118 - Cadernos de Teatro

51

description

118 - Cadernos de Teatro

Transcript of 118 - Cadernos de Teatro

  • ~ Parte (1)

    ..... HOje se fala da construo de duas salas parao "Piccolo". Por qu?

    ..... Depois de quarenta anos de vida, ou seja, commuito atraso, o "Pccolo' ter finalmente um lugar"normal". At agora os poderes pblicos tm "circun-dado" esse problema fundamental. A cada dez anosnos prometiam o que agora, finalmente, parece que sevai realizar. Trata-se de dois teatros complementares,um de mil e duzentos lugares e outro de seiscentos.Para os idealizadores do teatro de massas, do pseudo-popular, para os "megalomanacos" de espetculo e dapoltica que 'Crem fazer arte popular com uma peralrica para dez mil pobres enganados, um teatro de mile duzentos lugares no ser muito grande. Eu, aocontrrio, penso que um limite _que no deve serfranqueado, pois, mais alm, se perde o cantata como pblico. Falando com sinceridade, naquela tarde aque fiz referncia no pensei que pudesse montar osespetculos que em seguida encenei no "Pccolo": porexemplo, Avida de Galileo, de Brecht, alguns Shakes-peare. Tambm no pensava que, em caso de sucesso,ficaramos toda a nossa vida nesta sala. Jamais teria-mos podido imaginar uma tal cegueira e uma tal insen-sibilidade por parte dos poderes pblicos.

    ..... Reconhece. que muitos espeteulos importantestin sido concebidos para um nme~o de espectadoresainda menor!

    ..... certo que num determinado momento (hojepelo menos) montamos espetculos para noventa enove espectadores, nem um a mais, Fizemos teatro noslugares mais estranhos, para trezentas ou quatrocentas

    pessoas. Utilizamos os mictrios pblicos, as estaesabandonadas, os quartos de hotis em demolo.. osestdios despovoados pelo frio invernal.' Mas era outracoisa. Nunca se fez teatro pblico nessas condies.Creio que esses teatros eram concebidos por intelectuaisextremados, muito hbeis na mistificao durante certapoca. Onde esto agora?

    ..... Acredita que o te1.tr9 chamado d~,"vanguarda"destes ltimos anos no o era' ou que carece deimportncia?i':

    ,. ..... No misturemos os problemas. A vanguarda necessria. Mas eu tinh o' desejo de Iier um teatropblico de arte, para as pessoas e com ?s pessoas. Odesejo de apresentar ao pblico o resultado de minhasbuscas como algo 'aparentemente j maduro. Opensa-menta, o conhecimento profundo de Copeau e meuamor por ele me serviram de apoio. Como' tambm ofizeram os meus mestres, longnqos ou prximos, queconheci ou no: Stanislavsky, Meyerhold, Vchtangove Thairov; e tambm Dullin, Baty, [ouvet., Brecht, eantes que ele, Fehling, Krtner, Heinz Martin. Hmuitos. Todos eles construram teatros, escolas, elabo-raram mtodos de investigao, junto a seus maravi-lhosos espetculos. Minhas dvidas me fazem muitofeliz. Alm do que, sempre estou aprendendo: aprendoalgo a cada instante da mnha vida, de cada pessoaque conheo, 'de ,cada espetculo que vejo, de cadafilme, de cada momento do espetculo que vejo, decada momento do especulo da vida que me rodeia.

    ..... Acha que algum te deve algo? Muitos dizemque voc nunca formoo alunos, que no representauma escola.

    ..... Acho que a minha maneira .responsvel defazer teatro, um certo tipo de amor, de abnegao,um certo modo coletivo de pensar nele, tem sido rece-bidos: quem sabe, no em sua totalidade. Talvez umaspecto do meu trabalho, aplicado de maneira justaou" talvez, certos elementos de minhas buscas, sirvam

    (1) Continuao da entrevista publicada no n' 116. Tra-duo de Ana Cristina Manfron; 1

  • 2de ponto de referncia ou de partida para os outros.O teatro europeu contemporneo conta com muitos dosmeus discipulos, dretos ou ndretos: diretores, cen-grafos, tcnicos que trabalharam comigo mais ou menostempo; e utros que retiraram de meus espetculos do"Pccolo" temas, imagens, estmulos para os seus tra-balhos. H muitas formas de ensinar e de aprender.Aminha tem sido, por fora das circunstncias, a pr-tica de um mtodo, no uma escola, mas sim textosescritos. As lies universitrias, aplicadas ao teatro,me fazem sorrir ...

    --' Em sama, na tua opinio existe um modo defazer teatro maneira do "Piccolo"? Teu estilo reco-nhecvel e tem exercido uma inflUncia... .

    --' A palavra estilo aplicada direo no meagrada de todo. Mas existem certas' metodologias,certas "coisas fundamentais", alm da sugesto deimagens, que, quem sabe, so a minha contribuiopessoal ao teatro, mesmo que tenham sido rejeitadaspor uns e amadas por outros. No que concerne ao"Pccolo", sua filosofia teve uma grande influncia naItlia, onde no existia o conceito de um teatro pblicode arte. No restante do mundo, sua influncia , sobre-tudo, esttica, com demasiada freqncia, formal. Aidia ou inspirao para uma certa forma de teatronem sempre tem sido seguida. Porque o "Piccolo" um teatro demasiado pobre, demasiado limitado, dema-siado milagroso para servir de exemplo, No aconse-lharia a ningum que vivesse, se escolhe o teatro p-blico, uma vida teatral como a do "Pccolo". O "Pc-colo" um teatro pblico inventado por muito poucagente, uma iluso que corre sempre o perigo do ani-quilamento.

    --' Quer dizer cem isso que somente existem teusespetculos e Que o "Picc%" no exisre?

    --' Existem, em primeiro lugar, meus espetculos,e h os espetculos dos outros. Mas os espetculosde um dretor de cena que tambm o diretor doTeatro constituem a identidade deste; , e sempre serassim. O "Piccolo" no um exemplo de estrutura;no tem podido s-lo dadas as condies nas quais

    tem vivido e ainda vive. Mas pode ser exemplar apartir de muitos outros pontos de vista. Paradoxal-mente, sua grande pobreza um exemplo para muitosoutros teatros que em toda Europa recebem bastantedinheiro dos poderes pblicos. Com demasiada Ire-qncia, os teatros pblicos europeus terminam por seconverter em monstruosas mquinas de produo tea-tral, em detrimento da qualidade, com excesso de pes-soas em todos os seus setores, uma culpvel burocra-tizao e uma sindicalizao mal compreendida. Oteatro se faz nesses casos, em um anonimato de grandeempresa, com um ritmo de fbrica que j no temnada a ver com a criao artstica. No "Pccolo",tambm a vontade do dretor 'contribui para manter,entre muitas dificuldades, sua caracterstica humana,certamente aleatria demais, mas relativamente rica deapartes pessoais, criados no amor pelo trabalho teatral,que vai contra a solido, a indiferena, a obsessopela ganncia, a frieza e o anonimato. Tem se faladotanto dos "coletivos teatrais", em 1968 e depois! O"Pccolo" nasceu de um ato de amizade --' bem melembro --' entre um pequeno grupo de homens e mu-lheres unidos pelos mesmos ideais, ncleo que se es-tendeu aos maquinistas, aos eletricstas, aos tcnicosdo som, aos pintores, aos atares, mesmo que tendo desuperar dificuldades sentimentais. No falo do "Pie-colo"como um lugar ideal, o que no existe e nempoderia existir. Mas serve para compreender que oteatro no deve ser feito como geralmente . Existe,desgraadamente, no mundo, uma perversa tendnciano teatro com o pblico (o teatro lrico o exemplomais evidente), eIefantiase, superficialidade dosensaios, que quase impossvel de se mudar. Hexcesses, Muitos de ns, na Europa, tentamos freareste processo que tende a degradar a qualidade nasrelaes com o pblico. O fundamento de um teatropblico no consiste em criar muitos ou poucos espe-tculos, mas espetculos em continuidade, de alto nvel,cada noite, cada ano, cada decnio. Neste sentido, o"Pccolo" ', quem sabe, um exemplo, que somenteanlises rigorosas poderiam demonstrar se tem exer-cido influncias reais. O que define verdadeiramenteo "Pccolo" no a sua precria estrutura, nem, para-doxalmente, o valor esttico de seus espetculos, masa sobrevivncia, sempre ameaada, de uma idia, deum modo de fazer teatro juntos.

  • 3os ensaios.

    atares a coisa mais difcil, mais aleatria e '""""' comfreqncia '""""' mais incompreendda pelos outros.

    Para mim a direo , antes de tudo, um atocrtico, o ponto de vista mais amplo e mais globalpossvel. A preciso de algumas das minhas indicaesde direo, minha insistncia sobre certas entonaes,gestos e posies, deixam, ao mesmo tempo, ao ataruma total liberdade. Direi que uma das caractersticasdo "Pccolo" a de considerar a leitura do texto comoum ato criativo que no tem fim. Nasce, verdade,do diretor, mas o supera continuamente. Uma deter-minada noite, a uma determinada hora, a experinciase oferece como um ato acabado, mesmo que, na reali-dade, no seja definitiva e possa tomar, no decorrerdas representaes, outros caminhos e ser, ainda, pro-longada e aprofundada, em diversos perodos, enquantoo espetculo se mantm. Daqui se deriva o tom, svezes contrado, tenso ao extremo, s vezes distendido,lrico e cheio de digresses, dos nossos ensaios. Osensaios so sempre contraditrios.

    '""""' Fala de todos os que assistemQuem so? E o que fazem para assistir?

    '""""' Constituem wna nova metodologia?

    '""""' Em que consiste?

    '""""' Nunca consegui teorizar um mtodo particularque diferencie o meu trabalho do dos outros. Mas essemtodo existe, certamente, numa prtica to cotidiana,to pouco sistemtica, to pouco "enfatizada", queaparece simplesmente, conforme pedia Jouvet, como umofcio. S existe um modo de fazer teatro, que '""""'segundo a poca e os homens '""""' tem diferentes parti-cularidades, diferentes claves. No se pode explicarcom palavras: nenhuma arte deveria ser explicada. Nomximo caberia explicar uma certa tcnica. Ento, omodo de "fazer teatro" do "Pccolo" , antes de tudo,um modo de ser no teatro, o empenho por todos deconsiderar a realizao de um espetculocomo umato responsvel, um gesto' histrico. Disto se derivauma tenso muito forte, coletiva, no trabalho. Todosse sentem empenhados numa obra comum, da qual soos protagonistas responsveis. Quando no Piccolodizamos "nosso espetculo" porque era verdadei-ramente de todos ns. Mas sem discursos sociolgicos,sem teorizaes sobre "coletvo teatral", sem mani-festaes. Estavam presentes, ao' invs, as tcnicas, osmtodos ou os hbitos, conquistados em anos de tra-balho, que so somente um aspecto externo, emborabastante til.

    SOBRE O MTODO DE TRABALHO

    '""""' Outra caracterstica do "Pccolo" que osensaios no so msticos eo acesso sala no estvetado. Em nossos ensaios h sempre "outros"; quasenunca so estranhos.. mas, .habitualmente amigos, svezes jovens que' amam o teatro, que sentem a curio-sidade de ver como se desenvolve o nosso trabalho.

    . Amide vm de diferentes pases. claro, existem li-

    . mites e evitamos que a sala lote. s vezes vm tambm'""""' Alguns poderiam sustentar isso. E sei que os .crticos, atares ou diretores. Intil negar, essa pre-

    ensaios so descontnuos, talvez inflamados, poticos, sena paralisadora para .os ateres que trabalhamdivertidos, ou quem sabe lentos, cansativos, bloqueados comigo pela primeira vez; os novos no compreendempor um detalhe, obsessivos. Somente quando se con- .como eu permito tal sacrilgio. Eu tento explicar-lhesegue delimitar a contradio principal que ela pode que, somente na obscuridade, me sinto pior se noser superada, enquanto as outras se resolvem automa- me cerca um pequeno coro, ao qual no peo maisticamente, Os observadores superficiais que assistem do que respeito, disponibilidade e um grande. amora uma hora qualquer de ensaio falam, neste caso, de que deve ser projetado sobre mim e o nosso trabalho.perfeccionismo, de busca de detalhes... Mas estes Este pequeno coro, feliz por assistir nosso trabalho,no vivem quase nunca as outras horas de criatividade, tem me ajudado sempre. Os que amam o teatro sde ligeireza, de inveno recproca. O teatro que ns podem faz-lo bem... Nosso trabalho criativo con-fazemos se move entre a fantasia ea imaginao, porm, sisteem formular proposies continuamente. Cadaacompanhado de uma indagao muito elaborada, quase entonao, cada gesto ou seu contrrio, podem sercientfica. A profunda criatividade que pedimos aos I sugeridos ao diretor de rena. Cada gesto pode ser o

  • 4ponto de partida para o~tro ges~o, ~m estmulo paradar forma a algo j sabido, ou inspirar algo no qualnunca tnhamos pensado.

