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VELHOGENERAL.COM.BR OPERAÇÃO RORAIMA 1 17/04/2020 | VELHOGENERAL.COM.BR | CATEGORIAS: BRASIL, GUIANA, GEOPOLÍTICA, HISTÓRIA, VENEZUELA OPERAÇÃO RORAIMA Por Carlos Aureliano Motta de Souza* Bombardeiro Douglas A-26B “Invader” matrícula FAB 5156 comandado pelo capitão-aviador Motta de Souza durante a operação. Nesta ilustração ele já estava no 1º/10º GAv em Cumbica. Esta aeronave está hoje exposta na entrada da Ala 10 – Parnamirim/RN (Imagem: Teodor Liviu Morosanu/Air Magazine/Wings Palette). Numa história quase desconhecida, em 1969 a Venezuela e a Guiana quase foram às vias de fato devido à questão do território do Essequibo, ainda hoje reivindicado pelo país caribenho. Houve invasão do território brasileiro e a FAB e o EB envolveram-se numa operação dissuasória. Essa história é contada em primeira pessoa pelo Cel Av Motta de Souza, que comandou uma esquadrilha de dois bombardeiros B-26 da FAB durante o episódio. Esta história estava adormecida no fundo do cerebelo. Já a havia contado coloquialmente, tipo “jogando papo fora” em mesa de cerveja. Há dias recebi a história da Operação Traíra, ocorrida pouco antes da minha saída da FAB. Essa operação foi montada para repelir energicamente a invasão do nosso território por guerrilheiros das FARC que fugiam da Colômbia devido à repressão a essa facção criminosa. Todavia, foram os recentes acontecimentos de atrito na fronteira com a Venezuela que me motivaram a contar esta história. Em janeiro de 1969 participei de uma operação militar de urgência que requereu a pronta intervenção das nossas forças armadas, sobre a qual não encontrei informações oficiais até a chegada da era digital. Assim, valendo-me de minha memória antiga e dos meus apontamentos de voo, posso hoje autenticar minhas reminiscências com depoimentos do Prof. Google. Talvez essa omissão documental oficial se deva à preocupação do governo em não exacerbar os atritos de fronteira que existiram no passado entre aquele país, o Brasil e a Guiana Britânica e finalmente resolvidos no século passado, mas que ainda insistem em se manter latentes desde a emancipação da Guiana em 1966.

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OPERAÇÃO RORAIMA PorCarlosAurelianoMottadeSouza*

BombardeiroDouglasA-26B“Invader”matrículaFAB5156comandadopelocapitão-aviadorMottadeSouzaduranteaoperação.Nestailustraçãoelejáestavano1º/10ºGAvemCumbica.EstaaeronaveestáhojeexpostanaentradadaAla10–Parnamirim/RN(Imagem:TeodorLiviuMorosanu/AirMagazine/WingsPalette).

Numahistóriaquasedesconhecida,em1969aVenezuelaeaGuianaquaseforamàsviasdefatodevidoàquestãodoterritóriodoEssequibo,aindahojereivindicadopelopaíscaribenho.HouveinvasãodoterritóriobrasileiroeaFABeoEBenvolveram-senumaoperaçãodissuasória.Essa

históriaécontadaemprimeirapessoapeloCelAvMottadeSouza,quecomandouumaesquadrilhadedoisbombardeirosB-26daFABduranteoepisódio.

Esta história estava adormecida no fundo do cerebelo. Já a havia contadocoloquialmente,tipo“jogandopapofora”emmesadecerveja.

Há dias recebi a história da Operação Traíra, ocorrida pouco antes da minhasaídadaFAB.Essaoperação foimontadapararepelirenergicamentea invasãodonossoterritórioporguerrilheirosdasFARCquefugiamdaColômbiadevidoàrepressãoaessafacçãocriminosa.

Todavia, foram os recentes acontecimentos de atrito na fronteira com aVenezuelaquememotivaramacontarestahistória.

Emjaneirode1969participeideumaoperaçãomilitardeurgênciaquerequereua pronta intervenção das nossas forças armadas, sobre a qual não encontreiinformações oficiais até a chegada da era digital. Assim, valendo-me deminhamemóriaantigaedosmeusapontamentosdevoo,possohojeautenticarminhasreminiscênciascomdepoimentosdoProf.Google.

Talvez essa omissão documental oficial se deva à preocupaçãodo governo emnãoexacerbarosatritosdefronteiraqueexistiramnopassadoentreaquelepaís,oBrasileaGuianaBritânicaefinalmenteresolvidosnoséculopassado,masqueaindainsistememsemanterlatentesdesdeaemancipaçãodaGuianaem1966.

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MAPA1:aGuiana.OterritóriodoEssequibo,reivindicadopelaVenezuela,aparecedestacadonacorsalmão(Fonte:CaracasChronicles/ThreeWorldsOneVision).

Paraentendimentodoquevaiserdito,umpoucodehistória.Conformerelatamos historiadores Erick LINHARES e Thiago GEHRE, a Venezuela desde semprereivindicou parte da Guiana, a oeste do rio Essequibo, mesmo após a decisãoarbitralde1899,queconsolidouosdireitosdoReinoUnidosobreessaregião.AVenezuela,aoaceitaroacordodeParis,fezacrescentarumapontadedúvidaao

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disporqueolaudodeParisde18991seriaconsideradopassívelderevisão,aditivoqueimplicariaemperderseucaráterdeintangibilidadediplomáticaepolítica2.

