10087-33637-1-PB

download 10087-33637-1-PB

of 12

Transcript of 10087-33637-1-PB

Revista Brasileira de Geocincias

Maria de Lourdes da Silva Rosa et al.

35(4 - Suplemento):47-58, dezembro de 2005

MAGMATISMO ALCALINO INTRAPLACA NEOPROTEROZICO NO SUL DO ESTADO DA BAHIA: O BATLITO NEFELINA-SIENTICO ITARANTIMMARIA DE LOURDES DA SILVA ROSA1,2,3, HERBET CONCEIO2,3, MOACIR JOS BUENANO MACAMBIRA4, RITA CUNHA LEAL MENEZES2,3, MNICA PRISGSHEIM DA CUNHA2,3, DBORA CORREIA RIOS2,3,5 & MOACYR MOURA MARINHO2,3,6Abstract NEOPROTEROZOIC INTRAPLATE MAGMATISM IN SOUTHERN BAHIA: THE ITARANTIM NEFELINESIENITIC BATHOLITH The Nepheline-Syenitic Itarantim Batholith, located at the southern area of the Alkaline Province of South Bahia, shows a Rb-Sr age of 727 49 Ma, has a pear shape, and is constituted by syenites and nepheline-syenites. Around this body there is an aureole of fenites. The magmatic syenites (pyroxene-syenites with nepheline and biotite-nepheline-syenites) show difuse contacts and are disposed along a NE-SW trend. The identified geochemistry evolution allows explaining the diversity of pyroxene-syenites through fractional crystallization. However, the biotite-nepheline-syenites, which evolve to lower SiO2 contents and expressive by of Na2O (up to 9.6%) and Al2O3 (up to 23.5%) increase reflect, probably, crystallization in an open system which is strong influenced by peralkaline fluids, as attested by the presence of fenites and enrichment of Zr (up to 5,100 ppm), Hf (up to 141 ppm), Th (up to 117 ppm), U (up to 74 ppm), Ta (up to 169 ppm) and Nb (up to 1372) in the dykes. The Nd and Sr values put the batholith rocks at the mantle array displaying an OIB geochemistry signature. The TDM model ages of 1.1 Ga are the same observed for the toleitic magmas emplaced in this area. These data suggest that the Itarantim anorogenic magmatism is controlled by a NE-SW geosuture, and represents the rift segment which corresponds wiler the West-Congo Craton, where the alkaline magmatism is expressed by ryolites, syenites and carbonatites. Keywords: Nepheline-syenites, Neoproterozoic, Bahia, petrology, geochronology Resumo O Batlito Nefelina-Sientico Itarantim, localizado no extremo sul da Provncia Alcalina do Sul do Estado da Bahia e com idade Rb-Sr de 727 49 Ma, tem forma de pra, sendo constitudo por sienitos e nefelina-sienitos. Envolvendo este corpo existe uma aurola de fenitos. Os sienitos magmticos (piroxnio-sienitos com nefelina e biotita-nefelina-sienitos) exibem contatos difusos e mostram-se dispostos como faixas alinhadas NE-SW. A evoluo geoqumica identificada permite explicar a diversidade dos piroxnio-sienitos por cristalizao fracionada. Todavia, os biotita-nefelina-sienitos, que evoluem com decrscimo do contedo de SiO2 e aumento expressivo em Na2O (at 9,6%) e Al2O3 (at 23,5%), refletem, provavelmente, cristalizao em sistema aberto com forte influncia de fluidos peralcalinos, como testemunham a presena dos fenitos e o enriquecimento em Zr (at 5.100 ppm), Hf (at 141 ppm), Th (at 117 ppm), U (at 74 ppm), Ta (at 169 ppm) e Nb (at 1372) nos diques. Os valores dos epslons de Nd e Sr posicionam as rochas deste batlito na array mantle com assinatura geoqumica de OIB. As idades modelos TDM obtidas de 1,1 Ga correspondem colocao de magmas mficos toleiticos nesta regio. Estes dados apontam para que o magmatismo anorognico Itarantim, provavelmente controlado pela geossutura NE-SW, represente o segmento do rifte de idade correspondente no Crton do W-Congo, onde o magmatismo alcalino se expressa por riolitos, sienitos e carbonatitos. Palavras-chave: Nefelina-sienitos, Neoproterozico, Bahia, petrologia, geocronologia

