1819 (1985) Constant, Benjamin - Da Liberdade Dos Antigos Comparada à Dos Modernos - Versão A

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I. Arquivo Da liberdade dos antigo6 comparada à dos modernos Benjamin Constant Senhores, Proponho-me submeter a vosso julgamento algumas distinções, ainda bastante novas, entre duas formas de liberdade, cujas diferenças até hoje não foram percebidas ou que, pelo menos, foram muito pouco observadas. Uma é a liberdade cujo exercício era tão caro aos povos antigos; a outra, aquela cujo uso é particularmente útil para as naçws modernas. Esta análise será interes- sante, salvo engano, sob um duplo aspecto. Primeiro, a confusão destas duas espécies de liberdade foi, entre nós, durante épocas por demais conhecidas de nossa revolução, a causa de muitos males. A França viu-se molestada por experiências inúteis cujos autores, irri- tados pelo pouco êxito que alcançaram, tentaram forçá-la a usufruir de um bem que ela não desejava e contestaram-lhe o bem que ela queria. Em segundo lugar, levados por nossa feliz revolução (eu a chamo feliz, apesar de seus excessos, porque atento para seus resultados) a desfrutar os benefícios de um governo representativo, é interessante e útil saber por que este governo, o único sob o qual podemos hoje encontrar alguma liberdade e tranqüilidade, foi inteiramente desconhecido para as nações livres da antigui- dade. Sei que pretendeu-se descobrir marcas desse governo em alguns povos antigos, na república da Lacedemônia por exemplo, e em nossos ancestrais, os gauleses; mas é um engano. O governo da Lacedemonia era uma aristocracia monacal, de modo ne- nhum um governo representativo. O poder dos reis era limitado, mas o era pe- los Éforos, e não por homens investidos de uma missão semelhante à que a eleição confere em nossos dias aos defensores de nossas liberdades. Sem dúvi-

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1819 (1985) Constant, Benjamin - Da Liberdade Dos Antigos Comparada à Dos Modernos - Versão A

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  • I. Arquivo

    Da liberdade dos antigo6 comparada dos modernos

    Benjamin Constant

    Senhores,

    Proponho-me submeter a vosso julgamento algumas distines, ainda bastante novas, entre duas formas de liberdade, cujas diferenas at hoje no foram percebidas ou que, pelo menos, foram muito pouco observadas. Uma a liberdade cujo exerccio era to caro aos povos antigos; a outra, aquela cujo uso particularmente til para as naws modernas. Esta anlise ser interes- sante, salvo engano, sob um duplo aspecto.

    Primeiro, a confuso destas duas espcies de liberdade foi, entre ns, durante pocas por demais conhecidas de nossa revoluo, a causa de muitos males. A Frana viu-se molestada por experincias inteis cujos autores, irri- tados pelo pouco xito que alcanaram, tentaram for-la a usufruir de um bem que ela no desejava e contestaram-lhe o bem que ela queria.

    Em segundo lugar, levados por nossa feliz revoluo (eu a chamo feliz, apesar de seus excessos, porque atento para seus resultados) a desfrutar os benefcios de um governo representativo, interessante e til saber por que este governo, o nico sob o qual podemos hoje encontrar alguma liberdade e tranqilidade, foi inteiramente desconhecido para as naes livres da antigui- dade.

    Sei que pretendeu-se descobrir marcas desse governo em alguns povos antigos, na repblica da Lacedemnia por exemplo, e em nossos ancestrais, os gauleses; mas um engano.

    O governo da Lacedemonia era uma aristocracia monacal, de modo ne- nhum um governo representativo. O poder dos reis era limitado, mas o era pe- los foros, e no por homens investidos de uma misso semelhante que a eleio confere em nossos dias aos defensores de nossas liberdades. Sem dvi-

  • da, os foros, depois de terem sido institudos pelos reis, foram nomeados pe- lo povo. Mas eram apenas cinco. Sua autoridade era religiosa tanto quanto po- ltica; participavam do prprio governo, quer dizer, do poder executivo; por isso, sua prerrogativa, como a de quase todos os magistrados populares nas an- tigas repblicas, longe de ser simplesmente uma barreira contra a tirania, tor- nava-se, s vezes, ela prpria uma tirania insuportvel.

