1312 Outline of US Government Portuguese Digital

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P A N O R A M A D O Governo dos EUA DEPART AMEN TO DE ESTADO DOS ESTADOS UNIDOS BUREAU DE PROGRAMAS DE INFORMAÇÕES INTERNACIONAIS

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Transcript of 1312 Outline of US Government Portuguese Digital

  • P A N O R A M A D O

    Governo dos EUA

    D E PA R TA M E N T O D E E S TA D O D O S E S TA D O S U N I D O SB U R E A U D E P RO G R A M A S D E I N F O R M A E S I N T E R N AC I O N A I S

  • Revisado em 2013 pelo Bureau de Programas de Informaes InternacionaisDepartamento de Estado dos EUA

    Impresso ISBN 978-1-625-92038-6ePub ISBN 978-1-625-92039-3mobi ISBN 978-1-625-92040-9

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  • P A N O R A M A D O

    Governo dos EUA N D I C E

    CAPTULO UM

    A Constituio: um documento duradouro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

    CAPTULO DOIS

    Explicando a Constituio: os Documentos Federalistas . . . . . . . . . . 30

    CAPTULO TRS

    O Poder Executivo: os poderes da Presidncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

    CAPTULO QUATRO

    O Poder Legislativo: o alcance do Congresso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    CAPTULO CINCO

    O Poder Judicirio: interpretando a Constituio . . . . . . . . . . . . . . . . 82

    CAPTULO SEIS

    Decises histricas da Suprema Corte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

    CAPTULO SETE

    Um pas de muitos governos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

    CAPTULO OITO

    Governo do povo: o papel do cidado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112

    Leituras complementares sobre o Governo dos EUA . . . . . . . . . . . . 128

  • Esta disposio est contemplada em uma

    Constituio destinada a subsistir a muitas

    geraes futuras e, consequentemente, ser

    adaptada aos vrios perodos de crise.

    JOHN MARSHALL, PRESIDENTE DA SUPREMA CORTE DOS EUAMCCULLOCH CONTRA MARYLAND, 1819

  • 1C A P T U L O U M

    A C O N S T I T U I O : U M D O C U M E N T O D U R A D O U R O

    A Constituio dos Estados Unidos o instrumento central do governo americano e a lei suprema do pas. H mais de 225 anos ela tem guiado a evoluo das instituies pblicas e fornecido as bases para a estabilidade poltica, a liberdade individual, o crescimento econmico e o progresso social.

    A Constituio dos EUA a mais antiga constituio escrita ainda em vigor e tem servido de modelo para um grande nmero de outras constituies em todo o mundo. A Constituio deve seu poder de permanncia sua sim-plicidade e flexibilidade. Elaborada originalmente no final do sculo 18 para fundamentar as diretrizes de governo para 4 milhes de habitantes em 13 es-tados da costa atlntica da Amrica do Norte, suas disposies bsicas foram to solidamente concebidas que, com somente 27 emendas, ela agora atende s necessidades de mais de 309 milhes de americanos em 50 estados ainda mais diversos entre si, que se estendem do Oceano Atlntico ao Pacfico.

    O caminho para a Constituio no foi nem direto nem fcil. Um docu-mento preliminar surgiu em 1787, mas somente depois de intensos debates e seis anos de experincia como Unio federal. As 13 colnias inglesas da Amrica do Norte declararam sua independncia da Coroa Britnica em 1776. Um ano antes, havia estourado a guerra entre as colnias e a Gr-Bretanha, uma guerra pela independncia que se prolongou por seis amargos anos. Enquanto ainda estavam em guerra, as colnias que passaram a se autodenominar Estados Unidos da Amrica redigiram um pacto que as unia como nao. O pac-to, denominado Artigos da Confederao e Unio Perptua, foi adotado por um congresso dos estados em 1777 e assinado formalmente em julho de 1778. Os Artigos tornaram-se obrigatrios quando foram ratificados pelo 13o estado, Maryland, em maro de 1781.

    Os Artigos da Confederao conceberam uma associao vaga entre os estados e instituram um governo federal com poderes bastante limitados. Em assuntos cruciais como defesa, finanas pblicas e comrcio, o governo federal estava merc dos legislativos estaduais. No era um acordo que favorecesse a estabilidade ou o fortalecimento. Dentro de pouco tempo a fragilidade da confederao ficou aparente a todos. Poltica e economicamente, a nova nao

  • 6 captulo um

    estava beirando o caos. Nas palavras de George Washington, que se tornaria o primeiro presidente dos Estados Unidos em 1789, os 13 estados estavam uni-dos apenas por uma corda de areia.

    Foi sob essas circunstncias nada auspiciosas que a Constituio dos Esta-dos Unidos foi elaborada. Em fevereiro de 1787, o Congresso Continental, or-ganismo legislativo da repblica, emitiu uma convocao para que os estados enviassem delegados Filadlfia, no estado da Pensilvnia, para revisar os Ar-tigos. A Conveno Constitucional reuniu-se em 25 de maio de 1787, no Salo da Independncia, onde a Declarao de Independncia havia sido adotada 11 anos antes, em 4 de julho de 1776. Embora os delegados estivessem

  • A Constituio: um documento duradouro 7

    autorizados a somente emendar os Artigos da Confederao, eles os deixa-ram de lado e passaram a elaborar uma carta para uma forma de governo in-teiramente nova e mais centralizada. O novo documento, a Constituio, foi finalizado em 17 de setembro de 1787 e adotado oficialmente em 4 de maro de 1789.

    Entre os 55 delegados que elaboraram a Constituio estava a maioria dos principais lderes ou fundadores da nova nao. Eles representavam uma extensa gama de interesses, origens e ocupaes. Todos concordaram, en-tretanto, com os objetivos centrais expressos no prembulo da Constituio: Ns, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma Unio mais perfeita,

    Neste quadro intitulado The Foundation of American Government, George Washington debrua-se sobre a mesa de trabalho para acompanhar a assinatura da Constituio dos EUA por um delegado, ambos observados por outros delegados na Conveno Constitucional

  • 8 captulo um

    estabelecer a justia, assegurar a tranquilidade interna, prover a defesa co-mum, promover o bem-estar geral e garantir a ns e a nossos descendentes os benefcios da liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituio para os Estados Unidos da Amrica.

    Unindo um povo heterogneoO principal objetivo da Constituio foi criar um governo eleito forte, que res-pondesse diretamente vontade do povo. O conceito de autogoverno no sur-giu com os americanos; alis, uma forma de autogoverno existia poca, na Inglaterra. Porm, o grau com o qual a Constituio comprometeu os Estados Unidos a governar pelo povo foi singular, e at revolucionrio, em comparao com outros governos do mundo. Quando a Constituio foi adotada, os ame-ricanos j possuam experincia considervel na arte do autogoverno. Muito antes de a independncia ser declarada, as colnias eram unidades governa-mentais funcionais, controladas pelo povo. E quando a revoluo comeou entre 1o de janeiro de 1776 e 20 de abril de 1777 10 dos 13 estados haviam adotado suas prprias constituies. A maioria dos estados tinha um governa-dor eleito pelo Legislativo estadual. E o Legislativo era eleito pelo voto popular.

    Os Artigos da Confederao haviam tentado unificar esses estados auto-governados. A Constituio, por outro lado, estabelecia um governo central, ou federal, forte, com amplos poderes para regular as relaes entre os estados e com responsabilidade exclusiva sobre reas como relaes exteriores e defesa.

    Muitas pessoas tiveram dificuldade em aceitar a centralizao. Os Esta-dos Unidos tinham sido formados em grande parte por europeus que haviam deixado a terra natal para escapar de opresses religiosas ou polticas, assim como dos rgidos padres econmicos do Velho Mundo que prendiam as pessoas em um determinado patamar social independentemente de suas ha-bilidades e potenciais. Esses colonos tinham a liberdade pessoal em grande conta e desconfiavam de qualquer poder especialmente do governo que pudesse restringir as liberdades individuais.

    A diversidade da nova nao revelou-se tambm um imenso obstculo unio. As pessoas que ganharam poder da Constituio no sculo 18 para eleger e controlar o governo central representavam diferentes origens, credos e interesses. A maioria era proveniente da Inglaterra, mas Sucia, Noruega, Frana, Holanda, Prssia, Polnia e muitos outros pases tambm enviaram imigrantes para o Novo Mundo. Suas crenas religiosas eram as mais diversas e, na maioria dos casos, frreas. Havia anglicanos, catlicos romanos, calvi-nistas, huguenotes, luteranos, quakers, judeus. Econmica e socialmente, os americanos englobavam desde a aristocracia fundiria at os escravos trazidos da frica, passando pelos servos por contrato que trabalhavam para pagar suas dvidas. Mas a espinha dorsal do pas era a classe mdia agricultores, comer-ciantes, mecnicos, marinheiros, construtores navais, teceles, carpinteiros e muitos outros.

  • A Constituio: um documento duradouro 9

    Os americanos naquela poca, como hoje, tinham opinies muito diferentes sobre praticamente todos os assuntos, inclusive sobre se seria sensato se libertar da Coroa Britnica. Durante a Revoluo Americana um grande nmero de par-tidrios da Coroa Britnica conhecidos como legalistas ou tories deixou o pas, estabelecendo-se no leste do Canad em sua grande maioria. Os que ficaram formaram um forte bloco de oposio, embora discordassem entre si sobre as ra-zes de se oporem revoluo e que acordos deveriam ser selados com a nova repblica.

    Nos dois ltimos sculos, a diversidade do povo americano aumentou e, mesmo assim, a unidade essencial da nao fortaleceu-se. Por todo o sculo 19 at incio do sculo 21, um intenso fluxo de imigrantes contribuiu com suas ha-bilidades e heranas culturais para o crescimento da nao. Os pioneiros cruza-ram os Montes Apalaches no leste, colonizaram o Vale do Mississippi e as Gran-des Plancies na rea central do continente e depois cruzaram as Montanhas Rochosas para chegar costa do Oceano Pacfico 4,5 mil quilmetros a oeste das reas costeiras do Atlntico, onde se estabeleceram os primeiros colonos. E conforme a nao se expandia, seus recursos naturais tornaram-se aparentes a todos: grandes extenses de madeira virgem; imensas reservas de carvo, cobre, ferro e petrleo; recursos hdricos abundantes; e solo frtil.

    A riqueza da nova nao acabou por gerar seu prprio tipo de diversida-de. Surgiram grupos de interesse regional e comercial. Proprietrios de navios

    Gravura do sculo 18 mostra cidados da Filadlfia do lado de fora do Salo da Independncia, onde foi redigida a Constituio dos EUA em 1787

  • 10 captulo um

    da Costa Leste defendiam o livre comrcio. Fabricantes do Meio-Oeste exigiam taxas de importao para proteger suas posies no crescente mercado dos Es-tados Unidos. Agricultores queriam taxas de frete baixas e preos altos para as mercadorias; donos de moinhos e pastifcios queriam gros com preos baixos; operadores de estradas de ferro queriam as maiores taxas de frete possveis. Ban-queiros de Nova York, produtores sulistas de algodo, pecuaristas do Texas e madeireiros do Oregon tinham todos diferentes opinies sobre a economia e o papel do governo quanto sua regulamentao.

