1.4_Capitulo_III
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CAPÍTULO III - TRAJETÓRIAS PESSOAIS: contexto sócio-
político, econômico e ambiental
O texto que se segue aborda sucintamente alguns elementos que
contextualizam sócio-político-econômico e ambientalmente os diferentes
momentos vividos pelos integrantes, evidenciando, assim, que as decisões de
vida que cada um tomou individualmente tiveram uma motivação coletiva,
expressas através de políticas públicas.
Os elementos aqui expressos contextualizam a ocupação da porção da
região amazônica corresponde ao norte mato-grossense por meio da
colonização durante o regime militar nas décadas de 60 e 70. A
contextualização parte das políticas públicas para a ocupação, passando pelas
estratégias do governo federal para efetivar a transferências das famílias para
as novas áreas de fronteiras. Ressaltamos os problemas enfrentados pelas
famílias, nos seus locais de origem e a luta pela sobrevivência na “terra
prometida”. Ressaltamos as conseqüências socioambientais inerentes ao
modelo de desenvolvimento preconizado no processo de colonização e
efetivados através dos modos e forças de produção (GIDDENS, 1991) e
reprodução da vida Bourdieu (1991).
1. A Colonização Oficial no Regime Militar
Na década de 1960 ocorrem novas mudanças na política de ocupação.
As tentativas de integrar a Amazônia à economia nacional assumem definição
específica e relevância prática. São criados grandes projetos com incentivos e
subsídios fiscais. Através do Programa de Integração Nacional – PIN -
iniciaram os projetos de colonização oficial.
Além e anterior ao PIN, o governo federal criou outros programas de
incentivos a ocupação da amazônia objetivando sua integração econômica ao
restante do país. O mapa abaixo mostra a área de abrangência e de
investimento desses órgãos.
Fonte: Silva (2005)
Na linha das políticas desenvolvimentista do governo militar criou o
Programa de Integração Nacional – PIN – em 1970. Voltava-se ao fomento de
projetos de desenvolvimento agro-industrial no Nordeste e de criação de
alternativas para os contingentes populacionais inabsovíveis pela economia
rural da região, através da realização de programas de colonização e irrigação.
Tais projetos a serem implantados nos espaços de vazios demográficos
(SANTOS, 1993), tinha por objetivo principal estender a rede rodoviária e
implementar projetos de colonização oficial nas áreas de atuação da Sudene e
Sudam.
O Programa de Integração Nacional – (PIN) - ocasionou uma corrida
desenfreada de grupos interessados do centro-sul para a Amazônia Legal. Tais
grupos visavam à extração da borracha, castanha, agropecuária, especulação
de terras em função dos incentivos fiscais para a Amazônia Legal.
Consequentemente o fluxo migratório foi rápido e predatório, ocasionando
conflitos com a população local (Becker, 1998).
Com a ocupação desordenada outros conflitos sociais pela posse da
terra foram se intensificando. O êxito do projeto significava a solução dos
problemas de homens sem terra no Nordeste e no Sul, e terra sem homens na
Amazônia.
O quadro abaixo sintetiza os principais programas, objetivos e órgãos de execução do governo para promover o desenvolvimento e atingir os demais objetivos da região amazônica.Quadro 1
Principais elementos da estratégia de ocupação da Amazônia (1953 a1988) Ano Programas, projetos e órgãos
executores. objetivos
1953 SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia/Presidência da República.
Elaborar planejamentos qüinqüenais para valorização da Amazônia.
1958 Rodovia Belém-Brasília (BR-010) /Ministério dos transportes, DNER.
Implantar um eixo pioneiro para articular a Amazônia Oriental ao resto do país.
1960 Rodovia Cuiabá-Porto Velho (BR-364) /Ministério dos transportes, DNER.
Implantar um eixo pioneiro para articular a porção meridional da Amazônia.
1966 SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazonia/Ministério do Interior.
Coordenar e supervisionar programas e planos regionais; decidir sobre a redistribuição de incentivos fiscais.
1967 SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus/Ministério do Interior.
Integrar a porção ocidental da Amazônia , mediante a criação de um centro industrial e agropecuário e isenção de impostos.
1968 Comitê Organizador dos Estudos Energéticos da Amazônia/Ministério das Minas e Energia.
Supervisionar estudos referentes ao aproveitamento do potencial energético.
1968 Incentivos fiscais/SUDAM. Promover investimentos na região, por meio de deduções tributárias significativas.
1970 PIN – Programa de Integração Nacional. Estender a rede rodoviária e implantar projetos de colonização oficial nas áreas de atuação da SUDENE e SUDAM.
1970 PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à agroindústria no Norte e Nordeste.
Promover a capitalização rural.
1970 INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Ministério do Interior.
Executar a estratégia de distribuição controlada da terra.
1974 Polamazônia – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia/Min. Int., Agrc., e Transporte
Concentrar recursos em áreas selecionadas visando o estímulo de fluxos migratórios, elevação do rebanho e melhoria da infra-estrutura.
1980 GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia – Tocantins.
GEBAM – Grupo Executivo para o Baixo Amazonas SGCSN/PR.
Regularização fundiária, em grande escala, recursos minerais e agroflorestais da região.
1980 PGC – Programa Grande Carajás
Seplan/PR
Explorar de forma integrada, em grande escala, recursos minerais e agroflorestais da região.
1981 Polonoroeste – Ministério da Agricultura, Transporte e Interior.
Pavimentar a BR-364; promover a colonização.
1985 PCN – Projeto Calha Norte
SGCSN/PR.
Oficialmente, assegurar a soberania nacional, fiscalizar a circulação e assistir índios.
1987 Projeto 2010 – Ministério da Minas e Energia, Eletronorte.
Implantar rede elétrica para estimular o desenvolvimento industrial da região.
1988 Programa Nossa Natureza – Ministério do Interior, AS-DEN/PR.
Oficialmente, rever legislação ambiental para a região e zoneamento agroecológico na Amazônia.
Fonte: Becker (1998).
De acordo com Castro et. al. (2002), a década de 1970 é marcada por
elevados investimentos do governo em infra-estrutura para viabilizar
definitivamente a ocupação amazônica. Foram investidos principalmente na
construção de estradas, incrementos à colonização agrícola, aperfeiçoamento
dos incentivos fiscais. Com isso, a frente agrícola é deslocada para o eixo das
estradas Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho, Porto Velho-Manaus, facilitado
pela liberação por parte do Estado da faixa de terra de 100 km ao longo das
margens das rodovias federais.