Adiante,prosseguemLINHARESeGEHRE:

Entretanto, as constantes disputas e reclamações evidenciaram osvíciosdo laudode1899 ea faltade forçado instrumento jurídico.Em síntese, a tese venezuelana abraçou então que a posse(britânica)resultantedolaudode1899foiirregular3.

Coma independênciadaGuianaem1966,ocontenciosovenezuelano-guianenseseagravouquandoCaracasproclamou,pordecretopresidencial,odomíniosobreaságuasdorioEssequibo,porsersenhoradaqueleterritório.

Acrescentam os citados historiadores que, diante da reação do parlamentoguianense, considerando nulo tal decreto, o líder da oposição, Chedhi Jagan,qualificouopresidentevenezuelano,RaulLeoni, de títeredosEUA, forçandoogovernoguianenseadenunciarocasoaoConselhodeSegurançadaONU.

Odiscursoexaltadode Jaganobrigouoprimeiro-ministroBurhamaafrontaraVenezuela, admitindomesmo a possibilidade de invasão armada por parte dovizinho.Esequestionava:“quempoderáimpedirqueamentalidadevenezuelanaseconvençaasimesmaqueaentradanaregiãonãoéumainvasão,senãovoltaratomaroquejálhespertence?”4.

Nãofoiaprimeiravezqueessapossibilidadepassoupelacabeçadosguianenses,mas foi quando ela apresentou maior plausibilidade, agora fora do arco deproteçãodoImpérioBritânico.EmborafizessepartedaComunidadeBritânicadeNações,era,tecnicamente,umpaísindependente.

Adiplomaciabrasileira,cônsciadastradiçõesdeRioBranco,preocupou-secomapossibilidade de invasão, em região por demais contígua às nossas fronteiras.Descrevem, assim, os cientistas políticos Erick LINHARES e Thiago GEHRE osfatosdaquelemomento:

O embaixador da Guiana, Brasith Wai Yole, disse ao encarregadobrasileiro Alfredo Rainho que não notou na Venezuela qualquerintenção de precipitar a solução do litígio, mas admitiu que asituaçãopoderiamudarpeloadventodeum“fatonovo”.Masoqueseria esse “fato novo”? Poderia ser tanto uma mudança deorientação política em Caracas, o que era pouco provável, quantoum endurecimento na posição do novo governo guianense, o queacabou acontecendo. A situação ganhou traços de dramaticidade

1LINHARES,Erick;GEHRE,Thiago.BRASILEGUIANAEMTEMPOSDEGUERRAFRIA(1966-1991).Disponívelem:ISeminárioInternacionalSociedadeeFronteiras.BoaVista:UFRR,2012.Acessoem:06/03/2019.2Idem,ibidem,p.315.3Idem,p.315.4EmbaixadadoBrasilemCaracasparaSecretariadeEstado.Telegramaconfidencialno144,de24/04/1968.Fonte:LINHARES,Erick;GEHRE,Thiago,Op.Cit.,p.315.

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quandoJagan,comolíderdaoposição,fezmençõesasebuscarajudapara o diferendo fora da esfera de influência ocidental, noschamados“amigoscomfoguetes”,numaclarareferênciaàURSSeàChina. Portanto, a internacionalização do problema venezuelano-guianensesignificavaainternalizaçãodaGuerraFrianaAméricadoSul. Todavia, o cortejo de Jagan comomundo daGuerra Fria nãointeressava ao Brasil que, gradativamente, buscava ampliar suamargem demanobra internacional na gestão do chanceler JuracyMagalhães.Nestecaso,apresençadamissãodiplomáticabrasileiraemGeorgetown, com a instalação da embaixada no final de 1968,era vista como um fator de apaziguamento dos ânimos. Assim, namedida emque Caracas ensaiou um endurecimento na questão doEssequibo,oBrasilassumiuumaposturavigilanteàsconsequênciasdocontenciosovenezuelano-guianense5(grifonosso).

Importa registrar, neste momento da narrativa, a data do comunicado aoItamaraty:3dejaneirode1969,ouseja,horasantesdeaVenezuelaconfirmaroquenaGuianasesuspeitava.

Nosanos1960,CaracasvairessuscitarareclamaçãoporEssequibo,passandoareivindicar dois terços do território da Guiana, utilizando métodos violentoscomoa

Ofensiva militar com a ocupação da ilha de Ankoko, em 1966,subversão na tentativa do vice-cônsul da Venezuela, LeopoldoTalyhardat,deatrairapoioindígenaparaapretensãovenezuelanaporEssequibo, atépressão econômica, como vetoà construçãodahidrelétricadeAltoMazaruni.GibsonBarbosa,ministrobrasileirodeRelaçõesExterioresde1969a1974,emsuasmemórias,faladeumaproposta venezuelana ao Brasil para que reabrisse a questão doPirara, eque, em troca, receberiapartedo territóriodeEssequibo.Brasília teria se recusado a tratar do assunto emnomeda paz nocontinenteedaestabilidaderegional6.

