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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS
Planejamento e Organização do Ensino - Profª Nara E. Nörnberg
Natália Cristina de Almeida
Relatório: ÉTICA E COMPETÊNCIA - Terezinha Azerêdo Rios
"As dimensões da competência do educador" (capítulo 3), problematiza
questões a respeito do papel do educador. Questões como: "O que significa ser
educador na sociedade brasileira hoje? O que é necessário para desempenhar o
papel de educador? O que, em última instância, compete ao educador, na
construção de nossa sociedade?" (RIOS, 1997, p. 45), nos levam a pensar sobre o
que devemos esperar de um educador não só como profissional, mas, para além
do profissionalismo, como pessoa ética. Ser educador é saber lecionar? É saber
transmitir conteúdos? É saber fazer com que seus alunos absorvam estes
conteúdos? É chegar no horário? É fazer o que lhe é solicitado? Em muitas
profissões o cumprimento de horário e de ordens é visto como competência
profissional. Será esta a competência de um educador? Há possibilidade de ser
bom como profissional, sem ser bom como ser humano? Nesse sentido, a autora
foi feliz em trazer para o seu texto a frase que diz que "a gente quer inteiro e não
pela metade" (Antunes, Fromer e Brito), que explicita, desde o início, que o que se
espera de um educador (ou o que se deveria esperar) é que ele vá além do
profissionalismo. Por isso, o livro foca na discussão sobre ética e competência
como inseparáveis uma da outra.
A autora noz traz o conceito de competência como 'saber fazer bem'. Saber
fazer bem é mais do que saber e saber fazer; é saber bem e fazer bem o que se
sabe, envolvendo, aí, as dimensões técnica e política. Porém, Rios traz também
que, para que a dimensão técnica não se torne tecnicista, e nem a política
politicista, é preciso que elas se dêem pelo caminho da ética.
Entendendo-se ética como a vontade de fazer o bem pelo outro sem que
isso seja uma obrigação e tendo em vista a ética como uma das dimensões da
competência do educador, trago como exemplo a ser analisado uma cena que
presenciei e fiz parte há alguns dias, onde, no final da aula, com a batida do sinal,
uma professora entrou na secretaria segurando 'delicadamente' uma menina pela
mão. Enquanto a menina chorava, a professora gritava querendo saber onde
estava a diretora, ou a vice-diretora, ou a supervisora, ou seja lá quem fosse, para
resolver o caso. Segundo a professora, o caso era que a menina havia batido em
uma colega. Como não havia ninguém ali naquele momento para atender a
professora (e ela não podia esperar, tinha que pegar o ônibus), me dispus a ficar
com a menina até que alguém chegasse para que a professora pudesse
(finalmente) ir embora. Depois que a professora saiu, perguntei para a menina o
que tinha realmente acontecido, mas ela não parava de chorar. Só depois de
muito tempo, quando conseguiu parar de chorar, é que ela disse "eu bati nela
porque ela falou da minha família, e eu não gosto". Para minha surpresa, a colega
que apanhou não estava chorando. Acho que apenas prestando atenção neste
detalhe, a professora já podia ter motivos para agir de outra forma que não fosse
largar a pequena na secretaria dizendo 'dá um jeito' e ir embora. E se tivesse
buscado o motivo da agressão, levando em consideração a realidade daquelas
crianças, talvez não tivesse feito como fez. Principalmente quando a frase
seguinte da menina foi "ela disse que minha mãe tinha levado um tiro".
Quem conhece aquela comunidade, não precisa checar a informação para
saber se a criança está mentindo ou não (e neste caso não estava).
Principalmente quando o tiro pode tanto ter sido acidental quanto pode ter sido
disparado por alguém da própria família, como o pai ou o irmão, tocar no assunto
pode ferir profundamente uma criança de seis anos, e levá-la para a secretaria
aos berros não melhora absolutamente em nada a situação. Mas a professora só
viu uma menina batendo em outra, o que fazer a não ser punir a agressora? Nada
mais justificável, afinal é o que sempre se faz, e ela não tinha tempo para agir de
outra forma.