    ,... Mas voc sabe, antes de comear um ensaio,exatamente 0 que vai fazer?

    ,... No, nunca preparei a dreo com antece-dncia. Quanao os ensaios comeam eu ainda no seiquase nada, Naturalmente, j terei trabalhado sobre oautor e sua obra, terei tentado compreender ,... pro-curando coloc-lo em relao daltca com nosso pre-sente e comigo mesmo r- suas relaes com sua pocae com seus contemporneos. Terei imaginado um certoambiente ,... no gosto da palavra cenografia ,... con-tando com outras pessoas que participam na elaboraodo espetculo. Em outra poca, com Luciano Damiani;hoje com Ezio Friserio, Tambm o fao com os ataresque esto comigo, os quais, da sua parte, colocamcoisas.

    ,... Dizem que voc ensaia com os atares vestidose maquiEldos, com cenografia j preparada. ,.

    ,... No de todo verdade. A cenografia denossos espetculos se constri ao mesmo tempo queeles, no decorrer de um trabalho quase arqueolgicode busca que, infelizmente, se faz mais rpido do quese desejaria. Para mim, o ideal seria construir um es-pao a partir de dados e hipteses indefinidos e mode-l-lo com os atares enquanto se trabalha no cenrio.Nunca o consegui fazer;Mas no ca jamais na armadilha de considerar idealo fato de estarem prontos, no primeiro dia de ensaio,tanto o cenrio quanto o figurino. Houve um tempo,no entanto, quando ramos jovens, em que sonhvamose lutvamos para que tudo estivesse pronto no primeirodia exatamente como se d no cinema. Era um erro:o teatro no como o cinema. No teatro tudo devenascer, deveria nascer. como que por mlaqre, sobrea cena, a cada instante. Somente com esta finalidade,ns construamos os ensaios, 'compondo cores, espaose objetos. E era nessa cenografia provisria, preparadacom ateno e amor, onde ns comevamos nossotrabalho de cenrio. Utilizvamos tambm alguma m-sica ,... s vezes, a dos espetculos anteriores, ou algumaque Fiorenzo Capri tinha composto .- com a inteno

    de que os atares, no primeiro ensaio, ao entrar na sala,vissem ou sentissem j qualquer coisa, Os ingnuos(so os mais numerosos) acreditam que o espetculoest pronto desde o primeiro ensaio. Evidentementeno assim. No sabem que os verdadeiros dramas ,...os mais exatos e os mais fecundos ,... nascem quando,ensaiando no cenrio provisrio, percebe-se que eledeve ser mudado porque suas propores no so cor-retas. Parar tudo, recomear do zero, torna-se difcil,quase impossvel. Porm, ao preo de muito trabalhosuplementar, finalmente, se consegue construir um es-pao cnco mais exato, esteticamente mais vlido. Setudo isso pode se dar, graas ao espao inicial jutilizado pelos atares e reinventado por um teatro emmovimento. Os ateres comeam, pois, a ensaiar numsimulacro de cenrio, sabendo que tero de se adaptarao espao, mas que, ao mesmo tempo, o espao deverse adaptar a eles. De um modo geral, os figu~inostambm nascem nos ensaios, posto que devem se nte-grar com o atar e seus movimentos. Partimos de dasgerais, de esboos, de sugestes que se unem aos mate-riais, de tecidos e inclusive roupas j feitas em coresdiversas, que procuramos por vrios lugares, Os ataresse vestem, trocam, alguns se apaixonam por algumandrajo, de alguma roupa utilizada nos ensaios e,amide, acontece da roupa provisria se transformarna roupa delintiva. 11 campiello,' de Goldon, porexemplo, foi representada com roupas de ensaio. O queprovoca, quem sabe, o desespero da Administraoque 'COnsidera um esbanjamento o que para ns umtrabalho destinado a polir e enriquecer poeticamente oespetculo, Essa a minha prtica, duramente con~uistada, porque o "Pccolo" pobre; e quero continuaressa luta, mesmo no caso de que eu dispusesse demais meios para lev-la a cabo sem angstia, porquepara mim a nica forma de trabalhar que tem umsentido e que olha para o futuro,

    ,... E o reatro italiana? para voc a nica'forma arquitetnica? Voc nunca saiu dela ...

    ,... Temos tentado sempre modificar a configu-rao do teatro italiana, Temos rompido com a cena

    * N.T. - Campiello o nome das pracinhas de Venezaonde desembocam os canais.

  • clssica, invadido outro espao para alm da rampaimaginria ou real, e nos projetamos at o pblico,utilizando para atuar, entrar e sair, o espao entre asfileiras, entre a platia e a cena, os palcos e a galeria,Nunca procuramos um espao fora do teatro; aceitamosa cena italiana, para torn-la mais malevel, paralig-Ia mais sala do teatro, porque acreditamos aindaque o teatro deve-se confrontar com o pblico, Fazer,pois, teatro como uma liberao do suprfluo, do jogointelectual e da moda, mesmo que a primeira apresen-tao de "A tempestade" tenha sido feita, em 1947,no jardim de Boboli, numa grande fonte (os atarestrabalhavam sobre uma grade construda sobre a gua),Representamos, entre 1948 e 1965, ao ar livre, diantede muros em runas, em igrejas, em claustros, empraas monumentais. Mas aquela que consideramosnossa prtica teatral tem sido feita em um minsculoteatro italiana, violentado do mesmo modo que Brechttinha violentado, antes, a Schiffbauerdamm.

    o NOSSO TEATRO UM TEATRODA PALAVRA

    ,..., Voc no teme que isso tudo tenha conda-zido a um excesso de formalismo e a ,uma espciede academicismo?

    ,..., No, absolutamente. O nosso um teatro da 'palavra, As relaes com o espao, as composiesmais claras e mais significativas, os gestos de maiorencanto, s servem para que se oua a voz: tudo estpreparado unicamente para esse fim. O nascimento dapalavra, as rplicas entre os personagens, as situaesinventadas pelos poetas. A palavra a que cria aunidade do espetculo. A improvisao nosso tra-balho inicial. Os atares se sentem felizes se conseguemse libertar e entrar no jogo da improviso ligado palavra. Alguns no o conseguem porque ainda noconhecem o texto. Essa a razo pela qual hbeispontos venham em sua ajuda. Nessa fase, a funodo ponto muito importante: pode, murmurando otexto cujo sentido o atar ainda busca, fazer com queeste explore uma frase e descubra um tom imprevisto,espetacular.

    Amide, o espetculo est "pronto" em poucosdias, que so dias de felicidade criativa. Porm no

    pode ser sempre assim; eis a o martirio, o castigo, adisciplina, a grandeza do teatro. O jogo, a invenocriadora, devem ser sempre notados, reproduzidos, equem inventou raramente se lembra como foi ou noconsegue reproduzi-lo. nesse momento onde inter-vm, mais do que nunca, o diretor, que deve saberregistrar e tornar consciente o processo que desenca-deou. o aspecto mais duro do trabalho que faofora e dentro do "Pccolo": tornar a dar corpo, some esplendor inveno perdida de todos os atares.Pouco a pouco, com humildade, estes pequenos seg-mentos de espetculo encontram um colorido. Paraalcan-lo, porm, necessrio constantemente passaratravs de um trabalho. Um momento de felicidade,de magia que no volta nunca. Todas as pessoas deteatro sabem que, uma noite, "algo" determinado, pre-ciso, vivo, se produziu e no se repetir. Eis aqui outromistrio do teatro: o estado de graa coletiva, toinslito que tem a categoria de milagre.

    O DIRETOR TIRANO, UM LUGAR COMUM

    ,..., Dizem que como todos os diretores, ou maisainda que os outros, voc 11m tirano.

    ,..., No creio no diretor tirano. um lugar comumque sobrou do passado, de uma certa escola, princi-palmente do teatro alemo da dcada de vinte. Odretor "demiurgo" com atares escravos, no existe.Hoje encontramos mais comumente o contrrio: muitosdiretores no falam, no dizem nada, abandonam osatares ao vazio, fingindo que respeitam suas persona-lidades, quando, na realidade, somente desejam que oespetculo se desenvolva sem problemas. Isso e outrascoisas o que eu vejo nessa estranha raa que, nsdiretores, formamos... Creio que a nica maneira dese fazer teatro na fraternidade. Sem criar seitas.sem cair na armadilha do grupo cujos membros esta-riam ligados como que por um vcio. Muitos nopensam assim: quem sabe, eu seja um dos poucos ...

    Mais de mil atares passaram pelo "Piccolo", Emcerta medida, este teatro tem sido para eles uma coisa:a casa de onde se sai e qual se regressa, que reapa-rece como um porto depois de longas viagens. Os maisvinculados a mim e ao "Piccolo" se foram. Pormmuitos adquiriram um estilo e um 'modo de ser noteatro, que j no esqueceriam. 5

  • "Pic-

    inclusive quando centelham as luzes e parece mais ricodo que a riqueza.

    Nunca teorizamos, exaltamos ou agitamos nossapobreza; ao contrrio, ela tem sido 'escondida, pois oesforo e as dificuldades do teatro no se devem exibiraos olhos do pblico. Mas eu gostaria que todos aquelesque puderam admirar a ligeireza do vo de Ariel Laz;zarini em "A tempestade", suas paradas, seus ritmosno ar, se perguntassem como pode conseguir. qual moguiou secretamente esse vo, e, com ateno, arte eresponsabilidade, elevou um ser humano a mais dedez metros do cho. Grande parte do nosso trabalhoteatral feita como o vo de Ariel: no necessita,para existir, de mecanismos complicados, mas sim depessoas que possuam qualidades artsticas, tcnicas ehumanas. Capazes de mover o espao, de inventar ma-teriais, de modificar o decr com meios muito simples,de modular as luzes coordenando-as com o som dasvozes e o movimento dos intrpretes, de acion-las velocidade da luz. Nesse sentido, a histrIa do "Pc-colo" tambm a histria de um grupo de artesos-artistas do teatro, cuja composio tem modificado semque se modifique nunca o esprito.

    VOLTANDO A BRECHT

    - Por qu.e um teatro brechtiano como ocolo" no aplica a metodologia do teatro pico?

    .- Considero-me um discpulodireto de Brecht,mas tambm, e gosto de repeti-lo, um aluno indiretode Copeau e, no que se refere s formas de atuao,de [ouvet, No plano afetivo sou um discpulo de EtienneDeroux, cujos ensinamentos tm continuado no "Pie;colo", depois da sua morte, por Marise Flach. JacquesLecoq tambm trabalhou conosco durante algum tempo.Tudo isso no parece se opor a Brecht. H uma linhamisteriosa que une os grandes mestres do teatro con-temporneo: StanisJavski, Mayerhold, Splokov, Brecht,Copeau, Chaplin. Creio que, no fundo, a metOdologiado trabalho teatral do "Pccolo" vai, sem dvida, nosentido daquilo que Brecht nos enslnou,sobretudoporque dialtica e investiga atentamente o esttico eo social. A base dos ensinamentos de Brecht est norepdio diviso entre o esttico e o social e no res-

    . peito ao equilibrioentre razo e emoo. A influncia

    MADEIRA, CORDA, TECmOS E '" ARTE

    .- .4 tua maneira de fazer teatro exige umaequipe tcnica importante e a disponibilidade de muitosmeios e de muito tempo. Por que voc se queixa sempreque tudo isso falta?

    .- Porque verdade. Nunca tive tempo paraensaiar o necessrio. No acredito em anos de ensaiopara um espetculo, mas se os tivssemos poderamospermitir-nos um perodo de afastamento, de pausa.Quantas. vezes j sonhe em poder dizer aos meuscompanheiros: "Hoje no faremos nada, vamos ao ci-nema ou a outro lugar, ou ento fiquemos aqui e fala-mos de outra coisa, da vida, da poltica, ou contemoshistrias!" Em todo caso, na realidade. acredito queum tempo de ensaio mais longo do que aquele quedispomos hoje (e que j supe uma laboriosa con-quista) faz falta. Basta repassar a lista dos espetculosmontados pelo "Pccolo" em seus primeiros anos paracompreender que os ensaios estavam reduzidos aomnimo. Me pergunto como foi possvel montar o pri-meiro "Arlequim" em vinte dias, "Ricardo II" em vintee cinco, ou "O jogo dos poderosos" em quarenta ecinco. Atualmente. os nmeros so ainda mais elo-quentes: "O rei Lear" teve setenta e cinco ensaios;"A pera dos trs vintns", quarenta e cinco; "Galileu".cem; "Barouffe", sessenta; "Campello", cinqiienta etrs; "A tempestade", noventa; "L'Orage", quarenta.A mdia est, pois, entre os sessenta e os setenta dias,na razo de seis horas de trabalho dirio para os atarese, s vezes, o dob-ro para o dfretor e os tcnicos.