As políticas de colonização dirigidas, segundo o PIN, tiveram como
objetivos deslocar a fronteira agrícola; criar condições para incorporar à
economia de mercado amplas faixas da população, reorientar a migração de
mão-de-obra para regiões menos populosas.
Segundo Castro et. al., (2002), o governo militar realizou sua política
agrária sem alterar a fundiária. Seu objetivo de transferir a população
expropriada para “as terras sem homens” por meio dos projetos de
colonização, era de fornecer força de trabalho até então inexistente, para os
projetos agrominerais e agropecuários dirigidos por grandes empresas. A
implantação dessa política garantiu a permanência dos latifúndios existentes,
bem como a formação de outros. Desses imóveis originaram as monoculturas
de grandes dimensões, que acarreta o processo de monopolização das terras
por meio da expansão das lavouras e desapropriação camponesa. Os
camponeses mais capitalizados expandiram suas áreas através da compra dos
lotes dos desistentes, o que favoreceu a reconcentração de terras, que hoje é
um fato consumado.
A colonização passa a ser dirigida por meio da associação entre o
Estado e o capital nacional e estrangeiro - iniciativa privada. Cabe ao Estado
promover o investimento em infra-estrutura, pesquisa e planejamento para
facilitar a atuação do capital privado. À iniciativa privada coube a condução
concreta do processo de ocupação que foi através de grandes empresas. O
exemplo disso foram os projetos de colonização que deram origens aos
municípios de Canarana e a Água Boa, dentre outras vilas e povoados1. A
década de 1970 ocorreu o maior movimento de colonização realizado pela
iniciativa privada em toda a Amazônia (SCHWANTES, 1989).
A partir da década de 1970, ocorrem novas modificações na proposta de
desenvolvimento da Amazônia e consequentemente do norte de Mato Grosso.
Permanecem os objetivos de atrair os empreendimentos privados. O governo
procura dar uma conotação social à política de ocupação. O caráter social
dessa política é manifesto na preocupação com os excedentes populacionais e
conflitos sociais de outras regiões do país. Os excedentes populacionais
passariam a ser assentados ao longo das estradas abertas na Amazônia
(BECKER, 1998). De modo geral, o instrumento principal e de certa forma mais
eficaz para a ocupação foi o Programa de Colonização Dirigida, pelo qual se
pretendia assentar até 1980 cerca de 1 milhão de famílias na Amazônia.
O INCRA2, enquanto órgão oficial do governo assume as novas
diretrizes da colonização dirigida para ocupar a Amazônia, visando o
assentamento de pequenos produtores na fronteira. Esta colonização difere
das demais quanto à abrangência e ao ritmo de ocupação e principalmente
pelo papel do governo na implementação e coordenação dos programas de
colonização.
Segundo Haesbaert (1996), nesse período, o norte do Mato Grosso, foi
uma das áreas que mais receberam migrantes da “diáspora”. O Estado teve 1/3
de suas terras ocupadas com estabelecimentos rurais, resultado de um intenso
processo de apropriação de terras por parte de empresários do sul e sudeste e
por cooperativas, enquanto empresas capitalistas. Estas empresas
implantaram projetos de colonização para os quais é drenada a massa de
1 A origem destas cidades faz parte dos projetos de colonização da Cooperativa de Colonização 31 de Março – COOPERCOL. Foi fundada em 1971 em Tenente Portela, pelo pastor luterano Norberto Schwantes juntamente com pequenos agricultores. A razão da criação da cooperativa foi a viabilização da migração das famílias de agricultores para o Mato Grosso e Pará. Dentre os projetos de colonização realizados pela cooperativa destacam-se: o projeto de Altamira, de Canarana e de Terranova no Norte de Mato Grosso. Cf.: SCHWANTES, 1989. 2 O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA – foi criado pelo governo federal, em 1970, para fazer o levantamento cadastral das propriedades agrícolas e demarcação de áreas prioritárias para a colonização e reforma agrária, alem de cuidar das medidas executivas para a sua implementação. A partir de 1985, foi vinculado ao Ministério de Assuntos Fundiários, que foi instinto em 1987 e suas funções foram transferidas para o INTER – Instituto Jurídico das Terras Rurais. A partir de 1989 foi reativado pelo Decreto n° 02.
pequenos produtores sulistas deslocados pelos conflitos agrários, e pela
transformação técnico-produtiva ocorrida na Região Sul.
Castro et. al., (2002) coloca que a partir de 1978, a política de
colonização se caracteriza pela política de ação conjunta entre INCRA e
cooperativas. Através dos Programas de Colonização Dirigida divulga a
possibilidade de dar terra e melhores condições de vida ao trabalhador rural na
região amazônica. Tinha como um dos objetivos declarados o acesso a terra
para pequenos produtores, mas na realidade, o que se buscava era a
racionalidade da ocupação através de uma ordenação dos fluxos migratórios.
A ação do governo é no sentido de criar condições para resolver a crise
agrária não com reforma agrária, mas com através da colonização oficial. Esse
período coincide com o período de intensa repressão e de repúdio aos
movimentos sociais que reivindicavam políticas de melhoria no campo, pela
ditadura militar. Assim, a reforma agrária estava sendo substituída pela
colonização dirigida através da política de assentamentos. O governo federal
divulga a possibilidade de dar terra e melhores condições de vida ao
trabalhador rural na região amazônica do norte mato-grossense.
O Plano de Integração Nacional, referente à colonização, tinha como
objetivo ampliar a fronteira agrícola para as margens do rio Amazonas. Por
isso, procurou alocar e reorientar a mão-de-obra e os excedentes
populacionais para as áreas de fronteiras. Dessa forma, a colonização atuou
para apaziguar os conflitos nas áreas rurais na região sul do país, ao passo
que ao distribuir terras disponíveis, o governo dava uma resposta às
reivindicações intensas dos trabalhadores rurais. Indiretamente, esta política
acabou reforçando o processo de acumulação em novas áreas na medida em
que viabilizava a criação de um bolsão de subsistência de mão-de-obra na
região.
O INCRA foi o órgão encarregado de promover esse tipo de colonização.
