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  • EditorialA Associao dos Amigos do Instituto Histrico completa 10 anos e a nossa Revista Pilares da Histria est no seu dcimo primeiro nmero. H muito que comemorar e tambm muito que refletir. Primeiro, necessrio afirmar que a Revista tem cumprido, no mbito da nossa cidade, a funo solitria de divulgar as anlises histricas produzidas sobre a regio da Baixada Fluminense e sobre nosso municpio. Esse fato implica na necessidade de construir polticas pblicas que apiem a publicao das diversas pesquisas que tm sido elaboradas e que no conseguem ganhar a visibilidade e a circularidade que deveriam ter.

    Como segunda reflexo, necessrio reafirmar o papel pr-ativo que a Associao dos Amigos do IH tem assumido no combate em prol da defesa do Patrimnio Histrico e Cultural da Baixada Fluminense e de Duque de Caxias. Junto a uma pequena, mas operosa, rede de instituies locais e regionais, foram obtidas importantes vitrias como, por exemplo, a instituio na grade curricular, dos cursos de graduao em Histria da Unigranrio e Feuduc, das disciplinas de Histria Local e Regional; a construo de um programa de formao sistemtica sobre a Histria da Baixada Fluminense junto aos profissionais de educao das redes pblicas municipal e estadual; a criao, em 16 de dezembro de 2009, da lei que dispe sobre o tombamento de bens materiais e imateriais do patrimnio histrico, artstico e cultural do municpio de Duque de Caxias (Lei 2300); a consolidao do Conselho Municipal de Cultura, atravs da atuao da Asamih na cadeira de Patrimnio, nos mandatos consecutivos de 2005 a 2009; e, mais recentemente, na implementao do projeto museolgico de percurso Museu Vivo do So Bento, que indica uma interveno patrimonial efetiva com a reforma e restaurao de seis edificaes de destaque na histria da cidade, dentre elas a Fazenda So Bento e a Igreja do Pilar.

    Essas conquistas, no entanto, no nos afastam do desejo de outros avanos. necessria uma urgente proteo a importantes lugares de memria do municpio, como o Hotel Municipal, a Fortaleza de Tenrio Cavalcanti, o terreno que abrigou o Ax de Joozinho da Gomia e o prdio da Escola Municipal lvaro Alberto, que abrigou a Escola Proletria de Merity.

    Em terceiro lugar, reafirmamos a ao da Asamih como suporte institucional do Instituto Histrico da Cmara Municipal de Duque de Caxias. Nossa Associao foi, recentemente, laureada com a chancela de Ponto de Cultura Estadual, pela relevncia de suas aes no campo da cultura e do patrimnio, estando desenvolvendo, atualmente, diversas aes voltadas para a comunidade.

    Nestes dez anos, assim, foram mil e uma tarefas. Muito foi realizado e muito h de se realizar... A Asamih e a Revista Pilares da Histria agradecem a todos que partilharam e partilham conosco dessa caminhada, convidando-os, neste momento, a ler e discutir as reflexes que os textos deste nmero oferecem. Boa leitura e nos encontraremos, ento, na dcima segunda edio...

    REVISTA PILARES DA HISTRIAISSN 1983-0963

    Edio conjunta:

    INSTITUTO HISTRICO VEREADOR THOMSIQUEIRA BARRETO / CMARA MUNICIPALDE DUQUE DE CAXIAS e ASSOCIAO DOS AMIGOS DOINSTITUTO HISTRICO

    PRESIDENTE DA CMDC:Dalmar Lrio Mazinho de Almeida Filho

    DIRETORA GERAL DA CMDC:Ingrid Junger de Assis

    DIRETORA DO INSTITUTO HISTRICO:Tania Maria da Silva Amaro de Almeida

    PRESIDENTE DA ASAMIH:Paulo Christiano Mainhard

    CONSELHO EDITORIAL:Alexandre dos Santos MarquesAntonio Augusto BrazCarlos S BezerraJos Cludio Souza AlvesNielson Rosa BezerraMarlucia Santos de SouzaRogrio Torres da CunhaTania Maria da Silva Amaro de Almeida

    EQUIPE DO INSTITUTO HISTRICO:Alda Regina Siqueira Assumpo / Angelo Marcio da Silva / Diego Lucio Villela Pereira / Leonardo da Silva Palhares / Luiz Felipe dos Santos Junior / Roselena Braz Veillard Suely Alves Silva / Weveston Costa

    LOGOMARCA:Guilherme Peres

    CONCEPO DA CAPA:Newton Menezes

    FOTOS / CAPA:Praa do Pacificador - 2003. Foto: Paulo Martins.Escultura em homenagem primeira bica dgua -s/d. Foto: Moiss Lira.

    CORRESPONDNCIA:Rua Paulo Lins, 41 - subsolo - Jardim 25 de Agosto Duque de Caxias - RJCEP: 25071-140Telefone: 2784-6947e-mail: [email protected] site: http://www.cmdc.rj.gov.br/

    REVISTA PILARES DA HISTRIA - DUQUE DE CAXIAS BAIXADA FLUMINENSE

  • O Instituto Histrico Vereador Thom Siqueira Barreto / Cmara Municipalde Duque de Caxais e a Associao dos Amigos do Instituto Histrico

    agradecem o apoio:

    Dos Autores

    CRPHCentro de Referncia Patrimonial e Histrico

    do Municpio de Duque de Caxias

    CEPEMHEdCentro de Pesquisa, Memria e Histria da Educao

    da Cidade de Duque de Caxiase Baixada Fluminense

    IPAHBInstituto de Pesquisas e Anlises Histricas e de Cincias Sociais da Baixada Fluminense

    PINBA / FEBF / UERJPrograma Integrado de Pesquisas e Cooperao Tcnica

    na Baixada Fluminense

    Frum Cultural da Baixada Fluminense

    Amigos do Patrimnio

    De todos que participaram direta ou indiretamente da produo deste trabalho e daqueles que seempenham no difcil processo da permanente construo e

    reconstruo da nossa histria.

    O Conselho Editorial est aberto ao recebimento deartigos para possvel publicao.

    As idias e opinies emitidas nos artigos e a reviso destes so da responsabilidade dos autores.

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  • MENSAGEM DO PRESIDENTE DACMARA MUNICIPAL DE DUQUE DE CAXIAS

    RESPEITO HISTRIA, CULTURA E DIVERSIDADE

    Ao longo destes dez anos, a Cmara Municipal de Duque de Caxias tem tido a preocupao de apoiar o registro e a recuperao da memria histrica e cultural do nosso municpio atravs do incentivo ao Instituto Histrico e da publicao da Revista Pilares da Histria. Igualmente, durante nosso mandato como Presidente desta Casa Legislativa, a preocupao com a cultura tem sido uma de nossas metas. A diversidade cultural de nossa regio enorme e nosso dever respeit-la, pois cidados conscientes so aqueles que reconhecem seu lugar, suas razes. Sabemos que o convvio com as diferenas sempre desafiou a humanidade; contudo, o exerccio do dilogo e a troca de experincias entre todos so enriquecedores, tornando-se fundamental o respeito pluralidade de ideias, crenas e etnias. A Revista Pilares da Histria, na sua dcima primeira edio, com a parceria da Associao dos Amigos do Instituto Histrico, que este ano faz 10 anos de fundao, um importante veculo de divulgao de nossa rica memria, significando o nosso compromisso de fomentar e promover o que h de melhor em toda a regio da Baixada Fluminense. Os articulistas da Revista, apresentando os variados pontos de vista sobre os fatos que marcaram nossa histria, so parceiros imprescindveis para que isto acontea. Da mesma forma, a Associao dos Amigos do Instituto Histrico est de parabns, pois ao longo destes 10 anos, sempre se mostrou apoiadora do nosso Instituto, que conta com o maior acervo em espao pblico da Baixada Fluminense e fonte obrigatria de estudo para os pesquisadores da regio. Com esta publicao, editada sempre proximamente ao Dia da Baixada 30 de abril , pretendemos reforar, cada vez mais, nosso compromisso com o incentivo cultura, afirmando nossa identidade cultural, atravs do registro de nossos direitos e deveres como cidados conscientes e participantes do processo dirio de reconstruo de nossa histria. Parabns Associao dos Amigos do Instituto Histrico! Parabns Revista Pilares da Histria!

    Dalmar Lrio Mazinho de Almeida Filho

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  • SUMRIO

    REVISTA PILARES DA HISTRIA - DUQUE DE CAXIAS BAIXADA FLUMINENSE

    CONJUNTO DA PRAA DO PACIFICADOR .........................................................................................................Alexandre dos Santos Marques e Tania Maria da Silva Amaro de Almeida

    SUA MAGESTADE TATA LONDIR:Joozinho da Gomia e a expanso do rito Angola no Sudeste Brasileiro ........................................Andrea Mendes

    A REPRESENTAO IDEAL DE UM TERRITRIO: ...................................................................................exemplificando a Baixada FluminenseAndr Santos da Rocha

    BAIXADA ECOLGICA .......................................................................................................................................................Gnesis Torres

    DA PRODUO DE LARANJAS FEBRE DOS LOTEAMENTOS: .......................................................As Transformaes na Organizao Espacial do Municpio de Nova Iguauao longo do Sculo XXRafael da Silva Oliveira

    O MISTRIO DAS MOEDAS DE OURO EM DUQUE DE CAXIAS ........................................................Guilherme Peres

    FLAMBOAIS E MATE COM ANGU ........................................................................................................................Newton de Almeida Menezes

    AMBULATRIO PAROQUIAL IRM BETA ...........................................................................................................Luiz Felipe dos Santos Junior

    VISES UNIVERSITRIAS: ...........................................................................................................................................Os estudos de campo como meio para educao patrimonialAngelo Marcio da Silva

    Getlio Cabral: Trajetria e Morte de um Militante Comunista na Baixada Fluminense, na Guanabara e em Salvador. Primeiros EscrtitosGiselle dos Santos Siqueira

    Saracuruna: A Histria de sua OcupaoJordan de Alexandre Batista

    Formao do Movimento Campons na Baixada Fluminense (1950-1964)Thiago Schubert Lopes

    SEO TRANSCRIO .....................................................................................................................................................Tania Maria da Silva Amaro de Almeida e Denise Vieira Demtrio

    SEO MEMRIA VIVA .................................................................................................................................................Tania Maria da Silva Amaro de Almeida, Alexandre dos Santos Marques e Antonio Augusto Braz

    SEO ICONOGRAFIA ....................................................................................................................................................

    ASSOCIAO DOS AMIGOS DO INSTITUTO HISTRICO .......................................................................

