportivos e de couro não se constituía em uma atividade tradicional, a

necessidade do grupo Dass Clássico em manter contatos entre empresas de outras localidades

que podem suprir a demanda por materiais, acessórios e componentes é premente. Com o

crescimento do número de fábricas de calçados no estado da Bahia, muitas empresas de

componentes e acessórios começaram a se instalar para atender a demanda existente, assim o

grupo Dass Clássico, que no início de suas operações adquiriu grande parte de insumos e

acessórios para a fabricação de calçados esportivos em outros estados e até fora do país,

começa a adquirir insumos, acessórios e componentes nas novas empresas que se instala na

Bahia.

3.3.1. A EMPRESA FORTIK E O GRUPO FCC

A fábrica de calçados Dass Clássico, localizada no município de Santo Estevão-BA,

adquire componentes e cola da empresa Fortik Nordeste, que iniciou suas operações em 1999,

no município de Conceição do Jacuípe, onde ocupa uma área de 12 mil metros quadrados,

produzindo calçados e sandálias de plástico, materiais de couro, compostos para saltos,

solados, adesivos, auxiliares para colagens, selantes e produtos químicos para calçados. O

investimento estatal destinado à implantação da unidade fabril da Fortik, no município de

Conceição do Jacuipe, foi estimado pela SUDIC em R$ 12 milhões, enquanto o investimento

privado foi estimado em R$ 4.236.616,11, ou seja, pouco mais de 1/3 de investimento

privado. O grupo econômico que dá suporte à empresa Fortik Nordeste é eminentemente

nacional, formado por duas fábricas do segmento de calçados (o nome das fábricas não é

informado pela Fortik) e a empresa denominada Fornecedora (FCC), oriunda da cidade de

101

Campo Bom-RS.

Inserida no maior complexo rodoviário do Nordeste, próximo às rodovias BR 116, BR

101 e BR 324, a empresa conta com uma posição estratégica sob o ponto de vista logístico,

principalmente na distribuição dos produtos para o Nordeste e Sudeste do país. Os produtos

desenvolvidos são: adesivos, injetados, elastômeros termoplásticos, palmilhas, solas e solado

de couro e de borracha. Os adesivos Fortik contam com uma linha completa de produtos e

sistemas de colagem para o setor coureiro-calçadista.

O Grupo FCC Fornecedora, um dos parceiros e controladores da Fortik Nordeste,

tornou-se, nos últimos anos, o principal fornecedor de elastômeros termoplásticos da América

Latina. Além da fábrica da Fortik, em Conceição do Jacuípe-BA, o Grupo FCC controla

também a empresa Norplast com unidade de produção no mesmo município e em outros

estados brasileiros. Com uma característica forte de aquisição de empresas concorrentes, o

conglomerado FCC comprou a empresa Plastine e formou a Norplast. Além das unidades

fabris descritas, o Conglomerado FCC possui uma fábrica no Uruguai, conforme se pode

observar no Quadro 2.

Quadro 2 Relação de fábricas pertencentes ao grupo FCC.

Pais Estado Cidade Tipo de atividade

Brasil Bahia Conceição do Jacuípe Produção de adesivos, termoplásticos e

componentes.

Brasil Rio Grande do Sul Campo Bom Produção de adesivos, vedantes,

termoplásticos e componentes.

Brasil Ceará Morada Nova Adesivos

Brasil São Paulo São Paulo Escritório comercial, depósito, centro

de distribuição e laboratórios de testes.

Uruguai Canelones* Canelones Termoplásticos e adesivos

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em http://www.fcc.com.br/ .Acessado em 21/05/2011.

*O Uruguai é dividido em 19 departamentos.

Como a maioria dos conglomerados industriais capitalistas, o Grupo FCC também

desenvolve práticas espaciais para manter as condições socioespaciais de produção. A

Norplast de Conceição do Jacuípe-BA desenvolveu, nos últimos anos, um trabalho de

renovação e recuperação de prédios escolares no município. As escolas são indicadas pela

prefeitura segundo critérios de necessidade da obra. Os 48 trabalhadores da empresa são

convocados para ajudar na limpeza do pátio, pintar paredes e muros, recuperar a rede elétrica

e hidráulica das escolas, além de construir espaços para despensa e refazer os banheiros.

A ação de reforma de algumas escolas no município de Conceição do Jacuípe-BA,

promovido pelo grupo empresarial FCC, completou três anos em 2010. Segundo documentos

102

divulgados pela empresa em seu endereço eletrônico (http://www.fcc.com.br), essas ações

oportunizadas aos seus “colaboradores” se constituem como uma atividade de

“responsabilidade social”. A empresa fornece todos os materiais necessários para a

recuperação do prédio da escola (parte hidráulica, elétrica, cimento entre outros materiais de

construção) e os colaboradores “doam” seu trabalho. Porém, vale salientar que tal prática de

reforma de escolas, promovida pela empresa da FCC, pode render benefícios fiscais na

medida em que alguns municípios do estado da Bahia, a exemplo do município de Santo

Estevão, possuem leis que isentam as empresas do pagamento do ISS (Imposto Sobre

Serviçoes) caso as mesmas façam reformas em prédios de escolas da rede pública de ensino

municipal.

Em consonância com os interesses de expansão de suas atividades na Bahia e

aproveitando os benificios discais já existentes, a corporação FCC ampliou, em novembro de

2010, sua unidade fabril localizada no município de Conceição do Jacuípe-BA. O

investimento de R$ 8 milhões em equipamentos favoreceu a expansão física da fábrica, que

por sua vez triplicou a capacidade de produção e transforma a unidade baiana da FCC na

maior fábrica de adesivos para a indústria de calçados da América Latina, acompanhando

assim o atual momento de expansão da economia brasileira e em espacial da economia da

Bahia.

Entre as novas ações que a FCC está implementando em Conceição do Jacuípe-BA,

está a instalação de laboratórios completos para o desenvolvimento de novos adesivos e testes

de novos materiais, contribuindo para a desconcentração da produção da industrial neste setor.

A unidade da Bahia responde pelo fornecimento de adesivos para as regiões Sudeste, Norte e

Nordeste do Brasil. O investimento em pesquisas permitiu à FCC o desenvolvimento de

componentes e assessórios para a fabricação de calçados esportivos que atende a diversas

fábricas no Nordeste do Brasil.

3.3.2. BRISA INDÚSTRIA DE TECIDOS TECNOLÓGICOS

Nos últimos anos, a fabricação de calçados esportivos vem ganhando cada vez mais

atenção quanto à utilização de novos materiais. A crescente necessidade de diversos grupos

empresariais transformou a produção de calçados em um verdadeiro laboratório de descoberta

e produção de novos materiais para o setor. Seguindo as necessidades do mercado, o grupo

103

Dass Clássico, entre outras empresas que produzem calçados no Nordeste e na Bahia, utiliza

tecidos sintéticos desenvolvidos pela empresa Brisa Indústria de Tecidos Tecnológicos S/A.

A Brisa, empresa que fornece componentes para produção de calçado, está instalada no

município de Simões Filho, no Centro Industrial de Aratu (CIA) e é uma das grandes

fornecedoras de componentes para a fabricação de calçados para a fábrica do grupo Dass, no

município de Santo Estevão-BA. A Brisa fornece tecidos sintéticos, produtos de couro, forro

sintético, tecidos impregnados, revestimentos, recobertos ou estratificados com poliuretano

para várias fábricas de calçados na Bahia, entre elas estão: Azaléia, Via Uno, Bison, Malu,

Arezzo e Paquetá. Para o início das operações de fabricação dos componentes citados, os

investimentos privados estimados pela empresa chegaram a R$ 20 milhões, enquanto o

investimento público estimado pela Superintendência de Desenvolvimento Industrial e

Comercial (SUDIC) chegou a R$ 138.189,80. Com previsão de produção de 4 milhões de

metros quadrados de tecido sintético por ano, a fábrica emprega cerca de 240 trabalhadores.

3.3.3. GRUPO ORSA

O grupo Orsa trabalha há trinta anos na produção de celulose, papel e papelão.

Produzindo mais de 1,1 milhão de toneladas anuais de produtos de origem vegetal, desde o

plantio das árvores até a produção das embalagens. A empresa Orsa Celulose, Papel e

Embalagens fornece embalagens e chapas de papelão ao grupo Dass Clássico. O faturamento

da empresa Orsa, em 2006, foi de R$ 1,4 bilhão.

O primeiro empreendimento que deu origem ao que hoje se constitui no grupo Orsa teve

início em 1981,em uma pequena cartonagem na Vila Zelina, localizada na zona leste da

cidade de São Paulo. O Grupo começou a se expandir em 1986, quando construiu uma planta

para a produção de chapas e embalagens na cidade de Suzano-SP. Em 1994, a empresa criou a

Fundação Orsa para organizar a atuação do grupo na área socioambiental, respondendo às

críticas das organizações ambientalistas quanto à utilização de amplas áreas para plantio de

eucalipto, haja vista ser esse tipo de plantio prejudicial à biodiversidade, muitas vezes sendo

denominado de “floresta homogênea”.

Em 2000, o conglomerado Orsa fez o maior movimento de expansão empresarial até

então, quando adquiriu o controle acionário da empresa Jarí Celulose S/A. Instalado na

Amazônia, no Vale do Rio Jarí, o projeto Jarí possui uma das maiores áreas de floresta nativa

104

do planeta (1,7 milhão de hectares). O comando acionário da Jarí Celulose, em conjunto com

outras ações e estratégias do grupo Orsa, contribuiu para um crescimento significativo dos

lucros entre os anos de 1994 e 2006, quando atingiu 275% enquanto o PIB brasileiro teve uma

expansão de 41%.

A origem da empresa que hoje é controlada pelo grupo Orsa, a Jarí Celulose, remonta

ao ano de 1967, quando um bilionário empresário norteamericano chamado Daniel Keith

Ludwig adquiriu uma grande extensão de terras às margens do Rio Jarí, no intuito de utilizá-la

para produzir celulose.

Com unidade de produção de celulose no Japão, onde empregava técnicas inovadoras de

cultivos em plataformas flutuantes, Ludwig ambicionava expandir seus negócios por várias

regiões do planeta, antevendo a crescente demanda por celulose que iria ocorrer na economia

mundial. Formando a empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, o empresário

norteamericano planejava instalar um projeto de reflorestamento com árvores de crescimento

rápido, além de pretender a expansão das atividades no segmento da mineração, pecuária e

agricultura. O projeto ocupa uma área extensa entre os estados do Amapá e Pará e abriga uma

população de 139 mil habitantes em três municípios e dezenas de comunidades espalhadas

pela floresta.

Com a execução do grandioso Projeto Jarí em uma área de 16 mil quilômetros

quadrados, foi necessária a construção de uma cidade. Uma espécie de “cidade-empresa” nos

moldes das cidades analisadas por Piquet (1998). A cidade denominada Beiradão abrigou

(além das instalações da empresa) os trabalhadores, hospitais e escolas. Em 1982, ano da

venda da empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda, a cidade de Beiradão tinha 30 mil

habitantes.