    Foi trabalho contnuo da Constituio e do governo criado por ela unificar esses interesses to dspares para criar interesses em comum e, ao mesmo tem-po, proteger os direitos fundamentais de todos.

    Em comparao com as complexidades do governo dos dias de hoje, os problemas de governar 4 milhes de pessoas em condies econmicas muito menos desenvolvidas parecem realmente pequenos. Mas os autores da Cons-tituio estavam construindo tanto para o futuro quanto para o presente. Eles estavam profundamente cientes da necessidade de uma estrutura de governo que funcionasse no apenas para poca deles, mas tambm para as geraes futuras. Dessa forma, incluram uma disposio na Constituio que permitia que o documento fosse emendado quando as condies sociais, econmicas e polticas assim o exigissem. Desde a ratificao, 27 emendas foram aprovadas, e a flexibilidade da Constituio provou ser um de seus pontos mais fortes. Sem essa flexibilidade, seria inconcebvel que um documento redigido h mais de 225 anos pudesse efetivamente atender s necessidades de 309 milhes de pes-soas e milhares de unidades governamentais em todos os nveis dos Estados Unidos de hoje. Nem poderia ser aplicado com igual fora e preciso aos pro-blemas de pequenas e grandes cidades.

    A Constituio e o governo federal encontram-se no topo de uma pir-mide governamental que inclui jurisdies municipais e estaduais. No sistema dos EUA, cada nvel de governo possui um alto grau de autonomia com deter-minados poderes reservados especialmente para si. Disputas entre as diferentes jurisdies so resolvidas pelos tribunais. Entretanto, h questes que envol-vem o interesse nacional e requerem cooperao simultnea de todos os nveis de governo, e isso tambm est previsto na Constituio. As escolas pblicas americanas, por exemplo, so na maior parte administradas por jurisdies lo-cais, observando padres estaduais. Mas o governo federal tambm auxilia as escolas, uma vez que a alfabetizao e o desempenho escolar so questes de vital interesse nacional, aplicando normas uniformes destinadas a promover igualdade de oportunidades educacionais. Em outras reas, como habitao, sade e bem-estar social, existe uma parceria semelhante entre os vrios nveis de governo.

    Nenhum produto da sociedade humana perfeito. Apesar das emendas, a Constituio dos Estados Unidos provavelmente ainda contm imperfeies que se tornaro evidentes em perodos futuros de tenso. Porm, dois sculos

  • A Constituio: um documento duradouro 11

    de crescimento e prosperidade sem igual provaram a viso dos 55 homens que trabalharam durante todo o vero de 1787 para lanar as bases do governo ame-ricano. Nas palavras de Archibald Cox, ex-advogado-geral dos Estados Unidos, a Constituio original ainda nos serve bem apesar das enormes mudanas em todos os aspectos da vida americana, porque seus formuladores tiveram a genialidade de dizer o suficiente, mas no em demasia. (...) Com o xito do plano traado pela Conveno Constitucional, medida que o pas crescia e prosperava tanto materialmente quanto na realizao de seus ideais, a Consti-tuio ganhou grandeza e autoridade muito maiores do que qualquer pessoa ou grupo de pessoas.

    Redigindo a ConstituioO perodo entre a adoo dos Artigos da Confederao em 1781 e a redao da Constituio em 1787 revelou fraquezas, divergncias e turbulncias. Nos Ar-tigos da Confederao no havia disposies para um Poder Executivo aplicar as leis nem para um sistema judicirio nacional interpret-las. Um congresso legislativo era o nico rgo do governo federal, mas no tinha poder para obrigar os estados a fazer qualquer coisa contrria vontade deles. Ele podia teoricamente declarar guerra e convocar um exrcito, mas no podia obrigar nenhum estado a cumprir sua cota determinada de soldados ou de

    Nesta cena de um quadro do artista americano Henry Bacon, Benjamin Franklin (sentado, de frente para o espectador) discute a redao da Constituio dos EUA com Alexander Hamilton e outros na residncia de Franklin na Filadlfia

  • 12 captulo um

    armas e equipamentos necessrios para apoiar esse exrcito. Ele contava com os estados para financiar essas atividades, mas no podia punir um estado por no contribuir com sua parte no oramento federal. O controle dos impostos e tarifas ficava a cargo dos estados, e cada estado podia emitir sua prpria moe-da. Nas disputas entre estados e havia muitas questes no resolvidas sobre fronteiras estaduais o Congresso fazia o papel de mediador e juiz, mas no podia exigir que os estados acatassem suas decises.

    O resultado era um verdadeiro caos. Sem o poder de cobrar impostos, o governo federal afundou-se em dvidas. Sete dos 13 estados emitiram grandes quantidades de papel-moeda com alto valor de face, mas baixo poder de compra real para pagar os veteranos da Guerra da Independncia e uma

    Representao artstica da Rebelio

    de Shays mostra milicianos atacando

    insurgentes. Este levante rural em

    Massachusetts chamou a ateno para a fragilidade

    do governo central sob os Artigos da Confederao e contribuiu para o movimento

    de elaborao de uma nova Constituio

  • A Constituio: um documento duradouro 13

    diversidade de credores, alm de quitar dvidas de pequenos agricultores com grandes proprietrios de terra.

    Em contrapartida, o Legislativo de Massachusetts imps uma moeda rigidamente controlada e altos impostos, desencadeando a formao de um pequeno exrcito de agricultores liderado por Daniel Shays, ex-capito do Exrcito que lutara na Guerra da Independncia. Com o propsito de tomar a Assembleia Legislativa de Massachusetts, Shays e outros exigiram que em-bargos e hipotecas injustas fossem eliminados. Tropas foram chamadas para conter a rebelio, mas a situao atraiu a ateno do governo confederado.

    A falta de uma moeda nica e estvel tambm atrapalhava o comrcio entre os estados e com outros pases. No somente o valor das cdulas variava de estado para estado, mas alguns estados (como Nova York e Virgnia) co-bravam taxas sobre os produtos provenientes de outros estados, provocando aes de retaliao. Os estados podiam afirmar, como fez o superintendente das Finanas confederado, que nosso crdito pblico se esgotou. Agravando os problemas, esses novos estados independentes, tendo se separado violen-tamente da Inglaterra, deixaram de receber tratamento vantajoso nos portos britnicos. Quando o embaixador americano John Adams tentou negociar um tratado comercial em 1785, os britnicos se recusaram alegando que os estados individualmente no estariam obrigados a respeit-lo.

    Um governo central fraco, sem poder de fazer valer suas polticas pelo apoio de uma fora militar, ficava tambm enfraquecido nas relaes exterio-res. Os britnicos recusaram-se a retirar suas tropas dos fortes e postos de co-mrcio do Territrio Noroeste do novo pas, diferentemente do que haviam concordado fazer no tratado de paz assinado em 1783 que marcou o final da Guerra da Independncia. Para piorar as coisas, os oficiais britnicos das fron-teiras ao norte e os oficiais espanhis ao sul forneciam armas a vrias tribos indgenas, encorajando-as a atacar os colonos americanos. Os espanhis, que controlavam a Flrida, a Louisiana e todo o territrio a oeste do Rio Mississi-ppi, tambm recusavam-se a permitir que os agricultores do Oeste usassem o porto de Nova Orleans para despachar seus produtos.

    Embora houvesse sinais de retorno da prosperidade em algumas reas da jovem nao, os problemas internos e externos continuavam a crescer. Tor-nou-se cada vez mais claro que o governo central confederado no era forte o bastante para estabelecer um sistema financeiro slido, regular o comrcio, fazer valer os tratados ou aplicar a fora militar contra adversrios estrangei-ros quando necessrio. As divises internas entre agricultores e comerciantes, devedores e credores e entre os prprios estados estavam se agravando. Com a imagem viva da rebelio de 1786 dos agricultores liderados por Shays, George Washington alertou: H combustvel suficiente em cada estado para inflamar- se com uma pequena fasca.

    Essa sensao de desastre poltico e necessidade de mudana drsti-ca permeou todo o perodo da Conveno Constitucional que iniciou suas

  • 14 captulo um

    deliberaes em 25 de maio de 1787. Todos os delegados estavam convenci-dos de que um governo central eficaz com amplos poderes executivos deveria substituir o Congresso impotente estabelecido pelos Artigos da Confederao. No incio dos trabalhos, os delegados concordaram que o novo governo deve-ria ser composto por trs poderes distintos Legislativo, Judicirio e Execu-tivo cada qual com poderes independentes para contrabalanar aqueles dos outros dois poderes. Ficou tambm acordado que o Poder Legislativo tal qual o Parlamento Britnico seria composto de duas casas.

    Alm desse ponto, entretanto, havia acentuadas diferenas de opinio que ameaavam desmantelar a conveno e interromper os trabalhos antes que a Constituio fosse redigida. Os estados maiores eram a favor da representao proporcional no Legislativo cada estado teria poder de voto de acordo com sua populao. Os estados menores, temendo serem dominados pelos maio-res, insistiam em representao igualitria para todos os estados. A questo foi resolvida pela Grande Conciliao, medida que deu a cada estado represen-tao igual em uma casa do Congresso e representao proporcional na outra. No Senado, cada estado teria duas cadeiras. Na Cmara dos Deputados, o n-mero de cadeiras dependeria da populao. Por considerar-se que respondia

    Gouverneur Morris, da Pensilvnia, presidiu a comisso que redigiu a verso final da Constituio

  • A Constituio: um documento duradouro 15

    mais opinio da maioria, a Cmara dos Deputados ficou com o poder de criar toda a legislao a respeito do oramento e das receitas federais.

    A Grande Conciliao acabou com a rixa entre os estados grandes e pe-quenos, e durante todo o longo vero os delegados acertaram inmeros outros acordos. Alguns delegados, temendo dar poder demais ao povo, eram a favor de eleies indiretas para todas as autoridades federais; outros almejavam uma base eleitoral o mais ampla possvel. Alguns queriam excluir a possibilidade de os territrios a oeste virem a se tornar estados futuramente; outros viam a fora futura da nao nas terras virgens alm dos Apalaches. Havia interesses regionais a serem ponderados; vises diferentes a serem conciliadas quanto ao mandato, poderes e mtodo de escolha do presidente; e ideias conflitantes a respeito do papel do Judicirio federal.