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  • CONJUNTO DA PRAA DO PACIFICADORAlexandre dos Santos Marques1

    Tania Maria da Silva Amaro de Almeida2

    A Praa do Pacificador recebeu este nome em homenagem a Luiz Alves de Lima e Silva devido a sua participao no controle das revoltas populares ocorridas no perodo regencial. O ttulo de Duque de Caxias foi recebido aps o controle da Revolta Farroupilha. A cidade recebe o seu nome por ele ter nascido na antiga Fazenda So Paulo que se localizava no atual bairro da Taquara3. Aps 1931, quando o ento 8 distrito de Iguau foi criado com o nome de Caxias, vrios logradouros e prdios pblicos passaram a receber denominaes em sua homenagem. Em 1943, quando o distrito obteve a emancipao de Nova Iguau, passou a municpio com o nome Duque de Caxias. Em 1927, com a publicao do Decreto 5.1414 criou-se um fundo especial para a construo e conservao de estradas. Para execut-lo, organizaram-se comisses tcnicas para construir as duas primeiras estradas tronco do pas: a Rio-SoPaulo e a Rio-Petrpolis 5. A situao encontrada pelos construtores, com muitas reas de manguezais e brejos, o que certamente dificultou as obras, foi observada por Rogrio Torres da seguinte forma:

    A construo da Rio-Petrpolis foi muito difcil, principalmente na Baixada Fluminense, devido aos terrenos lodosos que exigiam consolidao atravs de demoradas obras de aterro e de fundaes. Alm de tudo, a malria, ainda endmica na regio, vitimou um grande nmero de trabalhadores, somando novas dificuldades s j existentes 6.

    A rea que j foi chamada de Praa do Brejo e Praa do Caranguejo, em 1944 foi aterrada em mais de 6 metros de altura. Em 1953, no governo do Prefeito Braulino de Matos Reis (1952-1955) assumiu a sua moderna configurao e atual denominao: Praa do Pacificador. Segundo Jos Lustosa, foi ele quem a calou magistralmente 7, e ela

    1 Mestre em Histria Social do Trabalho pela Universidade Severino Sombra - Vassouras - RJ. Professor da rede municipal de ensino. Membro do Conselho Deliberativo da Associao dos Amigos do Instituto Histrico. Articulador regional da Ao Gri.2 Mestranda do Programa de Ps-Graduao strictu sensu em Letras e Cincias Humanas da Unigranrio. Ps-graduada em Histria das Relaes Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Licenciada e bacharel em Histria pela mesma universidade. Especialista em preservao de acervos. Scia titular da Associao Brasileira de Conservadores e Restauradores - ABRACOR. Scia fundadora e diretora de pesquisa da Associao dos Amigos do Instituto Histrico / CMDC. Professora da Unigranrio e da rede estadual de ensino. Coordenadora da Ps-graduao lato sensu em Histria Social da Baixada Fluminense / Unigranrio. Diretora do Instituto Histrico Vereador Thom Siqueira Barreto, da Cmara Municipal de Duque de Caxias, onde supervisiona as atividades de pesquisa e preservao do acervo desse rgo.3 Sobre isto ver desta srie Museu de Duque de Caxias/Museu da Taquara.4 Decreto 5.141 de 05.01.1927.5 Esta estrada foi concluda em 1928; j denominou-se Avenida Presidente Kennedy e hoje a Avenida Governador Leonel de Moura Brizola.6 TORRES, Rogrio. Duque de Caxias. Duque de Caxias, 2005. Indito.7 LUSTOSA, Jos. Cidade de Duque de Caxias Desenvolvimento Histrico do Municpio. (Dados Gerais). Rio de Janeiro: Grfica do IBGE,

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  • um perfeito carto de visitas que deslumbra e encanta. De moderna tcnica exigiu planos e requisitos especiais, formando no conjunto um aspecto agradvel, em que se harmonizam os jardins e as rvores, fazendo fundo para o busto do genial filho do municpio, Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, de quem herdamos o nome e a fibra 8.

    A Praa, localizada numa bifurcao entre a Rodovia Rio-Petrpolis (atual Avenida Presidente Kennedy) e Avenida Plnio Casado, deveria funcionar como um carto de visitas da cidade. Situando-se a poucos quilmetros do Rio Merity, limite da cidade do Rio de Janeiro, nesta poca Distrito Federal, com Duque de Caxias, a rea tornava-se passagem obrigatria para os que se dirigiam para a regio serrana, principalmente para Petrpolis. Esta cidade abrigava, na poca, a residncia oficial do presidente da repblica e de vrias personalidades polticas nacionais. Em Uma passagem pela Caxias dos anos 60, Stlio Lacerda recorda, com humor, que no dia de sua inaugurao, o palanque onde estavam vrias autoridades, dentre elas Joo Goulart, Roberto Silveira, Natalcio Tenrio Cavalcanti, Celso Peanha, Braulino de Mattos Reis, Zulmar Batista, Waldir Medeiros, Peixoto Filho, no suportando o peso, ruiu levando muitos deles ao cho 9. A partir de dezembro de 1956, no governo do Prefeito Francisco Correa, na parte voltada para a Avenida Plnio Casado passou a funcionar uma Estao Rodoviria 10 de onde partiam os nibus-lotao que transportavam os trabalhadores para a rodoviria da Praa Mau 11, no centro do Rio de Janeiro 12. A instalao da Rodoviria, a proximidade com a estao ferroviria e a variedade de bares colaboravam para a concentrao de pessoas que se deslocavam para o centro do Rio de Janeiro e para a Zona da Leopoldina. Se, no incio do dia, havia muitos trabalhadores, ao final da tarde eram os estudantes que nela se concentravam para embarcarem no trem em direo as escolas de Ramos, Bonsucesso e Olaria. Nas memrias de Newton Meneses sobre este lugar e seus personagens, consta que na Praa do Pacificador, enquanto aguardvamos enfileirados um lotao (micronibus) para o Rio, Pernambuco distraia a todos com suas piadas de duplo sentido 13. Ao longo das dcadas de 60 e 70, a Praa tornou-se local oficial dos desfiles do dia 25 de Agosto, de extenso da Feira da Comunidade da Igreja de Santo Antonio e dos desfiles dos blocos carnavalescos. Sobre os desfiles cvicos, Stlio Lacerda comenta que

    Desde o distante 1953, os preparativos para o desfile iniciavam-se com bastante antecedncia. Nas escolas de maior porte, a primeira medida era convocar o instrutor da banda, geralmente um sargento msico dos Fuzileiros Navais, do Exrcito, da Polcia Militar ou do Corpo de Bombeiros. Cabia-lhe marcar os ensaios, selecionar novos integrantes e definir quais os instrumentos a banda precisava. O garboso uniforme era assunto para a diretoria da escola, j que de nada adiantaria uma banda bem ensaiada sem visual altura 14.

    Como demonstrao de sua importncia para a formao da identidade cultural local, nela aconteciam vrias manifestaes culturais espontneas. Desde os anos 60, nela encontravam-se

    8 LUSTOSA: 1958.1958. 9 LACERDA, Stlio. Uma Passagem pela Caxias dos Anos 60. Edio do Autor, 2001. p. 79.10 A rodoviria que se localiza no Shopping Center s foi inaugurada, junto com o Shopping, em 1967.11 Por esta poca, ainda no existia a Rodoviria Novo Rio e nem o Terminal Rodoviria Amrico Fontenelle (Central do Brasil).12 Nesta poca, a atual cidade do Rio de Janeiro era denominada de Estado da Guanabara. Ela s assumiu a atual denominao em 1975, com a fuso da Guanabara com o Rio de Janeiro.13 MENEZES, Newton. Posfcio. 14 LACERDA, Stlio. 79

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  • periodicamente grupos de capoeira, vendedores de ervas, os lambe-lambes15, o comedor de espadas, o cuspidor de fogo, o domador de jararacas e jibias e outros. Sobre a Praa, o jornal O Dia diria que tambm ponto de encontro de aposentados procura de um carteado, de prostitutas na busca de clientes e de meninos de rua, ansiosos por garantir abrigo noite 16. Em horrios mais avanados, por ela circulavam prostitutas e notvagos que tinham suas intenes facilitadas pela grande quantidade de bares e hotis ao redor. Nos finais de semana, durante o dia, para ela acorriam grupos de jovens e casais enamorados que aproveitavam os cinemas para se encontrarem e trocarem algumas carcias mais ntimas. Sobre os cinemas, Stanley Lacerda diria que

    No incio dos anos sessenta, lembro de papai chegando s vezes tarde em casa, contando para mame o resumo do filme que acabara de assistir. (...) Havia o Brasil e o Central 17(na Avenida Duque de Caxias), o Paz 18 e o Santa Rosa, na Praa do Pacificador, e o Caxias 19 e o Pau-de-Arara , na Avenida Nilo Peanha. No sei bem por que, mas o cinema que ficou especialmente registrado em minha memria foi o Central, o menor de todos 20.

    No primeiro mandato do prefeito Hydekel de Freitas (1982-1984), a rodoviria foi demolida e a Praa passou por uma grande reformulao. Nela foram colocadas uma esttua eqestre em homenagem a Duque de Caxias 21, um chafariz e uma esttua em homenagem primeira bica dgua 22, que havia sido, no ano 1916, instalada nos seus arredores, e houve uma trabalho de paisagismo com vrias plantas e rvores. No incio da dcada de 90, na Praa realizava-se a Feira da Comunidade em homenagem Santo Antonio e a I Feira da Cultura Nordestina 23. Pouco antes do Complexo Cultural Oscar Niemeyer ser inaugurado, durante o governo de Jos Camilo Zito dos Santos Filho (1998-2004) e da administrao do Secretrio de Cultura Gutemberg Cardoso, a Praa abrigou o cameldromo, conjunto de barracas dos vendedores informais, que inviabilizava qualquer manifestao cultural. Na poca da construo do Complexo, Carlos Srgio Mendona Dazier Lobato 24 diria que nenhuma obra relevante havia no local. De uma bica dagua a cameldromo, a saudosa Praa do Pacificador nunca foi um monumento, s marcava o centro, dada a precariedade da cidade que capitaneava 25. A princpio, segundo o Jornal O Dia, o Complexo Cultural se denominaria Centro Cultural Darcy Ribeiro, havia a previso de se gastar com a obra 3 milhes e a criao de um estacionamento subterrneo. Durante a gesto do secretrio Luiz Sebastio Pereira Teixeira que no mesmo jornal anunciava uma possvel parceria financeira com a Petrobrs e, dentro de uma perspectiva otimista, dizia que a Baixada vai deixar de ser uma referncia de violncia, de abandono, para ser referncia cultural neste pas 26. A reportagem

    15 Fotgrafos que trabalhavam na Praa e tiravam fotos na hora.16 MARIA, Rose. Beleza e Cultura na Baixada. In: Jornal O dia. Caderno Nossa Baixada. 25.07.1999.17 Hoje abrigam o Supermercado Valente e um Bazar de artigos de papelaria.18 Seu antigo espao hoje abriga a Loja de departamentos C&A.19 Onde atualmente est instalada as Casas Bahia.20 LACERDA, Satnley. Apud in LACERDA, Stlio. Uma passagem pela Caxias dos anos 60. Duque de Caxias: Edio do Autor, 2001. p.56.21 Atualmente, ela est instalada em um largo, no incio da Avenida Brigadeiro Lima e Silva, em frente ao Hotel Luxemburgo.22 Esta esttua se encontra sob a guarda do Instituto Histrico de Duque de Caxias exposta em suas dependncias permanentemente. Est ar-rolada como um dos bens a serem tombados pela Secretaria Municipal de Cultura. Sobre ela ver nesta srie Monumento Primeira Bica Dagua de Duque de Caxias (Mulher com crianas)23 Sobre a tradio das Feiras Nordestinas na cidade ver desta srie Forr na Feira.24 Na poca, Carlos Srgio Mendona Lobato era Mestre em Arquitetura e Urbanismo e atuava na Secretaria Municipal de Obras.25 LOBATO, Carlos Srgio Mendona. Prefcio. In: MENDONA, Slvia Cristina de. Dossi do Centro Cultural Oscar Niemeyer. PMDC/SMC, setembro de 2004. p.5. 26 MARIA, Rose. Beleza e Cultura na Baixada. In: Jornal O dia. Caderno Nossa Baixada. 25.07.1999.