Conforme se pode constatar na Tabela 8, o grupo Orsa está organizado em quatro

empresas que atuam de forma integrada:

Tabela 8

Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008

Empresa Atividade Número de trabalhadores

OCPE Produção de celulose, papel, embalagens, chapas

para embalagens e papelão ondulado.

2.636

Jarí Celulose Plantio de árvores e produção de celulose de

eucalipto.

710

Orsa Florestal Produção de madeira 14.000

Fundação Orsa Programas e projetos sociais ...

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em Orsa, 2008.

NOTA: ... Dado não disponível

105

A empresa que mais interessa para análise da produção e comercialização dos calçados

esportivos, produzidos pelo grupo Dass Clássico, é a Orsa Celulose, Papel e Embalagens

(OCPE), pois essa fornece as embalagens para os calçados produzidos pelo grupo empresarial

Dass Clássico em todo o Brasil.

Produzindo embalagens para diversas empresas nacionais e internacionais que

funcionam no Brasil e no exterior, a OCPE é a segunda maior empresa integrada de papel

para embalagens, chapas e papelão ondulado do Brasil. A empresa tem capacidade para

produzir, por ano, 368 mil toneladas de papel para embalagens e 336 mil toneladas de chapas

e embalagens de papelão ondulado (ORSA, 2008). Subjacentes à produção de papel e

celulose, estão a degradação ambiental ocasionada pela monocultura do eucalipto, que

provoca a diminuição da biodiversidade; a concentração de terras (formação de latifúndios); a

penetração das raízes do eucalipto nos lençóis freáticos, prejudicando o abastecimento de

água nas regiões, além de implicar na mudança do nível das águas fluviais.

3.4. SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA UNIDADE FABRIL DA EMPRESA DASS

CLÁSSICO NO MUNÍCPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA

Com a instalação de fábricas de calçados na Bahia, diversas empresas fornecedoras de

componentes e acessórios para a produção calçadista e confecções, foram instaladas no

estado, atraídas pelas ações de concessão de isenções fiscais, pelos investimentos públicos

para a instalação das fábricas e pela possibilidade de ampliar sua produção e,

consequentemente, seus lucros. Essas empresas de componentes, que no início dos anos de

1990 praticamente eram inexistentes na Bahia, passaram a se instalar e criaram uma complexa

rede geográfica que dá suporte à manutenção das fábricas de calçados na Bahia.

Até 2006, 23 empresas que fabricam acessórios e componentes para calçados estavam

instaladas na Bahia, são elas: Artecola, localizada na cidade de Dias D’Avila, que fabrica

cotraforme, couraças e forros; Baplastil, localizada em Feira de Santana e fabrica solado de

poliuretano; Brasflex, instalada em Camaçari e fabrica artigos têxteis (alças, fitas, cadarços e

fios) produzidos a partir de material sintético ou natural; Brisa S/A, localizada na cidade de

Simões Filho e fabrica produtos de couro e forro sintéticos, a base de poliuretano; Cia das

Etiquetas, localizada na cidade de Cruz das Almas e fabrica palmilhas para calçados;

Colorgraf, localizada na cidade de Itapetinga e fabrica estampas e etiquetas transferência para

106

calçados; Curtume Mastrotto Reichert, localizada na cidade de Cachoeira, produzindo

acabamento de couro para a indústria de artefatos de couro e de calçados e a fabricação de

artefatos de couro; Diklatex Nordeste, localizada na cidade de Itapetinga, fabricando tecidos

para calçados, tecidos para confecções, tecidos para móveis e tecidos dublados; Dubahia,

localizada na cidade de Santo Antonio de Jesus e fabrica componentes para calçados, como

dublagem industrial para calçados e adesivos em tecidos para calçados e confecções; Espra,

localizada na cidade de Salvador e fabrica palmilhas para calçados; Fipan-tonet, localizada na

cidade de Jequié e fabrica elásticos, fitas e cadarços para calçados e confecções; Fortik

Nordeste, localizada na cidade de Conceição do Jacuípe, fabrica materiais de couro, partes,

componentes, compostos para saltos e solados e produtos químicos para calçados; Fortik

Bahia, também localizada na cidade de Conceição do Jacuípe e fabrica compostos

termoplásticos e elastômeros, adesivos, auxiliares para colagem e selantes; Killing, localizada

na cidade de Simões Filho, produz adesivos para a indústria de calçados e móveis e de tintas

industriais e prediais; Marfim Bahia, localizada na cidade de Cruz das Almas e produz

cadarços e elásticos para calçados; Moschen Bahia, localizado na cidade de Cruz das Almas e

produz palmilhas para calçados; Polibhela, localizada na cidade de Serrinha e produz solados

de poliuretano para indústria de calçados em geral; Polytana, localizada na cidade de Simões

Filho, produzindo solados e outros componentes para calçados; Empresa Rui Barbosa,

localizada na cidade de Riachão do Jacuípe e produz fivelas, enfeites para calçados, navalhas,

cintos, calçados, bolsas e afins; Sivam Bahia, localizada na cidade de Itapetinga, produzindo

componentes para calçados; Solajit, localizada na cidade de Cruz das Almas produzindo

solados e componentes plásticos para calçados; Una Química, localizada na cidade de

Salvador e produz adesivos para calçados; Vinilex, localizada em Jequié e produz materiais

de couro, partes, componentes, compostos para saltos e solados e produtos químicos para

calçados.

Outras empresas de componentes assinaram protocolo de intenção no sentido de pleitear

os benefícios concedidos pelo Governo da Bahia. Entre essas empresas estão: Beta Plástico,

Emanual Colagens, Espugum Faberpeiper, ILP Têxtil, Kenda, Liko Bahia, Marcon Bahia,

Projeto Moda, Texpal Tec Tecnológico. Ao todo, o investimento privado estimado para a

implantação das empresas é de R$ 21.750.000,00. Os municípios indicados no protocolo de

intenções para a implantação das fábricas de componentes foram: Milagres, Camaçari,

Teixeira de Freitas, Jequié e Simões Filho.

Além das empresas que fabricam calçados e acessórios para calçados, o estado da Bahia

recebeu também outras empresas. Talvez o exemplo mais lembrado e discutido foi a

107

instalação da montadora nortemericana de automóveis Ford. A Ford foi instalada no

município de Camaçari-BA. O BNDES financiou R$ 1,3 bilhão para a instalação da fábrica,

com juros de 2% ao ano. Foram concedidas isenções de impostos de importação, de IPI, de

imposto de renda sobre o lucro que a montadora tiver, e mais doação do terreno para

instalação com toda a infra estrutura.

As ações do Governo baiano para atração de fábricas de calçados envolvem também a

atração de fábricas de componentes e acessórios. São várias as empresas nos últimos 10 anos

(2000 a 2010), que receberam investimentos públicos para a instalação na Bahia, conforme se

pode observar na Tabela 9.

Tabela 9

Relação de empresas, investimentos e mão de obra - 2006

Empresa Investimento privado

(R$) – Protocolo

Investimento público

(R$) - SUDIC

Mão de obra

empregada

Artecola 4.970.000,00 5.000,00 26

Baplastil 1.240.000,00 .... 46

Brasflex 9.200.000,00 .... 38

Brisa S/A 20.000.000,00 138.189,80 143

Cia das Etiquetas 1.000.000,00 .... 45

Colorgraf 2.000.000,00 .... 46

Curtume Mastrotto 90.000.000,00 1.571.509,98 636

Diklatex Nordeste 4.000.000,00 .... 20

Dubahia 350.000,00 885.602,50 20

Espra 1.437.000,00 .... ....

Fipan – tone 1.000000,00 130692,38 41

Fortik Nordeste 12.000.000,00 4.234.616,11 360

Fortik Bahia 0,0 .... ....

Killing 5.000.000,00 .... 22

Marfim Bahia 1.500.000,00 .... 35

Moschen Bahia 2.000.000,00 .... 18

Polibhela 2.000.000,00 517.597,76 140

Polytana 7.500.000,00 797.899,36 59

Rui Barbosa 19.000.000,00 2.086.733,75 40

Sivam Bahia 500.000,00 .... 5

Solajit 800.000,00 79.319,79 42

Una Química 500.000,00 .... 13

Vinilex 12.000.000,00 1.080.000,00 129

TOTAL 197.997.000,00 11.527.161,43 1.924

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em dados da SUDIC, 2006

NOTA: .... Informações não disponíveis

O grupo empresarial Dass Clássico consegue suprir a maior parte da necessidade desses

componentes comprando materiais de fornecedores que já estão instalados na Bahia, mais

108

especificamente em fábricas localizadas no Polo Industrial de Camaçari.

Mapa 6 – Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a produção de calçados

na Bahia - 2010

109

Na Bahia, a falta de um agrupamento de fábricas em municípios vizinhos vai de

encontro à ideia veiculada por órgãos estatais que afirmam existir no estado um “pólo

calçadista”. Tornou-se frequente a associação do conceito de “pólos industriais” às fábricas

calçadistas que se localizam no interior do estado. No entanto, o conceito de “pólo industrial”

pressupõe um agrupamento de uma série de atividades industriais e empresariais que podem

vir a estar relacionado entre si, o que não é o caso da indústria de calçados na Bahia.

A fábrica de calçados, localizada na cidade de Santo Estevão-BA, desde 2006, passou a

não contratar muitos fornecedores de outros estados para adquirir componentes para os

calçados fabricados na Bahia. De acordo com um dos gerentes da fábrica de calçados em

Santo Estevão-BA:

Segue-se um conjunto de exigências da Nike quanto ao padrão de qualidade dos

materiais. Há alguns anos todo o material era adquirido no Sul e Sudeste do Brasil.

Atualmente adquirimos 90% do material em indústrias e fábricas que já se instalam

na Bahia para acompanhar as indústrias de calçados que se instalaram neste Estado.

Por exemplo: espuma, cola e EVA adquirimos no atacado, no Pólo Petroquímico,

CIA e CIS. Alguns materiais, em casos eventuais, são importados da China

(Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 05/05/2012).

O funcionamento e operacionalização da rede da fábrica da empresa Dass Clássico pode

ser dividido em pelo menos quatro instâncias principais: 1- Relação entre as empresas que

formam a holding; 2 - as marcas internacionais que contratam o serviço da Dass Clássico; 3 -

a relação com os fornecedores de componentes e acessórios; 4- as marcas sob o comando da

própria empresa. Pode-se notar a organização da corporação na Figura 6.

Figura 5 - Grupo empresarial Dass Clássico – 2011

FONTE: elaborada por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em trabalho de campo e

entrevistas.