    O regime dos gauleses, que se parecia bastante com aquele que um certo 1 partido desejaria nos devolver, era ao mesmo tempo teocrtico e guerreiro. Os I padres gozavam de um poder sem limites. A classe militar, ou a nobreza, pos- 1 sua privilgios insolentes e opressivos. O povo no tinha direitos nem garan-

    tias. Em Roma, os tribunos tinham at certo ponto uma misso representati-

    va. Eles eram os porta-vozes dos plebeus que a oligarquia, que a mesma em todos os sculos, havia submetido, derrubando os reis, a uma escravido durs- sima. No entanto, o povo exercia diretamente uma grande parte dos direitos polticos. Ele se reunia para votar as leis, para julgar os patrcios acusados de delito: s havia, portanto, em Roma, fracos traos do sistema representativo.

    Este sistema uma descoberta dos modernos e vs vereis, Senhores, que a condiao da espcie humana na antiguidade no permitia que uma institui- I $80 desta natureza ali se introduzisse ou instalasse. Os povos antigos no po- diam nem sentir a necessidade nem apreciar as vantagens desse sistema. A or-

    I ganizao social desses povos os levava a desejar uma liberdade bem diferente da que este sistema nos assegura.

    a demonstrar-vos esta verdade que a leitura desta noite ser consagra- \ da. I Perguntai-vos primeiro, S e n h o ~ s . o aue em nossos dias um ingls, um

    frances, um habitante dos Estados Unidos da Amrica entendem pela palavra liberdade.

    para cada um o direito de no se submeter seno s leis, de no poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrria de um ou de vrios indivduos. para cada um o direito de dizer sua opinio, de escolher seu trabalho e de exerc-lo; de dispor de sua propriedade, at de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permisso e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. pa-

    1 ra cada um o direito de reunir-se a outros indivduos, seja para discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados preferi- / rem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de maneira mais condizente com suas inclinaes, com suas fantasias. Enfim, o direito, para cada um, de influir sobre a administrao do governo, seja pela nomeao de

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    es, s quais a autoridade mais ou menos obrigada a levar em considerao. Comparai agora a esta a liberdade dos antigos.

    Esta ltima consistia em exercer c01etiva~ma~ diretapente, vrias partes da soberania inteira, em deliberar na praa pblica sobre a guerg e-apaz, em concluir com os estrangeiros tratados de aliana, em votar as leis, em pronun- ciar julgamentos, em examinar as contas, os atos, a gesto dos magistrados; em faz-los comparecer diante de todo um povo, em acus-los de delitos, em conden-los ou em absolv-los; mas, ao mesmo tempo que consistia nisso o que os antigos chamavam liberdade, eles admitiam, como compatvel com ela,

    completa do indivduo autoridade do todo. No encontrareis tre eles quase nenhum dos privilgios que vemos fazer parte da liberdade

    Todas as aces privadas esto suieitas a s&era vigiln_cia. Nada concedido independncia individual. nem me-ere religio. A faculdade de escolher seu culto, faculdade que consideramos como um de nossos mais preciosos direitos, teria parecido um crime e um sacrilgio para os antigos. Nas coisas que nos parecem mais insignificantes, a autoridade do corpo social interpunha-se e restringia a vontade dos indivduos. Em Espar- ta, Terpandro no pode acrescentar uma corda sua lira sem ofender os fo- ros. Mesmo nas relaes domsticas a autoridade intervinha. O jovem lacede- mnio no pode livremente visitar sua jovem esposa. Em Roma, os censores vigiam at no interior das famlias. As leis regulamentavam os costumes e, co- mo tudo dependia dos costumes, no havia nada que as leis no regularnentas- sem. . / J

    w m , entre OS antigos, o indivduo, quase semqre ssberano nas q u e s - b tes pblicas, escravo em todos seus assuntos privados. Como cidado, ele decide sobre a paz e a guerra; como particular, permanece limigd~~observa- do, reprimido em todos seus movimentos;~omo porco do corpo coletivo, ele inter~oga, destitui, con-dena, despoja, exila, ginge mortalmente seus magistra- dos ou seus superio~es; como sujeito ao core0 coletivo, ele pode, por sua vez, ser privado &sua posico, despojado de suas honrarias, b-inido, condenado, pela vontade arbitrria do todo a c q u g pertence.