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  • ainda anunciava que Niemeyer projetou para Caxias um centro cultural dividido em duas construes. Elas abrigaro um teatro com 450 lugares, sala de exposies, biblioteca, galeria de artes e sala de vdeo. O Centro Cultural Darcy Ribeiro lembra um piano, se o observador der asas imaginao 27. Em setembro de 2004, a Biblioteca Governador Leonel de Moura Brizola passou a funcionar, atendendo no primeiro pavimento, o pblico infanto-juvenil e, no segundo, o pblico jovem e adulto. Dois anos depois, foi inaugurado o Teatro Raul Cortez, com capacidade para 440 lugares. Cogitou-se denomin-lo Teatro Roberto Marinho. A Biblioteca construda sobre pilotis possui, no 1 pavimento, 385 m2 de rea destinada ao pblico infantil e para realizao de exposis e, no 2 pavimento, a mesma rea destinada a leitura, pesquisa de livros e peridicos. Nos dois pavimentos, salas administrativas, sanitrios e copa, do apoio s atividades do prdio. Escada e elevador garantem a circulao vertical e o acesso irrestrito a todos os espaos. No prdio do Teatro, uma rampa que contorna metade da fachada circular leva os visitantes platia com capacidade para 440 lugares. Abaixo deste pavimento, esto os sanitrios e a rea de estar do pblico; e, acima, sobre parte da platia, a cabine de som e luz. Os artistas tm acesso independente pela praa rea de camarins e ensaio no pavimento semi-enterrado. Com 310 m2, a rea para ensaios tem planta livre que permite posterior subdiviso para depsito de equipamentos de cenografia e demais necessidades futuras. Uma porta metlica, na parede posterior do palco, abre-se para permitir espetculos externos para o pblico na praa. a Boca pra Fora. Em 2006, j na administrao do prefeito Washington Reis e da secretria de Cultura Carmen Miguelles, foi firmado um contrato com a Fundao Euclides da Cunha FEC, ligada Universidade Federal Fluminense, que teve como diretriz principal a busca constante da aproximao do teatro com os mais diversos pblicos, fortalecendo o sentido da ao cultural como fator instituinte da cidadania 28. Neste mesmo ano, sagrou-se o nome do Complexo e as partes que o compem. O teatro e a biblioteca passaram a denominar-se Raul Cortez e Governador Leonel de Moura Brizola, respectivamente. Este ltimo foi uma importante liderana poltica nacional e um dos mais identificados com as causas populares, e o primeiro, conhecido ator que faleceu no ano da inaugurao do teatro e que recebeu esta denominao por sugesto da atriz Fernanda Montenegro. Sobre este complexo, Leonardo Guelman e Luiz Augusto F. Rodrigues afirmam que a vitalidade de Duque de Caxias permite pensar a no conformao do quadro apresentado. A construo do conjunto que forma o Centro Cultural Oscar Niemeyer Teatro Raul Cortez, Biblioteca Governador Leonel de Moura Brizola e Praa do Pacificador enfrenta um desafio neste sentido 29.

    27 MARIA: 1999. 28 GUELMAN, Leonardo, RODRIGUES, Luiz Augusto F. (coord.) Programa de Capacitao e Gesto Cultural do Teatro Raul Cortez. Duque de Caxias. Relatrio Final. Niteri: UFF, LABAC, FEC, 2008.p.129 GUELMAN e RODRIGUES:2008, p.30

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    SUA MAGESTADE TATA LONDIR:Joozinho da Gomia e a expanso do rito

    Angola no Sudeste BrasileiroAndrea Mendes1

    Duque de Caxias, 21 de maro de 1971. Um cortejo estimado em 20.000 pessoas acompanha o fretro de Joo Alves Torres Filho at o cemitrio do Belm, no Corte Oito, divididas entre a comoo e o desespero. Pais e filhos de santo, membros da alta sociedade, clientes, curiosos, todos queriam dar o ltimo adeus ao homem que, talvez, tenha retraado algumas linhas do candombl no Brasil. O rei estava morto. Um rei bastardo, sem linhagens nobres, mulato, homossexual, interiorano, amado por muitos e, talvez, odiado por outros tantos. Sacerdote do candombl, religio de negros e, como se no bastasse, seu candombl era da nao Angola, que representava a parcela daqueles que eram considerados impuros, menos africanos, misturados; crioulos, enfim. A despeito disso, ou talvez por isso mesmo, Joozinho da Gomia conseguiu deixar profundas marcas na histria do candombl, em diferentes mbitos, e foi um dos grandes responsveis, seno o maior, pela expanso do candombl no Sudeste; no entanto, sua trajetria pouco conhecida, e muitas das informaes possuem verses distintas (tanto quando se referem a fontes escritas, quanto orais), mas no podem ser necessariamente consideradas falsas ou verdadeiras o que importa que elas apontam determinados recortes da memria, aquilo que deve ser relembrado, operando um trabalho de reconstruo na memria de um determinado grupo 2. Joo Alves Torres Filho (1914-1971), conhecido por Joo da Pedra Preta (por conta do caboclo Pedra Preta, de quem era devoto), Tata Londir, Joozinho da Gomia, ou simplesmente Seu Joo, nasceu em Inhambupe, interior da Bahia, e se mudou para Salvador aos dez anos de idade. Pouco se

    1 Mestranda do programa de Histria Social da Cultura, IFCH, Universidade Estadual de Campinas2 A esse respeito, ver DANTAS, Beatriz Gis. Vov nag e papai branco: usos e abusos da frica no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1988

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    sabe sobre sua entrada no mundo dos cultos afro: apenas que sofria de dores de cabea constantes e que foi levado por sua madrinha para ser iniciado no candombl, aos dezesseis anos. Herdou o terreiro de sua madrinha ainda muito jovem, aos 18 anos, no bairro de So Caetano, em Salvador, num local conhecido como Gomia (diz-se que, anteriormente, havia existido ali uma casa de culto jeje, de nome Agomea). Sua pouca idade, combinado ao fato de que ningum sabia ao certo qual era a sua origem, dentro do culto, fez com que ele no fosse aceito nos meios dos candombls da cidade, e que tivesse sua autoridade contestada, num meio em que o princpio de senioridade, o tradicionalismo e as genealogias eram to importantes 3. Como se no bastasse, Joo tinha um comportamento que desagradava aos outros sacerdotes do candombl: era homossexual e no fazia questo alguma de ocultar isso. Seja como for, Joozinho sempre esteve fora do crculo restrito do candombl puro. Citado por Bastide 4, por sua falta de legitimidade, por Landes, que no levava a srio o

    Pai Congo muito simptico mas que pouco sabe 5, ainda assim Joozinho da Gomia nunca passou despercebido, ao longo de sua trajetria como pai de santo. Em 1937, Joozinho se aliou a Edison Carneiro (o primeiro dos estudiosos das religies negras a se voltar para os bantu), que organizava ento o Segundo Congresso Afro-Brasileiro em Salvador. A partir desse momento, Joozinho ascendia em meio a uma sociedade conservadora, tecendo vnculos com quem poderia lhe dar visibilidade no caso, o prprio Edison, com quem colaborou nos seus estudos sobre os cultos de origem bantu. Em troca, Edison divulgava suas festas em sua coluna no jornal Estado da Bahia, e deveria divulgar o nome de Joozinho entre estrangeiros, intelectuais e o prprio povo-de-santo. Mas a notoriedade somente seria alcanada depois de sua mudana para o Rio de Janeiro, que se deu em 1946. Deixando seu terreiro em So Caetano sob os cuidados de me Samba, se instalou em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A partir de ento, inaugurou uma nova ordem para o culto que sempre esteve envolvido em segredo e mistrio: transformou em performance artstica a dana dos orixs, levadas

    3 Vimos, com efeito, que o babalorix deve obrigatoriamente passar pelas cerimnias de iniciao. Porm, no deixam de existir alguns que so designados pelo nome de clandestinos, ou de feitos do p para a mo, e que so acusados de terem usurpado o ttulo por ambio, sem a pas-sagem prvia pelos ritos anteriores; tais babalorixs so ento anatematizados pelos candombls tradicionais. Joo da Gomia um dos babalo-rixs clandestinos. In BASTIDE, Roger. O candombl da Bahia: rito nag (1957). So Paulo: Companhia das Letras, 20014 BASTIDE, comentando sobre a vinda de Joozinho fala sobre o babalorix da Bahia que tivera tanto xito no Rio e queria construir uma espcie de sucursal de seu candombl numa cidade em que j se encontrava uma dzia de seus antigos fiis (...). Mas o terreiro que fundou evolui mais para o espiritismo de Umbanda do que permanece fiel s normas puramente africanas. In BASTIDE, Roger, As religies africanas no Brasil (1960). So Paulo, Livraria Pioneira Editora/EDUSP, 19715 H um simptico e jovem pai Congo, chamado Joo, que quase nada sabe e que ningum leva a srio, nem mesmo suas filhas-de-santo como se chamam em geral as sacerdotisas; mas um excelente danarino e tem um certo encanto. Todos sabem que homossexual, pois espicha os cabelos, e isso sinal de blasfmia. - Qual! Como pode deixar que um ferro quente toque a cabea onde habita um santo! exclamam as mulheres. Nenhum santo de verdade desce numa cabea que tenha sido tocada pelo calor. In LANDES, Ruth. A cidade das Mulheres (1947). Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1967

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    ao show business, aos desfiles de carnaval, apresentadas em clubes, no Teatro Joo Caetano, em recepes a celebridades. A partir da, passou a freqentar programas de rdio, concedia entrevistas a jornais e revistas. Conforme sua notoriedade aumentava, aumentava tambm o nmero de seus filhos de santo: segundo Gisele Cossard ele teria iniciado o vultoso nmero de 4777 pessoas em todo o Brasil 6. Realizou apresentaes de dana africana para Ginger Rogers e para a Rainha Elisabeth da Inglaterra 7. Recebeu em seu terreiro o presidente Getlio Vargas e, mais tarde, foi chamado ao Palcio pelo presidente Juscelino Kubitschek 8. Foi um verdadeiro promoter do candombl e tinha suas festas divulgadas na imprensa. Foi acusado de querer transformar o candombl em teatro. Ele dizia que, se ele havia transformado o candombl em teatro, ento todos gostavam muito de teatro, porque as pessoas no paravam de procur-lo. E reiterava que candombl no tinha nada a ver com teatro. Ele mesmo se considerava

    (...) um homem simples, vivo somente para duas coisas na vida: o candombl e o carnaval. No mais, levo uma verdadeira vida de pai de santo, no vou ao cinema, nem ao futebol, no freqento botequins nem gafieiras; nem mesmo o society, apesar dos insistentes pedidos dos meus clientes. No procuro ningum; o povo que me procura, e as portas do meu terreiro esto sempre abertas para meus amigos10.