    Quanto tua pergunta sobre a equipe tcnica, llocreio na necessidade de uma enorme maquinaria. stouainda ligado ao teatro artesanal, por mais que perma-nea atento a tudo que acontece no campo das cinciasteatrais. Trabalhamos e inventamos contando essen-cialmente com os meios do teatro tradicional: madeira,corda e tecidos..No empregamos pontes, nem escadasmveis, nem truques com laser, nem aparatos de ficocientfica. Em parte, por causa de nossa pobreza, mastambm como escolha, pelo desejo de considerar oteatro como algo diferente de uma instalao mecnicaede prodgios tcnicos, Tem-se falado muito nestesltimos anos de "teatro pobre", mas sem fazer nuncanenhuma aluso ao nosso trabalho, que muito pobre,6

  • da investigao brechtiana tem marcado incontestavel-mente o teatro contemporneo. Uns o admitem, outrosno. Eu o admito. Brecht tem sido para mim o mestrede uma "severa liberdade" e no de um dogma.

    No plano da tcnica, o atar tipo, que , lgico,uma abstrao, trabalha geralmente num duplo regis-tro: o pico-daltico, sem a rigidez dos ps-brechta-nos, e o realista stanislavskiano, sem os excessos doActor's Studo, evidente, por outro lado, que quandoo "Pccolo" tem montado espetculos sobre textos deBrecht, sua metodologia e sua tcnica estavam maispresentes, mesmo que nunca de maneira ortodoxa ouescolar. Brecht, quando veio a Milo, ficou surpresocom nosso trabalho e nossos resultados. Foi quandofalamos de Stanislavski, que era para ele um pontode partida absolutamente necessrio, e formulamos parao futuro uma possvel sntese de todos os mtodos,opostos somente na aparncia, que definem a teatra-lidade contempornea. Mesmo reconhecendo suas d-vidas, a metodologia do "Pccolo" bastante autnomae somente aspira a abertura de outras experincias nofuturo.

    DUAS NOVAS SALAS, UM GRANDE PROJETOE MOMENTOS DIFCEIS

    ,... Dizem que vo ser construdos dois teatrospara Piccolo, que um Grande Projeto est sendopreparado. O que acontece exatamente?

    ,... Com trinta anos de atraso, estamos construindoem Milo dois teatros. Um j est quase terminado eser brevemente inaugurado, ooutro se encontra emconstruo. Quanto ao "Grande Projeto", trata-se deum complexo, normal no tocante ao desenvolvimentodo "Pccolo", que deveria ter chegado em outros tem-pos e com outros ritmos. Tudo isso est prestes a acon-tecer num momento de grave involuo para o teatropblico na Itlia, no meio de uma confuso estticae cultural que atrasa a histria da Europa sob o pre-texto de faz-Ia evoluir. Assistimos na Itlia a umaperigosa operao, no s nos planos da cultura e doteatro, mas tambm da poltica, uma perigosa opera-o do tipo cooperativo, do tipo fascista, mascaradae oculta por uma aparente tomada de conscincia darealidade, por uma exaltao do cotidiano frente aos

    dogmas, com a anulao dos grandes ideais. Na Itliaexiste uma deliberada vontade de destruir as institui-es republicanas, de exaltar o "privado" em detri-mento do "pblico", abertamente condenado pela di-reita e, de forma velada, pela esquerda. Nega-se a va-lidade das teorias de Marx exaltando Proudhon, sebem que no se faa nada para pr em prtica esse"prodhonsmo" contemporneo. Estamos a ponto deadotar um sistema keynesiano de segunda mo e umforte reaganismo que se inscreve na incapacidade daEuropa para construir a si mesma. Essa , na minhaopinio, a trgica realidade italiana, frente qual nose eleva a nenhuma verdadeira oposio. Nos encon-tramos diante de uma democracia bloqueada, onde jo-gam sempre os mesmos jogadores, sem alternncia dia-ltica dos projetes. Nosso "Grande Projeto" cheganesse contexto. E no sei se um contexto assim querersustentar e apoiar, verdadeiramente, at o fim, um es-foro intelectual, estrutural e econmico dessa enver-gadura.

    O FUTURO OU O DEVER DE REAFIRMARO HUMANO

    ,... No seio desse novo complexo teatral europeuque te oferecem agora" voc seguir pondo em prtica

    , tudo o que tem elaborado no "Picc%?"

    ,... No sei se ser possvel nesse grande Teatropblico, nacional e europeu, que tenho imaginado parao futuro do "Pccolo", viver em meio de uma espciede deserto, face s dificuldades de nosso pas, aindaincapaz de criar verdadeiras estruturas teatrais. umdiscurso que sobrepassa o "Pccolo" e a histria daminha gerao.

    No entanto, eu no tenho atualmente aimpressode que o teatro viva uma crise definitiva, de que o des-tino de criatividade esteja em perigo: ao contrrio, de-pois de viver momentos exultantes e momentos depres-sivos, percebo, atravs de alguns signos, um renasci-mento do interesse pela arte insubstituvel, em quepese a ausncia de tudo o que inflamou nossa juven-tude, ao terminar a Segunda Guerra Mundial. Nsacreditvamos naquela poca, depois de ter comliatidoo despotismo e a intolerncia, que podamos reconstruirum mundo melhor e dif~en,te, ma~~j~7,~~,e mais hu-

    r"'!~-ln ! '~,',/I (\,'7

  • 8mano, e constru-lo em seguida porque ramos homensde teatro. Hoje sabemos que no era um trabalho dealguns anos, ou de algumas dezenas de anos, que tudoera muito mais complexo e difcil. Temos vivido a ex-ploso da curiosidade pela representao, a festa e aunio das pessoas ante a magia e a realidade do tea-tro, Suportamos e pagamos o nascimento e o triunfoda televiso, sua evoluo e sua decadncia em prolde instrumentos de espetculos coletivos. Estamos vi-vendo o paroxismo da solido televisada, que leva ohomem a buscar um pouco de calor e de comunicao,Nosso trabalho, portanto, no terminou, e eu me pre-paro para dedicar uma parte do meu tempo a umaescola internacional de teatro, aberta, consciente dopassado e curiosa pelo Iuutro. Os jovens tm atrs desi algo mais do que ns: exemplos e experincias quens no pudemos realizar. Tm diante deles os mesmosproblemas, mas conhecem certas solues que ns tive-mos de buscar sozinhos, com muitos equvocos, Tero,por sua vez, que enfrentar problemas novos: as rela-es do teatro com a era da comunicao de massas,a crueldade de uma sociedade injusta, tecnolgica, ado capitalismo desenvolvido e industrializado: o temado teatro-telemtica.

    - No consegui compreender se voc pessimis-ta ou otintista...

    - Como Gramsci, sou profundamente pessimistacom as armas da minha razo. Vivo a terrvel angstiade nosso pequeno tempo histrico, mas, no fundo domeu corao, sou maravilhosamente otimista: e o co-tao, apesar de todas as armadilhas, o que vencesempre, Meu velho e querido Goldoni o tinha com-preendido muito bem quando, em uma dedicatria, es-crevia que o corao e a simplicidade saem semprevencedores,

  • o PS-MODERNO E O TEATRO BRASILEIRONOS ANOS 80

    Mauro Santa Ceclia

    A aplicao do termo ps-moderno no teatro bra-sileiro, se no me engano, praticamente inexistente,Conversei a este respeito com artistas e crticos, algunsconhecidos e at reverenciados, e no deu em nada:realizei tambm uma pesquisa nas publicaes do g-nero e o mximo que pude extrair foi uma rejeio(alis, vinda de um diretor norte-americano):

    um termo rido que funcionaria me-lhor como um semitom do que como umadefinio. Vamos encarar: este termo nopresta. No tem firmeza. Vamos nos livrardele. (Maguirre, M.: "Cadernos de Teatro",nQ 114, p. 5.)

    Contudo, preciso que se reconhea: o termo real-mente impreciso, causando controvrsia entre os pr-prios tericos. Mas isso, por si S, no me parece sufi-ciente para abandon-lo.

    Portanto, o objetivo deste estudo est em tentarestabelecer uma ponte entre a recente teorizao acercado fenmeno ps-moderno e o teatro brasileiro con-temporneo, atravs dos trs encenadores mais irre-quietos, polmcos e/ou brilhantes da dcada de 80:Gerald Thomas, Denise Stoklos e Bia Lessa. Sobreestes, no pretendo aqui descobrir novas nuances deseus trabalhos: o objetivo, repito ... e ai sim devo agircomo um explorador ... tatear uma relao at entoignorada,

    O PS-MODERNO

    A despeito da fluidez do conceito, em pelo menosum ponto parece haver concordncia entre os estudio-sos: a modernidade envelheceu.

    . Ainda que de forma simplificada, de grande uti-lidade voltar no tempo e abordar o projeto da moder-nidade. Max Weber 1 caracterizava a modernidadecultural pela separao da razo objetiva em trs es-feras autnomas: cincia, moral e arte. Estas esferasvieram a se diferenciar no sculo XVIII, quando asvises de mundo unificadas da religio e da metafisicacindiram-se. Os problemas herdados dessas antiqascos-movises puderam ento ser tratadas separadamentecomo questes de conhecimento, ou de justia e mora-lidade. ou de gosto. Cada domnio da cultura passoua corresponder 'a profisses culturais, exercidas porespecialistas. Surgem, portanto, as estruturas da racio-nalidade cognitivo-instrumental (cincia), prtico-mo-ral (moralidade) e esttico-expressiva (arte).

    O projeto da modernidade formulado pelos fil-sofos iluministas. no sculo XVIII, desejava valer-sedeste acmulo de cultura especializada para enriquecera vida cotidiana.

    A autonomia da esfera da arte gerou, na metadedo sculo XIX, uma concepo estetizante, a chamada"arte pela arte", onde os meios de expresso e as tc-nicas de produo tornaram-se em si mesmos os obje-tos estticos, deixando de servir causa da represen-tao. Como conseqncia, aumentou a distncia entrea cultura de uma minoria especialista e a de um p-blico leigo.

    A tentativa de reconciliar os universos esttico esocial, em outras palavras, arte e vida, engendrou oempenho de negar a cultura dos especialistas. Istoocorreu no sculo XX, com o surgimento das van-guardas.

    Sob este aspecto, podemos falar em uma moderni-dade do sculo XX em oposio modernidade dosculo XIX: e do mesmo modo considerar o ataquevanguardista ao esteticismo como resultado da lgicado desenvolvimento artstico na sociedade industrial.

    Mas, segundo Habermas, e adotando aqui umaviso no dualista, a modernidade do sculo XX per-manece tambm, de certa forma, contempornea "da-quela espcie de modernidade esttica" no sculo XIX,no qual o trao distintivo das obras modernas oII II

    novo.

    1 Conforme Jilrgen Habermas in "Modernidade versus Ps--modernidade". 9

  • S que o mpeto da modernidade se exauriu: em-bora a vanguarda tenha se expandido, hoje ela no mais criativa; a nsia do novo criou um movimentoconsumista, eacabou por consolidar uma tradio. Comodecorrncia, a busca do novo pelo novo tornou-se es-tril. Neste sentido, fala-se em ps-vanguarda. Ou,como querem alguns tericos, ps-moderno.

    A genealogia exata do termo no uma questomuito importante, pois este tipo de delimitao , svezes. perigosa: quem pode determinar com rigor umfenmeno to recente?

    Mas parece que os anos 50 so aceitos como umaespcie de "divisor de guas". Srgio Paulo Rouanetafirma que foi no mbito esttico ... principalmente naarquitetura e na literatura ... que o termo ps-modernofoi usado inicialmente. Leslie Fedler afirma que omarco que separa o modernismo do ps-modernismo o ano de 55. Fredric Jameson considera que o ps--moderno surgiu, por exemplo, com a pintura pop deAndy Warhol e a msica de John Cage. em oposioao alto modernismo dos anos 50, representados peloexpressionismo abstrato e o existencialismo. AndreasHuyssen, por sua vez, divide o ps-moderno em duasfases: a primeira a dos anos 60. o ps-moderno anr-quico e conoclstco da contracultura, do movimentopacifista e da new-left; a segunda o dos anos 70 e80, o ps-moderno do acesso instantneo e aleatriodos dados, do consumismo desenfreado e de um para-doxal narcisismo paralelo a um esvaziamento da subje-tividade.