INTRODUO Magmas alcalinos sub-saturados em slica ocorrem no interior de placas continentais, associados a sistemas rifte; em placas ocenicas, associados a hot spot; ou ainda, como produto da ao de pluma mantlica. A gnese destes magmas comumente interpretada como produto de baixa taxa de fuso parcial no manto. Logo, a presena de magmas alcalinos sub-saturados em SiO2 constitui um marcador geodinmico valioso quando se investiga a histria evolutiva em terrenos antigos, pois sua instalao limita-se a perodos anorognicos. No Ciclo Brasiliano (900-500 Ma, Almeida et al. 2000), nos terrenos do Crton do So Francisco, vrias so as evidncias de perodos anorognicos ou distensivos (p.ex. formao de bacias,

magmatismo anorognico), anteriores s colises, cujas razes so atualmente bem delimitadas geograficamente e razoavelmente alocadas no tempo (p.ex. Cordani et al. 2000, Mantesso-Neto et al. 2004). Diferentemente de outras faixas marginais do Crton do So Francisco, a situada na regio sul do Estado da Bahia e nomeada de Faixa Araua apresenta expressivo magmatismo alcalino sub-saturado em SiO2, acondicionado em geossutura por 150 km que adentra nos terrenos arqueano-paleoprotrozicos do crton (Fig. 1). Esta estruturao prov, portanto, a oportunidade de investigar a gnese destas rochas alcalinas, posicion-las temporalmente e, com isto, inferir o regime geodinmico responsvel por estas intruses na evoluo geolgica no Neoproterozico nesta

1 - Pesquisadora do CAPES PRODOC UFBA, E-mail: [email protected] 2 - Laboratrio de Petrologia Aplicada Pesquisa Mineral, Centro de Pesquisa em Geofsica e Geologia IGEO UFBA. Rua Caetano Moura, 123, Federao, CEP: 40201-340, Salvador-BA ([email protected], [email protected], [email protected], [email protected]) 3 - Curso de Ps-Graduao em Geologia UFBA 4 - Laboratrio de Geologia Isotpica (Par-Iso) Universidade Federal do Par. Caixa Postal 1611, CEP: 66075-900, Belm-PA ([email protected]) 5 - Pesquisadora ProDoc da Fundao de Amparo Pesquisa no Estado da Bahia FAPESB 6 - Companhia Baiana de Pesquisa Mineral CBPM, 4a Avenida, 460, Centro Administrativo da Bahia, CEP: 41750-300, Salvador-BA ([email protected]) Revista Brasileira de Geocincias, Volume 35, 2005

47

Magmatismo alcalino intraplaca neoproterozico no Sul do Estado da Bahia: o batlito nefelina-sientico Itarantim