    Entre os modernos, ao contrrio, o indivduo, independente na vida pri- vada, mesmo nos Estados mais livres, s soberano em aparncia. Sua sobera- nia restrita, quase sempre interrompida; e, se, em pocas determinadas, mas raras, durante as quais ainda cercado de precaues e impedimentos, ele exerce essa soberania, sempre para abdicar a ela.

    Devo aqui, Senhores, deter-me um instante para prevenir uma objeo que me poderia ser feita. H na antiguidade uma repblica na qual a escraviza- o da existncia individual ao corpo coletivo no to completa como acabo de descrev-la. Esta repblica a mais clebre de todas; podeis deduzir que

  • dbr. main 4pe:mbimm.dm quab a lei mgulwfasrnolas e -as*- AWUWSd - $ubd.Mo c--a os belos s h i q da r-m-

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    , dois flbh,, que prprius Mo. ~ ~ ~ ~ ~ d a d a : o a i w dwrnrdifl-

    -'h, -O, ,-M a r$vauii*d p o n m -, ~ w w

    a t w t u w em minha a h lMtd,-i ~h,-jurlma m.-w I iim- gmds, h-m. Quandm o awm me az apmntsmnt~~~cme~rdar wnn-

    8 eh::em ,mn- bnieo ponto, b& da mim -:-er pata consolar-me de -,,p um btanb, L sua opinio, mim uma nica B pardal guwtiTo,

  • _ w ~ * @ ~ d a s - ~ , - w - p r i ~ a ~ w , pQulo,@wi d a s a o w . d r q d d . r d e p c i r ~ . O ~ P o a f e i t 0 1 1 1 - bszdade sm myos dias, anWdaen=dpqSo daFmup,eratambmopom mafs afeitoatodos os pwem d a v i d a ; e q ~ s u * l i b s r d a d e ~

    I gom via nelaa garantia das maaerep que mema. &Ummente, ondm havia liberdade, podia* wiportsr.~ pd-; m a , ondPhspnvaFggo,d p m h a ~ d o p a r a q u e ~ m w ~ a a e l a ~ m a i s f 8 d l h o j e b r m p ~ ~ i o & e s p a t t m a a d o q w e d n c a r ~ p m a ~ d & . Ou homeas que foram Bwados psfa onda dos mntedmmtos a lidwar riam rev&@o s s h m q em cons%qWcb da 4wiTo cpishaviam~~~~M&,

    ~ p r t o ~ r e a l e e * A ~ d a ~ , a o i n ~ d a q u s r ~ i a u l 1 ~ , ~ ~ ~ ~ , m ~ m I ~ e ~ d e u m a ~ ~ ~ a ~

    O l l & b l j r , m a i n t ~ s s u W i o a t o d m s s

    ~ ~ 1 ~ d o e ~ ~ ~ ~ . d a e s f o ~ e d e m u ~ ~ h s r f - I ~ q w a a e ~ ~ 8 o . B q u s 0 p e d a r s g C i a f f s p 9 a a n ~ o d o e o s ~ d o s I ~h&pd&hclaWssm,oontsdo,eJ$sa-.Am n o ~ v a q u e i p n a ~ i d o a l a m i i m a m b e r a n i a ~ a E a ~ ~ s a c r l f i - dwqw iht p a d b . E m v l l r i r e p e n i a m 4 h e c o m ~ u : s s l o i s d a i b ~ 38EOmnwzwr~a~&qit~dduK)oJup~tir8110s.Ela~aceitava cssag kds austtraa e, em mu boontenhmento, psnasia L vezas que o jugo &s Umm ssria preferivei. A ~~ a dempmou. B1ii viu qw a arbitra- dsdrdsbhamsnsaapiorahdaqwas*W.kiuiIshtamWmds-