    Suas participaes nos desfiles de carnaval, alis, eram mais um motivo para suscitar a fria daqueles que no concordavam com o seu comportamento pouco adequado a um sacerdote de candombl. A Associao de Candombl exigia sua imediata expulso (com o apoio das mes de santo de Salvador), aps o carnaval de 1956, quando se fantasiou de Arlete para o baile do teatro Joo Caetano (um baile de travestis que, na poca, era considerado um verdadeiro ultraje). Em entrevista ao Dirio da Noite11, ele fala de sua relao com o carnaval:

    -Joosinho, e aquele negcio de expulsar voc do candombl pelos seus exageros nos dias de carnaval? -Menino, aquilo deu em nada no, e no poderia ser diferente. Brinco carnaval desde pequeno, mas decentemente e sem maldade. Nas minhas fantasias uso sempre a imaginao; uns acham exticas, outros belas e no final das contas que mal h nisso? Se eu quisesse brincar o carnaval com maldade, como muitos me atribuem, o dia era prprio e usaria uma mscara, no acha o senhor que tenho razo? Este ano no vou. Mas quero de incio deixar bem claro uma coisa: vou deixar de brincar no por causa da onda que

    6 COSSARD- BINON (Gisle). Contribution ltude des candombls au Brsil, le candombl Angola. Thse de 3e cycle/Ethnologie Universit de Paris. 19707 Durante a visita da Rainha Elisabeth II da Inglaterra ao Brasil, Joozinho se apresentou, com suas filhas de santo, num espetculo de dana dos orixs. A rainha, ento, encantada com a apresentao, declarou que se houver um rei nesse negcio de macumba, Joozinho da Gomia. Depois, em uma sesso solene, a rainha o declarou Rei do Candombl, ao lado de Roberto Carlos, o Rei da Jovem Guarda, e de Pel, o Rei do Futebol. Cada um deles recebeu uma sineta de ouro, juntamente com o ttulo. (Essas sinetas eram originrias do sino utilizado na cerimnia de sua coroao como rainha da Inglaterra; tal sino foi depois fundido em muitas miniaturas, que serviam como presentes a pessoas ilustres). Segundo declarao de Jos Daniel das Neves, Tata Nange Lemba, xicarangoma da antiga Gomia de So Caetano, Salvador. Julho de 2004.8 Havia em seu terreiro um espcie de tribuna, destinada s pessoas importantes, militares, prefeitos, e as recebia com toda a pompa. Pratos tpicos baianos, petit fours, doces, champanhe. Era um ponto de encontro social, cada convidado queria trazer o melhor presente para mostrar que era da casa. Ele foi amigo do Presidente Getlio Vargas, que perseguiu o candombl. O presidente Kubitschek, fundador de Braslia, mandou chamar Joozinho da Gomia ao palcio presidencial. Joozinho nunca disse o motivo de ter sido chamado. (depoimento de Gisle Cossard-Binon, Omindarewa, a FICHTE, Hubert. Etnopoesia. So Paulo: Brasiliense, 19879 LODY & SILVA, id.ibid.10 Dirio da Noite, (inc), 195711 Dirio da Noite, op.cit.

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    fizeram no ano passado, mas pelo fato de estar de luto. Perdi meu pai h poucos meses e no seria justo brincar no carnaval este ano. Muita gente vai sentir minha falta. Quero entretanto prevenir a meus inimigos que no pensem que medo, j expliquei o motivo de minha ausncia e no ano prximo eu voltarei arena!

    Candombl e carnaval pareciam ser as duas grandes paixes de Joozinho. Ele celebrava seu culto como expresso religiosa, esttica e ldica, e pessoalmente confeccionava todas as vestimentas, do carnaval ao candombl. Suas filhas de santo, mesmo durante os cultos, danavam de forma to harmnica e cuidada que se diria tratar-se de um espetculo. O cuidado com que vestia suas filhas de santo, o luxo de suas vestimentas, e o modo como vestia os deuses em especial, fizeram com que fosse publicada uma matria de oito pginas na revista O Cruzeiro, de 23/09/1967. Joozinho vestiu suas filhas de santo com as vestimentas dos deuses, para que fossem fotografadas12. Assim, um a um, os deuses da frica foram retratados nas pginas de uma revista de circulao nacional: essa matria escandalizou ainda mais uma vez o povo-de-santo, em especial os sacerdotes, temerosos de que se perdesse o sentido religioso de seu culto. Em 1969, atuou no filme Copacabana mon amour13, de Rogrio Sganzerla, interpretando a si mesmo. Joozinho da Gomia foi o primeiro pai de santo a se utilizar sistematicamente dos meios de comunicao para ampliar seu prestgio e autoridade, dando visibilidade ao candombl. Alm disso, foi participante fundamental do movimento de expanso e fixao do candombl angola no sudeste brasileiro. Para tentar compreender o percurso de Joozinho da Gomia no cenrio da religies africanas no Brasil, necessrio refletir sobre parte da histria do candombl, como foi percebida por estudiosos, pesquisadores e pelo prprio povo-de-santo; e, posteriormente, sua expanso para o sudeste. O candombl uma religio cujos sentidos, aes rituais e cosmologia possuem vnculos com vrias tradies religiosas do oeste e centro da frica - especialmente yoruba (tambm chamados nag), aja-fon (originrios da frica Ocidental, assim como o primeiro grupo), e bantu centro-africanos; uma recriao destas tradies, que se forjaram ainda dentro do contexto da escravido. Divide-se em

    12 No carnaval de 1955, um ano antes de se travestir de Arlete, ele saiu com uma inacreditvel fantasia de Associao Brasileira de Imprensa: uma mortalha estampada de letras, um cetro de microfone e uma maquete do prdio da ABI na cabea! Um documento exemplar do prestgio de Joozinho nos meios de comunicao a revista O Cruzeiro de 1967. Na capa colorida ele aparece de toro na cabea, ladeado pelas filhas de santo. A novidade da matria, que ocupou a maior parte de suas oito pginas, foram as fotos de pessoas vestidas de orixs. Vestidas por quem? Pelo pai de santo da Goma, claro. Essa exibio dos deuses em pblico, fotografados e reproduzidos aos milhares nas bancas de revistas, d bem a mostra da ousadia de Joozinho na divulgao de sua religio. (Babalorix superstar: No Rio, o baiano Joozinho se tornou o pai de santo mais famoso. Correio da Bahia, 31/03/2003)13 Copacabana mon amour. Roteiro e direo: Rogrio Sganzerla. Rio de Janeiro: Companhia Belair, 1970.

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    subgrupos que se autodenominam naes: ketu, jeje e angola (ou, em alguns casos, denominada congo-angola). Essas naes partilham uma religiosidade baseada no respeito a um panteo de deuses mais ou menos comuns a todos, o transe, os rituais de cura, o carter inicitico, alm das festas pblicas, marcadas por cantos, danas e belas vestimentas. Os estudos sobre essa religiosidade privilegiaram, desde o seu incio, o culto de origem nag, que se destacou em relao s outras naes, em prestgio, grandeza e popularidade; muito se escreveu sobre essa nao, que acabou sendo tomada como modelo ideal, em detrimento das outras. As principais casas estudadas foram a Casa Branca do Engenho Velho (Iy Nass Ok) e duas outras oriundas dessa mesma casa, o Gantois (ou Ax Il Iya Omin Iyamass), e o Ax Op Afonj, importantes representantes at os dias de hoje do candombl de origem nag, mais conhecido como ketu. Raymundo Nina Rodrigues14 afirmou a supremacia dos nag, em detrimento dos bantu, considerando-a como a verdadeira aristocracia entre os negros trazidos pelo trfico. Em seus estudos, afirmava ter buscado, sem sucesso, traos de cultura ou idias religiosas pertencentes aos bantu15. Vale lembrar que boa parcela de suas pesquisas foram realizadas junto ao Gantois, e seu principal informante foi Martiniano Eliseu Bonfim (um dos colaboradores de Aninha no Ax Op Afonj), que empreendeu diversas viagens Nigria, o que lhe concedeu muito prestgio entre os praticantes do candombl nag, assim como entre os intelectuais da poca, que o procuravam com freqncia. Ruth Landes o intitulou uma instituio na Bahia, em virtude de ter pesquisado as tradies tribais na frica 16. Esse prestgio nag nos estudos afro-brasileiros se entendeu ao longo do sculo XX, aparentemente inaugurada por Nina Rodrigues, e passando por Manuel Querino, Arthur Ramos, Ruth Landes, Pierre Verger, Roger Bastide e, mais tarde, j na dcada de 1970, Juana Elbein dos Santos, para apenas citar alguns. No entanto, essa valorizao pode estar vinculada a um movimento anterior, iniciado no final do sculo XIX, e do outro lado do Atlntico: na cidade de Lagos, um movimento de renascena cultural tentava reviver aspectos da religio do antigo reino de Oy, destrudo pelas guerras civis no comeo daquele sculo; esse movimento tornou-se um projeto nacionalista, certa inveno de uma nova nao yoruba. Segundo Lorand Matory 17, por volta da virada do sculo XIX para o XX, os yoruba passaram ser reconhecidos internacionalmente como um povo culto e orgulhoso, possuidores de uma religio sofisticada e que no se rendeu ao colonialismo. Esse conceito de grandeza se espraiou atravs do atlntico negro e aparentemente se tornou uma bandeira para aqueles que buscavam uma pretensa pureza africana da cultura negra na dispora. Naquele perodo, havia um fluxo significativo de ex-escravos brasileiros que viajavam entre a Bahia e a Costa Ocidental da frica, trafegando bens e conhecimentos religiosos, ajudando a reforar a idia de uma identidade religiosa compartilhada. At a virada do sculo XX, alguns lderes espirituais do candombl buscavam contato com a frica, iniciado anos antes atravs do fluxo estabelecido pelo comrcio, ainda que de forma menos intensa aps a extino do trfico negreiro18. Essas viagens propiciavam o acesso a objetos sagrados, noz de cola, vestimentas.