    A alta qualidade dos delegados da conveno facilitou o caminho para os acordos. Somente alguns dos grandes lderes da Revoluo Americana es-tavam ausentes: Thomas Jefferson e John Adams ambos futuros presiden-tes estavam servindo como enviados dos Estados Unidos Frana e In-glaterra; John Jay estava ocupado como secretrio das Relaes Exteriores da confederao. Outros, inclusive Samuel Adams e Patrick Henry, optaram por no participar, acreditando que a estrutura governamental existente era slida. Daqueles que participaram, o mais conhecido era de longe George Washing-ton, comandante das tropas americanas e heri da revoluo, que presidiu a conveno. Benjamin Franklin, o sbio velho cientista, acadmico e diplomata, tambm estava presente. Tambm estavam l homens admirveis como James Madison, da Virgnia, Gouverneur Morris, da Pensilvnia, e Alexander Hamil-ton, o jovem e brilhante advogado de Nova York.

    Mesmo os delegados mais jovens, ainda em seus 20 e 30 anos, j mos-travam talentos polticos e intelectuais. Como escreveu Thomas Jefferson em Paris a John Adams em Londres: de fato uma assembleia de semideuses.

    Algumas das ideias incorporadas Constituio eram novas, mas mui-tas foram tiradas da tradio governamental britnica e da experincia prtica de autogoverno dos 13 estados. A Declarao de Independncia foi um guia importante, mantendo a mente dos delegados fixa nas ideias de autogoverno e preservao dos direitos humanos fundamentais. As obras de filsofos polti-cos europeus, como Montesquieu e John Locke, tambm influenciaram.

    No final de julho a conveno nomeou uma comisso para elaborar um documento com base nos acordos alcanados. Aps mais um ms de discus-ses e aprimoramentos, outra comisso, encabeada por Gouverneur Morris, produziu a verso final, enviada para assinatura em 17 de setembro. Nem to-dos os delegados ficaram satisfeitos com os resultados; alguns abandonaram a cerimnia e trs dos presentes recusaram-se a assinar: Edmund Randolph e George Mason, da Virgnia, e Elbridge Gerry, de Massachusetts. Dos 39 que assinaram, provavelmente nenhum estava totalmente satisfeito, e suas opinies foram habilmente resumidas por Benjamin Franklin, que disse: H vrias

  • 16 captulo um

    partes desta Constituio com as quais no concordo no momento, mas no tenho certeza de que nunca virei a aprov-las. Ele aceitaria a Constituio, no entanto, porque no espero nada melhor e porque no tenho certeza de que no o melhor.

    Ratificao: um novo comeoO caminho estava ento preparado para o rduo processo de ratificao, isto , a aceitao da Constituio por pelo menos nove estados. Delaware foi o primei-ro, logo seguido por Nova Jersey e Gergia. A aprovao foi obtida por maiorias confortveis na Pensilvnia e em Connecticut. Um debate acirrado se deu em Massachusetts. O estado por fim condicionou sua ratificao adio de dez emendas que garantiam alguns direitos fundamentais, como liberdade de reli-gio, de expresso, de imprensa e de reunio; o direito a julgamento por jri; e a proibio de buscas ou prises arbitrrias. Vrios outros estados acrescentaram disposies semelhantes, e as emendas hoje conhecidas como Declarao de Direitos foram incorporadas Constituio em 1791.

    No final de junho de 1788, Maryland, Carolina do Sul e New Hampshire tambm consentiram, atendendo a exigncia de ratificao por nove estados. Legalmente, a Constituio estava em vigor. Mas dois estados poderosos e de-cisivos Nova York e Virgnia continuavam indecisos, tanto quanto dois outros estados menores, Carolina do Norte e Rhode Island. Era claro que sem o consentimento de Nova York e da Virgnia a Constituio estaria apoiada em bases instveis.

    A Virgnia estava profundamente dividida, mas a influncia de George Washington a favor da ratificao levou o Legislativo estadual a aprov-la por uma pequena margem em 26 de junho de 1788. Em Nova York, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay produziram uma extraordinria srie de justificativas em prol da Constituio os Documentos Federalistas e con-seguiram aprovao por uma pequena margem de votos em 26 de julho. Em novembro de 1789, a Carolina do Norte deu seu consentimento. Rhode Island no ratificou o documento at 1790, quando sua posio como estado pequeno e fraco, cercado por uma grande e poderosa repblica tornou-se insustentvel.

    O processo de organizar o governo foi iniciado logo aps a ratificao da Virgnia e de Nova York. Em 13 de setembro de 1788, o Congresso determi-nou que a cidade de Nova York abrigaria a sede do novo governo. (A capital foi transferida para a Filadlfia em 1790 e para Washington, DC, em 1800.) Ficou ainda determinado que a primeira quarta-feira de janeiro de 1789 seria o dia para a escolha dos eleitores presidenciais do Colgio Eleitoral, a primei-ra quarta-feira de fevereiro para a reunio dos eleitores do Colgio Eleitoral escolherem o presidente e a primeira quarta-feira de maro para a sesso de abertura do novo Congresso.

    Segundo a Constituio, os legislativos estaduais tinham o poder de de-cidir como os eleitores presidenciais, assim como os deputados e senadores,

  • Quando o nmero suficiente de delegados para compor o qurum chegou Filadlfia para a Conven-o Constitucional, George Washington foi eleito seu presidente por unanimidade. Ele aceitou a honra com relutncia, alegando falta de qualificao. Seu pronunciamen-to inicial foi dirigido ao orgulho e ao idealismo dos membros da conveno: Estabeleamos um padro que possa ser ajustado pelos sbios e honestos.

    Como presidente da Conveno Constitucional, Washington mostrou- se firme e corts, mas impassvel, no tomando partido nas discusses at o ltimo dia dos trabalhos. Sua postura,

    tanto fsica quanto moral, causava tanta impresso que um delegado observou ser Washington o nico homem em cuja presena sinto alguma reverncia.

    O apoio de Washington a uma Unio forte estava enraizado em sua experincia como comandante em chefe do Exrcito Continental durante a Revoluo Americana. Ele relembrou sua tentativa de persuadir os soldados de Nova Jersey a jurar lealdade aos Estados Unidos. Eles se recusaram, dizendo Nova Jersey o nosso pas!. Durante um recesso da conveno, Washington retornou a Valley Forge, na Pensilvnia, campo de batalha prximo onde suas tropas haviam enfrentado um inverno rigoroso na revoluo, porque os estados relutavam em colaborar com a causa geral.

    Quando a conveno terminou e o processo de ratificao foi iniciado, Washington abandonou seu silncio e trabalhou com vigor a favor da Constituio, ajudando a persuadir vrios opositores de seu estado natal da Virgnia a mudar de opinio. Ele reconheceu a eficcia dos crticos ao apresentar a Declarao de Direitos (que mais tarde se transformou nas dez primeiras emendas) ao eleitorado. Ao mesmo tempo, pres-tou homenagem a James Madison e Alexander Hamilton pelo apoio Constituio nos Documentos Federalistas, quando escreveu que eles lanaram nova luz sobre a cincia do governo; permitiram que os direitos do homem fossem discutidos de maneira plena e justa, explicando-os de uma forma to clara e convincente que seria impossvel no deixar uma impresso duradoura.

    Washington e a Conveno Constitucional

    George Washington como comandante em chefe do Exrcito Continental

  • 18 captulo um

    seriam escolhidos. Alguns estados optaram por eleies diretas pelo povo, outros por eleio pelo Legislativo e poucos por uma combinao dessas duas situaes. As rivalidades eram profundas; os atrasos para a realizao das primeiras eleies nos moldes da nova Constituio eram inevitveis. Nova Jersey, por exemplo, optou por eleies diretas, mas acabou no deter-minando o horrio de fechamento das urnas, que ficaram abertas por trs semanas.

    A implementao total e final da Constituio foi marcada para 4 de mar-o de 1789. Mas, at aquela data, somente 13 dos 59 deputados e 8 dos 22 senadores haviam chegado cidade de Nova York. (As cadeiras destinadas Carolina do Norte e a Rhode Island no seriam preenchidas at que esses esta-dos tivessem ratificado a Constituio.) O qurum foi finalmente alcanado na Cmara em 1o de abril e no Senado em 6 de abril. As duas casas ento fizeram uma sesso conjunta para contar os votos do Colgio Eleitoral.

    No surpreendentemente, George Washington foi eleito por unanimi-dade o primeiro presidente e John Adams, de Massachusetts, vice-presidente. Adams chegou a Nova York em 21 de abril, e Washington, em 23 de abril. Eles tomaram posse no dia 30 de abril de 1789. A tarefa de estabelecer o novo governo estava terminada. A tarefa de manter a primeira repblica do mundo tinha apenas comeado.

    A Constituio como lei supremaA Constituio dos EUA intitula-se a lei suprema da nao. Segundo a in-terpretao dos tribunais, essa clusula significa que sempre que as cons-tituies estaduais ou as leis aprovadas pelos legislativos estaduais ou pelo Congresso Nacional entrarem em conflito com a Constituio federal, elas deixam de ter fora de lei. As decises tomadas pela Suprema Corte nos l-timos dois sculos tm confirmado e reforado essa doutrina da supremacia da Constituio.

    O povo americano est investido da autoridade final e pode mudar a lei fun-damental, se assim o quiser, por meio de uma emenda Constituio ou pelo menos teoricamente da redao de uma nova Constituio. O povo, contudo, no exerce seu poder diretamente. Ele delega a atividade diria de governar s autoridades pblicas, eleitas ou nomeadas.

    O poder exercido pelas autoridades pblicas limitado pela Constitui-o. Suas aes pblicas devem obedecer Constituio e s leis formuladas de acordo com a Constituio. As autoridades pblicas eleitas devem candi-datar-se reeleio a intervalos peridicos, ocasio em que seu desempenho estar sujeito a intenso escrutnio pblico. As autoridades nomeadas prestam servios a critrio da pessoa ou da autoridade que as nomeou e podem ser destitudas do cargo a qualquer tempo. Exceo a essa regra a nomeao vitalcia pelo presidente dos juzes da Suprema Corte e de outros juzes fe-derais, para que possam ficar imunes a obrigaes ou influncias polticas.

  • A Constituio: um documento duradouro 19

    De maneira geral, o povo americano expressa sua vontade atravs das urnas. A Constituio, contudo, prev o afastamento de uma autoridade pblica de seu cargo em casos de falta grave ou conduta ilegal, por meio do processo de impeach-ment. A Seo 4 do Artigo II determina: O presidente, o vice-presidente e demais autoridade civis dos Estados Unidos sero destitudos do cargo por processo de impeachment e condenadas, em casos de traio, suborno ou por outros crimes e contravenes graves.

    Impeachment uma acusao de falta grave apresentada contra uma autori-dade pblica por um rgo legislativo; essa acusao no leva, como geralmente se pensa, condenao. Segundo estabelecido pela Constituio, a Cmara dos Deputados deve apresentar a acusao de falta grave pela votao de um pedido de impeachment. A autoridade acusada ento julgada pelo Senado, com o presi-dente da Suprema Corte presidindo o julgamento.