Todavia, Caracas não desiste e, impulsionada por essa obsessão, a Venezuelaprotagonizou a Revolta do Rupununi ocorrida em 1969, no sul da Guiana,consideradaporGeorgetownamaiorameaçavenezuelanacontrasuasoberania.LINHARESeGEHREresumemaRevoltadoRupununi:

A Venezuela teria apoiado ummovimento armado de fazendeiros,acompanhados por um grupo de indígenas, dispostos a criar umnovo país na região, o que daria oportunidade à Venezuela derecuperar a Zona en Reclamación. O governo de Forbes BurnhanreagiuenergicamenteparasufocaromovimentoeenviouaGuyanaDefense Force para a região, forçando a retirada dos revoltosos

5 Embaixada do Brasil Georgetown para Secretaria de Estado. Cata Telegrama confidencial nº 48, de03/01/1969.Fonte:LINHARES,Erick;GEHRE,Thiago,Op.Cit.,p.316.6Barbosa,Gibson.NaDiplomacia,otraçotododavida.RiodeJaneiro:Record,1992.

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para a Venezuela e Brasil, na condição de exilados, e capturandoalgunsdeles(SILVA,2005)7.

Feitoesseexamedesituação,passoanarraraminhaexperiênciapessoalnesseepisódio,tãopoucoconhecidodahistoriografiabrasileirae,atémesmo,militar.

Em 17 de dezembro de 1968 eu havia assumido o Comando do histórico esaudoso 1º/5º GAv em Natal e decidi não sair de férias e compor o efetivomínimodeoficiais-aviadoresquedeveriampermanecerguarnecendoaunidade.

O 1º/5º GAv, esquadrão de bombardeiros, estava equipado com os B-26,recentemente recondicionados nos Estados Unidos. Na época de férias,obviamente,aatividadeaéreaficavareduzida.

Pensei em aproveitar o período para organizar a unidade recém assumida,quando,em8dejaneiro,recebemosordemdoEstado-MaiordaAeronáuticaparaentraremprontidãoeprepararumaesquadrilhadequatroaviõesparaeventualmissãodeempregoreal.Pânicogeral!Empregoreal?Onde?ExceçãodoVietnã,que estava começando, não havia nada que pudesse explicar “emprego real”.Seriaumademonstraçãocomarmamentoreal?Não,eraempregoreal.

Dia 9 de janeiro veio a ordem de deslocamento cifrada. Deslocar dois B-26armados apenas com munição .50 e preparar foguetes e bombas que seriamtransportados por C-130 e entregues no destino, juntamente com equipes demanutenção e armamento. Decolar dia seguinte, 10, com destino a Belém eapresentar-se ao Comandante da 1ª Zona Aérea, major-brigadeiro Joléo, parareceber instruçõesdetalhadassobreamissão.ProsseguirparaManause,de lá,paraBoaVista.DeixarpreparadosedeprontidãooutrosdoisB-26etripulações,para decolagem imediata, se necessário. Lacônica como soe acontecer a umamensagemcifrada.

Reunidaagalera,passou-seàmontagemdasequipagensedemaisprovidências.“Equipe de manutenção” significava todas as especialidades e respectivoferramental. O pessoal de armamento foi dispensado do deslocamento, paraauxiliarnapreparaçãodacargaasertransportadapeloHércules.Despedirdasfamílias era obrigatório, pois recebemos a data de ida, mas não a de volta.PoderiaserdepoisdopróximoNatal...

Asequipagensparaaesquadrilhadedoisaviõesforam:

• 5156:capitão-aviadorMottadeSouzae1ºtenente-aviadorGodeiro;

• 5152:1ºtenente-aviadorEnyltone2ºtenente-aviadorRamos.

Àscincohorasdamanhãde10dejaneirode1969decolamosparaumaincógnitae inédita experiência: estávamos indo para uma guerra! Contra quem nãosabíamosainda,mascombala,bombaefoguetedeverdade,foradeumestandedetreinamento,sópoderiaserguerra...

7LINHARES, Erick; GEHRE, Thiago. Op. Cit., p. 318, apud SILVA, Carlos Alberto Borges da. A revolta deRupununi:Umaetnografiadopossível.TesedeDoutorado.Campinas:Unicamp,2005.

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Após quatro horas e dez minutos de voo, pousamos em Belém e fomos aoComando.Omajor-brigadeiroJoléotambémnãosabiamuitacoisa,masadiantouque estava ocorrendo uma confusão com a Venezuela invadindo o Brasil e nóséramosparteda“forçadedissuasão”...

DeveríamosnosapresentaraoseuChefedeEstado-Maior(1ªZonaAérea),queestavaemManaus,eelenospassariaasordenscomplementares.LanchamosedecolamosparaManausparamaisumaetapadetrêshorasedezminutos.

EmManaus encontramos o coronel-aviador, Chefe do EM/1ª Zona Aérea, quedetalhouoocorrido.ParainvadiraGuiana,astropasvenezuelanaspreferiramocerradodonortedeRoraimaemvezdasserrasamazônicasquedividemosdoispaíses.DONETTOJRjustificaessaescolha:

Comoaregiãode fronteiraentreaVenezuelaeaGuiana,aonortedoEstadodeRoraimaémuito“dobrada”(expressãoparadizerquea geografia é montanhosa) para fazer tal manobra, as tropasvenezuelanas levariam mais tempo e teriam limitações de meiosparaseremempregadosnaação8.