Dá-se início um novo e complexo modelo de colonização: Projeto Integrado de
Colonização – PIC. Esse modelo ficou caracterizado por uma organização
espacial idealizada e rígida, longos processos burocráticos e muito amplos os
objetivos. Seriam distribuídos lotes de 100 ha. aos colonos que teriam numa
rede hierarquizada de núcleos urbanos – rurópolis, agrópolis e agrovilas – a
base para a sua organização (BECKER, 1998).
Cada projeto de colonização oficial teve suas características peculiares
inerentes à sua estrutura e execução. Porém, na prática todos os projetos
foram criados com o intuito imediato de abrir novas fronteiras na floresta
amazônica. Por isso, ressaltamos que um dos grandes problemas associados a
intensificada ocupação dessas novas áreas é a questão ambiental. (...) Uma
vez que os gaúchos “destruíram” o Rio Grande do Sul e passaram a utilizar as
mesmas técnicas utilizadas para o desbravamento desses biomas até então
preservados ou pouco utilizados. Um dos exemplos mais marcantes é a
devastação dos Cerrados para o aumento das lavouras de soja e a substituição
dessa vegetação por pastagens para o desenvolvimento da atividade
pecuarista intensiva (Ruhoff, et. al., 2005).
Além disso, é preciso destacar que todo o quadro natural da Floresta
Amazônica com a intensificação dos deslocamentos migratórios para o centro-
norte do Brasil, com maior ênfase a “diáspora gaúcha”, encontra-se em
processo de degradação. Um dos mais graves problemas foi e continua sendo
o desflorestamento ocasionado principalmente pela ocupação acelerada deste
espaço, com a introdução pecuarista e agrícola além da mineração. Atividade
esta muito prejudicial ao meio ambiente da região e que tem grande
expressividade enquanto atividade econômica da Amazônia, que atualmente é
considerada a última fronteira agrícola (HAESBAERT, 1996).
De modo geral, a colonização oficial em Mato Grosso não atingiu os
resultados esperados.
Muitos colonos venderam seus lotes, outros o abandonaram. Muitos dos
migrantes não tinham vocação para a agricultura. Quase todos os lotes estão
desmatados, mas com poucas ou sem nenhuma lavoura. As pastagens,
enquanto monocultura, predomina como atividade de sobrevivência. Houve
muita violência e corrupção, processos de grilagem de terras, vendas ilegais. A
questão agrária permanece na lista dos problemas regionais e nacionais
(BECKER, 1998; PANNUTI, 2002).
Castro et. al., (2002), situa a colonização no estado de Mato Grosso,
enfim a colonização amazônica como um instrumento da política
governamental para efetivação da expansão do capitalismo agrário relegando
as questões relativas ao meio ambiente.
O estado assistiu a um intenso processo de mecanização da agricultura
que gerou e gera algumas conseqüências negativas para a sociedade e ao
meio ambiente. Isso ocasionou muitos conflitos sociais pela posse da terra. Em
relação ao meio ambiente e o cultivo extensivo da agricultura e da pecuária
provoca um desgaste cada vez maior dos solos com o uso de insumos
químicos gerando poluição de rios e mananciais.
Para Oliveira (1989), o processo de inserção da região norte mato-
grossense, bem como toda a região amazônica, ao capitalismo valendo-se da
colonização como instrumento prático desse processo e que foi traçado pela
geopolítica militar sob discurso da doutrina de “desenvolvimento com
segurança”, acabou ocupando – usurpando – destruindo [os biomas] da
amazônia (OLIVEIRA, 1989).
2. Fronteira Agrícola no Norte Mato-grossense
A questão da fronteira agrícola na Amazônia mato-grossense3 é de
grande importância para o entendimento da produção e manutenção da
unidade de produção familiar, bem como da luta pela posse da terra. Segundo
Pannuti (2002), no Brasil, a fronteira agrícola se faz presente desde a
descoberta pelos portugueses com o movimento de populações na busca por
melhores condições de vida, conquista de territórios ou de exploração de
recursos naturais.
No século XX, a fronteira agrícola incorpora a preocupação com
segurança nacional e desenvolvimento econômico. Mas continuou a ver nos
movimentos de mudanças de população, para os chamados espaços vazios,
uma solução para os problemas sociais, econômicos e políticos.
A fronteira agrícola implica um movimento de expansão e deslocamento
de força de trabalho, de áreas desenvolvidas economicamente para áreas
menos desenvolvidas ou em desenvolvimento. Cabe ressaltar que em nossa
3 Compreendemos como Amazônia mato-grossense a porção do território que se estende ao Norte do paralelo 16° próximo à cidade de Jaciara, Mato Grosso, onde a drenagem é denominada pelos principais rios afluentes do rio Amazonas: os rios Araguaia, Xingu, Teles Pires, Tapajós, Madeira e Guaporé.
História, o deslocamento de fronteiras se deu em razão da expansão das
grandes propriedades, por exemplo, a política de fortificação dos latifúndios
para acabar com o minifúndio no centro-Sul do país.
Para Graziano da Silva (1982), a fronteira agrícola faz parte do modelo
agrícola brasileiro, cujo crescimento esteve sempre vinculado a existência de
uma fronteira a ser ocupada. O que caracteriza como um modelo de agricultura
extensiva, ou seja, através da incorporação de novas áreas que se ampliou a
produção agrícola brasileira.
Neste sentido, adotou-se novo padrão agrícola no país com as seguintes
características: concentração fundiária, utilização crescentes dos processos
mecânicos (tratores, arados, colhedeiras) e insumos químicos e biológicos
(sementes selecionadas, fertilizantes, corretivos e defensivos), aumento na
capacidade de armazenamento e melhoria nos transportes, transformações na
comercialização agrícola via cooperativas e vendas direta às agroindústrias,
expansão do crédito rural subsidiado. E também, mudanças nas relações de
emprego e estruturas de classes no campo com expansão da burguesia
agrícola e do trabalho assalariado.
Oliveira (1972) coloca um dado interessante para a compreensão dessa
expansão da fronteira. Ao longo do Brasil a expansão sempre foi incentivada
por financiamentos de crédito do Banco do Brasil, de Cooperativas e
Programas que foram oferecidos aos produtores para que colonizassem essas
áreas ainda pouco integradas a produção, aumentando assim a produção
agrícola interna do Brasil. De certa forma a expansão da fronteira agrícola
parece estar vinculada a necessidade de aumentar a produção agrícola com
baixo coeficiente de capitalização. O aumento da produção foi conseguido pela
expansão horizontal da ocupação do território, sob uma forma de acumulação
primitiva estrutural em que se expropria o excedente criado pela posse
transitória da terra por trabalhadores rurais ou pequenos produtores.