    O impeachment considerado uma medida drstica, raramente usada nos Estados Unidos. Desde 1797 a Cmara dos Deputados votou pedidos de impea-chment contra 20 autoridades federais dois presidentes, um membro do ga-binete presidencial, um senador, um juiz da Suprema Corte e 15 juzes federais. Dos acusados em processo de impeachment, o Senado condenou oito autorida-des, todas elas juzes.

    Em 1868 o presidente Andrew Johnson sofreu processo de impeachment em razo de questes relativas ao tratamento dado aos estados confederados der-rotados depois da Guerra Civil Americana. O Senado, entretanto, deu um voto a menos que a maioria de dois teros necessria para a condenao, e Johnson exerceu seu mantado at o fim. Em 1974, como consequncia do caso Watergate, o presidente Richard Nixon renunciou ao cargo aps a Comisso de Justia da Cmara recomendar o impeachment, porm antes que a Cmara dos Deputados como um todo pudesse votar o pedido de impeachment.

    Mais recentemente, em 1998, a Cmara dos Deputados instaurou um pro-cesso de impeachment contra o presidente Bill Clinton acusando-o de perjrio e obstruo da Justia. Aps o julgamento, o Senado absolveu o presidente de ambas as acusaes, considerando-o inocente de perjrio por 55 a 45 votos e em-patando em 50-50 na votao de acusao de obstruo da Justia. Para afastar o presidente do cargo seria necessrio um veredito de culpa pela maioria de 67 votos para cada acusao.

    Os princpios do governoEmbora a Constituio tenha mudado em muitos aspectos desde sua adoo, seus princpios bsicos continuam os mesmos de 1789.

    Os trs principais poderes de governo Executivo, Legislativo, Judicirio so separados e distintos entre si. Os poderes conferidos a cada um esto sutilmente contrabalanados pelos poderes dos outros dois. Cada um serve como controlador de provveis excessos dos outros.

    A Constituio, juntamente com as leis aprovadas de acordo com suas

  • 20 captulo um

    disposies e os tratados assinados pelo presidente e aprovados pelo Senado, eleva-se acima de todas as outras leis, atos do Executivo e regulamentaes.

    Todas as pessoas so iguais perante a lei e tm igual direito sua prote-o. Todos os estados so iguais e nenhum pode receber tratamento especial por parte do governo federal. Dentro dos limites da Constituio, cada estado deve reconhecer e respeitar as leis dos outros estados. Os governos estaduais, assim como o governo federal, devem ser democrticos, cabendo ao povo a autoridade final.

    O povo tem o direito de alterar sua forma de governo nacional por meio de dispositivos legais definidos na prpria Constituio.

    Disposies para emendasOs autores da Constituio tinham plena conscincia de que seriam necess-rias mudanas peridicas para que a Constituio fosse duradoura e se man-tivesse atualizada com o crescimento da nao. Eles tambm estavam cientes de que o processo de mudana no deveria ser demasiadamente simples de forma a permitir emendas mal concebidas ou aprovadas precipitadamente. Da mesma forma, queriam garantir que uma minoria no pudesse barrar aes desejadas pela maioria do povo. A soluo que encontraram foi conceber um processo duplo pelo qual a Constituio pudesse ser aprimorada.

    Com a aprovao de dois teros de cada casa, o Congresso pode iniciar uma emenda. Alternativamente, dois teros dos legislativos estaduais podem solicitar ao Congresso convocar uma conveno nacional para discutir e ela-borar emendas. Em qualquer dos casos, as emendas devem receber aprovao de trs quartos dos estados antes de entrarem em vigor.

    Alm do processo direto de alterao da Constituio, o efeito de suas disposies pode ser alterado por meio da interpretao judicial. Ainda no incio da repblica, em 1803 no processo Marbury contra Madison, a Supre-ma Corte instituiu a doutrina da reviso judicial, que o poder da Corte de interpretar os atos do Congresso e decidir sobre sua constitucionalidade. A doutrina tambm abarca o poder da Suprema Corte de explicar o significado das vrias sees da Constituio conforme essas se aplicam s mudanas le-gais, polticas, econmicas e sociais. Ao longo dos anos, uma srie de decises da Suprema Corte, sobre questes que vo da regulamentao governamental do rdio e da televiso at os direitos de acusados em processos criminais, teve como efeito a atualizao do propsito do direito constitucional, sem causar mudanas significativas na Constituio em si.

    A legislao do Congresso, aprovada para implementar disposies da lei bsica ou para adapt-la s transformaes, tambm se amplia e, de forma sutil, altera o significado da Constituio. At certo ponto, as normas e regulamenta-es de muitos rgos do governo federal podem ter um efeito semelhante. O teste decisivo em ambos os casos se, no parecer dos tribunais, essa legislao e essas normas esto em consonncia com a inteno da Constituio.

  • A Constituio: um documento duradouro 21

    A Declarao de DireitosA Constituio recebeu 27 emendas desde 1789 e provvel que ainda venha a ser alterada no futuro. As mudanas mais amplas ocorreram nos dois primei-ros anos de sua adoo. Naquele perodo, foram adicionadas as dez primeiras emendas, conhecidas como a Declarao de Direitos. O Congresso aprovou essas emendas em bloco em setembro de 1789, e 11 estados as ratificaram no final de 1791.

    Grande parte da resistncia inicial Constituio no veio daqueles que se opunham ao fortalecimento da Unio federal, mas de estadistas que sen-tiam que os direitos das pessoas deveriam ser especificamente detalhados. Entre esses estava George Mason, autor da Declarao de Direitos da Vir-gnia, precursora da Declarao de Direitos dos EUA. Como delegado da Conveno Constitucional, Mason recusou-se a assinar o documento por considerar que no protegia suficientemente os direitos individuais das pes-soas. De fato, a oposio de Mason quase impediu a ratificao da Virgnia. Por motivos similares, Massachusetts condicionou sua ratificao adio de garantias especficas aos direitos individuais. Quando o Primeiro Con-gresso se reuniu, era praticamente unnime a aprovao pela adoo das emendas, e o Congresso rapidamente as redigiu.

    Essas emendas permanecem intactas at hoje, da mesma forma como fo-ram redigidas dois sculos atrs. A primeira garante a liberdade de culto, de expresso e de imprensa; o direito a reunio pacfica; e o direito de pedir ao governo que repare erros. A segunda garante o direito dos cidados de portar armas. A terceira prev a proibio de aquartelamento de soldados em pro-priedades particulares sem o consentimento do proprietrio. A quarta protege contra buscas, prises e embargo de bens arbitrrios.

    As quatro emendas seguintes abordam o sistema de Justia. A quin-ta probe o julgamento de delito de alta gravidade sem a denncia proferida pelo grande jri. Ela probe ainda a realizao de mais de um julgamento para o mesmo delito, probe a sentena sem o devido processo legal e prev que o acusado no pode ser forado a testemunhar contra si mesmo. A sexta emenda garante um julgamento pblico clere para delitos penais. Ela exige a realiza-o do julgamento por jri imparcial, garante o direito a advogado de defesa para o acusado e prev que as testemunhas sejam obrigadas a comparecer ao julgamento e testemunhar na presena do acusado.

    A stima garante o julgamento por jri em processos civis envolvendo valores que ultrapassem US$ 20. A oitava probe fianas ou multas excessivas e punies cruis e incomuns.

    As duas ltimas emendas da Declarao de Direitos compreendem de-claraes bastante amplas sobre a autoridade constitucional. A nona declara que a relao de direitos individuais no tem inteno de ser abrangente; que as pessoas tm outros direitos no especificamente mencionados na Consti-tuio. A dcima prev que os poderes no delegados pela Constituio ao

  • EMENDA IO Congresso no dever legislar no sentido de estabelecer uma religio ou de proibir o livre exerccio de cultos; ou de cercear a liberdade de expresso ou de imprensa; ou o direito das pessoas de se reunir pacificamente e de encaminhar peties ao governo para reparao de injustias.

    EMENDA IISendo necessria segurana de um Estado livre a existncia de uma milcia bem organizada, o direito das pessoas de possuir e portar armas no dever ser infringido.

    EMENDA IIINenhum soldado dever aquartelar-se em qualquer imvel sem autorizao do pro-prietrio em tempos de paz nem em tempos de guerra, a no ser na forma prescrita em lei.

    EMENDA IVO direito do povo inviolabilidade de suas pessoas, casas, documentos e bens contra buscas e apreenses arbitrrias no dever ser infringido, e nenhum mandado poder ser expedido a no ser mediante indcios suficientes, confirmados por juramento ou afirmao e com a descrio do local da busca e das pessoas ou coisas a serem apreendidas.

    EMENDA VNingum dever ser detido para responder por crime capital ou outro crime infamante, salvo por acusao ou denncia de um grande jri, exceto em casos que, em tempos de guerra ou perigo pblico, ocorram com as foras terrestres ou navais ou com a milcia quando em servio; ningum dever ser submetido a duplo julgamento pelo mesmo fato com risco de perda de vida ou da integridade fsica; nem dever ser obrigado a servir de testemunha contra si mesmo em qualquer processo criminal, nem ser priva-do da vida, da liberdade ou de bens sem o devido processo legal; nem a propriedade privada dever ser expropriada para uso pblico, sem justa indenizao.

    Declarao de Direitos

  • EMENDA VIEm todas as aes penais, o acusado dever ter direito a julgamento pblico e clere por um jri imparcial do estado e do distrito em que o crime tiver sido cometido, distrito esse que dever ter sido previamente determinado por lei. O acusado tambm dever ter direito a ser informado sobre a natureza e a causa da acusao; a ser levado acareao com as testemunhas de acusao; a obrigatoriamente ter pro-cesso aberto para a obteno de testemunhas a seu favor; e a ser representado por um advogado de defesa.

    EMENDA VIIEm aes judiciais no mbito do Common Law, nas quais o valor do litgio exceda a vinte dlares, o direito ao julgamento por jri dever ser preservado, e nenhum fato julgado por jri dever ser reexaminado por qualquer outro tribunal dos Estados Unidos, a no ser de acordo com as regras do Common Law ou direito consuetudinrio.

    EMENDA VIIINo dever ser exigida fiana exagerada, nem impostas multas excessivas ou penas cruis e incomuns.

    EMENDA IXA enumerao de certos direitos na Constituio no dever ser interpretada para negar nem depreciar outros direitos inerentes ao povo.

    EMENDA XOs poderes no delegados aos Estados Unidos pela Constituio, nem por ela proibi-dos aos estados, so reservados respectivamente aos estados ou ao povo.

  • 24 captulo um

    governo federal e nem proibidos por ela aos estados esto reservados aos estados ou ao povo.

    Proteo fundamental das liberdades individuaisA genialidade da Constituio em organizar o governo federal deu aos Estados Unidos extraordinria estabilidade ao longo de dois sculos. E a Declarao de Direitos e as emendas subsequentes colocaram os direitos humanos funda-mentais no centro do sistema jurdico dos Estados Unidos.