regio do Crton do So Francisco. Neste contexto, o Batlito Nefelina-Sientico Itarantim, tratado neste artigo (geologia, petrografia, geoqumica e geocronologia), uma intruso-chave na investigao da evoluo geotectnica, pois ele se localiza na zona limtrofe entre os terrenos arqueanopaleoproterozicos do Crton do So Francisco, a leste, e os terrenos brasilianos da Faixa Araua, a sudeste (Fig. 1). Alm disso, este batlito representa a maior reserva brasileira de sienito com composio propcia para a utilizao como fundente nas indstrias de cermica e vidro, na forma de p de rocha, e rochas ornamentais (p.ex. Marrom-Bahia) tm sido explotadas ao longo da ltima dcada. ROCHAS ALCALINAS NEOPROTEROZICAS NO SUL DO ESTADO DA BAHIA As rochas alcalinas neoproterozicas do sul do Estado da Bahia foram inicialmente identificadas por Fujimori (1978) e, posteriormente, reunidas por Silva Filho et al. (1976) sob a terminologia de Provncia Alcalina do Sul do Estado da Bahia (PASEBA, Fig. 1B). Esta provncia congrega alguns batlitos (Itabuna, Floresta Azul, Serra das Araras e Itarantim), grande nmero de stocks (p. ex. Rio Pardo, Itaju do Colnia, Morro da Santa), e algumas centenas de diques. Os corpos maiores apresentam-se regionalmente alinhados segundo a direo NE-SW (Fig. 1), cujo controle estrutural tem sido atribudo a um conjunto de falhas profundas, antigas, que condicionou a colocao destes magmas e relacionadas tectnica situada entre os perodos Paleoproterozico e Mesoproterozico (Silva Filho et al. 1976; Mascarenhas & Garcia 1987; Pedreira 1999). Estas falhas foram reativadas no Neoproterozico, posteriormente intruso dos corpos alcalinos, o que evidente nos corpos da regio norte da PASEBA (Pedreira et al. 1975, Silva Filho et al. 1976, Lima et al. 1981, Corra-Gomes & Oliveira 2002). As relaes de contato entre as intruses alcalinas e as rochas do embasamento so bem definidas e revelam alto contraste trmico e de viscosidade, indicando que as condies reinantes quando da instalao dos magmas nas cmaras atualmente expostas situavam-se entre 6 - 8 km de profundidade. Na grande maioria das intruses sienticas da PASEBA a sodalita de cor azul est presente. Todavia, somente naquelas da parte central e sul, tm-se mineralizaes em concentraes econmicas de sodalita-sienitos de cor azul (Azul-Bahia), que tm sido explotadas por mais de 40 anos como rocha ornamental. Recentemente, os fragmentos de cristais de sodalita azul tm sido utilizados para a fabricao de peas de joalheria e artesanato. Geologia Regional Neste setor do Estado da Bahia (Fig. 1B) so reconhecidos quatro grandes conjuntos distintos de rochas: embasamento granultico e gnissico-migmattico arqueanopaleoproterozicos; diques mficos mesoproterozicos; rochas metassedimentares; e intruses alcalinas neoproterozicas. Duas unidades distintas de rochas constituem o embasamento da PASEBA. A mais bem conhecida, localizada na sua parte norte, formada por rochas metamrficas de alto grau, usualmente reportada na literatura como Cinturo Itabuna (Martins & Santos 1997). Estes terrenos granulticos renem rochas com afinidades toleitica, clcio-alcalina e shoshontica. Estas rochas tm sido interpretadas como a expresso de um arco magmtico arqueanopaleoproterozico. A outra unidade de rochas do embasamento, localizada no extremo sul da PASEBA e que faz contato por falha (NW-SE, Fig. 1B) com as rochas granulticas, constituda por rochas gnissico-migmatticas. Sobre estas rochas existem alguns

Figura 1 Localizao da rea de ocorrncia das rochas alcalinas neoproterozicas do sul do Estado da Bahia [A]. Mapa geolgico simplificado da Provncia Alcalina do Sul do Estado da Bahia segundo Rosa et al. (2003) [B]. Cidades [1], limite estadual [2], falhas e fraturas [3], falha de acavalgamento [4], limite entre a Faixa Araua, a leste, e o Craton do So Francisco, a oeste, segundo Teixeira et al. (1997) [5], sedimentos recentes [6], macios alcalinos neoproterozicos [7], rochas metassedimentares neoproterozicas [8], rochas arqueanopaleoproterozicas [9, a= granulticas e b= gnissicomigmatticas]. dados geolgicos e raras descries petrogrficas (Silva Filho et al. 1976). Anlises qumicas obtidas para rochas gnissicas do municpio de Potiragu (Rosa et al. 2004) mostram afinidade com sute TTG, similares s descritas para os ncleos arqueanos do Crton do So Francisco (p.ex. Cruz Filho 2004). Rochas mesoproterozicas na regio da PASEBA ocorrem como diques mficos no municpio de Itabuna, com idades entre 1000 e 900 Ma (Ren et al. 1990). No Neoproterozico instalaram-se nesta regio vrios corpos alcalinos, de natureza essencialmente nefelina sientica, e bacias sedimentares continentais, das quais a mais bem conhecida a de Rio Pardo (p.ex. Pedreira 1999) que guarda seixos de rochas sienticas, alguns deles portadores de sodalita, nos conglomerados da Formao Panelinha. Geocronologia Aps os trabalhos pioneiros de Cordani et al. (1974) e Bernat et al. (1977), que obtiveram idades K-Ar e Ar-Ar em minerais para as rochas da PASEBA (390 - 740 Ma), tem-se as determinaes Rb-Sr, em rocha total, de Lima et al. (1981) e Mascarenhas & Garcia (1987). Novas determinaes U-Pb e PbPb em zirco foram apresentadas mais recentemente por Teixeira et al. (1997), Corra-Gomes & Oliveira (2002) e Rosa et al. (2002, 2003). Estas ltimas possibilitaram precisar melhor o intervalo da idade de cristalizao destes corpos alcalinos como estando compreendida entre 689 - 730 Ma. Rosa et al. (2003), com base nestasRevista Brasileira de Geocincias, Volume 35, 2005