110

Produzindo diversas marcas de calçados internacionais, a Dass Clássico tem no mercado

consumidor das regiões Sudeste e Sul do Brasil seu principal destino de vendas, conforme

depoimento de gerentes da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA:

[...] a fábrica Dass Clássico em Santo Estevão sempre teve como alvo principal

produzir para o mercado interno; em casos eventuais produzimos para suprir o

mercado argentino. Nos últimos anos vem crescendo muito a demanda no mercado

interno, principalmente para o Sudeste, devido aos índices de crescimento

econômico do país. O mercado consumidor do Brasil se ampliou muito (Entrevista

concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 02/05/2011).

Desta forma, entre as empresas que compõem o grupo Dass Clássico existe uma relação

administrativa e produtiva que funciona em rede e que evidencia uma divisão espacial do

trabalho. As unidades fabris pertencentes à antiga empresa Clássico, na maioria dos casos,

especializaram-se na gerência administrativa e na produção de confecções esportivas; as

ordens de distribuição, local de produção e diálogo com os fornecedores são gerenciados por

este segmento da rede corporativa. Por outro lado, as unidades que pertenciam à antiga Dilly

incorporaram a produção quase que total de calçados, que em sua maioria são vendidos para a

região Sudeste do Brasil.

111

4. O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES

SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS

O espaço geográfico, assim como outras instâncias que compõem a sociedade (o tempo,

a cultura, a política etc.), é influenciado e influencia diretamente a forma como a própria

sociedade se reproduz. A organização do espaço é, ao mesmo tempo, uma condição

fundamental para a efetivação da reprodução social ou do modo de produção em vigência. À

medida que a sociedade muda em sua dinâmica econômica e social, o espaço geográfico

também muda, concomitantemente, como forma de resposta e condicionamento aos novos

processos e novas finalidades; isso ocorre em virtude de os processos sociais e o espaço

geográfico estarem estritamente ligados de maneira indissociável.

Evidenciando essa indissociabilidade entre sociedade e espaço geográfico, neste

capítulo, destaca-se as principais implicações socioespaciais na cidade de Santo Estevão-BA,

após a instalação da fábrica de calçados pertencente ao grupo empresarial Dass Clássico. Esse

município foi inserido na lógica da rede de produção de calçados esportivos na escala

nacional com instalação e operação da fábrica Dass Clássico, a partir de 2001. Características

econômicas e sociais, que até 2001 vigoravam no município, passaram por redefinições, tanto

na cidade como no campo, sobretudo na cidade. A tímida participação na economia do estado

da Bahia, com destaque para a agricultura e pecuária, alterou-se com o incremento de uma

maior quantidade de dinheiro em circulação, de trabalhadores que se inseriram no mercado de

trabalho formal e proporcionou à economia local uma maior diversificação em termos de

oferta de serviço, atração de novos empreendimentos comerciais e fluxo de pessoas.

4.1. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE

SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS

Historicamente, a ocupação do espaço onde hoje se encontra os limites políticos do

município de Santo Estevão-BA teve na pecuária e na agricultura as principais atividades

econômicas. Majoritariamente praticada em pequenos e médios estabelecimentos rurais, é

com a atividade agropecuária que o município se inseria na economia baiana, até 2002,

produzindo principalmente feijão, milho, carne bovina e aves. A figura 7 esboça os principais

112

produtos comercializados por comerciantes e trabalhadores rurais, bem como as cidades que

faziam parte do processo de trocas comerciais praticadas até 2002.

Figura 6 – Produtos comercializados no município de Santo Estevão–BA, 2002

FONTE: Organizado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em PDDU de Santo Estevão, 2001.

Tendo parte de suas terras localizada no vale do Rio Paraguaçu, a zona rural de Santo

Estevão-BA desenvolveu, ao longo dos anos, uma diversidade significativa de produção

agrícola. De acordo com informações adquiridas junto aos dirigentes do sindicato dos

trabalhadores rurais, a policultura, em pequenos e médios estabelecimentos rurais, constituía-

se em fonte de alimento e renda (via comercialização do excedente) para a maioria da

população do campo. Com o passar dos anos, os estabelecimentos agrícolas foram sendo

subdivididos ainda mais, pois, à medida que os chefes das famílias foram morrendo, deixaram

as propriedades para serem subdivididas entre vários herdeiros. Conforme se pode observar na

Tabela 10, a maior parcela dos estabelecimentos rurais no município possui dimensões

113

consideradas pequenas, levando-se em conta que o tamanho do módulo rural26

, estabelecido

pelo INCRA para o município de Santo Estevão-BA, é 50 hectares. A estrutura fundiária, no

município, atualmente é caracterizada essencialmente por minifúndios que, devido às suas

dimensões, pode dificultar a manutenção da população no campo, pois a produção

agropecuária familiar se torna insuficiente.

Tabela 10

Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006

Grupo de Área Estabelecimentos Área

(ha)

Estabelecimentos

(%)

Área

(%) Mais de 0 a menos de 1 ha 2102 1082 45,38 5,14

De 1 a menos de 2 ha 620 895 13,38 4,26

De 2 a menos de 3 ha 315 754 6,80 3,58

De 3 a menos de 4 ha 230 793 4,96 3,77

De 4 a menos de 5 ha 209 922 4,51 4,38

De 5 a menos de 10 ha 304 2.108 6,56 10,02

De 10 a menos de 20 ha 138 1.910 2,98 9,08

De 20 a menos de 50 ha 84 2.605 1,81 12,39

De 50 a menos de 100 ha 23 1.534 0,50 7,30

De 100 a menos de 200 ha 11 1.564 0,24 7,44

De 200 a menos de 500 ha 21 6.296 0,45 29,94

De 500 a menos de 1000 ha 1 X 0,02 X

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE.Censo Agropecuário 2006.

X dado número omitido a fim de não individualizar a informação

Essa caracterização da estrutura fundiária, efetivada ao longo do tempo, contribuiu para

provocar, durante as décadas de 1980 e 1990, uma gradativa migração da população para os

centros urbano-industriais mais “prósperos” (RMS, São Paulo, Rio de Janeiro etc.). A zona

rural, após a instalação da fábrica de calçados na cidade de Santo Estevão, continuou com a

tendência de perder população.

A geração de empregos diretos e dos “empregos efeito renda”, estimulada pela presença

da grande indústria de calçados, imprimiu uma nova dinâmica econômica e populacional.

Devido à soma de dinheiro que é lançada na economia municipal, via pagamento de salários

aos mais de 2.500 trabalhadores, a atividade terciária expandiu-se e se diversificou,

absorvendo, assim, um contingente significativo de trabalhadores. A maior circulação de

dinheiro na economia local pode ser evidenciada por meio do crescimento do PIB municipal

26 O módulo rural corresponde à área mínima necessária a um estabelecimento rural para que sua exploração seja

economicamente viável. O cálculo para o estabelecimento do Módulo Rural para cada município é feito pelo

INCRA e leva em conta os seguintes aspectos: tipo de exploração predominante; a renda média obtida com a

exploração predominante; outras explorações que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da

renda e da área utilizadas; conceito de propriedade familiar.

114

representado na Tabela 11.

Tabela 11

Santo Estevão-BA: PIB

Municipal – 1999 a 2007

FONTE: elaborado por Ildo

Rodrigues Oliveira, com base em

SEI, 2010.

Como exemplo da geração de emprego, pode-se citar que, no mês de agosto de 2011, a

economia do município de Santo Estevão-BA gerou 132 novos postos de trabalho, conforme

os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). O índice colocou o

município na sexta posição, no estado da Bahia, no ranking que mede a evolução do emprego

formal em municípios com mais de 30 mil habitantes. Essa foi a melhor posição alcançada

desde a criação do CAGED, em 1992. Durante o mês de agosto, foram admitidos 227

trabalhadores e demitidos 95.

O crescimento do número de empregos formais e dos “empregos efeito renda”

proporcionou também o crescimento do mercado consumidor local, passando por sua vez a

exercer uma força de atração para novos empreendimentos comerciais, migração permanente

e migração pendular proveniente de municípios vizinhos.

4.2. IMPLICAÇÕES SOCIESPACIAIS NA ZONA URBANA

Na zona urbana de Santo Estevão-BA, durante a década de 1990, as atividades

industriais que mais se destacavam eram as de confecções e a atividade de fabricação de

tijolos e telhas nas olarias, correspondendo esses dois segmentos industriais a 64,14 % do

Ano PIB (R$ Milhões)

1999 49

2000 54

2001 60

2002 85

2003 102

2004 116

2005 141

2006 151

2007 180

115

número de unidades produtivas, conforme se pode observar na tabela 12.

Tabela 12

Unidades indústrias existentes em Santo Estevão/BA - 1996

Tipo de empresa Quantidade %

Indústria de confecções 37 52,7

Olarias 07 11,4

Panificadoras 05 8,2

Serralherias 03 4,8

Serraria 03 4,8

Mobiliário 03 4,8

Refringerante 02 3,3

Moinho de milho 01 1,6

Beneficiadora de castanha de caju 01 1,6

Torrefação de café 01 1,6

Produtos de limpeza 01 1,6

Pré moldados de concreto 01 1,6

Móveis tubulares 01 1,6

TOTAL 61 100

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em Prefeitura

Municipal – 1996.

A atividade comercial na cidade possui uma dimensão limitada no que se refere a

diversidade e ao mercado consumidor atendido. A compra e venda de produtos e alimentos

diversos eram feitas em pequenas mercearias ou na feira livre local que se realiza aos dias de

sábado. Não existiam lojas ou supermercados que fossem filiais de outras empresas e que se

articulassem a um conjunto de outras lojas espalhadas pelo país ou pelo estado da Bahia. Na

maioria dos casos, as empresas existentes não possuíam outros pontos comerciais ou filiais, e

sua área de influência comercial dificilmente ultrapassava os limites do município. Pode-se

afirmar ainda que, nesse período, anterior à instalação da fábrica de calçados Dass Clássico, a

circulação de mercadorias e a atividade econômica eram menos expressivas e os serviços

menos diversificados.

Para além das determinações escalares globais e nacionais que contribuem para a

análise e explicação da instalação de uma atividade fabril em determinado país ou região

(cujos principais fatores são a reestruturação produtiva, divisão internacional e territorial do

trabalho, expansão das relações capitalistas), existem as determinações ligadas a alguns

agentes sociais que possibilitam a efetiva instalação de unidades fabris em determinado local.

Uma das instituições responsáveis pela atração da fábrica de calçados para o município de

Santo Estevão-BA foi a Prefeitura Municipal, por meio do prefeito, entre os anos de 1997 e

2000.