    Em momentos de crise nacional, parece tentador aos governos suspender esses direitos no interesse da segurana nacional, mas nos Estados Unidos tais medidas sempre foram tomadas com relutncia e sob as mais cuidadosas ga-rantias. Em tempos de guerra, por exemplo, as autoridades militares censura-ram as correspondncias entre os Estados Unidos e outros pases, especialmente aquelas das frentes de batalha para os familiares em casa. Mas nem mesmo em tempos de guerra o direito constitucional a um julgamento justo foi abolido. As pessoas acusadas de crimes incluindo cidados inimigos acusados de es-pionagem, subverso e outras atividades perigosas tm direito defesa e, no sistema americano, so consideradas inocentes at que se prove o contrrio.

    As emendas Constituio aprovadas depois da Declarao de Direitos abrangem uma extensa gama de questes. Uma das mais abrangentes a 14a, ratificada em 1868, que estabelece uma definio clara e simples de cidadania e garante tratamento igual perante a lei. Essencialmente, a 14a Emenda exi-ge que os estados observem as protees da Declarao de Direitos. Outras emendas limitaram o poder judicirio do governo federal; mudaram o m-todo de eleio do presidente; proibiram a escravido; protegeram o direito ao voto sem preconceito de raa, cor, sexo ou condio anterior de servido; ampliaram o poder do Congresso para tributar rendimentos da pessoa fsica; e instituram a eleio dos senadores americanos pelo voto popular.

    Entre as emendas mais recentes esto a 22a, que limita o presidente a dois mandatos; a 23a, que garante aos cidados do Distrito de Colmbia o direito ao voto; a 24a, que confere aos cidados o direito ao voto mesmo se deixarem de pagar o imposto eleitoral; a 25a, que prev o preenchimento do cargo de vice-pre-sidente em caso de vacncia antes do fim do mandato; a 26a, que reduz para 18 anos a idade mnima para votar; e a 27a, que trata da remunerao dos senadores e deputados dos Estados Unidos.

    significativo que a maioria das 27 emendas tenha surgido de esforos con-tnuos para aumentar as liberdades civis ou polticas individuais, enquanto ape-nas algumas se preocuparam com a ampliao da estrutura bsica do governo estabelecida na Filadlfia em 1787.

    O sistema federalOs autores da Constituio tinham vrios objetivos bem definidos em

    mente. Eles os apresentaram com formidvel clareza no prembulo de 52

  • A Constituio: um documento duradouro 25

    palavras e seis itens do documento principal. O problema de construir uma Unio mais perfeita era a questo bvia com que se deparavam os 13 es-tados em 1787. Era bastante evidente que praticamente qualquer Unio es-taria mais perto da perfeio do que o que existia no texto dos Artigos da Confederao. Mas conceber uma outra estrutura para substituir os Artigos envolvia escolhas cruciais.

    ... formar uma Unio mais perfeitaTodos os estados ambicionavam o poder soberano que haviam exercido des-de que se separaram da Inglaterra 11 anos antes. Equilibrar os direitos dos estados com as necessidades de um governo central no era tarefa fcil. Os formuladores da Constituio alcanaram isso ao deixar que os estados man-tivessem todos os poderes necessrios para controlar a vida diria de seus cidados, desde que esses poderes no conflitassem com as necessidades e o bem-estar da nao como um todo. Essa diviso de autoridade, denominada federalismo, essencialmente a mesma hoje. O poder de cada estado sobre os assuntos locais em questes como educao, sade pblica, organiza-o comercial, condies de trabalho, casamento e divrcio, tributao local e poderes prprios da polcia to plenamente reconhecido e aceito que frequente que dois estados vizinhos tenham leis bastante diferentes sobre o mesmo assunto.

    IApesar da genialidade da estrutura constitucional, a controvrsia sobre os direitos dos estados se prolongou at quase o fim do sculo seguinte, quan-do em 1861 uma guerra de quatro anos irrompeu entre os estados do Norte e do Sul. A guerra ficou conhecida como a Guerra Civil, a Guerra entre Estados ou a Guerra de Secesso, e a questo bsica era o direito do governo federal de controlar a escravido nos novos estados da Unio. O Norte insistia que o governo federal tinha esse direito, enquanto o Sul alegava que a escravido era uma questo para cada estado decidir por si prprio. Quando um grupo de estados sulistas tentou se separar da Unio, a guerra irrompeu e foi travada sob o princpio de preservar a repblica. Com a derrota dos estados sulistas e seu retorno Unio, a supremacia federal foi reafirmada e a escravido abolida.

    ... estabelecer justiaA essncia da democracia americana est contida na Declarao de Indepen-dncia, com sua frase marcante todos os homens foram criados iguais e as declaraes que a seguem que foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

    A Constituio no faz distino quanto a riqueza ou posio social das pessoas; todos so iguais perante a lei e todos esto igualmente sujeitos a serem julgados e punidos quando violarem a lei. O mesmo se aplica a litgios civis en-volvendo propriedade, contratos e negociaes. O livre acesso Justia uma das garantias fundamentais estabelecida na Declarao de Direitos.

  • A palavra escravido no aparece na Constituio dos EUA, mas o documento indiretamente sancionou a instituio. Os delegados da Conveno Constitu-cional estipularam que trs quintos dos escravos seriam considerados para determinar o nmero de congressistas que cada estado poderia eleger para a Cmara dos Deputados. A Constituio ento exigiu que os escravos fugitivos (pessoas man-tidas para servio ou trabalho), que haviam cruzado as fronteiras de seus estados, retornassem aos seus proprietrios. E estabeleceu uma data 1808 aps a qual o Congresso poderia abolir o comrcio de escravos (a migrao ou a importao dessas pessoas da forma que qualquer estado agora existente considere apropriado acolher).

    Todas essas disposies foram acaloradamente debatidas na conveno e todas foram finalmente aceitas dentro de um esprito de conciliao. Mesmo membros de sociedades antiescravagistas do Norte, como Alexander Hamilton, eram contrrios discusso da questo escravagista sob o argumento de que esse esforo dividiria os estados irrevogavelmente e ameaaria o objetivo mais urgente de um governo nacio-nal forte. A conciliao tambm era defendida por sulistas proeminentes como George Washington e James Madison, que abominavam a escravido, mas acreditavam em seu desaparecimento uma vez confirmada a Unio.

    A questo moral, entretanto, foi levantada com paixo na conveno em diversas ocasies. Gouverneur Morris, da Pensilvnia, denunciou a escravido como uma instituio nefasta, a maldio dos cus sobre os estados onde prevalecia. Ele contraps a prosperidade e a dignidade humana das regies livres com a misria e a pobreza dos estados escravistas.

    Ironicamente, o ataque mais eloquente escravido na conveno foi feito por George Mason, da Virgnia, a quem Thomas Jefferson chamou de o homem mais sbio de sua gerao. A escravido, disse Mason, produz o mais pernicioso dos efeitos sobre os costumes. Todo senhor de escravos nasce um pequeno tirano. (...) A escravido enfraquece as artes e manufaturas. O pobre despreza o trabalho quando este desempenhado por escravos. (...) Considero essencial (...) que o governo geral tenha poder para impedir o crescimento da escravido.

    Nos anos que se seguiram, o movimento abolicionista expressaria os mesmos argu-mentos e aplicaria o mesmo senso de indignao moral; mas naquele momento a questo da escravido evadiu-se, tanto como palavra quanto como desafio moral.

    O debate sobre a escravido

  • Seria finalmente o evento da trgica conflagrao da Guerra Civil (18611865) o responsvel pelo fim da escravido nos Estados Unidos e incio da difcil caminhada do pas em busca da plena igualdade racial.

    Nos Arquivos Nacionais em Washington, DC, membros de uma tropa de representao da Guerra Civil fazem a guarda do documento original da Proclamao da Emancipao, que aboliu a escravido, assinada pelo presidente Abraham Lincoln em 1863

  • 28 captulo um

    ... garantir a tranquilidade internaO nascimento tempestuoso dos Estados Unidos e as condies incertas ao longo de sua fronteira oeste convenceram os americanos da necessidade de estabilidade interna para permitir que a nova nao crescesse e prosperasse. O governo federal estabelecido pela Constituio precisava ser forte o bastante para proteger os estados contra invases externas e conflitos e violncia inter-nos. Nenhuma parte do territrio continental dos Estados Unidos foi invadida por nao estrangeira desde 1815. Os governos estaduais em geral tm tido fora suficiente para manter a ordem dentro de suas prprias fronteiras. Mas por trs deles ergue-se o impressionante poder do governo federal, com fora constitucional para tomar as medidas necessrias destinadas a preservar a paz.

    ... prover a defesa comumMesmo com sua independncia assegurada, a nova nao enfrentou perigos reais em vrias frentes no final do sculo 18. Na fronteira oeste, os colo-nos enfrentavam constantes ameaas de tribos indgenas hostis. Ao norte, os britnicos ainda ocupavam o Canad, cujas provncias a leste estavam abarrotadas de vingativos tories americanos, que haviam se mantido leais Coroa Britnica durante a Guerra da Independncia. Os franceses ocupavam o vasto territrio da Louisiana no Meio-Oeste continental. Ao sul, os espa-nhis detinham a Flrida, o Texas e o Mxico. As trs potncias europeias tinham colnias no Mar do Caribe, a pequeno alcance da costa americana. Alm disso, as naes europeias tambm estavam envolvidas em uma srie de guerras que atingiam o Novo Mundo.

    Nos primeiros anos, o objetivo da Constituio de prover uma defesa comum centrava-se na expanso do territrio para alm dos Montes Apa-laches e em negociar a paz com as tribos indgenas que habitavam essa rea. Em pouco tempo, contudo, a ecloso da guerra contra a Inglaterra em 1812, os conflitos com os espanhis na Flrida e a guerra contra o Mxico em 1846 fizeram ressaltar a importncia da fora militar.

    medida que o poder econmico e poltico dos Estados Unidos aumen-tava, tambm crescia sua fora de defesa. A Constituio divide a responsabili-dade pela defesa entre o Legislativo e o Executivo: s o Congresso tem o poder de declarar guerra e destinar recursos para a defesa, enquanto o presidente o comandante em chefe das Foras Armadas e o principal responsvel pela defesa do pas.

    ... promover o bem-estar geralAo final da revoluo, os Estados Unidos enfrentavam uma difcil crise eco-nmica. Seus recursos estavam esgotados, seu crdito abalado e sua moeda desvalorizada. O comrcio e a indstria estavam praticamente estagnados, e os estados e o governo da confederao estavam tremendamente endivida-dos. Apesar de o povo no sofrer perigo iminente de fome, as perspectivas de

  • A Constituio: um documento duradouro 29

    desenvolvimento econmico eram muito reduzidas.Uma das primeiras tarefas enfrentadas pelo novo governo nacional foi

    colocar a economia em um caminho slido. O primeiro artigo da Constituio previa que: O Congresso ter poder de instituir e arrecadar impostos (...) para saldar dvidas e promover o bem-estar geral dos Estados Unidos.