Durante a leitura de Ética e Competência, foi impossível não lembrar desse
caso. Entendendo que as condições em que se apresenta a educação brasileira
nas questões como salário, recursos etc., talvez façam com que a vontade de
fazer o bem pelo outro seja menor do que a de fazer o próprio bem, e que
trabalhar em uma escola na periferia da cidade, lidar com a situação precária em
que a maioria dos alunos vive, e não poder contar, muitas vezes, com a ajuda,
nem mesmo a preocupação dos pais desses alunos em relação a sua vida
escolar, não são as condições mais propícias para ser um super professor, talvez
se justifique o ato da professora. Porém, seria como dizer que 'é assim porque
sempre foi e não vai mudar porque não temos mais o que fazer'.
Há profissionais na educação que fazem tudo como sempre se fez, por
julgarem que não estão agindo mal. E talvez mais preocupante do que isso seja
que alguns deles pensem que ao fazerem isso estão cumprindo seu compromisso
como educadores, pois estão 'fazendo sua obrigação'. Porém "não se pode falar
em compromisso se se está apenas no âmbito da coerção. Não se pode falar em
compromisso no âmbito de necessidades que não se pode deixar de atender"
(RIOS, 1997, p. 62).
A ética nos ensina não apenas a agir de maneira a não prejudicar o outro,
mas sim a agir em prol do outro, a fazer o bem para o outro. Sendo assim, não
seria ético um educador que apenas cumpre sua obrigação. Ser ético é ir além, é
fazer voluntariamente mais do que se espera.
Contudo, no campo profissional, devemos entender que isso nem sempre é
possível, dado que não temos total liberdade, muitas vezes, para agir de forma a
promover o bem comum, pois o bem comum nem sempre é do interesse de todos.
Para o educador não é diferente. "Há, sem dúvida, dificuldades, entraves, para o
trabalho do educador - sua situação apresenta inúmeros limites. Mas a
constatação disso não deve gerar imobilismo" (RIOS, 1997, p. 69).
Sobre este assunto, Rios fala sobre a dimensão ético-política do educador,
onde ele, tendo consciência, tendo percepção da percepção, ou seja, sabendo
que sabe, "não poderá recusar-se a uma tomada de posição diante do saber que
constata possuir" (p. 58), mesmo quando as condições para por em prática sua
tomada de posição não sejam as mais confortáveis. Não se pode fazer tudo o que
se quer, dados os limites e possibilidades do meio social (polis), mas a partir do
momento em que se quer fazer, as margens de liberdade se ampliam. A vontade,
a intencionalidade do gesto do educador é um componente fundamental presente
na ação ético-política (p. 59).
Sobre o poder, mesmo quando não associado somente à idéia de
dominação, mas à idéia de poder representado pelo saber, este cria uma
hegemonia quando a sociedade nega "a uma parcela de seus membros o acesso
a esse saber na medida em que o domínio do saber, sua apropriação, é sinônimo
de uma possibilidade mais ampla de atuação" (p. 65). Ora, quando esse saber não
é transmitido, é propositalmente omitido, temos uma sociedade em que alguns
têm de ser submissos sem que saibam disso.
É cômodo dizer 'não posso fazer mais do que isso, já fiz o que era possível
ser feito da minha parte e daqui não posso passar'. Porém, quando frases desse
tipo são proferidas, podemos pensar que essa hegemonia de poder através do
saber atinja também a educação e que, no final das contas, existam mesmo
professores convencidos de que não podem fazer mais do que já fizeram. Afinal
se todos forem sempre até onde podem ir, as coisas continuaram como estão.
Mas o que pensar de um educador que, tendo acesso a esse saber, faz
questão de fechar os olhos para ele? Talvez isso se explique pelo fato de que, ao
tomar ciência sobre determinadas questões, o indivíduo passa a ser também
responsável por elas e, neste sentido, seria melhor não saber. Porém, sendo esse
indivíduo um educador, o fato de 'fazer de conta que não sabe' para justificar
certas ações, ou a falta delas, é mais sério e mais grave do que realmente não
saber.