Para Becker (1998), a fronteira agrícola na Amazônia assume um
significado contemporâneo que difere e transcende seu conceito clássico que
traz a idéia de vazios demográficos, de espaços vazios, de terras virgens. O
debate sobre a fronteira se desenvolve em torno do significado da participação
de pequenos produtores e grandes empreendimentos capitalistas, e das
conseqüências dessa participação.
No passado a fronteira era concebida como sinônimo de povoamento e
investimento ligada a atividade agrícola e mineira gerava crescimento da
população e de produção. Mas ela, no final do século XX, apresenta novas
características conseqüentes das políticas de integração nacional e unificação
dos mercados e dos capitais envolvidos. Assim, a fronteira já nasce
heterogênea e constituídas de varias atividades; seu povoamento e produção
são modestos; já nasce e com intenso ritmo de urbanização; e a participação
do governo federal tem papel fundamental tanto no planejamento como nos
investimento em infra-estrutura.
A fronteira, portanto, deixa de ser sinônimo de terras de volutas
franqueadas a pioneiros ou colonos. Passa a ter um significado de um espaço
social, econômico e político potencialmente gerador de novas estruturas e
realidades. A fronteira seria um elemento complexo e dinâmico que alimenta o
processo de acumulação e que constrói não só ideologicamente e
simbolicamente a possibilidade da reprodução familiar, como permite novos
processos de diferenciação social.
Recentemente a ocupação da fronteira ocorreu tanto pela grande
empresa como pelo pequeno produtor. Aquela com fins especulativos, este
para produção de alimentos. Segundo Castro et. al. (2002), o Estado atuou
contraditoriamente, propiciando a reprodução e ampliação do capital,
articulando, politicamente, os diferentes interesses de classe, com fins de
harmonizar as relações socioeconômicas. A contradição se materializa na
atuação do INCRA, que promovia a colonização direcionada para pequenos
produtores, e órgãos, como a SUDAM, que promoviam a ocupação através da
grande empresa, oferecendo créditos e incentivos fiscais.
O exemplo disso é caso do norte de Mato Grosso. Onde a terra foi
vendida (como uma mercadoria) a grandes proprietários e comprada para a
produção de subsistência por pequenos proprietários. Isso se tornou razão de
conflitos pela forma como aconteceu. O projeto do governo de fazer uma
distribuição de terras para pequenos proprietários, a partir da colonização
oficial não surtiu o efeito esperado. Pois, com a abertura das estradas e com os
incentivos fiscais possibilitaram a entrada de grandes empresas agropecuárias
que promoveram uma ocupação especulativa da terra e não somente de
produção (PANNUTI, 2002).
Para Castro, et. al. (2002), a questão da fronteira agrícola e a pequena
produção de subsistência sempre estiveram associadas. Porém, com a
expansão do processo de acumulação capitalista no campo e com a expansão
da fronteira até a Amazônia, o pequeno produtor rural vem encontrando cada
vez mais dificuldades de sobrevivência. Tal dificuldade de não sobrevivência,
constituída por muitos fatores manifestou-se no sul do país, razão da migração
e passa a se reproduzir no processo de ocupação na Amazônia. No norte de
Mato Grosso, a luta pela sobrevivência ocasionou a perda da terra, seja pelo
abandono, pela falta de condição de produção ou pela violência e conflitos
ligados a posse especulativa da terra. Por isso, o movimento de expansão da
fronteira acaba sendo também um processo de luta dos despossuídos, dos
sem-terras e dos posseiros.
Portanto, a fronteira representa e materializa um conjunto de fenômenos
concretos e diferenciados, onde o governo federal se faz presente, diretamente
ou indiretamente, em todos os níveis.
3. Como Viviam as Famílias em locais de origem.
Para compreender a história da migração das famílias de gaúchos para
a Amazônia Legal é necessário observar como ocorreu a ocupação do território
de origem dos migrantes e as ações governamentais que incentivaram a
migração como já tratamos acima.
Agora focamos mais nas regiões Tenente Portela e das reservas
indígenas de Nonoai e Planalto, locais de origem de grande parte das famílias
que migraram para o Projeto de Assentamento Conjunto – PAC Terranova.
Concentramos-nos nas condições de vida e a ação governamental que foram
decisivos na opção das famílias em migrarem para um lugar desconhecido e
diferente da suas tradições.
A ocupação dessa região começa com a imigração alemã e italiana.
Após o governo conceder pequenas propriedades nas áreas de florestas onde
não ameaçaria o latifúndio pastoril. Além dos imigrantes estrangeiros outros
habitantes provenientes da Revolução Federalista (de 1893 a 1895) também se
instalaram na região. Eram portugueses, caboclos e principalmente índios
Kaingangues. Sendo que o início da exploração das terras aconteceu por volta
de 1911. A partir da década de 40 viviam aproximadamente 90 famílias vindas
de diversos municípios4 (SILVA, 2005).
Segundo Santos (1993), ainda no século XIX, os Kaingang foram
transferidos de outros lugares para esta região por causa da chegada dos
europeus às terras do noroeste do estado. Em 1908, foi criada a reserva
indígena Nonoai, com 34.908 hectares. Em 1941 foi reduzida para 14.910
hectares. Com o restante da área foi criada uma reserva florestal.
O conflito na reserva indígena se intensifica a partir da década de 60,
quando quatrocentas famílias de pequenos agricultores passam a ocupar a
reserva indígena. Já em 1969, mais seiscentas famílias adentraram o território.
O governo reage para controlar a situação expulsando da reserva, os
agricultores. Mesmo assim, duzentas famílias permaneceram na reserva.
Novas invasões ocorrem nos anos seguintes. E em 1975, totalizavam
novecentas e setenta e quatro famílias em uma área de 9.634 hectares na
reserva.