Alémdisso, tambémelenãotinhaamenornoçãodoquenósdeveríamos fazercom armamento real contra tropa amiga, ainda que em nosso território. Emoutras palavras: a nossa presença seria dissuasória, para o caso da Venezuelainsistiremmantersuastropasnoterritóriobrasileiro.

Alémdisso,deunotíciasdequeoC-130somentechegariaemBoaVistanodia12,portantonosaconselhouaesperarmosemManaus,ondeoapoioeramaior.

Na verdade, não muito. A Base Aérea de Manaus só iria ser ativada no anoseguinte, possivelmente em razão dos fatos que serão contados a seguir. ODestacamentodeBaseAéreanãotinhacondiçõesdealojamentoeaFABalojavaseustripulantesnoúltimoandardoprédiodoIAPETEC9,medianteacordocomaqueleinstituto.ParaaAmazôniadaépocaequivaliaaumhotelquatroestrelas.

NapartidadeManaus,ocoronel(quenãomelembroonome)disse-mequeeudeveria me apresentar ao tenente-coronel do exército Teixeira, que iria mepassar instruções. Ponderei a ele que eu não poderia ficar subordinado a umoficial doExército edele receber instruções senão estávamosoperando comocomandocombinado.

Não, respondeu-me ele, você não fica subordinado, mas ele é a mais altaautoridadeencarregadadesseimbróglioepoderáorientaroquefazer.

8DONETTOJÚNIOR,Jorge.DissuasãoConvencionaldaAméricadoSul:oCasodaTríplicefronteiraVenezuela-Brasil-Guiana. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos e deSegurança(PPGEST).RiodeJaneiro:UFF,2010,p.44.9AntigoInstitutodeAposentadoriaePensõesdosEmpregadosemTransporteseCargas,criadoem1938.Emnovembro de 1966 o IAPETEC e todos institutos que atendiam aos trabalhadores do setor privado foramunificados no InstitutoNacional de Previdência Social (INPS). Em1990, o INPS se funde como Instituto deAdministraçãoFinanceiradaPrevidênciaeAssistênciaSocial(IAPAS)paraacriaçãodoInstitutoNacionaldoSeguroSocial–INSS(notadoeditor).

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Coronel, redargui eu, quais são as regras de engajamento? Vamos voar comarmamento real:metralhadoras, foguetes e bombas. Posso acionar o gatilho àminhadiscrição?Sobraramdúvidas.

EuconhecioTeixeirão, comoerachamadoo tenente-coronelTeixeira,duranteasmissõesqueo1º/5ºGAvfizeraemapoioaoCentrodeInstruçãodeGuerranaSelva(CIGS),normalmenteemfinaldecursooudemonstraçãoreal,paraoEME,ECEMEouESG.Eraumprofissionalcompetente,comlargaexperiênciadeselvaerarosensodehumor,alémdemuitohabilidosonasoluçãodeproblemas.

FIGURA1:capitão-aviadorMottadeSouza,1ºtenente-aviadorGodeiroe2ºsargentoPereira,emManaus(Foto:acervopessoaldoautor).

O1º/2ºGAv,esquadrãosediadoemBelém,equipadocomaviõesanfíbiosC-10,CatalinaeosveteranosDouglasC-47,tambémforaengajadonoapoioàstropasdoExército.Anosmaistardeesseesquadrãopassouadenominar-se1ºETA.

Antes da nossa decolagem de Manaus, na manhã do dia 12, um Catalina,comandadopelo1ºtenente-aviadorQueiroz,meuex-alunodevoono1º/5ºGAv,emNatal,decolaraparaBoaVistalevandomaisumgrupamentodesoldadosdoExército e suprimentos. Pouco depois, os dois B-26 partiram para a mesmacidade, jocosamente apelidada de Teatro de Operações, alcançando Boa Vistaapósduashorasdevoo.

Recorro,novamente, ao fecundo trabalhodeErickLINHARESeThiagoGEHRE,falandosobreaparticipaçãodoTeixeirãonoepisódio:

A participação brasileira, no episódio, permanece pouco estudadahistoricamente e carece de esclarecimentos. Segundo o BoletimInternonº18,doCentrodeInstruçãodeGuerranaSelva(CIGS),de

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27de janeirode1969,o tenentecoronel JorgeTeixeiradeOliveirateria se deslocado em 5 de Janeiro de 1969, para a região defronteira do Brasil com a Guiana com destacamento militarbrasileiroemrazãodarevoluçãointernaqueocorreunaregiãodoRupununi10.

EmBoaVista,nosesperavaumtenente,comandantedodestacamentodaFAB.ACOMARA11havia construído, ao lado do aeroporto, uma carreira de dez casas,dasquaisoitoestavamocupadaspelopessoaldodestacamento.Todassimples,trêsquartos,masbemconstruídas.Otenentenoscedeuasduascasasvaziasdaponta,maispróximasdapista.Umafoiutilizadaparanossasaladeoperaçõesepara as tripulações de subalternos e, a mais distante das ocupadas, porsegurança, foi destinada para guardar o armamento que deveria chegar noHércules.Osoficiaisfomosparaarecéminstaladaguarniçãodo6ºBEC,queiriaconstruir a BR-174 em epopeia épica. O Exército, além de viaturas paradeslocamento,providenciou,também,guardaparaopaiolimprovisado.