    Uma questo importante e polmica a seguinte:o ps-moderno seria uma continuidade ou representariauma ruptura com a modernidade? De um lado, h osque afirmam que no h ruptura, e sim um prolonga-mento: o ps-moderno seria a fadiga crepuscular deuma poca que envelheceu mas no foi extinta, ondemais do que a conscincia de uma ruptura, h um de-seja de romper com um mundo que no agradvel.Esta a posio dos incansveis iluministas Habermas,Rouanet e do marxista [ameson, para quem, no ps--moderno, as relaes estruturais se mantm as mesmasde antes. Do outro lado, h os que defendem que aabsoro do ps-moderno necessita da mudana de pa-radigmas, pois os existentes no do conta do fen-meno; deste modo, a ruptura do moderno para o ps-

    10 -modemo deve ser pensada diferentemente da ruptura

    do neo-clssico para o romntico ou do romntico paraomodemo > a posio de Lyotard e, de certa forma,a de Fedler, que considera a conscincia da rupturafundamental.

    Neste momento, depois de uma necessria digres-so, possvel cercar o termo: no ps-moderno h umafragmentao que tende ao infinito ... o social vistocomo um fervilhar de multiplicidades e particularismos,com a valorizao das minorias e do problema 'da alte-idade ... a informao elevada ao paroxismo, sendoproduzida, estocada, e feita circular como mercadoria;h uma descrena generalizada em projetas e ideologias,devido a um contnuo reprocessamento da realidade(a hper-realidade, o simulacro ... por exemplo, videos telejornais: o que interpretao e o que descri-o da realidade? impossvel distinguir); por fim, asfronteiras, no terreno da arte inclusive, que eram es-tanques no modernismo, vo sendo abolidas.

    O TEATRO CONTEMPORNEO

    Ao contrrio do teatro dos anos 70, mais confes-sional e intuitivo, na dcada de 80, o teatro caracte-rizado por uma mistura de linguagens e cdigos e porum grande apelo visual, expresso atravs do rigor dasmarcaes. 2 Nada mais ps-moderno. Neste panorama,sobressai o trabalho dos diretores, e dentre estes, sedestacam Gerald Thomas, Denise Stoklos e Bia Lssa. 3

    Um artista de talento sempre uma figura com-plexa, por vezes contraditria. Por isso, ao invs desimplesmente taxar os encenadores de ps-modernos,prefiro aqui destacar caractersticas de Gerald, Denisee Ba que possam ser identificadas como tal.

    GERALD THOMAS

    Gerald Thomas , sem dvida, um grande diretor... e uma figura polmica. Em 1985, quando estreou"Quatro vezes Beckett", no Rio de Janeiro, aconteceu

    2 Conforme o artigo "Ba, o pssaro. o Iauaret, Beckette Thomas" de Marilia Martins in Tornai de Artes Cnicas. 1,Minc/Fundacen. 1988.

    3 Poderiam tambm ser citados, entre outros. Marco Au-rlio, Ulysses ClUZ e Eduardo Tolentino.

  • uma manifestao de repdio a Thomas e a Beckett,acusados de repressivos. Era a poca do auge do tea-tro besteiro!. Um ano depois, afirmou: "O teatro bra-sileiro de mentirinha." Outras controvrsias vieram,como o bate-boca, pelo jornal, com o poeta GeraldinhoCarneiro, e o processo movido pelo ex-ministro MrioHenrique Smonsen, a quem o encenador teria chamadode "ladro". 4 Como se v. ele no tem medo de serarrogante e falar suas verdades, Um prato cheio paraos jornais:

    Fao questo de manter a imagem an-tiptica que criaram de mim. o que acon-tece com todos que tm uma opinio forte. 5

    Eu mudei o teatro einaugurei uma novafase. Sou, portanto, um marco; 6

    Estou constrangido pela falta de pensa-dores neste pas. Constrangido pela falta deloucos, obcecados, visionrios. Parece que sexistem os polticos, e os que entretm ospoliticas, com shows ou com consentimento. 1

    O pior reconhecer que Thomas tem l suas ra-zes. um homem 'culto, com um grande acmulo deinformaes. Suas influncias vo de Ivan Serpa e HlioOtcca at Marcel Duchamp e Tristan Tzara. J leutoda' a obra de Freud, Jung e "dezenas de outros".Sua paixo por Samuel Becket! vem desde a infncia~ j encenou 19 textos seus, tendo inclusive mantidocontato pessoal com o vencedor do Prmio Nsbel deLiteratura de 1969.

    Suas admiraes no teatro, alm 'de Beckett, soHeiner Muller, Bob Wilson e Tadeusz Kantor. vn-culado ao Theatre for the New City e j fof diretordo La Mamma, ambos considerados experimentais. Noentanto, segundo ele, "no se pode mais dizer queexiste teatroexperimental em capitais como New York",pois "tudo se bifurca ou trifurca. Assim j existe porexemplo a Broadway dentro do teatro experimental". 8

    Sobre o experimentalismo em si afirmou, em outraentrevista, que "este no tem compromisso com aristo-telismo nenhum, nem da histria do teatro nem dapea de teatro. um risco, o sentido potico filosfi-co, etc., da palavra". 9

    Na sua concepo de teatro a palavra funda-mental para expressar os impasses existenciais ,( seus

    personagens so arquetpcos] e a opresso de umasociedade fragmentada e annima. Seja pela escassez,como em Beckett, ou pelo excesso, como em "Carmencom Filtro", ou em Hener Muller, mas sempre dema-siado. (... ) O exagero de informao verbal por mi-lmetro cbico provoca uma assimilao sbria, redu-zida, filtrada 10 (grifo meu).

    Outras caractersticas do teatro de Gerald Thomasso a cenografia seca, a influncia de outras artes comoa pintura e a pera e o interesse pela fuso de Virioscdigos. como, por exemplo, o expressionismo e o rea-lismo. Seu ltimo trabalho "Trilogia Kafka", com-posto dos espetculos "Um Processo", "Uma Meta-morfose" e "Praga", onde o encenador redimensiona ouniverso daquele que considerado um dos marcosda literatura moderna.

    BIA LESSA

    Bia Lessa uma jovem dretora que procura aliaro fazer teatral com um trabalho de pesquisa, que incluio estudo da fsica moderna, das artes plsticas e dofrancs. Para levar adiante esta inteno, ela formouuma equipe de produo e criao que conta com ce-ngrafo, diretor musical, iluminador e assistentes dedreo, com sede no Teatro SESC da Tijuca. L aequipe ministra cursos como a Oficina de Interpreta.o, de Cenrio e Figurino e de Administrao e Pro.duo, que deram orqem, por exemplo, ao "ExerccionQ 1", sua montagem de maior repercusso.

    O que seria somente a "apresentao-balano" deuma oficina de dois meses, transormou-se num espe-tculo reconhecido por pblico e crtica. Alm de tersido encenado no SESC Tjuca, em 1987, inaugurouo Teatro Mars, em SP, um dos mais modernos do pas,

    4 Conforme o artigo "Verdades e mentiras" de Luiz Fer-nando Ramos in Palco e Platia, n' 4, dezembro 1986.

    5 ln Tribuna da Imprensa, R], 13/08/85.6 ln O Popular, GO, 16/04/87.7 Texto de apresentao para o espetculo "Trilogia Kafka",

    apud Folha de So Paulo, 08/04/88.s ln Estado de So Paulo, 13/01/87.9 ln Palco e Platia, j citado.

    10 ln fornal do Comrcio, RS, 30/12/86. 11 .

  • adaptvel a qualquer tipo de apresentao, em marode 88, Foi tambm apresentado no II Festival Ibero--Americano de Teatro de Cdz, na Espanha, com su-cesso, abrindo espao para novas incurses interna-cionais, Sobre o "Exerccio n9 I", o crtico Yan Mi-chalski afirmou o seguinte:

    Trata-se de obra suficientemente aber-ta para que cada um possa fazer dela umaleitura bastante diferente de todos os outros,Ainda mais porque no existe um enredo,e sim uma estrutura fragmentada cujos epi-sdios no se somam para contar uma his-tria e sim para construir um clima, um es-tado de esprito, Mas no custa arriscar asuposio de que o espetculo pode ser lidocomo uma fantasa em torno das ameaasde alguma catstrofe csmica, existencial ouafetiva a que o homem se acha exposto acada passo de seu trajeto, e da sua capaci-dade de reagir a essas ameaas ou de re-nascer aps a consumao da catstrofe. 11

    o exigente Antunes Filho, um dos mais impor-tantes dretores do teatro brasileiro (com quem Biainclusive j trabalhou), no economizou elogios:

    Eu vi o teatro dela, vi este "ExerccionQ 1", achei um grande poema. Bonito, gosteimuito, uma das melhores coisas que vi. 12

    Tanto este espetculo como o seguinte "Ensaion' 4 ,.... Os Possessos", so baseados na obra de Dos-tovsk, ou melhor, inspirados, pois o que mais se des-taca nestes trabalhos a improvisao e recriao apartir do universo do escritor russo:

    Neste sentido, deve-se ressaltar o talento de BaLessa para criar imagens cnicas, que se caracterizampela permanente busca de uma linguagem prpria, Asuaconcepo de cena despojada, seca, onde os gestosso quase coreografados. Suas influncias so o j ci-tado Antunes Filho, Tadeusz Kantor e Bob Wilson,

    Quanto ao teatro de pesquisa, a dliculdade maior a falta de verba, geralmente direcionada ao teatroconvencional. Bia reconhece que isso causa um certo

    12 desgaste, mas "por outro lado nos obriga a criar mais",

    Sobre a sua decantada criatvidade, ela a primeira ano se deixar acomodar pelos elogios:

    A prtica est me levando a alguns v-cios, como a facilidade de resolver cenica-mente os problemas, Acho que preciso merecolher e me aprofundar. 13

    Atualmente, Bia Lessa est trabalhando no cine-ma, como diretora de elenco no filme "A grande arte",de Walter Salles [r, e coordena no SESC Tijllca o"Projeto Novos Diretores", com dois espetculos emcartaz, alm de dar continuidade ao "Projeto Oficina",com debates sobre o tema "O tempo e o atar", queinclui palestras sobre fisosofia e esttica, com os pro-fessores JOS Amrico Pessanha e Ronaldo Brito, entreoutros.

    DENISE STOKLOS

    Denise Stoklos realiza um teatro pessoal que co-mea com facilidade dos rtulos. Autora, diretora, atrze mmica, sua arte transita por diferentes faixas et-rias, sociais e geogrlicas. Denise comeou prolssonal-mente aos 18 anos, estudou em Londres e fez apre-sentaes na Europa, Em 1987, foi convidada parafazer um espetculo no Teatro La Mamma. Comoobteve uma boa repercusso, isto gerou um compro-misso anual. Aqui no Brasil, j trabalhou com LuizAntnio Martinez Corres, Antunes Filho e AntnioAbujamra.

    Talvez eu seja uma das poucas atrizesno Brasil que s faz teatro, Acho um de-poimento importante. Acredito que o teatro autnomo. A TV no traz pblico parao teatro, mentira, Quero alirmar que oteatro ,.... que trabalho com parmetros deprofundidade. investiago e criatividade-,.... possvel. 14

    11 Texto de apresentao do espetcalo, quando da inaugu-rao do Teatro Mars, apud Jornal do Brasil (ignoro a data).

    12 ln O Globo, R), 25/05/88.13 ln OGlobo, 27/05/88.l! ln Jornal do Brasil, 01/07/88.

  • Denise define o seu trabalho como "teatro essen-cial", que tem por base a instrumentalizao do ator,ao colocar seus meios (corpo, voz e pensamento) emum palco sem recursoscnicos, dispensando inclusivea intermediao de um produtor. No manifesto "Eudenisestoklos meu teatro por mim mesma"." ela faladas mulheres que fazem parte do seu caminho: PinaBausch, Susan Sontag, Laure Andersen, Victoria Cha-plin, Kate Duck (mmica). Simone de Beauvoir, Ariad-ne Mouchkine, Margareth Von Tratta, Agnes Varda,Llana Cavani e Mumako Yoneyama [zen-mimica].Inclusive nesse manifesto, ela fala a respeito da dilui-o que caracteriza o mundo atual:

    Falar de ps-modernismo, concretismo,ou circo so ingredientes no fazer arte tantoquanto a ltima liquidao da loja, o cap-tulo da novela, o anadanie de roupa naconversa entre donas de casa. E tm omesmo valor.

    Seu ltimo trabalho, j encenado tambm com su-cesso em New York, "Denise Stoklos in Mary Stuart",revisita a Inglaterra do sculo XVI. onde ela foi bus-car a inspirao para abordar a crise moral do Brasilcontemporneo.