As “invasões” tinham o aval do SPI - Serviço de Proteção aos Índios - e
da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), para a qual, os camponeses deviam
entregar 20% de sua produção. A expansão foi descontrolada, para aumentar a
lavoura mecanizada. A reserva indígena dos Kaingang foi, em grande parte
tomada pelas culturas de soja, milho e trigo. Os índios passaram a trabalhar
como diaristas por míseros salários. Por esse motivo, alterou-se o solo e o
clima. As águas passaram a não se infiltrar devidamente provocando fortes
enchentes, como as dos anos de 1965 e 1972, que foram um dos motivos de
expulsão por deixar muitas famílias desabrigadas (SANTOS, 1993).
Schwantes (1989) coloca que a opção pela migração já vinha sendo
discutida por um grupo de agricultores e técnicos agrícolas ligados a rádio
municipal, à igreja luterana e à igreja católica de Tenente Portela, sob a
coordenação do pastor Norberto Schwantes. Este, frente à diretoria da
cooperativa Coopercol conduziu as negociações com o Conselho Nacional de 4 O nome Tenente Portela é em homenagem ao primeiro tenente de engenharia Mário Portela, morto em 1925 na barra do Rio Pardo, como membro da Coluna Prestes. Em 1942 o lugar passou a ser chamado de Tenente Portela. Anteriormente receberá o nome de Pari e Miraguaí. Em 1955 o distrito de Tenente Portela passou a município. Cf.: Tenente Portela 1955-1980. Publicações em homenagem ao Jubileu de prata da emancipação político-administrativa do município. Prefeitura municipal de Tenente Portela, 1983.
Segurança firmando o convênio com o INCRA. Antes, porém, o próprio
INCRA pagou uma viagem ao grupo para visitar as experiências de
colonização privada e oficial em Mato Grosso. Na oportunidade foram visitados
os projetos de Dourados e outras fazenda em Barra do Garça.
O INCRA firma convênio com a cooperativa Coopercana para trazer os
colonos para a região de Barra do Garça e Terranova. Mas, neste momento, o
INCRA focava os esforços para a transamazônica em Altamira no Pará.
Schwantes (1998) relata que Altamira estava sendo violentamente despertada.
Até então, tinha sido apenas uma vila de abastecimento que servia de
entreposto de abastecimento para seringueiros, castanheiros, caçadores de
peles e pequenos aventureiros. Viu-se transformada na “capital da
Transamazônica”, alvo de interesse dos jornais de todo o Brasil – e até do
exterior – que queriam testemunhar a grande avançada da civilização contra a
selva ou a “última grande territorial do século XX” conforme alardeava a
propaganda governamental.
Dessas viagens resultou um vasto material editado em slide e projetado
como propaganda para convencer os agricultores a migrarem. Seguido a esse
momento, a Coopercol promoveu um curso de quinze dias para os agricultores
decididos a migrarem para o projeto de Altamira. O curso tinha por base o
material coletado nas viagens de reconhecimento das áreas a serem
colonizadas. (...) Procuramos dar todas as informações sobre o clima
condições saúde – prevenção contra malária – questões de higiene, cuidados
contra cobras, enfim tudo que alguém precisa saber quando sai do Rio Grande
do Sul para ir morar na Amazônia (SCHWANTES, 1989).
O projeto em Altamira teve sérios problemas, como falta de experiência
do INCRA na condução, falta de infra-estrutura geral e assistência e
desentendimento entre colonos e o pessoal do INCRA que atendiam o projeto
e a falta da família. Tais problemas causaram grande desistência e abandono
dos colonos. O projeto foi interrompido e novamente a Coopercol assume as
negociações entre o INCRA e os agricultores de Tenente Portela. Ao final
foram mais de 480 famílias para Altamira e Itaituba no Pará.
Enquanto isso, os conflitos entre agricultores e índios se intensificavam e
a Coopercol rapidamente providenciava outra leva de agricultores em um novo
projeto: Canarana5 em Barra do Garça. A Coopercol assumira toda a infra-
estrutura do projeto. Muitas famílias de colonos chegaram no período da seca,
antes mesmo da abertura dos lotes e da construção das casas. Formaram um
pequeno vilarejo onde as famílias ficaram abrigadas em barracos cobertos de
lona até a cooperativa providenciar a construção das casas. Novamente a falta
de infra-estrutura foi uma das grandes dificuldades. E muitos colonos só não
desistiram porque ficaram impressionados com a fartura de caça na região.
Em 1975, juntamente com os colonos de Água Boa Norberto Schwantes
funda a Cooperativa Agropecuária Mista Limitada - Coopercana6. Nesse
período, ficava difícil a viabilização dos projetos de colonização através da
Coopercol, pois a consulta aos associados era sempre de difícil negociação.
Uma vez que os mesmo não tinham mais interesse por outros projetos. Assim,
no mesmo ano Norberto Schwantes se desliga da direção da Coopercol e
funda a Colonização e Consultoria Agrária -CONAGRO S/A Ltda, que viria a
substituir a Coopercol nas atividade de colonização, mas como uma empresa
privada. Pouco mais tarde, Coopercana e Conagro desenvolveram o projeto
Terranova7.
No final de 1977, o ministro Rangel Reis visita os projetos de
colonização da Conagro acompanhado de Norberto Schwantes. Na
oportunidade o ministro manifesta a preocupação com a questão dos conflitos
nas reservas indígenas em Tenente Portela, Nonoai e Planalto no Rio grande
do Sul. Questão conhecida por Norberto Schwantes, pois em 1964 havia criado
uma escola só para índios na Reserva Guarita. Portanto, tinha boa reputação
junto aos índios e colonos. Fato esse, somado a grande atuação da
Coopercana e a Conagro em projetos de colonização leva o ministro Rangel
5 Segundo Schwantes (1989), o nome Canarana surgiu de uma discussão com outros membros da Coopercol que listaram nomes de plantas típicas da flora amazônica e escolheram Canarana que é um capim, cujo nome lembra Canaã – a terra Prometida. Uma alusão a passagem bíblica do Velho Testamento e que era constantemente utilizada para simbolizar a migração, (p.99) 6 A Coopercana nasceu em uma reunião de poucos pequenos agricultores no dia 7 de julho de 1975, na cidade de Não-Me-Toque, mas foi registrada com sede em Água Boa. Seus fundadores foram futuros moradores de Água Boa, que já dispunham de uma boa cooperativa no Rio Grande do Sul e queriam ter esse mesmo sistema de apoio em Água Boa. Norberto Schwantes, então era gerente da Coopercol e Presidente da Coopercana. 7 O nome Terranova (assim escrita junto) surgiu na viagem de volta da comissão formada por
membros da Conagro / Coopercana, INCRA, representantes políticos e dos agricultores, que visitaram a área destinada ao projeto de colonização que absolveria os colonos expulsos das áreas indígenas do sul do país, no início de 1978.