48

Maria de Lourdes da Silva Rosa et al.

informaes, estabelece que a intruso deste magmatismo est limitada a 41 Ma e que as intruses iniciam-se de sul para norte. Neste contexto, as idades mais jovens disponveis e situadas entre 500 e 550 Ma (Ar-Ar, K-Ar, Rb-Sr) so interpretadas por Rosa et al. (2003) como expresso da Orogenia Araua, cujo clmax foi posicionado por Pedrosa-Soares et al. (2001) em 550 Ma. Geoqumica Na PASEBA dominam rochas alcalinas intermedirias miasquticas, sendo que os termos menos evoludos (gabros e dioritos) so mais abundantes nos macios de sua poro norte, apontando a dominncia nesta provncia de magmas diferenciados (Conceio 1990). Os dados qumicos disponveis para as rochas da PASEBA permitem identificar a presena de duas tendncias evolucionais distintas (sub-saturada e saturada em SiO2, Fig. 2A) que foram interpretadas por Conceio et al. (1992) como controladas pelo fracionamento precoce de minerais mficos (clinopiroxnio e hornblenda, respectivamente). Em ambos conjuntos de rochas os contedos em elementos-trao as situam no domnio do magmatismo anogornico (Fig. 2B). Rosa et al. (2004), com base nos espectros dos ETR e na ausncia de anomalia em Nb e Ta, em espectro normalizado pelo manto primitivo, identifica

assinatura de fonte OIB para as rochas saturadas a super-saturadas em SiO2 do Macio Sientico Serra das Araras, localizado no municpio de Potiragu, na parte sul da PASEBA. GEOLOGIA E ASPECTOS ECONMICOS DO BATLITO NEFELINA-SIENTICO ITARANTIM O Batlito NefelinaSientico Itarantim (BNSI) aflora por aproximadamente 230 km2 e sua geometria lembra a forma de uma pra (Fig. 3). Ele tem orientao SW-NE, seguindo a tendncia dos outros corpos alcalinos da PASEBA (Fig. 1). Em campo, percebe-se que grande parte das rochas sienticas se apresenta com relevo arrasado, contrastando com o relevo mais acentuado das rochas gnissicas do embasamento. O BNSI constitudo por trs fcies petrogrficas principais. Duas delas so magmticas e nomeadas de Serra Rancho Queimado, situada a norte, e de Serra do Felssimo, situada a sul (Oliveira 2003). A outra de natureza metassomtica (fenitos), envelopa as rochas gneas do BNSI, representando cerca de 45% do batlito. Os fenitos tm sua maior expresso areal na parte noroeste do macio (Fig. 3). Ocorrem tambm no BNSI diques alcalinos variados (mficos, fonolticos, pegmatticos). Os diques mficos esto em geral alterados e os alcalinos com textura pegmattica