Segundo entrevista concedida pelo prefeito que governou o município na época das

116

negociações para a instalação da fábrica de calçados, foram diversas as reuniões realizadas na

SUDIC, no sentido de entregar a pauta de solicitações da prefeitura ao Governo do estado. O

então prefeito do município, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), solicitou

reuniões com o então Governador do estado da Bahia (Paulo Ganem Souto), com o objetivo

de encaminhar uma pauta do que seriam (segundo ele e sua equipe de governo) as

necessidades mais urgentes para a “melhoria das condições de vida da população do

município”. Entre as dez necessidades esboçadas pelo prefeito, o governador estabeleceu que

devessem ser escolhidos os três pedidos considerados mais importantes. Assim, o prefeito de

Santo Estevão escolheu a instalação de um posto de saúde, uma escola de ensino médio e a

instalação de uma fábrica. As características da fábrica a ser instalada não foram discutidas.

De acordo com o prefeito:

Eu não sabia qual seria o tamanho da fábrica e nem queria estabelecer o tamanho. O

que era mais importante e urgente na época era a geração de empregos. Os jovens

estavam tendo que migrar para outras cidades, como Salvador ou São Paulo, para

poderem trabalhar e sobreviver. Quando a fábrica começou a funcionar eu percebi

que ela era muito mais grandiosa do que eu imaginava. Eu imaginava que gerasse

uns 400 ou 500 empregos, mas para minha surpresa são mais de 2000 postos de

trabalho. Até hoje sou muito grato ao Governador Paulo Souto e me sinto

comprometido a votar nele em todas as eleições que ele participar (Entrevista

concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 05/06/2012).

Considerando os argumentos do ex-prefeito de Santo Estevão-BA, pode-se destacar que

o Governo do estado da Bahia, nesse processo, deu mostras de que não existiam estudos

prévios que pudessem avaliar, mesmo que a priori, as repercussões econômicas e as

implicações socioespaciais da instalação de uma grande fábrica de calçados sobre a economia

e a população local.

No processo de instalação da fábrica, o Governo do estado cedeu provisoriamente a

infraestrutura com a construção dos galpões, viabilizando assim o efetivo funcionamento do

empreendimento industrial calçadista. Antes da instalação efetiva dos galpões, a prefeitura

concedeu a isenção de impostos por 10 anos. O terreno onde a fábrica foi instalada,

pertencente à família do então prefeito, foi considerado de utilidade pública pela prefeitura e

pela SUDIC e foi desapropriado mediante indenização seguindo os trâmites legais. No ano de

1999, por meio do Decreto nº 7.583 de 26 de maio de 1999, o Governo do estado autorizou a

SUDIC, com o apoio da Procuradoria Geral do Estado, a promover a desapropriação do

terreno na sede do município, com o intuito de utilizá-lo para a implantação da fábrica de

calçados.

Mesmo com a existência de terrenos públicos municipais às margens da rodovia BR

117

116, que legalmente, via Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), em 2002, foram

considerados área para a instalação de empreendimentos industriais e atração de atividades

correlatas, a fábrica de calçados foi instalada próxima ao centro urbano e comercial.

Conforme se pode observar no Croqui 1, o “distrito industrial” do município de Santo

Estevão-BA, que fica localizado à margem Sul da rodovia BR 116, deveria ser o local onde os

empreendimentos econômicos atraídos para o município fossem instalados, no entanto a

fábrica de calçados teve suas instalações erguidas próximo ao centro da cidade e em uma zona

de expansão habitacional.

Croqui 1 – Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001.

FONTE: PDDU de Santo Estevão, 2001 (Adaptado pelo autor).

118

A circulação de centenas de operários pelas ruas da cidade, nas horas de entrada e saída

da fábrica e no horário de almoço, contribui para que os moradores da cidade evitem trafegar

de um extremo a outro da cidade nesses horários, devido à grande quantidade de trabalhadores

que ocupam as ruas se deslocando a pé, utilizando bicicletas, motos e automóveis. A

velocidade do deslocamento dos trabalhadores, nas ruas da cidade, costuma ser alta, pois os

mesmos têm pouco tempo para o almoço (90 minutos) e tentam chegar o mais rápido possível

às suas residências, que geralmente estão localizadas na periferia da cidade. Acidentes com

vítimas fatais já foram registrados por conta desse deslocamento intenso.

A decisão de instalar a fábrica de calçados próximo ao centro da cidade é uma ação da

empresa no intuito de evitar o pagamento de auxílio transporte e concessão de alimentação

aos trabalhadores.

Figura 7 – Trabalhadores saindo da fábrica Dass Clássico (2012)

FONTE: pesquisa de campo feita por Ildo Rodrigues Oliveira (2012)

A necessidade de deslocamento mais rápido por parte dos trabalhadores contribuiu para

que a venda de motocicletas aumentasse consideravelmente nos últimos 6 anos, conforme

119

Tabela 13. A partir do levantamento feito por meio de aplicação de questionário aos

trabalhadores da Dass Clássico em Santo Estevão-BA, constatou-se que 65% dos

trabalhadores possuem motocicletas, dos quais 52% informaram tê-las adquirido após estarem

trabalhando na fábrica. Essa aquisição de meio de transportes se explica, entre outras coisas,

em virtude de a empresa Dass Clássico não oferecer transporte a seus funcionários; a distância

entre o local de moradia e o local de trabalho exige um meio mais rápido de deslocamento.

Vale ressaltar que três redes de lojas revendedoras de motocicletas se instalaram na

cidade de Santo Estevão-BA (a Motopel, Yamaha e a Shineray) atraídas pela crescente

demanda de motocicletas.

Tabela 13

Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009

Ano Automóvel Caminhão Camioneta Micro-ônibus Motos Ônibus Outros

2006 1.789 171 377 61 2.305 29 609

2007 1.932 189 420 65 2.779 29 731

2008 2.101 193 451 65 3.282 29 898

2009 2.353 206 469 63 3.848 35 1.055

2011 2.923 238 604 75 5.076 51 1.331 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base SIDE (Sistema de Dados Estatísticos),

SEI, 2011 (www.sei.ba.gov.br)

A área delimitada legalmente por meio do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano

do município de Santo Estevão, elaborado no ano de 2001, para a implantação de

empreendimentos industriais, ficou fora dos interesses do poder público quando da instalação

da fábrica de calçados. O PDDU de Santo Estevão denomina a área destinada à instalação de

empreendimentos industriais como sendo um “Distrito Industrial”, porém o mesmo não

possui órgão público específico que gerencia sua estrutura. Apenas uma fábrica de

embalagens plásticas (Paraguassú Embalagens) se encontra instalada nessa área; essa fábrica

não fornece embalagens plásticas para a fábrica Dass Clássico e sim para os comerciantes

locais que, devido ao crescimento do mercado consumidor local, demandam maior número de

embalagens para a venda de mercadoria nas lojas, supermercados e mercearias.

Com o descumprimento dos planos de uso e ocupação da terra urbana contidos no

PDDU do município, houve implicações substanciais sobre a dinâmica socioespacial da

cidade de Santo Estevão-BA. A instalação da fábrica próxima ao centro urbano contribui

diretamente para a valorização de imóveis/edificações e terrenos; para a especulação

imobiliária. A migração de população tanto de cidades vizinhas quanto da zona rural do

próprio município – que se desloca a procura de emprego tanto na fábrica de calçados quanto

120

no comércio – contribui para o crescimento dos valores de terrenos e habitações na cidade.

Atualmente, algumas propriedades têm alcançado uma valorização tão significativa que as

habitações são vendidas /compradas levando-se em conta a valorização do terreno e não da

habitação em si. O m² de terreno no centro comercial da cidade de Santo Estevão-BA pode

chegar a custar R$ 5.000,00.

Até 2002, o grande destaque na atividade industrial, na cidade de Santo Estevão, era a

produção de confecções em micro e pequenas empresas. Devido à fábrica Dass Clássico

produzir calçados esportivos com materiais sintéticos, os quais dispensam o manuseio do

couro natural, as habilidades adquiridas por uma quantidade significativa de trabalhadoras na

costura de confecções podem ter facilitado a adaptação ao corte e à costura de materiais

sintéticos para a confecção dos calçados. Há destaque para a indústria de confecções que se

desenvolvia em pequenas fábricas, correspondendo, entre as poucas atividades fabris

existentes à época, a 52,73 % das unidades de produção, o que, em números absolutos,

correspondia a 37 fábricas.

O número de estabelecimentos industriais não se alterou significativamente após o

efetivo funcionamento da fábrica de calçados, conforme Tabela 14.

Tabela 14

Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006

Tipo de Atividade Número de

unidades

Número de pessoas

ocupadas

2000 2006 2000 2006

Comércio 295 489 637 1.210

Indústria de transformação 33 36 97 2.764

Intermediação financeira 2 34 X 22

Transporte e armazenagem 10 27 17 66

Construção 16 32 24 84

Atividade imobiliária 20 29 29 51

Alojamento e alimentação 8 18 18 85

Total 384 665 822 4.282 FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE – 2008.

NOTA: X Dado numérico omitido a fim de não individualizar a informação.

Com a absorção da força de trabalho dos 2.700 operários na linha de produção e

lançamento de aproximadamente R$ 1.800.000,00 via pagamento de salários, a intensificação

e o crescimento dos fluxos comerciais e o adensamento populacional urbano, a atividade

econômica que mais cresceu em números absolutos foram as empresas comerciais. Novas

lojas de rede de eletroeletrônicos, material de construção, supermercados, farmácias, provedor

de internet etc. chegaram a cidade.

As novas lojas se instalaram, segundo informações da Câmara de Dirigentes Lojistas

121

(CDL), devido ao aumento do potencial de consumo registrado nos últimos anos. Em

questionário aplicado com cem trabalhadores da fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA,

notou-se que 34% deles declararam ter adquirido mais de um bem de consumo durável após

estarem trabalhando na fábrica. Na Tabela 15, estão relacionados os bens mais citados pelos

trabalhadores.

Tabela 15

Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de

bens - 2010

Tipo de bem de consumo adquirido Número de trabalhadores

Celular 27

Aparelho de DVD 14

Rádio 13

Televisão 11

Fogão 9

Geladeira 8

Máquina fotográfica 4

Computador 2

Máquina de lavar 2

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de

campo, 2010 e 2011.

A atividade comercial alcançou uma representatividade mais forte na economia local, a

população urbana superou em números absolutos a população rural e novas atividades

econômicas começaram a se desenvolver, gerando mais renda e empregos. No entanto, os

empregos gerados se limitam a pagar o mínimo de salário exigido por lei. A maior parte da

renda fica concentrada nas mãos de uma parcela reduzida da população ou é drenada para

outras localidades via bancos e lojas. A divisão do trabalho entre a cidade e o campo se tornou

mais acentuada.