Reis incumbir a Conagro para negociar a vinda dos colonos das áreas de
conflitos para o norte do Mato Grosso, onde já se encontrava aberta a Rodovia
Cuiabá – Santarém (BR 163) e rodovia estadual J-1. O PAC/Terranova, na
época de sua implantação, estava situado ao Noroeste do município de
Chapada dos Guimarães próximo ao rio Peixoto de Azevedo, afluente da
margem direita do rio Teles Pires na bacia do rio Tapajós. O projeto abrangia a
reserva exército utilizada para treinamentos e manobras militar com 300.000 ha
abrangia também a gleba Teles Pires com 135.000 ha. (CASTRO, et. al. 2002;
SCHWANTES, 1989).
O desfecho dos conflitos acontece em janeiro de 1978, quando os índios
expulsaram os brancos de sua reserva com base no Estatuto do Índio de 1973,
que ordenava a expulsão dos brancos de todas as terras indígenas. Os
Kaingang ficaram com a lavoura de soja que restara. Estes dados permitem
entender que a migração destas famílias para Mato Grosso, de fato aliviava (de
fato aliviou) os conflitos com colonos nas reservas indígenas.
Os colonos, sem destino, foram acampar as margens da estrada no Alto
Uruguai. O governo só interveio em maio, levando quase oitocentas famílias ao
Parque de Exposição de Agropecuária em Esteio, próximo de Porto Alegre.
Permaneceram lá por dois meses sob rígido controle da polícia. Mas duzentas
famílias continuavam às margens da estrada. O êxodo de Tenente Portela foi o
maior, do Rio Grande do Sul para a Amazônia Legal (SILVA, 2005). O governo
rapidamente estimulou o assentamento na Amazônia norte mato-grossense,
seja pela colonização particular realizada por empresas colonizadoras -
Conagro, seja pela colonização oficial, através do INCRA e cooperativas –
Coopercana (SCHWANTES, 1989).
Assim, a Conagro, a Coopercana e o INCRA ficaram com tarefas
distintas no desenvolvimento do PAC Terranova. A Conagro ficou com a parte
de elaboração do projeto e a negociação direta com o Incra, Ministério do
Interior, da Agricultura e com o Presidente Geisel. A Coopercana ficou
encarregado pela administração e execução do projeto.
O governo tinha urgência em retirar as famílias acampadas no Parque
de Esteio por causa da data da Exposição Internacional de Animais. Então, foi
organizada uma frente de ação e recursos financeiros para o projeto entre
esses órgãos. O objetivo era viabilizar recursos e agilizar o processo
burocrático da documentação das terras que seriam passadas do governo
federal para a Coopercana e os títulos definitivos para os colonos.
A condução e desenvolvimento do projeto ficaram a cargo da
Coopercana. O Incra ficou responsável pela assistência e acompanhamento
geral e repasse dos recursos. A negociação toda foi acompanhada pelo
Conselho de Segurança Nacional. A mobilização dos agricultores para a
migrarem para Mato Grosso ficou a cargo de Norberto Schwantes, então
presidente da Conagro e da Coopercana. Pois, tinha boa reputação junto a boa
parte dos agricultores acampados no parque de Esteio que eram procedentes
da reserva indígena de Guarita, em Tenente Portela.
Convencer e mobilização agricultores não foi tarefa fácil. Pois, muitos
agricultores já haviam participado de outros projetos de colonização (Altamira e
Itaituba no Pára; Canarana, Água Boa no Mato Grosso). Esses agricultores
relatavam as dificuldades e as péssimas condições de vida e de trabalho. Eles
eram contrários a migração para as novas colônias no Mato Grosso. Criticavam
esse tipo de colonização, gerando um clima de recusa na participação nesses
projetos (BECKER, 1998; CASTRO, et. al., 2002; PANNUTI, 2002;
SCHWANTES, 1989).
Foi necessário que políticos, líderes sindicais e membros de
cooperativas sobrevoassem a área destinada ao projeto de colonização e
diante das possibilidades de novas condições de trabalho assumiram a
responsabilidade de convencer os agricultores a migrarem. Desse modo o
Governo Federal evitou atritos e confrontos direto com os trabalhadores e
encontrou nas cooperativas e sindicatos o agente legitimador na condução do
processo de migração/colonização.
Além das propagandas do Governo Federal convencer os agricultores a
se transferirem para as novas áreas dos projetos, foi necessário o testemunho
vivo desse dos membros das cooperativas e sindicatos e também a reprodução
de imagens em slides e filmes, principalmente entre os agricultores acampados
no Parque de Esteio.
3.4 O que aconteceu com as famílias ao chegar
Schwantes (1989) e Pannuti (2002) relatam a chegada das famílias, o
que encontraram e o que aconteceu com elas. Em 5 de julho de 1978, chegou
a primeira caravana de colonos pioneiros procedentes do Parque de Esteio.
Eram 83 famílias que vieram de ônibus pagos pelo Ministério do Interior sob a
coordenação da Coopercana. O transporte dos colonos em ônibus não deu
certo por dois motivos. Primeiro pelo alto custo, pois requeria acompanhamento
minucioso da cooperativa de assistência às famílias. Muitos adoeciam e tinham
que ficar pelo caminho, hospitalizados sob a responsabilidade da cooperativa.
As condições de higiene nos ônibus eram precárias, de modo que a
experiência foi desastrosa. Segundo pelo tempo que levava de Porto Alegre até
Terranova no extremo norte de Mato Grosso.
A solução proposta pela Coopercana era o transporte aéreo até Cuiabá,
só então seguiriam de ônibus, a exemplo do que a Coopercol já havia feito
quando levou colonos para Altamira no Pará. O Ministério do Interior aceitou
pagar os vôos que foram feitos pela Vasp. Os vôos saiam de Porto Alegre as
23: 30 e chegavam a Cuiabá a meia-noite (devido ao fuso horário). Esses vôos
foram criticados e chamados de “ponte aérea da miséria” por muitos críticos e
jornalistas, devido às condições de vida das famílias que foram expulsas das
reservas indígenas. Assim, a cada dois dias chegavam 25 famílias nas
agrovilas de destino (SCHWANTES, 1989).