    BIBLIOGRAFIA

    F!EDLER. Leslie A. "Cross the Border ~ Close that Gap: Post--Modernsm" in Post-Modernism in Amel'ican Literature.Darmstadt, Thesen Vorlag, 1984, p, 37-58.

    HABERMAS, Jrgen. "Modernidade versus Ps-modernidade" inArte em Revista, n' 7, 1983, p, 86-91.

    HUYSSEN, Andreas. "Mapping the postmodern" in The NewGerman Critique, 33, 1984, p. 5-52.

    jAMESON, Fredrc, "Postmodernism and Consumes Society" inAmerikastudien/ American Studies (Amst). Wilhelm FinkVerlag, 1984, p. 55-73.

    LYOTARD, Jean-Franois. "Resposta pergunta: O que o Ps--Moderno" e "Notas sobre os sentidos de 'ps'" in O ps--modemo explicado s crianas. Lisboa, Dom Quixote, 1987,p. 13-27 e g3-99.

    MAGUIRE, Matthew. "O Lugar da Linguagem" in Cadernos deTeatro, n' 114, julho/setembro 1987, p. 1-9.

    ROUANET, Srgio Paulo. "A verdade e a iluso do Ps-Moder-nismo" in Literatura anos 80. Revista do Brasil. n' 5, 1986,p. 4-13.

    15 ln O Estado do Paran, 06/05/87. 13.

  • COSTURANDO PARA FORA

    Edelcio Mostao

    Nesse pequeno texto apl'esentado no I' Congresso de Criticae Pesquisa Teatral (julho de 1988, So Paulo), Edelcio Mos-tao fez um relato de seu trabalho como "dramaturgo" junto montagem de Vestido de Noiva no Teeiro Anchieta, So Paulo.

    Nas palavras do prprio Mos/ao, um texto "mais epis-dico do que conceituai", na tentativa de "explicar" a [uno ea natureza do trabalho do "dramaturgo"'.

    "Paixo cons6ante (e ilusria) de apor a qualquer fato, mes-mo o menor deles, no a pergunta da criana: por qu? mas apergunta do antigo grego, a questo do sentido, como se todasas coisas estremecessem de sentidos: que quer dizer isto?" (Ro-land Barthes, in "RB por RB"),

    Trabalhar como dramaturgista do espetculo "Ves-tido de Noiva" representou para mim o coroamento deum processo muito longo, iniciado' desde a poca deminha graduao na ECA-USP em dreo teatral ecrtica, Esta dupla formao me possibltouexperien-ciar as duas reas separadamente, em pocas distintas,cada qual propondo seus percalos, acertos, insucessose regozijos prprios natureza da aventura que cadaatividade representa: estar "dentro" e estar "fora daobra cnca.

    Quando fui chamado para realizar o trabalho em"Vestido de Noiva" havia sado recentemente da Folhade So Pil.do, um pouco desiludido com a crtca iorna-lstica, O fato de j ter trabalhado com o diretor MrcioAurlio como atar, em minha ltima experincia depalco no espetculo "Tet, Tet", criou um vnculoe uma amizade de longos anos. possibilitando, agora,a oportunidade ele dirigir minha atvdade crtica para

    14 outra dimenso,

    Aps a primeira leitura do texto e uma discussoprvia sobre a abrangncia do projeto como um todo.ficou decidido que a condio exigida por ambas aspartes seria a de minha integrao na equipe de criaodo espetculo com as mesmas prerrogativas que os de-mais colaboradores envolvidos no projeto.

    Todos ns, com graus variados de informaes edetalhes, possuamos uma localizao do texto e suaimportncia no contexto do teatro brasileiro. Aps asprimeiras leituras de mesa as idias gerais discutidastransitavam em tomo das posies crticas, tericas eestticas j consagradas pela tradio em relao prpria pea, ao autor Nelson Rodrigues e encena-o-fetiche de Zembnsk, considerada um marco elediviso para o surgimento do teatro moderno no Brasil.

    Deliberadamente, ento, decidimos no trabalhar,num primeiro momento. com nenhuma obra de refe-rncia sobre o texto, o autor ou aquela encenao.Atraa a todos a possibilidade de uma outra leiturasobre uma pea clssica contempornea e, para tanto,nos lanamos s leituras de mesa como se se tratassede um texto indito. Ao cabo de algum tempo. seguindoas indicaes de nfase nas rubricas determinadas porMrcio Aurlio, a ao dramtica foi saltando e seuencadeamento indicando uma articulao de sentidodramtico que alterava completamente o ponto de vistatradicional sobre a pea: a narrativa pertence a Lcia(a irm que resta viva) e no a Alade (a atropelada).

    Enquanto estas discusses prosseguiam iniciei umapesquisa sobre o material de referncia disponvel: li-vros, ensaios, teses sobre a pea e sobre Nelson. Emsucessivos encontros com Mrcio Aurlio discutimos eaprofundamos estas novas abordagens que estvamosa descobrir e que deveriam determinar as linhas defora da encenao. A tessitura dramtica de "Vestidode Noiva" est articulada pelas pulses do desejo de

    , Lcia, aproximando a narrativa da dinmica expressio-nista padro. A famosa diviso em planos, correspon-dentes realidade, alucinao e memria s fazsentido se compreendida como fruto de uma psquconformada dentro dos parmetros freudianos elo ca-rter histrico.

    A partir destas idias bsicas toda a articulaoartstica e cnica da encenao foi excluindo, se trans-formando, incorporando novas descobertas que amostodos realizando no aprofundamento da anlise de

  • mesa. Os passos Iundamentas deste processo foramos seguintes:

    ,...., assistir ao filme "E o Vento Levou ... ", queforneceu as chaves das interpretaes quanto aos con-tedos melodramticos, a afirmao do imaginrio daspersonagens e o primeiro esboo de cenografia: a casasemidestruida de Scarlett O'Hara. No fortuitamente,naquela arquitetura do filme esto presentes os trsplanos solicitados na pea de Nelson;

    ,...., a realizao de uma srie de seminrios, pormim dirigidos, assim constituidos: um sobre Freud e apsicanlise; um sobre a histeria, a partir das leiturasde Freud e Lacan; um sobre as personagens da pea luz de uma interpretao psicanaltca: um sobre oexpressionismo em geral; um sobre o expressionismono teatro; um sobre Nelson Rodrigues em geral; umsobre as situaes obsessivas em Nelson, que reverbe-ram ao longo de sua obra; o conjunto destes seminriosforneceu elementos ora utilizados nas interpretaesora na encenao;

    ,...., os ensaios de armao, uma tcnica desenvol-vida por Mrcio Aurlio para jogar e criar as situaesdramticas de texto, onde todos os integrantes da

    .equipe entraram para representar sua viso da cenatrabalhada.

    Aps a fase de estruturao cnica das vrias partese atas do espetculo meu trabalho tornou-se cada vezmais critico. Eu me reunia quase diariamente comMrcio Aurlio e repassvamos, atravs de discusses,o conjunto das propostas estticas da realizao. Passeia funcionar como um feed-back dos resultados parciaisobtidos, dialogando com cada integrante da equipesobre os problemas para encontrar o tom, a intenoou a postura fsica das personagens. Estas avaliaes,realizadas a cada trs ou quatro dias de ensaios, pos-suam sempre como horizonte a articulao esttica daencenao.

    Foram inmeras as ocasies onde determinadasidias previamente discutidas entre eu e Mrcio tive-ram de sofrer um longo processo de idas e vindas paraserem captadas e fiscalizadas pelo elenco ou o restoda equipe de criao. Cito dois exemplos: Mrcio e euh muito j trabalhvamos com a eliminao arqute-tnica dos trs planos cncos, pensando a narraocomo um discurso fluido entre a realidade, a alucina-o e a memria. Tanto o cengrafo Gregrio Gruber

    quanto o elenco, entretanto, s foram aceitando esteredimensionamento espacial na medida em que pro-grediam a armao das cenas. tornando incerto e cor-preo o material dramtico.

    Um segundo momento que exigiu um certo tempode assimilao foi o final do espetculo. Fui eu quemsugeriu que a cena do casamento entre Pedro e Lciafosse apresentada como uma vitrine de manequins, en-quanto Alade e madame Clessi movimentavam-se semembaraos. Os atares possuiam uma viso realista destaseqncia. Utilizei, ento, um estratagema que foi ode apresentar como um sonho que tivera numa noitetoda a cena. Deu certo. Mas o que estava por trsdaquela soluo cnca era menos o efeito "onirco"e mais a concretizao do carter da narradora: prprio da histeria o congelamento ou paralizao departes do corpo, quando no a imobilizao que beirao colapso da morte. A concreo desta imagem pode-rosa enquanto sentido de leitura da encenao foi exa-tamente aproveitada para arrematar o espetcnlc, numamarcao muito bonita realizada por Mrcio Aurlio.

    Na fase em que a montagem deslocou-se para opalco do Teatro Anchieta, incorporando a caixa preta

    da cenografia, a iluminao, a trilha sonora, figurinose demais elementos de acabamento passei a assistir aosensaios gerais e opinar sobre eles, ciente de que meutrabalho terminara, restando, agora, o artesanato daequipe como ferramenta para concluir a tarefa. s vs-peras da estria demos incio a um pequeno ciclo defilmes e palestras sobre Nelson Rodrigues, por mimorganizado, com o intuito de lanar a encenao.

    Como balano desta experincia gostaria de afir-mar alguns pontos de vista.

    Primeiramente um dramaturgista necessita criaruma relao crtica construtiva com a equipe de cria-o, apelando para uma outra dimenso da razo, talvezaquela enunciada por T. Adorno como a "razo sen-svel", que a inteleco da obra de arte dentro desua prpria lgica de estruturao e referencamentoe no o agenciamento da razo prtica ou especulativapara tal fim. Acredito que esta lgica assemelha-semuito quela mobilizada pejo psicanalista ao tratar datransferncia dentro do processo teraputico: no setrata de negar a emotividade ou o envolvimento exis-tendal mas de situar tais processos na dialtca entre 15 '

  • o desejo e o real, circunscrevendo seus limites e do-mnos.

    Uma segunda qualidade indispensvel ao drama-turgista possuir uma grande intimidade com o modusfaciend teatral, ou seja, o conjunto dos procedimentosque vo da letra cena, desenvolvendo sua sensibili-dade para com uma forma de criao que necessa-riamente coletiva, implicando em todos os processosdescritos pela sociologia e pela psicologia quanto dinmica de grupos.

    Estes dois aspectos me levam, forosamente, a umterceiro: o amadurecimento do dramaturglsta como cr-tico e como ser humano,

    Este amadurecimento deve ser conseqncia deum prolongado contato com as diversas reas que for-mam a base de seu trabalho: a literatura dramtica, ateoria teatral, a esttica, a' Ilosofa, as arte~ em gerale ascncas em particular, permitindo-lhe superar areferncia apenas episdica e concentrar-se nos traosessenciais da matria com a qual trabalha, Este cabedal.certamente, no dever ser despejado na cabea daequipe, O crtico deve compreender que as diossin-crasias de sua erudio fazem parte de seu labor, masso quase totalmente estranhas s preocupaes do ater,do iluminador, do cengrafo, do cenotcnico. Certa-mente no so incompatveis mas, tambm, certamentepossuem outra natureza.

    O amadurecimento do dramaturgista' como ser hu-mano evidencia-se como uma necessidade no apenaspara que ele possa pulsar junto com a equipe de cria-o mas, sobretudo, para funionar como o ancora-douro onde possam aportar os desejos errticos quesempre se encontram deriva num processo de criao.