As empresas que se instalaram em Santo Estevão-BA, após o funcionamento da fábrica,

não têm vínculo direto com a rede produtiva de calçados; a maioria dessas empresas é

eminentemente terciária (comerciais e prestadoras de serviços à população). Em Santo

Estevão-BA, a fábrica Dass Clássico não utiliza insumos, produtos, matérias-primas ou

componentes produzidos localmente, pois, no município, não existem empresas que possam

fornecer tais produtos para a fabricação de calçados esportivos. A ausência de fábricas de

componentes para calçados, bem como outras fábricas de calçados no município de Santo

Estevão-BA, contribui para a não existência de uma APL, como ocorre nos moldes dos

existentes em algumas localidades do Vale dos Sinos, no estado do Rio Grande do Sul, onde

122

os curtumes, a pecuária, as fábricas de papel, papelão, cola, tinta, vernizes, plásticos e

serviços, além dos ateliês de calçados, têm um vínculo permanente com a produção de

calçados de couro.

De acordo com os dados disponíveis no censo do IBGE (2010), o número de pessoas

empregadas na atividade comercial em Santo Estevão-BA quase dobrou entre os anos de 2000

e 200627

(de 637 para 1.210), enquanto o número de pessoas empregadas nas indústrias de

transformação multiplicou-se por 28 vezes28

. A progressiva atração e o surgimento de novas

empresas comerciais na cidade são potencializados com a geração de empregos diretos e

“empregos efeito renda”. Algumas das atividades mais relevantes que surgiram na cidade

foram as revendedoras de motocicletas Motopel (Honda), Yamaha e Shinerai, supermercado

“Tododia”, lojas de eletrodomésticos “GBarbosa” e “Guaibim”, loja “Real Confecções”. A

multiplicação de lojas e empresas que potencialmente atendem à demanda criada no

município está ligada a empresas pequenas, médias e grandes, potencializando também a

hierarquia urbana exercida pela cidade de Santo Estevão-BA sobre as cidades mais próximas

(Ipecaetá, Rafael Jambeiro e Antonio Cardoso). Os dirigentes da CDL reconhecem um

aumento substancial do comércio devido à presença da fábrica de calçados.

Eu acredito que um percentual em torno de 30% a 40%. Minha opinião se baseia na

quantidade de lojas que existem hoje em Santo Estevão e no movimento que você

tem justamente em períodos que os funcionários [da fábrica de calçados] recebem

seus salários.

.............................................................................................................................

O percentual de crescimento do número de lojas é bem maior do que o percentual de

crescimento do consumo. Eu observo que há 15 anos o número de lojas de

confecções, que é o ramo que eu atuo, era bem menor. Eu acho que na ordem de uns

60% a 70%. Quando eu falo nestes números, eu falo de todas as lojas, não só as

maiores, mas lojas menores, lojas de bairro que começaram a existir. O comércio de

Santo Estevão era concentrado aqui no centro. Hoje você já chega a um bairro e vê

lojas bem arrumadas (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira).

Observa-se que a atividade comercial que ganha destaque na cidade está ligada também

aos pequenos empreendimentos que se espalham pelos chamados “bairros”. A partir da

análise dos dados adquiridos junto à secretaria de finanças do município (SEFIN), pode-se

constatar que houve um crescimento substancial e constante de estabelecimentos comerciais,

no intervalo de 8 anos que vai de 2002 a 2010, conforme a Tabela 16 pode evidenciar.

27 O número de pessoas empregadas no setor terciário do município de Santo Estevão-Ba, em 2000, era de 637.

No ano de 2006, o número de trabalhadores empregados no setor terciário era 1.210. 28 Vale ressaltar que, segundo os dados do IBGE e da SEI, apenas uma fábrica classificada como integrante do

setor da indústria de transformação se instalou no município de Santo Estevão-BA, entre os anos de 2000 a 2006;

que nesse caso é a fábrica de calçados.

123

Tabela 16

Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas comerciais (2002 - 2010)

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEFIN de Santo Estevão – 2011.

Esses dados não podem ser compreendidos separados da dinâmica populacional que

passou a prevalecer no município, entre os anos de 2000 e 2010. Devido ao crescimento

populacional e econômico, a cidade de Santo Estevão-BA adquiriu uma nova dinâmica de

circulação com o aumento do adensamento da população na cidade, com uma evidente

expansão do comércio que ocupa os espaços mais antigos e valorizados e que tende a se

prolongar nas vias principais, sobretudo por conta da maior circulação de consumidores. O

comércio cresce e se expande por diversas ruas da cidade, concentrando casas comerciais na

praça principal, a Praça 7 de Setembro, na Rua Benjamim Constant, Av. Castro Alves, Rua

Marechal Floriano Peixoto, e a Praça Lineu Cerqueira da Silva.

Os dados a respeito da migração pendular podem indicar um aumento na dinâmica

espacial adquirida pelo município, sobretudo se considerado o número de cidades de destino e

de origem das pessoas que saem ou chegam a Santo Estevão. Segundo a CAR (1996), em

1995 quatro municípios mantinham movimentos pendulares com o município de Santo

Estevão, quais sejam: Amélia Rodrigues, Antonio Cardoso, Feira de Santana e Salvador.

Tanto o número de municípios de destino quanto o número de municípios de origem do

movimento pendular, em 2010, sinalizam uma ampliação espacial das relações funcionais do

município de Santo Estevão-BA com os que participam dessas relações.

Número de novas empresas por intervalo de tempo

(anos)

Tipo de atividade comercial 2002 a 2004 2005 a 2007 2008 a 2010

Lojas de variedades 30 97 134

Mat. de construção 06 03 07

Oficinas mecânicas 18 13 13

Papelaria 02 01 02

Lan house 03 03 04

Emp. de alimentos 03 03 07

Supermercados 02 03 04

Mercearias e mercadinhos 29 11 22

Fábricas de confecções 02 03 05

Lojas de móveis e eletrodomésticos 02 02 05

Lanchonetes e padarias 09 02 07

Restaurantes 02 03 03

Farmácias 06 03 03

Salões de beleza e barbearias 06 02 02

Emp. de transporte 00 03 09

Construtoras 01 04 06

124

Tabela 17

Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório pendular - 2010

Só trabalha Só estuda Número de municípios de

destino

Número de municípios de

origem

Saída Entrada Saída Entrada 16 9

880 149 152 61

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010.

Esse movimento populacional contribui para a fixação de novos moradores na cidade

de Santo Estevão-BA. Segundo dados da Secretaria de Obras do Município (SEOBS), a

média de construção de casas residenciais na cidade dobrou em comparação ao período

anterior à instalação da fábrica de calçados (a média de construção de casas por ano era de

150 até 2001, enquanto a média de construções por ano após a instalação da fábrica é de 300

casas); os estabelecimentos comerciais passaram a ocupar as principais vias de circulação

(principais ruas e avenidas da cidade).

Nas últimas três décadas, o município em estudo passou por um processo relativamente

rápido de crescimento da população urbana, com um percentual de 17,82% em 1970, 47,86%

no ano de 2000 e 58% em 2010. Há evidência de que o processo de crescimento da população

urbana estava ocorrendo mesmo antes da instalação da fábrica de calçados e que o mesmo

processo foi acelerado pela atração que essa atividade econômica provoca sobre a população

rural, sobretudo por conta da capacidade da fábrica de calçados em absorver um grande

contingente de força de trabalho.

A taxa de crescimento demográfico do município como um todo, que era de 1,9% entre

as décadas de 1970 e 1980, declinou para 1,2 ao ano (1991 a 2000), manifestando saldo

migratório ligeiramente negativo. No entanto, após a instalação da fábrica de calçados em

2001, segundo se pode deduzir dos dados divulgados pelo IBGE, entre os anos de 2000 e

2010, o município de Santo Estevão-BA teve o maior saldo de crescimento demográfico em

comparação aos municípios vizinhos.

Entre os anos de 1996 e 2000, o município de Santo Estevão-BA, obteve índice

percentual de crescimento demográfico de 5%, sendo que o município de Feira de Santana, a

maior e mais dinâmica economia do “Território de Identidade Portal do Sertão”, atingiu um

índice de 6,5%. Os números evidenciam um maior crescimento demográfico do município em

estudo. O destaque do crescimento populacional de Santo Estevão-BA em comparação aos

municípios vizinhos é evidente, e pode-se considerar está evidência como um dos fatores que

demonstram o crescimento econômico. Conforme se pode visualizar na Tabela 18, o

crescimento demográfico do município de Santo Estevão-BA.

125

Tabela 18

Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010

Número de habitantes

Municípios 2000 2010 % crescimento

Antonio Cardoso 11.620 11.548 -0,62

Cabaceiras do Paraguaçu 15.547 17.327 11,45

Feira de Santana 480.949 556.756 15,76

Ipecaetá 18.383 15.334 -16,59

Rafael Jambeiro 22.600 25.555 13,08

Santo Estevão 41.145 47.880 16,42

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010.

Entre os anos de 2000 e 2010, período em que a fábrica de calçados começou a

funcionar no município de Santo Estevão-BA, o índice percentual de crescimento

demográfico superou o índice do município Feira de Santana. O primeiro obteve um

crescimento demográfico de 16,42%, enquanto Feira de Santana-BA obteve um crescimento

de 15,76%.

Esses dados demonstram que a dinâmica econômica adquirida pelo município atraiu

uma quantidade significativa de população que migra em busca de emprego. Nesse processo,

o município que perdeu o maior contingente de habitantes foi Ipecaetá cuja característica

econômica é alicerçada na agropecuária tradicional e dista 12 km da cidade de Santo Estevão.

A sede do município de Santo Estevão-BA durante o período de 1970 a 2000, manteve

uma taxa de crescimento populacional de mais de 5% ao ano, em consequência do fluxo

migratório rural. Em períodos anteriores à instalação da fábrica de calçados, o município já

apresentava uma tendência de concentração da população na cidade, paralelamente à

diminuição da população rural. Concomitante a este processo de migração, também cresceu a

venda de alimentos, confecções, medicamentos, produtos de uso doméstico e bebidas, sendo

que esses últimos representam a maioria e está sendo disseminados por todo o município,

inclusive em vilas e pequenos povoados rurais que até então não possuíam tais atividades o

que forçava os moradores a se deslocarem para a cidade a fim de adquirirem as mercadorias

necessárias à sobrevivência.

Com o processo de crescimento mais acelerado da cidade, por conta da instalação da

grande fábrica de calçados Dass Clássico e da geração de empregos diretos e “empregos fator

renda”, entre os anos 2001 e 2009 a principal vertente econômica que obteve maior acréscimo

nos preços correntes foi o setor de serviços, conforme números apresentados na Tabela 19.

126

Tabela 19

Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor de

atividade (R$ mil) – 2003-2008.

Ano

Tipo de adicional 2001 2009

Valor na agropecuária a preços correntes 3.954 14.890

Valor na indústria a preços correntes 7.655 58.953

Valor nos serviços a preços correntes 43.997 171.167

Impostos a preços correntes 4.653 19.917

PIB a preços de mercado correntes 60.259 264.767

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010.

As localizações mais favoráveis ao uso terciário e à especulação com a terra urbana

fizeram com que os terrenos aumentassem significativamente de preço. Com o crescimento

populacional na cidade, o número de empresas que se ocupam da construção civil dobrou

entre os anos de 2000 e 2006, somando, respectivamente, 16 e 32 unidades.