Em setembro de 1978 já haviam sido assentadas 416 famílias nas
agrovilas de 1 a 5. O processo de transferência prolongou-se até dezembro do
mesmo ano, quando foi interrompido por causa das chuvas e retomado em
março de 1979, completando as agrovilas 5 e 6. Agora se somavam 632
famílias assentadas.
Outras 400 famílias ainda permaneciam concentradas em Planalto e
Tenente Portela no Rio Grande do Sul. E começaram a ser transferidas em
para o projeto Terranova II a partir de novembro de 1979, terminando em
outubro de 1980. Nesse período, o projeto todo já havia passado por várias
alterações e se consumia em sérios problemas de infra-estrutura. A
Coopercana atravessa uma crise forte e estava a beira da falência devido à
suspensão, por parte do governo federal, dos repasses financeiros e embargo
na documentação das terras.
Na rodovia estadual J-1, enfrente a primeira agrovila construída e que se
chamou Agrovila Esteio, os colonos foram recepcionados pelos funcionários e
diretoria da Coopercana. Em seguida em frente a agrovila foram sorteados os
lotes e cada família localizou sua casa e chácara percorrendo os dois
quilômetros de estradas da agrovila. As chácaras correspondiam à respectiva
numeração dos lotes sorteados. Depois os ônibus passaram entregando as
bagagens.
Conforme regia o projeto em todas as chácaras foi construída uma
pequena casa de madeira de 40 m². Todas no mesmo modelo e tamanho
independentes do tamanho das famílias. Constava ainda no projeto mais 180
itens que iam desde agulhas e linha de costura, até panelas, baldes, xícaras,
pratos, colheres, roupa de cama, colchões, toalhas. Praticamente, o mínimo
indispensável para dentro de casa. Para auxílio, no trabalho acresciam a lista
ferramentas desde martelo e prego até moto-serra. Cada família recebeu um
pacato completo com esses utensílios.
Mas somente na primeira agrovila ocorreu como previa o projeto. A
rápida transferência dos colonos prosseguiu sem a construção da infra-
estrutura de apoio prevista. Com a falta de apoio, muitas famílias chegaram a
passar fome, pois a cooperativa não dispunha de meios para atender a
demanda. Com as casas ainda em construção os colonos acampavam na beira
das estradas ou na floresta em barracas de lona improvisadas para abrigar as
famílias até o término da construção das casas.
Ao chegar, as famílias se defrontaram com um ecossistema totalmente
desconhecido. As condições de clima, de solo, a floresta a ser derrubada
compunha um cenário adverso ao colono. Nos dois primeiros anos essas
condições foram se revelando. Muitos colonos ficavam sem trabalhar apenas
aguardando o auxilio, desmobilizados e deslocados e de certa forma
abandonados em uma região desconhecida. O “sonho da terra”, a propaganda
que enfatizava “na Amazônia a vegetação é maravilhosa, o solo tudo dá” aos
poucos, na prática revelava-se ao contrário.
O projeto previa 10 ha. de área desmatada para cada colono para a
primeira lavoura. O desmatamento foi uma das atividades do projeto mais
predatória e agressiva ao meio ambiente. A cooperativa contratou uma
empresa Goiás-Rural para fazer a derrubada da floresta. Vieram para
Terranova 25 tratores Terex de 55 toneladas cada um. Os tratores
trabalhavam em conjunto de três. Dois arrastavam uma corrente de 12
toneladas derrubando tudo o que tinha pela frente. O terceiro trator auxiliava na
retaguarda empurrando as árvores mais grossas. Na definição dos lotes a
cooperativa procurou manter a cada lado da rodovia 300m de floresta virgem.
Assim, indiscriminadamente foi derrubado mais ou menos 10.000 ha. Os
tratores seguiam paralelas as rodovias de acesso aos lotes, não respeitando as
nas nascentes, os córregos e pequenos riachos, bem como os variados tipos
de vegetação e solo (Schwantes, 1989). A superfície da região dos PACs incluí
todas as formações florestais, ou seja, floresta de várzea, de igapó, de terra
firme e florestas semi-úmida. Formação florestal típica da região amazônica
(OLIVEIRA, 1989).
Para “limpeza” da área desmatada foi utilizada a técnica do fogo. Sob a
coordenação dos técnicos da cooperativa ficou acertado que todos colocariam
fogo no mesmo dia. O momento exato seria quando o avião da coopercana
sobrevoasse a rodovia. Foi um imenso incêndio. Era agosto período seco, o
que facilitou a expansão do fogo pela floresta. A imensa cortina de fumaça
causou espanto às famílias. Mas que nos anos seguintes se acostumaram com
o cenário porque se tornou uma prática comum nas atividades agrícolas e
pecuárias. Da-se início ao sistema de degradação da biodiversidade de fauna,
flora e do ecossistema com um todo, justificado pela necessidade de produção
e sobrevivência.
Os problemas com a agricultura não tardaram a aparecer. Na maioria
dos casos produziu pouco e somente no primeiro plantio. As safras seguintes
careciam de corretivo para o solo. Os técnicos da cooperativa distribuíam
insumos e defensivos sem uma devida orientação e acompanhamento por
causa da demanda. Os colonos adotaram como prática agrícola a derrubada
continua da floresta para manter-se produzindo. Assim, todo ano derrubava
certa quantia de área de floresta para plantação. No ano seguinte, abandonava
esta área e fazia nova derrubada sempre utilizando o fogo para limpar e
controlar a vegetação (CASTRO, et. al., 2002).
Desde o início a cooperativa é que determinava o que plantar e em que
época. Só que não havia feito um estudo da região, das suas condições
climáticas e de seu solo. Assim, aplicavam o mesmo modelo de cultura do Sul.
A cooperativa seguia as orientações do modelo planejado para o mercado com
base nesse mercado, e não nas condições reais locais. Aliás, na teoria dessa
prática funda-se a expansão do capitalismo agrário. E quanto a
armazenamento da produção, praticamente nada foi feito. Com as condições
das estradas os produtos precisavam ser armazenados enquanto não fossem
transportados, ou estivesse a espera de preços melhores (PANNUTI, 2002).