    Constitui uma milenar p~tica sem o mestre colo-car o aprendiz em situaodeangstia criativa, desfa-zendo todas as certezas que ele tem e que esto com-prometidas com o banal. com o senso comum (aquiloque afortunadamente R. Barthes chamou de doxa);mas tambm faz parte deste mesmo processo o mestrereconhecer no aprendiz seu momento de iluminao e,ento, dar-lhe a mo, para ajudar seu vo,

    Dentro do conjunto da encenao, o dramatur-gista no aquele que sabe ou deve saber todas asrespostas mas, principalmente, aquele que deve saber

    16 fazer todas as perguntas,

  • AQSATORES:

    (na vspera de uma estria)

    . Como fazer os atores compreenderem que daqui apoucas horas estaro sobre o palco, Irremadiavelmentesozinhos? Como faz-dos sentir que tudo que discuti-mos, planejamos, estudamos, repetimos exausto, bu-rilamos, adoramos e detestamos. .. no tem mais a me-nor importncia: o Teatro no um dever-de-casa,No basta responder certo as questes, a escolha no mltipla. Como faz-los entender que estar em cenatem de ser, em todas as representaes ou ensaios,um ATO DE VIDA? Um dos ma's interessantes atosde vida que o homem jamais engendrou?.. A esco-lha uma s: estar em cena generosamente. Inteira-mente. Que o Teatro para a platia, para aquelesseres mortais que vo estar ali - mas que ainda isso secundrio! Porque ainda antes um ato de vida,vivido em meio "solido magnfica", como Freudchamou. Existe uma solido que no triste, no m, embora seja sofrida, posto que solido. Existeuma solido que contm a humanidade. Por isso magnfica. dentro da agradvel neblina deste tipode solido que o ater, humilde heri, move-se. Nada mais fcil no Teatro que esquecer o que o Teatro.Trata-se de representar. De estar presente outra vez.Presentes outra vez em lugares onde, na verdade,nunca estivemos, porque a vida de outros, dos per-sonagens, que iremos viver. Nada mais complexoque o bvio que, neste caso" o exerccio da fantasia.Fazer Teatro como brincar de roda, as crianassabe\ll fazer teatro! acreditar na fantasia ao limited(lre/igade, sem transp-lo, porque isto seria enlou-quecer. Pobre do ator que tem sua' recompensa no

    agrado ou desagrado da platia! H muitas outrascoisas na vida assim, imaginem. se um pai pode gostarde um filho, ou um homem amar uma mulher, tendocomo recompensa o que isto causa na platia. " Pobredo ator que, julgando ser o Teatro uma tcnica, noacredita que verdade aquilo que representa. " Pobredo ator que no se estima. Que no acha deslumbran-do sua viso de mundo. A auto-estima o sentimentodo atar. A auto-estima nada tem a ver com a vaidadeou com o orculho - no! Isto so malentendidos damoral crist. "A auto-estima tem, sim, a ver com umaconscincia profunda da prpria utilidade dentro domundo. A vida um mistrio, Este fato encarado elevado ao nvel da ao quando fazemos teatro. Atoresso Artistas. E artistas so prncipes, guerreiros doBelo, militantes das foras que criam contra aquelasque destroem. Pobre do atorque no acha belo o queele faz! Porque belo o que ele faz!

    Domingos Oliveira

    17

  • oP DA ARVORE DE NATALKar! Va/entill

    Traduo e AdaptaoStella Miranda

    CENRIO

    Interior pobre. Pela. janela domeio, v-se uma esplndida paisa-gem de primavera: Os utenslios decasa esto espalhados em baguna:um velocpidede criana encostadona parede do fundo, coberto por umsaco velho, uma cmoda com louaquebrada, um gramofone, uma cha-min velha de ferro, um relgio decozinha, gravuras baratas, telefone,trombone, etc.. Percebe-se que dia de festa pelo bolo de chantilyapetitoso colocado em cima da ca-deira. Na parede um enorme calen-drio com data 24. Cai o crepsculopouco a pouco. Antes de levantaro pano, ouve-se a cano: "noitefeliz, noite feliz ... "

    ME (sentada numa mesinha re-donda no meio do palco, de aventale chinelos embaixo do lampio aquerosene demod. Pe a cabea en-tre as mos, chorando.) - Os sinosde Natal esto tocando. Ah! Se eupudesse nunca mais ver esse dia, jno posso no meu lar ter alegria.Meu filho, meu Alfredo, no estmais ao meu lado, partiu para umpas longnquo de onde no voltarjamais. Ah! Alfredo por que voc

    18 me fez isso? Ele foi embora para

    Oberranerqau, queria ser guia de rvore de Natai. Us~m' ,in;aniau"turismo, mas logo que chegou a velho com um punhado de neve visi-Oberramergau a Semana Santa j velment 'artificial rios ombros. cu-tinha passado h muito tempo. Ah! los e chapu.) Ah! Mas olha s Se-Alfredo, voc no podia ter tido bastio! Estava justamente agorinhaidia mais estpida. Os velhos olhos mesmo te telefonando, e de repentede sua me esto pesados de tanto voc j est aqui.

    .chorar. E tua fotografia est toda PAI - Pois , eu desliguei cor-coberta de p, j no te vejo mais rendo e vim correndo.direito Alfredo! (Ela cospe na foto ME - Que bom, voc trouxee enxuga com o leno.) Ah! que bom a arvorezinha de Natal? Ah! Quemeu filho, agora est bem melhor, gentil, ela esplndida.agora sim, ele vai enxergar o mundo PAr - um pouco infantil.de novo com um olhar mais lmpido, M.~E _ Em todo caso s para uma beleza! Quanta alegria! (Joga . as criancinhas mesmo..o retrato para o alto vrias oeies.}: PAI _ . eu fui a duas fbricasEnto isso (Acende um cigar- de rvores de Natale a elas-me1'0.) - Que que meu .mardopode deram essa aqui.estar fazendo h tanto tempo l fora. ME _ Mas essa rvore .de NatalMeu bom marido, mandei esse duplo . no tem p, voc perdeu op1 Eucretino ao mercado de vveres com- te disse para trazer uman.r0reprar uma rvore de Natal para. as com p.criancinhas, j faz um tempo e ele PAI - mesmo, ela no tem .p,ainda no voltou. Acho que ele nun- . ME _ Estou vendo bem que elaca mais vai encontrar o caminho de no tem p.casa, esse sonso palerma. Claro que PAI _ Como que pode verseno aconteceu nada. J to tarde;' ela no tem' p? ~.o sol j vai raiar. l, 2, 3 - Ah! No ME _ Eu tinha at te escrito,disse? Preciso saber onde queele '.uma rvore com p!est zanzando a essa hora. PAI _. Ah!; porque eles s ti-

    ME - Al Sebastio, onde' nham rvores com p, essa' era a que voc est? Ah!, no mercado' nica sem p.de vveres? Voc vai? J comproti a ME _ E justamente esta aquiarvorezinha de Natal? Ah!, que bom! '. que voc escolheu?Ento est bem! Mas volta log! PAr -: .Mas assim ela muitoCuidado pra atravessar a rua: que mais natural, na floresta tambm elanenhuma mulher no te.atropele em cresce muito- bem sem p.sua bela carruagem! (Bani n~por-'ME.-" Mas- agenteno-pcdeta.) Sim, pode entrar] .Bom, ento. fazer, nada com essa aqui,eunoadeus Sebastio, volte imediatamen-' posso: pr de -p em cima da mesa,te l Estou esperando. AtlogQ Se-] .:pAI;...c; Ento este ano a gente pebastio, (Batem na porta de, flava.) deitada. Faz sete: anos que'il .genteSim, pode entrar! (Ela desliga; No -pe de p; enta esse ano peIa',pd;mesmo instante entra 'o palConiuttla,meira' vezagenk p"dei'tad.':;;O:::'

  • ME ,..... Mas eu queria decorar ME,.... Mas primeiro tira aa rvore de Natal. Eu falei tanto roupa..para as crianas, eu disse que quan- PAI.,... .Todnhaldo voc chegasse, o menino Jesus ME,...., No. S o casaco e otambm chegava logo, E agora ele chapu, mas no pe o chapu natrouxe uma rvore sem p! Eu pre- cama seno a neve vai derreter toda.fer'a qae voc tivesse trazido s o PAI,...., Ela no vai derreter, p, nem precisava mais ter trazido neve artificial para rvore de Natal.a rvore, M- Pd '

    . AE,...., o e lr agora.PAI,.... O p sozinho tambm nopJ\I ,.... Vou deixar meu casaco

    teria alegrado as criancinhas. no outro quarto, buscar as tbuasME,.... Mas assim, Sebastio, eu e volto j, (Ele sai mas volta bttu-

    no posso pr a rvore 'em p. cemenie, A me tinha feito uma ca-PAI ~ T bem, ento eu vou se- reta)p~, ~""'~e~~ap~

    ME,...., Como? Que isso? VOC ME,...., No sei, me esqueci! (Ono vaificar segurando assim at o pai sai.)

    ME ,...., Ele trouxe uma arvore-dia de Reis,zinha to bonita, um bom marido,

    . P'\l ;.:. Por que no? Realmente mas umestpdo mbecl - trouxeno tenho nada que fazer, estou de- uma rvore sem p. (As duas crian-sempteqado. as entram pela lateral, 'Comeam IX

    ME,.... Mas ainda faltam 15 dias chorar e jogam o beb.)at o Natal, voc no pode ficar se- ME ,...., Psiu! Ai! (Agarrando o

    gur~ndo a rvore noite e dia. Voc beb.) Quem que virou o bebvai ter que sair ao menos uma vez desse jeito? O sangue vai subir todoou outra, pra cabea. (As crianas choram de" PAI.,.., Ento eu levo comigo. ! novo.) Vamos parar com essa si-

    ME ,.... Interessante, gostaria Irene crian~s, cala a boca bebezinho.muito de ver voc ,.... agora vai l Para com ISSO, ele deve estar todoonde voc comprou essa rvore e molhado. Est bem, est bem, voutroca. Diz para ele te dar uma outra trocar sua fralda j, j. (Ela pegaCI}!U p, o mata-borro e seca' o beb. As

    PAI ,.... que ele estava to con- crianas conti.nu,am chorando baixi-tente de ter se livrado dessa aqui. nho.) FIca quietinho aqora > espera

    M" E ( t . '. ai, vou te cantar uma cantiga de ni- ~ AE,..... n ao a gen e mesmo Vai nar. Meu filhinho querido, agora

    por um pe~ .. presta ateno. (Ela canta estriden-PAI ,.... E, eu vou !ta embaixo na temente, na ltima nota o beb e as

    casado po:teiro, pego algumas t- crianas dormiram. O pai entra combuas de quintal e a gente corta um duas tbuas enormes bate no tetopedao. dwuba tudo amesa" balanca e vir~

    ME ,...., Traz s uma tabuazinha ti/doem mel~rama deses~rado. Apequena assim. me tenta ajudar.)

    PAI,...., Est bem, um pedao ME,...., Toma que o filho teulassim. (Ela lhe passa o beb a fora.)

    PAI,...., Segura ento essas tbuas!ME ,..,. Meu Deus, como ele se-

    gura o beb. Meu Deus, eu nuncavi isso.

    PAI ,.... Esto bem essas tbuas,com isso a gente pode fazer rvorede Natal adiantado pelo menos vin-te anos.

    ME ,.... Que que isso i!gora,essas tbuas enormes que voc trou-xe, no tinha ainda maiores?

    PAI ,.... Era a maior que tinha.ME ,.... ! Ento procura o ser-

    rtoe e corta um pedao.PAI,.... ! Ento eu vou procurar

    um pedao de serrote.ME,...., Enquanto isso euesquen-

    to a chamin.PAI (entra com o serrote e coloca

    arvore de Natal deitada no sentidodo comprimento sobre a tbua) ,....,Isso d pelo menos trs ps de r-vore de Natal.

    ME '""" Ai meu Deus do cu achamin est fumegando de neve!

    PAI ,...., Voc devia ter acendido.ME ,....Para de falar bobagem!

    J faz dois anos que eu te disse prabuscar o chamneiro, .

    PAI ,...., Ento eu VOll telefonarpra ele, Voc sabe o nmero da cha-min? (Ele telefona,) Al!' Como?Pronto? Ns no .sahemos o nmeronenhum nem outro senhorita!

    ME ,.... Mas quem que estfalando?

    PAI ,.... linha cruzada, acho que o Rei Herodes que est falando.

    ME (arranca-lhe o aparelho dasm4os) ,.... Al! Quem fala? Como?Ah!, bom dia senhorita.