De modo geral, os contingentes populacionais adicionados à cidade, muitos deles

trabalhadores da fábrica de calçados, não possui condições econômicas favoráveis à aquisição

de imóveis – terreno, habitação na cidade –, haja vista o crescimento do valor dos terrenos

urbanos, sendo obrigado a construir suas residências ou adquirir terrenos em locais

“periféricos29

” afastados do centro da cidade.

O número de domicílios, na cidade de Santo Estevão-BA, foi ampliado

consideravelmente entre os anos de 2000 a 2010. Por outro lado, o número de domicílios

rurais praticamente não foi alterado, apontando para um índice de crescimento muito

pequeno. A demanda crescente por domicílios na cidade contribuiu para a ampliação

considerável do número de casas, segundo se pode constatar por meio da Tabela 20.

Tabela 20

Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes - 1996 a 2010

Ano Número de domicílios urbanos Número de domicílios rurais

Número absoluto % Número absoluto %

1996 3.160 38,5 5.040 61,5

2000 5.095 44,6 5.212 55,4

2010 7.778 59,8 5.348 40,2

FONTE: organizado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.sidra.ibge.org.br

29 O termo periférico é utilizado aqui como periferia social e não simplesmente como periferia espacial.

127

Conforme se pode observar no Croqui 2, a expansão da zona urbana entre os anos de

2000 e 2010 é significativa.

Croqui 2 – Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em pesquisa de campo e PDDU,

2001.

Com o encarecimento dos terrenos e das moradias na cidade, principalmente nos

locais próximos à fábrica de calçados e às áreas de uso terciário da terra urbana, muitos

trabalhadores (sobretudo os da fábrica da Dass Clássico) alugam, coletivamente, casas nas

áreas de expansão habitacional urbana como estratégia de diminuir o impacto dos custos com

128

moradia sobre o salário. Existem casas que são compartilhadas entre 10 e 12 pessoas,

conforme relato de um dos integrantes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo

Estevão.

Eu tenho um filho que divide o aluguel de uma casa entre várias pessoas. Chega a

ter umas 10 a 12 pessoas morando na mesma casa, para não pagar aluguel caro. Na

cidade de Santo Estevão, o valor do aluguel aumentou muito nos últimos tempos.

Tem famílias inteiras dividindo o mesmo teto.

.............................................................................................................

A cidade inchou muito nos últimos anos, cresceu demais. Os jovens que moram na

zona rural querem vir para a cidade e trabalhar na fábrica ou no comércio, não

querem mais lidar com a roça. As pessoas que ficam na zona rural geralmente são

pessoas mais velhas, que já estão aposentadas. (Entrevista concedida a Ildo

Rodrigues Oliveira em 10/12/2011).

As falas registradas por meio das entrevistas supracitadas confirmam os dados

adquiridos por meio de pesquisa de campo, na qual se constata que 52,7% dos trabalhadores

da Dass Clássico não possuem casa própria, conforme se pode observar na Tabela 21.

Tabela 21

Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que

possuem casa própria - 2010

Possui casa própria Número absoluto %

Sim 42 38,2

Não 58 52,7

Não responderam 10 9,1

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em

pesquisa de campo, 2010 e 2011.

A geração de emprego principalmente para os trabalhadores mais jovens (entre 18 e 30

anos), e o crescimento da atividade comercial motivado pela instalação da fábrica são

apontados por autoridades do município como elementos capazes de proporcionar melhorias

na qualidade de vida não só dos trabalhadores da fábrica e do comércio, mas também para

população santoestevense de modo geral. No entanto essas autoridades se esquecem de

mencionar o processo de exclusão de muitos trabalhadores do acesso à moradia e à infra-

estrutura disponível nos locais mais centrais da cidade.

O grande número de jovens, que estão exercendo o primeiro emprego na fábrica de

calçados, teria dificuldades de se inserir no mercado formal de trabalho, caso esse

empreendimento que é a fábrica não fosse instalado na cidade de Santo Estevão-BA. As

características e a dinâmica econômica do município, antes da chegada da fábrica, não

129

ofereciam condições de absorção dos trabalhadores no mercado formal de trabalho e não

havia organizações comunitárias e associação estruturadas para desenvolver projetos para o

desenvolvimento local que pudessem proporcionar alternativa de renda à população. Esses

fatores poderiam influenciar parte dos jovens a migrar para os centros econômicos mais

dinâmicos do estado da Bahia ou para cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Conforme questionário aplicado com os trabalhadores da fábrica Dass Clássico, pode-se

observar na Tabela 22 que a maioria está exercendo o primeiro emprego formal.

Tabela 22

Santo Estevão-BA: primeiro emprego na fábrica de

calçados - 2010

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues, com base em

pesquisa de campo, 2010 e 2011

As implicações sociais não ficam restritas à oferta de empregos formais. A respeito da

oferta de serviços públicos básicos (principalmente saúde e educação), pode ser mencionado

que o crescimento do número de habitantes na cidade aumentou a demanda por vários

serviços: infraestrutura, abastecimento de água, transporte, iluminação etc. Por exemplo, o

número de consumidores residenciais de energia elétrica e água encanada cresceu nos últimos

anos no município, conforme se pode constatar na Tabela 23.

Tabela 23

Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água

encanada, 1985 - 2011

Ano Número de residência

Energia elétrica Água encanada

1985 2.119 1.995

1995 4.392 4.079

2011 13.667 10.077 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em CAR, 1996; SEI, 2011.

De acordo com os dados disponíveis pela SEI, o índice que fez com que o município

em estudo tivesse a maior perda de posicionamento, com relação aos outros municípios da

Bahia, foi o de infraestrutura. O crescimento da demanda por conta da instalação e

funcionamento de diversas empresas comerciais e o crescimento da população urbana

contribuiram para tornar a infraestrutura existente obsoleta ante ao crescimento econômico

Primeiro emprego Número absoluto %

Sim 79 72

Não 23 20,8

Não responderam 8 7,2

130

dos últimos 10 anos. Conforme se pode observar na Tabela 24, o índice de infraestrutura foi o

que apresentou maior perda relativa.

Tabela 24

Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e sociais entre os municípios da

Bahia – 2002 a 2006.

Índices Anos

2000 2002 2004 2006

Índice de Desenvolvimento Econômico 67ª 68ª 54ª 80ª

Índice de Desenvolvimento Social 109ª 111ª 123ª 161ª

Índice da Renda Média por Chefe de Família 72ª 117ª 117ª 117ª

Índice de Produto Municipal 65ª 82ª 67ª 65ª

Índice de Infraestrutura 65ª 59ª 56ª 163ª

Índice de Qualificação da mão-de-obra 71ª 54ª 41ª 43ª

Índice do Nível de Educação 207ª 90ª 204ª 173ª FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SEI – BAHIA, 2010. Disponível em

http://www.sei.ba.gov.br (acesso em 01/02/2012

Essa perda relativa na posição, quanto ao índice de infraestrutura, ocorre em virtude da

demanda de serviços públicos e privados que foi criada nos últimos anos. Em entrevista feita

com o ex-prefeito do município, que teve sua administração exercida entre os anos de 2000 e

2008, ele discorreu sobre as implicações da instalação e funcionamento da fábrica de calçados

sobre a cidade de Santo Estevão. De acordo com o ex-prefeito:

Quando a fábrica chegou para aqui só se falava na geração de empregos, mas

ninguém aprofundava a discussão sobre as consequências da fábrica, das demandas,

na moradia, na saúde, quanto isso passava a exigir; da própria mobilidade urbana,

com quatro mil motos para satisfazer hoje os empregados da fábrica; restaurantes.

Isso impacta no município todo no que se refere aos serviços públicos (Entrevista

concedida a Ildo Rodrigues Oliveira em 15/02/2012).

O crescimento do número de trabalhadores formais acarretou a atração de população de

municípios vizinhos para trabalhar na fábrica, produzindo uma maior demanda por serviços

públicos. Um exemplo disso é que, com a crescente inserção das mulheres no mercado de

trabalho, sobretudo com a fábrica Dass Clássico absorvendo 1.300 trabalhadoras na produção

de calçados (que representam aproximadamente 50% da força de trabalho empregada), muitas

crianças, filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras, são deixadas em creches

clandestinas, haja vista a diminuição do tempo das mães em seus lares devido à inserção no

trabalho fabril durante 8,5 horas por dia.

Devido à falta de um número suficiente de creches públicas ou particulares autorizadas

a funcionar e capazes de atender a demanda crescente nos últimos anos, muitas famílias de

trabalhadores da fábrica de calçados deixam seus filhos em “creches improvisadas”. Em

muitos casos, as “creches” não possuem as mínimas condições de salubridade e estrutura

131

física necessárias para estarem em funcionamento. Essas creches clandestinas, obviamente,

não atendem às exigências legais estabelecidas pelo ministério da educação (MEC), no que

tange a infraestrutura, existência de profissionais com formação técnica necessária para cuidar

das crianças.

Segundo o Decreto Lei número 5.452 de 1º de Maio de 1943, da Consolidação das Leis

Trabalhistas (CLT), que versa sobre a obrigatoriedade da oferta de creches, toda empresa com

pelo menos 30 mulheres com idade acima de 16 anos de idade é obrigada a manter local onde

as mães possam deixar seus filhos até seis meses de idade. A Portaria 3.296 de 1986, do

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), estabelece que a empresa poderá, em substituição

à exigência da oferta de creche contida na CLT, adotar o sistema de “auxílio-creche”. No

entanto, a empresa Dass Clássico não oferece esse auxílio às funcionárias de sua fábrica

localizada na cidade de Santo Estevão-BA.

Como consequência do processo de surgimento de creches clandestinas, no ano de

2009, o Conselho Municipal de Educação (CME) acatou denúncia contra a creche “Cantinho

do Bebê” por essa não possuir autorização de funcionamento e condições adequadas para

abrigar recém-nascidos e crianças. Por meio de relatório elaborado a partir da visita dos

conselheiros municipais de educação ao local da creche, averiguou-se que a mesma não

atendia os pré-requisitos para o funcionamento. Em reunião do CME, os conselheiros votaram

pela interdição da creche. Nesse processo, foi verificado que a maioria dos bebês e crianças

que frequentavam o local eram filhos de trabalhadores da fábrica de calçados. A demanda por

creche, para abrigar essas crianças, tornou-se tão evidente que, em 2010, foi iniciada, ao lado

da fábrica de calçados, a construção de uma instituição escolar pública especializada na

educação infantil, para suprir parte dessa necessidade.

As demandas em prestação de serviço cresceram paulatinamente com o crescimento

também do Produto Interno Bruto per capita do município e com o crescimento do número de

habitantes na cidade. Apesar de o cálculo do PIB per capita não ser um dado que represente a

realidade concreta do acesso de toda a população aos recursos monetários existentes, pois se

trata de uma média aritmética, os números demonstrados por esse índice podem indicar o

crescimento da circulação de dinheiro na economia local.