Neste ponto é interessante lembrar o discutido em sala de aula, quando um
colega questiona sobre quem seria a voz que diz 'a educação que desejamos' e
quem deseja a educação que aí está. Certamente são duas partes com interesses
diferentes onde uma diz que a educação que desejamos é a do sujeito autônomo
e ético, e a outra mantém a educação como está, onde é interessante que tanto
professores quanto alunos se contentem com o mínimo e não façam perguntas.
Para os que não querem a mudança, a crise, como "movimento de
alteração de valores e princípios" (RIOS, 1997, p. 76), ao causar a ruptura, a
negação da cultura instituída, pode ser vista como "um suposto movimento de
desordem" (RIOS, 1997, p. 77). Porém, ao citar Costa, Rios afirma que "cínico é
aquele que se obstina em demolir a esfera crítica dos valores, a pretexto de
defender 'a realidade do que é' contra a 'realidade do que poderia vir a ser" (p. 77).
E diz ainda, na página 78, que "a desobediência pode até mesmo se sustentar
numa análise crítica de normas que precisam ser alteradas". Ou seja, quando
quem não deveria pensar criticamente descobre que pode fazer isso e faz, é visto
como desordeiro, mas, na verdade, sua 'periculosidade' está na possibilidade que
traz de romper com normas que realmente precisam ser alteradas por não
servirem ao bem comum, mas que, por serem do interesse particular de alguns
poucos, continuam instituídas.
"Sem esperança, sem utopia, perde-se o sentido de um trabalho
competente e eficaz" (RIOS, 1997, p. 78). Acomodar-se, seja por ignorância, seja
por covardia, é assumir a inutilidade de seu próprio trabalho.
Acredito que o exemplo do professor de natação (RIOS, 1997, p. 71), que
não pode ensinar o aluno a nadar apenas fazendo com que ele imite seus gestos
na areia, tendo que levá-lo até o mar e entrar com ele na água, para efetivamente
mostrar ao aluno como se faz, pode nos fazer ver a situação sobre outro ângulo:
se o professor não entrar com o aluno no mar (já considerando que minimamente
o professor deve saber nadar para ensinar alguém a nadar), como saberá dizer ao
aluno o que fazer caso ele diga que está se afogando? Como um professor espera
dizer ao aluno como agir e, ainda pior, dizer que está agindo de maneira errada,
se não conhecer a realidade do aluno, se não levar em conta suas prováveis
dificuldades, se não conhecer a realidade em que esse aluno vive? Nesse caso,
tão importante quanto estabelecer o diálogo do aluno com o real, é estabelecer o
diálogo do professor com o real. Talvez conhecendo a realidade do aluno, o
professor veja mais saídas, mais opções para desenvolver bem seu trabalho,
saindo do conformismo de dizer que já fez tudo o que podia ser feito.
Felizmente existem aqueles que falam na 'educação que desejamos' e
agem eticamente para pô-la em prática. "É a partir do educador que temos que
vamos caminhar para o educador que queremos ter. E a passagem do que se
propõe como ideal, aquilo que anda não temos, para o que é necessário e
desejado, se faz somente pelo possível" (RIOS, 1997, p. 72), esse possível não de
quem diz que já fez o possível, mas de quem o busca "dentro da casca do
impossível" (p. 75) para que realmente seja feito algo que ainda não se fez.
Por isso a ética é necessária como dimensão da competência do educador,
não só como atributo profissional, mas como qualidade humana. Agir eticamente
é, sim, fazer a nossa parte, mas "lembrando que, sendo parte, está inegavelmente
ligada a outros elementos componentes de um todo" (RIOS, 1997, p. 70), que não
podem ser deixados de lado. Por isso queremos inteiro, e não pela metade, pois
fazemos parte da parcela que ainda fala na 'educação que desejamos'. É preciso
que seja feito tudo o que for possível fazer e é preciso que se tente o impossível,
que muitas vezes é impossível apenas porque nunca se tentou. Para isso, é
preciso ser ético para ir além da obrigação, do cumprimento do dever, e chegar na
vontade voluntária de fazer bem o seu dever, de agir pelo bem comum.
Referências bibliográficas
RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e Competência. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 1997.