    O poder fiscal permitiu ao governo pagar suas dvidas de guerra e colocar a moeda em um patamar mais firme. Foram nomeados um secretrio do Te-souro para cuidar dos assuntos fiscais da nao e um secretrio de Estado para se ocupar das relaes com os outros pases. Foram tambm nomeados um se-cretrio da Guerra, responsvel pela segurana militar da nao, e um procu-rador-geral para atuar como principal autoridade jurdica do governo federal. Mais tarde, conforme o pas se expandiu e a economia ficou mais complexa, o bem-estar do povo exigiu a criao de outros departamentos do Executivo.

    ... garantir as bnos da liberdade para ns e para nossos descendentes

    A nfase na liberdade pessoal foi uma das caractersticas marcantes da nova repblica americana. Muitos deles provenientes de ambientes polticos e re-ligiosos opressivos, os americanos estavam determinados a preservar a liber-dade no Novo Mundo. Os autores da Constituio, ao conferir autoridade ao governo federal, tomaram o cuidado de proteger os direitos de todas as pessoas limitando o poder tanto do governo nacional quanto dos estados.O resultado que os americanos so livres para transitar de lugar para lugar; tomar suas prprias decises sobre emprego, religio e crenas polticas; e re-correr aos tribunais em busca de justia e proteo quando consideram que seus direitos esto sendo violados.

  • Alexander Hamilton

    Mas o que o governo se no o maior de

    todos os reflexos da natureza humana?

    JAMES MADISON, DOCUMENTOS FEDERALISTAS (THE FEDERALIST PAPERS), 17871788

  • Para Thomas Jefferson, um dos fundadores dos Estados Unidos e mais tar-de o terceiro presidente da nova nao, os Documentos Federalistas foram o melhor tratado sobre princpios de governo j escrito. Para o filsofo britnico do sculo 19 John Stuart Mill, The Federalist como ficou intitulada a coleo de 85 pequenos ensaios foi o tratado mais instrutivo que possu-mos sobre o governo federal. O astuto comentarista poltico francs Alexis de Tocqueville, em artigo de 1835, definiu-o como um livro excelente que deveria ser do conhecimento dos estadistas de todos os pases.

    Historiadores, juristas e cientistas polticos contemporneos em geral con-cordam que os Documentos Federalistas compem o mais importante trabalho sobre filosofia poltica e governo pragmtico j escrito nos Estados Unidos. Os Documentos j foram comparados com a Repblica de Plato, a Poltica de Aris-tteles e o Leviat de Thomas Hobbes. E tm sido consultados por lderes de muitas naes novas na Amrica Latina, na sia e na frica para a elaborao de suas prprias constituies.

    Os delegados que assinaram o esboo da Constituio dos EUA na Filadlfia em 17 de setembro de 1787 estipularam que a Constituio somente entraria em vi-gor aps sua aprovao em convenes de ratificao em 9 dos 13 estados. Embora no estipulado, um voto negativo de um dos dois estados mais importantes Nova York e Virgnia poderia destruir toda a iniciativa, em razo do tamanho e do poder desses estados. Os delegados tanto de Nova York quanto da Virgnia estavam profundamente divididos em suas opinies sobre a Constituio. E o governador de Nova York, George Clinton, j havia deixado clara sua oposio.

    Seria de se imaginar que um trabalho to elogiado e influente como os Do-cumentos Federalistas seria fruto de uma longa experincia de vida em estudos e governo. Na verdade, foi em grande parte produto do trabalho de dois jovens: Alexander Hamilton, 32 anos, de Nova York, e James Madison, 36, da Virgnia que, em ritmo acelerado, chegaram a redigir at quatro ensaios em uma nica semana. Um acadmico mais velho, John Jay, mais tarde nomeado o primeiro presidente da Suprema Corte, contribuiu com cinco ensaios.

    2C A P T U L O D O I S

    E X P L I C A N D O A C O N S T I T U I O :

    O S D O C U M E N T O S F E D E R A L I S T A S

  • 32 captulo dois

    Hamilton, que tinha sido assessor de Washington durante a Revoluo, pediu a Madison e Jay que se juntassem a ele nesse importante projeto. O objetivo deles era persuadir a conveno de Nova York a ratificar a recm-elaborada Constitui-o. Eles escreveriam separadamente uma srie de cartas para os jornais de Nova York, sob o mesmo pseudnimo de Publius, nas quais explicariam e defenderiam a Constituio.

    Foi Hamilton quem iniciou o projeto, delineou a sequncia dos tpicos a se-rem discutidos e resolutamente abordou a maioria deles em 51 cartas. As 29 cartas de Madison, porm, provaram ser as mais memorveis, em uma combinao de franqueza, equilbrio e poder de argumentao. No est claro se os Documentos

  • Explicando a Constituio: os Documentos Federalistas 33

    Federalistas, escritos de outubro de 1787 a maio 1788, tiveram um efeito decisivo na relutante ratificao da Constituio em Nova York. Mas no restam dvidas de que os ensaios tornaram-se, e permanecem, o mais respeitado tratado daquele documento.

    Um novo tipo de federalismoA primeira e mais bvia abordagem usada pelos Documentos Federalistas foi uma nova definio de federalismo. Tendo acabado de vencer uma revoluo contra uma monarquia opressiva, os ex-colonos americanos no queriam substitu-la

    Desfile na cidade de Nova York para comemorar a adoo da Constituio dos EUA retrata um navio sobre rodas denominado Hamilton, simbolizando a nau do Estado. Alexander Hamilton, um dos autores dos Documentos Federalistas, foi o principal defensor da Constituio em Nova York

  • 34 captulo dois

    por outro regime centralizado e sem limites. Por outro lado, sua experincia com instabilidade e desorganizao nos Artigos da Confederao, devido a cobias e concorrncia entre os estados, fizeram com que ficassem receptivos criao de um governo nacional mais forte. Vrios dos Documentos Federalistas argu-mentavam que um novo tipo de equilbrio, sem precedentes, era possvel de ser alcanado. De fato, os Documentos continham um equilbrio entre as propenses nacionalistas de Hamilton, que refletiam os interesses comerciais de uma cidade porturia, Nova York, e a cautela que Madison compartilhava com um grande nmero de fazendeiros da Virgnia, relacionada desconfiana de uma autori-dade distante.

    Madison props que, em vez da soberania absoluta de cada estado segun-do os Artigos da Confederao, os estados reteriam uma soberania residual em todas as reas que no fossem de preocupao nacional. O prprio proces-so de ratificao da Constituio, alegava, simbolizava o conceito de federalis-mo mais do que de nacionalismo. Ele disse: O consentimento e a ratificao devem ser conferidos pelo povo, no como indivduos compondo uma nao inteira, mas compondo distinta e individualmente os estados aos quais res-pectivamente pertencem. (...) Portanto, a lei que estabelece a Constituio no ser uma lei nacional, mas sim federal.

    Hamilton sugeriu o que chamou de concordncia de poderes entre os governos nacional e os estaduais. Mas sua analogia a planetas girando em tor-no do Sol e ainda assim mantendo status individuais colocou maior nfase na autoridade central. Hamilton e Jay (tambm de Nova York) citaram exemplos de alianas na Grcia antiga e na Europa contempornea que invariavelmente foram rompidas em tempos de crise. Para os autores dos Documentos Federa-listas, independentemente de suas diferenas, a lio era clara: a sobrevivncia como nao respeitada exigia a transferncia de poderes importantes, embora limitados, ao governo central. Eles acreditavam que isso poderia ser feito sem destruir a identidade ou a autonomia individual dos estados.

    Freios e contrapesosOs Documentos Federalistas tambm apresentam a primeira meno espec-fica encontrada na literatura poltica da ideia de freios e contrapesos de po-deres como meio de restringir o poder governamental e prevenir abusos. As palavras so usadas principalmente em referncia ao Legislativo bicameral, o qual tanto Hamilton quanto Madison consideravam o poder mais impor-tante do governo. Como originalmente concebida, a presumidamente im-petuosa e popularmente eleita Cmara dos Deputados seria controlada por um Senado mais conservador escolhido pelos legislativos estaduais. (A 17a Emenda Constituio, adicionada em 1913, alterou essa disposio para um mandato de senadores eleitos pelo voto popular.) Em uma ocasio, no entanto, Madison disse de forma mais geral que o governo deveria controlar o governo e Hamilton observou que uma Assembleia democrtica deve ser

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    controlada por um Senado democrtico e ambos por um Judicirio demo-crtico.

    Em seu mais brilhante ensaio (Nmero 78), Hamilton defendeu o direito de a Suprema Corte decidir sobre a constitucionalidade das leis aprovadas pe-los legislativos federal ou estaduais. Esse poder historicamente vital da reviso judicial, argumentou, era um monitoramento apropriado do Legislativo, onde era mais provvel que o sopro pestilento de faces pudesse envenenar as fon-tes da justia. Hamilton explicitamente rejeitou o sistema britnico de permi-tir ao Parlamento anular por maioria de votos uma deciso judicial com a qual discordasse. Ao invs disso, os tribunais de justia devem ser considerados os baluartes de uma Constituio limitada contra transgresses legislativas. So-mente o processo meticuloso e difcil de adicionar emendas Constituio, ou a mudana gradual do ponto de vista dos membros da Suprema Corte, poderia reverter a interpretao da Corte daquele documento.

    Natureza humana, governo e direitos individuaisPor trs da noo de freios e contrapesos encontra-se uma viso profunda-mente realista da natureza humana. Embora Madison e Hamilton acreditas-sem que as pessoas, no seu melhor, eram capazes de raciocnio, autodisciplina e justia, eles tambm reconheciam a suscetibilidade delas paixo, into-lerncia e ganncia. Em uma passagem famosa, aps discutir que medidas seriam necessrias para a preservao da liberdade, Madison escreveu: Pode ser um reflexo da natureza humana que esses dispositivos sejam necessrios para controlar os abusos do governo. Mas o que o governo se no o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, no haveria necessidade de governo. Se os anjos governassem, no haveria necessidade de controles internos nem externos sobre o governo. Ao estruturar um governo a ser administrado por homens governando homens, a grande dificuldade resi-de em permitir primeiro que o governo controle os governados; e em seguida obrig-lo a controlar-se a si prprio.

    No mais original e notvel ensaio dos Documentos Federalistas (Nmero 10), Madison abordou esse duplo desafio. Sua principal preocupao era a ne-cessidade de deter e controlar a violncia das faces, como chamava os par-tidos polticos, os quais considerava o maior perigo para um governo popular: Compreendo que alguns cidados (...) so unidos e movidos por algum impul-so comum de paixo ou de interesse contrrio aos direitos de outros cidados ou aos interesses permanentes e da comunidade como um todo.