    PAI ,.... Mas quem que est Ia-. d'tan Oi

    ME ,;..., a mulher do chamne-ro? Bom dia minha senhoraI No, 19

  • eu no conheo a sua irm! Seu ma- O pai apia o serrote na tbua, le-rido est em casa? Ento dqa-lhe vanta a outra ponta e derruba apara vir imediatamente aqui. Diz pra loua das mos da me.) Eu te faleiele que aqui em casa a chamin est pra segurar a tbua,fumegando. I ME...... Onde que voc ps o

    PAI ...... Ele tem que consertara pedao que voc j cortou?chamin. PAI ...... Est aqui. (Ele continua

    ME Eu vou lhe dizer. segurando a longa: tbua na mo.PA! Eu tambm posso. .A me P? o p na ponta e a tbuaME Ento fala voc, esper- cai nos ps do pai.) Ai, ai, ai, ela

    tinho' caiu no p.PAI ...... Ah! Por gentileza senhor ME Qual p?

    cham'neire, ser que o senhor no PAI No meu p. (Ele levantagostaria de vir aqui em casa limpar a tfJbuae passa embaixo na saia daachamin com vossa escada? mik)

    ME ...... Imbecil. ela j sabe de ME ...... Mas o que que voctudo, que que ela disse? est fazendo, Sebastio? Hoje, na

    PAI ...... Ela disse que absoluta. "Noite Santa" fazer uma coisa des-mente certo que quem sabe talvez sas!ele venha, PAI ...... Mas ainda s a Santa

    ME ...... Ento corta a tbua, Se. Tarde!bastio! (Ela se ajoelha mais uma ME ...... Ele algumas vezes b-[lez no cho perto da chamin. O zarro! Cortou uma tabuazinha mi.pai pega o serrote e senta em ama nscula, mas a gente no pode nemda me.) usar isso aqui. Bom, ento vamos

    ME ...... Mas o que que voc pegar a velha, mas voc precisa fa-est fazendo? Est ficando cego, zer um furo bem aqui.caolho? PAI ...... Neste caso vou buscar a

    PAI ...... Ele tem que ser grande Iuradera, (Tenta fazer um buracoassim como a tbua? na prancha que no pra de girar,)

    ME ...... Voc nunca viu um p ME ...... Vamos, deixa que eu tede rvore de Natal? ajudo. A gente coloca a tbua assim

    PAI ...... Vi sim, muitas vezes, mas na mesa, eu seguro e voc fura. (Onunca prestei ateno. no me lem- pai vai falando e furando ao mesmobro direito. tempo.) Mas pra de falar um pou-

    ME ...... Ento s pegar o p co, cuidado com o buraco.do ano passado e usar como modelo. PAI ...... Por qu? Eu posso muito(O pai serra a tbua ea me ajuda,) bem falar enfiando no buraco.Cuidado pra no se cortar! ME No vale a pena.

    PAI (falando sem parar) ...... As PAI Pronto. (Ele furou a pran.cr.anas vo ficar to contentes. cha e a ,mesa junto.)Aqui tem um n. (A me sai e vai . ME ...... S voc mesmo hein! Du-buscar a bandeja de caf.) Me traz pIo cretino. Ele fez um buraco naa borra da gordura para untar oser- minha bela mesinha, pode ficar 'bem

    20 reter (A me [lolta e vai at a mesa. contente agora. a coisa mais bonita

    que a gente tinha em casa esta todaestragada.

    PAI Era de se esperar;ME E o buraco muito gran-

    de, a rvore de Natal no quer pa-rar dentro de jeito nenhum.

    PAI ...... Mas agora a gente noprecisa mais de p. A gente podeplantar a rvore de Natal dreta-mente na mesa.

    ME - Voc podia ter feito issologo de uma vez, assim a gente noprecisava de p de jeito nenhum.

    PAI - 0 que eu sempre falo,por isso mesmo que eu comprei umarvore de Natal sem p.

    ME ...... Ento decora a rvore,pendura algumas bolas e estrelinhas,as crianas esto exctadssmas,

    CmANAs ...... Maie, Pae, a gen-te pode entrar?

    PAIS ...... No, s daqui a muitotempo.

    ME ...... Anda logo, as crianasj querem entrar. (O pai suspendealgamas bolas para decorar a rvo-re, mas quase vira a mesa: com tudo.)Ai JeSl1S, Minha Senhora o que que voc est fazendo?

    CRIANAS (gritando) ...... lvIale.Paie. ..

    ME...... Parem de latir! Andalogo, coloca as velas (As crianasgritam de novo.) Psiiu! Filhos doco, miseraveizinhos, abortes!

    PAI - Voc no precisava dizerfilhos do co a esses bastardos (As

    cana~ choram.)ME - Calem a boca, que o dia-

    bo os carregue!!!PAI - Moderese por favor, que

    o diabo os carrega: se o diabo oscarrega ento no vale a pena tertodo esse trabalho.

    ME - Voc no tem nada a V~J'com isso, anda loqol

    ,..

  • PAI - Ai, UI, ui! (S o pai berra Lava esse olho! Ele mede umhorrivelmente.) bon, ele lindo! Pode ser que eu

    ME - Slnco crianas, seu pai precise muito de um bon. Ento,ficou, louco. (Ao pai.) Mas o que foi voc mesmo que fez meu filho? que voc est fazendo agora? FILHO - No mame, no-fi(O pai picou o dedo edeita no colo eu que tricotei, eu roubei o bon.da me.) Pelo amor de Deus, s Ial- (As crianas cantam o cntico detava mais essa catstrofel O menino Natal:"r,aposa tu roubaste o gan-Jesus j vai chegar daqui a pouco. soo .." pai e a me visivelmenteAcende a rvore que eu carrego as emocionados choram.)crianas. ME - Ento, meu filho. onde

    PAI - Voc j carregou esses foi que voc roubou o bon?do.s antes. FILHO - Nas Casas Pemambu-

    ME - Estou falando que eu canas.trag,o ,a,s criana, (A me sai, o pai PAI - Que bom!acende um fsforo e pe embaixo ME _ Ah! Bom? Nas Casasda roore. A me volta e comea a Pernambucanas! Nossa, quer dizergritar) Mas o que que voc est que eles tem bons to bonitos l?fazendo de novo? Voc est acen- Muito bem meu filho, hoje em diadendoa rvore! tudo to caro, no mesmo, a

    PAI - Voc me falou para acen- gente no pode realmente comprarder a; rvore! mais nada... ME - Mas eu queria dizer as PAI - ' verdade.velas. '. ME- Espero que ningum

    PAl- Voc disse a rvore. tenha te visto.ME";" Mas isso jeito de falar. FILHO - No mame ningum

    (A me sai, o pai acende as velas, me viu.toca o sino. As crianas e a me! ME - Ento, voc volta l se-entram.) mana que vem e me traz um outro.

    ME - Pronto crianas, agora o PAI - E se por acaso voc pas-menino Jesus chegou. (Todos em sar em frente s casas Henne mepoltada rvore.) traz um Mercedes. CRIANA8 - Ah) Que lindo) ME _ Que bom meu filho,

    PAI - Ora, tambm nem tanto voc j um homenzinho crescido,assim. , . j est maduro pra ir pra cadeia,

    ME E CRIANAS (cantando) - continue sempre assim. Toma, olhaIgJu, Iglu, Iglu.,. um, dois, trs - o que o menino Jesus trouxe prapeido seco. voc, um pula-corda!

    PAI- Vamos, isso est parecen- FILHO - Ah! Obrigado mame.do um cabar" . PAI - E pra voc minha filha

    FILHO - Olha mezinha quer- querida. um presente muito espe-da, isso pra voc. (Ele oferece dai: hoje voc vai ter o direito deum bon para sua me.) fumar teu primeiro cigarro. Toma!

    ME - Olha papai, que lindo. um fumo bem leve.FJI!,..... Oh! Sardinhas em lata! ME _ Ah! Vendo voc assim,ME (cospe no olho do pai) - como eu me sinto feliz! Eu sempre

    me dz'a: Ah! Se sonenteeu pu-desse ver esse dia." .. PAI - Mame, voc tem fogo?

    Acende o cigarro da menina. Acen-de o cigarro da... {Pausa.) ...Acende o cigarro da... (Pausa.)

    PAIS - Mas como que ela sechama mesmo?

    ME - Voc que o pai, voctem obrigao de saber como quechama a menina.

    PAI - A me voc, no caso a me que devia saber..

    ME' - Pois justamente, a gen-te sempre diz menina; a menina,mas como que ela: se chamamesmo?

    PAI - Bom, ento espera queeu vou perguntar pra vizinha.

    ME - No, a gente va des-cobrir sozinho. Minha Nossa Se-nhora, Virgem Maria. Ah! Olhaai, Maria que ela se chama. Isso,Maria! Respira fundo. Voc achaque ela vai explodir? .

    PAI - Isso a gente vai ver logo,ME - Mas quando a gente for

    ver j vai ser muito tarde. Vamos,d uma tragada bem funda, vocest precisando pegar umas cores.(A criana engasga e fica toxe.}Isso agora voc est bem verme-Ihinha.

    PAI - Diz pra voc mesmo, mi-nha filha: hoje o dia mais belo

    . de toda a tua vida - a juventude -isso s acontece uma vez na vida,no mame? (Pai eme cantando.)

    Ah! Que saudades que e~ tenhoDo meio dia da minha vidaDa juventude queridaDos anos que no voltam mais

    (As crianas arremedam e cantamtambm.) 21

  • '. Q,4adro Viro, ." ,,Entra Cello e Clatine/a'

    PAL.... Oqu que jssoagoral.PAL~ Edifet q!ley.ocsnosil-(As crianas carytamde novo.) bem-anda o que vo ser quando, .PAI ....,:E. elesme vem de novo crescer, filho, filha! Pensem no que

    com ess1tcr~tinkdeiuventudJsso . pod']hes acoj1te~er. . "(A9s msicos) .... .Senhoras eSe~est passh'do dosJimites.CaJa ii 'FILHA ~ Isso que estou. curiosa nhores muitoboa ,noite: '! ;'I.! I . b ' 'upca. . pra -saner. . .' ME .;,..., Vamoscantif. o;p~d~

    F . Pra 'I p' I 'VI-' S . , NILHO ...... ara com ISSOl ' ara. .. r AE.... an osdoisenome rvore de . atall. Primeiro ,umpe;Seno eu vou ficar muito nervoso. apareammais. (As crincas vo queno.ensaio e Se no dere~rtoa

    ME .... Seriamelhor que voc se saindoemburtdas'e do 'de' cara gente pra: Atenp, um, dois,trs:sentasse iinediatanente, sua besta com o chamitier. Ele incrivl- L.:"furiosa. mente altO e magro" capa preta e FILHO .... Seria melhor que agen~

    FILH ;..,No me bata mas; por : vermelha, uma picareta, uma escada te j parasse' agora! . '.favor, socorro. ..' .: e,umavassoura, irrompe de tepen- PAI .... Era s isso que vocs quej.' Rl\I' ....cald a boca, fedelho! te na sala.) riam; rto ril~:Smo: ~". . .....

    (DeriubaiJ filiia no cho.) . CHAMINEmo .... Bom-dia para to- ME "'"' AtenOc, um, dois. trs::.. FILHA.:.c Voc noprecisaya me . dos!'(Ascrlanas gritam e des- L.,," ...., ! .' '.derrubar no cho, eu no te' der- ma/am) . '. FILHA ,::.- ma' pausa. ..,' -.;ubei. . , . ME .... Acalmm-secrianas. ele ME .... Que' pausa? Quem;e quPAI,':'" S n:faltava-essaagora. no vaIazernada. Ele tinha que estfalando em pausa?

    (As crianas sentam quietas,) .' vir justamente aqoral Pelo amor de FILHA - A senh6ra no: acabott. . Deus senhor h ..' .. dedizer:;pa~a.' ..

    ME ~Oh! Eu testrangulo, se ' c anuneiro, ~. impos-vcquer' saber! Yocs deviam svel precisar do senhor neste 1l10- . ME - Eu? Mas ehnen;peris~jpensar.no Iuturo. dizer que vocs mente, OOS estamos em plena distri- em lazer -uma.patisa...Vocr queno sabemo que vo ser quando buio de presentes. acabou de dizer: pausa.crescer, meu Deus; meu Deus. . PAI- Ele tinha que vir justa- FILHA - Eu? Eu dis~e is~o?'PILHO ....-Isso aie~te v depois.. mente agora! Eu telefonei de pro- ME..- Perfeitamente. Nesse exa-P E

    ' it h . .'. to instante. . .AI...- . dizer que vocs no sa- POS! opara que o senr or viesse.ama-bem ainda o que vo ser quando nhque feriado. Especialmente o FILHA"'" Ento por isso mesmocrescer, filho, filha! Pensem no que senhor que 'chamneiro, o senhor que eu ouvi.pode lhes acontecer. deveria ter a cortesia de no raspar 'PAI' "'" Vocs jqeriam fazer. FILHA ~ Isso que eu estou a chamin agora., uma pausa desdeo comeo hal Ms

    curiosa pra saber. CtIAMJNEJRO _ Mas no vai du- no o caso. Vamoscomer?',ME .... Ateno: um; dois. trs:

    .PAI _ Cala a boca, fedelho! rar muito tempo, j vai passar logo(Derruba a filha no cho.) logo. (Ele comea a bater na cha- L ...... .', f d mb lh CHAMINEIRO - Um momento,' eu'

    FILHA _ Voc no precisava me mine azen o'tJ;m aru o.)M- E precise tossir: ... antes:derrubar no cho, eu no tederru- . AE -' spere um momento, o

    be, senhor no est vendo que estamos PAI ..... Vocs tem tempo s'ufi~,.' I d b d ciente para tossir, sempre ro.lti-

    PAI _ S me faltava essa agora. em pena istri u.o e presentes?P

    N '. mo minuto que vocs inventam ,tudo.(,As crianas sentamquetas.) AI- o. se escuta mais nada ME - Vamos senhorchanines

    ME -Oh! Eu te estrangulo. se com esse barulho. (As crianas fa- ro,anda logo com essa tosse. Euvoc quer saber. Vocs deviam Zem mas barulho ainda.) espero, vamos. t: tussa .... que quepensar no futuro. dizer que vocs ME ..-Parem com isso triplos est acontecendo? (Todos esperam;no sabem o que vo ser quando cretinos., olhame nada.) . . -. '.."..':crescer, meu Deus, meu Deus. ' .: PAI ..-Silncio. vamos fazer um CRAMINEIgO-,Nda me obriga

    22 FILHO' -I;;~ a qente v.. d.e.pois, 1~.~.e..s.Pl..O.,., t ss . .u' l ..o Irag9ra. '. -, '

    .I.',r,

  • ME ~ Ateno: um, dois, trs.. ] PAI.- Pergunta pro menino sei 'se, rods..gora hastlFanfarfi:em(Cantam !l primera estrofe. O pai eu cantei um compasso a mais ou. L .. ,. um, dIs, trs:;. :(Todosacaba depois de tedos.) Por que no? cantam perfeitamente bem. Aptei)fevoc ainda continuou cantando? Ns ME (pro filho) .- Ele cantou
  • PAI - Mas por que eque o se-nhorest a de p falando em SoJoo!