Figura 2 - Diagrama TAS com as tendncias evolucionais subsaturada e saturada em SiO2 das rochas da Provncia Alcalina do Sul do Estado da Bahia [A]. Diagrama FeO*/MgO versus Zr+Nb+Ce+Y (Wharlen et al. 1987) com os campos de magmas orognicos e anorognicos [B]. Tendncia sub-saturada [1]; tendncia saturada [2]. Na confeco destas figuras foram utilizados os dados qumicos disponveis na literatura sobre esta provncia: Souto (1972), Fujimori (1978), Lima et al. (1981), Arcanjo (1993), Martins & Santos (1997), Marques et al. (2001), Oliveira (2003), Cunha (2003), Rosa et al. (2002, 2003, 2004), Peixoto (2005), Menezes (2005).Revista Brasileira de Geocincias, Volume 35, 2005

Figura 3 - Mapa geolgico simplificado do Batlito Nefelina Sientico Itarantim, modificado de Oliveira (2003). Cidade [1], estradas ou caminhos carroveis [2], contatos litolgicos [3], falhas ou fraturas [4], atitude de foliao [5], diques [6], minas com explorao de rochas ornamentais [7], rochas nefelinasienticas do Batlito Itarantim [8: a= nefelina sienito com aegirina, Fcies Serra Rancho Queimado; b = biotita-nefelina sienito, Fcies Serra do Felssimo], rochas do embasamento [9: a = transformadas em fenitos, b = gnaisses sem alterao metassomtica evidente].

49

Magmatismo alcalino intraplaca neoproterozico no Sul do Estado da Bahia: o batlito nefelina-sientico Itarantim

podem conter mineralizao em sodalita azul. As rochas do embasamento, aparentemente no transformadas pelo processo metassomtico, correspondem a gnaisses granticos com biotita, com no mnimo duas fases de deformao. Elas contm lentes de anfibolito, mrmore e restos de complexo mfico-ultramfico (Oliveira 2003). Nas proximidades do BNSI, as foliaes regionais tendem a se mostrar arqueadas ou acomodadas forma do macio ou, ainda, truncadas pela direo da foliao magmtica interna no BNSI. Os contatos entre as rochas gneas e as metassomticas so de difcil delimitao e foram estabelecidos pela integrao de dados fotogeolgicos e de campo, com controle petrogrfico e dados geoqumicos (Oliveira 2003). Em geral, constata-se a obliterao progressiva da mineralogia, textura e estrutura metamrficas das rochas gnissico-migmatticas em direo s rochas gneas do BNSI, chegando a formar fenitos isotrpicos com composio de sienitos alcalinos com aegirina e, mais raramente com nefelina. Evoluo similar descrita nos estudos experimentais de Preston et al. (2003), indicando ao progressiva de metassomatismo. Na parte noroeste do BNSI a aurola de fenitos bem mais desenvolvida que aquela do sudeste (Fig. 3). A identificao de sienitos magmticos, correlacionveis Fcies Serra Rancho Queimado, no setor noroeste dos fenitos, fez Oliveira (2003) interpretar que o batlito tem continuidade em sub-superfcie para noroeste. Os sienitos magmticos ocorrem como duas faixas paralelas e com direo NW-NE (Fig. 3). Na Fcies Serra Rancho Queimado dominam sienitos com aegirina-augita, enquanto a biotita o mfico mais importante na Fcies Serra do Felssimo. A Fcies Serra Rancho Queimado (FSRQ) composta, essencialmente, por sienitos com nefelina, de cor marrom escura, reflexo da colorao do feldspato alcalino, e com pontuaes de cor verde limo presentes correspondem a cristais de nefelina. Os cristais de feldspato alcalino mostram-se fortemente alinhados (N 300o320/ 45-60), marcando a foliao de fluxo magmtico (N 45o-35/ 65-74 SE). Xenlitos de rochas encaixantes so raros, tendo sido identificados dois grandes blocos de fenitos que exibem texturas exticas, marcadas pelo aparecimento de grandes cristais poiquilobsticos (at 8 cm) de anfiblio em fraturas e distribudos aleatoriamente. Na parte central desta fcies concentram-se vrias pedreiras que exploram comercialmente este sienito (Fig. 3), sendo denominado de Marrom-Bahia, e cuja produo estimada da ordem de 6000 m3 /ano (Azevedo, 2002). A Fcies Serra do Felssimo (FSF) rene sienitos alcalinos com nefelina de colorao clara, freqentemente branca, textura fanertica mdia, e com fluxo magmtico menos expressivo que a FSRQ, mas com igual orientao. A cor branca da nefelina contrasta com aquela presente na FSRQ. Nestas rochas observam-se figuras de cisalhamento mtricas, com movimento sinistral, orientadas NW-SE e, em algumas delas so visveis indicadores cinemticos de deslocamento de massa com vergncia para NE, materializando, provavelmente, os efeitos da coliso brasiliana Araua, situada a sudeste. Cristais de sodalita azul foram identificados em sienitos em regies localizadas na poro sudoeste da FSF. Diques de rochas mficas e fonolticas so presentes com menor freqncia que na FSRQ. Por outro lado, pegmatitos alcalinos ocorrem mais abundantemente na FSF. Alguns deles exibem contatos ntidos, sugerindo colocao tardia e, outros, com contatos irregulares a difusos, indicam colocao precoce. A presena de cristais eudricos e centimtricos de zirco comum nestes corpos e alguns com qualidade de gema. Rosa et al. (2004) obtiveram as idades Pb-Pbzico