A partir do ano de efetivo funcionamento da fábrica de calçados Dass Clássico, no

referido município, até o ano de 2007, o PIB municipal cresceu 112%. Esses índices

representam uma média de crescimento de 20,4% para o PIB municipal entre os anos de 2002

e 2007. Pode-se considerar que a economia de Santo Estevão-BA criou um vínculo de

dependência do crescimento econômico estimulado pelo funcionamento da fábrica de

132

calçados, haja vista que 95% da população empregada formalmente na indústria de

transformação, a partir de 2002, estão trabalhando na Dass Clássico, bem como os empregos

criados no comércio local, devido ao “efeito-renda” provocado pelo pagamento de salários

aos trabalhadores da fábrica, que consequentemente estimula o consumo, aumentando a

demanda por mercadorias e serviços.

Conforme se pode visualizar no Gráfico 4, o PIB municipal cresceu significativamente

a partir da instalação e funcionamento da fábrica de calçados.

Gráfico 4

Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a 2007.

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em SEI, 2010.

Esses dados não só podem comprovar a dependência da economia local com relação à

fábrica de calçados, mas também oferecem margem para projeções socioespaciais futuras,

sobretudo se levantar a hipótese de a empresa desativar30

a fábrica de calçados localizada em

Santo Estevão-BA. A prática da marginalização espacial por parte da empresa Dass Clássico

pode provocar efeitos socioespaciais de empobrecimento generalizado da população, com o

grande número de desempregados. Por outro lado, caso a fábrica permaneça instalada nessa

cidade, os casos de doenças como LER e DORT, além dos acidentes de trabalho e mutilações

30 Devido às condições de competitividade no mercado de produção e comercialização de calçados, as

corporações podem desativar unidades produtivas localizadas em determinadas regiões e instalar em outras,

sempre em busca de maior lucratividade. Existem exemplos contundentes de empresas instaladas no estado do

Rio Grande do Sul que deixaram milhares de trabalhadores desempregados devido à prática da marginalização

espacial.

Ano

Evolução do PIB

133

podem atingir uma quantidade muito grande de trabalhadores.

4.3. IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL

Com a tendência à migração da população rural em direção à cidade (principalmente a

população mais jovem), como resultado do fracionamento dos estabelecimentos

agropecuários e o não surgimento de novas atividades econômicas no campo, capazes de

absorver a força de trabalho, a zona rural de Santo Estevão-BA apresenta uma tendência ao

decréscimo do número de habitantes. Essa tendência de diminuição da população rural

começou a ocorrer mesmo antes da instalação da fábrica de calçados na cidade. Esse

prognóstico traz consequências importantes para a vida das pessoas na cidade, haja vista a

necessidade de os comerciantes locais adquirirem, em outras localidades, os produtos

alimentícios que antes eram adquiridos através da produção agrícola familiar do próprio

município. Há, nesse caso, uma reconfiguração na divisão territorial do trabalho, no sentido

de que a economia do município passou a desenvolver novas atividades econômicas,

sobretudo com o crescimento da atividade terciária na cidade, com aquisição de produtos em

outros locais.

Conforme Tabela 25, pode-se observar que a tendência de aumento da população

urbana e diminuição da população rural já ocorria, mesmo antes da instalação da grande

fábrica de calçados. A absorção de trabalhadores na produção de calçados na cidade apenas

fez acelerar o processo já existente de concentração da população na zona urbana.

Tabela 25

Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010 População

Área 1970 1980 1990 2000 2010

Urbana 4.530 7.404 12.654 19.693 27.690

Rural 20.880 23.465 24.353 21.452 20.190

TOTAL 25.410 30.869 37.007 41.145 47.880 FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em IBGE, 2010

Alguns produtos alimentícios que antes eram cultivados na zona rural, passaram a ser

adquiridos em localidades longínquas para atender a demanda criada pelo crescimento da

população urbana. O crescimento do setor terciário e o aumento do consumo estimulam a

134

divisão territorial do trabalho no sentido de que uma quantidade maior de produtos que são

vendidos no próprio município é adquirida em outros locais, conforme Mapa 7.

Mapa 7 – Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira

Livre de Santo Estevão – BA, 2011.

135

A produção municipal é responsável por apenas uma pequena parte do abastecimento

de verduras, feijão, hortaliças e carnes, na feira livre. A maior parte das mercadorias

comercializadas é oriunda de municípios da região e até de outros estados, como é o caso de

Pernambuco, por exemplo, no fornecimento de confecções vendidas nas barracas na feira, fato

que se torna interessante, pois as “fábricas” 31

de confecções tinham um destaque relevante na

economia do município de Santo Estevão-BA, até o ano 2000. De acordo com informações

concedidas pelos próprios feirantes, cerca de 80% dos produtos vendidos na feira são

adquiridos fora do município. Os municípios que formam a rede de vendedores são: Feira de

Santana, Cruz das Almas, Amargosa, Rafael Jambeiro, Ipecaetá e Antônio Cardoso.

Na feira livre, os pequenos agricultores comercializam os seus produtos (cereais,

grãos, frutas, verduras, pequenos animais) e, com o dinheiro acumulado das vendas, fazem as

suas compras. Conforme questionário aplicado a 80 feirantes, observa-se que uma quantidade

significativa deles reside na cidade de Santo Estevão-BA; são pessoas que compram as

mercadorias nas mãos de agricultores ou comerciantes vindos de municípios vizinhos,

geralmente denominados de atravessadores32

. O número de feirantes de outros locais supera o

número de feirantes que residem na zona rural de Santo Estevão-BA, conforme se pode

observar na Tabela 26.

Tabela 26

Santo Estevão-BA: local de residência dos

feirantes entrevistados, 2011.

Local de residência %

Santo Estevão (zona urbana) 46

Santo Estevão (zona rural) 28

Ipecaetá 10

Feira de Santana 8

Antônio Cardoso 6

Itatim 2 FONTE: pesquisa de campo do autor.

Entre os diversos produtos que são comercializados na feira livre de Santo Estevão-

Ba, pode-se destacar: farinha de mandioca e feijão; verduras, frutas, legumes; derivados de

mandioca; peixes, aves; confecções; arreios de animais; bijuterias, perfumarias; cerâmicas,

chapéus esteiras e sacolas de palha, entre outros.

31 No município de Santo Estevão-BA existem aproximadamente 32 pequenas fábricas de confecções. Muitas

destas fábricas não têm registro formal; são, às vezes, classificadas pelos moradores locais como “fábricas de

fundo de quintal”. 32 A presença do atravessador é comum nas feiras livres das cidades do interior da Bahia. Segundo a presidente

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA, grande parte da produção agrícola municipal é

comercializada na feira livre por atravessadores.

136

4.4. ALGUNS INDICADORES SOCIOECÔMICOS

Alguns indicadores socioeconômicos podem evidenciar as implicações socioespaciais

ocorridas no município de Santo Estevão-BA, após o funcionamento da fábrica de calçados.

De modo geral, o crescimento econômico quantificado por meio do aumento do PIB

municipal tanto pode ser uma evidência do dinamismo econômico, como também pode

esconder o aumento das desigualdades socioeconômicas típicas das localidades onde os

grandes empreendimentos capitalistas são instalados. Um conjunto de outros indicadores

quantitativos pode servir de base para a investigação e evidenciar os impactos socioespaciais

negativos.

O incremento de dinheiro na economia local pode criar uma inserção maior da

população economicamente ativa, no mercado de trabalho formal, no entanto as riquezas

tendem a se concentrar nas mãos de uma menor parcela da população, bem como a maior

parte da renda gerada localmente é drenada para outros lugares por meio de lojas e bancos. A

concentração de renda pode ser demonstrada por meio da evolução do índice de Gini33

no

município em estudo, conforme Tabela 27.

Tabela 27

Santo Estevão-BA: desigualdade de

renda - índice de Gini, 1970 a 2006. Ano Índice de Gini

1970 0,725

1975 0,722

1980 0,740

1985 0,732

1996 0,703

2006 0,826 FONTE: Projeto Geografar, 2011.

Disponível em: www.geografar.ufba.br

Levando-se em conta o índice de Gini, observa-se que, entre os anos de 1996 e 2006, a

desigualdade de renda obteve um crescimento considerável. Enquanto houve uma circulação

maior de dinheiro na economia local, a maioria dos trabalhadores da fábrica de calçados

recebe salário mínimo (R$ 622,00), o que os insere no emprego formal com remuneração

33 O índice de Gini é um cálculo usado para medir a desigualdade social e apresenta dados entre os números 0 e

1, sendo que o número 0 corresponde a uma completa igualdade na renda (onde todos detêm a mesma renda per

capta) e o 1 corresponde a uma completa desigualdade entre as rendas (onde um indivíduo, ou uma pequena

parcela de uma população, detêm toda a renda e os demais nada têm).

137

mensal, porém as poucas alternativas de exercício de outra atividade profissional no

município podem limitar a ascensão social. Enquanto uma parcela dos comerciantes locais

lucra e concentra riqueza através da venda de mercadorias e serviços, a renda mensal dos

trabalhadores é limitada ao mínimo.

Apesar do crescimento da desigualdade econômica demonstrado pelo índice de Gini, a

intensidade da pobreza34

, no município de Santo Estevão, obteve uma redução relevante,

conforme Tabela 28.

Tabela 28

Município de Santo Estevão-BA:

intensidade da pobreza, 1991 - 2003 Ano % Intensidade da pobreza

1991 48,50

2000 54,57

2003 38,58

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues

Oliveira, com base no Atlas do

Desenvolvimento Humano, 2000 e IBGE,

2003.

Considera-se, nesse caso, que o fato de a população passar a ter acesso ao trabalho

formal seja um fator positivo, haja vista que essa formalidade no emprego praticamente não

existia na zona rural e apresentava dificuldade de absorver a população economicamente

ativa, por conta do número reduzido de estabelecimentos industriais (que se resumiam a

pequenas fábricas de confecções), atividade comercial pouco diversificada e da baixa

capacidade de consumo da população local. Com o emprego de 2.750 trabalhadores na fábrica

de calçados da empresa Dass Clássico e mais os empregos gerados pelo efeito-renda no

comércio local, muitos trabalhadores passaram a receber uma remuneração mensal de um

salário mínimo. Essa remuneração, contudo, é 40% mais baixa que a média salarial dos

trabalhadores da indústria de calçados no Rio Grande do Sul.

O emprego na fábrica de calçados, além de não propiciar uma renda que garanta o

acesso a bens de consumo mais sofisticados e diversificados, submete o trabalhador a um

modelo de produção calcado no fordismo periférico e um taylorismo extenuador, alta

rotatividade da força de trabalho e doenças relacionadas ao trabalho repetitivo.