    CHAMINEIRO - Il, hoje no e24 de junho, dia de So Joo? Pois, 24 de junho (Apontando o calen-drio). dia de So Joo.

    PAI _ Macacos me mordam! Meucalendrio est atrasado. seis meses.

    ME _ S voc mesmo, nopapai?

    PAI ..... Est vendo mame, eporisso que hoje eu comprei a rvorede Natal to barata.

    CORTINA

    ."

    ~ r.

    . ,..,

    L:",.

    j1,

  • UMA PEA POR OUTRAde 1ean Tardieu

    Traduzido por Manuel Bandeira,Pina Cco e Renato Icarahy

    Adaptado pelo GRUPO TAPA

    S 'LES O SABEM

    PERSONAGENS

    -Cristiano, - Simone- Lauro Cesar..... Janete

    APRESENTADOR

    - Jean Tardieu costumava dizerque, muitas vezes, os espectadoresso convencidos a seguir uma aoteatral. cujos verdadeiros motivoseles no vm a entender:

    - Ser conseqncia de uma en-fermidade prpria arte drantca?

    ..... Ser por que a vida dosoutros no palco, como na realidade,no nos revela seus segredos?

    ..... Ser por que as personagens..... especialmente nos dramas ditos"realistas" - ocupam-se apenas comseus problemas e nunca com os dosespectadores, atitude que denotauma falta de cortesia lamentvel?

    ...,.Ser enfim por que os autores,abusando de sua situao privle-giad., fazem questo de nos dei-

    xar sob uma desagradvel impres-so de mistrio?

    So perguntas que, sem dvida,vocs no deixaro de fazer en-quanto assistem: "S ELES OSABEM".

    (CristiEno e Simone esto de pno meio do palco. envolvidos numagrande discusso. Cristiano vai e,vem nervosamente, Simone o acom-panha com os olhos. ,com uma ex-presso m. As cortinas da janelaesto puxadas pela metade. O quar-to est na penumbra.)

    CRISTIANO ..... Voc pode estarcerta que eles no vo conseguir mepegar!

    SIMONE ..... Falar fcil.CRISTIANO - Voc no perde por

    esperar.SIMONE ..... Duvido!CRISTIANO ..... Isso o que ns

    vamos ver!SIMONE (dando de ombros) .....

    No seu lugar eu dessta logo!CRISTIANO (saltando) - Desistir,

    eu! Depois de tudo que aconteceu!Nunca, est ouvindo, nunca!... E logo voc que me d esse conse-lho!. " Ah, obrigado muito obri-gado mesmo.

    SIMONE - Eu te previno pela l-tima vez, Cristiano, Voc est nocaminho errado. E ele vai te pegar,, eu tenho certeza que ele vai tepegar.

    CRISTIANO ..... E eu tenho certeza,Simone, que isso no vai acabar as-sim! Seria muito simples, muito sim-ples! '" Quer saber de uma coisa?Voc no tem nada a ver com isso,nada, entendei Voc S tem umacoisa a fazer: calar a boca e medeixar agir!

    SIMONE ..... No, eu no vou mecalar! Sei que tenho razo e quer?que voc se renda s evidncias.No conte ...

    CRISTIANO (furioso) ..... Voc vaise calar no final!

    SIMONE (continuando) ..... Noconte com meu silncio. Voc jamaisconseguiria uma coisa dessas. Te-n'ho meu papel aqui tanto quantovoc.

    CRISTIANO ..... mentira! Eu seio que tenho que fazer,

    SIMONE ..... No, voc no sabede nada! Enquanto que eu me sintona obrgao de deixar tudo claro!Eu no quero que nada fique escon-dido!

    CRISTIANO ..... Eu sei o que eu sei.SIMONE ..... Sempre essas palavras

    na boca! Definitivamente, meu po-bre Cristiano, o que vcc espera fa-zer nessa altura' dos acontecmen-tos1 Eu repito que voc no sabede nada, absolutamente nadai.

    CRISTIANO ..... -. ai que voc seengana! Quando eu digo que eu seio que eusei, que eu sei realmenteo que eu sei! ... No como voc,. 1 I V" d .e caro. oce, .eu , ma...

    SIMONE (com vOz sibilante) ....Vamos, conclua 'O que pensou, porfavo" eu dira .

    CRISTIANO No, eu no voudizer, muito idiota!

    SIMONE .... No fui eu quemdisse!

    CRISTIANO (subitamente furioso etomando uma, determinao) .... Equer saber de uma coisa? Pra mimchega! Com voc nada possvel!

    SIMONE ..... Realmente, nada doque impossvel possvel! Pelomenos com isso,' eu: tenho certeza:que voc concorda! (Cristiano se 25

  • 4irige;para a portli:} Vocnova .
  • Sl~lONE':" ,til bom sab disso! culdade. Simne, quandoiJ. v; temLAURO CESAR (largando-lhe a Uinsobressalto)

    mo) - E agora Simone, agora que SIMONE - Voc se levantou? Issovoc sabe que eu estou aqui, pre- uma loucura!ciso que eu v. .JANETE -Por que voc fez isso?

    SIMONE - J? Mas ns ainda no SIMONE _ Primeiro voc me res-dissemos tudo!' ponde! Por que se levantou? Voc

    LAURO CESAR (grave) - Sem sabe que o mdico ...dvida! Na verdade ns no disse- JANETE (com uma calma terrvel)mos nada. Mas s em te ver, eu _ Por que voc fez isso?sei mais do que voc pensa. . SIMONE- Porque era precso.

    SIMONE - Pode ser.. . JANETE;"" Voc sabe que podiaLAURO CESAR - Sim. Em todo ter me matado? .

    caso voc sabe o que me trouxe. 'SIM"ONE E' , ..V b d ,- u so pensei na suaoce sa e o que me pren e, mas sade. . '.voc sabe tambm o que me obriga .. JA' .Q bIt I

    ti NETE - ue ea respos a....a pamr, S I

    SIMONE - verdade. " Eu me oS'existe o corppo: . O. M". . IMONE - nmeuo o corpo.

    esquecia. .. ' tas voce me promete 'd' 'que voc ser forte? resto vem em sega: a.

    LAURO CESAR- Eu serei forte... . J~~ETE (com ironia) - Quantapor voc. teoria.... '. "... .

    SIMONE _ preciso ser forte SI~ONE -..~I~ diss~.'i' eu~Q!bm pelos outros .... Por.ela pensei que voce Ia ficar fehz.priJic\pa,lmente. . . Mas no precisa JA~ETE (deixando-se, cair numas~r .imprudentte! cadeira) - Eu repito que voc po-,'LURO CESAR _ Eu no serei . dia ter me matadol.i , Ento foiimprudente, Eu prometo. Eu serei voc que mandou ele entrar?forte, mas prudente. . SIMONE - Era preciso que ele te

    . I. SIIMONE- Ento eu estou tran- visset

    qiiila, Sevo~ quis~r,pode ir. (A~- JANETE - Pois sim! Voc s1110S se levantam. Ela o acompanha pensou nele! Vamos, confesse! Ago-lentamente at aparta) ra ele pode partir tranqlol Mas eu,

    L~URO CESAR (solene) _ Smo- eu fko com essa lembrana.ne..eu no quero ir embora sem. . . SIMONE - Se s uma Iembran-(ele aponta discretamente para uma a, nada mudou ento: isso j exis-determinada parte do apartamento) tia ntesde v-lo novamente.: SIMONE r: Eu permito. V, voc "JANETE (dura) - Eu no estouconhece o caminho. fazendo um jogo de palavras Ns, LAURO ESAjl - Obrigado. estamos .ss, Podemos falar sem ro-.(Ele: beija-lhe a mo longamente deos, claramente, face a face! Fi-

    e s?i. Simone.' vai se sentar no cs- nalmente eu saberei. Pode ser quenap; e fica umiTlstante, sonhado.a. eu morra, mas o mistrio ser des-Depois, d( a'lgum tempo, .a porta se . vendado.abr?Entra Janete, muito' plida, de SIMONE - Voc no vai. saber7p,eigrzoir" . Elac1!minhacomdifi; de nada.

    :JA!1ETE_Pode ser que eu mor-ra, j disse, mas pelo menos, antesde morrer, eu terei arrancado seu'segredaI; .. Ah,como se represn~ta bem aqui!... Palavras, sempre

    palavras enuncaa verdade! A ver-dade, est ouvindo, Simone, eu que-ro toda a verdade!

    . ' ,

    . SIMONE '-. No existe segredo eaverdade no' para voc, nempramim! Eu no sei de nada, j dssel.,Sua louca! Como eu posso te ajudar

    aentender, se eumesma no entendonada!

    JANETE (levantando-se com es-foro) -. Bem, se assim eu seio que ,me resta Iazerl. (Vai com di;ficulda.de at a porta)

    SIMONE (levantando-se de rlTl~salto) -Isso no, isso voc no vaifazer!' . .. jANETE (coma calma dodeses~

    pera) -' Se voc soubesse o queeu quero Iazerl Eu tambm tenhomel: segredo!

    SIMONE - Eu no sei de nada.mas posso adivinhar. E isso no,est. ouvindo, n~o! Enquanto eu for

    viva eu me oporei! (As duas mu-lheres se enfr-entam um momentocom {} olhar) '.

    JANETE ..... Est bem! Ento ain-da me resta uma soluo! (Comsuas ltimas energias, ela se preci-pita para a escrivaninha e antes qu~Simone possa. lhe impedir, pega: um'rcvvel') . . .

    JANETE (sem apontar para nin-gum, mas segurando como se fossiatirar) - Se nada, nem a persua-so nem o afeto puderam te arran-car o segredo, ao menos saiba, queuma de' ns duas tr desaparecidoantes que a outra tenha sado da-qu!,... 27

  • SIMONE (atiran'do-se sobre Jane-te. tenta apanhar .Q revlver) .-Voc louca! Largue essa arma, j!(Toca o telefone. Elas se olham porlm momento., paralisadas)

    J.i-NETE .- S pode ser ele!SIMONE (com um riso nervoso)

    ,..., Ou ela. (Atende o telefone. an-gusiiada) Al ... Sim, sou eu! (Bai-xo para Janete) ele!. " Al, o quevoc quer de mim?.. Como? ..Hein? .. (Seu rosto exprime de re-pente um espanto alegre) Ser queeu estou ouvindo bem? " Voc estdizendo que tudo est em ordem?..(baixo para Janete) Guarde esse re-vlver, depressa!. .. (Janete guardao revlver na gaveta) .. ,Mas n-

    . l' AI" . n-o' 01'cnve.... o... SIm... a, Pcausa do chofer do caminho? ..,No possvel! ... (Baixo para Ja-nete) por causa do chofer do ca-minho! (Volta a pegar o fone) Masento venha depressa! Claro quens esperamos! Est, est aqui per-

    . l ' Ito de mIm ... como .... E, ea es-tava um pouco chateada. Eu deixeique ela se levantasse por um mo-mento! ... No, a criana vai muitobem. Vem depressa! (Ela desliga eabraa Janete)

    SIMONE .- Minha pobre Janete!Tudo resolvido! Vm os dois!

    JANETE (quase chorando de ale,gria, deixa-se cair no canap) .-M -, P '1as entao.. . . 01' que nos....

    SIMONE .- Fica quieta! Logo tudono passar de uma m lembran-a. .. Olha, para eles no Cearemimpressionados, pe tim pouco derouge, voc est to plida, coitadi-nha! (Ela lhe ,d sua bolsa) Depres-sa que eles j esto chegando! (Ja-

    28 nete faz uma rpida maquilagem, en-

    qu