de 720 9 Ma e 732 24 Ma, interpretadas como o intervalo de idades de cristalizao destes diques. Os estudos desenvolvidos pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral identificaram na Serra do Felssimo a maior reserva brasileira (368 milhes de toneladas) de sienito com composio propcia para a sua utilizao como fundente (Fe2O3 < 0,1%; Na2O + K2O > 14%; e Al2O3 > 21%) para as indstrias de cermica e vidro (Moreira, 2000). MTODOS ANALTICOS Dentre as 80 amostras coletadas para estudos petrogrficos selecionou-se 27 consideradas representativas das fcies gneas, nas quais dosou-se os elementos maiores e alguns traos, inclusive os elementos terras raras (ETR), Cl, F, CO2 e S. Estas anlises qumicas foram efetuadas nos laboratrios do Consrcio Geosol/Lakefield Ltda. Em cinco amostras selecionadas da FSRQ tambm foram dosados Sr, Rb, Sm e Nd por diluio isotpica. Nestas amostras determinaram-se igualmente as razes 87Sr/86Sr, 147Nd/146Nd. Estas anlises foram efetuadas no Laboratrio de Geologia Isotpica da Universidade Federal do Par. Maiores detalhes sobre a metodologia utilizada podem ser encontrados em Cruz Filho (2004). PETROGRAFIA DAS ROCHAS GNEAS Os minerais constituintes das fcies magmticas do BNSI so dominantemente os mesmos. Diferem entre si pela dominncia do mineral mfico (biotita ou aegirina-augita), pela cor dos cristais de nefelina e pelo volume de cristais antipertticos. Estas rochas, em diagrama modal APF (Fig. 4), posicionam-se nos campos dos sienitos com feldspatides e nefelina-sienitos. Fcies Serra Rancho Queimado Nela dominam rochas aegirinaaugita sienito alcalino com nefelina e ocasionalmente nefelinasienitos. So rochas inequigranulares, com granulao variando de mdia a grossa, onde dominam feldspato alcalino perttico. O carter inequigranular essencialmente controlado pelo tamanho dos cristais de feldspato alcalino (0,4-9,3 mm), que so subdricos, pertticos e, ocasionalmente, apresentam-se geminados segundo a lei Carlsbad, existindo tambm cristais com geminao AlbitaPericlina. As incluses de minerais mficos distribuem-se nestes feldspatos aleatoriamente, exceto a biotita que tende a concentrar-

Figura 4 - Diagrama modal APF com as amostras do Batlito Nefelina-Sientico Itarantim. Feldspato alcalino [A], plagioclsio [P], feldspatide [F] e quartzo [Q].Revista Brasileira de Geocincias, Volume 35, 2005

50

Maria de Lourdes da Silva Rosa et al.