    14 NINA RODRIGUES, Raimundo. O animismo fetichista dos negros bahianos.(1900).Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 193515 NINA RODRIGUES, Raymundo. Os africanos no Brasil.(1906) So Paulo: Editora Nacional, 198816 LANDES, Ruth. A cidade das mulheres(1947) Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 196717 MATORY, James Lorand. Black Atlantic Religion. Tradition, Transnationalism, and Matriarchy in the Afro-Brazilian Candomble. Princeton Univer-sity Press, 200518 SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2004

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    A busca da frica ao longo da primeira metade do sculo XX nunca cessou completamente. Esse contato dava s casas de culto o status de tradicionais e ligadas terra me, a frica mtica. A prpria viagem de Martiniano Eliseu do Bonfim culminou em uma alterao profunda no Ax Op Afonj, levando a essa casa a instituio africana dos Obs de Xang19. Alm daquele movimento de renascena cultural observado em terras africanas, que possivelmente teve um impacto considervel no Brasil outro fator pode ter contribudo de forma decisiva na eleio do rito nag como representante de uma herana cultural mais pura: enquanto que os grupos de escravos originrios da frica Ocidental possuam amplas diferenas de idioma, etnia e cultura, os povos bantu, ao contrrio, vinham de uma extensa rea geogrfica, pertencentes a vrios grupos que compartilhavam semelhanas importantes no que se refere lngua, s prticas culturais e religiosidade. Alm disso, a presena de uma comunidade europia em contato cultural e comercial com alguns povos da regio (como, por exemplo, o reino do Congo), fez com que se fortalecesse a caracterstica de uma herana cultural mista, de razes crioulas. Assim, as contribuies dos povos bantu na religiosidade negra talvez tenham sido menos evidentes e visveis que os elementos culturais yoruba e fon, que talvez parecessem mais africanos 20. Ou, em outras palavras, mais exticos. Levando em conta esse panorama, podemos considerar que a escolha do candombl nag como modelo a ser seguido, assim como a busca da reafricanizao como forma de legitimao dos cultos nags, contriburam decisivamente para que os cultos de origem bantu se mantivessem margem do candombl verdadeiro e tradicional. Em virtude de serem considerados menos nobres, menos desenvolvidos, ou ento corrompidos pelo sincretismo, o candombl angola, o candombl congo, o candombl de caboclo, a umbanda, o tor, entre outros, eram considerados cada vez mais abastardados. Enquanto a cidade de Salvador se firmava, pouco a pouco, como a Roma Africana 21, reinado absoluto do candombl ketu, um novo movimento tomava corpo e ganhava outros espaos: era o candombl Angola, liderando silenciosamente uma migrao para o sudeste que, se teve tambm representantes do candombl nag, nos seus primrdios, sem dvida recebeu um contigente grande e significativo de sacerdotes angola. O primeiro registro em cartrio de um centro de umbanda tenha ocorrido em 1930, e no se sabe ao certo sobre a presena de cultos de matriz afro no Estado de So Paulo, anteriores a essa data; segundo Reginaldo Prandi, no dispomos de documentos que atestem a possibilidade de que tenham existido casas de candombl em So Paulo antes dos anos 1950; o que se sabe, atravs da memria oral do povo-de-santo, que o seu surgimento na regio tenha se dado a partir desse perodo. De meados dos anos 1950 at a dcada de 1960, Joozinho da Gomia ia constantemente a So Paulo, visitando lderes umbandistas, e foi responsvel pela iniciao de muitos deles 22. Em sua maioria, foram iniciados em So Paulo, mas existiam casos de filhos de Joozinho iniciados na Gomia de Caxias, e outros ainda, na Gomia de So Caetano, na Bahia 23. Assim, esses lderes umbandistas pouco a pouco foram transformando seus antigos terreiros de umbanda em casas de candombl. Pode-se dizer ento que o candombl paulista, na sua origem, teria importado o culto de outros estados, especialmente Rio de Janeiro e Bahia.

    19 CAPONE, Stefania. A Busca da frica no candombl. Tradio e poder no Brasil.(1999) Rio de Janeiro, Pallas, 2004 pp 272 20 A esse respeito, ver HEYWOOD, Linda (org). Dispora Negra no Brasil. So Paulo: Contexto, 2009 pp.11-2621 Me Aninha, ou Ialorix Ob Biyi foi quem se referiu cidade de Salvador como sendo a Roma Africana em entrevista a Ruth Landes, em Cidade das Mulheres. 22 Outros sacerdotes que tiveram participao nos primrdios do candombl em So Paulo foram Seu Bob de Ians, Jos Bispo dos Santos (que tinha ligaes com Maria Nenm, Tuenda dia Nzambi, matriarca do Candombl Angola Tumba Junara, e posteriomente se vinculou ao candombl de ketu), Vav Negrinha, Valdemar Monteiro de Carvalho Filho, baiano de nao jeje da casa de Guaiaku, e Me Toloqu, essa ltima iniciada por Joozinho ainda na Bahia. Todo esse grupo mantinha estreitas ligaes com Joozinho da Gomia. Segundo PRANDI, Reginaldo. Os Candombls de So Paulo. So Paulo: Hucitec, 199123 PRANDI, op. cit.

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    Surgindo inicialmente na baixada santista, o movimento umbandista em direo ao candombl se dava de duas maneiras: eles se locomoviam at o Rio de Janeiro ou Bahia para se iniciarem, ou ento, em funo da vinda de alguns sacerdotes desses estados para So Paulo, a fim de iniciar novos filhos, dando origem a novos terreiros 24. Esse movimento entre Estados j havia se iniciado entre Bahia e Rio de Janeiro, cerca de duas dcadas antes. A partir dos anos 1940, uma onda de deslocamento proveniente do nordeste atingiu o Rio de Janeiro: muitos sacerdotes se instalaram na Baixada Fluminense e, assim, antigas linhagens de candombl se instalaram no Sudeste, dando origem a uma importante reconfigurao no cenrio das religies de matriz afro no pas. A Nao Angola se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir da chegada de Manoel Ciriaco dos Santos, fundando seu terreiro Tumba Junara em Vilar dos Teles, nos anos 1940. A famlia Bate-Folha, de Bernardino da Paixo, se viu representada por Joo Lessengue, por volta de 1938, no bairro do Catumbi, transferindo-se depois para o bairro Anchieta, local onde at hoje funciona o Kupapa Unsaba, presidido por Floripes Correia da Silva Gomes, Mametu Mabeji (filha de santo e sobrinha carnal de Lessengue), a partir de 1972. Porm, de todo o movimento surgido a partir dessa onda migratria dos candombls da Bahia para o Rio de Janeiro (incluindo-se as casas de raiz jeje-nag), talvez Joozinho da Gomia tenha sido o mais conhecido. Joozinho da Gomia iniciou uma revoluo nos costumes tidos como tradicionais nos candombls da Bahia. Figura controvertida entre o povo-de-santo, foi muito questionado em relao veracidade de sua iniciao. Segundo consta, ele havia sido iniciado por Jubiab (Severiano Manuel de Abreu), lder religioso no Morro da Cruz do Cosme. Jubiab, na realidade, era o nome de uma entidade que Severiano incorporava um caboclo. Embora tenha sido relacionado exausto com o personagem-ttulo de um romance de Jorge Amado, no havia nenhuma relao entre a fico e a literatura, e at h pouco tempo, nada se sabia sobre ele, tornando-o uma figura quase mtica entre o povo-de-santo 25. Se Joozinho da Gomia fora iniciado por Jubiab, essa parece ser uma iniciao mtica, uma vez que teria sido iniciado pela prpria entidade, e no pelo sacerdote. Ao mesmo tempo, colabora com a imagem de ilegitimidade que o rondou durante a vida toda, porque no candombl as iniciaes no so realizadas por entidades espirituais, sejam elas quais forem, mas pelos sacerdotes estes, sim, designados pelos deuses. No entanto, anos mais tarde, Joozinho cumpriu suas obrigaes de senioridade com me Samba Diamongo (Edith Apolinria Santana), filha de santo do primeiro barco de Bernardino da Paixo, Tata Ampumandezu, o patriarca da famlia Bate-Folha. Essa obrigao foi feita de modo privado, na camarinha, como se diz na linguagem do povo-de-santo, no acontecendo uma festa pblica. Isso reforou a idia, ao longo dos anos, que Joozinho havia usurpado o direito de ser sacerdote, j que ningum havia testemunhado a sua diplomao. Mas o fato que Joozinho e Samba Diamongo mantiveram relaes muito prximas tanto que, no momento em que se transferiu definitivamente para o Rio de Janeiro, deixou a me Samba a misso de supervisionar o candombl de So Caetano.

    24 PRANDI, id.ibid.25 Entre 9 de maio de 1936 e 25 de janeiro de 1938, Edison Carneiro publicou uma srie de reportagens, entrevistas e artigos sobre os costumes afro-brasileiros no jornal O Estado da Bahia. Esse material, de carter pioneiro na mdia impressa, registrou algumas entrevistas com Severiano Manuel de Abreu, Pai Jubiab. O perodo dessa produo foi registrado em cartas endereadas a Arthur Ramos, que deram origem obra Cartas de Edison Carneiro a Artur Ramos de 4 de janeiro de 1936 a 6 de dezembro de 1938, publicada por Vivaldo da Costa Lima e Waldir Freitas Oliveira. O contedo das entrevistas com Jubiab foi recentemente apresentado por CLAY, Vincius, em O Negro em O Estado da Bahia - De 09 de maio de 1936 a 25 de janeiro de 1938, trabalho apresentado Faculdade de Comunicao da Universidade Federal da Bahia, sob orientao do Prof. Dr. Renato da Silveira.

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    Se essa verso for aceita pelo povo-de-santo, Joozinho da Gomia, antes questionado por sua ilegitimidade, pode ser alado condio de integrante da primeira gerao do Candombl Bate Folha, considerada a casa da Nao Angola-Congo mais antiga do pas. Sem a pretenso de ser conclusivo, este pequeno estudo tentou demonstrar que o percurso de Joozinho se aproxima e se funde com o percurso de sua prpria nao, mestia por natureza, de profundas razes crioulas; est ainda longe de ser conhecido, tanto por seu carter transgressor de algumas regras rgidas da religio, quanto pela capacidade de circular entre mundos distintos, dos terreiros s salas de espetculos, do sagrado ao profano, da religio ao carnaval, levando o colorido de seus deuses a lugares onde nunca antes haviam chegado. O menino pobre de Inhambupe, no dia em que deixou a casa dos pais, talvez sequer tivesse suspeitado que, ao sair para ganhar o mundo, um dia se tornaria rei.