Vale ressaltar que além da derrubada das matas, esses sujeitos
conquistaram, por forma de reivindicação, estradas, escolas rurais e demais
benefícios de infra-estrutura e o produto desse trabalho, a posteriori, são
apropriados pelo agronegócio e, toda infra-estrutura municipal e de seus
implementos articulação e organização são em ocorrência dessas frentes
pioneiras de colonização (Becker, 1998).
Dentre muitos colonos, não tinha havido uma decisão de migrar. Foram
levados a isso pela dificuldade de permanência e acesso a terra nas regiões
onde viviam. Outros não tinham vocação para agricultura e permaneceram no
projeto enquanto durou a assistência da cooperativa. Os colonos que queriam
se dedicar a produção agrícola passaram a enfrentar problemas de estradas,
terras improdutivas, falta de assistência e acompanhamento técnico, falta de
conhecimento do clima e dos produtos cultivados, transporte, comercialização
dos produtos etc. (SCHWANTES, 1989).
Nesse contexto, a migração é caracterizada como um fato social e não
se dá por vontade propriamente individual. Ela está articulada com o processo
de mudança e por si deriva da mudança que se verificam em todo o conjunto o
conjunto das relações de produção e relações técnicas de trabalho tanto no
campo como na cidade. O contexto ainda contava com a política agrária
brasileira apoiando a produção voltada para o mercado externo e as empresas
agropecuárias, a concentração de terra, a minifundização das propriedades dos
trabalhadores rurais do Sul, a disponibilidade de terra na Amazônia, a
preocupação com o futuro dos filhos entre outros fatores sociais que acabaram
conduzindo e determinando o movimento migratório (CASTRO, 1983).
Na verdade, nos dois primeiros anos de implantação o projeto passou
por momentos dramáticos. Isto foi gerado pelas mudanças políticas em relação
aos projetos de colonização e acabou desencadeando novos processos com
dimensões políticas e interesses não previsto.
A situação dos colonos parceleiros ficou calamitosa porque a
cooperativa à beira da falência começou a racionar até mesmo o auxílio de
subsistência (como alimentação) que vinha sustentando. Devido ao isolamento
da região e por ser uma ocupação pioneira ficando a mais de 600 km de
Cuiabá, os pioneiros enfrentaram situações adversas no desenvolvimento da
lavoura para sobreviverem. Pois, não dispunham de infra-estrutura de apoio,
além do precário apoio oferecido pela cooperativa.
O isolamento se agrava com as condições adversas do clima chuvoso
que resultaram na interrupção da BR-163, responsável pelo acesso à região,
causando o isolamento de toda comunidade. Muitas famílias, então chegam a
passar fome já que a cooperativa não conseguiu fornecer alimentação em
quantidade suficiente aos parceleiros e não dispunham de dinheiro nem para a
alimentação e nem para tocar a lavoura. Assim, o projeto não realizou o
programa de infra-estrutura mínima, bem como de estradas, escolas, hospitais,
auxílio técnico e linhas de créditos para o financiamento (PANNUTI, 2002).
Com o fracasso das lavouras e a mudança na política de incentivos a
agricultura que elevou os juros e comprometeu a comercialização e mais os
problemas encontrados na chegada, aliados à falta de condições de trabalho
na agricultura obrigaram muitos colonos a vender suas terras a preços baixos
ou a abandoná-los. Uns retornaram ao Rio Grande Sul, outros adentraram em
novas regiões de fronteiras e outros foram para o garimpo ou trabalhar como
assalariado.
Houve muitos casos em que se iniciava o garimpo no próprio lote,
deixando-os desmatados e abandonados, riachos desviados, removidos e
poluídos pelo mercúrio e combustíveis utilizados na garimpagem (PANNUTI,
2002).
Castro et. al., (2002) ressalta que no início da década de 1980, uma
comissão especial veio para verificar in loco a situação dos colonos. E
constataram que o motivo da saída dos colonos do projeto ocorreu devido à
falta de capacitação dos parceleiros para o exercício da profissão agricultor
autônomo, conforme a orientação da política agrária do período. Ou seja, da
capacidade de administrar um empreendimento agrícola de qualquer porte, em
regime de economia empresarial. Segundo os pareceres dessa comissão, se
encontravam nesta situação os que na origem eram simples trabalhadores,
tarefeiros e que não tinham tradição de exploração agrícola em regime
empresarial da pequena empresa rural familiar. Outros motivos para saída
seriam problemas de saúde, surtos de malária e falta de recursos financeiros.
Cabe ressaltar que a comissão com essas conclusões procurava
justificar o abandono ou venda dos lotes pelos parceleiros, por falta de
capacitação empresarial. Quando na verdade seria por causa de uma política
totalmente descomprometida com os interesses reais dos trabalhadores rurais,
que expulsos de suas terras foram ludibriados pela propaganda,
desmobilizados e deslocados, são abandonados em uma região desconhecida
e adversa sem um mínimo de suporte institucional.
De acordo com Oliveira (1989) cabe questionar quais os problemas
socioambientais que decorrem dessa formas de ocupação e utilização dos
recursos naturais, bem como das políticas públicas de ocupação do espaço
rural? Quais são as conseqüências – sociais, econômicas, políticas e
ecológicas – da devastação florestal perpetrada por empresas agropecuárias e
pelos pequenos agricultores e consumada através de incêndios e defensivos
agrícolas?
Para Pannuti (2002) os PACs e, em particular o PAC Terranova, no
tocante a produção da sobrevivência segue a lógica implantada no Rio Grande
do Sul, isto é, a manutenção da produção é realizado com base no
desmatamento indiscriminado. Onde a floresta e substituída por plantações
agrícolas e pastagens de curta duração atendendo sempre às necessidades do
mercado nacional e mundial. Oliveira (1989) coloca que isso ocorre a partir da
adoção das políticas de mundialização da economia brasileira que
internacionaliza os recursos naturais no sentido de que abre para a exploração
indiscriminada desses recursos.
Atividade 3
Favor desenvolva as questões abaixo e envie para o CEACD
1 - Pontuar momentos decisivos da EA,tanto na esfera global como na
local.
2 - Salientar e discutir os principais conceitos de EA.
O CEACD agradece pela caminhada que fez conosco durante as suas leituras e
pesquisas. Muito Obrigado!