se prxima periferia. A nefelina ocorre como cristais andricos e com tamanhos variando entre 0,15 mm e 3,8 mm, predominando aqueles com 0,7 mm. Ocupa os interstcios entre os prismas de feldspato alcalino, onde geralmente tm contatos irregulares e, por vezes, interpenetrantes. Apresenta-se parcialmente alterada para cancrinita, ou agregados com cancrinita e zelitas, mostrando ntima associao com cristais de biotita e carbonato. Os cristais de aegirina-augita so andricos e variam de 0,5 mm a 3,8 mm, predominando os cristais com 1,9 mm. Eles comumente participam de agregados conjuntamente com a hornblenda, aegirina, biotita, minerais opacos e apatita. A aegirina-augita apresentase normalmente coroada de forma descontnua por cristais andricos de aegirina. A biotita marrom ocorre como cristais andricos a subdricos e variam de 0,07 mm at 3,8 mm, predominando os indivduos com 0,5 mm. Em alguns cristais existem incluses vermiculares de aegirina localizadas prximas periferia. A hornblenda verde (0,6-2,6 mm) subdrica e ocorre geralmente envolvida por cristais de biotita e tem como incluses cristais de apatita, carbonato e opacos aciculares. Os minerais opacos (magnetita > ilmenita) so dominantemente andricos e seus tamanhos esto compreendidos entre 0,07 mm e 2,9 mm. Alguns guardam incluses de apatita. Como minerais acessrios tem-se apatita, carbonato, minerais opacos (magnetita >> ilmenita), pirita e ocasionalmente fluorita. Fcies Serra do Felssimo Nesta fcies dominam rochas com composies de biotita-sienito alcalino com nefelina e nefelinasienito. A mineralogia dominante constituda por feldspato alca-

lino (antiperttico > perttico), biotita, aegirina, aegirina-augita, hornblenda e nefelina, tendo como acessrios minerais opacos, carbonato, titanita e apatita. A albita antiperttica (0,5-10 mm) subdrica e andrica. Os cristais de feldspato alcalino contm grande nmero de incluses (biotita aegirina-augita, apatita, carbonato e minerais opacos) distribudas de forma aleatria. Os minerais mficos presentes (biotita, hornblenda, aegirinaaugita, opacos, titanita e aegirina) ocorrem de forma similar FSRQ, em aglomerados, e so intersticiais aos prismas de feldspato alcalino. Destaca-se aqui o maior volume da biotita (at 10%). A hornblenda verde (0,4-4,6 mm) subdrica e guarda incluses de biotita, apatita, carbonato e minerais opacos. A nefelina andrica varia entre 0,3 mm at 1,7 mm, predominando cristais com 0,7 mm. Eles normalmente ocupam a posio intersticial entre os cristais de feldspato alcalino, com os quais exibem contatos irregulares. Cristais andricos de sodalita (0,1-0,3 mm) ocorrem de forma errtica e intersticial em rochas da poro sudoeste desta fcies. Pegmatitos Alcalinos Estes corpos apresentam sempre composies sienticas, tendo-se identificado os tipos sodalita-nefelinasienito, nefelina-sienito, biotita-nefelina-sienito, carbonatonefelina-sienito e especularita-nefelina-sienito. Vnulas com carbonato so ocasionalmente presentes. Nos diques pegmatticos de sodalita-nefelina-sienito, ao contrrio do que normalmente ocorre nas rochas do BNSI, a sodalita subdrica e as relaes texturais sugerem tratar-se de sodalita cristalizada precocemente (Rosa et al. 2004). A calcita um acessrio constante, podendo atingir at 10% em volume, e os cristais de titanita e especularita atingem

Tabela 1 - Dados isotpicos Rb-Sr e Sm-Nd para as rochas do Batlito Nefelina-Sienito Itarantim.