Otenente-coronelTeixeiranãoseencontravaemBoaVista.TinhaidoaBonfimconferenciar com os guianenses e tentar apaziguar os ânimos exaltados. NaGuiana, acreditava-se queoBrasil teria facilitadoousodo seu territóriopelastropasvenezuelanas,oquedefinitivamentenãoocorreu.

Pouco tempo depois, chegou o Catalina, carinhosamente chamado na FAB depata choca pela sua lentidão. Fui conversar com o tenente Queiroz e ele meinformou que, após reabastecer, iria até Bonfim buscar o tenente-coronelTeixeira.

–Temvaga?,perguntei.

Ao responder que sim, dei as necessárias instruções ao tenente Godeiro e fuialegre fazer aminha estreia napatachoca, aviãoque jamais cheguei a pilotar,emborafosseapaixonadopelospousosedecolagensnaágua.

Em Bonfim, soube que o Teixeirão havia cruzado o Rio Tucutu, divisa naturalcomaGuianaelograraconvencerocomandantedatropaguianensequeoBrasilnão concordava com a invasão e já expulsara as forças infiltradas em nossoterritório,inclusivecomatomadadosmateriaisdeixadosnafuga.

EmconversascomoficiaisdoExército,quehaviamchegadoàáreadainvasãodonosso território cerca de uma semana antes de nós, ficamos sabendo que, napressa para abandonar o Brasil, foram deixados jipes, equipamentos decomunicação e outros materiais de uso militar. Até um Cessna 310, aeronavemodernaàépoca,natentativadedecolardeumcampoimprovisado,bateucom

10LINHARES,Erick;GEHRE,Thiago.Op.Cit.,p.318.11COMARA:ComissãodeAeroportosdaRegiãoAmazônica(notadoeditor).

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umadas rodas emumcupinzeiro e foi abandonado. Constaque foi entregue àFAB.Videfotos12.

FIGURA2:soldadosbrasileiroscomarmascapturadasdosrevoltosos(Fonte:SILVA,2007).

FIGURA3:aviãovenezuelanoabandonadonoBoqueirãodaLua(Fonte:SILVA,2007).

12AGUIAR,AbílioCunha.UMAANÁLISESOBREOPAPELESTRATÉGICODOEXÉRCITONAFRONTEIRABRASIL-GUYANANADÉCADADE1960.DissertaçãodeMestrado.UFRR,2016,p.65.

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Essas informações, colhidas in loco, commenos de dez dias da ocorrência dosfatos,écorroboradapelabemelaboradapesquisafeitaporDONETTOJÚNIOR:

Coincidentemente, militares venezuelanos, em 1969, foramlocalizados e presos em território brasileiro, no local chamadoBoqueirão da Lua, dando apoio aos revoltosos de Rupununi. DuastoneladasdearmasforamapreendidaspeloExércitoBrasileiro,empleno lavrado de Roraima. Vários venezuelanos foram presos etrazidos para Manaus, onde ficaram presos no 8º Batalhão deInfantariadeSelvaedepoisliberados13.

Outra versão semelhante sobre as causas do conflito é dada por Abílio AguiarCUNHAemsuadissertaçãodemestrado:

O principal conflito em que a Guyana teve envolvimento, desde aindependência,foiaRevoltadoRupununi,em1969.Esseconflitofoiocasionado pela política socialista que Burnhan passou a adotarpara a Guyana após a independência e também está diretamenteligado ao problema fronteiriço com a Venezuela. A revolta foiorganizada por fazendeiros criadores de gado que se sentiramprejudicadoscomapolíticadesocializaçãodeterrasdogovernodeBurnhan. Com esse receio, os fazendeiros se organizaram, e comoapoio venezuelano deram início à revolta. O auxílio de Caracas àsublevaçãosedeuemfunçãodaideiadeenfraquecerinternamenteaGuyana para retomar parte do território em disputa. O apoiovenezuelano sedeuatravésde treinamentoearmas.Noentanto,omovimentonãoconseguiuseuobjetivo,queeraaindependênciadaregião de Rupununi, sendo que aGuyana Defense Force (exércitoguianense) o reprimiu com violência, ocorrendo a fuga de muitosrevoltososparaoBrasil.Oexércitobrasileirochegouaprenderumaviãovenezuelanoemterritórionacionalcomtoneladasdemuniçãoe armamento. Essa revolta causou preocupação nas autoridadesbrasileiras não só pelo fato de ter como vizinho um país sedesenhando como socialista, mas também pela facilidade como osrevoltososconseguiramentraremterritórionacional,ferindoassimasoberaniadoestadobrasileiro14.

Voltando aos fatos, ao chegar em Bonfim apresentei-me ao tenente-coronelTeixeira, expliquei a configuração dos B-26, já adiantando que pretendia fazerdois voos diários em toda a região da fronteira norte e reportar qualqueranormalidade em relação amovimento de tropas estranhas, inclusive fazendoadvertênciascomvoosrasantes.Ficamosdeacordoepassamosatrabalharemperfeita sintonia: nós voávamos e o Teixeirão praticava mais diplomaciapragmáticadoquetáticasmilitares.