    Esses interesses ou paixes que comprometem os direitos dos outros po-dem ser religiosos ou polticos ou, mais frequentemente, econmicos. As fac-es podem se dividir entre os que tm e os que no tm, credores e devedores ou de acordo com os tipos de propriedades que possuem. Madison escreveu: Um interesse fundirio, um interesse industrial, um interesse mercantil, um interesse monetrio, juntamente com muitos outros interesses menores, surgem

  • 36 captulo dois

    da necessidade em naes civilizadas e se dividem em classes diferentes, movi-das por diferentes sentimentos e opinies. Regulamentar esses interesses varia-dos e interferentes a principal tarefa da legislao moderna.

    Como pessoas justas, racionais e livres podem mediar tantas reivindica-es ou as faces que delas derivam? Porque impossvel proscrever a pai-xo ou o interesse prprio, uma forma adequada de governo deve ser capaz de impedir que qualquer faco, seja majoritria ou minoritria, imponha sua vontade contra o bem comum. Uma defesa contra uma faco dominadora, disse Madison, a forma de governo republicana (ou representativa), que tende a refinar e aumentar a opinio pblica por meio de um rgo escolhido pelos cidados.

    Porm, ainda mais importante, segundo Madison, era expandir a base geo-grfica e popular da repblica, como aconteceria no governo nacional confor-me proposto pela nova Constituio. Ele escreveu: Como cada representante ser escolhido por um nmero maior de cidados na grande repblica do que na pequena, ser mais difcil que candidatos sem mrito sejam bem-sucedidos nas artimanhas to frequentemente praticadas em eleies. (...) A influncia de lderes facciosos pode atiar uma chama em seus estados, mas ser incapaz de espalhar uma conflagrao geral por todos os outros estados.

    O que est sendo reforado aqui o princpio do pluralismo, que acolhe a diversidade tanto por si prpria quanto como testemunho da variedade e da liberdade individuais, porm, ainda mais crucialmente, por seu efeito positivo em neutralizar paixes e interesses conflitantes. Da mesma forma que a grande variedade de crenas religiosas nos Estados Unidos torna improvvel a impo-sio de uma nica igreja, a variedade de estados com tantas regies e preo-cupaes diferentes torna improvvel a vitria nacional de uma faco ou um partido inflamado e potencialmente opressivo. Uma confirmao do argumen-to de Madison pode ser encontrada na evoluo dos maiores partidos polticos americanos, que tendem a ser moderados e no ideolgicos em razo de cada um deles abranger tal diversidade de interesses regionais e econmicos.

    A separao de poderesA ideia da separao de poderes entre os vrios ramos para impedir a tirania da concentrao de poder est includa na categoria maior de freios e con-trapesos. Porm, os Documentos Federalistas enxergam uma outra virtude na separao de poderes, ou seja, um aumento na eficincia e eficcia governa-mental. Por estarem limitados a funes especializadas, os diferentes ramos do governo desenvolvem tanto a especializao quanto um senso de orgulho de seus papeis, o que no seria o caso se estivessem reunidos ou sobrepostos de alguma forma.

    As qualidades que podem ser cruciais para uma funo podem ser ina-dequadas para outra. Assim Hamilton determinou a energia do Executivo como essencial para defender o pas contra ataques estrangeiros, administrar

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    as leis com justia e proteger a propriedade e a liberdade individual, o que considerava direitos intimamente ligados. Por outro lado, no a energia, mas a deliberao e a sabedoria so as melhores qualificaes de um legislador, que precisa ganhar a confiana do povo e conciliar seus interesses divergentes.

    Essa diferena de necessidades tambm explica porque a autoridade do Executivo deve ser colocada nas mos de uma pessoa, o presidente, uma vez que a pluralidade de executivos poderia levar paralisia e frustrar as medidas mais importantes do governo durante as emergncias mais decisivas do Esta-do. Isto , uma vez que o Legislativo, refletindo a vontade do povo, tenha, aps ampla deliberao e debate chegado ao seu julgamento para aprovar uma lei, o Executivo deve dar cumprimento a essa lei com firmeza e sem favoritismo, resistindo a qualquer pedido interesseiro de exceo. E, em caso de ataque de pas estrangeiro, o Executivo deve ter o poder e a energia para responder ime-diata e energicamente. Quanto ao Judicirio, as qualidades desejadas tambm so especiais: nem a energia e a diligncia do Executivo, nem a receptividade do Legislativo para com o sentimento popular ou sua capacidade de chegar a um termo comum, mas integridade e moderao. E, com cargos vitalcios, os juzes estariam livres das presses do Executivo, do Legislativo e tambm da populao.

    As eternas questes da polticaAs memorveis observaes dos Documentos Federalistas sobre governo, so-ciedade, liberdade, tirania e a natureza do poltico nem sempre so fceis de situar. Muita coisa nesses ensaios datada, repetitiva ou arcaica em estilo. Os autores no tiveram nem tempo nem disposio para formular seus pensa-mentos de forma ordenada e abrangente. Mesmo assim os Documentos Fede-ralistas permanecem indispensveis a qualquer um seriamente interessado nas eternas questes da teoria e prtica poltica levantadas por Hamilton e Madi-son. Jamais respostas to eloquentes, realistas e instrutivas foram escritas pela pena de um americano, escreveu Clinton Rossitor, conceituado historiador poltico do sculo 20. A mensagem dos Documentos Federalistas : no existe felicidade sem liberdade, nem liberdade sem autogoverno, nem autogoverno sem constitucionalismo, nem constitucionalismo sem moralidade e ne-nhum desses grandes bens existe sem estabilidade e ordem.

  • O magistrado-chefe recebe toda sua

    autoridade do povo...

    ABRAHAM LINCOLN, PRIMEIRO DISCURSO DE POSSE, 1861

  • Em uma poca em que todos os grandes Estados europeus tinham mo-narcas hereditrios, a ideia de um presidente com mandato limitado era em si revolucionria. Mas a Constituio adotada em 1787 conferiu po-der executivo a um presidente, e assim permanece at hoje. A Constituio tambm prev a eleio de um vice-presidente, que assume a Presidncia em caso de morte, renncia ou incapacitao do presidente. Embora a Constitui-o esclarea em detalhes os deveres e poderes do presidente, ela no delega nenhum poder executivo especfico ao vice-presidente, ao secretariado de 15 membros (composto pelos chefes dos departamentos federais) nem s outras autoridades federais.

    A criao de uma Presidncia poderosa e unitria foi motivo de dis-cordncia na Conveno Constitucional. Vrios estados tinham experincia com conselhos executivos formados por diversos membros, sistema seguido com considervel sucesso pela Sua havia alguns anos. O delegado Benjamin Franklin defendeu que um sistema semelhante fosse adotado pelos Estados Unidos. Alm disso, muitos delegados, ainda ressentindo-se dos excessos do poder executivo exercido pela Coroa Britnica, temiam uma Presidncia com muitos poderes. No entanto, os defensores de um presidente nico que atuaria sob rgidos mecanismos de controle prevaleceram.

    A Constituio determina que o presidente seja cidado americano nato com idade mnima de 35 anos. Os candidatos Presidncia so escolhidos pelos partidos polticos vrios meses antes da eleio presidencial, que realizada a cada quatro anos (em anos divisveis por quatro) na primeira tera-feira subsequente primeira segunda-feira de novembro. A 22a emen-da, ratificada em 1951, limita o presidente a dois mandatos.O mandato do vice-presidente simultneo ao do presidente. Alm de deter o direito de sucesso, o vice-presidente o presidente do Senado. A 25a emenda, adotada em 1967, amplia o processo da sucesso presidencial. Ela descreve as con-dies especficas nas quais o vice-presidente recebe o poder para assumir a Presidncia caso o presidente fique incapacitado. Ela tambm prev a re-tomada do cargo pelo presidente no caso de sua recuperao. Alm disso, a

    3C A P T U L O T R S

    O P O D E R E X E C U T I V O : O S P O D E R E S D A P R E S I D N C I A

  • 40 captulo trs

    emenda permite ao presidente nomear um vice-presidente, com a aprovao do Congresso, no caso de vacncia desse cargo.

    A Constituio confere ao Congresso o poder de definir a ordem de suces-so depois do vice-presidente. Atualmente, no caso de tanto o presidente quanto o vice-presidente precisarem deixar o cargo, o presidente da Cmara dos Depu-tados assume a Presidncia. Depois dele vem o presidente pro tempore do Sena-do (senador eleito pela casa para presidir na ausncia do vice-presidente) e em seguida membros do secretariado em ordem estabelecida.

    A sede do governo fica em Washington, DC (Distrito de Colmbia), enclave federal localizado entre os estados de Maryland e Virgnia, na Costa

  • O Poder Executivo: os poderes da Presidncia 41

    Casa Branca

    Leste. onde fica a Casa Branca, residncia e local de trabalho do presidente.O mtodo de eleio do presidente prprio do sistema americano. Em-

    bora o nome dos candidatos aparea nas cdulas, tecnicamente o povo no vota diretamente para presidente (e vice-presidente). Ao invs disso, os cida-dos de cada estado escolhem uma chapa de eleitores presidenciais, equiva-lente ao nmero de senadores e deputados do estado no Congresso. O can-didato com o maior nmero de votos em cada estado recebe todos os votos eleitorais daquele estado.

    Os eleitores dos 50 estados e do Distrito de Colmbia 538 no total formam o que chamado de Colgio Eleitoral. Segundo os termos

  • MANDATOO presidente eleito pelo povo, por meio do Colgio Eleitoral, para um mandato de quatro anos; limitado a dois mandatos.

    SALRIOUS$ 400 mil por ano segundo valores de 20 de janeiro de 2013.

    POSSE20 de janeiro, depois das eleies gerais de novembro.

    QUALIFICAESCidado americano nato, com idade mnima de 35 anos e residente nos Estados Unidos h pelo menos 14 anos.

    PRINCIPAIS OBRIGAESProteger a Constituio e fazer cumprir as leis elaboradas pelo Congresso.

    OUTROS PODERESRecomendar leis ao Congresso; convocar sesses extraordinrias do Congresso; discursar para o Congresso; sancionar ou vetar leis; nomear juzes federais; nomear chefes de departamentos e agncias federais e outras autoridades federais impor-tantes; nomear representantes em outros pases; conduzir negcios oficiais com naes estrangeiras; exercer a funo de comandante em chefe das Foras Armadas; conceder perdo para crimes contra os Estados Unidos.

    A Presidncia

  • O Poder Executivo: os poderes da Presidncia 43

    da Constituio, o Colgio Eleitoral nunca se rene como organismo. Em vez disso, os eleitores do Colgio Eleitoral de cada estado renem-se na ca-pital de seu estado logo aps a eleio e votam no candidato com o maior nmero de votos populares no estado. Para se sair vitorioso, um candidato Presidncia precisa receber 270 do total de 538 votos do Colgio Eleitoral. A Constituio estipula que, caso nenhum candidato obtenha maioria, a deci-so deve ser tomada pela Cmara dos Deputados, com os representantes de cada estado votando como unidade. Nesse caso, cada estado e o Distrito de Colmbia teriam direito cada um a apenas um voto.