tamanhos de at 2 cm. Os cristais de zirco foram classificados segundo a terminologia de Pupin (1980), tendo-se identificado os tipos D e K1, com dominncia do tipo D, caractersticos de rochas sienticas sub-saturadas. GEOCRONOLOGIA Rb-Sr EM ROCHATOTAL Cinco amostras de nefelina-sienito, sem transformaes hidrotermais, provenientes da Fcies Serra Rancho Queimado, foram analisadas para a determinao da idade (Tab. 1). Utilizando-se o programa Isoplot (Ludwing 2001) foi calculada para este batlito a idade de 727 49 Ma (87Sr/86Srinicial = 0,7031 0,0003, MSWD = 1,02, Fig. 5). Esta idade interpretada como a de cristalizao do BNSI. GEOQUMICA Os resultados analticos de amostras representativas esto apresentados nas tabelas 2 e 3. No diagrama TAS as rochas deste batlito situam-se nos campo dos sienitos e nefelinasienitos, sub-saturados em SiO2 (Fig. 6). Elementos Maiores A variao de SiO2 nas rochas do BNSI relativamente estreita, estando compreendida entre 53 e 62%. As razes Na2O/K2O situam-se entre 1,8 e 0,7 e as de Si/Al entre 4 e 6. Este batlito constitudo por rochas alcalinas metaluminosas

Figura 5 - Digrama isocrnico Rb-Sr em rocha total para as rochas do Batlito Nefelina-Sientico Itarantim.Revista Brasileira de Geocincias, Volume 35, 2005

51

Magmatismo alcalino intraplaca neoproterozico no Sul do Estado da Bahia: o batlito nefelina-sientico Itarantim

Tabela 2 - Resultados qumicos de elementos maiores e alguns traos de amostras representativas do Batlito Nefelina-Sientico Itarantim. Fcies Rancho Queimado (FSRQ), Fcies Serra do Felssimo (FSF), diques pegmatticos portadores de sodalita azul na Fcies Serra do Felssimo (D). Na2O/K2O em % em peso. Elemento no determinado (nd).

que mostram evoluo para tipos peraluminosos (Fig. 7). Este fato se traduz pela presena de corndon normativo (at 1,2%) e o ndice agpatico situa-se entre 1,0 e 1,3, caracterizando afinidade miasqutica. Estas rochas posicionam-se no campo da nefelina, nas proximidades do mnimo fonoltico no diagrama SiO2-Ne-Ks (no apresentado), traduzindo seus elevados graus de fracionamento. Por outro lado, as rochas das fcies FSRQ e FSF apresentam contedos de nefelina normativa entre 1 e 8% e nos diques os valores situam-se entre 8% e 31% em volume, revelando o enriquecimento em Na2O e caracter fortemente evoludo. Em diagramas xidos-SiO2, as rochas do BNSI (Fig. 8) mostram evoluo com aumento contnuo em Al2O3 e Na2O, decrscimo em TiO2, CaO, MgO, FeO* e P2O5, marcada por uma inflexo na curva a 62% SiO2, que pode refletir a mudana na paragnese fracionada durante o processo de cristalizao, a atuao de processo envolvendo participao de fludos, ou ainda, a combinao de ambos os processos. Na primeira etapa desta evoluo tem-se o aumento de SiO2 na FSRQ e sua diminuio nas rochas da FSF e nos diques. Neste contexto, os altos contedos em CO2

(Fig. 8), Cl (>5.000 ppm) e F (at 1200 ppm) nos diques, assim como o seu posicionamento no extremo da evoluo observada em vrios dos diagramas, aps as rochas da FSF, so interpretados como o sentido da diferenciao. Os elevados contedos de CO2 nos diques so explicados por Rosa et al. (2004) como devido presena de fase fluda rica em CO2, responsvel pela formao de carbonato e cancrinita. Comportamento similar descrito por Cunha (2003) ao estudar stios mineralizados em sodalita azul no Macio Nefelina-Sientico Rio Pardo e no Complexo Alcalino Floresta Azul. Elementos-Trao A disposio dos elementos-trao das rochas do BNSI em diagramas com SiO2 no apresenta evoluo to evidente quando comparada quela identificada para os elementos maiores. Todavia, os baixos contedos de Ni (2-8 ppm), Cr (4-11 ppm), Co (