13DONETTOJÚNIOR,Jorge,Op.Cit.,p.44.14AGUIAR,AbílioCunha,Op.Cit.,p.69.

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A volta para Boa Vista não foi sem emoções. Chovia todos os dias na região,causandoalagamentodapista improvisadadeBonfim.ApandorgadoCatalinainiciou a corrida de decolagem e, embora estivesse leve e usasse pneus balão,comcercade100,150metrosabequilhaatolouobrigandoopilotoaabortaradecolagem.Motoresdesligados,passageirosparafora,ostripulantesfizeramumreconhecimentodasituação.

A minha alegria por voar pela primeira vez na pata choca começou atransformar-seemarrependimento:eudeveriaestaremBoaVistarecebendooHérculesepreparandoosB-26paraoiníciodasoperaçõesnodiaseguinte.Eeis-meemBonfim,vilasemmuitosrecursosàépocaearriscandoenfrentarcercadecem quilômetros para Boa Vista, apertado num jipe do glorioso ExércitoBrasileiro,viajandoporestradaprecáriae,certamente,comchegadaànoite.

EmvoltadoCatalina,apósváriospalpites,decidiu-seporempurraroaviãoparao início da pista e pavimentar cerca de sessenta a oitenta metros com fileiradupladetijolos,àfrentedabequilha.Iniciou-seumafrenéticamovimentaçãodeviaturasdoEB trazendo tijolos,nãoseidizerdeonde, contandocomamãodeobradesoldadosedoscuriosos,80%indígenas,quevieramparaadmiraraquelabelaegigantescamáquinavoadora.

Terminadaessaoperação,olheiparaaquelapequenacarreiradetijolosàfrentedabequilhadoC-10epergunteiaocomandantedoavião:

– Queiroz, tem certeza que a bequilha vai sair do chão antes de acabarem ostijolos?

Elemerespondeucomumatranquilidadeinquietante:

–Senãosairagentevaiatolarnovamente...

Todosabordo,freiosaplicados,motoresgirandoempotênciamáxima,sentimoso tranco quando o piloto soltou os freios e a pata choca iniciou a corrida dedecolagem. O sofrimento de um passageiro de Catalina é maior do que o dequalqueroutroavião.NoC-47,porexemplo,pode-severoexteriorpelasjanelaseolhandoparaafrenteenxergam-seospilotosesuasações.NoCatalinanão.Ospassageirosficamconfinadosemumporãocompoucasjanelaseospilotosficamnoandardecima.Nessascircunstâncias,adecolagem,cercadadoscuidadosquea situação exigia, tornava-se mais preocupante. Mas a pandorga era umamáquina incrível e a tripulação experiente. A decolagem ocorreu sem outrosincidentesemeiahoradepoispousamosemBoaVista.

Lá,estavaoC-130emoperaçãodedescarga.Opátio ficoupequeno:umC-130,umC-47,umC-10edoisB-26!TerminadaadescargadoHércules,atripulaçãodecolouparaBeléme,apóspernoitar,voltariaà sede,noRio.OC-47decolariapela manhã levando o tenente-coronel Teixeira a Manaus para atualização dasituação,retornandonodia14dejaneiro.

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Nessamesmatarde,iniciou-seomuniciamentodosaviõeseguardadomaterialbélico e suprimentos de reserva. Os aviões ficaram prontos para a primeiramissãonodiaseguinte.

Seguindoaprogramação,às10h00dodia13dejaneiro,decolamoseu,Godeiroedois especialistas no B-26 5156 para um voo de reconhecimento da área emlitígio,fronteiriçaàVenezuelaeGuiana,nosentidoanti-horário.PartindodeBoaVistapara leste,emdireçãoàBonfimeLethem,ovooprosseguiuparaonorte,seguindoo rioTucutu, virandogradativamenteparaoesteatéo famosomarcoBV8(divisadosdoispaíses:PacaraimaeSantaHelenadeUairén).ApósalgunsminutosdessepontoaflorestaamazônicaseadensavaeovootomouorumosulemdireçãoaBoaVista.Pousamosapósduashorasdevoo.

Nodia14dejaneiro,o1ºtenente-aviadorEnyltoneo2ºtenente-aviadorRamos,pilotandooB-265152,cumpriramamesmamissão,nosentidohorário.

No dia 15 de janeiro choveu torrencialmente durante todo o dia, impedindoqualquer decolagem para voo visual. Voltamos à rotina de reconhecimento dafronteiranosdias16e17dejaneiro.

FIGURA4:capitão-aviadorMottadeSouzae1ºtenente-aviadorGodeiroembriefingdemissão(Foto:acervopessoaldoautor).

Nodia18dejaneirootenente-coronelTeixeirasolicitouquemantivéssemososaviões no solo até que ele recebesse novas ordens de Brasília. Com efeito, asaçõesdadiplomaciabrasileiracolocaramtermoaoconflito,voltandoasrelaçõesentreBrasileGuianaànormalidade.EmrelaçãoàVenezuela,oBrasilesperavaum pedido de desculpas daquele país, pela invasão de nossas fronteiras. AsordensdeBrasíliadeterminavam,ainda, adesmobilizaçãodas tropas,devendo

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ser mantido um pequeno contingente do EB, além da tropa permanente daregião.