    O mandato presidencial de quatro anos comea em 20 de janeiro (foi alterado de maro pela 20a emenda, ratificada em 1933) aps a eleio rea-lizada em novembro. O presidente inicia suas obrigaes oficiais com uma cerimnia de posse, tradicionalmente realizada nas escadarias do Capitlio dos EUA, onde o Congresso se rene. O presidente presta um juramento de posse em pblico, que tradicionalmente tomado pelo presidente da Su-prema Corte. As palavras esto determinadas no Artigo II da Constituio: Juro (ou declaro) solenemente que exercerei fielmente o cargo de presidente dos Estados Unidos e farei todo o possvel para preservar, proteger e defen-der a Constituio dos Estados Unidos. A cerimnia de juramento seguida por um discurso de posse em que o novo presidente descreve as polticas e os planos de seu governo.

    Poderes presidenciaisO cargo de presidente dos Estados Unidos um dos mais poderosos do mun-do. O presidente, diz a Constituio, deve zelar para que as leis sejam fielmen-te cumpridas. Para cumprir essa responsabilidade, ele preside o Poder Execu-tivo do governo federal uma vasta organizao com cerca de 3,5 milhes de pessoas, incluindo 1 milho de militares da ativa. Alm disso, o presidente tem importantes poderes legislativos e judicirios.

    Poderes executivosNo que diz respeito ao Poder Executivo propriamente dito, o presidente tem amplos poderes para tratar dos assuntos nacionais e do funcionamento do go-verno federal. O presidente pode emitir normas, regulamentaes e instrues chamadas atos do Executivo, que tm fora de lei sobre os rgos federais, mas no necessitam de aprovao do Congresso. Como comandante em chefe das Foras Armadas dos Estados Unidos, o presidente tambm pode convocar as unidades da Guarda Nacional dos estados para prestar servio federal. Em tempos de guerra ou em uma emergncia nacional, o Congresso pode con-ceder ao presidente poderes ainda mais amplos para administrar a economia nacional e proteger a segurana dos Estados Unidos.

    O presidente nomeia e o Senado confirma os chefes de todos os departamentos e rgos executivos, alm de centenas de outros funcionrios

  • 44 captulo trs

    federais de alto escalo. A grande maioria dos funcionrios federais, no en-tanto, escolhida pelo sistema do servio pblico civil, no qual nomeaes e promoes baseiam-se na capacidade e na experincia.

    Poderes legislativosApesar da disposio constitucional que determina que todos os poderes legislativos devem ser conferidos ao Congresso, o presidente, como princi-pal formulador das polticas pblicas, tem um importante papel legislativo. O presidente pode vetar qualquer projeto de lei aprovado pelo Congresso e, a menos que dois teros dos membros de cada casa votem para derrubar o veto, o projeto no se transforma em lei.

    Grande parte da legislao que tramita no Congresso elaborada por iniciativa do Executivo. Em suas mensagens anuais e especiais ao Congresso, o presidente pode propor leis que considera serem necessrias. Caso o Con-gresso deixe de agir em relao a essas propostas, o presidente tem o poder de convocar uma sesso especial para essa deliberao. Mas alm desse papel oficial, o presidente, como chefe de um partido poltico e principal autoridade do Executivo do governo dos EUA, est em posio de influenciar a opinio pblica e assim influenciar o curso das leis no Congresso.

    O presidente George Bush anuncia uma iniciativa ambiental na sede da Administrao Nacional de Aeronutica e Espao em 1992

  • O Poder Executivo: os poderes da Presidncia 45

    Para melhorar suas relaes de trabalho com o Congresso, nos ltimos anos os presidentes instituram na Casa Branca um Escritrio de Ligao com o Congresso. Assessores da Presidncia mantm-se informados sobre todas as atividades legislativas importantes e tentam convencer senadores e deputados dos dois partidos a apoiar as polticas do governo.

    Poderes judiciriosEntre os poderes constitucionais do presidente est o de nomear autoridades pblicas importantes. A nomeao presidencial de juzes federais, inclusive dos membros da Suprema Corte, est sujeita confirmao do Senado. Outro poder importante o de conceder perdo total ou condicional a qualquer pes-soa condenada por violar uma lei federal exceto no caso de impeachment. O poder de conceder perdo passou a abranger o poder de encurtar prazos de penas e reduzir multas.

    Poderes nas Relaes ExterioresConforme previsto na Constituio, o presidente a principal autoridade fede-ral responsvel pelas relaes dos Estados Unidos com as outras naes. O pre-sidente nomeia embaixadores, ministros-conselheiros e cnsules sujeitos

    O presidente Bill Clinton, rodeado por membros do Congresso dos EUA, assina legislao sobre o ensino superior em 1998

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    confirmao do Senado e recebe embaixadores e outras autoridades pblicas estrangeiras. Junto com o secretrio de Estado, o presidente administra todos os contatos oficiais com os governos estrangeiros. Ocasionalmente, o presidente pode participar de reunies de cpula que renam chefes de Estado para con-sultas diretas. Assim, o presidente Woodrow Wilson chefiou a delegao ame-ricana Conferncia de Paris no fim da Primeira Guerra Mundial; o presidente Franklin D. Roosevelt reuniu-se com lderes dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial; e todos os presidentes desde ento tm se sentado com lderes mundiais para discutir questes econmicas e polticas e fechar acordos bilate-rais e multilaterais.

    Por meio do Departamento de Estado, o presidente responsvel pela proteo dos americanos no exterior e dos cidados estrangeiros nos Estados Unidos. O presidente decide sobre o reconhecimento de novas naes e no-vos governos, assim como sobre a negociao de tratados com outros pases, que passam a vigorar nos Estados Unidos quando aprovados por dois teros do Senado. O presidente tambm pode negociar com governos estrangeiros acordos do Executivo, que no esto sujeitos ratificao do Senado.

    Limitaes ao poder presidencialDevido ampla gama de papis e responsabilidades presidenciais, junto com uma presena marcante no cenrio nacional e internacional, os analistas pol-ticos tendem a enfatizar os poderes do presidente. Alguns chegaram a falar da Presidncia imperial, referindo-se ao papel ampliado do cargo que Franklin D. Roosevelt manteve durante seu mandato.

    Uma das primeiras duras realidades com as quais um novo presidente se

    O presidente Ronald Reagan encontra-se com Sandra Day OConnor depois de nome-la primeira juza da Suprema Corte dos EUA em 1981

  • O Poder Executivo: os poderes da Presidncia 47

    depara uma estrutura burocrtica herdada que pode ser difcil de adminis-trar, alm de ser muito lento para mud-la. O poder do presidente de nomear aplica-se somente a cerca de 3 mil pessoas de uma fora de trabalho de servi-dores civis de 3,5 milhes.

    O presidente descobre que a mquina do governo quase sempre opera de maneira independente das intervenes presidenciais, que foi assim nos gover-nos anteriores e que continuar sendo assim no futuro. Os novos presidentes so imediatamente confrontados com uma srie de decises no tomadas pelo governo anterior. Eles herdam um oramento formulado e promulgado em lei muito antes de tomarem posse, alm de grandes programas de gastos previstos por lei (como benefcios aos veteranos de guerra, pagamentos da Previdncia Social e o seguro-sade Medicare para os idosos). Nas relaes exteriores, os presidentes precisam obedecer tratados e acordos informais negociados por seus antecessores no cargo.

    medida que a feliz euforia da lua de mel ps-eleio se dissipa, o novo presidente descobre que o Congresso se tornou menos cooperativo e a mdia mais crtica. O presidente forado a fazer pelo menos alianas tem-porrias entre interesses diversos e muitas vezes antagnicos econmicos, geogrficos, tnicos e ideolgicos. preciso fazer concesses ao Congresso para que se consiga aprovar as leis. muito fcil derrotar um projeto de lei no Congresso, lamentou o presidente John F. Kennedy. muito mais difcil aprovar um.

    Apesar dessas limitaes, os presidentes conseguem alcanar pelo menos algumas de suas metas legislativas e evitam com o veto a promulgao de ou-tras leis que consideram no serem do melhor interesse da nao. A autoridade

    O presidente George W. Bush rene-se com assessores de poltica externa em 2005

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    do presidente na conduo da guerra e da paz, incluindo a negociao de tra-tados, substancial. Alm disso, o presidente pode usar sua posio nica para expressar ideias e defender polticas, que podem ento ter mais chance de sensibilizar a populao do que as defendidas por seus adversrios polticos. O presidente Theodore Roosevelt chamou esse aspecto da Presidncia de pa-lanque privilegiado, porque quando um presidente levanta uma questo, ela inevitavelmente se torna objeto de debate pblico. O poder e a influncia do presidente podem ser limitados, mas so maiores do que os de qualquer outro americano, dentro ou fora do governo.

    Os departamentos do ExecutivoA aplicao e a administrao cotidianas das leis federais esto nas mos dos vrios departamentos do Executivo, criados pelo Congresso para lidar com reas especficas de assuntos nacionais e internacionais. Os chefes dos 15 de-partamentos, escolhidos pelo presidente e aprovados pelo Senado, formam um conselho de assessores geralmente conhecido como o gabinete ou o secreta-riado do presidente. Alm dos departamentos, h diversos grupos de traba-lho no Gabinete da Presidncia. Entre eles esto a equipe da Casa Branca, o Conselho de Segurana Nacional, o Escritrio de Administrao e Oramento, o Conselho de Assessores Econmicos, o Escritrio do Representante de Co-mrcio dos EUA e o Escritrio de Polticas de Cincia e Tecnologia.

    A Constituio no contm disposies sobre o gabinete ou secretariado presidencial. Prev, no entanto, a possibilidade de o presidente pedir pareceres, por escrito, principal autoridade de cada departamento sobre qualquer tema de sua rea de responsabilidade, mas sem especificar os departamentos nem des-crever suas obrigaes. Do mesmo modo, no h qualificaes constitucionais especficas para servir no secretariado.

    O secretariado desenvolveu-se fora da Constituio como necessidade pr-tica, porque mesmo na poca de George Washington, o primeiro presidente do pas, era impossvel para o presidente desempenhar suas funes sem aconse-lhamento e assessoria. O secretariado reflexo do presidente. Alguns presiden-tes dependem muito do secretariado para aconselhamento, outros pouco e um nmero menor praticamente os ignoram. Atuem ou no como assessores, os membros do secretariado so responsveis por direcionar as atividades do go-verno em reas especficas.

    Cada departamento tem milhares de funcionrios, com escritrios em todo o pas alm de Washington. Os departamentos esto estruturados em divises, bureaus, escritrios e