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    t .: ' noserpataobterdebosmdmp- *e d t a m dela oslaagm ca*

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    nses que sacdbmm W t m por

    admir@o par certai femhsc8ii-

    que rios dhtiquem da antiguidade conseqncias t p m enfragumcer, d a relpilfa que B l f f h 'que deseja renunciar; d a Tibarda- formas de liirdade politica. Os govsr.

    fm h-olno tlaham anttgamente, o direito de atribuir-se um h o . bwprsrrwi que brotam de fonte Isgltima t8m ainda me- a 8 & m w o direito de exercer sobre os IndIviduos uma supre.

  • ~ ~ ~ ' ~ ~ , ~ , n ~ 0 w ~ a m o s . S o r ~ t o ~ ~ ~ ~ u m ~ :gg?4W!bd~-~ali-@~ ~ @ m l i n r f f ~ b ~ & J

    b&& ~Irtjca? Rsnumh a ela, Wihores, seria lauaya . @ ~ ~ i ~ b @ ~ ~ ~ f t a r m ~ a a d g r , p W

    [email protected] um aid'a m fua&&s. D A, Senhr#, mr8 memo =rde que s fclkidae, d8

    s + @ & q w & . ~ o e r , ~ o ~ ~ d o ~ - ~ ? s?t, @kbmw mip muito emita e dafno m4tu pouw IW

    w p m y e pmCmb - cam- ~ b m w + e mc f4.b. W, W

    bmp as.pw~@nW, mk ed@e e la i40aeqWe ds&udQde iot4 ~ w f @ a d 6 d a e o p & t r d e ~ r i p o w ~ - I

    As&, vede oom~ uma crema mm a primeira instituigo qw'l dmlw o e m i d o miar da Uba&e poli- Vede nosas eid&qs l d 4 a s a ~ c h w s , Q t o ~ ~ ~ , ~ & d o ~ h ~ & ~ l ~ ~ ~ t r % ~ ~ lu&, de ma indhtriri privada, encontrar* & repente ao nivel das fua@ @pMWtes que a cwwi4@a fie oa&a, ~ l h e r e m dis*eahmw, #h&rn m, &&I it -,a& a ~ 9 , miah '&-O. Vede o pakiotiemo pm, pr&m& e shwm triunfando em dai ~ ~ a t d ~ ~ , ~ ~ d o n ~ ~ , ~ &-a- cmpos, impqmdo do mmento de nossa d k b e dpd cwsWi de -tias o espirito @to e do muitordi e do nega& h&II>.qw, oonheoedores atravda da W i a os males que sufmramn, 9 d ~ d . n d d a i a a b r s a r ~ ~ i s a a l n u l a i s l d a s m , a b n o a n n ~

    1- a* r Fraga inttoince, tstdbuidoror do rccalihscimento nacion~l,re*

    W@&Wltie ddadm h d PQ dmL nWd, tmplata quinddqen~ tmari 6- tsin- sst mwtmte; ainda miti muita &&a &r.

    a &a#o mot't dg d&&s, R#- &QS:JW&~~~, prmte&endo wi i n h m ~ , MO pertiir- yb, &aAPn,no entanto, consagrar r Mtr&i&,d9111 mbr& a w w a $&ici$w*do wexy:fdo~do poder, ma& der de&- @mt@Ik adbito ds controle s d e l ~ o i a pafarnaW&- b ~ a . , prepmridbwr m&+ *Ia prPW, patrl bg~ri J&$IWW ~ o . f r n p a O desejo e iflCYl&de de bxattt-

    doi wmUiid#s de B m i n Cunstant , ormimdo par YB~L. ae+b u W t e C& des Marlgnrgs . (u Uvre de m e , ,CI)I~BC-

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