Quanto ao destacamento aéreo, o segundo grupamento aéreo já estava acaminho, quando o Estado-Maior da Aeronáutica determinou a suspensão daprontidãoeo retornodasaeronavesàNatal.Opessoaldeapoiopermaneceriaaguardando a chegada de um C-130 para o transporte damunição de volta àBase.

Comemorando a alegria de cessação do “conflito”, surgiu umproblemaço paraser resolvido: enquanto as bombas de explosivo convencional podem sertransportadas sem os fusíveis, as bombas de napalm, uma vez fabricadas, nãopodemser transportadas, nemmesmo instaladas sob as asasdopróprio aviãolançador,devidoaoriscodeumincidenteesuacapacidadededestruiçãonocasodeincêndio.

AochegarmosemBoaVista,foramfabricadasapenasquatrobombasnapalm:emum casco de bomba vazio coloca-se o pó químico, acrescentando-lhe gasolina.Após doze horas amistura transforma-se numa pasta e é colocado um fusívelparasuaignição,compinodesegurança.

Cadaaviãofoiarmadocomduasbombasdenapalmenosdemaispilonesforamcolocadas bombas convencionais e foguetes. Nas missões, quando os aviõesassumiamaposiçãodedecolagemnapista,opessoaldearmamentoretiravaospinosdesegurança.Nopouso,aoperaçãoerainversa.

FicouevidentequenãopoderíamosdeixarasbombasdenapalmemBoaVista.Comenteiesseproblemacomo tenente-coronelTeixeiraeoguerreirodaselvaimediatamenteindicouasolução:

–NasvezesemqueoseuesquadrãoveioparaoencerramentodocursodoCIGSvocêslançavambombasnosalvosquenóspreparávamos,certo?

–Certo,respondi.

–Entãojásei:voumandarfazerdoisalvosnocampodefuteboldeBonfimevouconvidar o “estado-maior” das Forças de Defesa da Guiana para assistir àdemonstração. Por favor, não errem, para nãome desmoralizar, terminou elecomumsorrisogozador.

–Combinado,coronel.

Impressionante: com menos uma semana de contato quase diário com essemilitarexemplar,elejáerameuídolo.IatodososdiasaBonfimconferenciarcomos guianenses. Atravessava o Rio Tucutu numa voadeira e voltava com ocomandantedastropasdosguianenseseváriosoficiaisesubalternos,paraumapeladanocampodefutebolquemandarafazer,paramanterasuatropatreinadaeexercitada.Depois,qualquerquefosseoplacar,eraservidoumchurrasco.Sónãopossogarantirqueacarnefossedegadomesmo...

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Nodia19dejaneirodecolamoscomosdoisaviõesB-26,cadaumequipadocomduasbombasnapalm,doisfoguetes2.75eseismetralhadoras.50,paraexecutaressamissãofinal.

Diaclaroelimpo,fomosparaBonfim.Localizadoocampodefutebol,láestavam,logo após a primeira trave, os dois alvos: armações precárias de pedaços deárvore, cobertas de galhos e folhagem, na altura da linha defensiva, uma àesquerdaeoutraàdireitadatrave.Exatamentecomohaviapedido,paraevitarapropagaçãodeincêndio.

Estabelecidoocircuitodeataque,dispersamosaesquadrilhae,comocombinadono briefing, fizemos duas passagens com tiro terrestre de .50, para efeito defamiliarizaçãocomocircuito.Naterceirapassagem,lançamos,simultaneamente,osdois foguetes.Emoutrasduaspassagens fizemoso lançamentodasbombasnapalm,umadecadavez.Foiumfogaréuimenso,onapalmcalcinandoocapimsecoeultrapassandoatraveoposta.

Apósaquartabombaserlançadapelonº2,inicieiumacurvadereuniãoefiqueiaapreciaroincríveledevastadorefeitodonapalm,armaquesetornouproibidadepois da guerra do Vietnã. Reunida a esquadrilha, voltamos para Boa Vista eperdemosochurrascodoTeixeirão.Estáregistradonacadernetadevoo:19dejaneiro, 1P, MTTAFBRD, 1:00h; BV/BV. Traduzindo: Missão diurna de TiroTerrestre,LançamentodeFogueteseBombardeioRasante.

Graças à conhecida competência de nossa diplomacia, a Operação Boa Vistaestava encerrada. Contudo, é dever de justiça consignar que essa tarefa foigrandemente encurtada pela excepcional capacidade de tratar assuntoscomplexos e habilidade de negociação de um dos mais notáveis oficiais doExército Brasileiro que tive a honra de conhecer: o tenente-coronel JorgeTeixeira de Oliveira, que como tantos outros militares das forças armadas,conhecemeentendemosproblemasdaregiãoamazônicaeseusperigos.