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    ndice das ilustraes Pg. 11 Cortejo do funeral de Joozinho da Gomia em Duque de Caxias: Revista Manchete, 3 de abril de 1971, foto de Adir MeraPag. 12 Festa no candombl da Gomia, em Caxias, Revista Manchete, 3 de abril de 1971. Foto de Adir MeraPag. 14 - Vestimenta ritual de Yemanj (Kayaia). Revista O Cruzeiro, 23 de setembro de 1967. Foto de Indalcio WanderleyPag. 18 Joozinho da Gomia em transe ritual, paramentado como Ians (Matamba). Revista Manchete, 3 de abril de 1971. Foto de Adir Mera

    Fontes impressasDirio da Noite, (inc), 1957Correio da Bahia, 31/03/2003

    Referncias Bibliogrficas

    BASTIDE, Roger. O candombl da Bahia: rito nag (1957). So Paulo: Companhia das Letras, 2001BASTIDE, Roger, As religies africanas no Brasil (1960). So Paulo: Livraria Pioneira Editora/EDUSP, 1971CAPONE, Stefania. A Busca da frica no candombl. Tradio e poder no Brasil.(1999) Rio de Janeiro, Pallas, 2004COSSARD- BINON (Gisle). Contribution ltude des candombls au Brsil: le candombl Angola. Thse de 3e cycle/Ethnologie Universit de Paris. 1970DANTAS, Beatriz Gis. Vov nag e papai branco: usos e abusos da frica no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1988FICHTE, Hubert. Etnopoesia. Antropologia Potica das Religies Afro-Americanas. So Paulo: Brasiliense, 1987HEYWOOD, Linda (org). Dispora Negra no Brasil. So Paulo: Contexto, 2009LANDES, Ruth. A cidade das mulheres(1947) Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1967MATORY, James Lorand. Black Atlantic Religion. Tradition, Transnationalism, and Matriarchy in the Afro-Brazilian Candomble. Princeton University Press, 2005NINA RODRIGUES, Raimundo. O animismo fetichista dos negros bahianos (1900). Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1935_________________. Os africanos no Brasil.(1906) So Paulo: Editora Nacional, 1988SANSONE, Livio. Negritude sem etnicidade. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 2004PRANDI, Reginaldo. Os Candombls de So Paulo. So Paulo: Hucitec, 1991

  • A REPRESENTAO IDEALDE UM TERRITRIO:

    exemplificando a Baixada Fluminense.

    Andr Santos da Rocha1

    Qual o Problema da Baixada?... porque Baixada? (Sidney Cardoso Santos Filho)

    Iniciamos o texto com a fala de um amigo, gegrafo e morador do municpio de Duque de Caxias, proferida em uma entrevista entre amigos numa mesa de bar, para um documentrio sobre transportes pblicos na Baixada 2 . O que nos chamou ateno foi a verbalizao da palavra Baixada como uma dimenso espacial da realidade, referente aos problemas enfrentados no acesso dos servios. fato que essa apenas uma das tantas referncias que cercam a denominao Baixada Fluminense que, de forma sucinta, revela como o senso comum forja uma forma de conhecimento pautado nas experincias vividas. A Baixada passa, neste sentido, a ser um conhecimento espacial capaz de compreender as singularidades daqueles que vivem numa dada parcela do espao social da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro. A Baixada Fluminense conhecida interna e externamente por esse nome no mbito do estado do Rio de Janeiro, do Brasil e qui do Mundo. No entanto, esta nomeao, atualmente, revela mais que uma simples nomenclatura, ou melhor, para ser mais preciso, mais que um substantivo prprio que possui a funo de nomear. Atribui-se a Baixada uma idia qualificadora, quase que adjetivada, associada s noes de misria, fome, violncia, grupos de extermnio, periferia, lugar distante etc. Ou seja, explicita-se uma dimenso espacial distinta no Estado do Rio de Janeiro. O espao socialmente produzido possui uma qualificao que o distingue dos demais espaos (DI ME, 2001), e a Baixada Fluminense se diferencia das outras reas do estado a ponto de se firmar como uma verdade (reconhecida no senso comum), como um espao legtimo, no entanto, ainda no reconhecida como unidade regional no estado do Rio de Janeiro pelo IBGE. Por outro lado, a mesma vem ganhando um corpo de legitimidade nos discursos de polticos locais e aes governamentais das mais distintas esferas (municipal, estadual e federal), que acabam por legitimar a distino entre o que , e o que no Baixada. Essa legitimidade dada pela presena de aes que sustentam uma materialidade, projetos sociais e polticos sobre o espao. No entanto, esses projetos, essas representaes, so desenvolvidos por grupos sociais que estabelecem seus critrios de ao, suas formas de saber, formas de poder e de hegemonia sobre o espao. No caso da Baixada Fluminense, podemos afirmar que tais representaes3 so promovidas por dois diferentes grupos, os quais possuem diferentes agentes, atores e sujeitos que, atravs de suas aes, buscam legitimar espacialmente esta rea no Estado Fluminense.

    1 Professor do Departamento de Geocincias da UFRRJ. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Especialista em Polticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Licenciado em Geografia pela FEUDUC.2 DTV Angu Transporte. Disponvel em http://www.youtube.com/watch?v=OPRpWzyenlg data do acesso: 21/01/2008. Esse documentrio faz parte de uma srie de mini-curtas elaboradas por um cine clube da localidade, que buscava, entre outras finalidades, mostrar a percepo da populao local sobre os diversos servios utilizados.

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    Um breve panorama conceitual sobre o territrio, representaes e a legitimidade.

    Para melhor aprofundar esse debate e definir nossa base de discusso necessrio apontarmos que entendemos a Baixada Fluminense como uma representao territorial de poder. Logo, se torna imprescindvel definir a nossa concepo de territrio. Partiremos da definio de territrio, que proposta por Marcelo Lopes de Souza (1995), entendendo-o como um espao definido e delimitado por e a partir de relaes de poder. O territrio se diferencia do espao social, ento, no estabelecimento de delimitaes ou criao de limites que as relaes de poder circunscrevem no espao. Ou seja, o territrio surge a partir do espao, mas nele se reproduz e produzido na intensa disputa pelo poder. A complexidade da conceituao do territrio est na prpria definio de poder, que por sua vez desenvolve a capacidade de legitimar aes sobre o espao ao ponto de delimit-lo. Assim, o exerccio do poder uma ao legitimadora do territrio Verificamos as representaes sobre a Baixada se multiplicam em discursos e prticas. Essas, por sua vez, estabelecem um cenrio de disputas que tm por fim consolidar suas bases de poder sobre esta parcela do espao. Buncando, a, estabelecer suas plataformas de poder sobre o territrio que necessita ser legitimado. Segundo Norberto Bobbio (2005), o termo legitimidade, na linguagem comum, possui dois significados: um geral, ou genrico, e um especfico. Para o referido autor, o significado especfico associado linguagem poltica, na qual o Estado o ente primaz e consegue estabelecer, atravs de suas prticas e atributos, um grau de consenso capaz de assegurar a obedincia sem a necessidade do uso da fora. nessa possibilidade de legitimidade que se vislumbra o elo integrador na relao de poder no mbito do Estado. No significado geral, a palavra legitimidade tem, aproximadamente, o sentido de justia ou de racionalidade (fala-se na Legitimidade de uma deciso, de uma atitude etc.) (BOBBIO 2005, p.675). Tal noo nos remete ao papel da cincia geogrfica na legitimao territorial para formao do Estado Alemo (MORAES, 1999), onde se legitimou a conquista de territrios a partir de uma racionalidade geogrfica (ESCOLAR, 1996). A legitimidade est diretamente associada aos personagens que so creditados como tais e que possuem, ento, um poder simblico de legitimidade. Pierre Bourdieu (2007) pondera que o poder simblico um poder legitimador capaz de construir uma ordem gnosiolgica (sentido ou conhecimento) da realidade, ou mundo. Esse por sua vez exercido por grupos sociais que detm como poder constituir o dado da enunciao, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a viso de mundo, desse modo, ao sobre o mundo (BOURDIEU, 2007, p.14). Assim, os grupos sociais atravs de sua posio na estrutura social so imbudos de um poder simblico no que se diz respeito legitimidade de suas prticas, discursos e representaes. O poder da legitimao no est nas palavras, nas representaes ou nas prticas, mas em quem faz. Esses so instrumentos ou veculos para consolidar uma legitimidade. O poder de legitimao, de dizer o que falso ou verdadeiro sobre dimenses da cultura, espao ou tempo, pode ser traduzido no binmio enunciado-enunciador, ou representao-representante. Neste sentido, Bourdieu (2007, p.15) pondera que:

    3 De forma geral, a idia de representao pode ser entendida como uma forma de conhecimento do mundo e das coisas que ele compe (BAILLY, 1995). Essas formas de conhecimento so expressas atravs de diferentes modos. Seja pela linguagem, seja pelas imagens mentais, ou mesmo pelas formas materiais que qualificam a relao entre o sujeito e objeto.

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    O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou subverter, a crena na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia, crena cuja produo no competncia das palavras.

    O poder do enunciado est, ento, em quem pronuncia tambm. A idia de veracidade contida nas representaes, imagens ou smbolos que criamos sobre o mundo se traduz no campo da legitimidade e das disputas de poder entre grupos. A sociedade possui por excelncia uma dimenso espacial (SANTOS, 2008), logo as disputas de poder e de legitimidade se traduzem, tambm, nesta dimenso. E quando este espao disputado, buscam-se caminhos para legitimar suas conquistas ou posses, trava-se uma disputa sobre a hegemonia do espao. Sendo essa legitimidade fruto do uso do poder, entendendo o exerccio deste feito das mais variadas formas (FOUCAULT,1978), coloca no seio do espao um recortamento, ou uma diviso, limites entre um poder e outro. A construo de representaes sobre o espao, que possui, por finalidade ltima, construir um conjunto espacial delimitado de ao e poder, traduz a construo do Territrio (RAFFESTIN, 1993; HAESBAERT, 2004). Esse territrio deve ser legitimado por tais grupos sociais. As representaes so, portanto, meios de legitimao e, quando associados conjuntura espacial constituem uma possibilidade de legitimar territrios. No entanto, o espao social multifacetado, campo de lutas e batalhas sociais (SOJA,1993); logo as representaes construdas neste espao e sobre este espao confrontam-se no intuito de afirmar legitimidades territoriais. A legitimidade territorial, tambm, exercida atravs de mecanismos de legitimao. Para Michel de Certeau (1994), as prticas significantes so operadoras desta legitimidade. Atravs das possibilidades de dizer o que crvel, memorvel e o primitivo, o jogo de quem fala remete a noo do crvel, autoriza, ou faz possvel. Esse jogo sedimenta-se nos agentes e atores que atravs de rituais, normas e prticas cotidianas, semantizam e viabilizam o memorvel e o primitivo. O memorvel se relaciona dimenso da lembrana, memria que resgatada nos rituais, nas normas ou nos nomes que aproximam o experimentado, o primitivo, e faz deste ritual, ou da prtica, a forma legtima do acontecer social. Se entendermos o processo de legitimao justificado pelas prticas significantes da qual fala Michel de Certeau, poderamos indicar que as representaes construdas no cerne da produo do espao colocam o mesmo numa intensa disputa de legitimidade, uma vez que o espao geogrfico abarca a ao mltipla de sujeitos, agentes e atores. Assim, poderamos dizer que o Espao da Baixada Fluminense se constri como um territrio forjado em disputas de legitimidades, onde atravs do binmio territrio-representao so evidenciados os choques e tenses sobre essa realidade espacial. As representaes sobre a Baixada so, tambm, disputas de legitimidades territoriais. As inmeras representaes sobre esse espao visvel na contnua busca de legitimar uma Baixada, mas para quem essa Baixada?

    Representaes e as legitimidades territoriais na Baixada Poltica e nos Planejamentos Territoriais.

    importante lembrar que a representao, como inveno social, est sempre em um jogo de disputas de assimilao ou de tenso. A representao hegemnica 4 que marca a ento Baixada Fluminense um produto histrico que envolve prticas polticas de atores, agentes e sujeitos sociais, os quais compem um quadro de relaes de poder no mbito da regio metropolitana do Rio de Janeiro.