34 Apesar das intensas discussões a respeito do conceito de pobreza contidas nos documentos do Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento, em que alguns estudiosos, como Amartya Sen, tentam incluir uma

visão multidimensional que abrange todas as necessidades humanas, optou-se, neste trabalho, por utilizar índices

que colocam as pessoas “pobre” como sendo o indivíduo que não possui renda suficiente para ter acesso a bens e

serviços essenciais, de acordo com os padrões vigentes em uma sociedade.

138

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reorganização ou os “ajustes espaciais” promovidos por empreendimentos industriais,

alicerçados na competitividade e na reestruturação produtiva, vem instalando fábricas de

calçados por diversas regiões e localidades onde essas atividades produtivas não existiam ou

possuíam uma baixa representatividade. A instalação de fábricas de calçados na Bahia, em

particular no município de Santo Estevão-BA acompanha esses “ajustes espaciais” da

indústria mundial com um importante papel exercido por políticas de Estado e por políticas de

Governo via programas de isenções e incentivos fiscais. A presença de fábricas de calçados

em municípios do interior baiano causa significativas implicações sociespaciais, sobretudo no

que se refere à dinâmica populacional e na dinâmica econômica local, com um destaque

significativo para as atividades do setor terciário na cidade.

Na Bahia, a lógica da localização geográfica da indústria de calçados leva em conta um

conjunto de fatores, tais como: proximidade de rodovias, disponibilidade de um número

grande de força de trabalho com baixa remuneração, disponibilidade de energia elétrica,

incentivos fiscais, sindicatos pouco combativos e desorganizados, política eleitoreira entre os

grupos políticos que estão no comando dos governos estadual e municipal. No entanto,

constata-se que se deve atribuir um papel importante às “práticas espaciais” no que se refere a

manutenção do funcionamento da fábrica de calçados do grupo Dass Clássico, no município

de Santo Estevão-BA. As “práticas espaciais” desenvolvidas localmente pela empresa são um

fator primordial para viabilizar e manter a localização, como também os índices de

produtividade e taxas de lucros.

As práticas espaciais desenvolvidas pela empresa Dass Clássico, como forma de manter

as condições socioespaciais favoráveis à própria empresa, são: seletividade espacial, expansão

espacial, marginalidade espacial, reprodução da região produtora. No entanto, no município

de Santo Estevão-BA, as práticas espaciais mais evidentes e importantes são a seletividade

espacial, a expansão espacial e a reprodução da região produtora.

Quanto à seletividade espacial, observou-se que há, no município de Santo Estevão-BA,

uma unidade de fabricação de calçados esportivos e uma unidade de comercialização de

confecções e calçados ligados à empresa Dass Clássico.

No processo de seleção dessa localidade, vários aspectos foram levados em conta:

disponibilidade de força de trabalho abundante e com baixa remuneração, concessão de

139

isenção de impostos, concessão de terreno para a instalação da fábrica, concessão de

infraestrutura, proximidade da rodovia BR 116.

A expansão das unidades fabris do grupo Dass Clássico para o Nordeste, e em particular

para a Bahia, colocou Santo Estevão-BA no hall das cidades que foram inseridas na rede

coorporativa de produção de calçados. A prática de “expansão espacial” da empresa Dass

Clássico instala unidades fabris de grande porte que absorvem uma grande quantidade de

força de trabalho na linha de produção. A unidade fabril instalada na cidade de Santo Estevão-

BA insere-se no bojo desse processo de expansão espacial da produção de calçados que se

deslocam da região Sul e Sudeste do Brasil em direção ao Nordeste.

A prática espacial desenvolvida pela empresa Dass Clássico, que tem uma maior

evidência na cidade pesquisada, é a “reprodução da região produtora”. Devido à imagem

negativa associada à fábrica de calçados, por conta dos casos de doenças que acometem os

trabalhadores e da jornada exaustiva de trabalho repetitivo na linha de produção, a Dass

Clássico desenvolve diversas atividades e ações no município e no interior da própria fábrica,

a fim de amenizar as críticas e garantir a existência de pessoas dispostas a trabalhar na

empresa.

Foram identificadas as seguintes atividades relacionadas à prática de “reprodução da

região produtora”: “relação com a comunidade”, em que a empresa abre oportunidades para a

promoção de eventos para o recebimento de visitas técnicas, de familiares de trabalhadores e

estudantes; descontos que podem chagar a 30% para os trabalhadores da fábrica e

funcionários públicos que comprarem na loja “Dass Outlet”; oferta de patrocínio para eventos

privados e públicos em todo o município, principalmente o patrocínio para as festas típicas

(Festas Juninas); realização de passeios ciclísticos, maratonas, torneios de futebol, sorteio de

cestas básicas, grupo de dança e semanas de apresentações artísticas e de talentos. Um dos

eventos realizados pela empresa é a “Semana Dass”, que promove competições entre

modalidades de talentos como arte, cultura, culinária, esporte, diversão, estética,

entretenimento, ornamentação.

No contexto de manutenção de produção e taxas de lucro da empresa, há uma

divisão territorial do trabalho com suas respectivas espacializações e complementações. A

empresa Dass Clássico instala suas unidades administrativas e fábricas em diferentes locais.

Ao instalar uma grande fábrica de calçados em Santo Estevão-Ba, a Dass Clássico contribui

para concentrar a atividade econômica e a renda na sede do município. Essa concentração da

atividade econômica, sobretudo no setor terciário, promove o surgimento de novos serviços e

atividades comerciais com uma determinada especialização, bem como a ampliação de alguns

140

serviços já existentes.

As práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e o funcionamento efetivo da fábrica

de calçados provocaram mudanças socioespaciais importantes no município de Santo

Estevão-BA. Isso porque a utilização de uma quantidade significativa da população

economicamente ativa na linha de produção de calçados, com uma elevada rotatividade de

trabalhadores, pode vir a se tornar um grave problema social por conta dos casos frequentes

de mutilações de membros superiores e lesões associadas ao trabalho repetitivo que

geralmente afetam os trabalhadores do setor industrial calçadista.

Os empregos diretos originados pela instalação da fábrica de calçados, bem como os

empregos oriundos do fator “efeito renda” tornaram-se as justificativas principais para a

permanência da mesma no município. Há um discurso alarmista de que, caso a empresa

decida, após o término da isenção de impostos, retirar as suas instalações e se deslocar para

outra localidade, milhares de trabalhadores da linha de produção de calçados perderão seus

empregos e outros milhares de trabalhadores do comércio local também podem ficar

desempregados, haja vista a consequente diminuição do potencial de consumo da população e

a retração do comércio que cresceu significativamente, nos últimos dez anos, em virtude da

massa de dinheiro lançada na economia local, via pagamento de salário aos trabalhadores da

fábrica.

O discurso que coloca a fábrica de calçados como única possibilidade de manter os

empregos desconsidera qualquer alternativa de atividade econômica cooperativa e

associativista entre os trabalhadores e a comunidade local. Esse discurso reafirma o modelo

que coloca a atividade industrial como única capaz de promover o “crescimento” nos moldes

dos locais economicamente mais dinâmicos.

A presença da fábrica Dass Clássico na cidade pesquisada exerce uma espécie de

“comando” sobre a economia local. Apesar da inexistência de fábricas de componentes e

acessórios que possam fornecer produtos para a fabricação dos calçados em Santo Estevão-

BA , a fábrica exerce uma influência importante na atividade econômica de toda a cidade. As

atividades terciárias locais criaram uma dependência da massa salarial que é injetada na

economia via pagamento dos salários aos trabalhadores. Em período de pagamento dos

salários dos operários da fábrica de calçados, as lojas e supermercados preparam seus

estoques para atender à demanda.

Toda essa dinâmica econômica deve ser compreendida na própria dinâmica do

capitalismo e inserida no contexto da “guerra fiscal” entre os estados da federação, a grande

competitivadade que alcançou o setor calçadista e as “práticas espaciais” desenvolvidas pelas

141

empresas. O grupo Dass Clássico, caso venha a ocorrer a desativação da fábrica em Santo

Estevão-BA, pode vir a provocar o surgimento de um verdadeiro espaço marginalizado. As

consequências da desativação podem ser inúmeras, entre elas pode-se citar a queda no

potencial de investimento da prefeitura municipal, pois alguns recursos financeiros

provenientes da arrecadação de impostos estão ligados ao crescimento do comércio local

proporcionado pelo funcionamento da fábrica. Parte da arrecadação de impostos é utilizada

para investimentos na educação pública, na infraestrutura urbana e na saúde. Com a redução

do potencial de investimento da prefeitura, os serviços públicos podem se tornar mais

precários.

Ao promover a industrialização da forma que está sendo posta em prática há várias

décadas, o Estado promove também o processo corriqueiro e dialético de concentração de

riqueza, típico das áreas de industrialização tardia. O crescimento da desigualdade de renda,

que alcançou um índice alto no município, segundo o índice de Gini (0,826), pode ser

apontado como uma tendência que se aplica a outras localidades no atual padrão de

competitividade da indústria de calçados.

Porém, a desigualdade de renda em Santo Estevão-BA é um dado entre vários outros

que evidenciam as implicações socioespaciais promovidas pela instalação da fábrica de

calçados Dass Clássico. O perfil das atividades econômicas locais evidencia modificações nos

últimos 10 anos (2002 a 2012). A tendência a uma concentração da população na zona urbana,

atraída pela oferta de emprego formal na fábrica e no comércio, provoca uma relativa

diminuição da população rural.

Com essas características passando a envolver o espaço geográfico do município, pode-

se afirmar que a ideia de desenvolvimento contida nos programas de Governo do estado da

Bahia, principalmente no Programa DESENVOLVE, não foi atingida no que se refere à

integração e a verticalização das cadeias produtivas essenciais ao desenvolvimento econômico

e social. Assim, não houve uma integração com a economia local no sentido de promover o

surgimento e a manutenção de atividades econômicas que pudessem fornecer insumos e

matérias-primas à fabricação de calçados. As potencialidades locais e as características

socioeconômicas, culturais e ambientais do município pesquisado foram deixadas de lado.

Nesse sentido de exclusão de alternativas de geração de emprego e renda que levem em

conta as características locais, caso a lógica da “guerra fiscal” não seja revista, por meio de

uma nova proposta de repactuação federativa entre os estados da federação brasileira (como

propõe Brandão, 2004), a disputa desenfreada por maiores investimentos produtivos pode

provocar maiores desigualdades socioespaciais. A população local continuará sendo

142

conduzida rumo a um modelo de crescimento econômico cujo único objetivo é a possibilidade

de maiores taxas de lucratividade para as empresas e não a diminuição das desigualdades

sociais e econômicas típicas das localidades que estão sendo integradas à rede corporativa das

grandes empresas de calçados. Esse crescimento econômico constitui um processo

desequilibrado em que sua expansão pode submeter grande parte dos trabalhadores e da

população a péssimas condições de vida.

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