ComoafirmadopeloshistoriadoresLinhareseGehre, essapartedahistóriadainvasão venezuelana ainda permanece desconhecida, embora o EB mantenharegistros dos fatos ocorridos. É correto admitir que a data da transposição denossas fronteiras tenha sido nos três primeiros dias de janeiro, havendoafirmação não comprovada de que ocorreu no dia dois. Merece destaque oseguintetrechodaobradoscitadoshistoriadores:

O delegado brasileiro na OEA chegou a receber um telefonema dorepresentante guianense, Insanally, que afirmou de fontes segurasque “a Venezuela estaria movimentando tropas para a zonafronteiriça com a Guiana para um próximo ataque armado”. Odiplomata brasileiro ponderou que, apesar de grave a situação,mantinha-se a “impressão de que os guianenses estão se deixandodominarporumacertahisteria”15.

15SecretariadeEstadoàEmbaixadaBrasilemCaracas,despacho,telegramasecreto,nº455,24-9-1968.

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Admitida a data de 2 de janeiro, confira-se a cronologia: o tenente-coronelTeixeirachegouemBoaVistanodia5,dataemquefoipossívelaoEBprepararum rápido plano de contingência e à Aeronáutica fornecer os meios aéreosnecessários. Vale dizer que, pelo menos um C-47 e um Catalina foramdisponibilizadosemManausemdoisdias(3e4),partindoparaBoaVistanodia5dejaneiro.

Por sua vez, para os B-26, a cronologia foi a seguinte: dia 8 de janeiro, emprontidãoepreparaçãodequatroaeronavesetripulações;nodia9recebemosaOrdemFragmentáriaparaseguirconformejámencionado.AlcançamosManausnodia10e,pordeterminaçãodoChefeEM/1ªZonaAérea,sóprosseguimosparaBoaVistanodia12emrazãodeseradataprevistaparaachegadadoC-130comamuniçãonecessária.

Nessa mesma data o Teixeirão fazia sua terceira visita à Lethem, na Guiana,entabulandonegociaçõescomosguianensesetentandodemonstrarqueoBrasilrepudiava a invasão venezuelana. Com mais cinco dias, mostra-se um líderinconteste nas parlamentações, faz amigos nas Forças de Defesa da Guiana eprogramaumjogodefutebolseguidodechurrasco.Ouseja,geradoumproblemadessa magnitude, implicando em forte movimentação de tropas do EB e deequipagense aeronavesdaFAB,o contencioso foi resolvidoemduas semanas,graçasaoempenhoprofissionaldotenente-coronelTeixeira.

Dia 19 de janeiro recebemos ordens do Estado-Maior da Aeronáutica paradesmobilização e regresso. Decolamos no dia 20, deixando as equipes demanutençãoquevoltariamdeC-130 juntamentecomtodososequipamentosemunição.PernoiteemManausdia20eemBelémdia21,onderelatamostodaaoperaçãoaocomandanteda1ªZonaAérea.

Lá,encontramosoutroB-26queforaacionadopararevezamentoantesdaordemderetorno,tendocomopilotoso1ºtenente-aviadorClaroeo2ºtenente-aviadorWalker.Dia22decolamosnamadrugadaparaNatal coma intençãodeefetuarumapassagembaixanomomentodaformaturadiária.

Assim terminamos uma inédita experiência, diferente das missões detreinamento, exercícios emanobras, da qual colhemos ensinamentos diversos.DentreelesconheceretrabalhardepertocomdenodadosoficiaisepraçasdoEB,que cumpremna regiãoumadasmaisnobres, difíceis edestacadasmissões: aproteçãodenossasfronteiraseocupaçãodoimensoespaçoamazônico.

Omaisgratificante,contudo,foicumpriressamissão“sobasordens”dotenente-coronel Jorge Teixeira de Oliveira: que aprendi a admirar como um militardenodado,umbravoguerreiroeumdiplomataincontestável.

Antes deixar o serviço ativo em 1973, fundou o Colégio Militar de Manaus e,passandoparaareserva,foinomeadoprefeitodeManaus,cargoqueexerceuaté1979quandofoinomeadoparaocargodeGovernadordoTerritórioFederaldeRondônia, com a missão de transformá-lo em estado. Após dois anos e meioadministrandooterritório,logrou,comsuasgestõesjuntoaoCongressoeórgãos

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do Governo, a aprovação da Lei Complementar nº 41, de 22 de dezembro de1981criandooEstadodeRondônia,sendonomeadoseuprimeirogovernador.

*Carlos Aureliano Motta de Souza é coronel-aviador reformado da Força AéreaBrasileira.Entreasmuitascomissõesdesuacarreira,cursouo72ºAdvancedStaffCoursedaEscoladeEstado-MaiordaRoyalAirForce,naRAFBracknellefoiinstrutornaEscoladeEstado-MaiordaAeronáutica (ECEMAR) localizadana IlhadoGovernador,noRiodeJaneiro.ChefiouoCENIPAem1976ecomandouoCINDACTAIem1984/85.Formou-seemDireito pelaUFRN em1964 e graduou-se comoMestre emDireito Público pelaUnB em1997. Por concurso público foi admitido na UnB como Professor de Direito, tendolecionado naquela Universidade em 1998/99. A partir de 2000, por convite do Prof.Josaphat Marinho passou a integrar o quadro de professores da União Pioneira deIntegraçãoSocial–UPIS–ondeaindaexerceomagistério.