    4 Para ns a representao hegemnica aquela imagem marcada pela violncia, descaso social, problemas de infra-estrutura urbana que foi constru-da entre os anos de 1950-1990 em referncia a poro oeste da Baa de Guanabara, parcela esta que foi incorporada pela lgica urbana do Rio de Janeiro(SEGADA SOARES, 1962; ROCHA,2009).

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    O resultado dessas muitas representaes configurara uma associao entre a representao de violncia, misria e medo social e as prticas scio-territoriais numa parcela do espao da regio metropolitana do Rio de Janeiro: a Baixada Fluminense. Essa parcela do espao regida por imbricaes de interesses polticos, que apontam um molde poltico-territorial e que rege uma constante re-composio do territrio. Se a composio do territrio revelada por um emaranhado de peas, os municpios so as peas que compem a Baixada Fluminense. Ento, saber quem est ou no est inserido nessa composio traduz interesses polticos e culturais de diferentes grupos. A indefinio constituda em um horizonte simblico representacional colocou um impasse sobre a definio da Baixada. Diante do quadro poltico que emerge na perspectiva da redefinio de um poder centralizado na esfera de comando das unidades administrativas, e na perspectiva da consolidao deste mesmo poder, projeta-se uma organizao capaz de buscar uma relao poltico-territorial de uma entidade que s existe no campo da representao de violncia. Ora, torna-se necessria uma articulao do prprio territrio, para que este seja visto no conjunto, a fim de impor uma lgica regionalmente, politizada, capaz de reivindicar uma solidariedade territorial. nesse contexto que emerge uma Baixada Poltica. Essa unidade aparece nos discursos e palanques polticos (BARRETO, 2006) quando existe a necessidade de evocar uma existncia territorial dessa Baixada para que, de forma coorporativa, essa unidade possa receber, ou mesmo reivindicar de modo solidrio, investimentos para a regio. Um exemplo disso aconteceu na ltima proposta do Governo Federal, adaptando uma verso do Plano de Acelerao do Crescimento (PAC) s questes locais, verso PAC- BAIXADA. A necessidade de organizar uma Baixada-Poltica est em organizar uma plataforma territorial de reivindicao. Essa plataforma atribui Baixada uma personificao poltica, como se ela falasse por si. nessa perspectiva que a Baixada passa a ser vista como uma unidade regional inquestionvel, onde todos que habitam nessa rea produzem a mesma representao territorial, numa composio legtima. Dessa forma, a idia de uma Baixada regionalmente inquestionvel vai ao encontro das palavras de In Elias de Castro (2005) quando afirma a construo de um regionalismo poltico. Para a autora, a regio um territrio, porm nem todo territrio pode ser chamado de regio, ou seja, a classificao da idia de regio passa pelo crivo de legitimidade, que muitas vezes se consolida atravs de interesses polticos. Quando esses interesses polticos consolidam uma plataforma de poder organizado em mais de uma unidade administrativa (municpio), torna-se possvel construir uma plataforma de reivindicao regional; isto , estamos falando de um regionalismo poltico. Assim, a Baixada Fluminense produto, tambm, de uma representao do poder poltico local, que atribui um carter personificado a esta rea, constituindo, assim, a chamada Regio da Baixada Fluminense, que nada mais que a Baixada politicamente articulada em torno de interesses comuns. Ou seja, a Baixada Fluminense produto, tambm, da representao poltica do poder poltico local, que usa o imaginrio regional para construir, legitimar a existncia regional de um territrio da Baixada. Sobre essa construo, Castro (2005, p. 193) nos explica detalhadamente que:

    Enquanto representao da realidade, a regio faz parte do imaginrio social, mas ela tambm um espao de disputa de poder, base para essa representao que apropriada e reelaborada, tanto pela classe dominante como por outros grupos que se mobilizam para defender seus interesses territoriais.

    Nesse sentido, possvel entendermos os porqus de uma busca e de uma disputa sobre a legitimidade territorial de uma Baixada Fluminense. O feito da mobilizao sobre o territrio induz

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    necessidade de articul-lo politicamente para defender interesses polticos que no se restringem a uma proposta partidria, mas amplia o debate ao consenso de que, afirmar-se regionalmente se impor e garantir seus direitos sobre a seletividade espacial de alguns elementos que envolvem diferentes propostas, o que inclui garantir seus direitos na seletividade espacial das polticas pblicas. A primeira noo de um regionalismo poltico na Baixada Fluminense, como destaca Jorge Luiz Rocha (2000), remonta a necessidade de rediscutirmos inclusive a questo da apropriao da terra na Baixada Fluminense. Para Alves (1998;2003), a prpria histria de violncia que marca a Baixada remonta a esse perodo. Mas seria, sem dvida, com a figura poltica de Tenrio Cavalcanti que a Baixada Fluminense ganharia notoriedade no cenrio da poltica estadual do Rio de Janeiro. Barreto (2006) aponta uma cartografia poltica desenhada na Baixada Fluminense, que ganha, inclusive, uma visibilidade em cenrio nacional. Ao apresentar as figuras polticas de Jorge Gama, Jos Camilo Zito e Lindberg Farias, exemplifica como ocorre o tempo da poltica na Baixada, desenhada na maioria das vezes entre festas e guerras. Sobre as festas, faz-se meno ao suporte poltico dado nas campanhas eleitorais que so acompanhadas de um grande show com uma celebridade musical ou artista da grande mdia, que ocorre simultaneamente a idia de guerra. Essa guerra no apenas uma disputa entre dois ou mais candidatos sobre a alegoria poltica simplista, mas refere-se idia de um conflito real calado em ameaas, atentados e execues. Alessandra Barreto ainda salienta, na apresentao dessas figuras polticas, uma ida e vinda da poltica ou do percurso poltico desses personagens, que se associam diretamente com diferentes representaes da Baixada. De um lado percebe-se a emergncia do caso Zito, que sai da Baixada Fluminense para o Mundo, e de outro, o de Lindberg Farias, que sai do Mundo para a Baixada 5 . Esses percursos colocam em evidncia as faces e fases da poltica na Baixada, e apenas representa como o desenho poltico dessa rea se sistematiza em torno dos promotores polticos que fazem de sua imagem uma imagem representativa do territrio. De um lado a imagem de Jos Camilo Zito, oriunda da Baixada, que se destaca na gesto do municpio de maior pujana econmica no contexto metropolitano do Rio de Janeiro Duque de Caxias , que em dados do IBGE esteve no ano de 2000 entre as 10 cidades com maior PIB municipal. Essa imagem lhe favorece a condio de ser o deputado estadual mais votado nas ltimas eleies (2006), com 163.156 votos. Numa reportagem sobre estas eleies, o Jornal O Dia atribuiu a este a meno de Rei da Baixada 6 com uma espcie de personificao da Baixada com esse poltico. Mas nos perguntamos: que Baixada? De fato, essa meno uma representao do que se constri sobre a poltica na Baixada Fluminense, porm essa construo no apenas elaborada de uma representao interna de poder. H grupos sociais com interesses claros e distintos sobre a hegemonia poltica dessa rea da regio metropolitana. A questo apresentada se fundamenta, entre outros pontos, no simples fato de que quase 30 % do eleitorado fluminense residem nesta rea, o que lhes atribui como mdia pouco mais de 2,5 milhes de eleitores. nessa perspectiva que se percebe, no momento atual, um olhar mais apurado da disputa eleitoral nos domnios da Baixada Fluminense. nesse contexto que Alessandra Barreto apresenta Lindberg Farias do Mundo para Baixada. A figura poltica de Lindberg Farias, num primeiro momento, nada tem de representativo representao hegemnica de Baixada Fluminense. Uma vez tendo sua histria associada aos movimentos sociais estudantis, sua identidade poltica no se construiu nos moldes da representao de violncia e medo social que se consolida, durante muito tempo, na poltica da Baixada Fluminense. Porm, hoje,

    5 Apropriaes feitas dos ttulos dos captulos III e IV da tese de Doutorado de Alessandra Barreto (2006), cujo ttulo Cartografia Poltica: as faces e fases da Poltica na Baixada.6 Jornal o Dia. Eleies 2006. Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2006.

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    como atual prefeito de Nova Iguau, este representa a imagem de uma nova Baixada, de uma Baixada do progresso, que tem sob sua liderana atual a misso de lev-la ao progresso fundamentado no desenvolvimento econmico, que marca a Baixada na virada dos anos 2000 7. No entanto, precisamos ponderar que a construo de uma representao poltica de Baixada Fluminense frente imagem poltica de Lindberg tambm passa pelo crivo de uma legitimidade inventada, de uma representao que revela interesses de cunho poltico partidrio. Hoje ele lidera, alm da dita Baixada Poltica, a conhecida onda vermelha, que corresponde aos governos municipais que possuem o selo partidrio do Partido dos Trabalhadores (PT). Entre eles podemos citar: Belford Roxo (prefeito - Alcides Rolim); Mesquita (prefeito - Arthur Messias); e Paracambi (prefeito - Tarciso Gonalves Pessoa). importante afirmar que a necessidade de uma articulao de relaes territoriais na Baixada, como um discurso regionalista, consolida-se, em sua maior dimenso, no poder poltico local que necessita criar o vnculo territorial para manter suas manobras poltico-partidrias. Essa dimenso clara no primeiro projeto de uma associao de prefeitos da Baixada, a qual foi articulada nos anos de 1990 sob a liderana do prefeito Jorge Jlio Costa dos Santos, o Joca (MONTEIRO, 2002). Esse, por sua vez, tinha sua imagem poltica associada representao hegemnica de Baixada Fluminense e era considerado por muitos uma figura poltica de respeito 8. Essa respeitabilidade o deixou conhecido como o prefeito da Baixada Fluminense. O caso emblemtico e fatdico de sua morte constri no imaginrio popular de seu municpio de gesto, Belford Roxo, a representao de melhor prefeito. Porm, o que cabe destacar na meno deste momento a misso que este estava a cumprir. Referendamos, ento, o encontro que Joca teria com o ento governador do Estado, Marcelo Allencar, quando, supostamente, estes estariam articulando as bases polticas para as eleies a governador, cujo contedo ainda cheio de especulaes, porm entre elas reside a idia de que o Joca iria compor, sob tutela dos outros prefeitos da Baixada, uma candidatura a gesto do Governo Estadual juntamente com Marcelo Allencar. , ento, sem dvida, aps os anos de 1990 que a Baixada Fluminense ganha maior notoriedade nas polticas de governo que se sucederam. Assim emergem polticas territoriais que criam uma Baixada Fluminense em seus recortes de interveno, como o exemplo dos programas Nova Baixada e Baixada Viva (ver figura 1), e a criao de uma secretaria de governo da Baixada Fluminense que fosse capaz de criar um dilogo com o poder poltico local e o governo estadual. As representaes promovidas pelos programas governamentais servem, tambm, para estabelecer um espao de domnio e de ao em torno das polticas pblicas. Deixa-se, a, um impasse sobre o pertencimento de alguns municpios verdadeira Baixada. importante frisar que h, ento, um choque sobre a legitimidade e o domnio de uma Baixada Fluminense. Mas voltamos a questionar: que Baixada essa? Essa Baixada no est associada, apenas, s dimenses administrativas dos municpios, mas representao poltica que a nomenclatura Baixada Fluminense carrega. Essa representao se reflete na ambivalncia da composio territorial proposta por esses diferentes grupos que so de dentro e de fora da Baixada. nesse sentido que se torna complexa a indefinio territorial da Baixada, uma vez que sua composio est merc de diferentes representaes, que, em primeiro lugar, visam consolidar seus projetos de poder.

    7 Baseado na srie de reportagens sobre o desenvolvimento econmico da Baixada no caderno O Globo Baixada Viso Econmica 2008 de 29 de junho de 2008. Entre elas h a referncia ao crescimento industrial da Baixada Fluminense, sobre o qual Lindberg Farias concede entrevistas, apresentando suas polticas territoriais desenvolvidas nesse propsito.8 Entendemos aqui a fala de muitos dos moradores e polticos locais em duas perspectivas: a primeira associada aos feitos e atos polticos deste frente gesto municipal; a segunda relacionada aos atos polticos legitimados na fora e na violncia (ROCHA, 2006).

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    Como j exemplificado, a representao de um desses projetos, Nova Baixada 9, coloca, mais uma vez, outra composio territorial em sua unidade de planejamento, que por sua vez difere daquela Baixada poltica que, por seu turno, similar associao de prefeitos da Baixada. Existe, a, um intenso choque e tenso sobre a composio territorial da Baixada que, evidentemente, no se resume perspectiva poltica de uma Baixada organizada, mas, tambm, reside sua indefinio em estratgias tomadas por grupos locais na inteno de estabelecer suas representaes espaciais que, em maior ou menor grau, influenciam na indefinio da composio territorial da Baixada Fluminense.

    Concluindo... Muitas representaes para pensar uma geopoltica da incluso-excluso.

    Diante das questes apresentadas afirmamos que o problema da ambivalncia da sua composio territorial da Baixada deriva do proveito que esta indefinio traduz na disputa de legitimidades de grupos sociais, que tornam possvel a emergncia de diferentes representaes sobre a Baixada, que possuem em fim ltimo o domnio de uma rea, territrio. importante lembrar que tal ambivalncia do que a Baixada, imputa a alguns uma possibilidade de insero ou de auto-excluso na composio territorial da mesma. Neste sentido, pensamos que esta problemtica nos possibilita pensar uma Geopoltica da Incluso-excluso de alguns municpios, tendo em vista que alguns possuem o que chamamos de trunfo de legitimidade territorial (ROCHA, 2009). Este conceito designa, em sntese, o proveito que um dado territrio, e, portanto seu grupo social, possui de se incluir ou excluir de uma dada composio territorial, buscando se beneficiar das representaes ou projetos espaciais que esto ou sero desenvolvidas para uma dada composio territorial. Para a fundamentao da idia de trunfo de legitimidade territorial, partimos das proposies de Claude Raffestin, quando este menciona os trunfos de poder, que podem ser a populao, os recursos, a lngua e o prprio territrio. A idia de trunfo estaria baseada nas possibilidades de proveito para a retomada ou perpetuao do poder, o qual variaria de acordo com o grupo social, que sustentaria, em maior ou menor grau, essas bases de poder. Rogrio Haesbaert (2004) ainda complementa essa anlise, afirmando que a capacidade de gerir esses trunfos de poder estaria diretamente associada aos meios que esses grupos sociais possuem em canalizar suas foras e informaes, codificando, inclusive, a materialidade e a imaterialidade, a ao e o campo simblico. Neste sentido, haveria um ideal de poder a partir da gesto desses trunfos que, segundo Raffestin (1993, p.60), estariam no alicerce das representaes.

    O ideal de poder jogar exclusivamente com smbolos. talvez o que torna o poder frgil, no sentido de que cresce a distncia entre o trunfo real o referencial [Territrio] e o trunfo imaginrio o smbolo [representao]. (meno nossa)

    No caso da Baixada Fluminense, esse trunfo desenvolvido no jogo por alguns lderes polticos municipais na compensao de perdas e ganhos da trama de representao hegemnica da Baixada. A partir de entrevistas empricas realizadas entre janeiro e junho de 2009, constatamos a geopoltica da incluso-excluso como estratgia de alguns governos municipais para se beneficiar da imagem que predomina sobre determinada regio, composio territorial.

    9 O programa tem como objetivo melhorar a qualidade de vida da populao da Baixada Fluminense, particularmente suas condies de sade e saneamento bsico. Foram executados em alguns bairros dos municpios de Belford Roxo, Nova Iguau, Mesquita, Duque de Caxias e So Joo de Meriti. O programa ocorreu entre os anos de 1996 e 2005 (SEIG/DER-RJ).

  • A representao hegemnica da Baixada marca-se sobre os municpios oriundos do municpio de Nova Iguau e o Municpio de Mag 10. No entanto, quatro outros municpios satelizam a Representao Hegemnica da Baixada, e possuem trunfos de legitimidades que possibilitam se inserir ou excluir desta composio territorial. A saber: Paracamb, Seropdica, Itagua e Guapimirim (ver quadro sntese). importante salientar um item comum em trs dos municpios selecionados: tanto o municpio de Guapimirim, quanto Paracambi e Itagua se associam a outras regionalizaes devido promoo turstica. J que estamos trabalhando com representaes, importante lembrar que a prtica do turismo traduz, sobretudo, a venda de imagens dos lugares, ou seja, de suas representaes. por isso que grande parte das secretarias de turismo e cultura destes municpios possui a possibilidade de auto-excluso na composio da Baixada para a insero em uma regio mais propcia ao desenvolvimento de suas respectivas atividades. Em uma anlise geral do quadro sntese podemos apresentar duas posies distintas, a saber:

    I - Excluso - daqueles em que a representao hegemnica de Baixada Fluminense fere os objetivos principais da atividade econmica do turismo local, ou mesmo prejudica a imagem de desenvolvimento regional da unidade administrativa.

    II- Incluso pela necessidade de insero por falta de opo de um elo com outras composies ou mesmo a possibilidade de vantagens que a representao hegemnica da Baixada Fluminense pode oferecer.

    No primeiro grupo, podemos inserir o caso dos municpios de Paracambi, Itagua e Guapimirim, e no segundo o exemplo do municpio de Seropdica, que inclusive passa pela necessidade de inventar uma tradio cultural para o pertencimento a composio da Baixada Fluminense 11.

    10 Os municpios de Nova Iguau, Duque de Caxias, Mesquita, Belford Roxo, Nilpolis, So Joo de Meriti, Japer, Queimados e Mag esto presentes em diferentes representaes sobre a Baixada. Essa definio se construiu a partir da sntese das histria territorial comum a esses mu-nicpios analisadas dentro de um materialismo histrico-dialtico. Somando-se as representaes de trs sujeitos da Baixada Fluminense Genesis Torres, Manoel Simes e Jos Cludio Alves; mais as representaes difundidas pela IPAHB e APPH-CLIO; e as prticas de polticas pblicas da antiga FUNDREM (ROCHA, 2009).11 importante lembrar uma das prticas espaciais que compem o processo de ao de diferentes grupos sociais no espao, a fragmen-tao - remembramento, revela a dimenso de uma geopoltica da incluso-excluso.

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  • Quadro 1 Comparativos dos municpios em seus trunfos na geopoltica da incluso-excluso na composio da Baixada Fluminense.

    Municpio

    Outra composio associada/

    vantagem da integrao

    Fator de integrao Baixada

    Trunfos de excluso na composio de Baixada

    Guapimirim Regio Serrana/ promoo turstica e cultural

    Investimentos econmicos dos rgos planejadores

    Baixada Poltica Associao dos prefeitos da Baixada

    Representao associada violncia e aos problemas sociais.

    Formao da regio turstica da regio Serrana.

    Formao Geomorfolgica Hibrida (parte de Baixada, parte Serrana).

    Paracambi

    Regio Vale do caf/ promoo turstica e

    cultural

    Investimento de rgos planejadores

    Baixada Poltica Associao dos prefeitos da Baixada.

    Representao associada violncia e aos problemas sociais.

    Desenvolvimento de polticas econmicas em torno do ecoturismo e turismo cultural, mais propcio ao Vale

    do Caf.

    Impasses estruturais na formao de uma regio turstica da Baixada

    Fluminense.

    Origem poltico-territorial diferente das terras da antiga Vila de Iguass.

    Itagua

    Regio da Costa Verde/ Promoo

    Turstica

    Regio porturia - consolidao de sua

    condio singular.

    Investimento de rgos planejadores.

    Representao associada a violncias e aos problemas sociais.

    Crescimento econmico dinamizao proposta pela condio

    porturia.

    Desenvolvimento de um turismo local, ligado regio turstica da Costa

    Verde.

    Origem poltico-territorial diferente das terras da antiga Vila de Iguass.

    Seropdica Baixada Fluminense

    Investimentos econmicos dos rgos planejadores.

    Construo de identidade cultural.

    Histria de violncia que vinculada cidade de

    Seropdica.

    Origem poltico-territorial diferente das terras da antiga Vila de Iguass.

    Organizado por Andr Rocha (fonte - entrevistas realizadas por gestores das reas de turismo, cultura e desenvolvimento urbano das respectivas

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  • Em sntese, os exemplos apresentados no so quesitos permanentes, porm so indicativos dos problemas da indefinio de o que ou no Baixada. As informaes apontadas nos permitem projetar um mapa que expressa essa ambivalncia presente na composio territorial da Baixada Fluminense, destacando os municpios fluminenses envolvidos nessa geopoltica da incluso-excluso (ver figura 1).

    Pensar a construo da representao hegemnica da Baixada Fluminense, em associao ao que se perde na incluso ou excluso de municpios no mbito dessa representao de composio territorial, contribui para interpretarmos a existncia de diferentes representaes territoriais da Baixada. Essas representaes tm sua base de reproduo nos interesses dos diferentes grupos sociais. A concepo que lanamos de uma geopoltica da incluso-excluso , ento, entendida no jogo dessas representaes. Essa geopoltica vai ao encontro daquilo que Felix Guatarri (2004) aborda em sua cartografia do desejo, onde at mesmo o sentido dado s coisas, pensando a na esfera simblica, capaz de conduzir atos polticos que almejam a conquista de poderes. Dessa forma, torna-se ainda mais complexo e sutil o entendimento de uma composio territorial. A Baixada Fluminense, enquanto tal, recortada por desejos diversos que, ao se imbricarem, fomenta distinta Baixadas. A idia de incluso ou excluso de municpios no conjunto de uma Baixada Fluminense se vislumbra nos interesses de diferentes grupos sociais que mascaram, ou dificultam uma leitura apurada dessa poltica do espao que se desenha nesta parcela do Estado do Rio de Janeiro.

    Figura1 - Baixada Fluminense: geopoltica da incluso-excluso.Organizado por Andr S. Rocha(2009).

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    REVISTA PILARES DA HISTRIA - DUQUE DE CAXIAS BAIXADA FLUMINENSE

  • Referncias Bibliogrficas

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